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Autoras: Profa. Joana da Silva Ormundo Profa. Mônica Oliveira Santos Profa. Ana Lúcia Machado da Silva Colaboradoras: Profa. Cielo Griselda Festino Profa. Tânia Sandroni Análise de Discurso Crítica Professoras conteudistas: Joana da Silva Ormundo / Mônica Oliveira Santos / Ana Lúcia Machado da Silva Joana da Silva Ormundo Doutora em Linguística pela Universidade de Brasília. Mestre em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Licenciada em Letras – Língua Portuguesa. Atua na área do texto, do discurso e da semiótica. Professora da Universidade Paulista (UNIP). Mônica Oliveira Santos Graduada em Letras pela Universidade Federal da Paraíba. Mestre em Linguística Aplicada, com ênfase na área de ensino de língua materna, pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Doutora em Linguística, com ênfase nas áreas de semântica e análise do discurso, também pela Unicamp. Professora da Universidade Paulista (UNIP). Ana Lúcia Machado da Silva Mestre e especialista em Língua Portuguesa pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Foi professora da Educação Básica na rede pública e na rede privada, lecionando língua portuguesa durante 20 anos. Professora no curso de graduação em Letras e em módulos para cursos de lato sensu da Universidade Paulista (UNIP). © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) O73a Ormundo, Joana da Silva. Análise de Discurso Crítica / Joana da Silva Ormundo; Mônica Oliveira Santos; Ana Lúcia Machado da Silva. – São Paulo: Editora Sol, 2022. 136 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Língua. 2. Discurso. 3. Social. I. Ormundo, Joana da Silva. II. Santos, Mônica Oliveira. III. Silva, Ana Lúcia Machado da. IV. Título. CDU 801 U514.89 – 22 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Profa. Sandra Miessa Reitora em Exercício Profa. Dra. Marilia Ancona Lopez Vice-Reitora de Graduação Profa. Dra. Marina Ancona Lopez Soligo Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Claudia Meucci Andreatini Vice-Reitora de Administração Prof. Dr. Paschoal Laercio Armonia Vice-Reitor de Extensão Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades do Interior Unip Interativa Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Vannini Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático Comissão editorial: Profa. Dra. Christiane Mazur Doi Profa. Dra. Angélica L. Carlini Profa. Dra. Ronilda Ribeiro Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista Profa. Deise Alcantara Carreiro Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Ricardo Duarte Aline Ricciardi Sumário Análise de Discurso Crítica APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................9 Unidade I 1 ESTUDOS DA ANÁLISE DO DISCURSO FRANCESA (AD) ................................................................... 13 2 A DETERMINAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICO-IDEOLÓGICA: ASSUJEITAMENTO E ALTERIDADE ... 17 3 CONCEITOS-CHAVE DA AD: CATEGORIAS TEÓRICAS E DE ANÁLISE ........................................... 20 4 PRINCIPAIS CONTRIBUIÇÕES DA AD PARA OS ESTUDOS DA LINGUAGEM ............................. 38 4.1 Conceitos que permeiam a construção dos sentidos na AD .............................................. 41 Unidade II 5 DA MODERNIDADE À PÓS-MODERNIDADE: NOVAS PRÁTICAS SOCIAIS E NOVA LINGUAGEM ......................................................................................................................................... 73 6 MUDANÇAS SOCIAIS E TECNOLÓGICAS: INTERAÇÃO MIDIÁTICA ............................................... 87 Unidade III 7 NOÇÕES PRELIMINARES DA ANÁLISE DE DISCURSO CRÍTICA ...................................................... 99 7.1 Abordagens do discurso na ADC ..................................................................................................109 7.2 Categorias de análise ........................................................................................................................113 8 ABORDAGEM DA ANÁLISE SOCIAL: A PROPOSTA TRANSDISCIPLINAR NA PERSPECTIVA DA ANÁLISE DE DISCURSO CRÍTICA ......................................................................116 7 APRESENTAÇÃO As línguas xavante, portuguesa, inglesa, árabe, tâmul, entre outras 7 mil existentes, são consideradas naturais porque são aprendidas por nós quando crianças ao ouvirmos os adultos à nossa volta. Em torno dos 3 anos, já estamos “sintonizados” com a língua da comunidade em todos os níveis – com seu léxico, que é ampliado a cada avanço nosso no conhecimento; com sua fonética, tanto no aprendizado da distinção auditiva dos fonemas quanto no treino para a produção deles; com sua morfologia, palavras, vocábulos, afixos e flexões; e com sua sintaxe, em construções oracionais simples e complexas. Empregamos a língua nas relações interpessoais, na participação nos deveres e direitos, no desfrute dos bens culturais e na compreensão das diferenças. Enfim, revestimos a língua de nossa história, de nossas experiências cotidianas, de nosso próprio desempenho verbal. A língua não é um punhado de palavras aleatórias. Ela traz um universo de significados em virtude de nossa condição de seres sociais e históricos. Por exemplo, as primeiras palavras – mamãe, papai, mama(r) – formam um campo lexical que faz parte do contexto familiar, ou melhor, da instituição família, refletindo os sujeitos falantes (os responsáveis, o filho), um espaço-tempo histórico (época em que o falante é bebê, um lar) e um objetivo (chamar a atenção dos pais, pedir alimento etc.). Trata-se do uso da língua em situação discursiva, em que o sentido do que falamos é construído em uma prática social. Esse sentido é atravessado pelo ponto de vista ou pela ideologia dos falantes. Na verdade, uma única palavra pode marcar uma visão de mundo, tal como na situação de uso de língua apresentada a seguir. Maradona nega o uso de cocaína “para jogar” Diego Maradona negou que tenha usado drogas para melhorar seu desempenho em campo. O jogador argentino deu ontem em Nápoles sua primeira e curta entrevista após a divulgação de que jogou dopado no último dia 17 de março no jogo Napoli contra Bari, pelo Campeonato Italiano. “Eu nunca precisei de nada para provar minha performance”, disse Maradona. A contraprova do exame antidoping do argentino, realizada anteontem em Roma, indicou a presença de cocaína na urina do jogador. Maradona pode ser suspenso de seis meses a dois anos. A Federação Italiana vai divulgar a punição durante a semana. Maradona não descartou a possibilidade de ter consumido cocaína, mas negou que tenha se dopado com o propósito de jogar sob efeito de estimulantes. “Eu nunca entrei em campo sob efeito de estimulantes. Eu não quero essa suspensão”, afirmou, concluindo a entrevista. 8 Marcos Franchi, procurador do meia do Napoli, disse que Claudia Villafane, mulher de Maradona, chorou muito quando soube do resultado do exame. Franchi não quis falar qual foi a reação de Maradona sobre o escândalo. Fonte: Kleiman (2000, p. 28). Esse texto faz parte de uma instituição, a do jornalismo, e segue o padrão do gênero notícia: título; lead (parágrafo inicial, em que estão os dados fundamentais: o que ocorreu, com quem, quando etc.); outros parágrafos, com aprofundamento do fato. A linguagemé mais objetiva, e o leitor espera um relato isento de subjetividade. Contudo, a última palavra (“escândalo”) marca o ponto de vista do jornalista, que não concorda com o uso de droga por parte do jogador. Se o autor, por exemplo, encerrasse o texto com “evento”, teria mantido a neutralidade esperada, ou, se escrevesse “triste evento”, marcaria sua solidariedade ao jogador. Independentemente do que é expresso, uma única palavra tem o poder de marcar um ponto de vista, uma ideologia. Mesmo uma expressão idiomática reflete uma ideologia. Vejamos a expressão “Meu Deus!”, que aparece em diversas línguas. Como exemplo, temos: em alemão, “Du lieber Gott!”; em árabe, “يهلأ اي”; em espanhol, “¡Dios mío!”. Essa expressão faz parte da instituição religião, e quando ela aparece em outros discursos, diferentes do discurso religioso, ocorre uma relação entre discursos: a interdiscursividade. Em resumo, o discurso abrange diversos campos, e cada um propaga uma ideologia: discurso religioso, discurso familiar, discurso político, discurso publicitário, discurso jornalístico etc. Quando acontece o encontro de dois discursos, temos a interdiscursividade: um poema (discurso literário) pode ter temática religiosa (discurso religioso); um anúncio publicitário (discurso publicitário) pode fazer uma releitura de um conto de fadas (discurso literário); e assim por diante. Não há como fugir. Todo e qualquer uso de língua insere-se em um contexto discursivo, corroborando ou refutando sua ideologia. Além desse aspecto de uso da língua, há um fator atual referente à nossa sociedade. A informação e o conhecimento passaram a ser os produtos mais propagados e vendidos, por meio de aplicativos, plataformas, sites, blogs etc. O discurso, assim, relaciona-se à sociedade contemporânea, marcada por dois fenômenos fundamentais: a globalização e a tecnologia. Nesse contexto, dois aspectos são fundamentais. Um deles diz respeito ao discurso em si, que passa a ser objeto de estudo e análise. O outro tem a ver com a naturalização do discurso, processo que pode levar as pessoas a reproduzirem ideologias nocivas para elas ou para outras pessoas. Uma vez naturalizado, o discurso atinge o status de senso comum, o que estabiliza os sentidos e cerceia os questionamentos. 9 Para contemplar o uso da língua em situação discursiva, trabalharemos o seguinte conteúdo: • a análise do discurso francesa, suas categorias analíticas (assujeitamento, sujeito, formações ideológicas, formações discursivas e formações imaginárias) e os efeitos de sentido dados pelas noções de transparência, opacidade e incompletude; • o percurso de transformação da sociedade moderna para a pós-modernidade, o novo capitalismo e o foco nas práticas sociais e na linguagem; • o surgimento da perspectiva da análise de discurso crítica como uma teoria social do discurso e suas categorias analíticas, com base no quadro tridimensional e na perspectiva transdisciplinar; • a linguagem e as vozes da globalização em uma perspectiva crítica, com análise transdisciplinar e recontextualização. Os objetivos gerais são: • examinar o processo de mudança social e o desenvolvimento dos estudos do discurso; • situar o aluno sobre o desenvolvimento dos estudos do discurso no contexto da pós-modernidade e da globalização; • abordar as práticas de linguagem em uma perspectiva discursiva crítica, por meio da transdisciplinaridade. Os objetivos específicos são: • apresentar as categorias analíticas da análise do discurso francesa; • apresentar as categorias analíticas da análise de discurso crítica de linha inglesa, no contexto da sociedade globalizada e tecnológica; • desenvolver a habilidade de análise de textos/linguagens em eventos sociais na perspectiva discursiva crítica. 10 INTRODUÇÃO Nas línguas, existe hierarquia entre suas unidades. Se as dispusermos numa relação em ordem crescente, teremos: fonema → morfema → palavra → sintagma → oração → texto → discurso O discurso é a unidade em que o uso da língua é efetivamente concretizado. Nessa perspectiva, a língua deixa de ser o principal constituinte de sentido, como proposto por Ferdinand de Saussure, pois ela é atravessada por aspectos como ideologia e relações sociais. Na verdade, em cada condição discursiva, a língua tem sentidos diferentes, sendo remetida à exterioridade, ou seja, às suas condições de produção. Dentro da linguística, a vertente que estuda o discurso é a análise do discurso – inicialmente, na década de 1960, a de linha francesa (AD). Para a AD, a língua é usada por um sujeito, e a constituição do sentido está nos elementos sócio-históricos. A noção de sujeito não é igual à apresentada pela gramática, que identifica duas grandes partes da oração: o sujeito e o predicado. Para Foucault (1997, p. 109), o sujeito é “um lugar determinado e vazio”, com potencialidade para ser ocupado por indivíduos diferentes. Para Pêcheux (2010a), o sujeito é o indivíduo afetado inconscientemente pela ideologia. A ideologia, por sua vez, desempenha um papel fundamental na produção discursiva. A ideologia é uma representação da relação imaginária dos indivíduos com suas condições reais de existência. Em outras palavras, não são representadas as condições reais de existência, mas sim a relação das pessoas com suas condições reais de existência, de forma necessariamente imaginária. No senso comum, acredita-se que alguns textos tenham ideologia e outros não. Com frequência, associa-se ideologia somente a pensamentos de esquerda, por exemplo. No entanto, todo discurso veicula uma ideologia. Desse modo, quando lemos, escrevemos, interpretamos, pensamos e enunciamos, estamos inseridos numa formação ideológica. A ideologia pode não ser identificada de imediato, mas isso não quer dizer que não esteja presente, pois é próprio da ideologia assegurar que seja evidente ou dissimular seu funcionamento. O discurso é afetado pelas condições de produção. Toda vez que é produzido, existem condições específicas. Cada discurso é único e, portanto, irreprodutível. Conforme Orlandi (2007a), as condições de produção podem ser consideradas em dois sentidos: • Em sentido estrito: as circunstâncias de enunciação do contexto imediato. • Em sentido amplo: o contexto sócio-histórico ideológico. 11 Em vertente mais atual, encontramos a análise de discurso crítica (ADC), para a qual a língua é modelada pelas funções sociais às quais (a língua) serve. Nessa perspectiva, o estudo do discurso se abre para todas as formas de construção de sentido – não apenas a língua, mas também os diferentes tipos de linguagem. A vida social, por sua vez, é vista como uma interconexão de práticas sociais de diversos tipos, da esfera econômica, política, cultural etc. Para Fairclough (2012), toda prática social inclui os seguintes elementos: • atividade produtiva; • meios de produção; • relações sociais; • identidades sociais; • valores culturais; • consciência; • semiose. Com base nesses novos estudos, podemos verificar as mudanças radicais na vida social contemporânea, o papel que a semiose (da qual a linguagem da tecnologia é um grande exemplo) tem nessas mudanças, e as relações entre a semiose e outros elementos sociais. Quadro 1 – Síntese da ADC Objetivo de pesquisa Análise das perspectivas em que se constrói a relação social de poder no plano discursivo Eu pesquisador Agente participante de determinada ordem, que contribui para a construção de uma articulação entre linguagem e sociedade Concepção de texto Materialidade do discurso Concepção de linguagem Ação no mundo Concepção de ciência Espaço de construção de olhares diversos sobre o real Adaptado de: Rocha e Deusdará (2005, p. 321). 12 Exemplo de aplicação Para encerrar esta introdução, deixamos a você, aluno, um desafio. Leia as tirinhas do Garfield mostradas a seguir e monte uma caracterização do gato com base nelas. Depois, aponte a ideologia presente nessa caracterização. Por fim, discuta a interdiscursividade entrea ideologia apontada e a religiosa: Garfield corrobora ou refuta o discurso religioso quanto ao pecado da gula? Figura 1 Fonte: Davis (2013, p. 5). Figura 2 Fonte: Davis (2013, p. 93). 13 ANÁLISE DE DISCURSO CRÍTICA Unidade I 1 ESTUDOS DA ANÁLISE DO DISCURSO FRANCESA (AD) Neste item, faremos uma breve apresentação do percurso histórico da análise do discurso francesa (AD), descrevendo sucintamente suas principais categorias teóricas, a fim de dar suporte ao prosseguimento e ao aprofundamento nessa abordagem. A análise do discurso surgiu na França, nos anos 1960. Ela considera o texto em sua opacidade significativa e enfatiza seu funcionamento linguístico-textual e sua materialidade, que constitui discursos no contexto sócio-histórico-ideológico. Considerar a opacidade significativa do texto é levar em conta sua múltipla possibilidade significativa em função das contingências de seu acontecimento enunciativo-discursivo, suas condições de produção e circulação, pois os sentidos podem se deslocar e se ressignificar com o passar do tempo, ou mesmo em face de diferentes contextos sócio-histórico-ideológicos nos quais circulem. Por exemplo, o resultado de uma eleição produz sentidos completamente diferentes dependendo de onde circule como acontecimento enunciativo-discursivo. • Alguns entenderão o resultado como mudança, esperança e renovação. • Outros o entenderão como retrocesso, involução e atraso social. • Outros ainda o entenderão como desilusão e estagnação. A AD recusa fortemente o pressuposto de informacionalidade e representação do mundo/verdade como característica essencial e primordial da linguagem, visto que a produção de sentidos nos textos relaciona os elementos linguísticos à sua exterioridade discursiva, considerando as relações de poder entre as posições-sujeito em seu funcionamento e as determinações ideológicas que ancoram as formações discursivas por trás dos textos. Portanto, os sentidos produzidos nos textos vão muito além da sua literalidade lexical e estão marcados pela sua historicidade na memória enunciativo-discursiva. Assim, é ilusão acreditar que a linguagem simplesmente informa ou representa de maneira neutra uma verdade que está fora dela, no mundo. Conforme Maingueneau (1997), o nascedouro da AD oferece um legado de práticas de estudo da linguagem que não pode ser apagado. 14 Unidade I • Tradição filológica: história e reflexão sobre os textos; instrumento para a história, a antropologia e a filosofia. • Prática da explicação de textos: teoria da leitura; contexto universitário na França. • Estruturalismo: texto visto em sua imanência; modo de estudo distinto do usado pela filologia. Orlandi (2007a) sintetiza de forma mais sistemática e específica as balizas teórico-epistemológicas da AD, as quais podem ser desenhadas a partir de três rupturas teórico-filosóficas que estabelecem novos campos do saber: • Marxismo: materialidade e opacidade histórica – real da história. • Linguística: materialidade e opacidade da linguagem – real da língua. • Psicanálise: materialidade e opacidade do sujeito – real do inconsciente. Observação No conjunto dessas rupturas, constitui-se a ruptura da AD. Não se deve, porém, supor que a AD seja simplesmente a soma desses três campos do saber. Ela recorta aspectos pontuais dessas áreas (o real da história, o real da língua e o real do inconsciente) e os articula, relacionando-os e integrando-os a outras categorias teóricas, numa nova prática científica, a análise discursiva. Marxismo Análise do discurso Materialidade e opacidade discursiva: teoria da ideologia, da sintaxe, da enunciação, da determinação histórica dos processos de significação, todas atravessadas pela teoria psicanalítica do sujeito Linguística Psicanálise Figura 3 A seguir, indicam-se as influências teóricas pontuais para a constituição das balizas epistemológicas da AD (MAINGUENEAU, 1997; ORLANDI, 2007a): • Influência do pensamento marxista por meio de Althusser: distinção entre ciência e ideologia por meio do materialismo histórico – ideologia geral versus ideologias particulares. 15 ANÁLISE DE DISCURSO CRÍTICA Segundo Pêcheux, principal autor dessa corrente na França, a linguagem é o lugar privilegiado de materialização da ideologia. • Influência da linguística estrutural: a AD apoia-se criticamente em Saussure, uma vez que o estruturalismo saussuriano não daria conta da semântica discursiva e de suas condições sócio-históricas de produção e constituição. A linguística de Saussure seria insuficiente por não incorporar a “exterioridade” da linguagem, sua condição social, histórica e ideológica. • Influência da psicanálise freudiana por meio de Lacan: a AD apoia-se na ideia de que é o sujeito que se apresenta como opaco. Ele não é transparente nem para si mesmo, nem para os outros. A constituição da subjetividade está inteiramente relacionada com a alteridade, com o outro. • Influência da filosofia foucaultiana: a história tem sua materialidade e opacidade. O homem faz a história, mas ela não lhe é transparente. O aprofundamento filosófico sai das noções de ideologia e de luta de classes para ir além, rumo à ideia de práticas discursivas e às relações de saber e poder. Foucault concebia o discurso como dispositivo enunciativo e institucional de diferentes práticas discursivas. Feitas essas considerações, é importante destacar que a AD pode ser dividida em três fases, AD1, AD2 e AD3, cuja transformação/evolução Pêcheux chama de conversão filosófica do olhar. Observemos cada fase. • AD1: caracteriza-se pelo esforço de teorização de uma máquina estrutural-discursiva automática. Essa proposta de análise do discurso é iniciada em 1969 com o lançamento do livro Análise automática do discurso, de Pêcheux, que apresenta algoritmos para a análise automática de discursos, apoiada no método de Zellig Harris. A passagem para a segunda fase é defendida por Pêcheux, visto que a tomada de posição estruturalista se esfuma depois da AD1 e produz uma recusa de qualquer metalíngua universal, supostamente inscrita no inatismo do espírito humano, e de toda suposição de um sujeito intencional como origem enunciadora do discurso. • AD2: começa em 1975 com o lançamento de Semântica e discurso, de Pêcheux, que aprimora conceitos e introduz novidades essenciais para a teoria, como a noção de formação discursiva heterogênea (trabalhada na Arqueologia de Foucault), que faz explodir a ideia de maquinaria estrutural fechada da fase anterior. Outra concepção fundamental que surge é a de interdiscursividade. Proveniente da filosofia da linguagem de Bakhtin, ela se revela como base para pensar o processo discursivo. A AD2 representa um período de amadurecimento – não metodológico, mas teórico – para a terceira fase, momento no qual a teoria do discurso assume a sua forma atual: discurso como o encontro da estrutura e do acontecimento. • AD3: apresenta uma inovação metodológica e uma sofisticação no tratamento do sujeito. Até a AD2, o método harrisiano ainda funcionava; na AD3, ele dá lugar ao chamado gesto de leitura. No tratamento do sujeito, entra em cena a questão de sua dispersão e de suas posições na formação discursiva, transformando a ideia de sujeito comportado, obediente em seu assujeitamento a uma forma-sujeito historicamente determinada. 16 Unidade I Saiba mais Para entender melhor o percurso histórico de constituição da AD, leia o texto indicado a seguir. BRANDÃO, H. H. N. Análise do discurso: um itinerário histórico. In: PEREIRA, H. B. C.; ATIK, M. L. G. (org.). Língua, literatura e cultura em diálogo. São Paulo: Mackenzie, 2003. Maingueneau (1997) afirma que não é mais possível falar em uma escola de análise do discurso francesa nos dias de hoje, mas em várias ramificações. Houve um deslocamento do discurso político para qualquer tipo de produção verbal. A AD passou a fazer fronteira com outras disciplinas: sociolinguística, etnolinguística, análise conversacional,teoria da argumentação, teoria da comunicação etc. Observação A proliferação da expressão análise do discurso causa certa confusão. Um dos objetivos desta disciplina é diferenciar os sentidos de discurso em várias práticas de análise. Entre as críticas lançadas à AD francesa, encontram-se acusações de se voltar excessivamente aos corpora impressos e institucionalizados, aos mecanismos linguísticos formais e às condições de produção, deixando de lado outras possibilidades do discurso “comum”, heterogêneo. Até certo ponto, tais críticas são legítimas, mas elas acabam conduzindo a uma posição confusa. As muitas análises do discurso se complementam em alguns aspectos e se digladiam em outros, dado que, em sua variedade, o discurso, seu objeto de análise, constitui-se singularmente para cada uma. Como nem sempre a comunidade acadêmica está atenta a isso, por vezes veicula uma “salada de discurso”, tomada como a mesma coisa em diferentes práticas de análise. Por isso, é importante observar o que cada vertente tem a oferecer aos estudos da linguagem e como se pode trabalhar com elas em complementaridade (quando possível). Embora seja visto por alguns de forma restrita, reducionista, o domínio da AD permanece ilimitado – discurso jurídico, religioso, político, pedagógico, sindical etc.; discurso da gramática, da imprensa, da publicidade etc.; discurso sobre questões que atravessam esta ou aquela coletividade em dada conjuntura: raça, gênero, sexualidade etc. Daí se constata a possibilidade de construção de uma infinidade de objetos de análise. O que diferencia a AD das outras práticas de análise de texto é justamente a utilização da linguística, ou ainda a maneira como essa teoria recupera os aspectos linguísticos presentes em um texto. Ela não 17 ANÁLISE DE DISCURSO CRÍTICA se prende necessariamente a este ou àquele ramo teórico (fonologia, morfologia, sintaxe etc.), mas atravessa o conjunto de ramos da linguística. Mais do que fazer parte do arcabouço teórico da linguística, a AD opta epistemologicamente pelos mecanismos de análise linguística, mas sem restringir-se a eles. “É preciso ser linguista e deixar de sê-lo ao mesmo tempo” (MAINGUENEAU, 1997, p. 18). 2 A DETERMINAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICO-IDEOLÓGICA: ASSUJEITAMENTO E ALTERIDADE Louis Althusser (1996) propõe uma teoria sobre as ideologias constituintes de uma sociedade, que definem o modo de pensar da sociedade em geral de forma abstrata e até mesmo inconsciente (para alguns). Segundo o autor, o Estado é um aparelho de repressão que funciona para assegurar o poder da classe dominante (poder estatal). Essa é sua função ou seu fundamento. Pautado nos estudos de Marx e nas concepções de Lênin, Althusser diz que a polícia, os tribunais, os presídios e o exército formam um aparelho repressor. Acima desse conjunto, estão o governo e a administração do Estado. Ressalta ainda que a posse do poder estatal é o que produz conflitos e revoluções nas sociedades. No entanto, graças ao aparelho do Estado, a classe dominante mantém o poder. Com efeito, o autor destaca a presença das ideologias como meio de assegurar o poder estatal. Descreve esse poder abstrato e passa a chamá-lo de aparelhos ideológicos do Estado (AIEs). As seguintes instituições são esses aparelhos: • o sistema das diferentes Igrejas; • o sistema das diferentes escolas; • o sistema político; • o AIE familiar; • o AIE jurídico; • o AIE sindical; • o AIE da informação, ou seja, imprensa, rádio, televisão etc.; • o AIE da cultura, ou seja, literatura, artes, esportes etc. Embora alguns, como a imprensa, sejam de domínio privado, também funcionariam como apoio para a classe dominante. Aprofundando o conceito, o autor mostra que o aparelho repressivo funcionaria primariamente pela repressão e secundariamente pela ideologia. No entanto, esse processo é uma via 18 Unidade I de mão dupla, uma vez que os aparelhos ideológicos funcionam secundariamente pela via da repressão, e os aparelhos repressivos funcionam secundariamente pela via da ideologia. Portanto, os AIEs teriam um funcionamento duplo, que atua sutilmente. O que unifica os vários AIEs é o traço comum de portarem a ideologia da classe dominante. Essa classe só se sustenta por controlar também os AIEs. Pragmaticamente, os AIEs garantem a reprodução das relações de produção da classe dominante, apoiando-se na proteção dos aparelhos repressores de Estado. É desse modo que a classe dominante sustenta seu poder estatal. Como exemplo, Althusser cita o papel que a Igreja desempenhava na sociedade feudal. Ela era o principal AIE na época, formando a população cultural e religiosamente. Hoje, esses dois AIEs foram separados, porque houve ruptura entre a formação escolar e a religiosa. Segundo o autor, o aparelho escolar surge e se torna o principal e mais atuante. Desde a infância, na esfera social e psicológica, o indivíduo é ideologicamente formado. É “o aparelho da informação, empanturrando cada ‘cidadão’ com doses diárias de nacionalismo, chauvinismo, liberalismo, moralismo etc.”. Embora se faça essa divisão entre os AIEs, o funcionamento deles se inter-relaciona, um validando e auxiliando o outro. A serviço do Estado, o aparelho escolar, com o auxílio de outros aparelhos, estratifica a formação dos cidadãos. Forma uma grande quantidade de operários para a indústria, uma quantidade menor para a vida acadêmica (que tende futuramente a se tornar a classe dos “pequenos burgueses”) e outra quantidade para um nível superior, muito distante das classes baixas. Ou seja, pragmaticamente, a instituição escolar forma as várias classes da sociedade, respeitando o poder estatal da classe dominante. Exemplo de aplicação Para se aprofundar nesse assunto, faça uma pesquisa sobre a organização do sistema educacional brasileiro, desde a década de 1960 até a nova LDB (Lei n. 9.394/1996), no que se refere às questões ideológicas. Sobre o conceito de ideologia, Althusser diz que pode ser dividido deste modo: • as ideologias (no plural), que têm história própria; • a ideologia em geral (no singular), que não tem história própria. Afirma que, assim como o inconsciente freudiano (eterno e sem história), a ideologia em geral não tem história, é imutável. Ele apresenta duas teses: • A ideologia representa a relação imaginária dos indivíduos com as condições reais de existência. • A ideologia tem uma existência material. 19 ANÁLISE DE DISCURSO CRÍTICA Quanto à primeira tese, formularam-se duas respostas sobre por que essa representação imaginária da realidade surgiu. A primeira diz que padres e déspotas criaram esse recurso para dominar a imaginação e a mente da maioria das pessoas e assegurar a continuidade do poder. A segunda afirma que as próprias condições sociais são alienadoras, e por isso os homens criam para si representações da realidade alienadas ou imaginárias. Essa última explicação para a representação imaginária, defendida por Marx, é reformulada por Althusser (1996, p. 128): “O que é representado na ideologia, portanto, não é o sistema das relações reais que regem a existência dos indivíduos, mas a relação imaginária desses indivíduos com as relações reais em que vivem”. Quanto à segunda tese, o autor diz que as ideias e representações têm existência material, estão presentes nos aparelhos ideológicos e nas suas práticas. Os indivíduos conscientes escolhem a representação de mundo em que acreditam, ou ainda, acreditam na representação de mundo à qual foram condicionados a acreditar. Assim, agem de acordo com a consciência e as ideias que lhes foram impostas através dos AIEs, refletindo-se essa imposição em suas atitudes e no seu modo de vida. Althusser afirma que as ações dos indivíduos demonstram as ideologias a que estão assujeitados. Um exemplo disso seria a religião, que move os fiéis a ter um estilo de vida regrado e a praticar certos rituais, como ajoelhar-se para rezar. O autor conclui: “Não existe prática, a não ser através de uma ideologia,[…] não existe ideologia, exceto pelo sujeito e para os sujeitos” (ALTHUSSER, 1996, p. 131). A ideologia interpela os indivíduos como sujeitos. É o que se chama assujeitamento ideológico. Dando continuidade à discussão sobre a relação entre ideologia e sujeito, retomemos as ideias de Orlandi (2007a). De acordo com a autora, diante de qualquer objeto simbólico, o homem é levado a interpretar. Ressalta que não há sentido sem interpretação. Daí a presença da ideologia: ela produz evidências que põem o homem na relação imaginária com suas condições de existência. A ideologia é condição para a constituição do sujeito e dos sentidos. O indivíduo é chamado à existência por meio da ideologia, o que faz com que produza o dizer/discurso. Segundo Orlandi, os sujeitos funcionam numa realidade que é um sistema de significações percebidas, experimentadas, que atuam pelos chamados esquecimentos (ideológico e enunciativo). Isso leva a entender a ideologia não como ocultação, mas como função da relação necessária entre linguagem e mundo, na qual estes se refletem e se refratam, fazendo funcionar o efeito imaginário de um sobre o outro. Vale mencionar que o dizer/discurso se apoia nas formações imaginárias, pois, ao dizer, se diz aquilo que se imagina que o outro vá entender, aceitar, interpretar de dada perspectiva. Pensa-se a interpretação como uma ponte, uma relação da língua e do sujeito com a história e os sentidos, relação essa que, segundo Orlandi, só é possível por meio do jogo imaginário da ideologia. Considerando que não há sujeito sem ideologia, e vice-versa, a autora lembra que, para pensar em sujeito, é preciso pensá-lo na posição que ocupa para dizer algo. Não se deve pensar no indivíduo fulano de tal, residente na rua tal, RG número tal. Um humorista, por exemplo, não deve ser pensado como sujeito biopsicossocial, mas como sujeito na posição que está ocupando ao ridicularizar e criticar o sistema dominante, visto que ele está inserido em uma cultura/sociedade com uma história 20 Unidade I e uma ideologia que o determinam a isso. Vale dizer que o mesmo sujeito ocupa várias posições dentro das instituições que constituem o Estado. Daí a importância delegada à posição-sujeito. O mesmo indivíduo assujeitado pela posição humorista pode também ser eleitor, consumidor, filho, pai, adúltero, caridoso etc. Segundo Orlandi, o sujeito é ao mesmo tempo livre e submisso, ou seja, ao mesmo tempo que ele pode dizer tudo, tem que se submeter à língua para fazê-lo. Isso serve de base para o assujeitamento. Para melhor compreender esse conceito, vale notar que o sujeito é sempre dominado/submetido a dizer aquilo que convém, que é pertinente, dentro dos padrões impostos pela ideologia dominante. É necessário estabelecer uma relação entre o sujeito e sua forma histórica, uma vez que, à medida que as sociedades se alteram com o tempo/história, os sujeitos também se alteram. Isso é evidente, pois, alterada a sociedade, altera-se a sua ideologia e, com isso, os seus sujeitos. Orlandi ressalta que o assujeitamento submete o sujeito, mas ao mesmo tempo apresenta-o como livre e responsável, de modo que o discurso apareça como instrumento do pensamento e reflexo da realidade. Cabe aí à ideologia fornecer evidências que apaguem o caráter material do sentido e do sujeito. É nessa perspectiva que se sustenta o sentido da literalidade (sentido dado à palavra sem levar em conta seu contexto/uso), pois, para o sujeito, o dito está claro, é facilmente entendido/significado, ou seja, o sentido é transparente. A autora, porém, diz que cabe ao analista do discurso aprofundar-se na opacidade do texto dito e verificar o que está suspenso nele, buscando compreender como é produzido e quais são os seus sentidos. A autora discorre ainda sobre a função-autor, acionada quando um texto necessita de autoria. É a função discursiva do sujeito. Observação Cabe ao autor guiar o interlocutor ao ponto X da questão, mostrar o que é importante e o que não é, indicar qual caminho percorrer. Essa é a função do autor. Ele deve orientar a leitura para que esta venha a ser entendida. A função-autor é determinada pela exterioridade, pelo contexto histórico-cultural. Também é uma função de responsabilidade. Se o sujeito é opaco e seu discurso não é transparente (claro), o autor do texto deve ser coerente, coesivo, não contraditório, para que o sujeito possa entendê-lo. 3 CONCEITOS-CHAVE DA AD: CATEGORIAS TEÓRICAS E DE ANÁLISE Conforme vimos, a AD procura entender como a linguagem faz sentido, constituindo os sentidos e os sujeitos, materializando as ideologias que os determinam, marcadas no discurso de modo a evidenciar sua capacidade de significar e significar-se sócio-histórico-ideologicamente. 21 ANÁLISE DE DISCURSO CRÍTICA Lembrete A AD não trabalha com a língua enquanto sistema abstrato, mas com a linguagem em funcionamento. Ela mantém uma diferença quanto ao estudo da linguagem e de seu conceito, opondo-se à visão formal, funcional e histórica de linguagem. A AD critica o tratamento dado à linguagem pela ciência social e pela linguística moderna, e vai além delas, ao refletir sobre como a linguagem se materializa na ideologia e como esta se manifesta na língua. A AD trabalha a relação entre língua, discurso e ideologia. Não há discurso sem ideologia. Somente assim a língua faz sentido. A AD considera que a linguagem não é transparente. Não procura encontrar o sentido (único, referencial e verdadeiro); antes, busca o texto e seu significado. Ela vê o texto como material simbólico próprio e significativo, e o concebe em sua discursividade e historicidade. Como já visto, nos anos 1960 a AD se constitui em meio a três domínios: a linguística, o marxismo e a psicanálise. Cada um deles tem sua especificidade. A AD pressupõe o legado do materialismo histórico e, dessa forma, é linguístico-histórica. Reunindo a estrutura e o acontecimento, a forma material da linguagem é vista como significante em um sujeito afetado pela história. Aí está a contribuição da psicanálise, com o deslocamento da noção de homem para a noção de sujeito, pois nele se constitui a relação com o simbólico na história. Isso redunda em dizer que o sujeito discursivo funciona pelo inconsciente e pela ideologia, pois a palavra dita em nosso cotidiano já vem carregada de significado. Desse modo, a AD se faz herdeira da psicanálise, do marxismo e da linguística. Ao trabalhar com essas três áreas, rompe com o passado, assumindo um novo objeto de estudo: o discurso. A partir daqui, vamos enumerar as principais categorias teóricas e de análise da AD: • discurso; • condições de produção (CP); • formação discursiva (FD); • formações imaginárias (FI); • formação ideológica; • par interdiscurso e intradiscurso; 22 Unidade I • esquecimentos no discurso; • assujeitamento; • sujeito; • paráfrase e polissemia; • relação do objeto discurso com os mecanismos de análise. O funcionamento do discurso difere do esquema elementar de comunicação (emissor, receptor e código), pois para a AD o discurso não é apenas a transmissão de informação, a língua não é apenas um código pelo qual um fala e outro decodifica uma mensagem através de um canal de comunicação. No acontecimento discursivo, a comunicação se realiza num processo de significação que relaciona sujeitos e sentidos na língua através da história. Dessa maneira, percebe-se que a linguagem tem relação com os sujeitos e os sentidos, e estes (sujeitos e sentidos) são afetados pela história. Esse processo de identificação do sujeito, de argumentação, de subjetividade faz com que a linguagem em relação aos sujeitos e seus sentidos tenha efeitos variados, pois no/pelo discurso se produzem sentidos e sujeitos. A AD faz um recorte teórico entre língua e discurso, os quais se complementam entre si. Para Pêcheux, a fronteira entre língua e discurso é posta com valor sistemático em cada prática discursiva (pois a língua tem uma ordem estrutural derivadade um sistema-código), porém sistematicidades não existem efetivamente na linguagem. A relação entre língua e discurso é de recobrimento, pois não há separação entre eles. O que se impõe na verdade são as regularidades instituídas, destituídas e restituídas da ordem da língua para o discurso e do discurso para a língua (ORLANDI 2007a). Todo discurso se estabelece na relação com um discurso anterior e aponta para outro, faz uma ligação (intertextual ou interdiscursiva). Através desse cruzamento, constrói sentido, ideologia. Já com um objeto analisado, a AD abre espaço para novas possibilidades, uma vez que a análise não se esgota em uma descrição e ainda pode ser diferente nas diferentes formas de análise. Sobre a distinção entre textualidade e discursividade, Orlandi (2007a) observa que se designa como textualidade tudo aquilo que compreendemos e faz sentido (desde um livro até uma única letra). A textualidade ocorre numa diversidade de gêneros e tipos, resultando disso a interpretação. Em nossa sociedade, somos continuamente expostos a letras e símbolos, o que requer gestos de interpretação, determinados sócio-histórico-ideologicamente e materializados no discurso. A textualidade e a discursividade caminham juntas. É através do texto que se chega mais além, no discurso. Para compreender como um texto funciona, seu sentido e o que está por trás dele, são necessárias tanto a textualidade quanto a discursividade. Juntas, elas produzem um todo significativo, e no procedimento da análise devemos remeter os textos aos discursos aos quais estão filiados (formação discursiva, ideologia). O texto representa a linguagem. A interpretação produz sentidos e direciona o funcionamento da discursividade. 23 ANÁLISE DE DISCURSO CRÍTICA Em resumo, o objetivo da AD é apreender a linguagem entendida como discurso, materializando o contato entre o linguístico e o não linguístico. “O discurso é a materialidade específica da língua, e a língua é a materialidade específica do discurso” (ORLANDI, 2006a, p. 17). A partir da crítica feita à dicotomia saussuriana entre língua e fala, o conceito de discurso firma-se na associação de regularidades linguísticas às suas condições de produção, tornando o falante sujeito assujeitado. Para refletir sem equívoco sobre o objeto da AD – o discurso –, é sempre útil recorrer ao conceito de formação discursiva. Esse termo define “o que pode e deve ser dito (articulado sob a forma de uma alocução, um sermão, um panfleto, uma exposição, um programa, uma aula etc.) a partir de uma posição dada em uma conjuntura determinada” (MAINGUENEAU, 1997, p. 22). O discurso, portanto, é o objeto teórico (histórico-ideológico) da análise do discurso. Ele se produz socialmente por meio de sua materialidade específica (a língua). Trata-se de uma prática social cuja regularidade só pode ser apreendida a partir da análise dos processos de sua produção, e não dos seus produtos. O discurso é dispersão de textos, e a possibilidade de entender o discurso como prática deriva da própria concepção de linguagem, marcada pelo conceito de social e histórico, com a qual a AD trabalha (FERREIRA, 2001, p. 14). Conforme Orlandi (2007a), as condições de produção (CP) abrangem o sujeito e a situação dentro de um contexto sócio-histórico-ideológico e de uma memória discursiva. Esse contexto tanto pode ser o imediato (o aqui e agora, compreendendo as circunstâncias da enunciação) como o mais amplo (o contexto sócio-histórico-ideológico). Na prática, porém, não se pode separar os dois. As CP são ainda responsáveis pelo estabelecimento das relações de força e poder no interior do discurso, mantendo com a linguagem uma relação necessária e constituindo com ela o sentido do texto. O termo formação discursiva (FD), emprestado de Foucault, se relaciona à determinação/demarcação social, histórica e ideológica dos dizeres, materializando no discurso os efeitos criados pelas ideologias. As FDs representam as formações ideológicas no discurso. As posições ideológicas evidenciam suas regularidades no funcionamento discursivo. Mesmo assim, as FDs não são estáticas. Elas são fluidas, permitindo contradições e rupturas. As FDs são a manifestação, no discurso, de determinada formação ideológica em uma situação de enunciação específica. Funcionam como matrizes de sentidos, regulando o que o sujeito pode e deve dizer, bem como o que não pode e não deve ser dito. Atuam como lugares de articulação entre língua e discurso. Uma FD é definida a partir de sua rede interdiscursiva (formações discursivas distintas articuladas em um conjunto), podendo ser estabelecida tanto em relação de conflito quanto em relação de aliança. Conforme sustenta Foucault (apud ORLANDI, 2007a), sempre que se puder definir, entre certo número de enunciados, uma regularidade, se estará diante de uma formação discursiva. Na análise do discurso, esse conceito aparece reformulado e associado à noção de ideologia e de formação imaginária. 24 Unidade I A AD relaciona-se com textos produzidos em determinadas formações discursivas: • em instituições que restringem fortemente a enunciação (jurídica, militar, religiosa, médica etc.); • em âmbitos que cristalizam conflitos históricos e sociais (raça, sexualidade, gênero, sindicalismo trabalhista etc.); • em esferas que delimitam um espaço próprio no exterior de um interdiscurso limitado/demarcado (arte, humor, moda, beleza etc.). As formações imaginárias (FI) estão intrinsecamente relacionadas ao processo de constituição do sujeito. Definem-se pelas relações de força, pelas relações de sentido e pelas antecipações. Estas são relações hierárquicas de subjetividade, que vão da cumplicidade à oposição, e que se compõem a partir da imagem que o sujeito faz do outro, com base nas imagens já constituídas das posições-sujeito, determinadas pela sociedade. As FI são um poderoso mecanismo de antecipação regulador da argumentação. Dizem respeito às imagens e projeções das posições do sujeito no discurso. Segundo Orlandi (2007a), o conceito de FI se define a partir da concepção de Lacan sobre o imaginário. Pêcheux postula que as formações imaginárias resultam dos processos discursivos anteriores, manifestando-se no processo discursivo por meio da antecipação e das relações de força e de sentido. Na antecipação, o emissor projeta uma representação imaginária do receptor e, a partir dela, estabelece suas estratégias discursivas. O lugar de onde fala o sujeito determina as relações de força no discurso, enquanto as relações de sentido pressupõem que não há discurso que não se relacione com outros. O que ocorre é um jogo de imagens: dos sujeitos entre si, dos sujeitos com os lugares que ocupam na formação social e dos discursos já ditos com os possíveis e imaginados. As formações imaginárias, enquanto mecanismos de funcionamento discursivo, não dizem respeito a sujeitos físicos ou lugares empíricos, mas às imagens resultantes de suas projeções (FERREIRA, 2001, p. 16). Veja a seguir alguns exemplos de jogos imaginários (ORLANDI, 2007a). Quadro 2 – Exemplos de jogos imaginários em AD Assimétricos hierarquicamente Simétricos hierarquicamente professor-aluno aluno-aluno professor-professor padre-fiéis padre-padre fiel-fiel 25 ANÁLISE DE DISCURSO CRÍTICA Assimétricos hierarquicamente Simétricos hierarquicamente político-eleitores político-político eleitor-eleitor professor-coordenador diretor-reitor diretor-diretor coordenador-coordenador professor-pai de aluno pai de aluno-pai de aluno pai-filho irmão-irmão vendedor-cliente vendedor-vendedor cliente-cliente juiz-réu defensoria-promotoria mídia-telespectadores governo-povo família-sociedade Conforme sintetiza Ferreira (2001, p. 16), as FI dizem respeito ao conjunto complexo de atitudes e de representações, não individuais nem universais, que se relacionam às posições de classes em conflito umas com as outras. A FI é um elemento suscetível de intervir como uma força em confrontocom outras forças na conjuntura ideológica característica de uma formação social. Pêcheux afirma que as palavras, expressões, proposições mudam de sentido segundo as posições sustentadas por aqueles que as empregam, sentidos esses que são determinados, então, em referência às formações ideológicas nas quais se inscrevem essas posições. A interdiscursividade se refere à relação de um discurso com outros, ou seja, ao entremear de vozes discursivas que se manifestam em certo discurso e interferem no seu sentido. A interdiscursividade, portanto, está relacionada às noções de heterogeneidade discursiva, formação discursiva e pré-construído. O interdiscurso é a memória discursiva, que possibilita relacionar o dito (intradiscurso) ao já dito, o pré-construído que está na base do que é dito. Por isso, o dizer não é propriedade particular/original, pois está ancorado historicamente na memória enunciativo-discursiva. O interdiscurso abrange o conjunto das formações discursivas e se inscreve no nível da constituição do discurso, no sentido de que trabalha com a ressignificação do sujeito sobre o que já foi dito (o repetível), determinando os deslocamentos e rupturas promovidos pelo sujeito nos limites de uma formação discursiva. Ele determina materialmente o efeito de encadeamento e articulação de tal modo que aparece como o puro já dito. Já o intradiscurso diz respeito ao simulacro material do interdiscurso, na medida em que fornece-impõe a “realidade” ao sujeito, matéria-prima na qual o indivíduo se constitui como sujeito falante em uma determinada formação discursiva que o assujeita. 26 Unidade I Ao pensarmos o discurso como uma teia a ser tecida, podemos dizer que o intradiscurso é o “fio do discurso” de um sujeito; a rigor, é um efeito do interdiscurso sobre si mesmo, uma vez que incorpora, no eixo sintagmático (linear), a relação de possibilidade de substituição entre elementos (palavras, expressões, proposições), como se esses elementos, assim encadeados entre si, tivessem um sentido evidente, literal. O que está em evidência, no intradiscurso, é a formulação de um discurso a partir da realidade presente (FERREIRA, 2001, p. 18-19). A título de visualização, observe o esquema a seguir, que sintetiza as principais características desse par conceitual tão caro à AD. Intradiscurso (o que se está dizendo no texto) → Formulação no texto – linearidade Interdiscurso (o já dito, memória discursiva) → Memória – historicidade – exterioridade – inconscientes esquecidos na produção Figura 4 Observação Não confundir interdiscurso (rede de formações discursivas dispersas na memória discursiva e acionada por um texto) com intertexto (um texto que referencia outro implícita ou explicitamente). O esquecimento no discurso é estruturante na produção discursiva (PÊCHEUX apud ORLANDI, 2007a). Há dois tipos de esquecimento no processo enunciativo-discursivo: • Esquecimento ideológico: esquecimento inconsciente. Temos a ilusão de ser a origem do que dizemos, quando o que fazemos é retomar sentidos preexistentes (por exemplo, a memória sobre eleições, ditadura, medo etc.). • Esquecimento enunciativo: formulação parafrástica ao longo do dizer. Ilusão referencial. Esquecimento semiconsciente. O sujeito esquece os outros sentidos possíveis. Ao falarmos, fazemos isso de uma forma e não de outra (por exemplo, “Vote sem medo” ou “Vote com coragem”). O assujeitamento refere-se ao processo de interpelação (chamamento, convocação) do indivíduo por certa ideologia, em uma relação de identidade com um conjunto de valores de uma prática discursiva 27 ANÁLISE DE DISCURSO CRÍTICA ideologicamente determinada pelas condições sociais de produção que envolvem tal indivíduo. Tais condições são necessárias para que ele se torne sujeito do seu discurso ao submeter-se, “livremente”, às condições de produção impostas pela ordem superior, estabelecida em certa prática discursiva, instituída por um aparelho ideológico do Estado ao qual esteja vinculada, embora, para esse funcionamento se efetivar, o indivíduo assujeitado precise ter a ilusão de autonomia (ORLANDI, 2007a). Conforme teorizou Althusser, os indivíduos vivem na ideologia, não havendo, portanto, uma separação entre a existência da ideologia e a interpelação do sujeito por ela. O que ocorre é um movimento de dupla constituição: se o sujeito só se constitui por meio do assujeitamento, é pelo sujeito que a ideologia se torna possível, já que, ao entendê-la como prática significante, concebe-se a ideologia como a relação entre sujeito, língua e história na produção dos sentidos (apud FERREIRA, 2001, p. 12). O indivíduo é convocado/interpelado como sujeito pela ideologia para que se produza o dizer. Desse ponto de vista, somos sempre já sujeitos, e por isso esquecemos o processo de assujeitamento-subordinação que parece realizar-se sob a forma da autonomia, da liberdade, mas na verdade está atravessado pela determinação e pela domesticação do dizer. Como diz Ferreira (2001, p. 22), o sujeito é resultado da relação com a linguagem e a história, o sujeito do discurso não é totalmente livre, nem totalmente determinado por mecanismos exteriores. O sujeito é constituído a partir da relação com o outro, nunca sendo fonte única do sentido, tampouco elemento em que se origina o discurso. Ele estabelece uma relação ativa no interior de uma dada FD; assim, como é determinado, ele também a afeta e a determina em sua prática discursiva. Assim, a incompletude é uma propriedade do sujeito, e a afirmação de sua identidade resultará da constante necessidade de completude. Devemos lembrar que o sujeito discursivo é pensado como posição, e não como pessoa física (ORLANDI, 2007a). É nesse sentido que os sujeitos são intercambiáveis. O mesmo indivíduo pode ser assujeitado e produzir diferentes sentidos por meio de diferentes posições subjetivas: padre, telespectador, consumidor, paciente etc. Não se trata de examinar um corpus como se tivesse sido produzido por um determinado sujeito, mas de considerar sua enunciação como o correlato de certa posição sócio-histórica na qual os enunciadores se revelam substituíveis. Assim, nem os textos tomados em sua singularidade, nem os corpora tipologicamente pouco marcados (socialmente, historicamente e ideologicamente) dizem respeito verdadeiramente à AD (MAINGUENEAU, 1997, p. 14). 28 Unidade I Ainda sobre o conceito de sujeito, Orlandi (2007b, p. 19) acrescenta: O sujeito não se apropria da linguagem num movimento individual. A forma dessa apropriação é social, histórica e ideológica. Nela está refletido o modo como o sujeito é assujeitado, ou seja, sua interpelação pela ideologia. O sujeito também está reproduzido nela, acreditando ser fonte exclusiva de seu discurso quando, na realidade, retoma sentidos preexistentes. No funcionamento enunciativo, ao invés de falar, ele é falado pela ideologia no discurso. A isso chamamos “ilusão discursiva do sujeito”. […] A seleção que o sujeito faz entre o que diz e o que não diz também é significativa: ao longo do dizer, vão se formando famílias parafrásticas que significam. Observação A autoria, portanto, é uma função do sujeito. O autor é o princípio de agrupamento do discurso como unidade e origem. Ele está para o texto como o sujeito está para o discurso. Ao redor do conceito de sujeito orbitam ainda noções como forma-sujeito, posição-sujeito, autor e leitor, que devemos rapidamente revisar agora, a partir do que sintetiza Ferreira (2001, p. 12-21). Forma-sujeito: é a forma pela qual o sujeito do discurso se identifica com a formação discursiva que o constitui. Essa identificação baseia-se no fato de que os elementos do interdiscurso, ao serem retomados pelo sujeito do discurso, acabam por determiná-lo. Também chamada de sujeito do saber, sujeito universal ou sujeito histórico de uma determinada formação discursiva, a forma-sujeito é responsável pela ilusão de unidade do sujeito. […] Posição-sujeito:resultado da relação que se estabelece entre o sujeito do discurso e a forma-sujeito de uma dada formação discursiva. Uma posição-sujeito não é uma realidade física, mas um objeto imaginário, representando no processo discursivo os lugares ocupados pelos sujeitos na estrutura de uma formação social. Desse modo, não há um sujeito único, mas diversas posições-sujeito, as quais estão relacionadas com determinadas formações discursivas e ideológicas. […] Autor: uma das posições assumidas pelo sujeito no discurso, sendo ela a mais afetada pela exterioridade (condições sócio-históricas e ideológicas) e pelas exigências de coerência, não contradição e responsabilidade. Ao se converter em autor, o sujeito da enunciação sofre um apagamento no discurso, dividindo-se em diversas posições-sujeito; ou seja, o autor é que assume a função social de organizar e assinar uma determinada produção escrita, dando-lhe a aparência de unicidade (efeito ideológico elementar). 29 ANÁLISE DE DISCURSO CRÍTICA Foucault fala em princípio de autoria, uma vez que se trata de considerar o autor não como um indivíduo inserido num determinado contexto histórico-social (sujeito em si), mas como uma das funções enunciativas que este sujeito assume enquanto produtor de linguagem. […] Leitor: uma das posições que o sujeito assume no discurso. Todo sujeito move-se em um discurso guiado pela relação que construiu com os textos lidos em sua história de leitor, ou seja, constituindo-se dentro de uma memória social de leitura. Assim, ao ser colocado diante de um discurso, o sujeito leitor está sendo impelido a interpretá-lo, e esse movimento de leitura estará necessariamente vinculado às condições sócio-histórico-ideológicas que o envolvem e que determinam tanto o leitor e sua formação quanto a leitura a ser feita por este sujeito. Exemplo de aplicação Faça uma análise da categoria de sujeito na AD no filme O enigma de Kaspar Hauser (1975), de Werner Herzog. Nele é possível observar o assujeitamento ideológico-político-social do personagem Kaspar em várias posições-sujeito, através das ideologias religiosa, pedagógica, artística, científica, econômica etc. A relação entre o par conceitual paráfrase e polissemia é constitutiva da produção de sentidos na linguagem. Por paráfrase entende-se a (re)produção variada do mesmo: ancoragem e retomada dos sentidos históricos (pré-construídos), que se reproduzem intradiscursivamente no funcionamento enunciativo-discursivo, por meio das operações sintáticas e das escolhas lexicais. Diz respeito à retomada de efeitos de sentido, situados no interdiscurso (já dito), na produção de dado discurso, que em sua legitimação possibilita a previsibilidade e a manutenção do dizer no espaço da memória discursiva. A paráfrase é responsável pela produtividade na língua. Ao enunciar um discurso, o sujeito resgata um dizer que já está estabelecido na memória e o reformula, abrindo espaço para o novo. Essa tensão entre a retomada do mesmo e a possibilidade do diferente acaba com a separação entre paráfrase e polissemia, uma vez que esses processos discursivos atuam em associação, sendo um a contraparte do outro. Por polissemia entende-se o diferente, a criatividade, o deslocamento, o movimento dos sentidos. A estrutura das novelas, por exemplo, conta com elementos típicos, estereotípicos, que se repetem, reproduzem, parafraseiam, mas sempre há contingências que instauram saltos, deslocamentos, ressignificações do mesmo, construindo novos sentidos para os personagens. A moda é outro exemplo dessa dinâmica entre o mesmo e o diferente. 30 Unidade I Ou seja, a polissemia é o deslocamento, a ruptura, a emergência do diferente e da multiplicidade de sentidos no discurso. É o processo na linguagem que assegura a criatividade na língua pela interferência do diferente no processo de produção da linguagem, possibilitando o deslocamento e a ressignificação das regras do discurso e resultando em movimentos que afetam os sentidos e os sujeitos na sua relação com a história e a língua. Tal possibilidade de renovação e criação de sentido permitida pela polissemia é a razão de existência da linguagem, uma vez que a necessidade do dizer é fruto da pluralidade dos sentidos. É a polissemia na linguagem que garante que um mesmo objeto simbólico passe por diferentes processos de ressignificação (FERREIRA, 2001, p. 20-21). Observação Veja que esses conceitos não dizem respeito ao que se conhece como paráfrase e polissemia na gramática tradicional ou em outras teorias linguísticas. Considere-se ainda que há três formas de repetição (paráfrase): • Empírica: exercício mnemônico sobre fatos, ações. • Formal: técnica de elaboração linguística. • Histórica: memória constitutiva, rede de filiações enunciativo-discursivas. A AD trabalha com as relações de contradição que se estabelecem no discurso, caracterizando-se por questionar na prática de análise linguística a negação da historicidade constitutiva inscrita na linguagem e por questionar também a noção de transparência da linguagem, sobre a qual se assenta a maioria das teorias linguísticas. Ela segue em busca dos processos de produção do sentido e de suas determinações histórico-sociais. Para isso, a AD reconhece a historicidade inscrita na linguagem – o que nos leva a questionar a existência do sentido literal (dado/imposto) – e contesta a ideia de que o sentido possa ser qualquer um, uma vez que toda interpretação é regida por certas condições de produção. A AD propõe um deslocamento das noções de linguagem e sujeito a partir de um trabalho com a ideologia. Compreende a linguagem como produção social, considerando constitutiva a sua exterioridade. O sujeito, assim, deixa de ser centro e origem do dizer, passando a ser entendido como uma construção polifônica, um lugar de significação historicamente constituído (ORLANDI, 2007b). 31 ANÁLISE DE DISCURSO CRÍTICA Da perspectiva da AD, todos os fenômenos linguísticos, a priori, são passíveis de investigação pela análise do discurso: Frente a um corpus, o pesquisador a priori não tem nenhuma razão determinante para estudar um fenômeno em detrimento de outro, da mesma forma que nada o obriga a recorrer a um determinado procedimento ao invés de a qualquer outro. Se, para atingir seu propósito, ele se interessa, por exemplo, pelos adjetivos avaliativos, por metáforas ou por algumas estruturas sintáticas, isto ocorre unicamente em virtude de hipóteses (MAINGUENEAU, 1997, p. 18). Conforme Maingueneau (1997), é o fato de levar em conta a singularidade do objeto, a complexidade dos fatos discursivos e a incidência dos métodos de análise que permite produzir estudos muito fecundos e interessantes. O analista deve esquematizar as referências linguísticas em que se baseia e esclarecer ao leitor que pretende aprofundar tais questões nos textos que deseja analisar. O analista vai além do que se diz, do que fica na superfície das evidências. Como exemplo, Orlandi (2007a) reflete sobre uma faixa com o seguinte enunciado: “Vote sem medo”. O contexto enunciativo era o período das eleições para reitor na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Uma chapa de oposição trazia essa mensagem em contrapartida à campanha da chapa de situação. O texto vinha em uma faixa preta com letras brancas, mobilizando os sentidos do medo: contexto universitário, votação secreta, oposição entre posições partidárias na Unicamp. Tais dizeres traziam à tona a memória, os efeitos de sentido determinados historicamente. Se pararmos para pensar, o Brasil tem uma recente memória histórica de opressão, ditadura, censura, violência e controle da liberdade (política, de expressão, de ir e vir, de pensamento etc.). Então, se refletirmos bem, veremos que quando se opta por trazer na faixa o enunciado “Vote sem medo”, destacando o lexema “medo”, em vez de dizer, por exemplo, “Vote com coragem”, o lexema “medo”, mesmo acompanhado da partícula negativa “sem”, aciona sua historicidadena memória discursiva, pois – relacionado no intradiscurso ao lexema “vote” – está vinculado a filiações históricas mais próprias a uma argumentação que se ancora em formações discursivas (podendo ser por continuidade ou ruptura) relativas a medo, terror, violência e opressão, a serem evitados com o voto na chapa de oposição. A análise do discurso elabora seu dispositivo teórico coadunando questões de deriva (do deslize, do metafórico, da falha, da ruptura, da incompletude, da ressignificação) à própria organização linguística, em sua relação com a história e a exterioridade. A língua não se restringe ao jogo significante (linguístico) abstrato, pois para significar ela é afetada pela história (ORLANDI, 2007b). Sobre o leitor e o analista, Orlandi (2007b) especifica serem dois efeitos de interpretação distintos, duas posições com objetivos bastante diferentes. 32 Unidade I Quadro 3 – Efeitos de interpretação Analista Leitor Gesto de interpretação do analista, que se dá no apoio de um dispositivo teórico – o pesquisador que analisa um livro didático, o pesquisador que analisa uma revista erótica Gesto de interpretação do sujeito comum, que se dá em um dispositivo ideológico, específico de certa prática de leitura, com seu efeito de evidência – o aluno que lê um livro didático, o rapaz que lê/vê uma revista erótica Gesto determinado pelo dispositivo teórico. A mediação da posição do analista trabalha a questão da alteridade, produzindo um deslocamento que possibilite ao analista considerar as fronteiras. O analista deve cuidar para não se inscrever em uma formação discursiva, mas travar uma relação crítica com o conjunto complexo das formações discursivas Gesto determinado pelo dispositivo ideológico. Na mediação desse dispositivo, o sujeito fica sob o efeito do apagamento da alteridade (exterioridade, historicidade). Daí a ilusão do sentido no texto, de sua evidência. O sujeito se inscreve em certa formação, pela qual está determinado A tarefa do analista do discurso não é nem interpretar o texto como faz o hermeneuta […] nem descrever o texto […]. O objetivo é compreender, ou seja, explicitar os processos de significação que trabalham o texto: compreender como o texto produz sentidos, através de seus mecanismos de funcionamento […]. O analista […] procura distinguir que gestos de interpretação estão constituindo os sentidos (e os sujeitos em suas posições) (ORLANDI, 2007b, p. 88). Ainda nesta discussão sobre o objeto de investigação – o discurso e os seus mecanismos de análise –, é bom considerar também o par conceitual dado/fato no que se refere ao processo de recorte/seleção em relação à materialidade linguístico-discursiva a ser posta em análise. Dado diz respeito ao objeto empírico da linguagem (quantitativo, constatável), que possibilita ao analista pôr a língua como foco central da análise. Recortar/selecionar o dado para análise na linguagem significa preocupar-se com o produto, e não com os processos de produção de um discurso. A análise do discurso não trabalha com dados em si, uma vez que eles precisam do fato, do acontecimento enunciativo-discursivo, para significar. Fato refere-se simplesmente a um dado provido de sentido que se produz como um objeto da ordem do discurso e nos conduz à memória discursiva. A concepção de fato traz para os estudos da linguagem a possibilidade de trabalhar com os processos de produção dos discursos, já que nos remete não à evidência dos dados empíricos, e sim aos acontecimentos histórico-sociais em torno dos quais se funda um discurso. Todo fato, para se constituir como tal, precisa ter algo de empírico em si (FERREIRA, 2001, p. 13). Você sabia que o problema da organização/classificação tipológica dos discursos interessa fortemente aos diferentes olhares teóricos dos estudos do texto e do discurso? Esse tema está 33 ANÁLISE DE DISCURSO CRÍTICA sempre em discussão em razão dos critérios instáveis relativos às condições de produção discursivas. A princípio, tal tarefa parece, senão impossível, pelo menos insuficiente. A própria ideia de classificação objetiva contradiz o caráter instável do discurso. Para Maingueneau (2008, p. 25), fica-se “diante de algo insensato, caso se pretenda alcançar um pouco de generalidade”. Outro problema é a forte dependência contextual, que restringe os discursos, tornando infértil a tipologização. Em geral, os teóricos costumam diferenciar algumas propostas tipológicas próprias para o trabalho específico em determinadas áreas/análises. Conforme Adam (1987, p. 51-52), “uma abordagem tipológica […] só tem sentido se, paralelamente a essa tentativa de sistematização, estabelecemos que cada sistema de base (narrativo, explicativo, descritivo etc.) é apenas um momento de uma complexidade a ser teorizada”. Assim, o trabalho com o discurso exige, ao mesmo tempo, que se examinem as principais tipologias e a seguir que se depreenda (das distinções pertinentes) a teoria de estrutura composicional dos textos. Nesse sentido, Adam (1987) estabeleceu sete tipologias possíveis, construídas sobre importantes aportes teóricos dos estudos da linguagem. • Tipologias discursivas e situacionais: da AD francesa, em que as formações discursivas desempenham papel preponderante. • Tipologias baseadas nos gêneros de discurso: fundamentadas nos gêneros discursivos literários e sociais de base interacional. • Tipologias baseadas nos objetivos da enunciação: classificadas por meio das funções da linguagem (Bühler, Jakobson) ou dos atos de fala (Austin, Searle). • Tipologias de base enunciativa: deduzidas da relação discurso-relato (Benveniste, Bakhtin). • Tipologias de base temática: instauradas em critérios semânticos – textos ficcionais ou não ficcionais. • Tipologias de base textual: baseadas em critérios pragmáticos e proposicionais, buscam a globalidade dos textos em sua instância de ocorrência. • Tipologias de base sequencial: discriminam não tipos, mas protótipos de sequências coerentes. Sobre as tipologias e suas relações com/entre os discursos, Orlandi (2006a, 2007a, 2008) aponta os diferentes critérios que constituem as tipologias na análise do discurso. Essas tipologias compreendem categorizações distintas, que devem ser explicitadas de início para evitar confusões futuras e para uma melhor compreensão da proposta. Em geral, tomamos por tipo diferentes tratamentos do discurso (jornalístico, político, religioso etc.), que se dividem em variáveis (terapêutico, didático etc.), em disciplinas (histórico, sociológico etc.), em estilos (barroco, renascentista etc.), em gêneros (narrativo, descritivo etc.), entre muitos outros. 34 Unidade I Para simplificar, consideremos uma forma rápida de reconhecimento dessas categorizações principais relativas à distinção/designação das tipologias discursivas. Quadro 4 – Tipologias discursivas Tipos Lúdico, polêmico, autoritário Gêneros Carta, outdoor, depoimento policial, classificados, e-mail, telefonema, telegrama, pronunciamento parlamentar, receita culinária, sinopse de filme, cordel, história em quadrinhos, propaganda, editorial, ensaio científico etc. Domínios discursivos Jurídico, político, religioso, sindical, midiático, feminista, sexista, pornográfico, cinematográfico, artístico, literário, humorístico, de senso comum etc. Conforme Orlandi (2006b, p. 152), “a noção de tipo é necessária como princípio de classificação para o estudo do uso da linguagem, ou seja, do discurso”. A classificação tipológica relaciona-se aos objetivos da análise que estiver sendo feita, segundo o recorte (discursivo) de linguagem que seja o objeto da análise. Portanto, a sua aplicação é relativa a essas condições, podendo ter maior ou menor generalidade. Orlandi (2006b, p. 152) afirma: Ao analisar o discurso pedagógico, estabeleci uma tipologia que não derivava de critérios presos diretamente à noção de instituição, ou seja, a normas institucionais, como é definido o discurso religioso em relação aojornalístico, jurídico etc. Também não me interessava uma distinção cujo critério fossem as diferenças entre domínios de conhecimento, como as que existem entre discurso científico, discurso literário, discurso teórico etc. Interessavam-me características que já estivessem pressupostas, no interior de cada um desses tipos. Por outro lado, ainda que possuindo um certo grau de generalidade, não me atraía a distinção de tipos como dissertação, descrição, narração, conquanto partissem de características formais, estruturais etc. Além do nível de generalidade da tipologia que eu procurava, interessavam-me sua dimensão histórica e seu fundamento social, enquanto capaz de absorver o conceito de interação. Para o trabalho do analista, uma tipologia pode ser útil, mas o mais importante, o que interessa, são as propriedades internas ao processo discursivo, as condições de produção, a remissão a formações discursivas e o modo de funcionamento. Nesse sentido, segundo Orlandi, a tipologia discursiva poderá dar conta da relação entre linguagem e contexto, pensando o contexto no sentido imediato (situação de interlocução) e no sentido amplo (determinação sócio-histórico-ideológica). Portanto, essa tipologia trata a linguagem a partir de suas condições de produção. 35 ANÁLISE DE DISCURSO CRÍTICA Veja que, pelo fato de a tipologia discursiva estar pautada na variação inerente à linguagem e às suas condições de produção, ela também está vinculada a outros dois níveis de variação: a de sujeitos (reversibilidade/interação) e a de sentidos (polissemia). Orlandi (2006b, p. 153) observa: Um tipo de discurso resulta do funcionamento discursivo [domínio], sendo este último definido como a atividade estruturante de um discurso determinado, para um interlocutor determinado, com finalidades específicas. Observando-se sempre que esse “determinado” não se refere nem ao número, nem à presença física, nem à situação objetiva dos interlocutores como pode ser descrita pela sociologia. Trata-se de formações imaginárias, de representações, ou seja, da posição dos sujeitos no discurso. […] Vemos isso através do meio social que nos rodeia. Pressupomos certa esfera social típica e estabilizada para a qual se orienta a criatividade ideológica [polissemia] de nossa própria época e grupo social. […] Consideramos, além disso, que a atividade de dizer é tipificante: todo falante quando diz algo a alguém estabelece uma configuração para seu discurso [que se define na própria interação]. […] Porém, enquanto resultados, enquanto produtos, os tipos são cristalizações de funcionamentos discursivos [domínios] distintos. Há, pois, relação entre a atividade e o produto do dizer, e assim os tipos passam a fazer parte das condições de produção do discurso. Feitos esses esclarecimentos, Orlandi (2006b) apresenta a distinção tipológica que servirá de base à AD: discurso lúdico, discurso polêmico e discurso autoritário. Conforme a autora, os critérios para o estabelecimento dessa tipologia derivam da interação (reversibilidade) e da polissemia. A interação leva em conta a maneira como os interlocutores se consideram, através das relações imaginárias entre eles (relações de força e de antecipação). Nesse sentido, entra de forma importante o critério da reversibilidade, que determina a dinâmica da interação no interior do discurso: “Segundo o grau de reversibilidade, haverá uma maior ou menor troca de papéis entre locutor e ouvinte, no discurso” (ORLANDI, 2006b, p. 154). A polissemia tem a ver com a relação dos interlocutores com o objeto do discurso (o assunto, o tema, a informação). “O objeto do discurso é mantido como tal e os interlocutores se expõem a ele; ou está encoberto pelo dizer e o falante o domina; ou se constitui na disputa entre os interlocutores que o procuram dominar” (ORLANDI, 2006b, p. 154). Desse funcionamento, deriva a polissemia. Pode haver maior ou menor carga de polissemia, a depender da forma de funcionamento, e por isso os tipos de discurso são organizados em função desses dois critérios (interação e polissemia). Orlandi (2006b, p. 154) estabelece um critério para distinguir diferentes modos organizacionais de funcionamento tipológico do discurso: • Discurso lúdico: a polissemia está aberta, e os interlocutores se expõem aos efeitos dessa presença, não regulando sua relação com os sentidos. A troca de papéis é plena entre os interlocutores. “O exagero é o nonsense.” 36 Unidade I • Discurso polêmico: a polissemia é controlada, e a relação de disputa pelos sentidos é tensa entre os interlocutores. A troca de papéis entre os interlocutores acontece sob certas condições direcionadas por eles. “O exagero é a injúria.” • Discurso autoritário: a polissemia é contida, e o locutor apaga sua relação com o interlocutor. A troca de papéis tende a ser zero. O objeto do discurso está oculto pelo dizer, centralizando-se um locutor exclusivo. “O exagero é a ordem no sentido militar, isto é, o assujeitamento ao comando.” É essencial lembrar que esses critérios não devem ser vistos como juízos de valor. Eles são apenas uma descrição do funcionamento discursivo em relação às suas determinações históricas, sociais e ideológicas. Como já indicado, essas tipologias não são o mais importante na análise do discurso. Além disso, não há dentro do discurso uma tipologia pura, e sim misturas, que servem mais para reconhecer os traços formais do que para caracterizar o discurso. Orlandi (2006b) sustenta que o discurso lúdico é o contraponto dos outros dois, porque em nossa sociedade o lúdico representa o desejável, ou seja, o prazer, o encantamento no uso da linguagem, algo que contrasta fortemente com os usos da linguagem voltados para objetivos imediatos, práticos, hierárquicos etc., como ocorre nos discursos polêmico e autoritário. Há pouco espaço para o lúdico em nossa sociedade porque ele representa ruptura, desvio. Sobre o valor de verdade veiculado no/pelo discurso, ou seja, a sua função referencial, podemos destacar o seguinte: • No discurso lúdico, temos a carga informacional com valor menos relevante. Em seu funcionamento polissêmico e interacional, interessa mais o seu caráter poético e fático, não a sua referencialidade informacional, pois até o nonsense é possível. • No discurso polêmico, a referencialidade informacional é importante e respeitada. A verdade é disputada pelos sujeitos interlocutores. • No discurso autoritário, a relação com a verdade é assimétrica, hierárquica, ou seja, determinada pelo locutor (de cima para baixo). A verdade é imposta. Orlandi (2006b, p. 155) afirma: Em relação à tensão entre os dois grandes processos – a paráfrase (o mesmo) e a polissemia (o diferente) – que consideramos ser o fundamento da linguagem, diríamos que o discurso lúdico é o polo da polissemia (a multiplicidade de sentidos), o autoritário é o da paráfrase (a permanência do sentido único, ainda que nas diferentes formas) e o polêmico é aquele em que melhor se observa o jogo entre o mesmo e o diferente, entre um e outro sentido, entre paráfrase e polissemia. Dada a tensão, o jogo, entre o 37 ANÁLISE DE DISCURSO CRÍTICA processo parafrástico e o polissêmico, que estabelece uma referência para a constituição da tipologia, cada tipo não se define em sua essência, mas como tendência, isto é, o lúdico tende para a polissemia, o autoritário tende para a paráfrase, o polêmico tende para o equilíbrio entre polissemia e paráfrase. Entretanto, a autora adverte que os tipos de discurso (lúdico, polêmico e autoritário) não existem obrigatoriamente de forma homogênea, pura. Há frequentemente uma mistura de tipos e um jogo de dominâncias entre eles que varia em cada prática discursiva. Para Orlandi (2007a), no objeto do discurso há também relações de múltiplas e diferentes naturezas: exclusão, inclusão, sustentação mútua, oposição, migração de elementos de um discurso para o outro etc. Dessa maneira, é importante analisar o funcionamento discursivo
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