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Aula 3: 16 de abril 3-1
Curso: Relatividade 01/2018
Aula 3: 16 de abril
Profa. Raissa F. P. Mendes
3.6 Derivada covariante
O objetivo dessa aula é discutir a noção de derivada de tensores em espaços-tempos arbitrários.
Derivar implica comparar objetos em pontos próximos (no limite em que os pontos se aproximam).
No entanto, vimos que a definição de tensores em espaços curvos é local: apenas num ponto é
leǵıtimo operar (adicionar, subtrair, multiplicar por escalar, tomar o produto interno) com tensores.
Qual é o procedimento para se derivar um campo vetorial no espaço plano? Consiste em carregar o
vetor que caracteriza o campo num ponto x+ � até o ponto x e, ali, realizar a subtração e o limite
que entram na definição da derivada. Esse procedimento de transporte paralelo é trivial em espaços
planos: basta definir, no ponto x, o vetor que tem a componentes (Vx(x + �), Vy(x + �)). Mais
precisamente, a equação que define o transporte paralelo ao longo de uma curva parametrizada por
λ é dada por
0 =
d
dλ
~V =
dxµ
dλ
∂~V
∂xµ
= (~u · ∇)~V ,
onde ~u é o vetor tangente à curva. No espaço plano, o procedimento de transporte paralelo não
depende do caminho por onde é feito. De fato, existe uma noção global de paralelismo, codificada
em ∂µV
ν = 0 (ou seja, manter as componentes do vetor constantes). Por isso que é tão simples
falarmos em derivadas.
Em espaços curvos, vamos ver que ainda podemos definir uma noção de transporte paralelo, mas essa
noção em geral dependerá do caminho. Portanto, não poderemos dizer que “um vetor A é paralelo
a B”, mas precisaremos adicionar “quando propagado ao longo da curva C”. A nossa discussão nos
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levará a uma nova definição de derivada e abrirá caminho para discutirmos, na próxima aula, a
noção de geodésicas, as linhas de mundo de part́ıculas livres.
Para começar, vamos retomar o que já vimos sobre derivadas no espaço-tempo de Minkowski.
Considere um campo vetorial ~V , que pode ser escrito como ~V = V µ~eµ, onde V
µ são funções
da posição. Suponha que queremos calcular a taxa de variação do vetor ao longo de uma curva
parametrizada por um parâmetro λ. Temos:
d~V
dλ
= lim
∆λ→0
~V (λ+ ∆λ)− ~V (λ)
∆λ
.
Uma vez que a base de vetores é a mesma em todos os lugares, ~eα(λ+ ∆λ) = ~eα(λ), segue que
d~V
dλ
=
(
dV α
dλ
)
~eα,
onde dV α/dλ = Uβ∂βV
α, com ~U o vetor tangente à curva. Temos, portanto: d~V /dλ = (∂βV
α~eα)U
α.
Definimos o tensor ∇~V = ∂βV α~eα ⊗ ω̃β, o gradiente de ~V , a partir do qual podemos obter
a derivada direcional de ~V ao longo de uma curva com vetor tangente ~U simplesmente como:
d~V /dλ = ∇~V ( , ~U).
Algo, na discussão acima, é muito particular a um sistema cartesiano no espaço-tempo plano e
deixa de valer em sistemas de coordenadas curviĺıneos e em espaços curvos: os vetores de base não
precisam ser os mesmos em toda a variedade! Vamos ver um exemplo.
3.6.1 Aquecimento: Derivadas em coordenadas polares
Imagine um campo vetorial ~V , decomposto em coordenadas cartesianas como ~V = V a~ea, onde a
toma valores 1 e 2, com x1 = x, x2 = y, ou em coordenadas polares, ~V = V a
′
~ea′ , onde x
1′ = r e
x2
′
= θ. Queremos calcular a derivada desse campo vetorial ao longo de uma curva parametrizada
por λ, com vetor tangente ~U . Temos, em coordenadas cartesianas:
d~V
dλ
=
d(V a~ea)
dλ
=
dV a
dλ
~ea = U
β(∂βV
a)~ea
E em coordenadas polares? A grande diferença está no fato de que os vetores de base em coorde-
nadas polares podem mudar ao longo da curva! Temos:
d~V
dλ
=
d(V a
′
~ea′)
dλ
=
dV a
′
dλ
~ea′ + V
a′ d~ea′
dλ
= U b
′
(∂b′V
a′)~ea′ + V
a′U b
′
(∂b′~ea′)
Note que a derivada do vetor de base deve ser, ela mesma, um vetor, e este deve poder ser expandido
em termos dos próprios vetores de base! Ou seja, podemos definir campos Γc
′
a′b′ tais que
∂b′~ea′ = Γ
c′
a′b′~ec′ .
Em Γcab, o ı́ndice a dá o vetor de base que está sendo derivado, b diz a coordenada em termos da
qual estamos derivando e c denota a componente do vetor derivada resultante. Vamos calcular esses
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coeficientes explicitamente no caso de coordenadas polares. Sabemos que ~er = cos θ~ex + sin θ~ey e
~eθ = −r sin θ~ex + r cos θ~ey. Portanto:
∂~er/∂r = 0 → Γcrr = 0
∂~er/∂θ = − sin θ~ex + cos θ~ey = (1/r)~eθ → Γrrθ = 0, Γθrθ = 1/r,
∂~eθ/∂r = − sin θ~ex + cos θ~ey = (1/r)~eθ → Γrθr = 0, Γθθr = 1/r,
∂~eθ/∂θ = −r cos θ~ex − r sin θ~ey = −r~er → Γrθθ = −r, Γθθθ = 0.
Com isso, podemos escrever:
d~V
dλ
= U b
′
(∂b′V
a′~ea′ + Γ
c′
a′b′V
a′~ec′) = U
b′(∂b′V
a′ + Γa
′
c′b′V
c′)~ea′ = U
b′∇b′V a
′
~ea′ = U
b′V a
′
;b′~ea′
Definimos um tensor do tipo ( 11 ), a derivada covariante ∇~V , com componentes ∇bV a = V a;b =
∂bV
a + ΓacbV
c. Em coordenadas cartesianas, ∇bV a = ∂bV a, mas num sistema de coordenadas cur-
viĺıneo, vimos que haverá termos extra que vêm do fato de os vetores de base não serem constantes.
Antes de prosseguirmos, vamos ver como esse formalismo nos permite calcular fórmulas conhecidas
para o gradiente de um vetor e o laplaciano de uma função. Em coordenadas cartesianas, o
divergente de um vetor é simplesmente ∂aV
a. Em um sistema de coordenadas qualquer, o divergente
será o resultado da contração ∇a′V a
′
. Em coordenadas polares, temos, portanto,
∇a′V a
′
= ∂a′V
a′ + Γa
′
c′a′V
c′ = ∂rV
r + ∂θV
θ + (1/r)V r,
que é a fórmula conhecida. Da mesma forma, podemos calcular o laplaciano de uma função, que
nada mais é que o divergente do (vetor) gradiente da função. Vimos que o vetor gradiente tem
componentes ~dφ→pol (∂rφ, ∂θφ/r2). Portanto, o Laplaciano é dado por
∇2φ = 1
r
∂
∂r
(
r
∂φ
∂r
)
+
1
r2
∂2φ
∂θ2
.
3.6.2 Caso geral
Voltemos ao espaço-tempo! Vamos imaginar que um sistema de coordenadas {xµ} cobre a nossa
variedade, de modo que, em cada ponto, podemos definir vetores de base da forma discutida na
aula passada. A derivada de um vetor ao longo de uma curva (parametrizada por λ, com vetor
tangente ~U) pode ser escrita como
d~V
dλ
= Uν(∇νV µ)~eµ = Uν(∂νV µ + ΓµγνV γ)~eµ
Novamente, introduzimos os Γ’s, que vamos chamar de coeficientes conexão, por meio de ∂ν~eµ =
Γγαβ~eγ . De forma equivalente, esses coeficientes de conexão representam as componentes do tensor
∇~eβ, ou seja, ∇α(~eβ)γ = ∂α(~eβ)γ + Γγαρ(~eβ)ρ = Γγαβ. A prinćıpio, a conexão é uma estrutura a mais
na nossa variedade. No entanto, na Relatividade Geral, veremos que ela é inteiramente descrita
pela métrica. Antes de mostrarmos isso, vamos responder duas perguntas: (i) qual é a derivada
covariante de um tensor arbitrário? (ii) Como a conexão e a derivada covariante se transformam
sob uma mudança de coordenadas?
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3.6.2.1 Derivada covariante de tensores arbitrários
Qual é a derivada covariante de uma função escalar? A derivada covariante difere da derivada
parcial por causa da mudança nos vetores de base. Mas um escalar não depende de vetores de base:
temos, simplesmente, ∇αf = ∂αf e ∇f = d̃f .
E para uma 1-forma? Dado um campo de 1-formas p̃ e um campo vetorial ~V , podemos construir
a função escalar φ = p̃(~V ) = pαV
α. Derivando, obtemos:
∂βφ = V
α∂βpα + pα∂βV
α = V α∂βpα + pα∇βV α − pαV µΓαµβ.
Por outro lado, isso deve ser igual a
∇βφ = (∇βpα)V α + (∇βV α)pα.
Temos, portanto, que
∇βpα = ∂βpα − Γµαβpµ.
Esse mesmo procedimento pode ser generalizado para obtermos a derivada de um tensor de qualquer
tipo. Por exemplo, temos:
∇βTµν = ∂βTµν + Tαν Γ
µ
αβ − T
µ
αΓ
α
νβ .
3.6.2.2 Lei de transformação da conexão
Como vimos, os coeficientes Γγαβ são componentes do tensor ∇~eβ. Aqui, β está fixo e γ e α são
os ı́ndices das componentes. Mudar β muda o tensor, ao passo que mudar γ e α apenas muda as
componentes do tensor em questão. Agora, essa interpretação da conexão não é tão útil porque
quando mudamos as coordenadas, as quantidades importantes nesse novo sistema são ∇~eβ′ , que
são obtidos a partir de ∇~eβ de um jeito complicado:
Γγ
′
α′β′= ∇α′(~eβ′)
γ′ = Λαα′Λ
γ′
γ ∇α(~eβ′)γ = Λαα′Λγ
′
γ ∇α(Λ
β
β′~eβ)
γ = Λαα′Λ
γ′
γ Λ
β
β′Γ
γ
αβ + Λ
α
α′Λ
γ′
γ ∂αΛ
γ
β′ .
Portanto, embora Γγαβ, com β fixo, possam ser vistos como componentes de um tensor (
1
1 ), eles
não podem ser vistos, com β variando, como componentes de um tensor ( 12 ). Note, porém, que a
derivada covariante de um vetor é sim um tensor do tipo ( 11 ) e, em geral, a derivada covariante de
um tensor do tipo (MN ) é um tensor do tipo (
M
N+1 ). Vamos mostrar isso para o caso de vetores:
∇µ′V ν
′
=∂µ′V
ν′ + Γν
′
µ′λ′V
λ′
=
(
Λµµ′Λ
ν′
ν ∂µV
ν + Λµµ′V
ν∂µΛ
ν′
ν
)
+ Λλ
′
λ
(
Λν
′
ν Λ
µ
µ′Λ
ρ
λ′Γ
ν
µρ + Λ
ν′
ν Λ
µ
µ′∂µΛ
ν
λ′
)
V λ
=Λµµ′Λ
ν′
ν (∂µV
ν + ΓνµλV
λ) + Λµµ′V
ν∂µΛ
ν′
ν − V λΛν
′
ν Λ
ν
λ′Λ
µ
µ′∂µΛ
λ′
λ
=Λµµ′Λ
ν′
ν (∂µV
ν + ΓνµλV
λ) = Λµµ′Λ
ν′
ν ∇µV ν .
Essa é a lei de transformação esperada.
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3.6.2.3 Relação dos coeficientes de conexão com a métrica
O véıculo que nos leva da mecânica clássica à mecânica quântica é o prinćıpio da correspondência.
De forma semelhante, o véıculo entre um espaço-tempo plano e um espaço-tempo curvo é o prinćıpio
da equivalência: as leis da f́ısica são as mesmas num referencial local de Lorentz num espaço-
tempo curvo e num referencial global de Lorentz no espaço-tempo plano. A ideia é, portanto,
carregar a noção de transporte paralelo do espaço-tempo de Minkowski a um referencial local de
Lorentz (RLL). Num RLL constrúıdo ao redor de um ponto P , os vetores de base não mudam de
ponto a ponto (usando a noção usual de transporte paralelo para compará-los). Portanto, num
RLL, temos que ∇~eβ̂ = 0 em P , ou seja, Γ
γ̂
α̂β̂
(P ) = 0, com os chapéus indicando esse sistema
de coordenadas espećıfico. Temos, portanto, que a conexão se anula em P no referencial local de
Lorentz constrúıdo nas vizinhanças desse ponto. Portanto, nesse referencial, derivadas covariantes
se reduzem a derivadas parciais. Vamos mostrar duas consequências importantes disso:
• Temos, para o tensor métrico:
∇γ̂gα̂β̂ = ∂γ̂gα̂β̂ = 0,
pois, como vimos na aula passada, o RLL é definido como aquele em que a métrica num ponto
se reduz a diag(−1, 1, 1, 1) e as derivadas primeiras da métrica no ponto se anulam.
Agora, essa expressão reflete uma expressão tensorial (∇g = 0) que, se é válida num sistema
de referência (no caso, um referencial local de Lorentz), precisa ser válida em qualquer outro8!
Temos:
∇γgαβ = 0 em qualque base! (3.2)
Essa condição às vezes é chamada de condição de compatibilidade da conexão com a métrica.
• Considere uma função φ arbitrária. Sua primeira derivada ∇φ é uma 1-forma com compo-
nentes ∂αφ. Sua segunda derivada é um tensor do tipo ( 02 ), com componentes ∇α∂βφ. Agora,
num referencial local de Lorentz, temos que isso se reduz a
∇α̂∇β̂φ = ∂α̂∂β̂φ = ∂β̂∂α̂φ = ∇β̂∇α̂φ
Novamente, a equação ∇α̂∇β̂φ = ∇β̂∇α̂φ é uma equação tensorial e, se é válida num sistema
de referência, precisa ser válida em qualquer outro. É fácil mostrar que essa condição implica
que
Γγαβ = Γ
γ
βα.
Essa condição às vezes é chamada de condição de torção nula. Dada uma conexão, definimos
a torção justamente como a parte antissimétrica da conexão: T γαβ = Γ
γ
αβ − Γ
γ
βα, que é nula
em Relatividade Geral.
A condição de compatibilidade entre a conexão e a métrica e a condição de torção nula são suficientes
para nos permitir escrever a conexão em termos da métrica. Para isso, escrevemos a condição de
8A afirmação geral é: se uma equação é formada usando componentes de tensores combinados por operações
tensoriais válidas, e se ela vale em uma certa base, então ela vale em qualquer outra. É importante se convencer
disso!
compatibilidade para três permutações de ı́ndices:
∇ρgµν = ∂ρgµν − Γλρµgλν − Γλρνgµλ
∇µgνρ = ∂µgνρ − Γλµνgλρ − Γλµρgνλ
∇νgρµ = ∂νgρµ − Γλνρgλµ − Γλνµgρλ
Subtraindo a segunda e a terceira linhas da primeira, e usando a simetria da conexão, obtemos
∂ρgµν − ∂µgνρ − ∂νgρµ + 2Γγµνgγρ = 0. Resolvendo para a conexão, obtemos:
Γσµν =
1
2
gσρ(∂µgνρ + ∂νgρµ − ∂ρgµν) (3.3)
Essa conexão é também chamada conexão de Levi-Civita, e seus coeficientes são também chamados
de śımbolos de Christoffel. É fácil voltar ao nosso exemplo do plano em coordenadas polares e
confirmar que a expressão acima, calculada para a métrica diag(1, r2), nos dá os coeficientes de
conexão que calculamos anteriormente!
3-6
	Derivada covariante
	Aquecimento: Derivadas em coordenadas polares
	Caso geral
	Derivada covariante de tensores arbitrários
	Lei de transformação da conexão
	Relação dos coeficientes de conexão com a métrica

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