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TEORIA POLÍTICA APRESENTAÇÃO #CURRÍCULO LATTES# Professora Me. Itamires Lima Santos Alcantara ● Doutoranda em Serviço Social e Política Social pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). ● Mestre em Estudos Interdisciplinares sobre a Universidade pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). ● Bacharel em Serviço Social pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). ● Graduanda em História pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). ● Pesquisadora na Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN). ● Membro do Observatório de Racialidade e Interseccionalidade (ORI - UFBA). ● Membro do Grupo de Pesquisa CNPQ Produção do Conhecimento e Pesquisa Social (UEL). ● Membro do Grupo de Pesquisa CNPQ Formação, Currículo e Cultura (FORCCULT-UFRB) ● Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas CNPQ de Gênero, Raça/Etnia e Geração (NEPGREG) ● Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/0036800667092517 http://lattes.cnpq.br/0036800667092517 APRESENTAÇÃO DA APOSTILA Querido(a) estudante, seja muito bem vindo(a)! Inicia-se agora o caminho que trilharemos juntos(as) na disciplina Teoria Política do Curso de Serviço Social. Fico muito feliz em tê-lo aqui nesta jornada e tenho certeza de que a nossa troca de conhecimentos será extremamente enriquecedora. A apostila foi construída com muito cuidado e objetiva possibilitar o conhecimento sobre a construção do Estado Moderno e as teorias clássicas da política, bem como, os aspectos da teoria democrática em nosso atual contexto e a participação social. Para tanto, na unidade I, iniciaremos a nossa caminhada estudando o surgimento e a construção do chamado Estado Moderno com as diversas compreensões sobre esse tema, suas bases históricas e culturais e as abordagens e teorizações dos clássicos da política, Maquiavel, Hobbes, Rousseau e Locke. Essa discussão é extremamente importante, pois dará base para toda a construção da Teoria Política. Já na unidade II, veremos mais detidamente alguns dos aspectos que constituem a Teoria Política Clássica, como a noção do “homem” como “animal político”, ou seja, a política como uma ação essencialmente humana. Abordaremos, ainda, as teorizações sobre o contrato social e de como essa noção ideal é importante para a Teoria Política. Por fim, estudaremos também a importância da construção do direito em meio a todo esse processo. Em seguida, trataremos da concepção liberal de Estado, passando pelas suas principais compreensões e a crítica marxista do Estado através da abordagem de dois dos maiores marxistas do século XX, Lênin e Gramsci. Finalmente, discorreremos sobre a construção da noção de democracia e como ela se apresenta em nosso contexto, o modelo hegemônico de governo que é o modelo representativo e as críticas a essa dinâmica através da abordagem da democracia participativa. Espero que esta disciplina possa contribuir com o seu processo de formação numa direção crítica e que subsidie e instigue outros estudos e aprofundamentos. Convido você a mergulhar comigo neste oceano que é a Teoria Política. Um ótimo estudo! UNIDADE I SURGIMENTO DO ESTADO MODERNO Professora Me. Itamires Lima Santos Alcantara Plano de Estudo: ● Bases históricas e culturais; ● Construção do Estado Moderno (Maquiavel); ● O pensamento Político de Rousseau; ● Liberalismo político (Locke). Objetivos de Aprendizagem: ● Conceituar e contextualizar o surgimento e desenvolvimento do Estado Moderno; ● Compreender as diferentes teorizações sobre o surgimento do Estado Moderno a partir dos autores clássicos da Teoria Política; ● Discutir as diferentes compreensões sobre o Estado Moderno e as suas influências para a consolidação do pensamento político contemporâneo. INTRODUÇÃO Querido(a) estudante, seja muito bem-vindo(a). É com imensa alegria que lhe recebo aqui na disciplina de Teoria Política. Nesta primeira unidade será abordado o surgimento do Estado Moderno, você verá que, embora seja uma entidade consolidada no contexto atual, que parece ter sempre existido, o Estado surgiu no percurso da história a partir da ação humana e estabeleceu-se complexamente ao longo do tempo. É, dessa forma, historicamente determinado e socialmente construído. Para explicar o seu surgimento, diversas formulações apareceram e possuem diferentes concepções sobre o Estado e suas características. Inclusive, especula-se que, diante de tanta diversidade de compreensões, é mesmo possível caracterizar o Estado a partir de pontos em comum. São essas questões que você verá no primeiro tópico desta unidade. Tendo em vista esse processo, será discutido, de forma introdutória, um pouco do pensamento e concepção dos autores clássicos que teorizaram sobre o Estado. O primeiro deles será Maquiavel, autor que, com certeza, você já ouviu falar em algum momento da sua vida, considerado o fundador da ciência política moderna, o qual, dentre muitas outras questões, situa a política como ação humana e não mais no plano religioso. O terceiro e quarto tópicos abordam a teoria do “jusnaturalismo”, o chamado “direito natural” e os autores contratualistas Hobbes, Rousseau e Locke e, como cada um a seu modo, com semelhanças e diferenças, vão formular a partir de concepções ideais, ou seja, no plano do pensamento, baseados no que estavam observando em seus momentos históricos, teorias explicativas sobre o surgimento do Estado e da sociedade civil e de que maneira marcaram as suas épocas e influenciam o pensamento político até os dias atuais. Espero que essa leitura possa contribuir com o seu processo de aprendizado. Tenha uma ótima reflexão! 1 BASES HISTÓRICAS E CULTURAIS SHUTTER: 1933777250 A literatura sobre o Estado de maneira geral - com bastante controvérsias- indica que aquilo que se conhece no contexto atual como Estado tem a sua gênese na sociedade ocidental, principalmente, a partir do século XV. A denominação propriamente de “Estado”, “significando situação permanente de convivência e ligada à sociedade política, aparece pela primeira vez em "O Príncipe" de MAQUIAVEL, escrito em 1513”. Nesse sentido, é, só mesmo a partir do século XVI que começará a se formar um corpus teórico que versará sobre o Estado em sua concepção moderna (DALLARI, 1998, p. 22). No entanto, existem diversas teorias que versam sobre o surgimento do Estado Moderno. Dallari (1998), destaca, pelo menos, três perspectivas que podem ser tomadas como principais no que diz respeito à teorização sobre o Estado. A primeira perspectiva destacada pelo autor, é a concepção que defende a existência do Estado desde os tempos imemoriais e nas mais variadas culturas. Ou seja, nessa conceituação o Estado é uma entidade que sempre existiu ao longo da História. A segunda concepção, que indica o autor, refere-se à ideia de que o Estado formou-se dos mais variados aspectos, nas diversas sociedades e de que ele nem sempre existiu. Havia desse modo, uma sociedade anterior à formação do Estado. E a terceira perspectiva, é a que entende o Estado a partir de determinadas características que precisam estar muito bem definidas. Isto é, nesta última, falar em Estado não seria algo geral, que pode ser aplicado a toda e qualquer sociedade, mas um fenômeno histórico que surge num tempo e lugar determinado. Essas considerações são importantes para que se compreenda que não existe uma concepção unitária e homogênea sobre o surgimento e desenvolvimento do Estado Moderno. A esse respeito, existem bastantes considerações sobre seu surgimento, desenvolvimento e caracterização. Por exemplo, existem os que vão defender a formação do Estado como um processo natural, a partir do alargamento da família ou pela violência etc. e, existem também os que advogam a formação do Estado a partir de um ato deliberadocom a existência de um contrato, os chamados “contratualistas”. Nos próximos tópicos serão abordados os principais pensadores dessa última concepção. Como aponta Pereira (2009), dentro da diversidade de abordagens sobre a constituição do Estado, dentre os que defendem que existe uma possível definição deste, existem, de maneira geral, três elementos ideais principais que o compõe: ● o primeiro diz respeito à legitimidade do Estado em exercer o poder coercitivo, que, em tese, foi passado pela própria sociedade; ● o segundo elemento é a existência de um determinado território onde o poder do Estado possa ser exercido e onde também se dá a relação com outras sociedades e; ● O terceiro elemento destacado pela autora é a existência de normativas que regulam todas as pessoas dentro desse território. Ainda de acordo com as elaborações de Pereira (2009), dentre aqueles que colocam que existe uma extrema dificuldade em se definir o Estado, geralmente, argumentam que: ● existem muitas possibilidades de se entender determinadas concepções de Estado, que também não possuem uma definição pronta e acabada, tais como: Estado de Direito, Estado Liberal, Estado Social, entre muitos outros (não se preocupe, durante o desenvolvimento da disciplina essas noções serão abordadas); ● o argumento de que o Estado é historicamente constituído e socialmente determinado, ou seja, existiram (e podem vir a existir) Estados de diferentes formas, como o Estado feudal, o Estado burguês, o Estado socialista etc.; ● e, ainda, o elemento que aponta a concepção de Estado a partir da associação com os órgãos que o compõe, como os governos, a burocracia, a justiça, uma série de questões que, muitas vezes, são tomadas como o próprio Estado. Dentro de todas essas considerações, o que é importante se ter em mente é que: como foi abordado exaustivamente, existem muitos entendimentos sobre o Estado, então, não se tem uma definição única; muitas dessas formulações são concepções ideais, ou seja, embora o Estado exista concretamente na realidade, muitas das explicações sobre ele, partem do plano das ideias e não da realidade concreta e; de fato, existiram ao longo do desenvolvimento das sociedades - principalmente ocidentais-, várias “formas” de Estado até se obter uma certa homogeneização - não absoluta- da forma Estado na contemporaneidade. Levando em consideração essa última formulação, podem existir Estados, por exemplo, democráticos ou totalitários, no mesmo tempo histórico ou num mesmo espaço territorial ou que existem muitos elementos de formas anteriores de Estado, convivendo com formas atuais, como elementos do Estado feudal que sobrevivem e, muitas vezes, são funcionais ao Estado burguês que se vive atualmente, o que torna o estudo do Estado bastante complexo. É por isso que Pereira (2009), acentua que o estudo desse conceito é ao mesmo tempo histórico e relacional, é confluência de passado, presente e futuro, é dialético, sofre influências de diferentes sujeitos e interesses, é uma instituição, portanto, permeada por intensas contradições. Por essa razão, nem de longe ele é neutro, ou uma entidade que deva ser colocada acima do “bem” e do “mal”. Ao contrário, existem muitas correlações de forças em torno do Estado, justamente pela sua importância na sociedade moderna. Sendo assim, uma importante mediação para se compreender o Estado é a noção de sociedade. Essa que também é um conceito extremamente complexo, com diversas teorizações a respeito, mas que, como nos aponta Pereira (2009), não pode ser entendida apenas como um conjunto de seres-humanos num determinado local, mas como um complexo de relações construídas historicamente. Nesta unidade, ter-se-á a oportunidade de se discutir um pouco sobre a sociedade em sua relação com o Estado. Dentro de todas essas considerações, será discutido ao longo dos próximos tópicos um pouco do que os chamados autores “clássicos” teorizaram sobre esse fenômeno que é tão controverso e ao mesmo tempo tão presente na vida dos seres humanos chamado Estado. 2 CONSTRUÇÃO DO ESTADO MODERNO (MAQUIAVEL) SHUTTER: 368915041 Niccolò di Bernardo dei Machiavelli, mais conhecido no Brasil como Nicolau Maquiavel, nasceu em 3 de maio de 1469 em Florença, numa Itália em grande movimentação pelo surgimento do Renascimento e morreu em 21 de junho de 1527. Foi um dos principais filósofos do final do século XV e XVI e é considerado, por muitos, como o pensador que inaugura a ciência política, sendo autor de um dos grandes clássicos dessa disciplina, a obra, que com certeza, você já ouviu falar em algum momento da sua vida, “O Príncipe”, escrita em 1513 e lançada após a sua morte em 1532. Maquiavel é considerado o autor que lança as bases do Estado Moderno e estabelece a sua teoria, observando a realidade que o cercava naquele momento histórico. Ele também exerceu cargos no governo de Florença e, além disso, efetuou atividades diplomáticas com a França de seu período, o que o ajudou a ter elementos para as suas formulações. O impacto das formulações de Maquiavel é tão forte, que você provavelmente já usou, ou já ouviu alguém usar a expressão “maquiavélico”. De acordo com Chauí (2010 apud CHICARINO, 2014, p. 4). Falamos de um “poder maquiavélico” para nos referir a um poder que age secretamente nos bastidores, mantendo suas intenções e finalidades desconhecidas para os cidadãos; que afirma que os fins justificam os meios e usa meios imorais, violentos e perversos para conseguir o que quer; que dá regras do jogo, mas fica às escondidas, esperando que os jogadores causem a si mesmos sua própria ruína e destruição. O nome de Maquiavel ou o adjetivo que ele origina, está geralmente associado a coisas “ruins” e “imorais” porque, segundo Chicarino (2014), o pensamento político anterior a Maquiavel estava fundamentalmente associado aos valores cristãos. Ou seja, existiria algo maior e externo à política que ditaria as suas regras, como as ideias de “bem comum” e “justiça”, que justificavam a monarquia e o direito hereditário. Maquiavel traz justamente novas ideias sobre essas concepções. O contexto social em que ele vive é de surgimento do capitalismo na Europa ocidental em sua primeira fase comercial ou mercantil, que vigorou, mais ou menos, entre os séculos XV e XVII e é caracterizado pelo acúmulo de capitais por meio das trocas comerciais. É, portanto, um contexto de surgimento de um novo sistema econômico - capitalista - com profundas mudanças de ordem política e social. Não se pode esquecer que o sistema feudal - ordem social anterior ao capitalismo na Europa ocidental - é marcado pela relação senhor/servo e é um sistema estamentário, no qual a desigualdade é marcada pela origem e nascimento e baseia-se na ética religiosa. A partir de um longo processo histórico - aqui extremamente resumido- com o surgimento do capitalismo e da burguesia (nesse momento embrionária), começa-se a ventilar novas ideias apoiadas nas noções de “livre-arbítrio”, “igualdade”, “trabalho livre”, “lucro”, “acumulação” etc., é a ética burguesa que começa a instalar-se nesse momento e que, posterior e, principalmente, a partir das transformações ocorridas no mundo ocidental e, a partir do século XVIII com a Revolução Francesa (1789) e a Revolução Industrial (1780-1830), vai espraiar-se para todo o mundo como pode ser percebido na atualidade (PRONI, 1997). SAIBA MAIS A Revolução Francesa, ocorrida em 1789, foi e continua sendo um importante evento sucedido no final do século XVIII na Europa ocidental que moldou a sociedade contemporânea e configura-se em um dos marcos para a ascensão da burguesia francesa e queda do Antigo Regime. Nesse primeiro momento, a burguesia ergue-se como uma classe revolucionária que questiona a monarquia e a nobreza, no entanto,posteriormente, trai a classe trabalhadora e torna-se ela própria a classe dominante exploradora. Fonte: HOBSBAWM, Eric. A Revolução Francesa. In: HOBSBAWM, Eric. A Era das Revoluções. São Paulo: Paz e Terra. 5a ed., 1986. #SAIBA MAIS# SAIBA MAIS A Revolução Industrial é um conjunto de transformações que se inicia no século XVIII na Inglaterra que marca o surgimento da indústria e da maquinaria. É importante ressaltar que as transformações ocorridas a partir do século XVIII não se dão apenas na esfera da produção, mas começa a instaurar-se um novo conjunto de relações sociais capitalistas que vão reger o mundo moderno a partir dessas transformações. Fonte: HOBSBAWM, Eric. A Revolução Industrial. In: HOBSBAWM, Eric. A Era das Revoluções. São Paulo: Paz e Terra. 5a ed., 1986. #SAIBA MAIS# Nesse processo de surgimento da burguesia enquanto classe social que já possui poder econômico, ela buscará também obter poder político, ainda exercido pela nobreza feudal, ao mesmo tempo em que há um processo na Europa de “centralização do poder que daria origem aos Estados absolutistas, como Portugal, Espanha, França e Inglaterra”. (DIMENSTEIN; STRECKER; GIANSANTI, 2008 apud CHICARINO, 2014, p. 7). Além de todo esse contexto, o momento histórico em que viveu Maquiavel, é marcado pela fragmentação da Itália, que era constituída por diversos pequenos Estados que disputavam entre si, o que gerava uma série de conflitos políticos em sua época. Mesmo com esses intensos conflitos internos, como nos conta Chicarino (2014), a Itália vivia um momento de crescimento econômico, impulsionado, principalmente, por Lourenço de Médici, conhecido como “Lourenço, o Magnifico”. Após a sua morte, algumas regiões da Itália são marcadas por invasões constantes e tentativas de dominação. Ainda assim, a fragmentação de seus Estados permanece. Sobre Maquiavel, Chauí (2000, p. 511), acentua: Foi diplomata e conselheiro dos governantes de Florença, via as lutas européias de centralização monárquica (França, Inglaterra, Espanha, Portugal), viu a ascensão da burguesia comercial das grandes cidades e sobretudo viu a fragmentação da Itália, dividida em reinos, ducados, repúblicas e Igreja. A compreensão dessas experiências históricas e a interpretação do sentido delas o conduziram à ideia de que uma nova concepção da sociedade e da política tornara-se necessária, sobretudo para a Itália e para Florença. É nessa conjuntura de intensas transformações sociais e movimentações políticas, portanto, que nasce e vive Maquiavel. Ele vai criticar a associação que vigorava até então, fundamentada na religião, entre ética e política, que dependeria de “qualidades morais” dos “homens”. Maquiavel opera uma ruptura no pensamento político ao formular que a própria política deve instituir as suas próprias regras, sem uma força maior ou exterior a ela. Chauí (2000), destaca quatro pontos principais dessa ruptura provocada por Maquiavel: ● O primeiro ponto destacado pela autora é que “Maquiavel não admite um fundamento anterior e exterior à política (Deus, Natureza ou razão)”. Nesse sentido, o que existe é “o desejo dos grandes de oprimir e comandar e o desejo do povo de não ser oprimido nem comandado”. Assim, o que marca a Cidade é o conflito e as lutas sociais, que só o poder político, nascido dessas próprias lutas, pode dirimir. (CHAUÍ, 2000, p. 512). ● O segundo ponto que a autora salienta é que “Maquiavel não aceita a ideia da boa comunidade política constituída para o bem comum e a justiça”. Isso quer dizer que, para Maquiavel a sociedade vive em constante conflito, portanto, não pode estar voltada para o “bem comum”, assim “a finalidade política não é, como diziam os pensadores gregos, romanos e cristãos, a justiça e o bem comum, mas, como sempre souberam os políticos, a tomada e manutenção do poder”. (CHAUÍ, 2000, p. 512). ● A autora ressalta ainda que “Maquiavel recusa a figura do bom governo encarnada no príncipe virtuoso, portador das virtudes cristãs, das virtudes morais e das virtudes principescas”. Para ele, “o príncipe precisa ter virtu”, mas essa “virtu” é eminentemente política, “referindo-se às qualidades do dirigente para tomar e manter o poder, mesmo que para isso deva usar a violência, a mentira, a astúcia e a força”. (CHAUÍ, 2000, p. 512 e 513). ● Por último, Chauí, acentua que “Maquiavel não aceita a divisão clássica dos três regimes políticos (monarquia, aristocracia, democracia)”, para ele “qualquer regime político - tenha a forma que tiver e tenha a origem que tiver - poderá ser legítimo ou ilegítimo”, o que aponta a sua legitimidade ou ilegitimidade, é a “liberdade”. É legítimo para Maquiavel, qualquer regime, seja da forma que for, “no qual o poder não está a serviço dos desejos e interesses de um particular ou de um grupo de particulares”. (CHAUÍ, 2000, p. 513). A partir dos aspectos discutidos até aqui, neste tópico, em que fala sobre a importância de Maquiavel para o pensamento político moderno, pode-se depreender que ele rompe com a noção tradicional de política, fundamentada, sobretudo, na noção de “hereditariedade, personalidade e virtude” (CHAUÍ, 2000, p. 514) e foi duramente perseguido em sua época, especialmente, pela Igreja. No entanto, todo o pensamento político precisou ser reordenado a partir de suas ideias. Maquiavel inverte a concepção de virtude do príncipe ao postular que este deve ser flexível e se moldar diante às circunstâncias e não que elas seriam a causa constante de seus infortúnios. Esse processo está afastado da noção de “moralidade”, obedece a noções próprias da política que podem ser consideradas “imorais”, mas que, na concepção do pensador, se tiver um efeito prático favorável, são virtuosas do ponto de vista político. 3 O PENSAMENTO POLÍTICO DE ROUSSEAU SHUTTER: 1371473165 SHUTTER: 1352053430 Como foi mencionado no tópico anterior, a Europa ocidental passou por diversas transformações a partir do século XV. Um emaranhado de relações sociais começa a se modificar em função do processo de surgimento de uma nova ordem econômica, que provocará, entre outros fatores, a derrocada do sistema feudal baseado, principalmente, no cultivo da terra e cada vez mais o crescimento e a expansão do comércio, através, inclusive, da colonização de territórios exteriores à Europa (dentre eles, o Brasil). Essa atmosfera gerará um período de intensa movimentação, com inúmeras revoltas no interior da Europa ocidental em face do processo de urbanização e degradação das condições de vida dos trabalhadores - que nesse momento já começam a ser trabalhadores livres e não mais em uma condição de servidão nas Cidades. Surge claramente, uma disputa entre grupos sociais antagônicos: os trabalhadores e os burgueses. Nesse contexto, Chauí (2000, p. 516), coloca que: Os teóricos precisavam, portanto, explicar o que eram os indivíduos e por que lutavam mortalmente uns contra os outros, além de precisarem oferecer teorias capazes de solucionar os conflitos e as guerras sociais. Em outras palavras, foram forçados a indagar qual é a origem da sociedade e da política. Por que indivíduos isolados formam uma sociedade? Por que indivíduos independentes aceitam submeter-se ao poder político e às leis? São dessas indagações que surgem as noções, que também, provavelmente, você já deve ter ouvido falar alguma vez na sua vida, de “Estado de Natureza” e “Estado civil”, que tentam explicar a sociedade antes do surgimento do Estado. Dentro dessas explicações, as que mais se destacaram foram as concepções de Hobbes (1588-1679), Locke (1632-1704) - que trataremos no próximo tópico - e Rousseau (1712-1778). O primeiro autor, Thomas Hobbes, foi um filósofo, matemático e teórico político, nascido na Inglaterra em finais do século XVI, nasce e desenvolveseu pensamento nesse contexto que foi citado anteriormente, de mudanças sociais, expansão marítima, colonização etc., existe um intenso processo de expansão do Império Inglês através de sua Marinha e também de intensos conflitos sociais. Sua principal obra, “O Leviatã”, amplamente conhecida, faz referência, aqui de maneira superficial, a um monstro marítimo que protege as criaturas mais indefesas do mar. Esse “Leviatã”, na concepção de Hobbes, é justamente o Estado e, em meio a esse conflito social vivido na Inglaterra de sua época, o pensador se coloca na defesa da monarquia inglesa. Hobbes parte do princípio do “jusnaturalismo”, sob o qual, qualquer ser humano é resguardado por uma lei natural que o permite fazer tudo o que quiser, é o chamado “Estado de natureza”. Essa situação de “liberdade sem limites”, na concepção do filósofo, faz com que as pessoas vivam em conflitos constantes, ou seja, é um contexto de violência generalizada, em que o homem é essencialmente mau e vive em uma “guerra de todos contra todos”, no qual, fica famosa a sua frase de que “o homem é o lobo do próprio homem”. Para sair dessa situação de caos, os seres humanos assinam um contrato que poria fim a esse estado de violência generalizada e instituem um conjunto de leis e regras regidas pelo Estado, que todos deveriam seguir. Esse contrato, marcaria a passagem do “Estado de natureza” para a “Sociedade Civil” e institui o Estado, que deveria ser um Estado soberano, forte e centralizado para garantir a ordem social, com um grande poder coercitivo que deve governar a partir da imposição do medo. O outro autor mencionado que trataremos ainda neste tópico, é Jean-Jacques Rousseau. Nascido em 1712 em Genebra, na Suíça e falecido em 1778, em Ermenonville, França, Rousseau, é considerado também um filósofo chamado de “contratualista”, e vai exercer grande influência no pensamento político moderno, até os dias de hoje, sendo o precursor “do pensamento democrático moderno e o grande enunciador, no plano das ideias, da Revolução Francesa de 1789” (CHICARINO, 2014, p. 33). Suas principais obras são o “Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens”, de 1755 e “O contrato social”, publicado em 1762. Assim como Hobbes, Rousseau parte de um momento idealizado dos seres humanos, no qual estes viviam em Estado de Natureza. No entanto, diferentemente de Hobbes, nesse Estado de natureza de Rousseau, “os indivíduos vivem isolados pelas florestas, sobrevivendo com o que a Natureza lhes dá, desconhecendo lutas e comunicando-se pelo gesto, o grito e o canto, numa língua generosa e benevolente.” (CHAUÍ, 2000, p. 517). É um estado, portanto, de felicidade e não de violência generalizada. No entanto, a existência, nesse Estado de natureza, de talentos diferenciados entre as pessoas, a qual, Rousseau denomina de “desigualdade natural” passa a aumentar cada vez mais entre os grupos humanos, o que leva “a dominação, a servidão, o roubo, a guerra, a morte e a violência” (CHICARINO, 2014, p. 34) de uns contra os outros. Assim: Esse estado de felicidade original, no qual os humanos existem sob a forma do bom selvagem inocente, termina quando alguém cerca um terreno e diz: “É meu”. A divisão entre o meu e o teu, isto é, a propriedade privada, dá origem ao Estado de Sociedade, que corresponde, agora, ao Estado de Natureza hobbesiano da guerra de todos contra todos. (CHAUÍ, 2000, p. 517). Deparados com essa situação, os seres humanos, de acordo com Rousseau, fazem um “pacto social” ou um “contrato” para assegurar a sua “liberdade civil”. No entanto, para o estabelecimento desse contrato, todas as partes devem estar em condição de igualdade, cedendo os seus direitos a “um corpo soberano”, que é o próprio povo. (CHICARINO, 2014) Destarte, em Rousseau, é o povo que é soberano e não o governante, o contrato social, então, “forma o povo e, por meio dele, os direitos naturais do povo se transformam em direitos civis”. Diferentemente de Hobbes, o Estado não é soberano, “mas o representante da soberania popular” (CHICARINO, 2014, p. 36). 4 LIBERALISMO POLÍTICO (LOCKE) SHUTTER: 1626614812 John Locke nasceu em 29 de agosto de 1632, em Wrington, Inglaterra e morreu em outubro de 1704, em Harbor, também na Inglaterra. De acordo com Quadros (2016), Locke, assim como Rousseau, faz parte de um movimento que buscou opor-se ao poder absoluto do governante, como defendiam Maquiavel e Hobbes, chamado de “constitucionalismo”. Para os constitucionalistas, a existência de poder absoluto por parte dos governantes pode fazer com que estes abusem desse tipo de poder, para impedir esse processo, é necessário, portanto, limitá-lo. Sua obra de maior envergadura é “Segundo tratado sobre o governo”, de 1690, na qual “o autor faz a defesa política de um Estado nos moldes liberais, em que o poder deste é limitado de acordo com direitos naturais invioláveis dos indivíduos” (QUADROS, 2016, p. 94). Com essas ideias, Locke influenciou as revoluções liberais ocorridas no século XVII e XVIII, como a independência estadunidense de 1776, a Revolução Francesa de 1789 e a Revolução Gloriosa inglesa de 1688. Locke, assim como Hobbes e Rousseau, também parte da explicação sobre o Estado de natureza e a existência de um contrato social que funda o Estado. Para ele, “no estado de natureza, o homem desfruta da liberdade, da igualdade, das posses e da razão para sua autopreservação”, ou seja, de uma existência harmoniosa. Um aspecto importante nesse pensamento de Locke é que ele introduz a ideia de “posses” ou “propriedade privada” as quais, para ele, já existem de acordo com a lei da natureza, diferentemente de Hobbes e Rousseau, para os quais, a propriedade privada só é introduzida a partir do estabelecimento da sociedade civil, é, nesse sentido, um direito civil e não natural. Mas, para Locke, apesar da propriedade ser um direito natural, ela pode ser violada “em virtude da falta de razão de certos homens que ignoram a lei natural” e também em função “da distribuição desigual das posses no interior da sociedade, o que introduz a penúria e a pobreza entre os homens” (QUADROS, 2016, p. 97). Pode-se depreender, então, que para Locke, apesar de no Estado de natureza, os seres humanos viverem em um eventual estado de paz e harmonia, existem certas situações que violam as leis da natureza e a propriedade privada e que podem levar a um estado de guerra. É tendo em vista essa prerrogativa que se dá o estabelecimento de um contrato que funda a sociedade política, ou seja, o Estado. Este tem a função de regular o cumprimento da lei da natureza e a não violação da propriedade privada. O Estado na concepção de Locke, não possui poderes absolutos, como vimos anteriormente em Maquiavel e Hobbes, mas é submetido ao Legislativo, ou seja, a um conjunto de leis e regras que limitam e fiscalizam a sua atuação e que só pode ser fundado a partir de um contrato estabelecido de forma “livre” pelos seres humanos. Locke, com a sua formulação da propriedade privada como um direito natural, oferece à burguesia em ascensão à fundamentação teórica necessária para justificar a sua legitimidade, que, diferente da nobreza feudal que se baseia no sangue e na hereditariedade, respalda-se no trabalho e na propriedade privada (CHAUÍ, 2000). Nessa linha de raciocínio, o principal objetivo do Estado é justamente garantir a propriedade privada obtida por meio do trabalho. Com isso: O burguês não se reconhece apenas como superior social e moralmente aos nobres, mas também como superior aos pobres. De fato, se Deus fez todos os homens iguais, se a todos deu a missão de trabalhar e a todos concedeu o direito à propriedade privada, então, os pobres, isto é, os trabalhadores que não conseguem tornar-se proprietáriosprivados, são culpados por sua condição inferior. São pobres, não são proprietários e são obrigados a trabalhar para outros seja porque são perdulários, gastando o salário em vez de acumulá-lo para adquirir propriedades, ou são preguiçosos e não trabalham o suficiente para conseguir uma propriedade. (CHAUÍ, 2000, p. 520) Não à toa, Locke funda as bases do chamado “liberalismo político” ou da “teoria liberal”, que serão levados a cabo, como foi citado no início do tópico, pela independência estadunidense e pela Revolução Francesa e, mais tardiamente, por pensadores como Max Weber. De acordo Chauí (2000), nessa perspectiva, o Estado teria três funções principais, sendo elas: 1. por meio das leis e do uso legal da violência (exército e polícia), garantir o direito natural de propriedade, sem interferir na vida econômica, pois, não tendo instituído a propriedade, o Estado não tem poder para nela interferir. Donde a idéia [sic] de liberalismo, isto é, o Estado deve respeitar a liberdade econômica dos proprietários privados, deixando que façam as regras e as normas das atividades econômicas; (CHAUÍ, 2000, p. 520). Por esse ângulo, então, o Estado não deve interferir na economia, apenas deve garantir o “direito natural” da propriedade privada. 2. visto que os proprietários privados são capazes de estabelecer as regras e as normas da vida econômica ou do mercado, entre o Estado e o indivíduo intercala- se uma esfera social, a sociedade civil, sobre a qual o Estado não tem poder instituinte, mas apenas a função de garantidor e de árbitro dos conflitos nela existentes. O Estado tem a função de arbitrar, por meio das leis e da força, os conflitos da sociedade civil; (CHAUÍ, 2000, p. 520). Como a economia é regulada pelos proprietários privados, a esfera da sociedade civil, a esfera pública, deve ser regulada pelo Estado apenas para garantir a “liberdade” individual e dirimir os conflitos sociais que possam surgir. 3. o Estado tem o direito de legislar, permitir e proibir tudo quanto pertença à esfera da vida pública, mas não tem o direito de intervir sobre a consciência dos governados. O Estado deve garantir a liberdade de consciência, isto é, a liberdade de pensamento de todos os governados e só poderá exercer censura nos casos em que se emitam opiniões sediciosas que ponham em risco o próprio Estado. (CHAUÍ, 2000, p. 520). Por fim, nessa perspectiva, o Estado também não pode intervir na “liberdade de expressão” da sociedade, apenas, estritamente, nos casos em que as formulações e pensamentos possam ameaçar a sua existência. O que é interessante observar é que essa formulação do liberalismo político fundado por Locke, estabelecerá as bases da sociedade moderna em que vivemos e voltará com grande força - e com muitas deformações-, no atual contexto sob a forma do neoliberalismo, sobre o qual trataremos nas próximas unidades, em que se apregoa de forma dissimulada uma atuação reduzida do Estado e uma ampla atuação do mercado na regulação da vida social. REFLITA De acordo com o Artigo 5º da Constituição Federal Brasileira de 1988, “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. Esses direitos a que se referem a Constituição são os direitos civis, fundados juntamente com o estabelecimento da sociedade moderna e os ideais liberais, como você viu em Locke. No entanto, ainda hoje, o que se observa é que, embora o discurso liberal defenda os direitos civis, eles não são implementados na prática, muitas vezes, não passando da dimensão jurídico-formal. Reflita sobre o porquê desse processo. Fonte: BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 20 ago. 2021. #REFLITA# CONSIDERAÇÕES FINAIS Que bom que você chegou ao final desta unidade. Você pode perceber que o surgimento do Estado moderno não é uma questão homogênea no campo da teoria política. Isso porque, de fato, existem muitas formulações a respeito. No primeiro tópico, pode-se compreender alguns dos possíveis rumos desse debate. Dentro dessas formulações sobre o Estado, nesta unidade, foram destacadas quatro concepções que tiveram (e têm), grande importância para se pensar sobre essa entidade ainda hoje. O primeiro autor trabalhado foi Maquiavel, este, opera uma importante ruptura no pensamento ocidental sobre política ao desvencilhar a sua compreensão do plano moral religioso. Maquiavel, com seu “O Príncipe”, escreveu uma espécie de manual com passos que o governante deveria seguir. Para ele, o governante não poderia guiar-se por questões morais, mas lançar mão do que fosse necessário para garantir o poder e a governabilidade. O outro conjunto de autores que foi trabalhado foram os autores contratualistas. O primeiro autor abordado, Hobbes, discorre que a humanidade vivia em um processo de guerra de todos contra todos e que para findar esse estado de violência instituem, a partir de um contrato social, a sociedade política, ou seja, o Estado. Já Rousseau, também um autor contratualista, acentua que na verdade, no Estado de natureza, “os homens” viviam em harmonia e que é a instauração da sociedade civil que introduz o caos. O último autor abordado é John Locke, filósofo inglês que estabelece as bases para o liberalismo político que serve de fundamentação para a ascensão da burguesia, à época, uma classe com poder econômico, mas ainda sem poder político. Locke coloca a propriedade enquanto um direito natural e caberia ao Estado, principalmente, garanti-la. Como pode-se observar, é extremamente importante compreender como se dá o processo histórico de gestação do Estado e as formulações sobre ele, pois, só assim é possível compreendê-lo criticamente na atual conjuntura e traçar alternativas futuras. Agradeço por ter me acompanhado até aqui. Até a próxima! LEITURA COMPLEMENTAR BOBBIO, N. Estado, governo, sociedade. Para uma teoria geral da política. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. ENGELS, F. A Origem da Família da Propriedade Privada e do Estado. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. HOBBES, T. Leviatã. São Paulo: Abril Cultural, 1979. HOBSBAWM, E. A Era das Revoluções. São Paulo: Paz e Terra. 5a ed., 1986. LOCKE, J. Segundo Tratado sobre o Governo. São Paulo: Abril Cultural, 1978. ROUSSEAU, J.J. Do Contrato Social. São Paulo: Abril Cultural, 1978. LIVRO Título: O príncipe Autor: Nicolau Maquiavel. Editora: Nova Fronteira. Ano: 2019. Sinopse: Nicolau Maquiavel é considerado o fundador da ciência política moderna, cujos princípios básicos emergem de sua obra mais famosa, O príncipe. Escrito em 1513 na atmosfera agitada do Renascimento e publicado somente anos depois da morte do autor, em 1532, o livro tenta definir as formas de governo, as virtudes do soberano e uma nova ética do fazer político. Com um estilo vigoroso e direto, este verdadeiro manual sobre a arte de conquistar e manter o poder tornou-se um dos mais influentes tratados do pensamento ocidental. Esta edição conta com tradução e prefácio de Livio Xavier e traz também uma apresentação inédita do filósofo Júlio Pompeu. FILME/VÍDEO Título: A Guerra do Fogo Ano: 1982. Sinopse: Na pré-história, a pouco desenvolvida a tribo Ulam é composta por membros que se comunicam por gestos e grunhidos e acreditam que o fogo é sobrenatural. Quando a fonte única de calor se apaga após um ataque, três guerreiros saem numa jornada em busca de outra chama e acabam conhecendo os Ivaka, grupo com hábitos avançados ecomunicação complexa, além de domínio da produção do mítico fogo. Link do vídeo: Disponível em:https://www.youtube.com/watch?v=ibK3UI2YTDE. Acesso em: 07 dez. 2021. REFERÊNCIAS CHAUI, M. Convite à filosofia. Ed. Ática, São Paulo, 2000. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/533894/mod_resource/content/1/ENP_155/Refe rencias/Convitea-Filosofia.pdf. Acesso em: 15 ago. 2021. CHICARINO, T. S. (Org.). Teorias Políticas, Estado e Sociedade. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2014. Disponível em: https://plataforma.bvirtual.com.br. Acesso em: 15 ago. 2021. DALLARI, D. de A. Elementos de Teoria Geral do Estado. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/mod/resource/view.php?id=2799722&forceview=1. Acesso em: 15 ago. 2021. PEREIRA, P. A. P. Estado, sociedade e esfera pública. In: CFESS-Conselho Federal de Serviço Social. ABEPSS-Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (Orgs.). Serviço Social: direitos sociais e competências profissionais, 2009. Disponível em:http://www.cressrn.org.br/files/arquivos/8jWy8e5p39eA46R2v6H9.pdf. Acesso em: 13 ago. 2019. PRONI, M. W. História do capitalismo: uma visão panorâmica. In Cadernos do CESIT. Campinas, n. 25, out. 1997. QUADROS, D. G. de. O Estado na teoria política clássica: Platão, Aristóteles, Maquiavel e os contratualistas. Curitiba: InterSaberes, 2016. Disponível em: https://plataforma.bvirtual.com.br. Acesso em: 16 ago. 2021. UNIDADE II TEORIA POLÍTICA CLÁSSICA Professora Me. Itamires Lima Santos Alcantara Plano de Estudo: • “Homem Político”; • Contrato Social; • Teoria Geral do Direito. Objetivos de Aprendizagem: • Compreender o ser humano como um ser político; • Identificar o surgimento da política; • Apontar o modelo do “contrato social” como uma das formas de explicação do surgimento do Estado na Teoria Política; • Compreender a Teoria Geral do Direito e a sua importância para a Teoria Política. INTRODUÇÃO Na primeira unidade desta apostila, você pode aprender um pouco sobre o processo de surgimento do Estado moderno na Europa ocidental e algumas das principais teorizações a respeito dessa entidade que regula a vida dos seres humanos no atual contexto e que é de suma importância para o trabalho da(o) assistente social. Nesta segunda unidade, será abordado alguns dos principais temas referentes à chamada “Teoria Política Clássica”. Tendo em vista essas considerações é que, no primeiro tópico será abordado a noção de “homem político”, baseada principalmente nas elaborações de Aristóteles na Grécia Antiga, para quem, o ser humano é um “animal” essencialmente político por sua própria natureza. Nesse sentido, está sempre propenso à vida em sociedade e realiza- se nela. No segundo momento será abordada a perspectiva do “contrato social” para o surgimento do Estado e da sociedade, a partir de um pacto surgido do consenso entre os indivíduos que decidem, por sua própria vontade, sair do estado de natureza - seja ele um momento de paz ou de guerra - e abdicarem do seu direito natural submetendo- se a um poder maior que os regule e garanta a convivência social - para alguns, que garanta também a propriedade privada. Tendo em vista esses aspectos da vida em sociedade, ou seja, o estado civil e não mais de natureza, é que surge o Direito no ocidente, como um fenômeno histórico e social que regula a vida em sociedade. A Teoria Geral do Direito, assim, o terceiro tópico desta apostila, versa sobre os diversos aspectos fundamentais que constituem o direito em uma perspectiva ampla e é de suma importância para a compreensão da organização da sociedade contemporânea. Espero que esta leitura contribua para a ampliação de seus conhecimentos. Vamos à leitura! 1 “HOMEM” POLÍTICO Shutter: 1075062629 Para dar início à discussão deste primeiro tópico que versa sobre a compreensão do ser humano enquanto um ser essencialmente político, é importante compreender que os seres humanos também são seres fundamentalmente sociais e sociáveis, ou seja, para além das necessidades básicas fisiológicas e biológicas - como comer, dormir etc. - Ele necessita relacionar -se com as outras pessoas e com o mundo a sua volta. É justamente essa necessidade de relações que leva os seres humanos a fazer política. A partir do momento em que os indivíduos reúnem-se em grupos, desenvolvem formas coletivas de sobrevivência, formam cidades etc., é preciso estabelecer também formas de negociação para essa convivência, é nesse processo, então, que se forma a política. É tendo em vista essa realidade que Aristóteles (384 a.C. - 322 a.C.), filósofo fundador da "lógica", vai afirmar que o “homem” é um “animal político”. De acordo com Borges (2008): A palavra política é de origem grega: tá polítika, vinda de pólis. Segundo Chauí (1994), pólis significa cidade, entendida como comunidade organizada, formada pelos cidadãos (politikos), isto é, pelos homens nascidos no solo da cidade, livres e iguais, portadores de dois direitos inquestionáveis, a isonomia (igualdade perante a lei) e a isegoria (o direito de expor e discutir em público opiniões sobre ações que a Cidade deve ou não realizar). (BORGES, 2008, p. 65,grifos do autor). A sociedade grega antiga é caracterizada pela pólis, organização das cidades- estados gregas, onde já se tinha um início de organização “democrática” de algumas dessas cidades-estados. Segundo Chauí (2000), os gregos e os romanos inventaram a política, pois: [...] instituíram práticas pelas quais as decisões eram tomadas a partir de discussões e debates públicos e eram adotadas ou revogadas por voto em assembléias públicas; porque estabeleceram instituições públicas (tribunais, assembléias, separação entre autoridade do chefe da família e autoridade pública, entre autoridade político militar e autoridade religiosa) e sobretudo porque criaram a idéia[sic] da lei e da justiça como expressões da vontade coletiva pública e não como imposição da vontade de um só ou de um grupo, em nome de divindades.(CHAUÍ, 2000, p. 31) Nascido na Grécia no século IV a.C., Aristóteles vivencia essa dinâmica política da pólis grega. O pensador entendia que a política está tão intimamente relacionada à natureza humana que é um elemento diferenciador dos seres humanos em relação aos outros animais, pois só os primeiros possuem a linguagem, a capacidade da comunicação. No entanto, apesar de, para a maioria dos autores, na Grécia e Roma antigas ter sido criada a política, não se pode entendê-la como nos tempos atuais, ainda que, você possa perceber que muitas das coisas formuladas naquela época mantêm-se ou sofrem influência direta. Não era todo mundo, por exemplo, que poderia participar da pólis, Aristóteles entendia que cidadão era aquele que participava ativamente da execução das leis. Ou seja, no regime democrático grego, o poder não pertencia ao monarca, como se viu em alguns pensadores apresentados no tópico anterior, mas, sim ao “povo”. No entanto, é importante ressaltar que, o conceito de cidadania grega era extremamente restrito, não eram todas as pessoas que eram consideradas cidadãs ou o “povo”, como hoje se entende na contemporaneidade - ainda que, na maioria dos casos, seja apenas no discurso formal-, mas, sim uma parcela reduzida da população, que deveriam ser: ● homens - as mulheres não eram tidas como cidadãs e não poderiam participar politicamente; ● a partir de uma certa idade pré-definida; ● gregos - pessoas de outras nacionalidades - estrangeiros- também não tinham direito à participação e; ● livres - ou seja, era uma sociedade escravocrata na qual as pessoas escravizadas não eram cidadãs. Assim, todos aqueles que não atendessem a essas características não eram tidos como cidadãos. Ainda conforme Chauí(2000), a desigualdade de classe social também não pode ser ignorada quando se trata da sociedade grega e romana. A cidadania era exclusiva dos homens adultos livres nascidos no território da Cidade. Além disso, a diferença de classe social nunca era apagada, mesmo que os pobres tivessem direitos políticos. Assim, para muitos cargos, o pré-requisito da riqueza vigorava e havia mesmo atividades portadoras de prestígio que somente os ricos podiam realizar. Era o caso, por exemplo, da liturgia grega e do evergetismo romano, isto é, de grandes doações em dinheiro à cidade para festas, construção de templos e teatros, patrocínio de jogos esportivos, de trabalhos artísticos, etc. (CHAUÍ, 2000, p. 486) Como foi dito anteriormente, o cidadão, na democracia grega, é aquele que participa da criação e execução das leis. Tendo em vista esse processo, Aristóteles propõe, então, uma distinção entre aqueles que eram cidadãos e aqueles que seriam apenas habitantes, para ele, este último é aquele que habita a cidade, mas que não pode participar ativamente da política, atividade reservada apenas aos cidadãos, que têm o direito de participar do poder executivo, legislativo e judiciário. REFLITA Você pode perceber nas considerações feitas acima que nem todas as pessoas eram consideradas cidadãs na Grécia Antiga. A noção de cidadania grega, apesar de ser reconhecida como o berço da democracia ocidental, é extremamente restritiva. Os direitos políticos - como votar e ser votado-só foram conquistados nas sociedades ocidentais para todas as pessoas a partir das lutas históricas dos movimentos sociais e, ainda assim, não se tem um processo que atenda, ainda hoje, a todas as pessoas de maneira igualitária. O que se pode depreender dessas questões? Fonte: A autora. #REFLITA# Aristóteles define também o que é comunidade, para ele, seria um agrupamento de pessoas reunidas com um mesmo objetivo. No caso das cidades, esse objetivo seria a busca da justiça e da igualdade entre todos, que promoveria a paz e a sobrevivência da espécie humana. A relação para Aristóteles, por meio da qual esse processo se dá, é através do vínculo afetivo, ou seja, da relação de amizade. Não significando, porém, que todos devam ser amigos, mas que esse vínculo é formado pelo objetivo em comum e por pertencer a mesma espécie. Quadros (2016) afirma que o filósofo grego entendia que o surgimento do Estado se dá para assegurar a “proteção e sobrevivência dos membros que formam a cidade”, esta, por sua vez, foi formada a partir da “evolução” da família, que se agregaram até formar as cidades. Conforme aponta Borges (2008, p. 67), Aristóteles, em sua obra clássica, “A Política”, “contribui com o primeiro tratado sobre a natureza, funções e divisões do Estado e suas formas de governo”. Conhecer o seu pensamento é de suma importância para a compreensão da política na contemporaneidade. 2 CONTRATO SOCIAL Shutter: 538828525 Na primeira unidade, como você deve ter observado, foram abordadas as teorias que versam sobre o surgimento do Estado. Uma das elaborações mais importantes na Teoria Política é o modelo contratualista, sobre o qual foi falado brevemente e apresentado os seus principais autores, Hobbes, Locke e Rousseau. Cada um a seu modo, influenciam até os dias atuais o pensamento político. De acordo com Quadros (2016), o primeiro ponto que merece destaque quando se fala do modelo contratualista é a teoria do “jusnaturalismo” ou escola do direito natural, criada para “legitimar a necessidade da existência do Estado”, ou seja, são formulações que tentam explicar o porquê e como nascem o Estado e a sociedade. Schiavon (2001), salienta que é possível dividir os períodos do jusnaturalismo em três: o clássico, o teológico e o racionalista ou moderno. Para o autor: No jusnaturalismo clássico, no mundo antigo, com sua interpretação mítica da realidade, a razão aparece como meio de explicar o mundo em seu conjunto, a unidade na diversidade dos fenômenos. Esse pensamento oriental, ao final, é absorvido pelos romanos. Já no jusnaturalismo teológico - da Idade Média - a razão constitui-se no melhor caminho para se aceder à revelação divina. Gradualmente, as idéias cristãs incorporam influências germânicas, romanas e da filosofia oriental. Por fim, no jusnaturalismo moderno (ou racionalista) resultado das idéias [sic] do renascimento e da ilustração - as teorias do contratualismo são resgatadas para fundamentar racionalmente o Estado. (SCHIAVON, 2001, p. 359). No entanto, como afirma Bobbio (1996), quando se fala em jusnaturalismo na contemporaneidade, está se referindo ao período que mais ficou conhecido que é o último período citado, o racionalista ou moderno, que, de acordo com o autor, pode ser datado a partir do século XVII, com as elaborações de Hugo Grócio (1588-1625). Quadros (2016), apoiado nas elaborações de Bobbio (1996), aborda que seus pensadores partem de dois momentos distintos e dicotômicos, o “estado de natureza” e o “estado civil ou político”. SAIBA MAIS “Hugo Grotius (1583-1645) foi um jurista holandês, considerado um dos fundadores do Direito Internacional. Foi também diplomata, poeta, dramaturgo e historiador. É o autor da obra “O Direito da Guerra e Paz”. Desenvolveu a doutrina da guerra justa, já estabelecida por Santo Agostinho”. [...] “Hugo Grotius deixou uma obra original em diversos campos de atividades: no campo jurídico aparece como o primeiro teórico moderno do Direito Natural e o pai do Direito Internacional. Em teologia, com o texto “De Veritage Religionis Christianae” (1627) inaugura a investigação dos elementos racionais comuns a todos os cultos históricos. Como historiador publicou “Annales et Historiae de Rebus Belgicis” (1657) e “Historia Gothorum Vandalorum et Longobardorum”. Em exegeses (interpretação de uma obra) publicou “Adnotationes ad Vetus et Novum Testamentum”, onde antecipa os métodos de comparação filológica e da crítica bíblica moderna”. Fonte: FRAZÃO, Dilva. Biografia de Hugo Grotius. E Biografia, 2017. Disponível em: https://www.ebiografia.com/hugo_grotius/. Acesso em: 14 out. 2021. #SAIBA MAIS# Nessa perspectiva hipotética, no estado de natureza, um estado inicial, como se viu na unidade anterior, os seres humanos são “livres” para agirem como bem quiserem, sem a existência de uma entidade que regule as suas ações, é um estado no qual, nessa concepção, a política não existe, onde não existem regras sociais. O estado civil, portanto, é radicalmente oposto ao estado de natureza. No entanto, há os pensadores que vão considerar que esse estado de natureza é “pacífico e social” e “tendem a considerá-lo como um estado imperfeito e inseguro, do qual o indivíduo retira motivos para fazer um contrato com os demais homens com o objetivo de fundar o estado civil ou político” (QUADROS, 2016, p. 85). Existem, também, os pensadores que o consideram como um momento em que existe a “guerra de todos contra todos”, como se viu também na unidade anterior. Existem, porém, acordo entre os jusnaturalistas, como ressalta Bobbio (1996, p. 53), de que “é preciso sair do estado de natureza” e instituir o estado civil, seja “porque é útil”, como em Hobbes e Locke “ou necessário”, como em Spinoza (1632-1677), ou ainda “algo imposto pelo dever como em Kant (1724-1804). SAIBA MAIS “Baruch de Espinosa (1632-1677), também conhecido como Espinoza ou Spinoza, foi um filósofo holandês considerado um dos principais pensadores da linha racionalista, da qual faziam parte os filósofos Leibniz e René Descartes. O pensador destacou-se especialmente no estudo da teologia e da política tendo escrito sobre ambos na sua obra mais importante, “Ética (1677)”. Fonte: REBECA, Fuks. Baruch de Espinosa. E Biografia, 2020. Disponível em: https://www.ebiografia.com/hugo_grotius/.Acesso em: 14 out. 2021. #SAIBA MAIS# #SAIBA MAIS# “Filósofo alemão do século XVIII, Immanuel Kant foi um dos principais pensadores do período moderno da filosofia. Abordando questões que abrangiam desde a moralidade até a natureza do espaço e do tempo, Kant é reconhecido particularmente por promover a reunião conceitual entre o racionalismo, que tem em Descartes seu maior expoente, e o empirismo, tal como apresentado por Hume. Desta forma, reunindo o potencial da razão humana e a relevância da experiência no processo de aquisição e produção de conhecimento”. Fonte: MACIEL, Willyans. Immanuel Kant. Infoescola, [s.d.]. Disponível em: https://www.infoescola.com/biografias/immanuel-kant/. Acesso em: 14 out. 2021. #SAIBA MAIS# Tendo em vista essas situações, segundo os teóricos do contratualismo, os seres humanos decidem sair do estado de natureza para o estado civil por meio da instituição de um contrato ou pacto social, “fruto de um consenso entre os indivíduos”. Assim, Bobbio (1996, p. 61) afirma que “o princípio de legitimação das sociedades políticas é exclusivamente o consenso”. O autor considera ainda que, mesmo que a tese do contrato social já fosse anterior e largamente utilizada, ela ganha peso somente com os jusnaturalistas modernos. Dessa forma, para os contratualistas, o pacto social instaurado por indivíduos “livres e iguais” expressa o processo de criação e legitimação do poder político por meio do qual os seres humanos renunciam aos seus direitos naturais, os quais, não se tem muito consenso sobre exatamente quantos e quais seriam. A grosso modo, o que se tem é que os seres humanos abdicam da sua liberdade e transferem esse direito para um terceiro, o Estado, ou para o coletivo, o povo. Esse processo cria, portanto, o estado civil, ou seja, a sociedade e o Estado. Existem diversos questionamentos na literatura da Teoria Política sobre a veracidade ou não da existência histórica de um contrato social que teria fundado a sociedade e o Estado. No entanto, Bobbio (1996), acentua que, independentemente de o contrato social ter existido, ou não, ele é concebido como uma “verdade da razão” que serve como uma teoria ideal explicativa da realidade. 3 TEORIA DO DIREITO Shutter: 1171978513 O campo da Teoria do Direito envolve diversas tentativas de teorizações sobre o Direito a partir de diferentes perspectivas. Do grego “theoresis”, teoria “significa a conversão de um assunto em problema, sujeito a[sic] indagação e pesquisa, a fim de superar a particularidade dos casos isolados, para englobá-los numa forma de compreensão, que correlacione entre si as partes e o todo” (REALE, 2002, p. 52). Desse modo, a teoria busca oferecer explicações gerais, globalizantes, sobre determinado fenômeno. No que se refere à Teoria Geral do Direito, grosso modo, esta busca, ao mesmo tempo, explicar elementos gerais e particulares do Direito, bem como o seu funcionamento e possibilidades de interpretação e aplicação. Consoante Reale (2002), a Teoria Geral do Direito: [...] representa a parte geral comum a todas as formas de conhecimento positivo do Direito, aquela na qual se fixam os princípios ou diretrizes capazes de elucidar-nos sobre a estrutura das regras jurídicas e sua concatenação lógica, bem como sobre os motivos que governam os distintos campos da experiência jurídica. (REALE, 2002, p.52) Como se viu no primeiro tópico desta unidade, Aristóteles postula que os seres humanos são seres sociais e essencialmente políticos. De acordo com Kretschmann e Ohlweiler (2013, p. 36), “social porque tem uma tendência natural à vida em sociedade, e político porque procura estabelecer condições de convivência com os demais”. Nesse sentido, faz parte da própria natureza humana a sociabilidade. Os contratualistas modernos - como se viu também anteriormente - postulam a criação da sociedade e do Estado por meio do contrato social. Porém, existem, segundo Kretschmann e Ohlweiler (2013, p. 36-37), baseados na classificação de Reale, os que consideram o contratualismo como “total”, ou seja, “a própria sociedade é fruto do contrato”, e os que consideram como “parcial”, para os quais “a sociedade é um fato natural, mas o Direito constitui um fato contratual”. Para estes últimos , “o Direito estaria baseado no contrato social, enquanto a Moral seria anterior ao contrato positivo e sua condição primordial”. De todo modo, entende-se que o Direito é parte integrante e essencial da estrutura da sociabilidade humana, e, por assim ser, “é um fenômeno histórico-social sempre sujeito a variações e intercorrências, fluxos e refluxos no espaço e no tempo” (REALE, 2002, p. 44), se desenvolvendo desde os costumes mediados principalmente pela religião nas sociedades antigas, até chegar ao que conhecemos hoje, não numa perspectiva evolucionista, mas de desenvolvimento histórico por meio das contradições próprias da realidade. O Direito, nessa narrativa, refere-se, de forma mais ampla, à necessidade de ordenamento da convivência social e não apenas, como se vê largamente difundido pelo direito positivo, a leis e a regras, embora estes elementos o componham e se constituam em aspectos fundamentais. É, por conseguinte, fundamentalmente, um fenômeno social, que existe na sociedade e que não pode existir fora dela (REALE, 2002) e que se configura tendo como base as sociedades ocidentais que se espraiam pelo mundo a partir, principalmente, do processo de colonização. A chamada Modernidade é marcada por intensas transformações nas correntes doutrinárias do Direito, dentre elas, a diferenciação entre o direito natural ou jusnaturalismo - conforme se viu - e o direito positivo ou juspositivismo. O contexto do Iluminismo é um dos principais impulsionadores dessas transformações, que institui a razão, a racionalidade, como aquela que define as ideias de justiça e não mais os costumes ou Deus, como na Idade Antiga e Média. Um expoente desse processo, que institui a razão para pensar a noção de direito natural é o filósofo Immanuel Kant (1724- 1804), autor que defende que a racionalidade determina o comportamento humano. Sobre Kant, Esteves (2012), acentua que este: [...] concebe o estado de natureza e a própria ideia de “contrato originário” a ele ligada como “meras ideias a priori da razão”, como uma situação idealizada em que homens viveriam “antes” da constituição do Estado, de autoridade e leis externas, onde essa anterioridade deve ser entendida não em sentido cronológico, mas em sentido lógico. (ESTEVES, 2012, 160) Para o pensamento juspositivista ou do direito positivo, respondendo às necessidades da ascensão da burguesia naquele contexto e criticando o jusnaturalismo, o Direito é aquilo que está positivado nas leis, arbitrado, e posto em ação por uma autoridade, no caso, o Estado. O direito, então, de “dizer o Direito”, passa a ser do Estado, independentemente de ser “justo” ou não. Uma expressão desse pensamento é o jurista e filósofo austríaco Hans Kelsen (1881-1973), com a sua “Ciência Pura do Direito”, para o qual o Direito não deveria ter nenhuma influência externa e comunga numa compreensão “normativista do direito e do Estado” (DALLARI, 1998, p. 46). SAIBA MAIS Hans Kelsen, “jurista austro-americano, um dos mais importantes e influentes do século XX. Foi um dos produtores literários mais profícuos de seu tempo, tendo publicado cerca de quatrocentos livros e artigos, destacando-se a Teoria Pura do Direito pela difusão e influência alcançada. É considerado o principal representante da chamada Escola Positivista do Direito. Kelsen dá valor apenas ao conteúdo normativo. A função da ciência jurídica teoriza, “é descrever a ordem jurídica, não legitimá-la”. É Direito, em última instância, Direito posto, positivado. Quer seja pela vontade humana (positivismo),quer seja por uma vontade transcendente, supra-humana (jus- naturalismo). Assim, desenvolve uma metodologia voltada exclusivamente para a norma posta”. Fonte: BIOGRAFIA: Hans Kelsen. Projeto Pasárgada, 2011. Disponível em: https://www.olibat.com.br/bibliografia-hans-kelsen/. Acesso em: 14 out. 2021. #SAIBA MAIS# Dentre as possíveis diferenciações estabelecidas entre o direito natural e o direito positivo, Kretschmann e Ohlweiler (2013, p.56-57), destacam as formulações de Bobbio, para quem: A. “o direito natural é universal, enquanto o direito positivo é particular e contingente”; B. “o direito natural é imutável no tempo, quanto o positivo sofre alterações [...]”; C. “o direito natural é fundado na natureza, quanto o direito positivo na “potestas populus”, ou seja, no poder popular”; D. [...] “o direito natural é conhecido através da razão, quanto o direito positivo é conhecido através de uma declaração de vontade alheia [...]”; E. o direito natural regula os comportamentos “bons e maus”, enquanto esses comportamentos para o direito positivo são indiferentes, só assumindo alguma “qualificação porque foram de alguma forma atingidos pelo direito positivo”; F. “o direito natural estabelece aquilo que é bom, enquanto o direito positivo estabelece o que é útil”. Existe, ainda, na contemporaneidade, uma grande influência dessas correntes de pensamento no Direito contemporâneo, contudo, como alertam os autores, essas diferenciações não são estáticas e têm perdido força no contexto atual. É interessante notar que na compreensão do direito, existem aqueles, que, por exemplo, partem da premissa do direito natural como universal, tal como o direito à vida, enquanto, tem-se nas sociedades contemporâneas uma grande força do direito imposto e normatizado. Nesse percurso histórico, existe, como se viu no pensamento do direito positivo, uma identidade construída entre o Direito e o Estado como aquele que tem “a prerrogativa de criar legalidade com exclusividade”, ou seja, ao Estado é conferido o poder de legislar e da coação a partir do uso da força (GIAMBERARDINO, 2005, p. 9). Ainda nesse escopo, não se pode ignorar o papel histórico do Direito na garantia do cercamento e legitimação jurídica necessária para a ascensão capitalista. REFLITA Tem-se consolidado no campo do Direito uma série de críticas ao direito positivo baseado nas leis e nas normas, pois tem-se a compreensão de que essas leis e normas não contemplam a todas as pessoas da mesma forma-ainda que seja largamente apregoado pelo pensamento liberal imperante-e de que não necessariamente o que está nas leis é o que é “justo”. Reflita sobre as contradições postas no direito positivo, as desigualdades e as diferenças sociais do mundo contemporâneo. Fonte: A autora. #REFLITA # CONSIDERAÇÕES FINAIS Esta segunda unidade apresentou alguns dos aspectos que compõem a Teoria Política Clássica e que são importantes para se compreender o mundo político contemporâneo em suas múltiplas expressões. Sendo assim, foi abordada a noção dos seres humanos como animais políticos. Ou seja, está na natureza humana relacionar-e com os outros seres humanos e com a natureza, o que os leva a estabelecer normas para a convivência social, nascendo assim, a política. É importante atentar para o fato de que a política não se resume à forma contemporânea organizada apenas nos partidos políticos - ainda que esta seja uma forma extremamente importante e que não possa ser desprezada-, mas perpassa por todas as dimensões da vida social. Por isso, é tão importante aprender mais sobre ela. No segundo momento foi discutido sobre o contrato social. Como você viu, essa é uma importante noção explicativa no campo da Teoria Política. Embora a perspectiva do contrato social já existisse há bastante tempo, ela só ganha amplitude com o chamado jusnaturalismo moderno, que tenta justificar e legitimar o surgimento do Estado. Por fim, foi abordada a Teoria Geral do Direito, a qual busca oferecer explicações gerais sobre o campo do Direito positivado, este que historicamente corresponde ao Direito posto nas normas e legislações tendo como principal árbitro o Estado e que se coloca na contramão da noção do direito natural. Assim, é o próprio Direito fruto da instituição da sociedade, criada para regular a vida social. Finalmente, gostaria de parabenizá-lo(a) por ter concluído esta etapa de estudos e espero que você, assim como eu, também esteja se apaixonando pela Teoria Política. Muito obrigada pela companhia, nos vemos na próxima unidade! LEITURA COMPLEMENTAR ARISTÓTELES. A política. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, 1978. BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade: para uma teoria geral da política. 12. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2005. BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico. São Paulo: Ícone, 1995. BOBBIO, Norberto. Locke e o direito natural. Trad. Sérgio Bath. Brasília: UnB, 1997. KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1992. LIVRO Título: A Política Autor: Aristóteles. Editora: Editora Lafonte. Ano: 2021. Sinopse: A Política, de Aristóteles, é a observação mais crítica que se tem registro do modelo grego de cidade. O filósofo foi o primeiro a trazer o conceito de ética na política e via o Estado como natural e único. Para ele, o cidadão era um instrumento político. Nesta obra, Aristóteles reflete como as instruções poderiam promover o desenvolvimento e a felicidade coletiva, discutindo em profundidade as formas de governo e os mecanismos que organizam a sociedade. FILME/VÍDEO Título: 300 Ano: 2007. Sinopse: Em 480 A.C., existe uma guerra entre a Pérsia, liderada pelo rei Xerxes, e a Grécia. Na batalha de Thermopylae, Leônidas, rei da cidade grega de Esparta, lidera seus guerreiros em desvantagem contra o massivo exército persa. Mesmo sabendo que a morte certa os espera, seus sacrifícios inspiram toda a Grécia a unir-se contra o seu inimigo comum. Link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=hIL3nTSwvXs. Acesso em: 07 dez. 2021. REFERÊNCIAS BOBBIO, N. Primeira parte. O modelo jusnaturalista. In: BOBBIO, N.; BOVERO, M. Sociedade e Estado na filosofia política moderna. São Paulo: Editora Brasiliense, 1996. BORGES, P. P. O homem como ser político: ensaio. Multitemas, Campo Grande-MS, n. 36, p. 63-90, jun. 2008. Disponível em: https://www.multitemas.ucdb.br/multitemas/article/download/671/695/. Acesso em: 17 ago. 2021. CHAUI, M. Convite à filosofia. Ed. Ática, São Paulo, 2000. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/533894/mod_resource/content/1/ENP_155/Ref erencias/Convitea-Filosofia.pdf. Acesso em: 15 ago. 2021. DALLARI, D. de A. Elementos de Teoria Geral do Estado. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/mod/resource/view.php?id=2799722&forceview=1. Acesso em: 15 ago. 2021. ESTEVES, J. Sobre a Relação entre o Direito Natural e o Direito Positivo em Kant. O que nos faz pensar, [S.l.], v. 21, n. 32, p. 147-166, dec. 2012. ISSN 0104-6675. Disponível em: <http://www.oquenosfazpensar.fil.puc- rio.br/index.php/oqnfp/article/view/380>. Acesso em: 16 ago. 2021. GIAMBERARDINO, A. R. Colonialismo e Teoria Geral do Direito: diálogos com a história do Brasil a partir da vida negada. Revista da Faculdade de Direito UFPR, v. 43, n. 0, 2005. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/direito/article/view/6980/4958. Acesso em: 18 ago. 2021. KRETSCHMANN, A.; OHLWEILER, L. P. Uma introdução à Teoria Geral do Direito. In: KRETSCHMANN, A. (Org.). Formação Jurídica. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2013. São Paulo: Saraiva, 1998. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/mod/resource/view.php?id=2799722&forceview=1. Acesso em: 15 ago. 2021. QUADROS, D. G. de. O Estado nateoria política clássica: Platão, Aristóteles, Maquiavel e os contratualistas. Curitiba: InterSaberes, 2016. Disponível em: https://plataforma.bvirtual.com.br. Acesso em: 16 ago. 2021. REALE, M. Lições preliminares de direito. 27 ed. São Paulo: Saraiva, 2002. SCHIAVON, G. H. B. O jusnaturalismo clássico. Scientia Iuris, v. 5, 2001, p. 357-373. Disponível em: http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/iuris/article/viewFile/11193/9949. Acesso em: 17 ago. 2021. http://www.oquenosfazpensar.fil.puc-rio.br/index.php/oqnfp/article/view/380 http://www.oquenosfazpensar.fil.puc-rio.br/index.php/oqnfp/article/view/380 UNIDADE III TEORIA LIBERAL (KARL MARX) Professora Me. Itamires Lima Santos Alcantara Plano de Estudo: Teoria Liberal (Karl Marx) ● Estado no pensamento liberal; ● Estado no pensamento marxista: as elaborações de Lênin; ● “Estado ampliado” em Gramsci. Objetivos de Aprendizagem: • Conceituar e contextualizar o Estado na concepção liberal, marxista e marxiana; • Compreender o papel do Estado na atual sociedade; • Estabelecer a importância de uma análise crítica sobre o Estado. INTRODUÇÃO Prezado(a) aluno(a), iniciamos mais uma unidade e ao longo de toda esta apostila, você e eu estamos aprendendo um pouco mais sobre a Teoria Política. Já estudamos bastante coisa, vimos a Teoria Política Clássica, as teorias sobre o surgimento do Estado e da sociedade na modernidade, os principais teóricos, o desenvolvimento histórico do campo, em suma, já passamos por muitos assuntos. As questões que abordaremos nesta unidade dizem respeito às compreensões do Estado sob as óticas, principalmente, do pensamento liberal e a crítica marxista e marxiana do Estado, a partir, sobretudo, das elaborações dos autores revolucionários do início do século XX, Lênin e Gramsci. Nesse sentido, num primeiro momento discutiremos sobre o Estado no pensamento liberal, veremos que o liberalismo representa os interesses da burguesia europeia no processo de ascensão e consolidação desta como classe dominante e sob roupagens de defesa das liberdades individuais, defende, na realidade, a propriedade privada e a economia capitalista, a livre ação do mercado na regulação da vida social e falsamente, a retirada do Estado. Posteriormente, trataremos sobre o Estado no pensamento marxista a partir das elaborações do intelectual revolucionário russo Vladímir Lênin que nos mostra em sua obra, a partir de uma linguagem clara e objetiva uma interpretação robusta do conjunto das interpretações de Marx e Engels sobre o Estado na sociedade burguesa. Num terceiro momento discutiremos sobre a concepção de outro autor marxista sobre o Estado, Antonio Gramsci, que considera a existência de um “Estado integral” ou “ampliado” não resumido ao governo e aos aparelhos repressivos, mas composto pela sociedade civil e como um espaço de correlação de forças. Iniciemos, então, mais uma caminhada, que espero, seja de muito aprendizado. Vamos lá! 1 O ESTADO NO PENSAMENTO LIBERAL Shutter: 1887830293 De acordo com Quartim de Moraes (2014), os termos “liberal”, “liberalismo” etc., têm uma série de sentidos, correspondendo às transformações econômicas, políticas e sociais ocorridas a partir do século XVII no mundo ocidental. Ainda, o pensamento liberal, embora tenha uma mesma raiz de pensamento, desenvolve-se de forma diferenciada também nas diferentes formações sociais. Por exemplo, existem países em que a denominação “liberal” corresponde a uma defesa profunda da não intervenção do Estado na economia, enquanto que em outros, pode significar uma tendência mais à esquerda, como no caso estadunidense. Embora exista essa polissemia, por ora, é importante a compreensão do pensamento liberal como uma “doutrina que prega as virtudes de mercado natural autorregulado contra os males da intervenção estatal” e a compreensão do “liberalismo jurídico”, “cujo foco está na concepção de um Estado que garanta os direitos dos indivíduos contra o uso arbitrário do poder pelos governantes” (QUARTIM DE MORAES, 2014, p. 71). O marco de início da predominância do pensamento liberal é definido pela literatura a partir da Revolução Francesa iniciada em 1789, a qual, é importante ressaltar, foi efetivada pelos camponeses e pela burguesia europeia na luta contra a nobreza feudal, então detentora de todo poder político. No entanto, a burguesia, após consumada a Revolução, trai os camponeses e coloca-se no decurso da história como classe dominante. Esse novo momento histórico caracterizado pelo Estado liberal pressupõe “liberdade” entre as partes por meio do estabelecimento do contrato formal-nesse desenrolar, o Direito é uma peça fundamental que serviu ao processo de liberalização-, na qual, existiria um mercado “natural” que objetiva autorregular-se sem a interferência estatal, “a propriedade e o contrato são os institutos jurídicos básicos da nova sociedade e refletem sua ordem natural” (QUARTIM DE MORAES, 2014, p. 272). Nesse ínterim, a defesa de atuação do Estado seria apenas no âmbito da preservação dos interesses e da segurança individual dos cidadãos, nas palavras do autor Quartim de Moraes (2014, p. 273): Temos, portanto, na feliz expressão de Carl Schmitt (1934, p. 145), um Estado Burguês de Direito cuja Constituição corresponde aos ideais do individualismo da burguesia e contém em seu bojo uma escolha pela liberdade. Mas note-se: pela liberdade burguesa. Ou seja: pela liberdade contratual, pela liberdade de propriedade, de comércio e de indústria. (MORAES, 2017, p.273) Esse “Estado Burguês de Direito” ou Estado Liberal tem como objetivo a sua autopreservação e assegurar a liberdade individual por meio das leis, permitindo, sob sua gerência uma série de desigualdades sociais subsumidas a uma defesa da igualdade formal. Esse pensamento liberal, perdurou dominante na Europa Ocidental até, pelo menos, a Primeira Guerra Mundial, a qual, diante da crise social instaurada, tornou-se cada vez mais difícil a defesa de um liberalismo irrestrito. SAIBA MAIS Segundo Burigana (2014), “A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) marcou profundamente a história do século XX, não só pelos trágicos eventos que envolveram milhões de pessoas – determinando o fim de impérios seculares e o nascimento de novas realidades estatais –, mas também e, sobretudo, pela memória destes eventos, que deixaram abertas questões políticas, econômicas e culturais, das quais nasceram outras guerras ao longo do século”. Fonte: BURIGANA, R. A Grande Guerra: a Primeira Guerra Mundial (1914-2014), Evento e Memória. História Unicap, v. 1, n. 1, jan./jun. de 2014. Disponível em: https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=5615907. Acesso em: 10 ago. 2021. #SAIBA MAIS# De acordo com Behring e Boschetti (2011, p. 56), o liberalismo possui dois sustentáculos principais: “o princípio do trabalho como mercadoria e sua regulação pelo livre mercado”. Nesse processo, é o mercado “livre” que regula as relações sociais e cada indivíduo que, agindo em seu próprio benefício, proporciona o bem estar coletivo. O predomínio do mercado como supremo regulador das relações sociais, contudo, só pode se realizar na condição de uma suposta ausência de intervenção estatal. O papel do Estado, uma espécie de mal necessário na perspectiva do liberalismo, resume-se a fornecer a base legal com a qual o mercado pode melhor maximizar os “benefícios aos homens”. (BEHRING; BOSCHETTI, 2011, p. 56) Essa tese, tem em David Ricardo (1772-1823) e Adam Smith (1723-1790) os seus principais expoentes como intelectuais da burguesia. É importante atentarmo-nos para o fato de que, o pensamento liberal, ambiguamente, não defende a extinção do Estado, ao contrário, este serve para garantir a maximização dos lucros e a propriedade privada. A ideia, portanto,
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