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18/06/2023, 19:16 Cultura alimentar: concepções
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212sa/00613/index.html# 1/32
Cultura alimentar: concepções
Prof.ª Laura Eugenia Perez Freitas
Descrição
Compreensão dos conceitos de etnocentrismo, relativismo cultural, tabus, crenças e sistemas alimentares, e sua importância para o profissional da
área da Nutrição.
Propósito
As concepções de cultura alimentar e as características dos sistemas alimentares nos permite estar atentos à diversidade cultural e aos conceitos,
às crenças e valores relativos à alimentação dos pacientes, a fim de promover saúde e mudanças de hábitos alimentares de forma mais ética,
eficiente e empática.
Objetivos
Módulo 1
Conceito de cultura
Definir o conceito de cultura.
Módulo 2
Mitos, tabus e crenças
Reconhecer os mitos, tabus e crenças.
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Módulo 3
Sistemas alimentares
Identificar os sistemas alimentares.
Introdução
Neste conteúdo, você vai compreender as diferentes concepções do conceito de cultura.
A alimentação é um fenômeno biopsicossocial que vai muito além dos nutrientes, ela apresenta uma dimensão biológica, que estuda a ciência da
Nutrição, entre outras, mas também tem um aspecto relacionado ao prazer, ao desejo de comer para satisfazer algo além da fome. Esta dimensão
psicológica fica muito clara nos fenômenos de compulsão e nos transtornos do comportamento alimentar. A perspectiva social, por sua vez,
compreende a função social da alimentação, os aspectos culturais etc. Por isso, dizemos que ela é um fato biopsicossocial.
A cultura alimentar dos indivíduos molda as suas práticas e hábitos alimentares e a sua compreensão sobre o que é uma alimentação saudável.
Tais aspectos culturais estão ligados à forma como o indivíduo se desenvolve no decorrer da sua existência. São crenças, valores e representações
sobre a comida que definem a visão das pessoas sobre a alimentação.
Com objetivo de transformar comportamentos e promover saúde e bem-estar, o profissional da área de Nutrição deve estar em constante
agenciamento com os aspectos culturais da alimentação de seus pacientes e/ou público-alvo. Para isso, ele precisa compreender a definição desse
conceito e seus múltiplos desdobramentos.
1 - Conceito de cultura
Ao �nal deste módulo, você será capaz de de�nir o conceito de cultura.
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Conceito de cultura na história
De�nição
A palavra cultura vem do latim e significa cultivar, tratar (Ferreira, 1999). Com este mesmo significado da palavra em latim, cultura se refere a tudo
que é cultivado pelo homem. Falamos em cultura de soja, em cultura de bactérias ou em cultura de subsistência.
Cícero (106-43 a.C.), cônsul da República romana, fala em cultura animi, que seria o cultivo do espírito, pois a alma era como um campo a ser
cuidado. (Vannucchi, 2002). Esse conceito vem sendo discutido pelos homens desde a Antiguidade com vários significados que são válidos até os
dias de hoje. Vejamos alguns a seguir:
Conceito de cultura na Antropologia
Antes mesmo de existir qualquer ciência que reflita sobre a cultura humana, no sentido que a Antropologia dá a esse termo, desde a Antiguidade, os
homens já se surpreendiam com a visão de mundo de outros povos.
Laraia (2007) nos conta que Heródoto (484-424 a.C.) já estranhava o costume dos Lícios, que herdavam o nome de suas mães, e não de seus pais,
como era nas cidades-estados gregas. Mas ele teve o discernimento de afirmar, entre todos os costumes de todos os povos, os homens certamente
escolheriam os de seu povo, tanto estes lhes parecem os melhores.
Meados do século XVI
A palavra cultura vai ser utilizado na Renascença, opondo o homem culto aos animais e aos “bárbaros”. Durante o Iluminismo, cultura
será o atributo daquele que tem propriedade em ciências, letras e artes (RIVIÈRE apud BOUDON et al., 1990).
Cultura ainda teve o significado de civilização no século XIX. Ainda hoje, utilizamos o vocábulo com essa acepção, mas cultura e
civilização não têm o mesmo sentido. O termo civilização se consolida na Europa durante o século XVII.
Século XVII
A palavra cultura indica certo estado de desenvolvimento, um acúmulo de progressos técnicos, intelectuais e sociais (TAYLOR apud
BONTE; IZARD, 1991). Ele se coloca como um ideal a ser alcançado pelos outros povos, e, com a pretensão de “civilizar” outros povos
considerados menos evoluídos, cruéis expansões coloniais foram justificadas.
Os civilizados também podem ser aqueles que se opõem aos primitivos ou selvagens.
Século XIX
A palavra cultura se tornará um termo central na Antropologia cultural, ciência que surge nesse momento e vai, logo nos seus
primórdios, definir este conceito.
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Roque de Barros Laraia
A Antropologia cultural, como ciência, surge no século XIX como resultado da expansão neocolonialista europeia em direção à Ásia e a África, que
tinha como objetivo a expansão do capital, a busca de mão de obra e matérias-primas. Os pais fundadores da Antropologia vão organizar as
informações que chegavam das colônias sobre aqueles povos exóticos, fundando, assim, a disciplina.
Capa do livro Primitive culture, de Edward Tylor
Em um momento de expansão colonial, a definição do conceito de cultura auxiliava os europeus a conhecer os povos que eles estavam dominando.
Todo o desenvolvimento teórico inicial da Antropologia se deu através do olhar do europeu sobre tais povos, sobre os quais impunha sua cultura,
subjugando-os (SANTOS, 2005).
Nesse início da Antropologia, o conceito de cultura é definido por Edward Tylor, um de seus pais fundadores, da seguinte forma:
Tomada em seu amplo sentido etnográfico, é este todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte,
moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma
sociedade.
(TYLOR, apud LARAIA, 2007, p.14)
A etnografia se refere ao trabalho de campo, o método por excelência da Antropologia, que será detalhado mais adiante. Esta definição é bastante
ampla e define a cultura como algo que é inventado pelo homem, e não é ligado à sua biologia, mas transmitido entre os seres humanos através do
aprendizado.
Agora, tentaremos compreender melhor este conceito a partir da metodologia de DaMatta (1986), utilizada em um artigo de divulgação científica, na
pergunta presente no título do artigo: Você tem cultura?. O que significa essa palavra?
Quando dizemos que fulano tem cultura e beltrano, não, cultura significa conhecimento. Um significado similar àquele da época do Iluminismo.
O autor usa um procedimento muito eficiente para discutir um conceito que é tão complexo: ele compara o seu
sentido no senso comum e na Antropologia.
Efetivamente, no senso comum, cultura significa conhecimento, sabedoria, inteligência etc., mas este conceito também é usado para estabelecer
diferenças hierárquicas entre as pessoas, como se aquelas que tivessem mais cultura fossem melhores do que as outras. Podemos ver isso
claramente quando dizemos que os pobres não têm cultura.
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Na Antropologia, cultura significa o estilo de vida de um povo, a maneira específica como eles vivem. Podemos dizer também que cultura é um
conjunto de regras, um mapa ou uma receita que nos diz como devemos nos comportar e agir em sociedade.
O que concluímos a partir daí é que, se enxergamos cultura do ponto de vista da Antropologia, não podemos dizer que existem homens sem cultura.
A vida em sociedade implica a aquisição de cultura.
Atenção!
Não se pode considerar também que existam culturas melhores ou piores, pois, quando falamos algoassim, estamos usando conceitos de melhor e
pior, que são característicos da nossa cultura. Falamos em complexidade e em desenvolvimento tecnológico, mas não em desenvolvimento cultural.
Em um país desigual, como o nosso, pensar sobre cultura com o sentido atribuído pela Antropologia nos ajuda a descontruir preconceitos. O funk é
uma manifestação cultural, assim como a música clássica. Da mesma forma, o samba e o balé clássico são danças. Não existe hierarquia entre
manifestações culturais, elas somente são diferentes umas das outras.
Reconhecer que existem culturas diferentes será importante na sua atuação profissional. Não se pode fazer julgamentos de valor sobre as crenças,
valores, conceitos e hábitos dos seus pacientes ou do seu público-alvo.
Veja algumas definições de cultura citadas pelos seguintes antropólogos:
Foi Edward Tylor que deu a primeira definição formal de que a cultura é vista como um feixe de hábitos. Existem definições mais atuais, que
dão mais dinamismo ao conceito.
Foi Geertz (1989) que disse que a cultura é “um conjunto de mecanismo de controle – planos, receitas, regras, instruções (o que os
engenheiros de computação chamam de ‘programas’) para governar o comportamento”. O autor pensa também que o homem, enquanto
animal, depende desses mecanismos de forma muito importante. E nada disso faz parte da nossa biologia. São valores, crenças, hábitos e
visões de mundo que são aprendidos pelos homens com seus semelhantes.
Foi Benedict (2019) que formou a famosa metáfora sobre o conceito de cultura. Ela diz que “cultura é uma lente através da qual vemos o
mundo”. Essa comparação é muito pertinente, uma vez que ela indica que os homens veem o mundo através dos “óculos” de sua cultura, que
é colado em seu rosto depois do nascimento. Cada cultura tem a sua lente, que serve somente para enxergar aquele modo de existir. Quando
olhamos outras culturas com a nossa lente, as vemos desfocadas, feias, erradas.
Culturas ou subculturas
Edward Tylor 
Clifford Geertz 
Ruth Benedict 
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Em uma sociedade complexa e multifacetada, como a nossa, pertencemos a diferentes culturas. Há quem fale em várias subculturas dentro de uma
cultura (DAMATTA, 1986).
Devemos ficar atentos a este termo, pois ele pode significar que existe uma cultura maior que contém outras
subculturas menores e menos importantes, o que dá uma visão equivocada das relações entre estas várias
culturas. Mesmo assim, é um termo bastante utilizado nas Ciência Sociais.
As “subculturas” são culturas à parte. Cada profissional participa da cultura de sua profissão.
Exemplo
Você está entrando em contato com a cultura da Nutrição. Os praticantes do candomblé vivem essa cultura especificamente, e os cristãos, budistas
ou muçulmanos também vivem as culturas associadas às suas religiões.
Se você faz dança de salão, joga vôlei na praia, ou frequenta uma academia, no momento em que você está nesses espaços, vê o mundo através da
lente de tais culturas.
Quando você está trabalhando como nutricionista, usa uma roupa adequada, utiliza um vocabulário específico. Ao estudar os temas relativos à
Nutrição, você, provavelmente, já está vendo o mundo através desta lente, olhando com mais atenção os rótulos dos alimentos, buscando um
equilíbrio maior na alimentação etc.
Da mesma forma, quando alguém está lutando capoeira, ou num baile funk, a lente se ajusta a essas culturas. Na capoeira, há uma vestimenta
específica, jargões, os instrumentos, a música. No funk, ocorre a mesma coisa, com roupas e danças específicas, conversas, paqueras etc., que
representam essa cultura.
Na contemporaneidade, pertencemos aos mais variados grupos culturais e nos identificamos de diferentes formas com cada um deles.
Mesmo com todas as culturas se equivalendo, porém existem culturas em desacordo com a lei e com nossos valores que desejamos extinguir. Por
exemplo, aquelas culturas que representam um atentado à dignidade da pessoa humana, princípio de nossas leis.
Que culturas são essas? A cultura da violência, do machismo, do racismo, da xenofobia (aversão aos estrangeiros),
da misoginia (aversão às mulheres), da intolerância religiosa, da destruição do meio ambiente etc.
São culturas que têm suas respectivas visões de mundo como todas as outras mencionadas. E existem pessoas que participam dessas culturas e
as consideram corretas e válidas, mas, de acordo com a lei e com os valores de outras pessoas que não participam, elas são erradas e deveriam
desaparecer.
Características da cultura na alimentação
Para melhor refletirmos sobre o papel da cultura na alimentação, vamos falar sobre algumas características da cultura, que são também
características das culturas alimentares.
A cultura condiciona os sistemas alimentares e tem um papel fundamental na visão de mundo dos indivíduos. A categoria comida é culturalmente
determinada, assim como as formas de explorar os recursos e de classificar os alimentos. A cultura pode também interferir no plano biológico
(LARAIA, 2007) Vamos ver, por exemplo, dois casos bastante conhecidos pelo senso comum:
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Quem não conhece o clássico tabu entre a mistura de leite com manga? Ao acreditar que esta mistura seja prejudicial à saúde, o indivíduo pode
realmente passar mal se a ingerir.
Por outro lado, como uma espécie de efeito placebo, acreditam que a ingestão do suco do maracujá pode acalmar algumas pessoas. O que elas
não sabem é que os compostos químicos calmantes não se encontram no fruto.
O que deve fazer o profissional de saúde a esse respeito? Será que ele deve esclarecer seu paciente, ou, não deve desfazer tal crença, caso este
relate efeitos positivos, como o exemplo do suco de maracujá? Provavelmente, o profissional de saúde promoverá mais o bem-estar do paciente
omitindo a verdade do que revelando-a, já que a cultura interfere na forma como o corpo vai se portar.
Curiosidade
As diferentes culturas têm suas próprias lógicas, não sendo lógicas pragmáticas nem racionais, e sim culturais. O fato de que uma grande parte das
culturas despreza o consumo de insetos demonstra que não há pragmatismo nos hábitos culturais e que eles possuem uma racionalidade própria.
Os mitos, crenças e tabus, assim como todo o complexo de proibições e prescrições, estão relacionados a uma forma de classificar os alimentos,
que é própria da lógica de cada cultura.
Outra característica levantada por Laraia (2007) é o dinamismo das culturas. Efetivamente, não podemos pensar as culturas como algo terminado
ou estático. A cultura é, antes de mais nada, um processo, que está em constante transformação.
É o caso da linhaça, da chia, da quinoa, da farinha de amêndoas, do goji berry, dos produtos sem glúten, dos laticínios sem lactose. Esses produtos
surgiram no esteio da busca por uma alimentação mais saudável e que possibilite o emagrecimento.
Uma preparação que já existia, mas também virou a queridinha do povo fit, é a tapioca, por ser feita de goma da mandioca e não possuir glúten. O
mesmo aconteceu com a batata doce e o abacate.
Processo de socialização
Crianças criadas por animais
Você já ouviu falar em crianças que foram criadas por animais?
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Certamente você já ouviu falar de Tarzan, criado por macacos, e Mogli, do Livro da Selva. Há também a história dos fundadores de Roma — Rômulo
e Remo —, que foram amamentados por uma loba quando pequenos.
Nesses casos, estamos falando de lendas, mas existem histórias verdadeiras de crianças que foram criadas por animais. Conheça a história do
menino de Aveyron:
Victor de Aveyron
O menino de Aveyron foi encontrado no início do século XIX na cidade francesa de mesmo nome. Embora andasseereto, ele se comportava como
um macaco: não falava, só grunhia, fazia suas necessidades onde bem entendesse e era agressivo.
Foi recolhido por um médico que tentou adaptá-lo à vida entre os homens.
Ele morreu com aproximadamente 40 anos de idade e nunca aprendeu a falar. Sua história deu origem ao filme O Garoto Selvagem (França, 1970,
direção de François Truffaut).
Existem outras histórias de crianças cuidadas por animais, geralmente por lobos e macacos. Elas apresentam, no geral, muitas dificuldades de viver
entre os seres humanos. Essas crianças pertencem obviamente à nossa espécie.
Será que, no sentido amplo e filosófico do termo, elas são humanas? Como podemos compreender o pensamento
de um ser humano que não fala, não chora e não sorri?
Essas crianças são verdadeiras aberrações, e o fato de não terem convivido entre humanos faz com que elas se comportem como animais, pois
elas não passaram pelo processo de socialização primário.
É nesse processo que ela aprende a falar, a andar ereta e que há horários para as diferentes atividades. Dessa forma, ela vai tornar suas essas
formas de pensar, de agir e de sentir (CHERKAOUI, 1990).
Durkheim foi um dos primeiros a falar em socialização. Ele se referia sobretudo à criança (GRIGOROWITSCH, 2008). Mas o processo de socialização
não termina nunca, e ele nunca é perfeito, pois todos temos comportamentos desviantes. Cada vez que entramos em um novo grupo, ou em uma
nova cultura, temos que nos socializar.
Processo de socialização primário
Por meio do qual o indivíduo se torna membro de determinado grupo social, introjetando seus valores. A socialização primária é aquela em que a
criança se torna um membro da sociedade, aprendendo seus conceitos, suas regras etc.
Atenção!
Para os nutricionistas, é muito importante compreender que é nesse processo que os indivíduos de determinada cultura vão aprender a gostar de
certos alimentos, vão desenvolver seus hábitos e suas preferências alimentares, vão criar conceitos sobre o que é uma alimentação saudável etc.
Como a Antropologia estuda a cultura e o processo de socialização? Por meio da etnografia, nosso próximo assunto. Vamos lá!
Etnogra�a e observação participante
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Como a Antropologia coleta seus dados para poder realizar suas pesquisas, elaborar seus conceitos e suas teorias? Nos seus primórdios, os
antropólogos não iam a campo conhecer os povos “exóticos” sobre quem escreviam. Eles recebiam informações de terceiros e até de livros de
curiosidades.
Como esses antropólogos falavam de pessoas que estavam do outro lado do mundo e elaboravam teorias sobre elas sem nunca as ter visto, a
Antropologia deste período é chamada de Antropologia de gabinete.
Com Bronislaw Malinowski (1884-1942), antropólogo polonês que trabalhou na Inglaterra, a Antropologia mudou sua forma de obter dados. Esse
pesquisador trabalhou muitos anos com habitantes da Nove Guiné, instituindo o trabalho de campo e ressaltando sua importância.
Desde então, a etnografia é o método por excelência da Antropologia. Etnografia vem do prefixo grego etno, que
significa povo ou nação, e do sufixo grafia, cujo significado é escrever, ou seja, é a descrição do modo de vida de
determinada sociedade.
Dessa forma, o antropólogo procura se imbuir da visão de mundo daqueles que está pesquisando para poder melhor compreendê-los. A partir de
então, a Antropologia não é somente aquela ciência que estuda os povos “exóticos”, mas aquela que estuda o “Outro”, com O maiúsculo, que
significa aquele que é diferente de mim.
A etnografia é o método por excelência da Antropologia. Assim, o antropólogo é quem produz os dados necessários para sua pesquisa. Para isso,
ele precisa ir a campo e estar em contato com seu objeto de estudo, seja na Nova Guiné ou em um baile funk. A técnica utilizada é a da observação
participante.
Este tipo de observação consiste no fato de que o pesquisador não somente observa seu objeto de estudo a distância, mas também procura
participar, na medida do possível, das mais variadas atividades daqueles com quem está convivendo durante o trabalho de campo.
O método da etnografia e a técnica da observação participante são bastante utilizados por outras ciências na atualidade. Em relação à Nutrição, não
poderia ser diferente. Pesquisadores da área utilizam a etnografia em enquetes nutricionais e na implementação de programas e políticas de saúde
pública relacionados à nutrição.
Saiba mais
Jiménez et al (2017), em um artigo no qual refletem sobre a importância da teoria antropológica nas práticas de educação em saúde, enfatizam a
importância de se explorarem as crenças e práticas culturais quando se trata de cuidados em saúde.
Programas e projetos de promoção da saúde que não levam em consideração os aspectos culturais e as representações sobre a saúde e comida
das populações-alvo podem utilizar muitos recursos e não atingir os objetivos propostos por inadequação.
A cultura como in�uência direta da escolha alimentar
Entenda o conceito de cultura e a sua influência na escolha alimentar.

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Falta pouco para atingir seus objetivos.
Vamos praticar alguns conceitos?
Questão 1
Em uma aula de Sociologia, o professor, ao entrar em sala, encontrou um grupo de alunos numa calorosa discussão sobre cultura. Aproveitando
o interesse pelo tema, organizou um debate no qual ficaram evidenciadas várias formas de entender o que é cultura. Entre elas, destacaram-se
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as respostas a seguir. Qual delas melhor corresponde ao significado do conceito na Antropologia?
Parabéns! A alternativa D está correta.
Cultura no senso comum significa sabedoria, conhecimento. Mas, na Antropologia, é a maneira total de viver de um povo, ou seja, seu estilo de
vida, seus valores, crenças, hábitos. Assim, não podemos dizer que alguém não tem cultura, pois quem vive em sociedade adquire cultura.
Questão 2
Etnografia é:
Parabéns! A alternativa B está correta.
A etnografia é o método utilizado na Antropologia. Para coletar dados para sua pesquisa, o antropólogo precisa ir a campo e procurar se imbuir
da cultura que pretende estudar. A palavra etnografia significa literalmente escrever uma cultura.
A Cultura é a leitura de muitos livros.
B É estudar bastante, é o saber lidar com muita coisa.
C Quando uma pessoa é bem educada a gente diz: Que culta!
D A cultura é aquilo que a gente sabe, é aquilo que a gente faz, portanto, todas as pessoas têm cultura.
E A cultura é aquilo que a gente sabe, é aquilo que a gente faz, portanto, todas as pessoas têm cultura.
A Tudo aquilo que é produzido pelo homem como membro de uma sociedade.
B A descrição de uma cultura, ou seja, dos hábitos e estilo de vida de um grupo cultural.
C Acreditar que os valores de sua própria cultura são os mais corretos e naturais.
D As diferenças existentes entre as culturas.
E A observação de uma cultura a partir das “próprias lentes”.
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2 - Mitos, tabus e crenças
Ao �nal deste módulo, você será capaz de reconhecer os mitos, os tabus e as crenças.
Sagrado e profano
Antes mesmo de definir e discutir as relações entre mitos, tabus e crença sobre a alimentação, é importante distinguir a esfera do sagrado e a do
profano, uma vez que tanto mitos, como tabus, proibições e crenças podem ser sagados ou profanos.
Sagrado
Inclui tudo aquilo que é excepcional, superior, sobrenatural, transcendente, divino. O sagrado com frequência se traduz por um sentimento de
respeito religioso (ROBERT, 1995). Enquanto a palavra sagrado se refere a um domínio separado, a religião tem origemno termo religare, do
latim, que significa atar ou ligar. Assim, aquilo que é separado é reunido por meio de ritos (SILVA, 2013).
Profano
Inclui tudo aquilo que não é sagrado. É aquilo que é comum, cotidiano, próximo. Mas é importante sinalizar que o significado de sagrado e
profano muda de sociedade para sociedade (BARRETO, 2018). Enquanto alguns adoram as estrelas, outros podem sacralizar a água dos rios
ou uma árvore específica. O sagrado trata das relações dos homens com a divindade, e o profano, da relação dos homens entre si
(Herrenschmidt, 1991).
Dessa forma, o sagrado se opõe ao profano, mas, por outro lado, as religiões tentam levar o sagrado em direção ao profano (COELHO, 2015). A esse
propósito, as múltiplas aparições midiáticas do papa Francisco falando de temas como desigualdade social, capitalismo e meio ambiente, temas
tradicionalmente profanos, vêm demonstrar esta aproximação entre sagrado e profano (OLIVEIRA e FARIAS 2019).
Vemos que essas esferas são separadas, mas, em algumas situações, elas se aproximam. Consequentemente, fica mais fácil compreender o
caráter sagrado ou profano dos mitos, tabus e crenças.
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Mitos e alimentação
Conceito de mito
A narrativa mítica se traduz por uma série de formas discursivas que fazem referência ao sobrenatural, que são características de determinado
grupo cultural, e somente fazem sentido dentro deste. Esta narrativa não é histórica, ela se refere ao início dos tempos, sem uma data definida.
O mito dá sentido ao real, organiza a experiência do ser humano e traduz o seu característico desejo por segurança. Para isso, eles se apoiam nas
crenças sobrenaturais em “forças superiores que protegem ou ameaçam, recompensam ou castigam” (ARANHA & PIRES, 2009), como as mitologias
grega e indígena.
Mitos e crendices na nutrição
Uma vez que apresentamos o conceito de mito e sua importância, vamos falar dos mitos relativos à alimentação, que nem sempre têm o mesmo
significado tratado anteriormente. Nesse caso, tratamos como mito aquilo que não é verdade do ponto de vista racional, coisas em que muitas
pessoas acreditam, mas não correspondem ao que a ciência afirma.
Recomendação
Nesse contexto, é importante ficar atento à quantidade de pessoas sem nenhuma formação em Nutrição ou áreas afins que estão presentes nas
mídias sociais dando conselhos sobre o que comer. Mesmo o Conselho Federal de Nutrição determinando que somente nutricionistas deem
orientação neste sentido, é comum ver blogueiros(as), youtubers e influencers espalhando todo tipo de orientação equivocada. O mais dramático é
que eles são seguidos por milhares de pessoas que adotam seus conselhos e podem ter sua saúde prejudicada.
Tais diretrizes entram na categoria de mito, ou seja, informações falsas não comprovadas pela ciência, que, muitas vezes, são compartilhadas até
por profissionais da área da Saúde.
É muito importante que o nutricionista enfrente este tipo de situação junto aos seus pacientes, de forma ética,
dando orientações e sempre explicando o que é valido ou não e por quê. Fazer pouco dos mitos, crenças e tabus
trazidos pelos seus pacientes é um comportamento arrogante, antiético e que provavelmente não irá promover a
saúde. Se for o caso de uma crença religiosa, deve-se compreender que ela não pode ser transgredida.
Também acreditamos que certos alimentos engordam mais que outros, como o exemplo trazido por Vieira (2010) em seu artigo sobre mitos e
crendices na Nutrição.
Ele comenta sobre o fato de as pessoas acreditarem que o açúcar engorda mais que a ricota, sendo que os carboidratos e as proteínas produzem a
mesma quantidade de Kcal por grama. Logo, o que engorda é a quantidade, não a qualidade do alimento.
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Outro que virou um vilão da dieta é o glúten. O número de adeptos das dietas sem glúten e low carb aumentou muito nos últimos anos, trazendo a
promessa de emagrecimento e saúde.
Entretanto, pesquisas posteriores demonstraram que o baixo consumo de glúten cria propensão para a diabetes tipo 2 e que a privação de glúten
em celíacos – pacientes que apresentam intolerância ao glúten – pode aumentar o risco de AVC. (POTTER et al., 2017).
Lembramos que o trigo foi o primeiro cereal cultivado pelos homens há aproximadamente 10 mil anos, e vem sendo intensamente consumido desde
então.
Existem ainda muito outros exemplos de mitos relacionados à alimentação. Fica claro que é sempre importante ver a origem das informações e ter
uma aproximação crítica sobre elas, afinal, mesmo o conhecimento científico não produz uma verdade última sobre as coisas.
Podemos ver isso claramente na ciência da Nutrição, em que alimentos que eram vilões se tornaram heróis e vice-versa.
Exemplo
O próprio ovo já foi considerado um alimento que aumentava o colesterol, e toda uma geração de jovens passou boa parte da vida querendo
aumentar o consumo de ovos e não podia. Podemos adicionar a esta lista a manteiga, o abacate, o café, o chocolate amargo etc.
O conhecimento produzido pela ciência é provisório e, no limite, todos os pesquisadores ficam testando as verdades estabelecidas.
Tabus e alimentação
Conceito de tabu
O conceito de tabu é originário da Ilha de Tonga, Polinésia, na Oceania.
O explorador inglês James Cook (1728-1779) é o responsável pelo surgimento da palavra nas línguas ocidentais, tendo também visto sua utilização
no Taiti (KEESING, 1991).
A partir de uma interpretação do significado da palavra nos idiomas desses povos, os mais diversos sistemas de proibições do mundo inteiro foram
nomeados como tabu.
Estátua de James Cook
Portanto, tabu é aquilo que é objeto de uma proibição que, se transgredida, trará perigo, desgraça e o caos. É o caso do tabu do incesto, que é
comum a todas as sociedades humanas das quais se tem notícia. Nas mais variadas sociedades, a transgressão desse tabu é punida, inclusive na
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nossa.
Não temos uma lei que proíba o incesto, porém o casamento entre irmãos e entre pais e filhos é proibido por lei. Adultos maiores de idade em
situação de mútuo consentimento não transgridem a lei se cometerem incesto. Mas ele é um tabu moral tão forte que indivíduos nesta situação
serão colocados em isolamento social.
O tabu tanto se refere àquilo que é proibido e intocável por ser sagrado, como ao que é impuro ou perigoso. Aqui, trataremos sobretudo do segundo
significado, pois é o que se apresenta nos fenômenos que estudaremos, mas o que nos interessa são os tabus alimentares, ou seja, as proibições
relativas ao consumo de determinados alimentos, sejam elas profanas ou sagradas.
Tabus alimentares e proibições sagradas
Como não é o objetivo aqui fazer uma lista exaustiva de todos os tabus existentes, escolhemos alguns exemplos de proibições sagradas, aquelas
do catolicismo e a das religiões de matriz africana no Brasil. São elas:
Catolicismo
Os católicos deveriam respeitar até 166 dias de jejum, sendo os quarenta dias da Quaresma extremamente rígidos (CARNEIRO, 2003), que é o
período de quarenta dias que vai da Quarta-feira de Cinzas até a Quinta-feira Santa antes da Páscoa, na Europa do século XVII. É um período de
recolhimento e reflexão entre os cristãos. Na atualidade, porém, as proibições se restringem basicamente ao consumo de carne vermelha na Sexta-
feira Santa. Algumas famílias mais tradicionais e religiosas mantêm o interdito de comer carne durante todas as sextas-feiras da Quaresma, ou
mesmo mais dias da semana.
Candomblé
O candomblé possui interdições permanentes, como o consumo de peixes, sem escamas, e da carambola, mas a maior parte delas está ligada aos
filhos de determinado orixá ou a certas datas. Existem proibições que são ligadasa alimentos que são usados nas oferendas, e outras aos
alimentos específicos que não são tolerados pelas diferentes divindades. Essas proibições são as quizilas. Se elas não forem respeitadas, as
consequências não serão boas. Por exemplo, Oxalá não tolera o azeite de dendê, Oxóssi não pode comer mel e Iansã execra o carneiro (SOUZA,
2014). Portanto, as proibições variam de indivíduo pra indivíduo.
Esses e outros tabus religiosos devem ser respeitados pelo profissional da área da Nutrição, pois sempre será possível fazer substituições. Em
algumas situações, as pessoas preferem não comentar o assunto. É importante perguntar na anamnese se o paciente tem alguma restrição
alimentar religiosa, sem necessidade de mais explicações.
Tabus profanos
Quanto aos tabus profanos, quem nunca ouviu falar que comer manga com leite faz mal à saúde? Existe uma explicação para um tabu tão difundido
no Brasil. Alguns afirmam que, no tempo da escravidão, os senhores inventaram esta história para impedir que os escravizados comessem manga
(VIEIRA, 2010). Outros já afirmam o contrário, que a origem deste tabu é por que os senhores não queriam que os escravizados tomassem leite. De
todas as formas, é uma invenção.
Os mitos e os tabus são invenções, mas isto não significa que eles não sejam muito importantes e que devam ser respeitados, inclusive pelos
nutricionistas no contexto do seu atendimento.
Trigo et al. (1989) observaram inúmeros tabus alimentares em comunidades do Pará e ressaltaram a importância do conhecimento destas
concepções para qualquer intervenção e programas de educação nutricional nesta região. As autoras relataram a proibição do consumo de várias
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frutas com leite, não somente a manga, mas também o consumo de frutas misturadas com ovos, e carne misturada com peixe. Tais misturas,
segundo os entrevistados, faziam mal, ofendiam, envenenavam e podiam até matar.
Mas os tabus alimentares podem ser permanentes, como o tabu de consumir carne humana, ou temporários, se referindo a certos momentos do
ciclo de vida. As crianças, os idosos, os enfermos, as mulheres menstruadas, as mulheres grávidas e as nutrizes, são sujeitos a restrições
alimentares mais importantes.
Um exemplo de tabu temporário é aquele que se refere ao complexo da reima, do grego  rheum, que significa viscoso (SILVA, 2007). As comidas
reimosas são conhecidas no Sudeste como comidas “carregadas”.
A reima é uma classificação dos alimentos. Os alimentos reimosos são considerados perigosos para a saúde. No geral, a reima tem importância em
momentos da vida, como durante os episódios de doença, durante a menstruação e o pós-parto. Mas existem lugares onde as mulheres não devem
comer carne de porco, por exemplo, porque ela é muito reimosa.
Não existe a lista definitiva da reima, mas, em geral, entram em tal categoria:
os frutos do mar;
a carne de porco;
algumas carnes de caça;
os peixes sem escama;
chocolate, dentre outros.
Em alguns casos, a reima de um alimento pode atingir não somente aquele que o consome, mas também aqueles que lhe são próximos, como em
uma espécie de contágio. Em alguns casos, a reima de um alimento pode atingir não somente aquele que o consome, mas também aqueles que lhe
são próximos (Ibid), como em uma espécie de contágio.
A gravidez e a amamentação são objetos de uma série de tabus alimentares. Durante a gravidez, algumas frutas, como a melancia, o pepino e a
manga são proibidos em algumas regiões de Pernambuco. Também devem ser evitados, tanto na gestação como no aleitamento, ovos de galinha,
peixes e carne de porco. Já a canela seria abortiva (GOMES et al., 2011).
As mulheres que estão amamentando também estão sujeitas a variadas proibições alimentares. Os alimentos mais citados como prejudicial pelas
mães em Programas de Puericultura em Unidades Básicas de Saúde foram refrigerantes, carne de porco, pimenta, chocolate e comidas ácidas. O
mal causado por essas comidas seriam cólicas, gases, diarreias e alergias, entre outros (CIAMPO et al., 2008). Em certas regiões do Piauí e do
Distrito Federal, o leite da mãe seria venenoso para o seu filho e outra mulher deve amamentá-lo (DANIEL & CRAVO, 2005).
Em algumas situações, os tabus alimentares podem vir a prejudicar a saúde da gestante e do bebê. O nutricionista deve estar atento, sempre
lidando com a situação de forma empática, para que possa orientar sem ofender ou descredenciar os tabus pertencentes àquela população e poder
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provocar mudanças.
Crenças na alimentação
Conceito de crença
O verbo crer representa alguns problemas, pois, sobretudo no aspecto sagrado, quando falamos em crença, fica subentendido que existem aqueles
que não creem. Quando alguém diz que crê em Deus, compreendemos perfeitamente. Entretanto, quando vemos escritos nas portas de templos
neopentecostais: “Jesus Cristo é o Senhor”, nesse caso, não há referência há uma crença, mas a uma verdade, uma realidade.
Muito se fala em crenças e o significado desta palavra é compreendido por todos através do senso comum. Efetivamente, o Aurélio (FERREIRA,
1999) define o verbo crer como aquilo que se tem por certo, por verdadeiro, e, o vocábulo crença, ele define como aquilo em que se crê, fé religiosa
ou convicção íntima.
Podemos dizer que a crença é uma convicção íntima, aquilo que se tem por verdadeiro, e que não precisa de comprovação. Como vimos, existem
crenças que estão relacionadas ao sagrado, e outras que são profanas. Entretanto, é importante enfatizar que todos os mitos e tabus estão
fundamentados em uma crença.
Em relação ao aleitamento materno:
Exemplo
Enquanto algumas mães acreditam que consumir leite de vaca fará com que ela produza mais leite, outras já pensam que isso fará com que o bebê
tenha cólicas (GOMES et al., 2011). Fubá, canjica e sopa também aumentariam a produção de leite.
Crenças muito difundidas também são aquelas relacionadas à produção do leite materno. Todos já ouviram falar na crença de que beber cerveja
preta aumentaria a produção de leite materno. Não há comprovação desse fato e consumir álcool durante a lactação pode ser prejudicial para a
saúde da criança.
A crença de que existe um leite fraco pode ser bastante prejudicial à amamentação e está entre as principais causas da complementação precoce.
A aparência do leite materno comparado ao da vaca fundamenta tal crença (MARQUES et al., 2011).
Podemos ainda acrescentar outras crenças, como a de que comer banana ouro pela noite seria fatal, ou de que a banana prende o intestino e a
cerveja dá barriga (VIEIRA, 2010).
É importante enfatizar que crenças sobre o emagrecimento também abundam e podem ser
prejudiciais para a saúde.
Ficar sem comer, pular refeições, comer de três em três horas, evitar frutas porque têm muito açúcar, cortar carboidratos e outras crenças são muito
difundidas e, neste caso, cabe ao nutricionista esclarecer o paciente sobre estas questões.
Sempre lembrando que crenças que fazem parte dos sistemas alimentares não podem ser simplesmente descartadas como inúteis. O nutricionista
não deve questionar de forma assertiva as crenças dos seus pacientes, pois, para eles, tais crenças fazem sentido. Ao contrário, o nutricionista deve
buscar compreender a riqueza destas concepções e promover a saúde, dando as orientações necessárias sem desprezar as crenças populares.

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Os tabus e suas implicações no atendimento nutricional
Veja os mitos presentes na alimentação e que podem interferir no consumo alimentar dos pacientes.
Falta pouco para atingir seus objetivos.
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Vamos praticar alguns conceitos?
Questão 1
Qual das assertivas abaixo se refere a um tabu alimentar?
Parabéns! A alternativa C está correta.
Os mitos e os tabus são invenções. O tabu alimentar representa a proibição temporária ou permanente de consumir determinados itens
alimentares. No caso, é um tabu temporário.
Questão 2
Leia o diálogo a seguir:
Léia – Vi no Instagram uma nova dieta maravilhosa!
Joana – E como ela é?
Léia – Você pula o almoço todos os dias, menos no fim de semana.
Joana – E funciona?
Léia – Claro, eu vi a foto do “antes e depois” no insta!
O diálogo acima se refere a
A Tomar canjica faz a mulher ter mais leite.
B Todos os iogurtes contêm probióticos.
C A mulher não pode comer carne reimosa durante a gravidez.
D A vaca é um animal sagrado na Índia.
E O açúcar engorda mais que a ricota.
A crenças na alimentação.
B tabus na alimentação.
C comida sagrada.
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Parabéns! A alternativa A está correta.
As crenças são conceitos, suposições e ideias que o indivíduo tem como certas sem comprovação, é uma certeza sem provas.
3 - Sistemas alimentares
Ao �nal deste módulo, você será capaz de identi�car os sistemas alimentares.
Sistemas alimentares
De�nição
A definição de sistema trazida pelo Aurélio (FERREIRA, 1999) fala em conjunto de elementos entre os quais existe uma relação, ou, como partes de
um todo, coordenadas entre si, e que formam uma estrutura organizada. Em um sistema, os seus variados elementos estão conectados e afetam
uns aos outros.
Quando falamos de sistema alimentar, vamos no mesmo sentido. Poulain (2004) o define como:
Conjunto de estruturas tecnológicas e sociais que, da coleta até a cozinha, passando por todas as etapas de
produção-transformação, permitem que o alimento chegue até o consumidor e seja reconhecido como
comestível.
D relativismo cultural.
E mito na alimentação.
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(POULAIN, 2004, p.252)
Construção dos sistemas alimentares
Na construção dos sistemas alimentares, há uma interação entre as dimensões naturais e culturais da alimentação. Contreras & Gracia (2015)
afirmam que, em cada etapa do sistema, diferentes indivíduos lançam mão tanto de conhecimento tecnológico, como de valores, crenças e
representações para tomarem decisões até que o alimento chegue no consumidor final.
Vemos que os sistemas alimentares diferem de sociedade para sociedade, e, mesmo quando existe uma tendência à homogeneização, eles
guardam características próprias. Eles incluem as operações de produção, distribuição, preparo, consumo e podemos acrescentar o dejeto dos
resíduos.
Barbosa (2007) enfatiza que, no Brasil, ao contrário da maior parte dos países desenvolvidos, compramos os ingredientes in natura e os cozinhamos
em casa.
Compramos os cereais, legumes, verduras e tubérculos e preparamos nossa refeição.
Em outros casos, delega-se a um trabalhador doméstico, luxo que, por conta do baixo custo deste trabalho, é permitido às famílias de classe média.
Nas famílias menos abastadas, muitas vezes, a mulher cozinha para a família durante à noite, quando chega do trabalho. Isto já muda alguns
componentes do sistema alimentar. Entretanto, no Brasil, verifica-se uma lenta redução no consumo de itens alimentares tradicionais, como feijão,
arroz, farinha de mandioca e farinha de milho e um aumento do consumo de produtos industrializados (BLEIL, 1998) e de massas, pães e
refrigerantes (IBGE, 2019). Isso mostra que os sistemas alimentares são dinâmicos.
A pesquisa de orçamentos familiares e os desa�os do
nutricionista frente a este cenário
Confira os dados da pesquisa do IBGE de 2019, explicando como o orçamento das famílias está relacionado às escolhas alimentares.
Os sistemas alimentares nativos das Américas mudaram completamente com a chegada dos conquistadores, e os itens alimentares americanos,
como a batata, o tomate, o pimentão, o milho, entre outros, transformaram os sistemas alimentares europeus e africanos. Na África, introduziu-se o
amendoim, a mandioca e o milho (MACIEL, 2005).
Hoje é difícil convencer muitos europeus e africanos que estas plantas são nativas das Américas. Assim como pode ser difícil convencer um
brasileiro de que a manga e a jaca não são nativas daqui.

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Essas transformações também ocorrem em função de interesses econômicos e políticos.
Guia alimentar para a população brasileira
O Guia Alimentar para a População Brasileira (BRASIL, 2014) sublinha que a forma de produzir e distribuir alimentos vem aumentando a
desigualdade social no mundo.
Guia Alimentar - 2014
No Brasil, os sistemas alimentares tradicionais, baseados na agricultura familiar, que promovem um manejo sustentável dos solos e uma
distribuição local dos alimentos, estão sendo substituídos por um sistema fundamentado em grandes monoculturas que abastecem sobretudo as
indústrias de ultraprocessados e o mercado de rações para animais.
Como diz Maciel (2005):
Na constituição desses sistemas, intervêm fatores de ordem ecológica, histórica, cultural, social e econômica
que implicam representações e imaginários sociais envolvendo escolhas e classificações.
(MACIEL, 2005, p.49)
Há, efetivamente, interesses econômicos pressionando a mudança dos sistemas alimentares em benefício da indústria alimentícia e no sentido
contrário de uma produção e distribuição dos alimentos que sejam sustentáveis socialmente e ambientalmente.
O estilo de vida, aliado às mudanças nos sistemas alimentares, tem provocado um aumento das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), como
a diabetes, a hipertensão, a obesidade, câncer e problemas cardíacos.
Diversidade cultural
As crenças, valores, mas também as técnicas de produção e de preparo dos alimentos variam enormemente de sociedade para sociedade. Esses
valores orientam os tabus e as prescrições sobre os quais falamos.
Chamamos de diversidade cultural todas diferenças culturais existentes entre os grupos, as sociedades e as múltiplas culturas. Esse termo se refere
à cultura material e à imaterial. Tais diferenças são características de cada grupo cultural, que constroem o seu sentimento de pertencimento àquele
grupo através destas especificidades, a chamada identidade cultural.
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Outros autores, também dentro da noção de sistemas alimentares, dizem o seguinte:
O ato da alimentação, mais do que biológico, envolve as formas e tecnologias de cultivo, manejo e a coleta do
alimento, a escolha, seu armazenamento e formas de preparo e de apresentação, constituindo um processo
social e cultural.
(SONATI et al., 2009, p.137)
In�uência cultural na culinária brasileira
Cada cultura executa essas etapas de forma diferente. Não somente a própria definição do que é comida varia entre os grupos humanos, como
também todas as etapas dos sistemas alimentares que vimos acima. No Brasil, temos uma diversidade cultural à mesa muito grande por conta de
todas as diferentes influências que a culinária brasileira recebeu no decorrer do tempo.
Se nossa matriz cultural vem dos indígenas, africanos e portugueses, será que a cozinha brasileira seria uma mistura da culinária desses povos?
É importante ressaltar, a este propósito, que a contribuição desses diferentes povos não foi a mesma. O português estava no topo da pirâmide
social (DÓRIA, 2009). Observe cada povo a seguir:
Os negros escravizados não tinham direito à palavra, eram semoventes. Não participaram ativamente da construção da culinária nacional nesta
condição. Os ingredientes africanos, como o azeite de dendê, o jiló, o quiabo e a pimenta malagueta, foram trazidos pelosportugueses. A culinária
de comidas de santo só floresce no Brasil depois do fim da escravidão, mas isso não significa que esses pratos não façam parte da cozinha
brasileira.
Os indígenas foram valorizados no indigenismo brasileiro no século XIX. Este era um projeto do Próprio D. Pedro II junto ao Instituto Histórico
Geográfico Brasileiro (IHGB), com a construção de um mito de origem do povo brasileiro, como aquele descrito nos romances da época de José
de Alencar (1829-1877) e nas peças de Gonçalves Dias (1823-1864).
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Entretanto, sobre a influência indígena na culinária brasileira, ela se deu sobretudo em relação aos ingredientes e às formas de beneficiar a
mandioca e, eventualmente, de assar a carne, excetuando o Norte do Brasil, onde as influências da culinária indígena e do consumo de peixes de
água doce se faz mais presente.
Os modos de preparo da nossa cozinha são essencialmente portugueses, assim como todas as criações e laticínios que consumimos. Ao chegar
aqui no período colonial, as sinhás usavam os ingredientes nativos para preparar pratos europeus. Assim, as frutas brasileiras, como o caju e a
goiaba e o mamão, foram usadas para fazer doces e compotas, e as diferentes farinhas e polvilhos da mandioca fizeram os mais variados tipos
de bolos e pães, como o nosso querido pão de queijo.
Além de toda a diversidade das cozinhas regionais, também influenciaram a nossa culinária os imigrantes europeus, sírios, libaneses e os
japoneses, que vieram para cá em diferentes épocas. A influência alemã e ucraniana no Rio Grande do Sul. A açoriana em Santa Catarina, a italiana
em São Paulo, a síria e libanesa no Sudeste, entre outras, só vieram enriquecer nossas receitas, nossos hábitos e nosso paladar.
Determinismo biológico e geográ�co
Os homens sempre se perguntaram como, existindo entre eles uma unidade biológica facilmente constatável, é possível que tenham
comportamentos, visões de mundo, valores e sistemas alimentares tão diferentes.
Os homens são tão diferentes porque são biologicamente diferentes. Embora esse pensamento já existisse anteriormente, ele ganha força nas
teorias de Franz Gall (1758-1828), médico alemão e Cesare Lombroso (1835-1909), criminologista alemão.
Essas teorias, científicas na época, são apenas um aspecto de uma visão deturpada sobre a diversidade cultural.
Se são aspectos físicos e biológicos que determinam o comportamento, isto é algo imutável, inato. Podemos achá-
las absurdas, mas elas estão presentes entre nós de forma importante ainda hoje.
Ambos acreditavam que características físicas, como a forma da cabeça e condições como a epilepsia, determinavam o criminoso nato. Logo, o
criminoso não podia ser recuperado e deveria ficar isolado para proteger a sociedade.
Exemplo
O conceito de raça é um exemplo clássico de determinismo biológico. Devemos esclarecer que este conceito foi originariamente definido nas
Ciências Biológicas. A raça é a categoria taxonômica que vem abaixo da espécie, é a subespécie. Nós, por exemplo, somos do gênero Homo, da
espécie sapiens e da subespécie sapiens. Somos Homo sapiens sapiens, ou seja, da espécie humana e da raça humana. Existe somente uma raça
da espécie humana.
Porém, os indivíduos acreditam que existem raças e que os membros delas têm capacidades, inteligência, temperamento, ética e disposições
diferentes uns dos outros e que isto está escrito em sua biologia.
O racismo existe, é muito presente e provoca estragos e desigualdades enormes. Em nossa sociedade o racismo é
estrutural e muitas vezes nem percebemos como palavras e expressões podem ser racistas.
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Também observamos um discurso naturalizado sobre o gênero, dizendo que a mulher é o sexo frágil. Essa ideia reforça o machismo e a visão
inferior sobre elas. Efetivamente, as mulheres têm estatisticamente um percentual maior de gordura no seu corpo e os homens, um percentual
maior de músculos. Mas isso não quer dizer que a mulher seja o sexo frágil.
O gênero é uma construção cultural e cada sociedade define quais são os comportamentos mais adequados para o homem e para a mulher. Entre
os indígenas Cinta-Larga de Rondônia, a mulher é sempre aquela que carrega o peso, a água, os trinta quilos de mandioca desde a roça, assim como
quem corta e carrega a lenha para o fogo.
Não precisamos nem ir tão longe, a função de subir os morros com uma lata d´água na cabeça no Rio de Janeiro de antigamente era feminina.
Nós nascemos com o potencial genético para sermos socializados em qualquer cultura. Esta é a especificidade humana. Temos a possibilidade de
viver mil vidas diferentes, mas acabamos vivendo somente uma (GEERTZ, 1989).
Enquanto o determinismo biológico acredita que as diferenças entre os homens são função de sua biologia, o
determinismo geográfico diz que os homens são diferentes porque eles vivem em ambientes diferentes. Ou seja, o
seu modo de vida seria determinado pelo ambiente físico.
Este tipo de teoria existe desde a Antiguidade, mas é somente no final do século XIX que ela se tornou popular, sendo formulada sobretudo por
geógrafos (LARAIA, 2007).
A Antropologia também contesta esta teoria dizendo que homens que vivem no mesmo ambiente têm culturas diferentes, fazem escolhas
alimentares diferentes e exploram os recursos de formas específicas.
Exemplo
Aqui no Brasil temos uma costa de mais de nove mil quilômetros. Entretanto, exceto em comunidades pesqueiras, não temos o hábito de comer
peixe regularmente. Os que vivem no interior da região Norte comem peixes de rio com muito mais frequência do que os que moram no litoral em
relação aos peixes do mar.
Os maiores mercados de peixe do mundo são a cidade de Tóquio, no Japão, o que não é muito surpreendente, e a cidade de Madrid, na Espanha,
que fica no centro da península Ibérica. O peixe é trazido de avião das costas marítimas para atender a esse mercado.
Vemos, assim, que a Antropologia contradiz essas duas teorias e enfatiza a importância da cultura na determinação dos hábitos, do estilo de vida e
dos sistemas alimentares. Porém, essas concepções são ainda muito difundidas na contemporaneidade, e o profissional da área de Nutrição deve
ficar atento a elas.
A diversidade cultural, porém, também pode ser compreendida de outras formas. Vamos a elas.
Etnocentrismo
Vamos pensar juntos em qual é a etimologia desta palavra. Etnocentrismo significa “minha etnia no centro do mundo”. Segundo Rocha:
Etnocentrismo é uma visão do mundo onde o nosso próprio grupo é tomado como centro de tudo e todos os
outros são pensados e sentidos através dos nossos valores, nossos modelos, nossas definições do que é a
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existência.
(ROCHA, 1984, p.5)
Se pensarmos na metáfora que vimos anteriormente, de que “a cultura é uma lente através da qual vemos o mundo”, nossa lente é ajustada para
enxergarmos a nossa cultura. Quando olhamos para outra cultura com nossos “óculos”, a vemos embaçada, disforme. E isso é o etnocentrismo, um
estereótipo através do qual olhamos para a diversidade cultural.
O etnocentrismo implica não somente um estranhamento, mas também um julgamento de valor. Se achamos que
alguns orientais são bárbaros porque comem carne de cachorro, ou outros são sujos porque arrotam na mesa ou
não têm os mesmos princípios de higiene alimentar que nós, estamos sendo etnocêntricos.
Este sentimento que, por vezes, é até inconsciente, é uma forma muito comum entre os homens de lidar com a diferença. Podemos nos perguntar
se é possível não sermos etnocêntricos. A conclusão a que chegaremos é que não. Sempre teremos posturas julgadoras diante daquilo que
desconhecemos ou mesmo discordamos.
No processo de socialização, somostreinados para sermos etnocêntricos. Desde pequenos, nos ensinam que as coisas são certas ou erradas,
limpas ou sujas, boas ou más, justa ou injustas. Necessitamos deste referencial ético para podermos formar nosso caráter e nos adaptarmos à
sociedade na qual vivemos.
Muitas sociedades tradicionais se nomeiam, o que chamamos de etnônimo, com nomes que significam “nós, o povo”, ou “nós, os homens”,
expulsando da província humana aqueles que não pertencem à sua etnia.
Atenção!
Não precisamos estar diante de um asiático comendo cachorro para sermos etnocêntricos. Quando dizemos que alguém é paraíba, piriguete,
patricinha, carte, doidão ou favelado, estamos lidando com a diferença através do etnocentrismo.
Por outro lado, existem culturas que atingem a dignidade humana e com as quais, legalmente, devemos ser etnocêntricos. Mas vemos que existem
muitas pessoas para quem o preconceito, a violência e o machismo representam a forma correta de se pensar.
E, de seu ponto de vista, quem pensa diferente deles é que está errado. O etnocentrismo se situa na origem de todos os preconceitos, pois ninguém
nasce preconceituoso. É no processo de socialização que nos tornamos racistas, homofóbicos, intolerantes religiosos etc.
Podemos concluir que não existe certo ou errado. Somente as religiões e a Filosofia estabelecem estes parâmetros, a ciência não. Podemos dizer o
que determinado grupo humano acredita ser o certo, mas não podemos afirmar o que é o certo. Certo e errado são pontos de vista que as culturas
colocam sobre a realidade. Não é certo ou errado comer isto ou aquilo, é diferente.
Mas não vamos esquecer que os valores são fundamentais para ordenar o nosso comportamento, pois, dentro de nossa cultura, existem, sim, certo
e errado. E que o etnocentrismo pode ter consequências muito graves, como escravidão, guerras e genocídios.
Mas podemos ter outra postura diante da diversidade cultural, é possível relativizar, e é disto que falaremos agora.
Relativismo cultural
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O relativismo cultural pode ser visto como oposto ao etnocentrismo. Relativizar não significa que, ao contrário do etnocentrismo, acharemos correto
comer cachorros ou arrotar à mesa, nem que iremos fazer isso. Relativizar significa compreender que a nossa lente cultural não é ajustada para
enxergar as outras culturas. Não podemos tentar compreender a diversidade através da lógica da nossa própria cultura, pois cada uma tem uma
lógica, que só é compreensível dentro daquele contexto cultural.
Relativizar é, segundo Rocha:
Ver que as verdades da vida são menos uma questão de essência das coisas e mais uma questão de posição.
(ROCHA, 1984, p.9)
Enquanto o etnocentrismo está na origem do preconceito, o relativismo cultural está na origem da tolerância. O relativismo cultural é a postura
utilizada pela Antropologia na compreensão da diversidade cultural.
A postura do nutricionista deve ser sempre relativista. Como já comentamos, ele não deve fazer juízos de valor sobre seus pacientes em nenhum
aspecto, pois seria uma postura antiética, que certamente não está entre as boas práticas de promoção da saúde.
Cultura alimentar
Tudo o que temos discutido até agora está relacionado à cultura alimentar. Tanto os múltiplos significados simbólicos que atribuímos aos
alimentos, que vão determinar o que se come ou não, como também as imagens, comportamentos e situações relacionadas à alimentação (BRAGA,
2004).
Ela se constitui também no dinamismo entre aquilo que é tradicional e as inovações e todas as mudanças ocorridas nos nossos hábitos alimentares
e na comensalidade em função do estilo de vida contemporâneo.
A cultura alimentar é uma fonte muito importante de construção de pertencimentos, sendo uma referência para o estabelecimento das identidades
individuais e coletivas. A comida regional, mesmo não sendo cotidiana, cria marcadores identitários específicos.
É importante ressaltar que a cultura, como algo que determina as escolhas alimentares, está profundamente
impregnada no indivíduo. Este desenvolveu seus hábitos e preferências alimentares desde a infância. Por conta da
intimidade que as pessoas têm com suas formas de comer, a cultura pode se apresentar como uma dificuldade
para o nutricionista.
Isto porque a mudança de comportamentos alimentares neste contexto cultural é bastante complexa. O nutricionista deve promover a saúde em
uma constante negociação com a cultura alimentar do paciente, sempre tendo em vista que o paciente está no centro do processo.
Papel da cultura na alimentação e da alimentação na cultura
Quando falamos de sistemas alimentares, significa que cultura e alimentação fazem parte desses sistemas e estão profundamente conectadas.
Vimos que esses sistemas são dinâmicos e o que podemos perceber é que, quando há mudanças na cultura, a alimentação se transforma. Da
mesma forma, não somente nas sociedades tradicionais, mas também nas contemporâneas, se os recursos disponíveis mudam, a cultura alimentar
também se transformará.
Entretanto, nos dias de hoje, tais recursos alimentares mudam segundo interesses econômicos atrelados ao lucro.
As indústrias alimentares são empresas capitalistas, muitas vezes com capital aberto, que têm como principal objetivo, o lucro.
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Das dez maiores empresas de consumo no mundo, nove são grandes conglomerados multinacionais na área da alimentação que possuem uma
enorme riqueza, muitas vezes maior do que o PIB de alguns países.
Assim, essas empresas são capazes de fazer potentes lobbies junto aos governos.
O estilo de vida dos seres humanos tem mudado profundamente nas últimas décadas, e sua alimentação também. Desta forma, temos aí uma
ótima oportunidade de discutirmos a relação entre alimentação e cultura nesta perspectiva dinâmica.
Para isso, utilizaremos o conceito de modernidade alimentar, que pode ser definido da seguinte forma:
Sintetiza e representa os impactos que a alimentação tem sofrido em função das transformações sociais,
econômicas e culturais ocorridas na sociedade contemporânea.
(FONSECA, 2011, p. 3854)
A vida do comedor moderno mudou profundamente. A alimentação fora de casa cresce muito e a própria mulher também foi para o mercado de
trabalho, impactando a alimentação da família.
Ao mesmo tempo, surgiu toda uma indústria de gadgets para a cozinha e de alimentos pré-preparados ou prontos que pretendem facilitar a vida
dessa mulher que trabalha. Pois, mesmo dentro deste novo contexto, a mulher ainda é aquela que cuida da alimentação da família (BARBOSA,
2007).
Com esta modernidade alimentar, cresce também a preocupação com uma alimentação mais saudável e surgem diferentes tribos alimentares
como os orgânicos, vegetarianos, veganos etc. (FONSECA et al., 2011).
Neste quadro, a transmissão de tradições culinárias fica comprometida.
Assim, podemos ver o fenômeno da aprendizagem individual, que pode misturar diferentes tipos de culinária, além de incorporar as preocupações
dietéticas.
Por outro lado, há uma desconfiança em relação aos produtos industrializados, mesmo se o seu consumo for alto.
Se a alimentação é uma fonte potente de construção das identidades culturais, com o que este comedor moderno
vai se identificar?
Ademais, estas mudanças culturais e alimentares estão afetando também a saúde da população, com um aumento nas DCNT, como vimos
anteriormente.
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O profissional da área de Nutrição deve ficar atento a todas estas transformações e seus impactos para a saúde dos indivíduos e nos seus
comportamentos e representações acerca da modernidade alimentar. Assim, ele terá instrumentos para planejar estratégias de intervenção em
relação ao paciente e no âmbito deuma ação política junto aos conselhos de Nutrição.
Falta pouco para atingir seus objetivos.
Vamos praticar alguns conceitos?
Questão 1
Assinale a afirmativa que fala sobre o papel da cultura na alimentação:
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Parabéns! A alternativa D está correta.
A dieta vegetariana refere-se a questões culturais relacionadas à alimentação. É uma mudança na cultura que altera o hábito alimentar. As
demais alternativas abordam aspectos fisiológicos, nutricionais ou biológicos.
Questão 2
Montaigne (1533-1572) assim comentou a antropofagia dos Tupinambás: Não me parece excessivo julgar bárbaros tais atos de crueldade, mas
que o fato de condenar tais defeitos não nos leve à cegueira acerca dos nossos. Estimo que é mais bárbaro comer um homem vivo do que o
comer depois de morto; e é pior esquartejar um homem entre suplícios e tormentos e o queimar aos poucos, ou entregá-lo a cães e porcos, a
pretexto de devoção e fé, como não somente o lemos mas vimos ocorrer entre vizinhos nosso conterrâneos.
O conceito que se aplica ao trecho em negrito é
Parabéns! A alternativa C está correta.
Montaigne, mesmo tendo vivido no século XVI, demonstra, com este texto, que relativiza as práticas consideradas “normais” em sua própria
cultura diante do canibalismo. O relativismo é justamente compreender a diferença do outro dentro da sua própria concepção de mundo.
A A máquina de colher soja quebrou quando passou sobre uma pedra.
B Umas das causas de anemia ferropriva é uma dieta pobre em vitamina C.
C As abelhas estão morrendo por conta dos agrotóxicos.
D Muitas pessoas se tornam vegetarianas por solidariedade aos animais.
E Parte da contaminação da água ocorre devido ao uso de anticoncepcionais.
A socialização.
B diversidade cultural.
C relativismo cultural.
D etnocentrismo.
E cultura alimentar.
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Considerações �nais
Vimos a importância do conceito de cultura na compreensão de variados aspectos da alimentação. Por mais que as crenças dos sujeitos possam
parecer absurdas diante da formação científica do nutricionista, elas devem ser tratadas de forma empática e respeitosa. Se o profissional da área
da Nutrição tiver uma postura arrogante em relação a concepções culturais diferentes, ele não somente está se comportando de maneira antiética,
como também reduz as possibilidades de sucesso do tratamento.
Concluímos sobre o papel da cultura na alimentação com um exemplo relativo à modernidade alimentar.
A cultura alimentar vem se transformando muito nas últimas décadas, e cabe ao nutricionista compreender estas mudanças e lutar por uma
alimentação mais saudável e sustentável.
Podcast
Para encerrar, ouça um resumo sobre os principais assuntos abordados neste conteúdo.
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Assista ao vídeo Comida, saúde e cultura, disponibilizado no Youtube, com o sociólogo francês Jean-Pierre Poulain falando sobre a reorganização
do espaço social da cozinha.
Para ampliar a discussão sobre o tema, assista ao vídeo Relativismo Cultural e seus problemas disponível no canal SciFilo no Youtube.
Referências
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