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DAS SIGNIFICAÇÕES NA LÍNGUA AO SENTIDO NA LINGUAGEM- PARÂMETROS PARA UMA ANÁLISE DIALÓGICA

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DAS SIGNIFICAÇÕES NA LÍNGUA AO SENTIDO NA LINGUAGEM:
PARÂMETROS PARA UMA ANÁLISE DIALÓGICA
Adail Sobral* Universidade Católica de Pelotas Centro de Ciências Sociais e
Tecnológicas Pelotas, RS, Brasil
Karina Giacomelli** Universidade Federal de Pelotas Centro de Letras e
Comunicação Pelotas, RS, Brasil
Resumo
Maria Fernanda Baracat Abreu
UNITAU
Licenciatura em Letras: Língua Portuguesa
10074443
O texto de Sobral e Giacomelli tem como propósito a apresentação da significação e do
sentido, manifestados, respectivamente, em frases e enunciados, mostrando considerações
teóricas, proposições metodológicas e exemplo prática da metodologia de análise, sendo a
apresentação dessa metodologia o objetivo do texto.
A proposta dialógica apresentada pelas autoras tem como base a ideia de que o sentido não
vem das palavras em si, mas sim da interação em que tais palavras são utilizadas e da
interconstituição dos sujeitos a partir do discurso.
Há, aqui, o que Sobral e Giacomelli chamam de negociação de sentidos, ou seja, o sentido
das palavras está diretamente ligado às relações enunciativas entre os sujeitos, fazendo com
que uma palavra de conotação definida como negativa no dicionário, tome conotação positiva
no contexto em que se apresenta, fazendo com que não sejam as significações os fatores
determinantes, mas sim a relação enunciativa determinando os sentidos através da interação
linguística.
A partir da ideia de que as relações enunciativas determinam os sentidos a partir de um
contexto, enunciar se torna um ato com interligação entre o sistema linguístico e as relações
sociais. Dentro da determinação do sentido pela interação, há ainda a ideia da negociação
permanente, que possui características, além de verbais, não verbais. Todo o contexto em
relação ao discurso e aos sujeitos participantes da interação linguística influencia nos sentidos
que serão criados, sendo que a negociação permanente seria o ato de tentar convencer ou até
mesmo impor, através de tal interação, os sentidos pretendidos, sendo o nível de aceitação
desses sentidos diretamente dependente do contexto social dos interlocutores; os sentidos
podem sofrer alterações não previstas pelos interlocutores, uma vez que até mesmo as
atitudes dos sujeitos envolvidos na situação de interação podem interferir na significação dos
discursos ali presentes, fazendo com que um tome como sentido do discurso do outro, até
mesmo o total oposto do que era pretendido por quem discursa.
Citando Bakhtin e Voloshinov, as autoras defendem que até mesmo na escrita o encontro
entre locutor e interlocutor, ou seja, o encontro entre sujeitos, se da a partir da vivência
comum na situação, sendo um exemplo, nos textos escritos, a consideração tanto que o autor
faz, quanto o leitor, a partir de inferências, sobre quais as significações já foram formadas, em
seu pessoal, sobre aquele discurso.
A imagem discursiva dos interlocutores, aqui, não pode ser separada do sentido,
considerando os sujeitos não empíricos, uma vez que a produção de sentido é dependente da
interação, que é dependente da imagem dos sujeitos que, do ponto de vista do discurso, são
seres de linguagem, fazendo com que a separação dessas características fizesse com que
houvesse uma fragmentação ou desfiguração do discurso.
A enunciação, para as autoras, seria um espaço de mobilização unitária e coerente do
repetível, que seria o produto e do irrepetível, que seria o processo, ainda que tanto o produto
quanto o processo façam parte do agir enunciativo, sendo que a enunciação gera um dado, um
enunciado ou um conjunto de enunciados. A enunciação pode gerar, nos enunciados, marcas
materiais ou de ordem de sentido, sendo, respectivamente, marcas linguísticas e marcas
enunciativas.
O estudo do discurso leva em conta, especialmente, as marcas de estabilidade ou ordem da
língua, como também podem ser chamadas de. Porém, tal estudo não fica restringido e não
possui caráter de parcialidade sobre tipos relativamente estáveis e elementos extra-verbais; os
tipos relativamente estáveis são caracterizados por constituírem os gêneros do discurso,
enquanto os elementos extra-verbais realizam a mobilização da textualidade dos discursos, a
fim da criação de sentidos já inscritos estruturalmente.
Aquele que discursa deve ser percebido como identidade unificada, uma vez que o sujeito é
constituído a partir da interação linguística e das situações de enunciação, sendo essa
interação universal, independente se abstrata ou concreta. O coletivo tem voz através do
sujeito, sendo este algo concretamente definido, distinto de outras concretudes, criando,
também, simbolicamente, outros sujeitos do discurso. A imagem do sujeito, de acordo com
Sobral e Giacomelli, não pode ser apagada ou anulada, uma vez que se trata de uma imagem
construída a partir da situação concreta de enunciação; cabe, ao sujeito discursivo,
compreender e desenvolver a possibilidade de uso do discurso, sabendo o que e como dizer,
negociando a imagem de si mesmo, sendo considerado, até mesmo, um personagem,
ocupando diversas posições-eu, dependendo da situação enunciativa.
O sujeito seria, então, uma espécie de mediador entre sentidos socialmente possíveis e o
discurso produzido em situações concretas, que ocorrem em sua superfície. A ação
individual, de acordo com Bakhtin (2010), citado pelas autoras, é vital para a interação
discursiva do sujeito.
A linguagem, então, está diretamente relacionada aos elementos da estrutura social, sendo um
dos mais importantes a ideologia, ainda que ela não se ligue à uma única esfera ideológica,
mas sim a várias. A percepção da realidade ocorre a partir de uma construção simbólica
pautada na linguagem, sendo o caráter sócio-histórico-ideológico de consciência individual
não menos individual, mas sim tendo a individualidade como condição da
interindividualidade; é necessário que o sujeito se perceba como ser social, sendo que a
sociedade é constituída dos sujeitos, enquanto os constitui a partir da interação.
Citando Bakhtin a partir de Voloshinov (1999), as autoras trazem o termo “socializar os
sentimentos”, utilizado por Bakhtin ao tratar da relação entre o discurso na vida e na poesia
ou arte; para Bakhtin, ainda na arte, o individual e o social estão interligados, uma vez que o
autor, para ser compreendido, leva em consideração o outro e, ainda que de maneira
inconsciente, discursa como se estivesse falando diretamente com o outro e, além disso, ainda
na forma exterior, quem discursa é dividido por quem é, quem acha que é e quem os outros
pensam que é.
As ideias apresentadas por Bakhtin, a partir de Voloshinov, são a comprovação do nascimento
do sentido a partir da interação, não sendo ditador do sentido o sujeito ou a linguagem, mas
sim no ato da fala, sendo também no ato da fala a formação e reformulação do sujeito, do
sistema de signos, da individualidade e da coletividade; o ato da fala que dá a luz ao sentido
existe apenas para e a partir do outro, ou seja, da interação. A linguagem, então, e o sistema
linguístico, são dependentes do uso para que exista a criação de sentido, sendo a união entre
as possibilidades de junções de signos (possibilidades mutáveis) e as realidades do sistema de
uso (os contextos da utilização da linguagem).
Para Bakhtin, o interlocutor possui responsividade ativa, significando que a resposta concreta
emitida por ele, permite a materialização da compreensão daquilo que é proposto pelo
locutor, tendo, o retrospectivo e o prospectivo, como ponto de referência, o que é realizado,
ou seja, o texto em si, já enunciado, seria uma unidade constituída por outros textos, que
resultam em novos enunciados, independente da objeção ou apossamento das ideias a partir
da interpretação feita dos enunciados; as interações linguísticas já vividas pelo sujeito
formulam seu discurso, seja a partir da concordância da interpretação feita sobre o discurso
do outro, ou da objeção desse discurso, sendo que a interação linguística feita a cada
momento influencia diretamente em discursos futurosdaqueles que participam de tal
interação.
Bakhtin ainda dá prioridade aos significados cristalizados, independente se na constituição ou
no que virá a ser dos sentidos, demonstrando que o contexto e a interação são formadoras do
significado. Entretanto, o contexto não é apenas o que está presente na situação imediata de
interação, mas sim toda a bagagem dos sujeitos, sendo passado, presente e futuro, tendo o
discurso possibilidade de mudança, de acordo com alteração dos contextos e com as
interações realizadas durante a vida do sujeito; as ideias bakhtinianas não pretendem ignorar
o sistema linguístico enquanto sistema, mas sim busca integrar tal sistema e os processos
cognitivos presentes no entendimento e na significação.
Para Voloshinov, a partir de Bakhtin, há uma situação de vínculo entre as ideologias e os
signos verbais. Para os estudiosos, a ideologia não constitui apenas as realidades natural e
social, sendo que os signos obedecem a realidade na qual se encontram, estando sujeitos à
avaliação ideológica, sendo a ideologia marcadora de toda utilização da linguagem.
A consciência individual, de acordo com Sobral e Giacomelli, se forma a partir do processo
de interação social e da materialidade semiótica e ideológica nesse processo, sendo a psique
anulada no processo de conversão à ideologia e vice versa; não há, de fato, uma anulação da
psique ou da ideologia, mas sim uma intersecção entre as duas.
O social e o pessoal, na ideia bakhtiniana, são presentes e acessíveis nos discursos, sendo
impossível separar o contexto da interação da própria interação (realidade discursiva e
realidade propriamente dita); o sujeito é um ser em construção buscando constantemente, no
outro, social e historicamente, o que o complete, sendo a sociedade marcada pela articulação
entre sujeitos (para além de propósitos individuais). Ainda sobre o sujeito, é reconhecido que
este, a partir do possível e do realizável, toma escolhas, avalia e se compromete, sendo a
compreensão sobre o ser (seu agir e processo de significação) advinda apenas de uma visão
abrangente e transdisciplinar.
O sujeito, portanto, possui provisoriedade em sua condição humana, ou seja, provisoriedade
do sentido; há, de certa forma, uma permanente tensão dialógica entre estabilidade e variação,
podendo ser definida de inúmeras maneiras, como o eu e o outro, o pessoal e o social, o geral
e o particular, a fixidez dos significados e a ressignificação e outros, marcando a teoria
bakhtiniana com a ideia de oposições sustentadas (que seriam formadoras e transformadoras
do sujeito).
A produção de sentidos deve assim ser analisada levando-se em conta
necessariamente o contexto histórico-social interativo em que são produzidos os
discursos, por ser este contexto constitutivo do sentido, tal como se manifesta nas
superfícies discursivas.
(SOBRAL, Adail; GIACOMELLI, Karina. Das significações na língua ao sentido na
linguagem: parâmetros para uma análise dialógica. Linguagem em (Dis)curso –
LemD, Tubarão, SC, v. 18, n. 2, p. 307-322, maio/ago. 2018.)
A linguagem é, portanto, formada social e historicamente, indo além da função informativa,
apesar de servi-la; antes da função informativa, a linguagem manifesta intenções, regras,
convenções e outros elementos sociais e históricos, marcados pelos processos ideológicos no
contexto em que existem. Para Bakhtin, a partir de Voloshinov (1999), a linguagem é um fato
social de interação verbal e não um sistema abstrato de signos que possuem significado
independente do contexto geral em que ocorre a interação, sendo os sujeitos participantes
dessa interação levados em consideração no contexto.
O discurso se funda enquanto espaço de produção de sentidos na relação entre as
instâncias de que vem e aquelas a que se dirige. Assim, seu sentido não vem só do
linguístico/textual nem só do contextual, nem pode ser tido como apenas subjetivo ou
apenas objetivo. O sentido é uma função da intencionalidade conferida aos sujeitos,
do qual eles se apropriam, no âmbito das práticas da cultura, da história, etc., ou seja,
não advém de algum sujeito individual autônomo que una, de várias maneiras, as
instâncias constitutivas. Com isso, não se retira o caráter autoral do agir discursivo do
sujeito, mas põe-se em destaque o fato de que seu agir é constitutivamente relacional.
(SOBRAL, Adail; GIACOMELLI, Karina. Das significações na língua ao sentido na
linguagem: parâmetros para uma análise dialógica. Linguagem em (Dis)curso –
LemD, Tubarão, SC, v. 18, n. 2, p. 307-322, maio/ago. 2018.)
A referencialidade presente no discurso existe pela categorização do mundo existente nas
especificidades da interação entre sujeitos, sendo as expressões linguísticas formas de
encaminhamento a entidades de que falam os sujeitos a partir do seu ponto de vista
interacional.
O discurso parte da intencionalidade, sendo dependente da relação locutor-interlocutor. Fora
da relação locutor-interlocutor, não há sentido discursivo.

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