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A importância da Filosofia no desenvolvimento do pensamento crítico

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A Unidade 1, objetiva apresentar a Filosofia como instrumento para ensinar a pensar a propósito do mundo que nos rodeia. Para tanto, faz-se necessário perceber a diferença entre saber filosófico, ciência e senso comum, a fim de compreender qual é o campo de atuação do filósofo. Além disso, essa unidade visa a estimular atitudes filosóficas, despertando em você, estudante, o senso crítico, reflexivo, questionador e analítico. Também busca o desenvolvimento de habilidades cognitivas que ampliem sua capacidade de pensar situações-problema, de refletir sobre conceitos e questões filosóficas.
		Para que Filosofia?
	O saber filosófico é uma forma de conhecimento que se difere da ciência, do senso comum, do saber religioso, entre outros, na medida em que se propõe ao exercício constante da indagação. Ainda assim, ao observarmos sua história, identificamos uma grande e significativa produção intelectual que vale a pena ser conhecida.
Nesse sentido, podemos dizer que a filosofia possui duas dimensões que ao mesmo tempo indicam duas possibilidades para sua abordagem: filosofia como questão ou processo e filosofia como resposta ou produto. Essas expressões foram originalmente utilizadas por FARIA (1981) e nos ajudam a pensar o modo como podemos encarar essa área do conhecimento que fundamentou a cultura ocidental, da qual fazemos parte.
No entanto, tomar a filosofia unicamente como resposta ou produto significa adentrarmos nesse campo a partir daquilo que foi produzido pelas inúmeras tradições filosóficas, tomá-las como saberes prontos diante dos quais nos resta compreender, memorizar e reproduzir quando formos solicitados. Seria algo como uma aquisição de uma erudição vazia, porque não apropriada, não digerida, não ressignificada a partir das problemáticas que nos absorvem em nossa experiência concreta.
	De outro lado, aproximarmos do estudo filosófico meramente como uma possibilidade de acesso a um conjunto de habilidades cognitivas, sem vínculo com os conteúdos que efetivamente deram corpo a essas habilidades, também se configuraria como uma proposta oca e meramente formal.
É preferível alinharmo-nos a uma concepção do estudo da filosofia que busca a complementariedade existente entre essas duas dimensões: como um corpo de conhecimento com história e conteúdo próprios, mas aberto para ser indagado, para ser apropriado e recriado, capaz, portanto, de contribuir para o desenvolvimento de nossas próprias habilidades cognitivas, de reflexão e pensamento. 
Seria, então, a partir da incursão pelo que foi problematizado e construído pelos filósofos ao longo dos 2500 anos de história do saber filosófico que poderemos desfrutar dessa disciplina como instrumento para aprender a pensar. Para aprender a pensar melhor, pois que esta habilidade já possuímos, resta-nos desenvolvê-la, expandi-la, conhecer suas múltiplas possibilidades para que possamos potencializá-la. É este nosso propósito ao longo da disciplina Filosofia.
Souza (1995) nos diz que: A filosofia é uma disciplina que estimula o aluno a desenvolver suas habilidades cognitivas, envolve-o em diálogo disciplinado para que aprenda a raciocinar em conjunto com os demais, desafia-o a pensar sobre conceitos significantes da tradição filosófica e, acima de tudo, amplia sua capacidade de pensar por si mesmo quando confrontado com situações-problema. (SOUZA, 1995, p. 9).
	
Nesta reflexão, a autora traz ainda outros elementos extremamente significativos acerca da importância do estudo da filosofia. Desenvolver habilidades cognitivas de um grupo de estudantes significa articulá-los em torno de uma reflexão conjunta, oferecendo-lhes instrumentos para o diálogo disciplinado. Um diálogo fundado na capacidade argumentativa de construção de pensamentos coerentes e rigorosos; e também na capacidade contra argumentativa, capaz de analisar, identificar lacunas, problematizar e propor outras respostas, ou mesmo melhores perguntas. Afinal, não foi por acaso que a filosofia surgiu juntamente com o desenvolvimento da pólis grega, na qual o domínio da palavra, da argumentação exerceu grande poder no direcionamento da vida pública.
Está posta aí a contribuição da filosofia para o aperfeiçoamento de nossa capacidade para resolver conflitos, propor caminhos e construir ações coletivas não mais a partir do recurso da autoridade, da coerção ou da violência, mas a partir do uso democrático da razão.
A autora chama a atenção ainda para a dimensão da autonomia do pensamento, "capacidade de pensar por si mesmo". Quando desenvolvemos nossa capacidade de pensar, podemos problematizar, refletir e pesquisar sobre qualquer assunto sem depender do discernimento de outrem. O que não significa, de modo algum, menosprezar a grande relevância do diálogo com um outro que nos questiona, que aponta lacunas em nosso pensamento, outros caminhos etc. Mas significa tão somente que não há pensamento definitivo, inquestionável, não suscetível à crítica, ao qual teríamos que nos submeter a qualquer tempo. Isso a filosofia nos ensina.
	Por isso também que o pensar é revolucionário e, ao contrário do que muitos dizem, a filosofia pode mudar o mundo. Isso não significa, no entanto, que ficarmos em nosso quarto pensando dia e noite vá trazer alguma transformação. Mas um pensamento crítico, questionador, se mobilizado não apenas como devaneio, mas com comprometimento, com coerência em relação à ação prática, pode levar a mudanças de valores, de comportamento, de atitude. E isso é transformador!
Daí também a importância de incursionarmos pela filosofia não apenas como um exercício vazio de erudição, mas com o propósito de pensarmos melhor, sobre a vida, sobre a sociedade onde estamos inseridos, sobre os nossos valores, sobre as questões que mobilizam nossa existência, sobre nós mesmos, enfim.
Pensar filosoficamente sobre essas questões exige que nos distanciemos dos valores e explicações já consagrados, que os abordemos com espanto, com admiração. Só assim poderemos promover uma reflexão radical, ou seja, que nos remetermo-nos às origens desses fenômenos e que nos permita, assim, revê-los inteiramente, perceber as crenças, os pressupostos intelectuais, políticos, econômicos, religiosos etc que estão silenciosamente embutidos nessas "verdades" tradicionalmente consagradas.
Mas, para que isso? - você pode estar perguntando. Justamente para não nos submetermos às crenças, aos valores e aos interesses com os quais não concordamos, ou que não consideramos justos.
Por outro lado, pensar sobre as implicações, ou seja, sobre as consequências a que levam determinados comportamentos, ideias ou valores também é um exercício filosófico. Nem sempre aquilo que se apresenta de forma positiva gera resultados também positivos. Por exemplo, colar na prova pode ser atraente, pois garantirá uma boa nota. Mas ao analisarmos as verdadeiras implicações desse ato, perceberemos que a facilidade do colar descompromete-nos do bem estudar. A consequência disso será, na verdade, uma formação medíocre, um mau uso do tempo que você pode se dedicar a aumentar seu conhecimento sobre inúmeros saberes que depois você, provavelmente, não terá condições de retomar.
Podemos refletir também sobre algo mais contundente, como nossa necessidade de nos mantermos atualizados tecnologicamente. Que pressupostos estão silenciados nessa "necessidade"? Que implicações isso pode trazer para nossa vida? A que interesses (econômicos, políticos, sociais etc) essa exigência tão forte em nosso tempo está servindo?
Como uma sociedade fundada na produção em série de mercadorias e, consequentemente, empenhada na produção de necessidades de consumo pode trazer para nossa subjetividade, ou seja, para a forma como nos relacionamos com as outras pessoas, com as mercadorias, com nossas necessidades básicas, com o supérfluo, com o tempo, com o sagrado, com nós mesmos? Já pensou sobre isso?
	Na verdade, podemos escolher nunca pensar sobre isso e seguir vivendo os imperativos que essa organização social nos coloca: vivermos para trabalhar, trabalhar para consumir. E consumir parasustentar um sistema produtivo extremamente excludente, do ponto de vista social, e insustentável, do ponto de vista ambiental. Ou podemos ter uma atitude questionadora e, com isso, reunirmos melhores elementos para pensarmos nosso lugar, nossa ação nesse mundo, mundo este que nem sempre foi assim, e que, da mesma forma, pode ser de outro jeito.
Retomando a pergunta que intitula esse texto à luz do que discutimos até aqui, faz-se necessário compreender que a filosofia possui o objetivo de ordenar o conjunto de percepções subjetivas e intersubjetivas a respeito da realidade humana, levando em consideração o significado da existência do homem em suas diferentes interfaces. Desse modo, a filosofia serve para ampliar a nossa visão do mundo, para nos oferecer subsídio
		Sobre pensamento, milho de pipoca e transformação...
O terapeuta e escritor Rubem Alves já escreveu sobre muitos assuntos. Um de seus preferidos é comida, pois segundo ele, os alimentos o estimulam a muitas reflexões poéticas e filosóficas. Vejamos uma que tem muito a ver com aquela capacidade que o "fogo do pensamento" tem de nos transformar?
"(...) dias atrás, conversando com uma paciente, ela mencionou a pipoca. E algo inesperado na minha mente aconteceu. Minhas ideias começaram a estourar como pipoca. Percebi, então, a relação metafórica entre a pipoca e o ato de pensar. Um bom pensamento nasce como uma pipoca que estoura, de forma inesperada e imprevisível.
(...) Milho de pipoca que não passa pelo fogo continua a ser milho para sempre. Assim acontece com a gente. As grandes transformações acontecem quando passamos pelo fogo. Quem não passa pelo fogo, fica do mesmo jeito a vida inteira. São pessoas de uma mesmice e uma dureza assombrosa. Só que elas não percebem e acham que seu jeito de ser é o melhor jeito de ser.
Mas, de repente, vem o fogo. O fogo é quando a vida nos lança numa situação que nunca imaginamos: a dor. Pode ser fogo de fora: perder um amor, perder um filho, o pai, a mãe, perder o emprego ou ficar pobre. Pode ser fogo de dentro: pânico, medo, ansiedade, depressão ou sofrimento, cujas causas ignoramos. Há sempre o recurso do remédio: apagar o fogo! Sem fogo o sofrimento diminui. Com isso, a possibilidade da grande transformação também.
Imagino que a pobre pipoca, fechada dentro da panela, lá dentro cada vez mais quente, pensa que sua hora chegou: vai morrer. Dentro de sua casca dura, fechada em si mesma, ela não pode imaginar um destino diferente para si. Não pode imaginar a transformação que está sendo preparada para ela. A pipoca não imagina aquilo de que ela é capaz. Aí, sem aviso prévio, pelo poder do fogo a grande transformação acontece: BUM! E ela aparece como uma outra coisa completamente diferente, algo que ela mesma nunca havia sonhado."
Bom, mas ainda resta o piruá, que "(...) é o milho de pipoca que se recusa a estourar. São como aquelas pessoas que, por mais que o fogo esquente, se recusam a mudar. Elas acham que não pode existir coisa mais maravilhosa do que o jeito delas serem. (...) A sua presunção e o medo são a dura casca do milho que não estoura. No entanto, o destino delas é triste, já que ficarão duras a vida inteira. Não vão se transformar na flor branca macia. Não vão dar alegria para ninguém."
	Referência: ALVES, Rubem. A pipoca. Disponível em:  <https://rubemalves.com.br/site/10mais_01.php>. Acesso em: 20 mar. 2015.
		AMPLIANDO O OLHAR SOBRE A TEMÁTICA
	Há 4 abordagens possíveis da filosofia:
	* Sistemática: Encara a filosofia como um conjunto de saberes organizados, sistematizados e já prontos, onde o aluno se apropria desses conteúdos de forma passiva, reconhecendo as grandes áreas dessa disciplina.
 	* Histórica: A filosofia é vista como uma produção cultural que é vista ao longo do tempo, uma resposta so pensamento humano aos acontecimentos que vão se desenvolvendo nos diferentes conceitos históricos e sociais.
 	* Temática: Temos uma compreensão da filosofia muito mais no seu aspecto formal como uma forma de pensar questões atuais, emergentes, fundamentais para os vários contextos sociais.
 	* Textual: A filosofia é retomada a partir dos textos filosóficos produzidos ao longo do seu histórico.
Somente o uso articulado dessas 4 abordagens, pode refletir que o processo reflexão filosófico se constitua de forma plena, possibilitando o desenvolvimento das capacidades cognitivas de dialogo e de reflexão sobre questões e conceitos primordiais para a história da filosofia. Nos ensinando a pensar por si próprios.
			Para que estudar filosofia
	Se lhe perguntassem "Para que estudar filosofia?", o que você responderia? A resposta poderia ser: para aprender a pensar. Nesse sentido, procure refletir sobre essa situação tendo em vista cada uma das citações abaixo. Se possível, discuta com seus colegas sobre as reflexões a que vocês chegaram. Todos deram as mesmas respostas? Como as citações direcionaram as respostas construídas por vocês?
1. "Viver é apreciar, é avaliar, escolher, dar sua interpretação ao mundo natural: cada sistema filosófico tem por verdade a psicologia de seu autor, sua visão do mundo, exprimindo-se em uma maneira de ver que é um modo de ser" (Wilhelm Dilthey).
2. "Nenhuma teoria possui o privilégio da verdade sobre as outras; cada uma funciona mais ou menos, e sua concorrência é a única condição do progresso científico" (Paul Feyerabend).
(Citações retiradas do livro: Um outro olhar - Filosofia. Capítulo "O homem, quem é ele afinal?". Autora Sônia Maria Ribeiro de Souza. São Paulo FTD, 1995.).
	“A imaginação é mais importante que o conhecimento”. Albert Einstein.
			Filosofia pop
	A proposta tem feito sucesso. Basta um passeio por livrarias para constatar que a filosofia está na moda. Nas listas de mais vendidos há volumes como Aprender a Viver: Filosofia para os Novos Tempos, de Luc Ferry, e The Guide to Good Life (O Guia para a Boa Vida, sem edição brasileira), de Trevon Curnow. No Brasil, O Livro da Filosofia, de Will Buckingham, e Nietzsche para Estressados, de Allan Percy, estão no top 10 de não ficção. "O momento é propício. Vivemos em um mundo de acúmulo de informações e falta de significados. As pessoas estão se vendo forçadas a pensar filosoficamente para encontrar um sentido na vida", afirma o australiano Peter Singer, professor de filosofia da Universidade de Princeton, nos EUA, e autor de Ética Prática.
Essa nova onda se baseia em uma antiga tradição da filosofia que reflete sobre a vida e serve de guia para a nossa existência — em vez de se preocupar com a definição de conceitos, como justiça, ética e verdade. Sábios da Antiguidade, como Sócrates, Sêneca e Epicuro, e alguns mais próximos na história, como Schopenhauer (1788- 1860) e Nietzsche (1844-1900), trabalhavam nessa linha de filosofia para o dia a dia, que renasce também em palestras, cursos e até em uma nova forma de terapia.
Nos EUA e na Europa, já existe a chamada terapia filosófica. Em consultas, o paciente fala livremente sobre sua vida, dificuldades e interesses, e o filósofo analisa o discurso e tenta mostrar as lições que pensadores como Platão e Aristóteles têm a apresentar no caso. Os profissionais são credenciados por associações como a Sociedade Americana para Filosofia, Aconselhamento e Psicoterapia, que tem 300 terapeutas licenciados — há 10 anos, eram 90. "As sessões ajudam com um problema que está na raiz de muitas crises de depressão e ansiedade hoje: o excesso de expectativas em relação à felicidade e ao amor", diz Lou Marinoff, analista filosófico e autor de Mais Platão, Menos Prozac!. 
	Mesmo quem não pretende trocar Freud e Lacan por Sócrates ou Nietzsche tem encontrado espaço para filosofar. As instituições que oferecem cursos livres na área só se multiplicam. Com promessa de chegar ao Brasil neste ano, desde 2008 funciona em Londres a Escola da Vida, fundada por Alain de Botton, um dos expoentes da popularização da filosofia. Autor do novo livro Religião para Ateus e famoso por seu Consolações da Filosofia, de Botton mostra como as ideias de pensadores de outros tempos podem ajudar em questõesatuais. Sua escola segue a proposta, com palestras e cursos sobre dieta vegetariana, equilíbrio entre trabalho e vida, como ser cool e as diferenças entre amizade real e virtual. "A filosofia é um modo de pensar. Pode descrever qualquer assunto — sexo, bebês, dinheiro, esquis.
		Módulo 2
			A emergência do pensamento racional
	Quando começamos a questionar os fundamentos que normalmente são considerados óbvios, iniciamos a busca pelo conhecimento. A filosofia busca o entendimento racional da natureza de tudo o que existe, incluindo até o próprio conhecimento.
O pensamento filosófico nasce quando o homem começa a tentar entender o mundo pela razão em detrimento das explicações religiosas e míticas, e pela imposição da autoridade. Desse modo, a busca por argumentos filosóficos racionais rompe com o passado e dá lugar ao desenvolvimento da vida mental da humanidade.
As primeiras perguntas que motivaram os primeiros filósofos a desenvolverem suas ideias foram: "De que é feito o mundo?"; "O que sustenta o mundo?"; "De que são feitas as coisas?". Essas indagações emergiram pela primeira vez no Ocidente, por volta de VI a.C., no mediterrâneo oriental. Quase todos os primeiros filósofos viveram em seu litoral ou numa de suas ilhas. Mas o que tornou possível o surgimento da filosofia na região da Grécia? Quais as condições materiais, econômicas, sociais, políticas e históricas que permitiram o nascimento da filosofia?
Podemos apontar como principais condições históricas as viagens marítimas, a invenção do calendário, a invenção da moeda, o surgimento da vida urbana, a invenção da escrita alfabética e a invenção da política. Tais fatores históricos compuseram um cenário perfeito para o florescimento da filosofia. O amor pelo conhecimento movimentou o homem a apreciar tudo que o rodeia e a refletir sobre infinitas possibilidades de explicações sobre os acontecimentos do mundo em geral.
Compreender as etapas do desenvolvimento da filosofia é entender os caminhos percorridos pelo homem para o entendimento do mundo através da razão. A filosofia data, acima de tudo, o início do pensamento racional. Antes, o entendimento do mundo provinha de explicações mitológicas, com a filosofia, o entendimento passou a ser vislumbrado pela razão, tornando uma visão de mundo mais pautada na realidade dos fatos. A preocupação em explicar o mundo pelo real tornou-se uma preocupação constante do homem, vindo se alastrar por todas as etapas da história da humanidade, estando no berço do conhecimento cientifico.
No que diz respeito à Filosofia Antiga e Clássica, trata-se do início da história da filosofia e abrange um período que vai do final do séc. VI a.C até o séc. VII d.C. A referência espacial é a região da Grécia, mais especificamente as chamadas polis, comunidades autônomas formadas pelos cidadãos gregos.
Os escritos da época foram produzidos em grego e em latim, embora os espaços culturais os quais a Filosofia Antiga se desenvolveu fossem bastante heterogêneos. Muitos textos de filósofos da época acabaram se perdendo, restando apenas alguns livros e fragmentos. Muitos deles se conservaram na biblioteca da Igreja Católica durante a Idade Média.
A Filosofia Medieval desenvolveu-se no período que vai do século VIII ao séc. XIV, em mosteiros e ordens religiosas europeias, onde a Igreja Católica tinha total hegemonia.
Já a Filosofia Moderna iniciou-se no séc. XIV e se desenvolveu até o final do séc. XVIII, na Europa. O contexto histórico da época ficou marcado pelo desenvolvimento do capitalismo, a formação dos Estados Nacionais, as grandes navegações e os processos de colonização, e a formação dos impérios. Ao mesmo tempo, a Igreja Católica dividia o poder com o protestantismo e com as ideias que separaram o campo de investigação do que pertencia a Deus (teologia) e que pertencia aos homens (filosofia). As ideias filosóficas que vigoraram nessa época incentivavam a liberdade do homem frente à religião.
Por fim, a Filosofia Contemporânea desdobra-se do final do séc. XVIII até os nossos dias. Os fatos históricos que marcaram a época foram a Revolução Francesa e a Revolução Industrial. Tais acontecimentos históricos desencadearam vários problemas sociais, como a crescente desumanização do processo social de produção, abrindo espaço para pensadores da época preocuparem-se com a explicação dos acontecimentos históricos e suas consequências para a humanidade.
Percebe-se que a preocupação com o conhecimento sempre acompanhou o homem, ou seja, a busca incessante pelo conhecimento ou pela forma de se conhecer fez com que o homem evoluísse, transformando-se a cada ação histórica e a cada ideia construída. Estudar história da filosofia é estudar a história do conhecimento humano.
Vários filósofos gravaram sua marca na história e contribuíram para a leitura do mundo no qual vivemos. O ditado popular conta que "em cada cabeça, uma sentença". Tendo isso como base, assim dizemos: "em cada filósofo, uma teoria". O papel do filósofo seria promover um espaço de diálogo através da razão, garantindo neutralidade e troca de argumentos, e contra-argumentos de diversas concepções filosóficas.
A prática da filosofia perpassa a reflexão dos fatos e acontecimentos históricos, a construção de ideias e uma postura crítica perante os pré-conceitos estabelecidos. Para alguns filósofos, por exemplo, Karl Marx, cabiam aos filósofos a interpretação do mundo, mas agora são necessários todos os esforços para transformá-lo. Já para Sócrates, o papel do filósofo é sempre questionar sobre tudo o que acontece à sua volta e nunca pensar que já sabe de tudo. Ele consiste em procurar a clareza e a verdade.
Desde Sócrates, o método de pensamento da filosofia ressaltava a necessidade do homem de conhecer a si próprio. Para esse pensador, o filósofo pode, através da filosofia, fazer o homem retornar a si e com isso perceber as suas necessidades essenciais. Na tentativa de explicar o homem e sua relação com o mundo que o rodeia, vários pensadores desenvolveram correntes filosóficas que permitissem alguma interpretação dos fatos. A leitura de mundo é individualizada, mas, mesmo assim, cada um contribuiu com a interpretação do mundo no qual vivemos.
Essa unidade foi pensada para despertar o gosto pela história da filosofia mediante propostas de atividades práticas de filosofia, as quais abordam aspectos de sua história, ao mesmo tempo em que conduz à reflexões acerca de teorias e correntes filosóficas de pensamento. Para tanto, é importante percebermos que a evolução do conhecimento do homem perpassa diferentes momentos históricos e, portanto, diferentes formas de se enxergar a realidade dos fatos. As diversas correntes filosóficas buscam explicar os fatos sociais, ao mesmo tempo em que representam um esforço do homem de interpretar o mundo real ao longo da história da humanidade.
Vale ressaltar ainda que todos os fatos históricos da humanidade são frutos das experiências dos homens, em se tratando especialmente da história da filosofia, são frutos da tentativa dos homens de querer conhecer o mundo e o homem. Podemos dizer que "não existe limites para o conhecimento humano". E produzir conhecimento não é algo fácil, demanda muita pesquisa, estudo e capacidade de observação e análise.
Ao estudar história da filosofia, pensamos: como os filósofos antigos filosofavam? Os grandes filósofos da humanidade eram conhecedores de diversas áreas do conhecimento e detentores de um saber erudito. Eles conseguiam realizar uma leitura de mundo proveniente de suas experiências e capacidade de interpretação. Eram muito estudiosos e contempladores do mundo que os abraçavam.
Por fim, o que fazemos com esse conhecimento produzido pelos filósofos no decorrer da história da humanidade? Usamos para viver melhor, para buscarmos ideias e conteúdos que transformem a nossa realidade. Para questionar o homem e as coisas da vida e para explicar, e entender o mundo que nos rodeia. 
		A Biblioteca de Alexandria
Na sexta-feira da lua nova do mês de Moharram, no vigésimo ano da Hégira (isso equivale a 22de dezembro de 640), o general Amr Ibn al-As, o emir dos agareus, conquistava Alexandria, no Egito, colocando a cidade sob o domínio do califa Omar. Era um dos começos do fim da famosa Biblioteca de Alexandria, construída por Ptolomeu Filadelfo no início do terceiro século a.C. para "reunir os livros de todos os povos da Terra" e destruída mais de mil anos depois.
A ideia de reerguer a mais formidável biblioteca de todos os tempos surgiu no final dos anos 70 na Universidade de Alexandria. Em 1988, o presidente egípcio, Hosni Mubarak, assentou a pedra fundamental, mas foi só em 1995 que as obras realmente começaram. O suntuoso edifício de 11 andares, que custou US 212 milhões, boa parte dos quais pago pela Unesco, foi concluído no ano passado. Só a sala de leitura da biblioteca principal tem 38.000 m2, a maior do mundo. O acervo, que ainda não foi inteiramente reunido, deverá contar com 5 milhões de livros. Será interessante ver como o governo egípcio, que não é exatamente um entusiasta das liberdades de informação e expressão, administrará as coisas. Haverá, por exemplo, um exemplar dos "Versos Satânicos" (obra de Salman Rushdie, tida como ofensiva ao Islã)? E quanto a livros que critiquem o próprio governo egípcio? Todos os cidadãos terão acesso a todas as obras? Mas não é tanto a nova biblioteca que me interessa, e sim a velha, mais especificamente a sua destruição.
Na verdade, seria mais correto falar em destruições. Como nos mitos, há na extinção da Biblioteca de Alexandria uma série de componentes políticos. A historieta com a qual iniciei esta coluna é uma das versões. É contra os árabes. Existem outras, contra os cristãos, contra os pagãos. Nenhum povo quer ficar com o ônus de ter levado ao desaparecimento da biblioteca que reunia "os livros de todos os povos". É curioso, a esse respeito, que o site oficial da biblioteca (https://www.bibalex.org/en/default) só registre as versões anticristã e antipagã. A contrária aos árabes é descartada sem nem mesmo ser mencionada. Utilizo aqui principalmente informações apresentadas pelo italiano Luciano Canfora, em seu excelente "A Biblioteca Desaparecida".
Voltemos à velha Alexandria. Amr Ibn al-As não era uma besta inculta, como se poderia esperar de um militar. Quatro anos antes da tomada de Alexandria, em 636, ao ocupar a Síria, Amr chamara o patriarca e lhe propusera questões bastante sutis acerca das Escrituras e da suposta natureza divina de Cristo. Chegou a pedir que se verificasse no original hebraico a exatidão da "Septuaginta", a tradução grega do Antigo Testamento, em relação a uma passagem do "Gênesis" que surgira na discussão.
Logo que chegou a Alexandria, Amr passou a frequentar João Filopão, um então já avançado em anos comentador de Aristóteles, cristão, da irmandade dos "filopões". Era também um quase herético, que defendia teses monofisistas, mas essa é outra história.
No curso de uma das longas e eruditas discussões que travavam, Filopão falou a Amr da Biblioteca, contou como ela surgiu, que chegou a reunir quase 1 milhão de manuscritos e pediu a liberação dos livros remanescentes, que, como tudo o mais na cidade, estavam sob poder das tropas do general. O militar afirmou que não poderia dispor dos códices sem antes consultar o califa e prontificou-se a escrever para o soberano.
Algum tempo depois (estou relatando a versão curta da história), o emissário de Omar chegou com a resposta, que não poderia ser mais clara: "Quanto aos livros que mencionaste, eis a resposta; se seu conteúdo está de acordo com o livro de Alá, podemos dispensá-los, visto que, nesse caso, o livro de Alá é mais do que suficiente. Se, pelo contrário, contêm algo que não está de acordo com o livro de Alá, não há nenhuma necessidade de conservá-los. Prossegue e os destrói".
É o que fez Amr. Dizem que ele distribuiu os livros entre todos os banhos públicos de Alexandria, que eram em número de 4.000, para que fossem usados como combustível. Pelos relatos, foram necessários seis meses para queimar todo aquele material. Apenas os trabalhos de Aristóteles teriam sido poupados.
A história é bonita, mas, como toda história, diz apenas parte da História. Em termos mais objetivos, o mais provável é que a Biblioteca tenha sucumbido a vários incêndios, e muitos deles foram apontados por renomados eruditos como os que causaram a destruição da Biblioteca. O iniciado por Amr a pedido do califa Omar teria sido o último dos últimos e também o mais credível, a confiar em Canfora.
Outro incêndio frequentemente citado é o que teria sido provocado por Júlio César em 48 a.C., quando o general romano decidiu ajudar Cleópatra, que travava então uma espécie de guerra civil com seu irmão Ptolomeu 13, e ateou fogo à esquadra egípcia. O incêndio teria consumido entre 40 mil e 400 mil livros. Uma outra versão diz que o que sobrara da Biblioteca foi destruído em 391 da Era Cristã. Depois que o imperador Teodósio baixou decreto proibindo as religiões pagãs, o bispo de Alexandria Teófilo (385-412 d.C.) determinou a eliminação das seções que haviam sido poupadas por incêndios anteriores, pois as considerava um incentivo ao paganismo.
Na verdade, todas essas versões merecem alguma consideração e não são necessariamente incompatíveis, pois a Biblioteca, ao longo de mais de dez séculos de existência, foi se espalhando por vários edifícios e depósitos da cidade. O fogo em um deles teria poupado os demais, e vice-versa. (O incêndio provocado por César, por exemplo, ocorreu no porto. Só poderia, segundo Canfora, ter destruído livros recém-chegados ou prontos para ser embarcados, pois os edifícios principais da Biblioteca, o Museum e o Serapeum, ficavam longe do porto).
	Fases da filosofia:
	História da filosofia antiga/clássica, composta por 3 períodos, o pré-socrático, socrático e o pós-socrático;
	História da filosofia medieval;
	História da filosofia moderna;
	História da filosofia contemporânea.
			O conhecido e o desconhecido - algumas reflexões
"Ao longo da história a humanidade busca conhecer. Mas o que se sabe é que o conhecimento é finito e o desconhecido é infinito. Quanto mais buscamos conhecer, mais concluímos que permanecemos na imensidão de inexplicabilidade. Assim, permanecemos suspensos, pendentes entre o que conhecemos e o que desconhecemos". (Sátiro, 1999, p.64)
Como base na afirmação acima, reflita de que maneira podemos pensar o que já é conhecido e o que é desconhecido. Quais são os elementos necessários para pensarmos o desconhecido e o conhecido?
Vai aí uma dica para iniciar sua reflexão: "Diante do conhecido está o real ou a realidade. Diante do desconhecido estão nossas percepções".
		Razão instrumental e indústria cultural – Módulo 3
No conteúdo teórico apresentado no livro desta unidade, indicamos dois conceitos que são fundamentais para o entendimento das sociedades contemporâneas: razão instrumental e indústria cultural. Esses conceitos foram desenvolvidos por Theodor Adorno e Max Horkheimer, filósofos alemães que fundaram em 1923, juntamente com Herbert Marcuse, Erich Fromm, entre outros, o Instituto de Pesquisa Social, ligado à Universidade de Frankfurt. O instituto foi fechado em 1933 pelo governo nazista. No entanto, a produção intelectual do grupo não cessou por conta disso. Imigraram para Nova Iorque - EUA onde continuaram seus trabalhos até 1950, quando puderam retornar à cidade de origem. O grupo ficou conhecido como Escola de Frankfurt e, diante das atrocidades vividas na Europa, durante as primeiras décadas do século XX, tinham como principal motivação compreender o que teria levado a essa verdadeira barbárie humana, como se constituiu tamanha irracionalidade justamente no coração da civilização ocidental.
De acordo com a formação marxista do grupo, entendiam que um acontecimento histórico não se faz da noite para o dia, mas tem suas raízes em um processo histórico anterior. Nesse sentido, para compreender a irracionalidade presente no século XX, foram buscar as bases de fundação da própria razão moderna, do projeto civilizatório ocidental, constituídos principalmenteao longo dos séculos XVII e XVIII, e o processo histórico que levou esse projeto emancipatório a sucumbir à barbárie. Vejamos.
A modernidade se constituiu a partir do declínio da Igreja e, com ela, da ideia de uma sociedade governada e estruturada com Deus como centro de tudo (teocentrismo). O Renascimento trouxe o homem para o centro (humanismo) revigorando a crença no poder humano, ou mais especificamente, no poder da racionalidade humana para determinar as condições do conhecimento e da organização social.
O século XVII chega, portanto, com as condições propícias para a formulação da ciência moderna, ou seja, um conhecimento que se dizia puramente racional, capaz de superar as ignorâncias do senso comum e dos conhecimentos produzidos pela tradição filosófico-religiosa. Um modelo de conhecimento capaz de transformar a natureza em objeto, em coisa a ser dominada, controlada e explorada de acordo com os interesses humanos. A razão humana, metodicamente conduzida, levaria, portanto, segundo Descartes - um dos fundadores do pensamento moderno - ao domínio técnico da natureza, à cura das doenças e ao domínio das paixões, redundando num estado de felicidade, sabedoria e completa emancipação da humanidade.
Os filósofos da Escola de Frankfurt se viram, portanto, diante de um grande desafio: compreender como um projeto tão otimista acerca da ciência e da razão moderna pode ter redundado num contexto por eles presenciado de duas grandes guerras mundiais, de produção de armamentos capazes de eliminar de uma só vez a vida na Terra, da submissão de populações inteiras às invenções de um ditador, de atos de genocídio, etc.
(...) o que a teoria crítica [proposta pela Escola de Frankfurt] tem de diferente da teoria tradicional, para além da questão do método, é a consideração do caráter histórico da própria razão. Jamais chegaríamos a notar que a razão iluminista traz em si o seu contrário se a abordássemos a partir de sua definição puramente lógica e a-histórica. É a historicidade da razão que permite ver no seu desenvolvimento o entrelaçamento de fatores de diversas ordens que nos obrigam a considerar conjuntamente a racionalidade e a mitificação, o progresso e a regressão, a civilização e a barbárie. (SILVA, 1997, p. 9).
Assim, analisando os processos histórico-sociais que possibilitaram essa situação, Adorno e Horkheimer viram que no projeto moderno de emancipação humana (finalidade) houve a necessidade de se criar operadores capazes de dominar a natureza (meios), de transformá-la em coisa manipulável. Percebe-se aí, portanto, a dupla racionalidade que constitui a ciência moderna: uma razão prática, capaz de estabelecer as finalidades humanas; e uma razão teórica ou instrumental, que, subordinada às finalidades definidas pela razão prática, era capaz de inventar os meios, os operadores necessários para o domínio técnico da natureza. À medida que essa razão instrumental vai obtendo sucesso e desenvolvendo instrumentos cada vez mais eficientes no domínio e intervenção na realidade, essa racionalidade vai se expandindo para outros setores da vida social, para além do âmbito científico. Vai sendo apropriada, por exemplo, pelo setor produtivo, que fascinado por um ideal de progresso irrestrito percebe na tecnologia não só meios para aumentar a capacidade e a precisão do conhecimento, mas também como conhecimento útil para aumentar a produtividade das indústrias, explorar a mão de obra trabalhadora e criar incessantemente produtos para serem consumidos.
A segurança que a mediação do método racional proporciona diante de um mundo desencantado provoca também a confiança ilimitada no instrumento de dominação. (...) É precisamente esta confiança na razão e no seu progresso ilimitado que enfraquece a visão crítica da racionalidade como prática humana e socialmente determinada. A razão torna-se absoluta e este caráter se exprime justamente através do seu aspecto mais eficaz: a instrumentalização. E por isto se pode dizer que a submissão incondicionada à razão não se distingue, estruturalmente e no plano da motivação profunda, de uma recaída na mitologia. (SILVA, 1997, p. 12-13).
O sucesso desses operadores instrumentais de que a ciência moderna se serviu para dominar a natureza contribui para que as ciências físicas e matemáticas alcancem tamanho prestígio que o ideal científico proposto por elas passa a ser o único critério de cientificidade, sob o qual qualquer outro campo de conhecimento deveria se submeter se quisesse desfrutar do estatuto de conhecimento científico. Com isso, essa racionalidade instrumental que fazia da natureza uma coisa a ser dissecada e dominada começa a ser transferida também para o tratamento do homem. Este também começa a ser tratado como coisa a ser conhecida, dominada e manipulada, seja pela ciência, seja pelo setor produtivo, seja pelos governos nacionais.
Quando o homem começa a ser pensado também como objeto de estudo da ciência, segundo os critérios de cientificidade instrumental das ciências naturais, o homem perde seu estatuto de sujeito e passa a ser visto como objeto, como coisa manipulável. Assim, se no início do projeto moderno a finalidade do conhecimento, ditada pela razão prática, era a emancipação do homem, à medida que a racionalidade instrumental tem ampliado seu poder e se expande também para o conhecimento do homem, as finalidades humanas passam a ser definidas pela racionalidade instrumental, que visa a submissão e o controle daquilo sobre o qual ela age. Se no início a racionalidade instrumental estava restrita à manipulação e controle da natureza, a serviço do homem, quando ela passa a agir também sobre o homem ela passa a buscar o controle e submissão desse homem, a serviço de quem controlar a ciência e as forças produtivas nas quais a racionalidade instrumental se tornou soberana.
Nesse processo, inverte-se a relação inicialmente existente entre razão prática e razão instrumental. Se antes a razão prática tinha a incumbência de controlar a razão instrumental através do estabelecimento de finalidades sob as quais os meios deveriam ser definidos, com a expansão do domínio da razão instrumental esta passa a controlar o mundo prático e a definir as suas finalidades.
A eficiência produtiva do pensamento instrumental estabelece um desequilíbrio entre a ação como simples e compulsória aplicação dos resultados do progresso e o discernimento racional das finalidades que deveriam governar esta atividade. (...) a relação entre as necessidades humanas [finalidades] e a satisfação delas [meios] tornou-se um círculo operante dentro dos limites da razão instrumental, como o demonstra principalmente o papel do consumo como finalidade e ao mesmo tempo estímulo de reinício perpétuo da produção tecnológica. (SILVA, 1997, p. 8).
Assim, por meio da compreensão dessa dimensão instrumental - necessária à constituição do conhecimento científico moderno em sua proposta de domínio da natureza para emancipação humana - e da análise do processo que levou essa dimensão instrumental a se expandir para todas as áreas da vida, foi possível a Adorno e Horkheimer compreenderem o que levou o projeto moderno de emancipação da humanidade a sucumbir a um estado de selvageria, de desumanidade, revelado pelos grandes acontecimentos históricos do início do século XX. Quando a razão instrumental se expandiu para a dimensão humana, essa racionalidade é que passou a definir quais seriam nossas finalidades. E a finalidade da razão instrumental nunca poderá ser a emancipação, pois que é da sua própria natureza a busca pelo domínio, controle e exploração. Estes, então, passaram a ser os objetivos a governar a ciência e todos os segmentos da vida que, em nome de um "progresso" ilimitado, submeteram-se à lógica instrumental da razão.
Nesse sentido é que no texto teórico do livro da disciplina desta unidade alertamos para o entendimento de que a ciência não é uma atividade neutra, pura e imparcial, mas que está a serviço de forças capazes de financiá-la e, com isso, controlar os objetivos, as prioridades e os resultadosdas pesquisas científicas de acordo com seus interesses privados.
Da mesma forma, o mundo da arte e da cultura também foi tomado pela racionalidade instrumental. De igual maneira, a arte, em grande medida, também perdeu sua dimensão crítica, reveladora da realidade. Adorno e Horkheimer chamam nossa atenção, então, para a situação de "difusão globalizadora e niveladora da razão instrumental", na qual
(...) tudo se submete à racionalidade técnica dos setores mais poderosos da indústria. Invadindo também a produção dos bens culturais, essa racionalidade técnica torna-se inerente aos monopólios culturais, cujos produtos circunscrevem-se no mesmo esquematismo da produção em geral (EVANGELISTA, 2003, p. 95-96).
As poderosas forças produtivas viram na produção cultural um grande filão para alimentar e garantir a continuidade da organização social capitalista. De que forma?
As mercadorias para se manterem atraentes e dignas de serem continuamente consumidas precisam constantemente se reapresentar como novidade, como necessárias para o aumento da felicidade de seus consumidores. Só compramos uma mercadoria se achamos que ainda não temos nada parecido com ela e que a possuindo poderemos melhorar nossa vida, não é mesmo?
Pois bem, os setores produtivos perceberam que não adiantaria produzir e produzir mercadorias se eles não controlassem também a imagem que fazemos dessas mercadorias. Assim, passou a se investir em propaganda, ou seja, a apresentação de uma mercadoria como algo novo e necessário à nossa vida, por meio de textos e principalmente de imagens capazes de nos convencer. Essas propagandas passaram a orientar também a organização dos meios de comunicação, que começaram a depender do financiamento desses investidores para sua sustentabilidade. Assim, propagandas comerciais, programas midiáticos passaram a trabalhar juntos, constituindo o que Adorno e Horkheimer chamaram de indústria cultural, produzindo imagens de sucesso e felicidade, e associadas a elas necessidades de consumo, como se ter determinadas coisas possibilitasse ser melhor.
Da mesma forma, a arte e as obras de pensamento, como a produção filosófica por exemplo, passaram a ser encaradas também como mercadorias a serem produzidas em série, para serem consumidas. E aquelas que não conseguem entrar nesse mercado editorial, artístico, etc. são, em grande medida, desconsideradas pelo leitor, espectador, ou talvez fosse mais adequado dizer, pelo consumidor.
(...) sob o controle econômico e ideológico das empresas de produção artística, a arte se transformou em seu oposto: é um evento para tornar invisível a realidade e o próprio trabalho criador das obras. É algo para ser consumido e não para ser conhecido, fruído e superado por novas obras. (CHAUÍ, 1999, p. 330).
Se é para serem consumidos, uma obra de arte, uma crítica filosófica, um programa de TV precisam cativar o seu público, agradá-lo, seduzi-lo e, dessa forma, não podem, portanto, correr o risco de causar perturbação, inquietação, de fazer seu consumidor um agente questionador do sistema, "(...) de modo que tudo o que nas obras de arte e pensamento significa trabalho da sensibilidade, da imaginação, da inteligência, da reflexão e da crítica não tem interesse, não 'vende'." (idem, ibidem)
Com isso, o que poderia ser um processo legítimo de democratização da arte e do pensamento se torna um processo de vulgarização, de estereotipização tanto dos bens culturais "democratizados" quanto do espectador ou leitor, transformado em "consumidor padrão". Nesse sentido, a grande diversidade de bens culturais postos no mercado é ilusória. Há, na verdade, uma absoluta homogeneidade imposta pela forma de produção da indústria cultural que se expressa pelos 
(...) clichês prontos para serem empregados arbitrariamente aqui e ali e completamente definidos pela finalidade que lhe cabe no esquema (...). Não somente os tipos de canções de sucesso, os astros, as novelas ressurgem ciclicamente como invariantes fixos, mas o conteúdo específico do espetáculo é ele próprio derivado deles e só varia na aparência. (ADORNO; HORKHEIMER, 1991, p. 117).
Assim, na aparência de democratização, o que temos é um processo brutal de "inculcação de valores, hábitos, comportamentos e ideias" (CHAUÍ, 1999, p. 333), manifestos nos programas e obras de arte midiatizadas. Produtos que consumimos irrefletidamente, como se não ver determinado capítulo da novela ou não saber sobre o caso amoroso do último BBB fosse uma total falta de informação. Em que mundo você vive? - nos perguntam. 
Isso nos remete à "Alegoria da caverna", de Platão, lembra-se? O mundo das imagens é que parece ser o mundo real para aqueles que estavam aprisionados à ignorância, distantes da capacidade crítica de conhecer o mundo tal qual ele realmente é.
Temos visto hoje com certa frequência um programa de variedades fazer uma "ponta" em uma novela, como se a realidade entrasse na ficção, e como se a ficção, na verdade, fosse a mais pura realidade. Da mesma forma, vira uma comoção nacional quando um determinado personagem da novela, tido como herói, sofre uma injustiça; e de outro lado, é notório o quanto já se tornou banal a tragédia de jovens brasileiros cotidianamente massacrados por um sistema que não os acolhe, que não lhes oferece condições dignas de desenvolvimento.
É dessa forma que podemos dizer que um telejornal se diferencia pouco de uma novela, pois que a estética, a forma de organização do mundo e o padrão valorativo manifestos são realmente muito parecidos. Mas as notícias apresentadas não nos fazem pensar sobre isso, apresentam-se como números, índices abstratos que devem ser objetos de novas leis promulgadas por governantes também distantes. A racionalidade instrumental que nos impregnou nos faz considerar que os governantes realmente devem nos governar, e nos esquecemos que, de fato, eles são nossos representantes, cuja ação, portanto, deveria estar submetida à nossa vontade, e não o contrário. O mesmo ocorre, como discutido anteriormente, com a atividade científica. Não nos consideramos sujeitos, agentes na sociedade e na história que vivemos. Tudo se passa como se fôssemos objetos passivos, governados por forças maiores. Isso, de fato, tem acontecido, como Adorno e Horkheimer demonstraram já no final da década de 40, mas somente porque nos colocamos de forma passiva diante desses processos, porque não nos assumimos como sujeitos capazes de nos conduzir por nós mesmos, porque preferimos que os outros pensem por nós, porque preferimos uma boa novela a um estudo sério e reflexivo, porque preferimos um professor que nos dê respostas a um que exija que pensemos por nós mesmos...
Isso lhe parece familiar? Talvez seja hora de pensar seriamente sobre isso!
			Atenção condicionada
A mídia televisiva recebe parte de seus recursos por meio da venda do tempo de sua exibição para propagandas comerciais. Para isso, organiza sua programação em blocos de 7 a 10 minutos. Nos intervalos entre um bloco e outro é que são transmitidos os "comerciais".
Ficamos tão acostumados com essa divisão do tempo que nossa capacidade de atenção fica condicionada e esses intervalos, ou seja, mantemos nossa atenção por 7 minutos, depois precisamos de uma pausa, para só então conseguirmos nos concentrar novamente.
Pesquisas com professores confirmaram que os alunos normalmente perdem a atenção a cada 7 minutos, precisando de algum estímulo para voltar à concentração. O mesmo foi percebido por artistas de teatro diante de seus espectadores.
Agora, imagine a dificuldade para se colocar diante da leitura de um livro inteiro, sem imagens, sem intervalos comerciais...!
E você, sente o efeito dessa verdadeira programação mental que o excesso de exposição à forma televisiva pode nos impor? Já é hora de pensarmos sobre isso!
Referência: CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Editora Ática, 1999.
			Recepção da arte contemporânea
Vimos que a arte, a partir do século XX, se desvinculou do objetivo de representar o belo. Bela ou não, ela passou a ser vista pelos artistas comouma atividade capaz de expressar a própria realidade sob uma outra perspectiva, de expressar os sentimentos e as reflexões sobre o estar no mundo e também sobre o ser da própria arte.
Nesse sentido, não cabe ao espectador reduzir sua experiência diante de uma obra de arte procurando um significado rápido do tipo "o que o artista quis dizer, o que o artista quis representar", ou a juízos de gosto como "bonito/feio, gosto/não gosto".
Muito mais significativo seria o espectador se abrir, se deixar levar pela realidade construída pelo artista. Que materiais ele usou? Que referências já temos sobre esses materiais? Como ele organizou os elementos da linguagem artística (cor, luz, textura, composição, movimento, equilíbrio...) naquela obra? Que diferenças ou continuidades podem ser percebidas entre a forma como esses elementos são apreendidos em nossa vida cotidiana e na forma como esses mesmos elementos foram organizados para a composição da obra? Que reflexões, sensações, sentimentos isso me provoca? Em que medida a obra amplia minha maneira de percepção do mundo, de mim ou da própria arte?
Provavelmente, tendo em vista questões como essas, sua experiência diante de uma obra de arte será muito mais rica e reveladora. Experimente!
		Robôs assassinos, arma de ficção que já desperta temores
Washington - Os robôs assassinos, máquinas capazes de matar sem a intervenção humana, só existem por enquanto na ficção científica, mas o desenvolvimento da tecnologia para construi-los alarma os defensores de direitos humanos.
"A tecnologia avança muito rápido nessa direção. Estados Unidos, Reino Unido, Israel, Rússia, China e Coreia do Sul desenvolveram ou planejaram precursores destas armas", declarou à Agência EFE Bonnie Docherty, especialista em armamento da Human Rights Watch (HRW).
Docherty é a autora principal de um relatório recente da organização com a Universidade de Harvard que pede a proibição do desenvolvimento, da produção e do uso de armas letais autônomas, conhecidas como robôs assassinos.
"Embora os especialistas não estejam de acordo em prever quando estas armas podem se materializar, todos concordam que seu desenvolvimento é factível e provável se não forem dados os passos necessários para detê-lo", comentou Docherty.
A tese por trás desta urgência é que a proibição deve chegar antes de os governos investirem tanto em tecnologia para desenvolver estas armas que não queiram retroceder depois.
"Se o desenvolvimento não for detido o mais rápido possível, existe o risco que versões preliminares sejam usadas de maneira prematura ou caiam nas mãos de grupos armados sem respeito à lei", argumentou Docherty.
"A comunidade internacional já considerou importante no passado proibir certos tipos de armas de maneira preventiva. Em 1995 a ONU proibiu as armas que produzem cegueira antes de começarem a ser usadas", acrescentou. 
Ao contrário dos polêmicos "drones" - aviões não tripulados, os robôs assassinos não precisam da intervenção humana: podem selecionar e atacar alvos de maneira autônoma.
"Estes dois tipos de armas despertam diferentes temores. Mas o uso dos 'drones' demonstra que os exércitos cada vez confiam mais na tecnologia autônoma", destacou Docherty.
Um dos aspectos mais controvertidos das armas autônomas é o debate sobre a moralidade de permitir que uma máquina tome a decisão de matar uma pessoa.
Nesse caso, mesmo se o militar souber que um dos robôs assassinos está a ponto de matar um civil, não poderia fazer nada para impedi-lo.
Do mesmo modo, no caso de um corte nas comunicações, o militar não saberia o que a máquina está fazendo nem poderia evitar algum tipo de atuação indevida.
"Na maioria dos casos, nem o programador, nem o fabricante, nem o comandante, nem o operador poderiam ter responsabilidade legal pelos atos indevidos da máquina", ressaltou Docherty.
"Seria injusto e legalmente impossível responsabilizar um comandante se uma arma completamente autônoma cometesse um ato ilegal e imprevisto que ele não teve como impedir ou prever", acrescentou.
Em 2013 a ONU pediu aos Estados que aplicassem moratórias nacionais para parar os testes, a produção, a montagem, a transferência, a aquisição e o uso de robôs assassinos.
Na semana passada especialistas e representantes de 60 países-membros da ONU se reuniram em Genebra para debater os limites legais e éticos das armas autônomas.
"Buscamos simplesmente um pouco mais de clareza sobre o que são estas máquinas e como devemos emoldurá-las e/ou delimitá-las", explicou o diplomata alemão Michael Biontino, presidente da reunião.
"Por enquanto estamos muito longe de inclusive saber como são estas máquinas, que forma têm, como serão. De fato, acho que estamos distantes que existam porque é muito difícil programar uma máquina que tome tantas decisões por si só", concluiu. 
	Modulo 4
			A ética através dos tempos
Pode-se afirmar que a ética percorreu um longo caminho desde a antiguidade até os dias atuais, por isso é importante compreendermos o desenvolvimento conceitual da ética ao longo da história.
A ética nasceu na antiguidade juntamente com a filosofia, embora fosse praticada entre outros povos desde os primórdios da humanidade. Contudo, inicialmente a ética era fundamentada nos preceitos míticos e religiosos e objetivava pautar regras de comportamento para permitir o convívio entre indivíduos agrupados em sociedade.
O primeiro filósofo a se preocupar de forma mais significativa com a ética foi Sócrates. Para a tradição socrática, a felicidade só poderia ser alcançada por intermédio da conduta correta, a verdade só poderia ser contemplada pelo conhecimento virtuoso do mundo e pelo comportamento orientado pela bondade. A virtude é o centro da ética socrática, podendo ser definida como uma disposição para praticar o bem, suprimir os desejos despertados pelos sentimentos e racionalizar as ações em benefício da coletividade.
Já os sofistas, devido a um conceito relativizado de verdade, duvidavam da possibilidade da virtude poder ser ensinada, contudo admitiam que a mesma poderia ser desenvolvida pelo sujeito através do despertar da consciência. Para os sofistas, o conhecimento seria o meio do indivíduo se aperfeiçoar, tornando-se virtuoso pelo amadurecimento intelectual. Nesse sentido, decorre a fundamentação da ética em torno da liberdade, da virtude e da bondade.
Platão tratou a ética como componente indissociável da vida política, da harmonia entre os habitantes da pólis. A tarefa da ética para esse filósofo seria promover o nivelamento entre os indivíduos, diluindo as diferenças em prol do bem comum. Assim, a ética deveria permitir que os indivíduos partilhassem o poder, impedindo a concentração do governo da pólis nas mãos de um segmento da sociedade ou de um indivíduo. Contudo, a concepção platônica exclui estrangeiros, mulheres e escravos.
Platão propôs a construção de um Estado ideal, onde a virtude pudesse ser cultivada, garantindo a liberdade efetivada no exercício da justiça, o que ficou conhecido como República Platônica (res publica = coisa pública).
Aristóteles, discípulo de Platão, também considerava a ética como possibilidade de eliminar a desigualdade entre os indivíduos da pólis, harmonizando o convívio coletivo; contudo, para ele, a ética deveria antes disso se ater ao equilíbrio interno do indivíduo, externalizado pela eudaimonia coletiva, que representa a verdadeira felicidade.
Para Aristóteles, o papel da ética seria convencionar o que deve ser repetido, racionalizando comportamentos benéficos ao indivíduo e à pólis. A ética aristotélica sugere a observação das necessidades do homem como indivíduo e membro da coletividade, e a partir daí averiguar o que é possível estabelecer como norma, em dado contexto, teorizar e refletir para padronizar como correto. Assim, a ética se constituiria como ciência normativa da conduta individual e coletiva em sentido amplo.
A ética medieval é vinculada à religião e, portanto, aos dogmas cristãos. Dentre as concepções filosóficas que influenciaram fortemente o conceito de ética medieval, destacam-seas ideias dos filósofos Santo Agostinho, Santo Anselmo e São Tomás de Aquino.
Uma questão importante a ser destacada se refere à subordinação da ética à moral. Ou seja, a moral na Idade Média se sobrepõe à ética invertendo a ótica da antiguidade mediante o domínio do cristianismo, que alterou profundamente a ética, introduzindo a ideia de que a bondade, uma vida virtuosa, só podia ser alcançada pela vontade de Deus, desvinculando a felicidade da racionalização do mundo.
Isso significou um grande problema para fundamentação da ética, visto que a mesma se caracterizava, até então, pela busca do prazer, representada pela felicidade do indivíduo e do coletivo. Tal concepção era considerada pelo catolicismo um pecado da vaidade, razão que tornava a moral mais importante que a ética na Idade Média.
Para Santo Agostinho, influenciado pelo neoplatonismo, a verdade é uma questão de fé, esta é revelada por Deus, superando a razão, subordinando o Estado e a política à autoridade da Igreja.
Para Tomás de Aquino, influenciado por Aristóteles, o caminho para a felicidade passaria pela "grande ética", caracterizada pelo justo equilíbrio divino, projetado na ordenação da sociedade.
Assim, a ética passou a ser entendida e aplicada a contextos específicos. A interpretação conceitual da ética platônica no final da Idade Média prevaleceu sobre as demais abordagens, sendo acentuada pela visão cristã que valorizou a moral em detrimento da concepção ética universal.
A ética moderna se inicia com o embate entre racionalismo e empirismo. Devido à influência do pensamento renascentista, a ética passou a ser vista novamente voltada para a busca da felicidade coletiva, retomando seu sentido original grego, vinculado com a política. Assim, a ética era pensada como garantia das condições e dos direitos dos indivíduos, em que entraria o Estado como fomentador e garantidor dessas condições, fornecendo educação, direitos individuais, justiça e subsistência aos cidadãos.
Com isso, os princípios religiosos perderam força no que diz respeito à ética se sobrepor à moral, dando espaço à concepção universal que regesse os princípios de convivência em sociedade, tornando-se atributo da ética realizar uma reflexão sobre a construção dos valores que balizam a moral, e instituindo uma crítica sobre práticas e ações humanas no âmbito da axiologia e da teoria dos valores.
As influências do racionalismo, principalmente de Descartes e Spinoza, defendiam uma normatização da ética vinculada à razão, obrigando o indivíduo a refletir e tomar decisões, estando condicionado ao cumprimento de penas. Assim, a ética estaria vinculada às necessidades do Estado, estando subordinada ao direito.
Já os empiristas adotaram uma postura um pouco diferente, porém mais próxima da política e do contexto padronizador do comportamento coletivo. A implicação ética para os empiristas como Thomas Hobbes, John Locke e David Hume estaria fixada na figura do cidadão, o qual, para se integrar à sociedade, precisaria refletir sobre si mesmo e seu papel coletivo.
Portanto, a ética moderna, embora ainda vinculada à religião, começou a tentar conter a moral católica, resgatando discussões presentes na antiguidade e avançando em alguns aspectos rumo à discussão da liberdade. Entretanto, foi pensada como instrumento de sustentação do poder do Estado perante a vida coletiva e individual.
A ética contemporânea consegue romper um pouco mais com a religião, estabelecendo críticas que centralizaram novamente o foco para a razão, apostando na autonomia humana e na crença otimista no progresso.
A visão da ética na contemporaneidade foi estabelecida, sobretudo, por um viés mais amplo, não só circunscrito ao grupo, mas também ao contexto do conjunto da humanidade.
Nesse período, pela primeira vez se iniciou um diálogo em torno dos direitos humanos, culminando com a "Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão" em 1789, ano da Revolução Francesa, que pregava os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade.
O filósofo alemão Imannuel Kant exerceu forte influência na universalização dos preceitos conceituais da ética humana. Para ele, a ética segue os mesmos parâmetros da moral, mas ao racionalizar os atos, seleciona como corretos apenas o que está em concordância com a razão. Assim, não seria tarefa da ética normatizar, pois, sendo de caráter puramente racional, é guiada apenas pela boa vontade.
Nesse sentido, a ética começa a se distinguir da moral e o agir corretamente passa não só pelo conceito de liberdade, mas também de responsabilidade pelos próprios atos e intenções.
No entanto, pensando na natureza falha da razão humana, Kant propõe o "imperativo categórico" como referência para as ações do homem. Conforme tratamos no livro da Unidade 4, o imperativo consiste numa regra obrigatória que deve nortear a normatização da vida racional. Aquilo que deveria ser dever de toda pessoa, estando também vinculado com a moral, é definido como agir pela vontade, de tal forma que a ação possa ser tomada como uma lei universal da natureza.
Contrapondo parcialmente Kant, a concepção utilitarista do filósofo Stuart Mill também ganhou força a partir do século XVIII, principalmente por conta dos avanços da ciência, que influenciou, novamente, o debate acerca da ética. Diferente da ética kantiana, a concepção utilitarista condiciona os comportamentos à sua utilidade aparente, extremamente vinculada ao direito, relativizando as regras e indo na contramão do imperativo categórico de Kant que prioriza a intenção da ação do sujeito.
A partir das leis da física de Isaac Newton, a sociedade passou a ser vista como máquina, em que a ética atenderia e regularia seu funcionamento. Também a teoria evolucionista de Charles Darwin possibilitou conceber a moral como produto da evolução do comportamento humano.
Tais tendências transformariam a ética em ciência do julgamento dos atos morais, alterando normas de comportamento pensadas em benefício da utilidade para a vida coletiva harmoniosa.
Outro filósofo contemporâneo que discutiu os princípios éticos foi o alemão Hegel, que conferiu à ética uma grande semelhança à moral.
Por fim, o filósofo alemão Nietzsche, na segunda metade do século XIX, tornou a ética definitivamente uma ciência, totalmente desvinculada da religião. Para ele, a ética seria o centro das ações humanas, constituindo o elemento que torna possível a convivência e estabelecendo padrões de comportamento que reprimem a natureza.
Percebe-se que o conceito da ética evoluiu, mediante as várias concepções filosóficas em torno da ética e da moral, em cada período da história da filosofia. Contudo, a ética contemporânea se defrontou com uma enorme variedade de tendências morais derivadas do pluralismo cultural existente. Diante desse desafio, as correntes filosóficas da ética na atualidade tendem a criticar e analisar os diferentes hábitos e costumes existentes nos dias atuais, para que cheguemos a um ponto comum a ser aceito para convivência em sociedade.
			A crise da ética
O século XX, centralizado na sociedade de consumo e no individualismo, desvirtuou o caminho da preocupação com a coletividade no mundo ocidental capitalista, inaugurando a crise da ética em sentido amplo.
A preocupação com o outro foi substituída pelo egoísmo focado apenas no eu em detrimento do nós, com um ambiente de permanente competição.
A despeito de alguns pensadores terem tentado retomar a tradição grega, agregando elementos desenvolvidos posteriormente, a tendência platônica de normatização de comportamentos, diferenciada entre grupos, é que prevaleceu no século XXI.
A ética passou a ser um termo comum na boca de todos, mas esvaziada de sentido concreto, conceitualmente interpretada pelo senso comum de forma torta e equivocada.
Simultaneamente, a ética profissional passou a dominar o cenário globalizado, igualmente contextualizada em um sentido extremamente específico, aplicada apenas entre supostamente equivalentes.
O grande problema é que a ética deveria justamente repensar posturas que fazem de alguns mais iguais que outros,refletindo sobre sua natureza generalizadora e universalizante, racionalizando as ações humanas até o limite do possível, diante da natureza emotiva e movida por sentimentos individualistas.
Referência bibliográfica: RAMOS, Fábio Pestana. Filosofia e ética profissional: temáticas e recortes. Santo André: Clube de Autores/PEAH, 2012, v.1. p. 334.
		Em dilemas morais, homens são mais 'práticos'
Estudo revela que a maior parte dos homens aceitaria ferir ou matar um indivíduo em nome de bem maior, enquanto as mulheres têm aversão a causar o mesmo tipo de mal a qualquer pessoa.
Homens x Mulheres: A pesquisa está de acordo com outros estudos que demonstram que o sexo feminino é mais empático, ou seja, se importa mais com os sentimentos alheios (Thinkstock/VEJA).
Um policial poderia torturar um suspeito de explodir um café para encontrar bombas e salvar a vida de dezenas de pessoas? Se você pudesse voltar no tempo, mataria Hitler quando ele ainda era jovem e impediria a II Guerra Mundial? Frente a essas questões, mulheres tendem a responder "não", enquanto os homens diriam "sim". Pesquisa publicada nesta sexta-feira no periódico Personality and Social Psychology Bulletin por uma equipe internacional de psicólogos, comprova que o sexo masculino é mais "prático" frente a dilemas morais. Os homens estão dispostos a prejudicar uma pessoa em nome de um bem maior. Já o sexo feminino costuma ser contra causar mal a quem quer que seja - seja uma única pessoa ou muitas.
Segundo o estudo, a diferença tem a ver com a resposta emocional ao mal, que varia entre os gêneros. "Mulheres estão mais propensas a ter uma reação visceralmente negativa a causar o mal a um indivíduo, enquanto os homens demonstram menos respostas emocionais a essas ações", explica Rebecca Friesdorf, pesquisadora da Universidade Wilfrid Laurier, no Canadá, e uma das autoras do estudo ao site de VEJA.
Os cientistas afirmam no artigo que essa descoberta não significa que o sexo feminino seja menos racional que o masculino frente a dilemas morais. Ambos apresentam o mesmo grau de racionalidade no momento de avaliar as opções. A variável está na possibilidade de causar ações nocivas aos indivíduos e na capacidade feminina em se colocar no lugar do outro.
Fonte: EM DILEMAS morais, homens são mais 'práticos'. 04 abr. 2015. In: Veja.com. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/noticia/ciencia/em-dilemas-morais-homens-sao-mais-praticos>. Acesso em: 10 abr. 2015. 
				Teoria-prática da educação
Em educação, trabalhamos o tempo todo com as designações prática e teoria como se fossem atividades independentes e separadas, e que, de acordo com a perspectiva do educador ou do teórico, poderiam alcançar maior ou menor articulação.
Analisando etimologicamente como se constituiu a palavra "prática", Veiga-Neto (2008) indica que ela deriva do substantivo grego praxis - prática, uma ação habitual e bem estabelecida (em geral, aprendida), um costume, o ato de agir. E também do substantivo praktos, praktikos - aquilo que é feito, praticado; até chegar à forma latina tardia practice - tanto o ato de fazer algo quanto o efeito desse ato.
Segundo o autor, o termo prática designaria, portanto, do ponto de vista etimológico, tanto um conjunto de ações quanto seus respectivos resultados e estaria associado às ações aprendidas e ensinadas, realizadas habitualmente, "(...) sem que estivesse aí implícita qualquer dependência entre tais ações e aquilo que se podia pensar e dizer sobre elas. " (VEIGA-NETO, 2008, p.2).
Na sequência de sua reflexão, o autor justifica esse descolamento entre pensar e agir a partir dos próprios fundamentos da filosofia estabelecidos por Sócrates e Platão ao se referirem a uma duplicidade própria à realidade que a dividiria em sensível (âmbito da ação, da prática) e inteligível (âmbito das ideias, do pensar). Essa divisão marcou profundamente o pensamento ocidental.
Em outras palavras, sob o abrigo do arco platônico as próprias práticas se dão no mundo sensível, enquanto as teorias fazem o caminho ascendente desse mundo sensível rumo ao mundo inteligível —ou, para alguns, elas até mesmo já se colocam no mundo inteligível. É justamente a partir desse ponto que teoria e prática passaram a ser pensadas em separado, ainda que ligadas entre si. Funcionando como um fundo epistemológico, como um mantra, a doutrina dos dois mundos e o correspondente binômio teoria-prática são, em nossa tradição, assumidos como uma manifestação da própria natureza do mundo. (VEIGA-NETO, 2008, p. 4).
No entanto, abordar essas dimensões separadamente trouxe-nos algumas compreensões significativas. Implicou também numa constante polarização entre teoria e prática difícil de ser superada. Neste sentido, Veiga-Neto, apoiando-se especialmente no pensamento foucaultiano e na crítica pós-moderna, propõe uma outra perspectiva, entendendo "(...) a prática como o domínio tanto daquilo a ser descrito, analisado e problematizado quanto, ao mesmo tempo, o domínio das próprias descrições, análises e problematizações que são colocadas em movimento" (VEIGA-NETO, 2008, p.7). Sob esta perspectiva, a teoria seria também uma prática, uma vez que não é mais vista como a revelação de uma verdade atemporal, mas como uma construção social situada no tempo e no espaço.
Assim, partindo dessa abordagem que vê a teoria como uma prática e a prática como expressão de teorias, gostaria de convidá-los a pensar acerca da prática educacional. Inicialmente, creio valer a pena reforçar a ideia de que educação não é assunto apenas para pedagogos e licenciados em geral, mas faz parte de qualquer reflexão que tenha em vista ações de intervenção social.
Como propor uma ação de atualização de um corpo de funcionários para determinadas inovações tecnológicas? Como organizar o fluxo de atendimento numa unidade de saúde? Como propor ações que ajudem as famílias a reverem seus hábitos de planejamento familiar?
Essas questões remetem-nos aos saberes ligados à educação, aos processos de ensino-aprendizagem que não estão necessariamente restritos ao campo da educação formal, ou seja, da educação escolar, mas dizem respeito ao âmbito da educação não formal, ou da pedagogia social.
A educação não-formal designa um processo com várias dimensões tais como: a aprendizagem política dos direitos dos indivíduos enquanto cidadãos; a capacitação dos indivíduos para o trabalho, por meio da aprendizagem de habilidades e/ou desenvolvimento de potencialidades; a aprendizagem e exercício de práticas que capacitam os indivíduos a se organizarem com objetivos comunitários, voltadas para a solução de problemas coletivos cotidianos; a aprendizagem de conteúdos que possibilitem aos indivíduos fazerem uma leitura do mundo do ponto de vista de compreensão do que se passa ao seu redor; a educação desenvolvida na mídia e pela mídia, em especial a eletrônica etc. Em suma, consideramos a educação não-formal como um dos núcleos básicos de uma Pedagogia Social. (GOHN, 2006, p. 28).
Assim, estejamos ligados à educação formal ou a processos de ensino aprendizagem não formal, todos atuamos a partir de referenciais epistemológicos (concepções de conhecimento), antropológicos (concepções sobre homem) e axiológicos (concepções sobre valores), sobre os quais muitas vezes não temos consciência e que são incorporados à nossa prática, às vezes, de maneira contraditória em relação aos objetivos que intencionamos alcançar.
Neste sentido, vou retomar alguns pressupostos epistemológicos mais comuns à prática educativa. Como vimos no livro dessa unidade, Platão e Aristóteles partem da compreensão de que há uma natureza humana idealizada e imutável que deve ser realizada pelo amadurecimento do indivíduo, e pelo processo educativo.
As implicações dessa concepção à prática educativa muitas vezes estão associadas à visão de que o aluno já tem em si determinadas aptidões e que, portanto, não adiantaria incentivá-lo a tipos de aprendizado que estejam fora deste rol que ele já traz naturalmente, pois isso o levaria ao fracasso. Neste sentido, aquela tão recorrente ideiade que não adianta ensinar muita coisa para alunos de periferia, porque eles não se interessam ou não conseguem aprender, pode estar ligada, em grande medida, a essa velha concepção sobre a natureza humana, entendida como se fosse um conjunto desigual de potências esperando para serem "desabrochadas" pelo processo educativo.
Mas não podemos, então, falar em desabrochamento sem levar em consideração a realidade econômica, social e política. Não desabrochamos no abstrato. (...) Não desabrocho quando trabalho na linha de montagem, num compasso infernal, numa fábrica barulhenta, desumanizada, fria e fétida. (...) Mas desabrocho quando faço um trabalho que me interessa, quando encontro pessoas que me agradam (CHARLOT, 1983, apud ARANHA 1990, p. 37).
Assim, analisando criticamente essa percepção inatista, vemos que ela é bastante cômoda, conveniente à precária e desigual organização dos sistemas educacionais que se satisfazem em oferecer uma educação pobre aos alunos pobres. Talvez a lógica devesse ser a inversa: um maior investimento na educação de crianças com menor acesso aos conteúdos formais.
O centro do processo educativo, segundo essa concepção, estaria sob a figura do professor, que é quem tem o poder para despertar as aptidões naturais já existentes no aluno. De outro lado, é pelo exemplo que o professor ensina, muito mais que por conteúdos previamente definidos. Nesta concepção, o professor é o mestre, é o guia, o modelo a ser seguido.
Com o advento da ciência moderna, desenvolve-se a compreensão do homem como parte da natureza, determinado e conhecido pelas leis mecânicas. Havendo também, nesse ponto de vista, a ideia de uma universal, ainda que não mais transcendente, mas que pode ser conhecida, manipulada e/ou treinada de acordo com objetivos estabelecidos. Nesse sentido, caberia ao processo pedagógico desenvolver tecnologias de ensino/treinamento válidas para qualquer pessoa, em qualquer tempo ou lugar.
Tais processos de transmissão de conhecimento seriam justificados uma vez que esse homem não traz em si conhecimentos inatos, mas os recebe do mundo externo, de fora para dentro, sendo através deste processo de acúmulo de conhecimento o caminho pelo qual o homem sai da ignorância e adentra ao mundo culto preconizado pelos iluministas.
Essa concepção de homem e de conhecimento é extremamente presente em nossos processos pedagógicos atuais, em que o professor se torna totalmente refém dos conteúdos a serem transmitidos ao aluno, a serem "depositados" em sua mente, e pelos quais tanto professor como os estudantes serão cobrados posteriormente. Ou seja, o professor tem que "passar" determinados conteúdos ao longo do ano, senão não será bem avaliado. De outro lado, o aluno só passa de ano, ou só entra na faculdade se dominar os tais conteúdos definidos previamente para todos, independentemente das especificidades dos sujeitos e dos contextos dos quais fazem parte.
É a partir dessa visão também que são elaboradas, em grande medida, as políticas públicas de educação e os famosos "programas" de ensino, que são totalmente organizados por técnicos que definem previamente conteúdos, metodologias e formas de avaliação, os quais o professor deve apenas aplicar, sejam quais forem seus alunos, seja qual for o contexto em que estão inseridos. 
A centralidade desse processo está, portanto, sobre os conteúdos e os procedimentos de ensino. O professor é apenas um agente de aplicação desses programas e o aluno, um recipiente vazio e passivo, sobre o qual serão despejados conteúdo a serem memorizados e reproduzidos em processos avaliativos puramente mecânicos.
Esta concepção foi fortemente arraigada na educação brasileira, especialmente a partir das décadas de 60 e 70, quando surgem as primeiras propostas de inspiração tecnicista. Tal tendência foi aplicada inicialmente nos EUA e difundida nos países latino-americanos por meio de acordos de apoio financeiro e técnico a governos ditatoriais recém-instalados na América Latina. O principal objetivo dessa tendência é "adequar a educação às exigências da sociedade industrial e tecnológica" (ARANHA, 1990, p. 175).
Segundo Aranha (1990), a partir dessa tendência, a educação é reduzida a uma "técnica bem aplicada", fundamentada sobre a perspectiva positivista, que supervaloriza o conhecimento científico e a palavra do especialista como a única, de fato, relevante.
(...) o positivismo é herdeiro da tendência empirista, que, ao analisar o ato do conhecimento, enfatiza o objeto conhecido, não o sujeito que conhece. (...) Coerente com este princípio, o ensino busca a mudança de comportamento do aluno mediante treinamento, a fim de desenvolver habilidades. (ARANHA, 1990, p. 176).
Reduzindo a formação educacional à aquisição de habilidades úteis ao mercado de trabalho, podemos ver na aplicação da tendência tecnicista a minimização, não a exclusão, de disciplinas como filosofia, literatura, história, geografia humana e artes, disciplinas que contribuiriam para a formação crítica dos alunos.
A queda do nível de ensino repercutiu de forma mais drástica na escola pública, obrigada a atender a lei ao pé da letra, enquanto as escolas particulares de certa forma "contornavam" as exigências oficiais, assumindo apenas a nomenclatura dos cursos e oferecendo os conteúdos tradicionais. Isso aumentou a seletividade de nossa educação, fazendo com que o ensino superior se destinasse cada vez mais aos filhos da elite. Quanto à escola pública, o que se conseguiu, de fato, foi a formação de mão-de-obra barata, não-qualificada, pronta para engrossar o "exército de reserva" - trabalhadores disponíveis para empregos de baixa remuneração. (ARANHA, 1990, p. 177).
Diante desse cenário, deparamo-nos com a profunda precarização da formação das novas gerações, especialmente das mais pobres. E de outro lado a também profunda desvalorização do professor em nossa sociedade. Alienado de seu trabalho como sujeito que pensa e elabora sua prática, ele também foi alienado de condições básicas de sobrevivência dentro de sua profissão, por meio de baixos salários, formação cada vez mais precária, más condições de trabalho- poucos recursos materiais alternativos, salas lotadas, programas de ensino inadequados aos alunos reais...
No entanto, mesmo diante de resultados tão desastrosos, após tantas críticas aos fundamentos e às vinculações que tornaram possível a implantação da tendência tecnicista, e em seguida da elaboração de perspectivas educacionais que visam superar seus limites, essa tendência ainda é hegemônica em nosso sistema educacional. Temos a obrigação, então, de nos perguntar: por que essa tendência ainda mantém sua hegemonia?
Bem, como apontamos de início, teoria é também uma prática social e, como tal, permeada por vinculações políticas, econômicas, culturais etc. Dessa forma, a tendência tecnicista como uma teoria-prática educativa foi implantada e se mantém atuante não por ser a melhor concepção, ou a mais adequada ao nosso contexto, como muitas vezes se apregoa. Mas tão somente porque ela é a que alcança melhor desempenho nos termos pós-modernos, ou a que melhor corresponde às necessidades de uma sociedade capitalista, assentada sobre desigualdades sociais que, para se manter, precisa ocultar essa estrutura social injusta.
E para que isso seja possível, não se pode incentivar a reflexão, o pensamento crítico, a consciência dos direitos civis, ainda que estes sejam objetivos presentes em seu discurso. Nesse processo, a educação cumpre um papel fundamental, já que, se ela pode contribuir para a formação crítica, ela contribui também para o adestramento alienante de gerações e gerações.
Assim, quando uma teoria-prática educacional se apresenta como tecnicamente mais adequada, válida por si mesma, necessariamente ela está ocultando suas reais vinculações. Ou seja, está a serviço de processos ideológicos que se constituem justamente neste processo de ocultamento da realidade, por meio da criação de representações que se apresentam como universais e necessárias, mas que, de fato, dizem respeito a interesses

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