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5 Globalização e Comportamento Alimentar

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Globalização e Comportamento Alimentar
1. Globalização no processo alimentar
Contextualizando a contemporaneidade
As grandes navegações podem ser apontadas como um dos primeiros movimentos da história que impulsionaram a globalização, na medida em que permitiram um fluxo de comunicação e troca alimentar em escala global. A partir dela, tivemos importantes desdobramentos que nos ajudam a entender fenômenos da atualidade. Por isso, é interessante apontarmos alguns processos e transformações da história da alimentação nos últimos anos que nos dão ferramentas de compreensão do hoje.
Com o fim das Guerras Mundiais, a tecnologia nas áreas da química, mecânica e biológica precisaram ser canalizadas para um novo setor. Com isso, as pesquisas no campo da agropecuária e da alimentação cresceram vertiginosamente. A ideia era desenvolver tecnologias no campo que pudessem ser utilizadas em quaisquer condições climáticas e de solo.
Dessa forma, grandes fundações, principalmente norte-americanas, utilizaram países periféricos como laboratórios para o desenvolvimento de tecnologia no campo.
A partir desse movimento, houve uma transformação do fluxo produtivo do campo, com a entrada cada vez mais massiva de maquinário, fertilizantes e agrotóxicos, que tinham o objetivo de melhoramento na produção. Esse movimento é chamado de Revolução Verde.
Como justificativa, havia a difusão da ideologia de que a fome estava associada à falta de alimentos, com isso, o aumento da eficiência na produção agrícola seria o melhor caminho de resolver a fome. Todavia, estudos posteriores mostraram que o problema da fome está menos associado à falta de alimentos e, de fato, está relacionado à má distribuição e ao consumo predatório das culturas capitalistas ocidentais. Além disso, o aumento progressivo do uso de agrotóxicos e fertilizantes acabaram por gerar uma transferência progressiva destes venenos para nossas mesas, sem a transparência e o conhecimento preciso dos impactos na saúde humana.
Com diversas leis e incentivos governamentais, em diversas partes do mundo, agricultores foram substituindo sementes, maquinários e toda cultura produtiva no campo por um modelo de produção em larga escala que se apresentava como mais rentável, mas que não tinha ainda garantias em relação aos impactos na saúde humana e na segurança alimentar e nutricional. Hoje, cada vez mais, vemos o desaparecimento das sementes crioulas, ou nativas, em função do uso das sementes híbridas que precisam ser adquiridas a cada novo ciclo de plantio destas grandes empresas.
Outro processo contemporâneo relativo à produção agrícola diz respeito aos alimentos transgênicos. Isso pode tanto modificar as características organolépticas do alimento (características gerais de um alimento percebidas pelos sentidos: visão, olfato, paladar, audição e tato) quanto torná-lo mais resistente, mais visualmente atraente, enfim, a transgenia em um alimento permite modificações por meio da genética.
Há uma grande disputa em relação à legislação de alimentos transgênicos. Tanto em relação às permissões, quanto no tocante às informações nos rótulos que permitem ao consumidor a identificação da presença de elementos transgênicos nos produtos. Isso porque não há, ainda, consenso entre os cientistas em relação aos benefícios e malefícios desses alimentos geneticamente modificados para a saúde humana.
Vale destacar que nossa legislação atual desautorizou a obrigatoriedade de notificação dos rótulos da presença de alimentos transgênicos nos produtos, enquanto nutricionistas acreditam que a compreensão sistêmica sobre a alimentação é pauta fundamental deste campo científico. Não devemos olhar para alimentação apenas na dimensão do consumo, mas ter a compreensão de todos os processos que envolvem o comer, da terra ao descarte, passando pela distribuição e consumo.
O Brasil acompanhou toda essa movimentação de transformações no campo. Tais ideologias ganharam força a partir dos anos 1960 e cresceram durante o período do regime militar, sendo responsáveis por um novo movimento de interiorização do país durante esse período. Com isso, as regiões Centro Oeste e Norte foram sendo progressivamente ocupadas pela monocultura latifundiária da agropecuária, predominantemente voltada para exportação. O problema disso foi que, no Brasil, assim como na maioria dos países periféricos, a opção pela adoção da modernização no campo no modelo norte-americano da Revolução Verde teve como principal característica, além da manutenção dos latifúndios, uma associação entre o setor agrícola e a indústria de alimentos.
Dessa forma, a maior parte da produção agrícola brasileira não era destinada ao abastecimento alimentício interno, mas voltada para a exportação e para a indústria alimentícia. Assim, durante o período militar, a agricultura brasileira se modernizou de maneira conservadora e formou a chamada cadeia carne-grãos, que consiste na produção massiva de soja e milho para atender à produção de carnes (ração animal) e à indústria de alimentos ultraprocessados. Essa organização perdura até hoje e traz inúmeros problemas para nosso país.
O principal deles é a fome, que nunca foi resolvida com esse modelo de modernização, embora o discurso da “Revolução Verde” fosse esse.
O grande pesquisador Josué de Castro foi um dos primeiros pensadores brasileiros a se debruçar sobre a problemática da fome e da segurança alimentar no Brasil. Ele é considerado um dos pais da Nutrição. Em seu famoso livro Geografia da Fome (1946), Josué de Castro analisou a problemática da fome no Brasil identificando áreas onde a fome se apresentava de diferentes formas. Observe no mapa:
Ainda em 1946, Josué já apontava caminhos para o entendimento e enfrentamento da fome, bem como para a promoção da segurança alimentar e nutricional de forma a considerar as especificidades de cada região do Brasil:
O estudo de Josué de Castro destacou ainda os principais insumos consumidos das regiões analisadas por ele, e foi um dos guias para a formulação das primeiras políticas de segurança alimentar e Nutricional no Brasil. Nos debruçamos sobre a questão agrária no Brasil e a correlacionamos com o problema da fome, porque a concentração fundiária restringe o acesso à terra, prejudica a diversificação da produção e ainda amplia os conflitos, tanto com comunidades indígenas e quilombolas, quanto com pequenos proprietários da terra.
Vivemos um momento de extinção de nossas sementes nativas e a perda dos saberes tradicionais ligados ao cultivo da terra. Temos ainda conflitos legislativos em torno da permissão do uso de determinados agrotóxicos, como o Clorpirifós® e Clorotalonil®, proibidos em outras partes do mundo por danos neurológicos aos humanos, que variam de acordo com as ocupações partidárias do poder legislativo e executivo federal.
Percebemos, então, que as disputas que acontecem em todo mundo não são diferentes no Brasil, visto que o setor agrícola é uma área econômica que movimenta bilhões. Um dos grandes motivos deste crescimento foi o desenvolvimento cada vez maior da tecnologia dos alimentos, que culmina na produção de produtos alimentícios cada vez mais sintéticos.
Alimentação contemporânea
Gênero e trabalho
Não foi só a tecnologia e a pesquisa científica que cresceram e se transformaram a partir das Guerra Mundiais, trazendo mudanças para o cenário alimentar mundial. As relações de gênero e trabalho também foram drasticamente modificadas a partir das Guerras. Cada vez mais as mulheres passaram a ocupar postos de trabalho e as relações familiares ganharam novos ritmos.
Isso gerou um impacto na produção industrial de alimentos que procurou se adaptar às novas demandas de alimentação, buscando desenvolver produtos que atendessem às novas demandas de tempo mais reduzido no preparo das refeições. Com isso, os produtos ofertados nas gôndolas dos mercados foram ficando cada vez mais instantâneos. Até as refeições fora de casa passaram a ganhar versões “para viagem”, tudo isso movido pelas novas configurações da vida contemporânea. Consequentemente,os hábitos alimentares foram se adaptando a esses novos produtos. Veja alguns exemplos:
Paralelo ao crescente consumo de alimentos industrializados, na década de 1960, surgiu um movimento de contracultura, que pregava o consumo consciente e o retorno a uma alimentação mais natural, um contato maior com a natureza e os saberes tradicionais. Esse movimento que nasceu nos EUA, mas ganhou o mundo, ficou conhecido como Movimento Hippie. Os hippies não eram só homens cabeludos e mulheres que não se depilavam e pediam a paz e o amor. A ideologia do movimento também estava preocupada com o crescente consumo de agrotóxicos e industrializados e com o resgate do contato com um campo, anterior ao movimento de Revolução Verde.
Entretanto, apesar da existência de movimentos de contestação e resistência, o fato é que a associação entre a produção agrícola e a indústria de alimentos cresceu cada vez mais ao longo da história, tornando-a uma das maiores indústrias mundiais. Um dos grandes motes desse crescimento foi o desenvolvimento cada vez maior da tecnologia de alimentos, que culmina na produção de produtos alimentícios cada vez mais sintéticos. Esses produtos contêm cada vez menos ingredientes in natura e cada vez mais aditivos químicos, conservantes artificiais e alta concentração de substâncias, como: sal, açúcar e gorduras. São produtos com maior durabilidade, sabor, textura e aromas artificialmente atrativos, mas com menor valor nutricional. A partir da classificação dos alimentos proposta pelo mais recente Guia Alimentar para a População Brasileira (2014), esses tipos de produtos são os chamados alimentos ultraprocessados.
Alimentação
Guia alimentar
O Guia Alimentar para a População Brasileira surgiu em 2014, elaborado por um grupo de profissionais de diferentes áreas da medicina, nutrição e ciências sociais, com o objetivo de apresentar uma normativa de orientações para alimentação saudável à população brasileira.
Além da nova proposta de categorização dos alimentos in natura ou minimamente processados e ultraprocessados, o Guia traz também propostas de valorização da prática culinária, da comensalidade e respeito à diversidade cultural alimentar do Brasil em suas propostas de cardápio.
Como nutricionista, você aprenderá a ler e a elaborar rótulos de alimentos. Segundo o Guia, uma dica muito boa para se reconhecer um alimento ultraprocessado é verificar a quantidade de ingredientes com nomes impronunciáveis, além de concentrações relevantes de açúcares, sal e gorduras que o alimento apresenta na descrição de composição de seus rótulos. Contudo, a legislação de rotulagem no Brasil, em associação com os lobbys da indústria alimentícia, procura dificultar cada vez mais o entendimento do que contém nos alimentos. Para isso, investem em embalagens atrativas, que trazem mensagens de que o produto é caseiro, ou natural, ou ainda nutritivo. A questão da rotulagem, inclusive, tem sido um dos desafios atuais em relação ao combate ao consumo de ultraprocessados.
Entretanto, paralelo a isso, essa indústria alimentícia vem desenvolvendo estratégias de distribuição destes produtos ultraprocessados, que consistem na entrega e venda direta a todo tipo de estabelecimento de comércio de gêneros alimentícios, nos rincões mais distantes do mundo. Sobre essa estratégia de distribuição, precisamos refletir: se os estudos mostram que o problema da fome e desnutrição está associado ao acesso aos alimentos e essa indústria leva esses produtos atrativos e a preços baixos para onde os alimentos in natura nem sempre chegam, que resultados poderemos obter?
A resposta a essa pergunta é o diagnóstico atual dos problemas nutricionais do país: fome/desnutrição, ao mesmo tempo que sobrepeso/obesidade. Trata-se de uma realidade crescente nos países periféricos, pois, além do crescimento progressivo do consumo de alimentos ultraprocessados, a contemporaneidade trouxe a exportação de hábitos de consumo alimentar fora do lar. Esses hábitos foram inspirados no modelo norte-americano: os chamados fast foods.
Nascidos como variantes das comidas para viagem, os fast foods consistem em refeições rápidas, altamente gordurosas e de baixa qualidade nutricional, mas com diversos aditivos que conferem textura, aroma e sabor atraentes. Esse hábito alimentar passou a ser exportado como algo moderno e descolado, o que garante o sucesso de vendas destes gêneros alimentícios em quase todo mundo, influenciado pela cultura ocidental, principalmente norte-americana.
Podemos concluir que o avanço desse movimento vem promovendo o que chamados de pasteurização da alimentação, ou seja, cada vez mais a alimentação em diferentes lugares do mundo vai se tornando semelhante, homogênea.
A propaganda é um dos grandes combustíveis fundamentais pra esse processo, criando o desejo e introduzindo novas estratégias de marketing, que inclui acomodações situacionais de receitas de acordo com algumas características da cultura local, como modificar alguns dos ingredientes dos sanduiches de acordo com a cultura alimentar onde se instala, no sentido de criar pontes de identificação local.
A Gastronomia, por meio do processo de mundialização de um estilo europeu de comer ligado à construção de um conceito de “alta comida”, vende uma ideia de refinamento e acabou levando diversos lugares do mundo a reproduzirem esse referencial de “sofisticação alimentar”. Países como França e Itália promoveram seus referenciais alimentares, muitas vezes, por meio da apropriação de insumos de outros lugares do mundo, deslocando-os dos saberes e significados simbólicos de seus coletivos culturais tradicionais. Esse movimento, assim como o fast food, também contribuiu para o processo de pasteurização alimentar, na medida em que homogeneizou sabores e saberes de diferentes técnicas culinárias. Em resumo, podemos dizer que as referências francesa e italiana provocaram uma civilização de sabores do mundo, uma colonização dos gostos.
Encabeçado e idealizado pelo pesquisador Carlos Petrini, esse movimento surge como reação ao fast food, com a proposta de desaceleração do comer e um retorno a formas tradicionais de produção, distribuição e relacionamento da alimentação.
O slow food é um projeto comprometido com a preservação da biodiversidade e a defesa do trabalho de pequenos produtores, pensando e defendendo o olhar para alimentação em uma perspectiva sistêmica, em uma dimensão política, cultural e socioambiental. Além disso, eles defendem a desaceleração do ritmo da vida, principalmente em relação à alimentação. Não mais comer andando, no deslocamento de um lugar para o outro, mas comer pausado, com atenção ao consumo e com dedicação de tempo ao preparo.
_______________________________________________________________________________
2. Comportamento alimentar
Conceitos 
Alimentação
Neste módulo, partimos do conceito de globalização e seus desdobramentos no comportamento alimentar. Podemos dizer que a globalização é um dos processos de aprofundamento da integração econômica, social, cultural e política, que vêm impulsionando o mundo, principalmente considerando as facilidades de transporte e difusão de informações, produtos e interação entre as pessoas.
A pasteurização da alimentação foi um dos desdobramentos da globalização, mas, além disso, fez com que a alimentação atual venha passando por um processo de distanciamento humano em relação aos alimentos. Na prática, isso significa dizer que cada vez menos as pessoas têm o entendimento da origem, destino e dos processos que envolvem a alimentação de forma sistêmica.
Em decorrência de novas demandas geradas pelo modo de vida urbano, é imposta ao comensal a necessidade de reequacionar sua vida conforme as condições das quais dispõe:
As soluções foram capitalizadas pela indústria e pelo comércio, apresentando alternativas adaptadas às condições urbanas e delineando novas modalidades na forma de comer, o que, certamente, contribui para mudanças no consumo alimentar.
Outro ponto importante para pensar a relação entre globalização e alimentaçãoversa sobre a crescente preocupação com o desaparecimento de saberes, hábitos e práticas culturais dos povos tradicionais. Buscando frear esse processo e preservar as diversas especificidades regionais do mundo a partir dos anos 1990, a UNESCO passou a salvaguardar esses saberes como patrimônios imateriais.
Quando a UNESCO cria a possibilidade de salvaguardar patrimônios imateriais, povos e saberes tradicionais passam a ter a possibilidade de serem vistos como novos sujeitos de direito. Ao mesmo tempo em que a comida é vista como patrimônio, também se configura como um espaço de disputa ideológica.
Identidade cultural
Alimentação e patrimônio
Povos tradicionais são designações coletivas de povos que se autodefinem a partir de seus valores, elementos e tradições culturais em comum. São grupos culturalmente diferenciados que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução:
Esses povos são constituídos em função de conhecimentos, saberes e práticas gerados e transmitidos pela tradição coletiva. A manutenção de seus valores fundamentais é, por si só, uma ruptura com a atitude colonialista homogeneizante, fortalecida pela globalização. Exemplos de povos tradicionais:
Cultura é o conjunto de signos, costumes e hábitos transmitidos e compartilhados por determinados grupos sociais, elementos que os conferem identidade. Quando se trata de alimentação, estamos falando sobre a cultura alimentar de um povo que não é algo estático, mas está em constante diálogo entre transformações e permanências. Diante da crescente homogeneização dos hábitos alimentares, como preservar culturas alimentares tradicionais? Como garantir a autenticidade desses saberes?
As culturas alimentares tradicionais de determinadas regiões e povos tradicionais constituem patrimônios imateriais. Em diferentes lugares do mundo, estão crescendo movimentos em prol do tombamento dos hábitos tradicionais de alimentação. Isso significa dizer que há uma escolha de elementos emblemáticos ou mais característicos dessa cultura alimentar. Assim, o conjunto desses elementos dão corpo à cultura alimentar e por meio de sua representatividade tradicional e fidelidade histórico-cultural, passam a compor um referencial identitário. Ou seja, a cultura alimentar é também um elemento de identidade de um povo.
A importância dessa vinculação entre o que se come e quem preserva os saberes em torno desse comer é fundamental para que não haja um processo de folclorização dessa comida, com o progressivo deslocamento dos ingredientes ou preparos em relação aos povos que os constituem.
Podemos dizer que a tradição é um resquício do passado, capaz de conservar ao longo do tempo elementos identitários de grupos culturais. O caráter dinâmico da cultura permite ressignificações ao longo do tempo a partir das diferentes influências socioculturais externas que sofrem. A cultura imaterial é um objeto vivo, em que práticas e manifestações culturais são combinadas, apropriadas e ressignificadas ao longo da história. No entanto, é possível a preservação de seus signos culturais fundamentais por meio da salvaguarda como patrimônio imaterial, desde que associada aos povos tradicionais que as compõe.
Contemporaneidade
Tendências
A palavra “contemporâneo” designa quem ou o que partilha o mesmo tempo e faz referência ao período atual. Sendo assim, podemos dizer que contemporâneo se refere à alimentação do nosso tempo presente. Relaciona-se o que é mais recente ao que está mais próximo de nós, ou ainda o que tem tendência a inovações ainda não consagradas pelo uso.
A palavra “tendência” também é amplamente utilizada quando o assunto é alimentação contemporânea. Podemos ainda entender como uma inclinação ou preferência por determinadas coisas.
O termo também permite fazer referência à força que imprime determinado movimento ou orientação. Além disso, tendência alimentar também é usado como sinônimo de moda, no sentido de se tratar de uma espécie de mecanismo social que regula as escolhas das pessoas. Uma tendência é um estilo ou um costume que marca uma época determinada ou uma localidade. Podemos, então, definir tendência gastronômica contemporânea, como:
·	Movimento criativo e inovador que começa a refletir os anseios da sociedade e seus desejos de mudança relacionada ao futuro da gastronomia.
·	Determinação de novos padrões de condutas e comportamentos que serão seguidos. Cria-se estilo e direcionamento aos profissionais da área que se apresentam como experimentadores e reguladores dos ideais gerados, a fim de estabelecer padrões que beneficiem o mercado vigente.
·	Cozinha contemporânea, cozinha atual ou cozinha criativa. Movimento que denota que comida, moda e tendências se alternam entre diferentes experimentos de se realizar pratos. Tipos de culinária são absorvidos e criados, visando atender às demandas sociais da atualidade.
Podemos dizer que dois grandes elementos caracterizadores das tendências gastronômicas contemporâneas são a globalização e a regionalização. Busca-se referenciar, ao mesmo tempo, a cozinha do próprio país e suas raízes, com a combinação de elementos da culinária de povos diferentes. Destaque recente para a comida japonesa, tailandesa, mexicana, peruana e turca, em muitos lugares, além dos restaurantes ditos típicos, simplesmente misturando-se às comidas locais.
Um restaurante brasileiro do tipo buffet pode ser um bom exemplo: ele oferece sushi, prato típico da culinária japonesa, ao mesmo tempo que oferece pratos de culinárias típicas do Brasil, como um feijão tropeiro, um bobó de camarão e até mesmo um churrasco à gaúcha.
Apesar de muito termos falado sobre hábitos alimentares urbanos, é importante ressaltar que a influência de um novo padrão de alimentação, trazido pela globalização, também alcançou as populações que vivem nas áreas rurais.
É fundamental que os futuros profissionais de saúde saibam disso, pois a zona rural também precisa ser compreendida como uma das áreas de abrangência de seu trabalho. Infelizmente, quando olhamos para os hábitos alimentares do campo, percebemos que, embora conectados à terra, muitos agricultores tendem a não consumir mais os alimentos da sua produção. Isso tem uma conexão direta com as estratégias de distribuição adotadas pela indústria de ultraprocessados que apontamos no módulo anterior.
Assim, diversas famílias de agricultores vêm mudando seus hábitos e, ao invés de consumir os produtos in natura, passaram a apenas comercializá-los em troca de produtos alimentícios industrializados. Com isso, os hábitos alimentares dessas regiões agrícolas vêm apresentando um padrão de consumo que mescla alimentos da terra e alimentos ultraprocessados.
Durante o último século, com o avanço da pasteurização da alimentação, podemos dizer que a diversificação de produtos, as cozinhas tradicionais, os hábitos regionais e seus pratos típicos, vêm perdendo espaço para uma cozinha mais industrial, automatizada, embalada. Isso se constitui um conceito chamado de desenraizamento da alimentação. Hoje é possível encontrar pratos típicos de qualquer parte do mundo fora de seus locais e povos originários. Além disso, os alimentos, que antes eram sazonais nos países desenvolvidos, são agora oferecidos durante todo o ano.
Na prática, podemos ver isso com a mundialização da caipirinha brasileira, ou com a possibilidade de se encontrar um blue berry, fruto tradicional do hemisfério norte, no Brasil, a qualquer momento do ano.
Modernidade
Alimentação
O conceito de modernidade alimentar sintetiza e representa os impactos que a alimentação tem sofrido em função das transformações sociais, econômicas e culturais ocorridas na sociedade contemporânea. É claro que os alimentos não se deslocam sozinhos pelos canais.
Esse fluxo é controlado por indivíduos e grupos sociais que agem de acordo com suas próprias lógicas, sejam elas:
·	Familiares
·	Religiosa
·	Econômicas
·	Profissionais
A compreensão do que representa a modernidadealimentar é um exemplo da contribuição que a sociologia e a antropologia podem oferecer para os estudos de Nutrição. Sem dúvida, o crescimento mundial da Gastronomia e sua espetacularização por meio da difusão cada vez maior de programas de TV, séries e reality shows é um grande combustível.
Tal movimento, em conjunto com a publicidade, acaba por gerar novos referenciais e elementos de desejo e consumo em torno da alimentação, além de alavancar determinadas tendências. Vivemos a era das “gourmetizações”, que não se restringem ao universo televisivo, mas incorporam e promovem novos hábitos e signos culturais.
Hoje, há um aumento expressivo do uso da expressão gourmet como distintivo de qualidade em produtos, preparações e estabelecimentos. No entanto, é claro que um olhar mais atento para estes “selos de qualidade” nos mostra que, em sua maioria, são mais uma moda contemporânea, e não uma transformação de qualidade alimentar de fato.
Outra tendência de grande relevância no campo da Nutrição é a demanda cada vez mais crescente por produtos associados a valores simbólicos de saudabilidade, os chamados produtos fit. Essa moda alimentar pode ser percebida por meio da incrementação de suplementos em alimentos tradicionais, como no caso de brigadeiros de whey protein, ou ainda no boom das chamadas “marmitas funcionais”.
O fato é que a alimentação funcional é uma tendência crescente em todo o mundo e não seria diferente no Brasil. Assim como a “moda gourmetizadora”, a “moda funcional” nem sempre está atrelada à qualidade do produto. Algumas dessas tendências alimentares podem colocar em risco a saúde, sendo esse um problema que, de certa forma, pode envolver o campo da Nutrição.
Cada vez mais cresce o número de grupos de mensagem, perfis em mídias sociais e associações comerciais que exploram estas tendências sem haver de fato uma orientação certificada de um profissional de nutrição gabaritado e, principalmente, comprometido com os princípios éticos apregoados pelo Conselho Federal que regulamenta a profissão do Nutricionista (CFN).
Prazeres à mesa
Um dos movimentos contemporâneos em relação ao comer está ligado ao crescimento das preocupações hedônicas de consumo. Podemos definir hedonismo como uma corrente filosófica que percebe no prazer um bem supremo, um objeto da vida a ser alcançado. Sendo assim:
·	A corrente hedonista está conectada à ideia difundida desde a Antiguidade de que devemos aproveitar a vida, do latim, carpe diem.
·	Nessa máxima, os indivíduos procuram cada vez mais conectar o consumo a uma busca por prazeres, construção de memória, viver uma experiência.
·	Tendência refletida em diversos aspectos da vida e, em relação à alimentação, não é diferente.
·	Muitas pessoas, então, são impulsionadas a olharem para a comida buscando a construção ou experimentação ligada ao prazer de comer.
·	A dimensão simbólica dos alimentos, como a gourmetização, ganha mais força e sentido em relação a aspectos concretos do alimentar-se.
Destaca-se o fato de que não só a construção de comidas mais sofisticadas compõe esse cenário, mas também todo um conjunto de tendências simbólicas do comer, associadas à busca pelo prazer. A vinculação de comidas a marcas e empresas específicas, a supervalorização de restaurantes e de chefs de cozinha. A contemporaneidade incorpora ao comer a ideia de estilo, marca, distinção.
Estética
Consumo e percepções contemporâneas do corpo
Além das transformações e particularidades que a contemporaneidade imprime na dimensão social ou coletiva, é importante conhecermos também os impactos e influências no âmbito individual. As novas relações de consumo trouxeram consigo novos olhares para o corpo, e mesmo operando em escala individual precisam ser entendidas em diálogo com a sociedade. São os fenômenos e as tendências contemporâneas que trazem novas estéticas de consumo.
É preciso destacar o protagonismo do corpo e a construção e reforço de padrões estéticos contemporâneos e como isso impacta na alimentação. A contemporaneidade trouxe consigo o nascimento e o crescimento da moda como uma indústria. Junto a isso, tivemos o desenho de padrões estéticos de como seriam “corpos ideais”. A problemática disso é que os seres humanos compõem uma massa heterogênea de formas, cores e características corporais. O estabelecimento de padrões referenciais estéticos não consegue contemplar essa multiplicidade. Nesse sentido:
·	A existência desses padrões cria mecanismos hierárquicos que colocam alguns corpos como “mais aceitos e valorizados” que outros.
·	Esse modelo impacta diretamente na forma como as pessoas se enxergam e projetam os desejos sobre os seus corpos e os corpos dos outros.
·	A partir disso, o culto ao “corpo ideal” e a busca por atingir um padrão estético, muitas vezes, desloca o olhar da alimentação da promoção da saúde para a expectativa estética.
O perigo desse deslocamento pode ser percebido na construção social coletiva do papel da Nutrição como um campo científico de promoção de uma alimentação que possibilite alcançar o padrão estético. Esse tipo de percepção distorcida afeta ainda o olhar para a imagem corporal do próprio profissional de Nutrição, no sentido de que, como campo que se ocupa da alimentação, deveria estar enquadrado nestes padrões estéticos contemporâneos.
É importante destacar que a estética corporal não deve ser a prerrogativa defendida e praticada pelo profissional de Nutrição, que, na verdade, é formado no compromisso com a promoção da saúde.
Além disso, esse tipo de abordagem pode contribuir para o surgimento de distúrbios alimentares. No desejo de atingir o “corpo ideal”, a alimentação balanceada, pautada nos princípios da educação alimentar e nutricional e com foco na saúde, é “substituída”, dando lugar a um modismo que pode afetar seriamente a saúde dos indivíduos. Dos distúrbios modernos relacionados à contemporaneidade, podemos destacar:
<> Ortorexia é a obsessão excessiva por uma alimentação saudável em um estágio que é considerado patológico.
À primeira vista, pode parecer estranho que uma alimentação saudável possa causar problemas de saúde, contudo, em nível patológico e sem acompanhamento nutricional, a preocupação excessiva por alimentos considerados saudáveis pode levar a importantes restrições dietéticas.
Dentre as restrições mais comuns adotadas por pacientes que manifestam esse tipo de distúrbio, podemos destacar a restrição obsessiva por alimentos que contenham corantes, aromatizantes, ingredientes geneticamente modificados, e ainda todos os tipos gorduras, muito sal ou muito açúcar. Também há o registro de distúrbios de comportamento e convívio social, tudo isso devido à preocupação excessiva com a alimentação.
<> Vigorexia é o distúrbio ligado à preocupação e à adoção excessiva de exercícios físicos no intuito de adquirir e manter um corpo musculoso e definido. Mais uma vez, essa patologia também pode parecer confusa, uma vez que exercícios físicos fazem bem à saúde. Todavia, tudo aquilo que é feito em excesso ou que tem um foco exacerbado de atenção e investimento pessoal, pode se aproximar e vir a ter características patológicas.
Geralmente, a vigorexia acomete mais indivíduos do sexo masculino. Em relação à alimentação, cabe destacar que, para atingir os objetivos do corpo musculoso desejado, a dieta destes indivíduos normalmente é modificada, com foco na hipertrofia muscular, muitas vezes, tendo a incrementação de suplementos e até mesmo anabolizantes.
A constante insatisfação com o próprio corpo, a exaustiva busca pela ideia de perfeição corporal, também leva a sérios problemas de convívio social, além do sofrimento pessoal. Assim como no caso da ortorexia, muitas vezes, as pessoas acometidas pela vigorexia, não têm um acompanhamento médico e nutricional, o que pode levar a danos à saúde.
Ambos os distúrbios são recentes e ainda não são reconhecidos pelos manuais da DSM-IV (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders), devido à falta de estudos clínicos sobre o assunto. Esses manuais listam distúrbios de saúde esão usados como referências a profissionais da área em todo o mundo.
Em virtude da novidade do reconhecimento, e por se tratarem de distúrbios ligados a elementos associados à saúde, como as práticas alimentares saudáveis e os exercícios físicos, o diagnóstico ainda é muito difícil de ser realizado.
Na outra ponta, há também os estigmas sobre corpos que estão fora do padrão. Paralelo ao aumento vertiginoso das estatísticas de obesidade no mundo, o aumento dos estigmas sobre os corpos gordos cresce no mesmo ritmo.
A gordofobia se trata de um preconceito que estrutura muitas sociedades, limitando acesso, mobilidade e empatia no olhar em relação a essas pessoas. Há um movimento crescente de resistência que defende que o peso de uma pessoa não pode embasar nenhuma ideia pré-concebida sobre ela.
Muitos profissionais de saúde atribuem a obesidade como diagnóstico fim para muitos acometimentos de pessoas gordas, antes mesmo de elaborar uma investigação clínica do paciente.
Esse quadro também tem trazido muitos prejuízos à saúde dessas pessoas. Cabe aos profissionais de saúde um olhar integral sobre esses pacientes, para além do peso.
Todos os indivíduos devem ter garantias de segurança alimentar e nutricional, acompanhamento médico e nutricional, bem como garantias socioeconômicas mínimas para uma vida digna.
_______________________________________________________________________________
Considerações finais
A contemporaneidade trouxe transformações profundas na organização social, desdobrando impactos na alimentação humana. O aumento da presença das mulheres no mercado de trabalho, a mecanização do campo, o crescimento da indústria alimentícia são alguns dos exemplos destes impactos. A alimentação também foi incorporando o ritmo acelerado de uma nova era, na qual há cada vez menos tempo para preparar nossa própria comida e até mesmo para comermos juntos.
A globalização alimentar cada vez mais crescente, capitaneada por hábitos norte-americanos de alimentação industrial, estão levando a uma pasteurização da cultura alimentar. Isso significa dizer que a cada ano que passa estamos perdendo a nossa identidade alimentar em função da imposição cultural e ideológica de hábitos contemporâneos.
Todas essas transformações têm impactos coletivos e individuas que geram distúrbios no olhar e tratamento com os corpos. O Guia Alimentar para a população Brasileira surgiu em 2014, trazendo propostas de reflexão e mudança desses hábitos contemporâneos. O que precisamos nos perguntar é o quão isso nos faz bem e o quão nos faz mal para que possamos encontrar um equilíbrio nas relações alimentares no Brasil e no mundo, com objetivo de promoção da saúde, física, mental e cultural.

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