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DOR CRÔNICA LETÍCIA FAGUNDES OBJETIVOS 1) Definir dor crônica, compreendendo sua fisiopatologia geral e de acordo com as diferentes etiologias (neuropatia diabética, dor do membro fantasma, dor miofascial, neuralgia do trigêmio, fibromialgia, dor central, neuralgia pós-herpética); 2) Conhecer os quadros clínicos de cada tipo, associando ao seu diagnóstico; 3) Compreender o manejo da dor crônica, relacionando às indicações, contraindicações, efeitos adversos e prognóstico. DOR CRÔNICA É entendida como uma dor persistente ou recorrente, com uma duração superior a 3-6 meses, que perdeu a sua função primordial de sinal de alerta para o organismo. A dor crônica é reconhecida como um problema de saúde pública com consequências físicas e psicológicas importantes para o doente, afastando-o muitas vezes de sua vida social e profissional, com um impacto negativo a nível socioeconômico As populações de risco para dor crônica incluem idosos e indivíduos com morbidades físicas e psicológicas. Muitas condições álgicas crônicas, incluindo cefaleia, dor abdominal, fibromialgia e síndrome de dor regional complexa, são mais prevalentes em mulheres. FISIOPATOLOGIA A possibilidade da dor aguda passar a dor crônica ocorre por mecanismos fisiopatológicos difíceis de se distinguir. Para que o nociceptor transmita essa informação ao sistema nervoso central são necessários vários mecanismos e etapas: 1. Geração de um potencial de ação 2. Transmissão desse potencial de ação ao SNC 3. Ativação de neurónios secundários que transmitam informação ao tálamo 4. Neurónios de terceira ordem que transmitam a informação ao córtex cerebral onde o estímulo nociceptivo é interpretado como dor. A base da cronicidade da dor está em dois conceitos: sensibilização periférica e posteriormente à sensibilização central, que aumentam de forma sinérgica a percepção da dor. O estímulo periférico inicial pode diminuir os limiares de ativação dos neurónios aferentes primários, aumentando o seu grau de resposta. Estas alterações consistentes são o estímulo inicial para o conceito de sensibilização periférica, e podem resultar em alodínia e em hiperalgesia. Estes processos podem estender- se para além da área inicial, constituindo uma forma de neuroplasticidade denominada de sensibilização central e conduzem à sensibilização central e dor crónica. SENSIBILIZAÇÃO PERIFÉRICA A lesão do tecido é acompanhada pela acumulação de componentes endógenos, tais como: mastócitos, basófilos, plaquetas, macrófagos, neutrófilos, células endoteliais e fibroblastos. Esta “sopa inflamatória” de moléculas sinalizadoras inclui serotonina, histamina, glutamato e prostaglandinas ATP Esses componentes vão atuar diretamente nos nociceptores, ligando-se a um ou vários receptores de superfície celular, como o CGRP, canais TRP, ASIC, K2P e RTK. É gerado um microambiente que rodeia os nociceptores e os estimula continuamente, diminuindo o seu limiar de ativação e/ou aumentando a magnitude da resposta nas terminações periféricas das fibras nervosas sensitivas. Como consequência, ocorre a transmissão de sinais aferentes até ao corno dorsal da medula espinhal e a formação de um processo de inflamação neurogênica que se caracteriza pela libertação de neurotransmissores, como a substância P, que induzem vasodilatação, libertação de proteínas e fluidos para o espaço extracelular junto da terminação do nociceptor, e estimulam células do sistema imunitário que contribuem para este microambiente inflamatório Como resposta à inflamação, a atividade das proteínas que controlam a excitabilidade dos nociceptores é modulada. São recrutadas múltiplas enzimas, incluindo a fosfolipase C (PLC) e proteínas cinase (PK), que possuem capacidade de levar a um aumento agudo e a longo prazo da excitabilidade dos nociceptores DOR CRÔNICA LETÍCIA FAGUNDES As primeiras citocinas responsáveis pelo estado inflamatório hipernociceptivo são a IL-1β e TNF-α, capazes de exercer efeitos diretos sobre os neurónios sensitivos desencadeando a síntese em cascata de outros mediadores, como as citocinas. Por sua vez, estes mediadores atuam ao nível das células gliais do sistema nervoso central, promovendo novamente a libertação de citocinas inflamatórias como TNF-α, IL-1β e IL- 6, o que resulta numa rede complexa de ativação interdependente: ▪ TNF-α → induz a produção de SP e reduz o limiar de ativação das fibras nervosas periféricos do tipo C contribuindo para o processo de alodinia mecânica. ▪ IL-1β → estimula a libertação de SP e CGRP ▪ TNF- α, a IL-1β e a IL-6 → são potentes indutores da COX-2 e da PGE2, tanto a nível local como a nível da medula espinhal, aumentando a sensibilidade dos neurónios a estímulos dolorosos. De salientar o papel da bradicinina que tem a capacidade de induzir a secreção de TNF- α e IL-1β a partir de macrófagos, amplificando o processo de nocicepção. As alterações decorrentes do processo de sensibilização periférica são: 1. Alterações neuroquímicas a nível local – inflamação neurogénica 2. Alterações na expressão fenotípica dos nociceptores 3. Ativação aumentada das fibras C e Aδ 4. Hiperexcitabilidade crónica 5. Processamento anormal de estímulos dolorosos e exacerbação dos fenómenos da dor 6. Diminuição do limiar de ativação e aumento da magnitude da resposta a um estímulo doloroso 7. Estímulos previamente inócuos tornam-se eficazes e pode desenvolver-se atividade espontânea SENSIBILIZAÇÃO CENTRAL É definido como um processo através do qual um estado de hiperexcitabilidade se estabelece no SNC, levando a um processamento aumentado dos estímulos dolorosos. Após estimulação intensa ou lesão persistente, a ativação dos nociceptores C e Aδ promove a libertação de vários neurotransmissores, como o glutamato, SP, CGRP, bradicinina, BNDF e ATP que vão gerar correntes excitatórias nos neurônios do corno dorsal, ativando: receptores ionotrópicos pós-sinápticos do glutamato, AMPA e KA. A contínua libertação de neurotransmissores e ativação destes receptores contribui para despolarizar os neurónios pós-sinápticos ativando os receptores NMDA quiescentes, pela remoção do bloqueio exercido pelo Mg2+, permitindo o influxo de sódio e cálcio, e o efluxo de potássio ao nível celular. Receptores NMDA: medeiam diversas funções biologias como a dor crônica em diferentes áreas do SNC, sendo ativados pelo ácido glutamato. Em condições normais, encontram-se bloqueados por íons de magnésio. Influxo de cálcio: permite a ativação de múltiplas cinases de proteínas, MAPK, PKC e Src, que fosforilam outras subunidades dos receptores NMDA, prolongando a abertura dos canais e a despolarização membranar. Esta cascata de eventos aumenta a excitabilidade dos neurónios e facilita a transmissão das mensagens dolorosas ao cérebro, sendo a chave central para iniciar a sensibilização central atividade-dependente. Além do aumento dos estímulos ao nível do local da lesão, a sensibilização central contribui para o fenómeno no qual estímulos inócuos nas áreas em torno do local da lesão provocam dor → hiperalgesia secundária Além disso, a lesão nervosa periférica desregula profundamente o co-transportador de Cl- e K+, KCC2, resultando numa alteração do gradiente de cloro diminuindo o efeito inibitório pós-sináptico do GABA, permitindo o aumento da transmissão da dor. DOR CRÔNICA LETÍCIA FAGUNDES Em circunstâncias fisiológicas, interneurónios inibitórios libertam, continuamente, GABA e/ou glicina para diminuir a excitabilidade dos neurónios e modular a transmissão da dor. No entanto, nos casos de lesão, esta inibição pode ser perdida, resultando em estados de hiperalgesia, através do aumento da despolarização e ativação dos neurónios de projeção A ação dos receptores da glicinatambém se encontra comprometida em estados de dor crónica → A libertação de prostaglandinas (PGE2), durante estados crónicos inflamatórios, deterioram o receptor da glicina, GlyRα3, fazendo com que estes interneurónios não respondam aos seus efeitos inibitórios → Inibidores da COX-1 e COX-2 (AINEs) são importantes na inibição de produção de PGE2, podendo constituir uma forma de prevenir a ação ao nível do receptor da glicina e preservar a inibição glicinérgica Por último, tanto as células da microglia como os astrócitos contribuem para o processo de sensibilização central: ➔ Células da microglia Funcionam como os macrófagos do SNC, estando distribuídas ao longo da substância cinzenta da medula espinha e são estimuladas pela libertação da ATP, fractalquina e da quimiocina liberados pós-lesão. A micróglia apresenta o receptor CX3R1 que são ativados na presença da fractalquina e liberam diversas substancia, dente eles o BDNF que promove o aumento da excitabilidade e resposta dolorosa a estímulos nóxicos e inócuos (isto é, hiperalgesia e alodinia). O bloqueio do receptor CX3CR1, por meio de um anticorpo neutralizante previne o desenvolvimento e manutenção de dor persistente induzida por lesão. ➔ Astrócitos O contributo do astrócitos no processo de sensibilização central ainda não está totalmente esclarecido, embora sejam ativados de forma tardia e persistente após a lesão, estando mais relacionados com a manutenção da sensibilização central e dor persistente Como consequência das alterações decorrentes da sensibilização central os neurónios desenvolvem ou aumentam a atividade espontânea, o que resulta: 1. Diminuição do limiar de ativação por estímulos periféricos 2. Aumento da magnitude da resposta a um estímulo. Ocorre a conversão de neurónios nociceptivos específicos em neurónios de largo espectro dinâmico que respondem a estímulos dolorosos e inócuos, aumento progressivo nas respostas desencadeadas por uma série de estímulos inócuos repetidos (wind up temporal), alterações que duram para além do estímulo inicial. NEURALGIA DO TRIGÊMEO Doença relativamente comum, atingindo principalmente pessoas de meia-idade e idosas, sendo que cerca de 60% dos casos são mulheres CONSIDERAÇÕES ANATOMICAS O nervo trigêmeo (V nervo craniano) é o maior dos nervos cranianos que se divide em três ramos: 1. Oftálmico (V1) 2. Maxilar (V2) 3. Mandibular (V3) É um nervo predominantemente sensitivo, com apenas V3 apresentando inervação motora: i. Sensitiva: sensibilidade à pele da face e à metade anterior da cabeça ii. Motora: inerva os músculos da mastigação e o tensor do tímpano na orelha media MANIFESTAÇÕES CLINICAS Caracteriza-se por crises unilaterais de dor excruciante nos lábios, gengivas, bochechas ou queixo e, muito raramente, atinge na distribuição da divisão oftálmica do V nervo. A dor raras vezes dura mais de poucos segundos ou 1 ou 2 minutos, mas pode ser tão forte que o paciente se contrai, daí o termo tic. Essas crises são sentidas como golpes únicos ou em salvas que tendem a recorrer frequentemente, de dia e à noite, ao longo de várias semanas. O início é súbito, e os episódios tendem a persistir por semanas ou meses antes da remissão espontânea. As remissões podem ser prolongadas, porém na maioria dos pacientes o distúrbio recorre DOR CRÔNICA LETÍCIA FAGUNDES Podem ocorrer de maneira espontânea ou com movimentos das áreas acometidas durante os atos de falar, mastigar ou sorrir → presença de zonas de gatilho, em geral na face, nos lábios ou na língua, que provocam os episódios; os pacientes podem relatar que estímulos táteis – por exemplo, lavar o rosto, escovar os dentes, ou exposição a uma lufada de ar – geram dor excruciante. Uma característica essencial da neuralgia do trigêmeo é que o exame físico não demonstra sinais objetivos de perda sensitiva. FISIOPATOLOGIA Atualmente, entende-se que a principal causa da neuralgia do trigêmeo é a compressão do nervo por estruturas vasculares vizinhas (artéria cerebelar superior ou às vezes uma veia tortuosa), levando à desmielinização e cronicidade da dor. A compressão ou outra patologia do nervo acarreta desmielinização das fibras grandes mielinizadas que não conduzem a sensação de dor, mas tornam-se hiperexcitáveis e eletricamente acopladas às fibras de dor menores, não mielinizadas ou pouco mielinizadas, em estreita proximidade; isso pode explicar por que os estímulos táteis, conduzidos pelas fibras grandes mielinizadas, suscitam paroxismos de dor. Nos casos de compressão vascular, a perda de firmeza do cérebro relacionada com a idade e o aumento da espessura e tortuosidade dos vasos podem explicar a prevalência da neuralgia do trigêmeo na idade avançada. Os casos que são secundários a lesões expansivas – como aneurismas, neurofibromas, schwannomas do acústico, ou meningiomas – em geral produzem sinais objetivos de perda sensitiva na distribuição do nervo trigêmeo Nas pessoas mais jovens, com acometimento bilateral, a esclerose múltipla deve ser avaliada → a causa é uma placa desmielinizante na zona de entrada da raiz do V nervo na ponte; com frequência, um exame físico cuidadoso detecta evidências de perda sensitiva na face. DIAGNOSTICO DIFERENCIAL 1. Enxaqueca ou cefaleia em salvas → tende a ser profunda e constante enquanto a neuralgia tende a ser lancinante superficial a. Cluster-tic: cefaleia em salvas + neuralgia do trigêmeo 2. Arterite temporal → dor facial superficial, mas que não costuma ser descrita como choque, o paciente muitas vezes queixa-se de mialgias e outros sintomas sistêmicos, e em geral há aumento da velocidade de hemossedimentação (VHS) ou proteína C-reativa (PCR) DIAGNÓSTICO Os exames de imagem convencionais (tomografia computadorizada, ressonância magnética, arteriografia) frequentemente não encontram alterações, mas uma técnica especial de RM, chamada de angioressonância 3D time-of-flight, apresenta boa aplicabilidade para o diagnóstico da neuralgia do trigêmio. Essa técnica é um método não invasivo de estudo vascular baseada na identificação do fluxo de prótons nos cortes do exame. Assim, observa-se melhor contraste entre o sangue e o plano de fundo e melhor resolução espacial do exame, aumentando significativamente a sensibilidade e especificidade do exame ao facilitar a identificação do ponto de compressão neurovascular, o que possibilita o planejamento terapêutico. TRATAMENTO O manejo farmacológico é com carbamazepina, iniciada como dose única diária de 100 mg ingerida com alimento, aumentando-se gradualmente (em 100 mg/dia em doses fracionadas, a cada 1 a 2 dias) até se obter alivio substancial da dor. Porém, deve-se lembrar que doses > 1.200 mg/dia não oferecem benefício adicional. Se for eficaz, o tratamento em geral é mantido por cerca de 1 mês para então ser reduzido de modo progressivo de acordo com a tolerância A maioria dos pacientes necessita de dose de manutenção de 200 mg, 2 vezes/dia. Efeitos colaterais: tontura, desequilíbrio, sedação e casos raros de agranulocitose O mecanismo de ação da carbamazepina foi somente parcialmente elucidado. A carbamazepina estabiliza a membrana do nervo hiperexcitado, inibe a descarga neuronal repetitiva e reduz a propagação sináptica dos impulsos excitatórios DOR CRÔNICA LETÍCIA FAGUNDES A oxcarbazepina (300-1.200 mg, 2×/dia) é uma alternativa para a carbamazepina; produz menos toxicidade da medula óssea e, provavelmente, é igualmente efetiva. Se esses fármacos não forem bem tolerados ou não forem efetivos, outras opções incluem a lamotrigina, 400 mg/dia, ou a fenitoína, 300 a 400 mg/dia. O baclofeno também pode ser tentado, isolado ou em combinação com um anticonvulsivante. A dose inicial é 5 a 10 mg, 3 vezes/dia, aumentada gradualmente,conforme a necessidade, até 20 mg, 4 vezes/dia. Se o manejo farmacológico falhar, deve-se propor terapia cirúrgica: 1. Descompressão microvascular para alivio da compressão do nervo trigêmeo em sua saída da ponte Tem uma boa taxa de eficácia, porém, em um pequeno número de casos, há lesões dos VII ou VIII nervos cranianos ou do cerebelo ou uma síndrome pós-operatória de extravasamento de liquido cerebrospinal. A angiorressonância magnética de alta resolução pode ser útil no pré-operatório para visualização das relações entre a raiz do V nervo craniano e os vasos sanguíneos contíguos. 2. Radiocirurgia com gamma knife do nervo trigêmeo Quando comparada com a descompressão cirúrgica, a cirurgia com gamma knife parece ser um pouco menos efetiva, porém está associada a menos complicações graves Resulta em alivio completo da dor em mais de dois terços do paciente com baixo risco de dormência facial persistente, porém, a dor é recorrente em 2-3 anos em metade dos pacientes 3. Rizotomia térmica com radiofrequência Produz uma lesão térmica no gânglio trigeminal ou no nervo trigêmeo, ocorrendo alivio de curto prazo em > 95% dos pacientes Hoje, é usada com menos frequência do que no passado porque, estudos de longo prazo indicam que a dor recorre em até um terço dos pacientes tratados + No pós-operatório, é comum haver dormência parcial da face, é possível ocorrer fraqueza do músculo masseter (mandíbula), particularmente após procedimentos bilaterais, e a rizotomia para a neuralgia da primeira divisão do trigêmeo pode ser seguida de desnervação da córnea, com ceratite secundária rizotomia térmica com radiofrequência, produz uma lesão térmica no gânglio trigeminal ou no nervo trigêmeo. FIBROMIALGIA (FM) Caracteriza-se por dor e sensibilidade musculoesqueléticas crónicas generalizadas, gerados por uma síndrome se sensibilização central. Epidemiologia: em levantamentos populacionais mundiais, a taxa de prevalência é de cerca de 2-5%, com uma razão mulheres/homens de apenas 2-3:1 QUADRO CLINICO 1. Dor e sensibilidade Os pacientes com FM se queixam de “dor por todo o corpo” → dor intensa, difícil de ignorar, associada a uma redução da capacidade funcional, que geralmente se localiza acima e abaixo da cintura, em ambos os lados do corpo, acometendo o esqueleto axial (pescoço, costas ou tórax). Para ser dado o diagnóstico de FM, é necessário que a dor esteja presente na maior parte do dia, na maioria dos dias, há pelo menos 3 meses. A dor clínica da FM está associada a um aumento da sensibilidade à dor evocada → Na pratica clinicam o examinador pode completar um exame de pontos sensíveis (tender points) que consiste em: usar o polegar para exercer uma pressão de cerca de 4 kg/m2 (ou uma pressão que provoque o empalidecimento da ponta da unha do polegar) em sítios musculotendíneos bem definidos DOR CRÔNICA LETÍCIA FAGUNDES Porém, critérios mais recentes eliminam a necessidade de identificar pontos sensíveis e concentram-se nos sintomas clínicos de dor disseminada ou em múltiplos sítios, bem como nos sintomas neuropsicológicos. 2. Sintomas neuropsicológicos Além da dor disseminada, pacientes com FM podem apresentar ainda: ➔ Fadiga ➔ Sono não restaurador (dificuldade em adormecer, em manter o sono e acordar precocemente pela manhã), fazendo com que o paciente já acorde cansado ➔ Disfunção cognitiva (dificuldade de atenção ou concentração, problema com lembrança de palavras e perda da memória de curto prazo) ➔ Ansiedade e depressão Esses sintomas não estão presentes em todos os pacientes com FM nem em todos os momentos em um determinado paciente A dor, a rigidez e a fadiga frequentemente são agravadas pelo exercício ou por uma atividade não habitual (mal-estar após esforços) Com frequência, os sintomas da FM começam e são exacerbados durante os períodos de estresse percebido 3. Comorbidades associadas Os pacientes com FM apresentam uma prevalência aumentada de outras síndromes associadas com dor e fadiga, incluindo síndrome de fadiga crônica, distúrbio temporomandibular, cefaleias crônicas, síndrome do intestino irritável, cistite intersticial/síndrome da bexiga dolorosa e outras síndromes de dor pélvica. A FM frequentemente é uma comorbidade acompanhada de condições musculoesqueléticas, infecciosas, metabólicas ou psiquiátricas crônicas → Doenças infecciosas, metabólicas ou psiquiátricas crônicas associadas à dor musculoesquelética podem simular a FM e/ou atuar como gatilho para o seu desenvolvimento. DIAGNOSTICO DIFERENCIAL Como a dor musculoesquelética é uma queixa comum, o diagnostico diferencial da FM é amplo, tais como: EXAMES LABORATORIAIS OU RADIOGRAFICOS Não apresentam alteração na FM, portanto, são usados para descartar a possibilidade de outros diagnósticos e avaliar os geradores de dor ou as comorbidades, podendo ser pedidos de rotina: 1. Hemograma completo 2. Velocidade de hemossedimentação (VHS) ou Proteína C reativa (PCR) 3. Hormônio estimulante da tireoide (TSH) Orientados pela anamnese e exame físicos: 1. Painel metabólico completo 2. Fator antinuclear (FAN) 3. Anticorpo anti-SSA e anti-SSB 4. Fator reumatoide e antipeptídeo citrulinado cíclico (anti-CCP) 5. Creatina-fosfocinase (CPK) 6. Sorologias para vírus (p. ex., hepatite C, HIV) e bactérias (p. ex., Lyme) 7. Radiografias da coluna e articulações → Apenas para descartar artrite inflamatória 8. RM da coluna vertebral → apenas para características sugestivas de doença inflamatória da coluna vertebral ou sintomas neurológicos MANEJO NÃO FARMACOLOGICO Primeiramente, deve-se orientar o paciente em relação as expectativas do tratamento. O médico deve ter como meta a melhora da função e da qualidade de vida, e não a eliminação da dor. DOR CRÔNICA LETÍCIA FAGUNDES As estratégias de tratamento devem incluir condicionamento físico com: ▪ Incentivo para iniciar exercícios aeróbios de baixo nível e prosseguir lentamente, porém de modo consistente. ▪ Pacientes que eram fisicamente inativos ou que relatam a ocorrência de mal-estar após esforços podem ter melhor resposta inicial em programas supervisionados ou realizados na água. ▪ Pode-se recomendar a prática de musculação depois que os pacientes alcançarem suas metas aeróbias. ▪ Pode-se recomendar: terapias de movimento meditativo, como qigong, ioga ou Tai Chi ou outras terapias físicas definidas, como acupuntura ou hidroterapia ▪ Estratégias cognitivo-comportamentais: para melhorar a higiene do sono e reduzir os comportamentos patológicos MANEJO FARMACOLOGICO As abordagens de tratamento que demonstraram maior sucesso em pacientes com FM são dirigidas para as vias aferentes ou descendentes de dor, tais como: 1. Miorrelaxantes a. Ciclobenzaprina 2. Antidepressivos: inibidores da recaptação de serotonina-norepinefrina balanceados a. Amitriptilina b. Duloxetina c. Milnaciprana 3. Anticonvulsivantes: ligantes da subunidade alfa-2- delta dos canais de cálcio dependentes de voltagem a. Pregabalina 4. Analgésico a. Tramadol O uso de um único agente para tratar múltiplos domínios de sintomas é fortemente incentivado. Por exemplo: se o complexo sintomático de um paciente for dominado por dor e transtorno do sono, é desejável utilizar um agente que exerça efeitos tanto analgésicos quanto de promoção do sono, como ciclobenzaprina, antidepressivos sedativos (como amitriptilina) e ligantes alfa-2-delta (como gabapentina e pregabalina) Para pacientes com dor associada a fadiga, ansiedade ou depressão, a primeira escolha apropriada pode consistir em fármacos que exercem efeitos tanto analgésicos quanto antidepressivos/ansiolíticos, como duloxetina ou milnaciprana. Observações: ➔ Glicocorticoides ou os anti-inflamatóriosnão esteroides podem ser úteis no tratamento dos fatores desencadeantes inflamatórios, porém são inefetivos para os sintomas relacionados com a FM ➔ Analgésicos opioides fortes devem ser evitados em pacientes com FM, já que não têm nenhuma eficácia demonstrada na FM e estão associados a efeitos colaterais que podem agravar tanto os sintomas quanto a função NEURALGIA PÓS-HERPÉTICA (NPH) A NPH é uma condição crônica e debilitante, definida como dor de característica neuropática – dor em queimação, ardência, agulhada ou choque, disestesia e alodínia -, que persiste por mais de 3 meses após o início da erupção cutânea do herpes zoster Herpes-zoster: causada pela reativação do vírus varicela- zoster (catapora), que fica latente em estruturas nervosas periféricas e se manifesta, principalmente após os 50 anos, com erupções vesiculares típicas em território de dermátomos específicos acompanhada de dor e sensibilidade local. Geralmente, essa reativação ocorre depois de uma baixa na imunidade celular (infecção ou neoplasia) DOR CRÔNICA LETÍCIA FAGUNDES Na maioria dos pacientes, o herpes-zóster se resolve sem sequelas dolorosas, mas alguns pacientes podem apresentar a neuralgia pós-herpética, principal complicação da doença, durante meses ou anos (dor neuropática crônica após caso de herpes-zóster) A neuralgia é mais comum em pacientes mais velhos, imunocomprometidos, naqueles que tiveram sintomas de herpes-zoster mais intensos, naqueles com maior número de vesículas e portadores de leucemia ou linfoma. DIAGNOSTICO O quadro de herpes-zoster costuma ser bastante característico, principalmente pela apresentação das erupções dermatológicas. Logo, um quadro de dor neuropática que segue esse evento inicial pode ser facilmente diagnosticado. O exame clínico completo identifica área dolorosa com diminuição da sensibilidade para estímulos dolorosos superficiais. É importante também realizar a pesquisa para alodínia, que por vezes é identificada na própria anamnese ou na observação do paciente no momento em que ele entra no consultório. TRATAMENTO Os medicamentos considerados de primeira linha são os gabapentinoides, como gabapentina e pregabalina; e os antidepressivos tricíclicos, como amitriptilina e nortriptilina. A terapia tópica tem evidência fraca e é considerada primeira linha de tratamento para pacientes sensíveis aos efeitos colaterais do tratamento sistêmico, como idosos ou pacientes que já fazem uso de outras medicações com ação no sistema nervoso central. De segunda linha para a NPH são usados a duloxetina e a venlafaxina, apenas quando a de primeira linha não são toleradas. Os opioides são alternativas de segunda e de terceira linhas e podem ser considerados para dores de forte intensidade, principalmente como terapia-ponte, até início do efeito das drogas não-opioides → O tramadol é opção de segunda linha e, em pacientes com mais de 75 anos, deve-se limitar a dose máxima a 300 mg/dia. A morfina, a metadona e a oxicodona podem ser usadas como tratamento de terceira linha para pacientes com contraindicação ou não responsivos ao tramadol. DOR CRÔNICA LETÍCIA FAGUNDES Analgésicos simples, como dipirona, paracetamol ou anti- inflamatórios não esteróides podem ser usados na dor leve a moderada, junto dos tratamentos de primeira linha, embora tenham valor limitado em pacientes com NPH. Quando a dor persiste após o uso de dose otimizada de um dos medicamentos, um segundo fármaco de diferente classe pode ser associado. Se ainda assim a dor persistir, ou se o esquema não for bem tolerado, considerar a troca de uma das classes e avaliar a necessidade de encaminhamento para atenção especializada NEUROPATIA DIABETICA (ND) Constituem a complicação crônica mais prevalente, precoce, polimórfica e furtiva da diabetes mellitus, podendo ser assintomática por muitos anos, enquanto outra metade da população manifesta-se com dor neuropática aguda ou crônica com maios ou menos 3 meses de evolução A ND pode ser definida como: “presença de sinais ou sintomas de disfunção dos nervos, de forma difusa ou focal, em pessoas com DM, após a exclusão de outras causas”. Uma das formas mais comuns de ND é a neuropatia periférica diabética (NPD), definida como: “lesão difusa, simétrica, distal e progressiva das fibras sensitivo-motoras e autonômicas, causadas pela hiperglicemia crônica e por fatores de risco cardiovasculares” A NPD caracteriza-se por dor neuropática na área corpórea afetada pela neuropatia, que piora com repouso, durante o sono, e melhora com atividade física DIAGNOSTICO É essencialmente clinico e baseia-se na presença de dois ou mais testes ou sinais neurológicos alterados. Para melhorar a acurácia diagnostica, o ideal é avaliar tanto as fibras nervosas finas (sensibilidade térmica, dolorosa e função sudomotora – mais precocemente acometidas) e fibras nervosas grossas (reflexos tendíneos, sensibilidade vibratória, tátil e de posição). Essas avaliações podem ser feitas através de testes como o escore de comprometimento neuropático (ECN/NDS): 1. Sensibilidade vibratória – 128 Hz a. Preservada (dir/esq): 0 b. Alterada (dir/esq): 1 2. Sensibilidade termina a. Preservada (dir/esq): 0 b. Alterada (dir/esq): 1 3. Dor superficial a. Preservada (dir/esq): 0 b. Alterada (dir/esq): 1 4. Reflexo Aquileu a. Normal (dir/esq): 0 b. Presente com esforço (dir/esq): 1 c. Ausente (dir/esq): 2 Interpretação da soma bilateral dos pontos: 1. 0 -2 → ausente 2. 3-5 → leve 3. 6-8 → moderada 4. 9-10 → Severa O diagnóstico de ND é de exclusão, depois de ser levado em consideração neuropatias não diabéticas, tais como: a. Hipotireoidismo b. Deficiência de vitamina B12 ou excesso de vitamina B6 c. Etilismo ou drogas ou substancias neurotoxicas e metais pesados d. Síndrome do túnel do carpo Rastreamento: todos pacientes com DM devem ser examinados para a pesquisa de ND no momento do diagnostico da DM2 e cinco anos após diagnostico de DM1. Se o rastreamento for negativo, devem ser reavaliados anualmente. Além disso, pacientes com pré-diabetes que apresentem sintomas neuropáticos devem ser avaliados para verificar possível presença de NPD de fibras finas e pacientes com neuropatia essencial (criptogenética) devem ser submetidos a um teste oral de tolerância à glicose (TOTG) para diagnóstico de pré-DM. Esse rastreamento é feito através de testes como o biotesiômetro e a sensibilidade térmica TRATAMENTO Leva em consideração três fatores: 1. Tratamento de base Uma vez estabelecida a neuropatia diabética, geralmente, ela é irreversível, porém o controle glicêmico dos fatores de risco cardiovasculares como controle da hipertensão arterial, albuminúria, lipídeos, do peso, etilismo e tabagismo visam retardar a progressão e prevenir as complicações DOR CRÔNICA LETÍCIA FAGUNDES 2. Tratamento restaurador/fisiopatológico Visa restaurar a função neural e a funcionalidade do paciente, se possível. Inclui três princípios: fisioterapia (exercícios específicos), ácido alfa-lipóico e, se necessário, reposição racional de vitamina D e B-12 (deve-se fazer a dosagem sérica para documentar o déficit antes). 3. Tratamento sintomático É direcionado para o controle da dor neuropática e pode ser farmacológico ou não farmacológico Drogas de primeira linha: antidepressivos tricíclicos (imipramina, nortriptilina e amitriptilina), antidepressivos duais (duloxetina e venlafaxina) e anticonvulsionantes (gabapentina) → Deve sempre se iniciar com doses baixas e titulando lentamente (4-8 semanas), até as doses máximas toleradas, antes de se julgar ineficaz As contraindicações absolutas ao uso de antidepressivos tricíclicos (ADT) são: infarto e isquemia do miocárdio, bloqueio AV (2° ou 3° grau), demência,glaucoma, disautonomia e distúrbio bipolar. É recomendado realizar um ECG nos indivíduos acima de 50 anos, antes de iniciar um ADT. Drogas de segunda linha (desproporção entre risco e custo benefício) → pregabalina e associação entre um antidepressivo e um anticonvulsionante Terapia de terceira linha (terapias adjuvantes ou complementares): estimulação da medula espinhal, acupuntura ou eletroacupuntura e a terapia tópica (“patch” de lidocaína ou capsaicina a 8% e toxina botulínica subcutânea) → a terapia tópica só é recomendada quando a dor neuropática for focal (área menor do que 20X30 cm) Em casos selecionados, e a curto prazo, pode ser utilizado um opioide fraco (tramadol) como terapia de resgate da dor severa. Parestesia não dolorosa só há resolução com a melhora do controle glicêmico DOR DO MEMBRO FANTASMA É um problema comum após amputação de membros inferiores e superiores e precisa ser distinguida de outras causas de dor no coto As sensações fantasmas são quando o paciente percebe a sensação em uma parte do corpo decepada e, quando essa percepção é dor, é chamada de dor do membro fantasma. Alterações ocorrem tanto no sistema nervoso central quanto no sistema nervoso periférico após uma amputação que depende da reorganização subsequente dos córtices somatossensoriais e motores primários do cérebro Fatores de risco: dor nas extremidades antes da amputação em pacientes com doença isquêmica, sexo masculino e amputações bilaterais. Fatores psicológicos como estresse e depressão também influenciam o desenvolvimento da dor crônica do membro fantasma Várias estratégias de tratamento da dor têm sido usadas, incluindo agentes farmacológicos (por exemplo, opióides, DOR CRÔNICA LETÍCIA FAGUNDES cetamina) e anestesia regional (por exemplo, epidural para dor fantasma aguda), mas não há consenso sobre o melhor tratamento. A maioria dessas abordagens é usada devido ao seu sucesso com outros tipos de dor neuropática. No entanto, fortes evidências que apoiam este método de tratamento para a dor do membro fantasma ainda não foram estabelecidas. DOR CENTRAL A dor central decorre de AVE, esclerose múltipla e lesão na medula, sendo descrita como contínua ou paroxística, espontânea ou evocada, superficial, profunda ou mista. Em relação à intensidade, é frequentemente moderada, mas pode ser limitante. Alterações de humor e distúrbios do sono estão presentes em uma grande parte dos casos e agregam grande morbidade. Essa dor é de difícil tratamento e o completo controle da dor é improvável. Como consequência, os pacientes trazem diferentes níveis de comprometimento neurológico. Sua terapia farmacológica inclui as mesmas classes utilizadas para o tratamento da neuropatia, como anticonvulsivantes, antidepressivos tricíclicos, antidepressivos duais e opioides, especialmente metadona. DOR MIOFASCIAL É caracterizada por espasmo muscular persistente que gera dor regional, contínua e localizada. O padrão da dor pode ser em queimação, fadiga ou cansaço, tendo como causas o macrotrauma muscular, como estiramento muscular e trauma direto, e o microtrauma muscular, que é mais frequente, como uso repetitivo do músculo ou hábitos posturais inadequados. Ao exame físico, encontra-se uma banda muscular tensa e presença de ponto gatilho, chamado de trigger point. Esse ponto é uma região nodular de contração muscular bem definida dentro de uma banda tensa, cuja palpação firme produz dor local e referida, com padrão de acordo com o músculo acometido. A formação do trigger point se dá pela fadiga de fibras musculares de músculos que foram muito exigidos, com consequente encurtamento e deficiência de suprimento de oxigênio e nutrientes. A contração frequente provoca um aumento na demanda energética, contração dos vasos sanguíneos regionais e aumento da liberação e acúmulo de metabólitos, entre os quais há substâncias neurotransmissoras que podem sensibilizar o SNC, perpetuando o ciclo. Estímulos nocivos ao músculo afetado, como infecções, fadiga, fibromialgia, distúrbios do sono, podem levar ao aparecimento desses pontos gatilhos. A SDM pode acometer qualquer músculo e/ou fáscia, sendo mais frequente na coluna cervical, cintura escapular, tórax e cintura pélvica, com diagnóstico clínico. Seu tratamento tem como base a correção dos fatores desencadeantes, sendo importante recomendar a prática de exercícios aeróbicos, melhora do condicionamento físico, correções posturais, fisioterapia, terapia psicológica. O tratamento intervencionista envolve injeção de soluções e/ou agulhamento a seco quando o ponto está ativo. Entre os medicamentos, os principais são dipirona, AINEs, carisoprodol e ciclobenzaprina. Se houver suspeita de sensibilização central, recomenda-se duloxetina, amitriptilina ou nortriptilina. A pregabalina é uma boa opção para o controle de quadros ansiosos, além de melhorar o padrão de sono. DOR CRÔNICA LETÍCIA FAGUNDES
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