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SAMU-192 Metropolitana II 5 APOSTILA DE REGULAÇÃO I- POLÍTICAS DE SAÚDE E A ATENÇÃO ÀS URGÊNCIAS ................................................................................................8 1. INTRODUÇÃO:.................................................................................................. 8 2. ASPECTOS HISTÓRICOS: ............................................................................... 9 3. A IMPLANTAÇÃO DO SUS E SEUS PRINCÍPIOS......................................... 12 4. A IMPLEMENTAÇÃO DO SUS ....................................................................... 13 5. A POLÍTICA NACIONAL DE ATENÇÃO ÀS URGÊNCIAS ............................ 18 II – O NEOLOGISMO “REGULAÇÃO MÉDICA”.................23 1.APROXIMAÇÃO DOS CONCEITOS ................................................................ 23 2.O COMPLEXO REGULADOR DA ASSISTÊNCIA........................................... 24 III - A REGULAÇÃO MÉDICA DAS URGÊNCIAS...............27 1. HISTÓRICO: .................................................................................................... 27 2. REGULAMENTAÇÃO...................................................................................... 29 3.CONCEITUAÇÃO DE URGÊNCIA E EMERGÊNCIA: ..................................... 30 4. BASES ÉTICAS............................................................................................... 33 5.ASPECTOS COMPLEMENTARES: ................................................................. 54 6. EMBASAMENTO LEGAL................................................................................ 56 7. REGULAÇÃO MÉDICA DAS URGÊNCIAS E DE LEITOS. ........................... 58 IV- ORGANIZAÇÃO DE CENTRAIS REGULADORAS DE URGÊNCIAS.........................................................................61 1. INTRODUÇÃO:................................................................................................ 61 2.INFRAESTRUTURA ......................................................................................... 62 3. RECURSOS HUMANOS: PERFIL E COMPETÊNCIAS.................................. 63 V – A ATENÇÃO PRÉ-HOSPITALAR MÓVEL....................70 1.ASPECTOS HISTÓRICOS ............................................................................... 70 3. MISSÃO ........................................................................................................... 72 4. ATIVIDADES DESENVOLVIDAS PELO SERVIÇO: ....................................... 73 5. PRINCÍPIOS OPERATIVOS ............................................................................ 73 6. TÉCNICAS DE REGULAÇÃO MÉDICA DAS URGÊNCIAS.......................... 75 6 VI - AS TRANSFERÊNCIAS INTER-HOSPITALARES .......81 1. MISSÃO ........................................................................................................... 81 2. PRINCÍPIOS OPERATIVOS ............................................................................ 81 4. TÉCNICAS DE REGULAÇÃO DAS TRANSFERÊNCIAS INTER- HOSPITALARES .............................................................................................................. 82 VII - PROTOCOLOS DE REGULAÇÃO...............................89 1.PROTOCOLOS DE REGULAÇÃO DA ATENÇÃO PRÉ-HOSPITALAR..........89. 2. PROTOCOLOS DE REGULAÇÃO DAS TRANSFERÊNCIAS INTER- HOSPITALARES.................................................................................................108 VIII- NOÇÕES DE REGULAÇÃO DA ATENÇÃO À MÚLTIPLAS VÍTIMAS......129 IX - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................................................140 X- ANEXO: ESPECIFICAÇÕES DAS FUNCIONALIDADES DO SISTEMA DE GESTÃO..............................................................................................................142 7 I - POLÍTICAS DE SAÚDE E A ATENÇÃO ÀS URGÊNCIAS 1. INTRODUÇÃO: A estruturação e desenvolvimento dos serviços de saúde voltados para a atenção às urgências no Brasil deu-se de forma bastante heterogênea, passando por lógicas diferenciadas em função dos momentos históricos. Este Contexto Nacional, caracterizado por uma ausência de políticas públicas na área da atenção às urgências, apresenta historicamente o menor nível de descentralização e hierarquização do SUS, com graves deficiências do ponto de vista organizacional, estrutural e operacional. A assistência às urgências ainda é extremamente centralizada, com características hospitalocêntricas dos anos 70-80, com marcante desigualdade no acesso atuando como fator perpetuador das distorções dos Sistemas de Saúde. Os Recursos financeiros são insuficientes em relação às necessidades de atendimento e em comparação com outros países, a configuração e distribuição de hospitais nem sempre reflete verdadeiramente o número de leitos ofertados, nem sua complexidade, e muito menos as necessidades reais da população. Os critérios para dimensionamento de leitos principalmente em áreas específicas não são coerentes com dados epidemiológicos. A Universalização crescente da clientela reflete aumento progressivo das demandas das mais variadas categorias aos serviços de urgência, inclusive da clientela anteriormente vinculada à saúde suplementar gerando o quadro clássico de “superlotação nos hospitais” em todo o território Nacional. O cidadão procura resolver seus problemas de saúde, muitas vezes batendo de porta em porta, quase sempre esperando por uma “consulta médica”, como resposta a todos os seus anseios. Os Pronto-Socorros Hospitalares constituem-se muitas vezes nas únicas e grandes Portas dos Sistemas de saúde, recebendo - embora nem sempre acolhendo - diferentes clientelas, que variam desde situações de emergência, com risco iminente de vida, casos de urgência, casos crônicos agudizados até casos de baixíssima complexidade não absorvidos pela atenção básica, que tem dificuldades em incorporar seu papel como porta de entrada do Sistema para casos de urgência de média e baixa complexidade. 8 Estas clientelas invariavelmente deparam-se nestes serviços, com profissionais desgastados, insatisfeitos devido a baixos salários e falta de política de recursos humanos justa e coerente; além de pouco ou indevidamente capacitados para uma abordagem tecnicamente correta e humanizada, e ainda podem ser “culpabilizadas” pelo “caos” gerado no serviço pela simples presença!! 2. ASPECTOS HISTÓRICOS: No início do século XX, apesar dos altos índices de mortalidade principalmente por epidemias, a assistência hospitalar não era realizada por Hospitais Públicos, mas pelas entidades filantrópicas, mantidas por contribuições e auxílios governamentais e trabalho voluntariado, com objetivo de isolar os doentes “contaminados” da sociedade. Por “contaminados”, neste caso, podemos entender também como os pobres e indigentes, pois os ricos compravam serviços dos profissionais liberais e eram atendidos em regime domiciliar. A partir de 1923, com a Lei Eloy Chaves, surge a previdência Social e são criadas as Caixas de Aposentadorias e Pensões, mantendo-se a exclusão da maioria da população do acesso aos serviços de saúde, embora a assistência médica fosse uma atribuição central e obrigatória. A década de 30 é caracterizada pela inclusão do modelo hospitalar estatizado, na assistência médica, de característica asilar, através de grandes hospitais para tratamento de tuberculose e Hanseníase, além da implantação progressiva de rede de serviços estaduais de saúde, voltados ao controle das doenças epidêmicas. A partir de 1937, o modelo de atenção era previdenciário, de caráter contencionista, visando acumulação e a assistência médica era colocada como função provisória e secundária. A ação do Estado no setor da saúde se divide claramente em dois ramos:de um lado a saúde pública, de caráter preventivo, e conduzida através de campanhas voltadas principalmente para evitar a disseminação das endemias rurais; de outro, a assistência médica, de caráter curativo, conduzida através da ação da previdência social. A partir de 1950, com a necessidade de implementação da assistência para garantir a capacidade produtiva do trabalhador e a influência do modelo americano surgem grandes hospitais, alguns construídos pelos próprios IAPs (que tinham financiamento do Estado, da Empresa e dos trabalhadores). Há uma 9 incorporação progressiva de tecnologia, numa visão de saúde extremamente hospitalocêntrica, obviamente de alto custo, que interessava à indústria farmacêutica e de equipamentos médicos e hospitalares, colocando em segundo plano a rede ambulatorial, cujos custos são bem menores. Em 1966 o governo unifica todos os IAPs, criados em 1930, surgindo então o INPS (Instituto Nacional de Previdência Social), passando a concentrar todas as contribuições previdenciárias. Ele vai gerir todas as aposentadorias, pensões e assistência médica dos trabalhadores do país, com uma Política de saúde que privilegiava a prática médica curativa, individual, assistencialista e especializada em detrimento da saúde preventiva, onde a organização de Sistemas de saúde era orientada pela lógica da lucratividade e privilegiavam o produtor privado de serviços de saúde em detrimento dos serviços próprios, através da compra desses serviços pela previdência, mecanismos de remuneração dos serviços privados e conveniados variável conforme a complexidade e densidade tecnológica do ato médico, favorecendo o processo de incorporação tecnológica. A rede assistencial tornou-se um negócio rendoso, e apesar da ampliação da cobertura urbana e rural, eram claras as desigualdades no acesso, qualidade e quantidade de serviços para as diferentes classes sociais. Com esta unificação a arrecadação da Previdência aumenta muito, tendo no início da década de 70 sua maior expansão em número de leitos disponíveis, em cobertura e no volume de recursos arrecadados e também o maior orçamento da história, utilizado sem controle pelo governo militar, financiando hospitais particulares, obras faraônicas e permitindo fraudes, Em contrapartida, é evidente o sucateamento dos diversos serviços de Saúde Pública. O governo anuncia linhas de financiamento a fundo perdido para empresas privadas construírem hospitais que atenderão os trabalhadores inscritos na Previdência social, hospitais esses que serão então financiados e sustentados pela previdência durante muitos anos. Posteriormente, quando estes proprietários consideraram-se capitalizados, se descredenciaram. O dinheiro da previdência não era mais suficiente para cobrir os gastos com assistência médica, e o número de leitos diminuiu. A lógica então, era baseada no Estado como grande financiador da saúde através da previdência social. A partir de 1974, com o término do período do milagre econômico, gradativamente inicia-se um processo de abertura política, onde cada vez mais 10 eram questionadas as repercussões dos efeitos do modelo econômico adotado sobre a saúde. O modelo já começava a apresentar grave crise financeira decorrente de fraudes, desvio de verba da previdência para financiamento de megaprojetos do governo, aumento de gastos com internações, consultas, exames realizados pelo setor privado, sendo, portanto caracterizado nesta década de 70, o modelo hegemônico médico assistencial privatista. No final da década de 70 e início de 80 surge proposta internacional de priorização da atenção e cuidados primários de saúde, acordada na Conferência Mundial de saúde de Alma- Ata, promovida pela OMS, através de um modelo de baixo custo, que possibilitasse impacto efetivo sobre a saúde das populações excluídas. Na prática, desenvolvia-se uma proposta de atenção primária seletiva, com poucos recursos e aparato tecnológico, destinada aos cidadãos excluídos, contando com pessoal pouco qualificado, diferente da proposta original de atenção primária à saúde articulada, inserida num Sistema hierarquizado e resolutivo, idealizada por seguimentos organizados da Sociedade, que passam a exigir soluções para os problemas da saúde criados pelo regime autoritário através de movimentos em busca da publicização do Sistema de Saúde, com extensão da cobertura dos serviços de saúde para toda a população, com ênfase na saúde pública, e novas políticas públicas que garantissem os direitos de cidadania, entre eles o direito à saúde. Preconizavam uma efetiva transferência de poder e responsabilidades para os Estados e Municípios, contrariando a tendência centralizadora, historicamente dominante desde o início do século, e a participação popular no planejamento, gestão e avaliação dos serviços de saúde. No final da década de 80, temos então como características das políticas sociais neoliberais uma privatização dos serviços sociais em geral, remetendo a regulação destes serviços de saúde a mecanismos de mercado, uma descentralização teoricamente boa para aproximar as decisões e aumentar eficácia e eficiência, mas com enfoque de Estado Mínimo, diminuindo o poder do Estado enquanto derivado da vontade do povo e uma Atenção Primária seletiva, com poucos recursos e dirigida prioritariamente para programas. 11 3. A IMPLANTAÇÃO DO SUS E SEUS PRINCÍPIOS Após a VIII Conferência Nacional da Saúde é que ocorreu a instituição do SUS (Sistema Único de Saúde), a partir da Constituição de 1988, que “garante a saúde como direito de todos e um dever do Estado, tendo os usuários acesso igualitário e universal às ações de promoção, prevenção e recuperação da saúde; mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação... Tais ações e serviços integram uma rede regionalizada e hierarquizada de serviços e constituem um sistema único, organizado de forma descentralizada, com direção única em cada esfera de governo, com atendimento integral e participação da comunidade... as instituições privadas tendo sua participação de forma a complementar aos serviços do SUS, com delegação de poderes para os níveis estatal e municipal, tendo o atendimento integral com maior enfoque a atividades preventivas...” regulamentada a seguir através de leis complementares: Lei 8.080 de setembro de 1990: Regula, em todo o Território Nacional, as ações e serviços de saúde, (inclusive atividades de serviços privados tendo em vista sua relevância pública) colocando, entre outras questões, seus princípios e diretrizes, ressaltando-se: • A Universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência; • A Integralidade da assistência; • A Descentralização político administrativa, com ênfase na descentralização dos serviços para os municípios; • A Regionalização e hierarquização da rede de serviços de saúde; A descentralização preconizada pelo SUS pode ser entendida como uma redistribuição das responsabilidades às ações e serviços de saúde entre os vários níveis de governo, de forma que quanto mais perto do cidadão as decisões forem tomadas, mais chance haverá de dar certo. Assim, uma das etapas para a implementação do SUS no Brasil é a municipalização da saúde, ou seja, fazer com que o município se responsabilize em administrar o dinheiro arrecadado e 12 promova ações em saúde, cabendo então aos municípios a maior responsabilidade na implementação das ações de saúde diretamente voltados para os seus cidadãos. Lei 8.142, de dezembro de 1990: • Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do SUS. • É a garantia constitucional de que a população através de suas entidades representativaspoderá participar do processo de formulação das políticas de saúde e do controle de sua execução, em todos os níveis, através dos Conselhos de Saúde (Nacional, Estadual, Municipal e local). • Disciplina-se a transferência de recursos arrecadados pela União para os Estados e municípios. Os recursos do FNS são repassados de forma regular e automática para os Estados e municípios. • Define, a partir da Constituição as diretrizes para participação do setor privado, que deve dar sob algumas condições como celebração do contrato, onde a instituição privada deve estar de acordo com os princípios básicos e normas técnicas do Sistema Único de Saúde. 4. A IMPLEMENTAÇÃO DO SUS Apesar dos avanços, no inicio da década de 90, a implementação do SUS constituía-se em um movimento contra-hegemônico à proposta de conservação do modelo médico-assistencial privatista. A implantação das Normas Operacionais Básicas do SUS, em especial das NOB-SUS 93 e 96, desencadeou um processo de descentralização intenso, transferindo para os estados e, principalmente, para os municípios, um conjunto de responsabilidades e recursos para a operacionalização do Sistema Único de Saúde, antes concentradas no nível federal. Na Primeira Norma editada, a NOB 01/91, ainda havia a manutenção da gestão do SUS centralizada até 1993, quando finalmente, foi extinto o INAMPS, assumindo a Secretaria de Assistência à Saúde do Ministério da Saúde as tarefas e responsabilidades sanitárias historicamente delegadas para a área previdenciária. 13 A NOB 93, do período pós-impeachment de Collor, resulta de fato, num instrumento fundamental para o processo de descentralização e municipalização da saúde, conforme determina a Constituição. Ela regulamenta a habilitação da gestão da saúde pelos municípios, desencadeando o processo de municipalização através da transferência automática de recursos financeiros fundo a fundo, possibilitando que os municípios transformem-se em gestores de fato do SUS, prevendo três formas de gestão: Incipiente, Parcial e Semi-plena (passando os municípios a gestores). A gestão Semi-Plena significou assim um importante avanço na qualificação das secretarias municipais de saúde no papel de gestores do Sistema Único de Saúde, com as seguintes características: • Transferência de recursos do Fundo Nacional de Saúde diretamente para os Fundos Municipais; • A responsabilidade pelo planejamento e gestão de todo o sistema de saúde, incluindo os prestadores de serviços de saúde públicos (estaduais e federais) e privados, passou a ser das secretarias municipais de saúde, sob acompanhamento e controle dos Conselhos Municipais de Saúde; • Criação das Comissões Intergestoras, responsáveis pela operacionalização do SUS e enfrentamento dos problemas na implantação desta NOB. A NOB 96 assinada em novembro de 1996 foi resultado de um intenso debate e negociações que duraram cerca de 2 anos, submetidos à deliberação da X Conferência Nacional de Saúde realizada em setembro de 1996. Entre os principais avanços a NOB 96 propõe-se a: • Promover e consolidar o pleno exercício do poder público municipal. • Caracterizar a responsabilidade sanitária de cada gestor • Reorganizar o modelo assistencial - descentralizando aos municípios a atenção básica da Saúde. • Diminuir relativamente o repasse por produção - aumentando o repasse fundo a fundo. 14 Na NOB 96 os municípios passam a ter duas formas de gestão: Plena da atenção básica e plena do Sistema Municipal. Foi implantado o PAB que passou a financiar a atenção básica com pagamento per capita e não mais por procedimentos. A prioridade da NOB foi a descentralização da gestão plena, e com o amadurecimento desta proposta, surgiram algumas dificuldades para a consolidação do Sistema. Vale ainda lembrar que a NOB/96 determina que seja elaborada a Programação Pactuada Integrada (PPI), como forma ascendente de planejamento, a partir das necessidades assistenciais de cada município, a fim de garantir o acesso da população a todos os serviços de saúde que ela necessita, seja dentro do próprio município ou por encaminhamento ordenado e pactuado a municípios vizinhos. Algumas Dificuldades na Implementação do SUS : A experiência acumulada, à medida em que o processo de gestão descentralizada do Sistema amadurece, evidencia um conjunto de problemas/obstáculos em relação a aspectos críticos para a consolidação do Sistema Único de Saúde / SUS. A NOB 96, efetivamente implantada em 1998 ainda não deixa claro o papel de cada esfera de governo, principalmente do Estado, a regionalização e hierarquização da assistência e ainda não consegue garantir um fluxo adequado dos casos de urgência entre os pequenos, médios e grandes municípios. Na prática, temos uma rede assistencial não hierarquizada, onde os pacientes são referenciados para os municípios–polo, que recebem uma demanda regional nem sempre de maneira organizada que sobrecarregam as portas hospitalares, com conseqüente dificuldade de acolhimento, não conseguindo efetivamente promover a garantia de acesso. Quanto ao Financiamento a alocação de recursos permanece fortemente vinculada à lógica de oferta de serviços, atrelada à série histórica de gastos de produção, à capacidade instalada e às necessidades de receita dos prestadores. O sistema de avaliação de serviços de saúde ainda predominante é o que refere-se apenas ao controle das faturas dos serviços remunerados por produção, nem sempre sendo valorizada a análise dos problemas de saúde, expressos através de indicadores de qualidade de vida e de morbi-mortalidade. 15 De acordo com as características demográficas existentes, observa-se que a maioria absoluta dos municípios não têm base populacional suficiente para que se justifique implantar uma rede completa de serviços em todos os seus níveis de complexidade. No entanto, a população desses lugares têm tanto direito à saúde quanto os moradores dos grandes centros. A única forma de garantir o acesso, portanto, é organizar redes de serviços, regionalizadas e hierarquizadas, onde um serviço de maior complexidade deve servir a mais de um município. Nos últimos anos, com o processo de descentralização da gestão do sistema de saúde e como estratégia para conferir maior resolutividade à rede assistencial local, houve um crescimento acentuado de estabelecimentos de saúde com o intuito de garantir a assistência às urgências, muitas vezes realizando internações que poderiam ser evitadas via prevenção adequada e tratamento ambulatorial eficaz, devido a uma deficiência crônica da oferta de serviços ambulatoriais e/ou à baixa resolutividade dos serviços existentes. Considerando a necessidade de dar continuidade ao processo de descentralização e organização do SUS fortalecido com a implementação da NOB 96, surge a Norma Operacional da Assistência à Saúde – NOAS-SUS 01/2001, clareando os papéis e atribuições dos municípios, estabelecendo suas formas de inserção no Sistema, principalmente quanto à hierarquização, definindo cada nível de atenção, conceituando efetivamente atenção primária, quais os procedimentos de média e alta complexidade. Ela amplia as responsabilidades dos municípios na Atenção Básica; define e estabelece “o processo de regionalização da assistência como estratégia de hierarquização dos serviços de saúde”; cria mecanismos para o fortalecimento da capacidade de gestão do Sistema Único de Saúde e procede a atualização dos critérios de habilitação de estados e municípios. Neste sentido, esta NOAS-SUS atualiza a regulamentação da assistência, considerando os avanços já obtidos e enfocando os desafios a serem superados no processo permanente de consolidação e aprimoramento do Sistema Único de Saúde. Estratégias: Esta NOAS-SUS atualiza a regulamentação da assistência,considerando os avanços já obtidos e enfocando os desafios a serem superados no processo permanente de consolidação e aprimoramento do Sistema Único de Saúde. 16 Preconiza um conjunto de estratégias que visam a Regulamentação da assistência e a regionalização, organizando os municípios em módulos e microregiões de saúde, cada um oferecendo serviços em determinado nível de complexidade para facilitar o acesso. Amplia ainda a forma de financiamento per capita para algumas ações de média complexidade. A NOAS está apoiada em 3 eixos: 1.A regionalização como estratégia de hierarquização de serviços, baseada na equidade. 2.Estratégias de fortalecimento da gestão (PPI, termos de compromisso para garantia de acesso, ações de controle e avaliação, ações de regulação da Assistência) 3.Novas formas e critérios de habilitação Assim, a estruturação das redes regionalizadas da atenção segue o seguinte modelo: Processo de Regionalização: Referência M1 Sede Pólo Microrregional Pólo Regional Satélite Referência M2 e/ou M3 Macro A Macro B Micro A1 Micro A2 Limite de módulo Limite de Micro Sede Pólo Microrregional Pólo Regional Satélite M1 Pólo Estadual Referência Alta Complexidade Pólo Estadual M3 M2 M1 M1 17 Municípios que realizam apenas atenção básica (PAB): Municípios Satélites: realizam a atenção básica ampliada (PABA) – contemplam os casos atendidos nos municípios PAB, além de área para observação de pacientes; Municípios Sede de Módulo Assistencial: realizam o PABA (atenção básica ampliada) e procedimentos hospitalares e diagnósticos mínimos de média complexidade (M1). Devem contar com unidades não hospitalares de atenção às urgências; Municípios Pólo Microrregional: realizam procedimentos de média complexidade (M2). Além de contar com as estruturas já mencionadas está previsto Unidades Hospitalares Gerais Tipo I; Municípios Pólo Regional: realizam procedimentos mais complexos (M3). Devem contar com Unidades Hospitalares de referência Tipo I e II. Este é o nível responsável em ordenar os fluxos das micro para macro regiões; Município Pólo Estadual: realizam procedimentos de alta complexidade. Além das estruturas mencionadas acima contam com Unidades Hospitalares de referência Tipo III. (Obs.: para detalhamento da classificação de referência hospitalar ver especificação no Cap. V da Portaria 2048/GM). 5. A POLÍTICA NACIONAL DE ATENÇÃO ÀS URGÊNCIAS Mesmo com a política de hierarquização da rede hospitalar com o pagamento diferenciado sobre a fatura dos hospitais de acordo com o porte e a complexidade, permanecem os problemas de superlotação e falta de qualidade na assistência às urgência. A falta de porta de entrada dos serviços de atendimento às urgências, ou seja, a desorganização do fluxo de entrada, leva o usuário a procura dos serviços de maior complexidade para situações que poderiam se resolvidas em unidades de menor complexidade. Naturalmente soma-se a isto a deficiência das unidades de atendimento básicas e de urgências, iniciando por falhas no gerenciamento e na capacitação dos profissionais atuantes nestas unidades até a falta de retaguarda de exames especializados e leitos hospitalares. Desta forma, esta estrutura arcaica acaba atuando como fator 18 perpetuador das tradicionais distorções do sistema, dando cobertura a muitas de suas falhas. Diante desse cenário, o Ministério da Saúde desencadeou o Plano de Atenção Integral às Urgências, de responsabilidade pactuada entre governos municipais, estaduais e a União. Assim, em 5 de novembro de 2002 foi aprovada a Portaria nº 2048/GM referente a Regulamentação Técnica dos Sistemas Estaduais de Urgência e Emergência. Este regulamento de caráter nacional envolve temas como os princípios e diretrizes dos Sistemas Estaduais de Urgência e Emergência e a elaboração dos Planos Estaduais de Atendimento às Urgências e Emergências e Regulação Médica. Além disso, estabelece as normas de funcionamento e classificação dos serviços de saúde, atendimento pré-hospitalar, atendimento pré- hospitalar móvel e hospitalar, transporte inter-hospitalar e ainda a criação dos Núcleos de Educação em Urgência – NEU, com proposição de grades curriculares para capacitação de todos os profissionais envolvidos no atendimento de urgência. Ampliando algumas questões contempladas anteriormente em outras políticas de combate à morbi-mortalidade nas urgências, além da Portaria 2048/GM, foi instituída a Portaria nº 1863 de 29 de setembro de 2003 implantando a Política Nacional de Atenção às Urgências, onde ocorre a incorporação de alguns novos elementos conceituais, além da revisão e retomada de outros já bastante difundidos, a saber: A) Atender as necessidades da população: parece óbvio afirmar que a atenção às urgências deva se dar a partir das necessidades da população, mas, na verdade, temos ainda como modelo hegemônico o planejamento da assistência a partir da disponibilidade financeira e da oferta dos serviços existentes. B) A adoção de Estratégias Promocionais de Qualidade de Vida, buscando identificar os determinantes e condicionantes das urgências clínicas, traumáticas, obstétricas, pediátricas e psiquiátricas, enfrentado-as por meio de ações transetoriais de responsabilidade pública e da participação e responsabilidade de toda a sociedade, é um dos alicerces fundamentais desta política do Ministério da Saúde. Ou seja, o diagnóstico das necessidades deve ser feito a partir da observação da área geográfica e da relação população/território, da avaliação de 19 necessidades dos diferentes grupos humanos, da utilização de dados de morbidade e mortalidade disponíveis, da observação das doenças emergentes, bem como da valorização de todas as informações que possam ser obtidas no sentido de pormenorizar tais necessidades. Deve-se também compor um quadro detalhado dos recursos existentes, levando-se em consideração sua quantidade, localização, complexidade, capacidade operacional e técnica. Do confronto das necessidades diagnosticadas com as ofertas existentes, poderemos visualizar as carências e projetara organização das chamadas redes loco regionais de atenção às urgências. C) Regionalização do sistema: é fundamental que se tenha claro que a Regionalização do atendimento é elemento indispensável para que se promova a integralidade e a eqüidade na assistência, apagando-se as fronteiras de Municípios e Estados e desenhando-se uma figura regional baseada na distribuição, localização e complexidade dos recursos existentes, observando-se a expressão dos fluxos da clientela já delineados. D) Organização de redes loco regionais de atenção às urgências: no modelo vigente, a assistência às urgências se dá nos “serviços” que funcionam exclusivamente para esse fim, os nossos tão conhecidos pronto socorros. Com portas abertas nas 24 horas, eles acabam atraindo clientelas desgarradas da atenção primária e especializada, que tratam de conservá-los permanentemente cheios, comprometendo a qualidade do atendimento. Assim, é imperativo estruturar um Sistema de Atenção às Urgências, que envolva toda a rede assistencial, como elos da cadeia de manutenção da vida. Fica assim estratifidada: D.1.Componente Pré-Hospitalar Fixo: composto pela: • Atenção Primária à Saúde que através das Unidades Básicas de Saúde e do Programa de Saúde da Família e suas equipes de Agentes Comunitários de Saúde, deve estar estruturado e capacitado para o enfrentamento das Urgências de menor complexidade, principalmente as que ocorrerem na clientela sob sua adscrição, além de poder dar o primeiro atendimento ou suporte de vida a casos graves; 20 • Rede de Atenção Especializada que deve responsabilizar-se pelos pacientes em acompanhamento especializado,dando-lhes retaguarda qualificada em quadros de agudização, bem como acolher prontamente para investigação e/ou seguimento os pacientes que sejam atendidos em serviços de urgência e • Rede de Apoio Diagnóstico e Terapêutico e Unidades não Hospitalares de Atendimento às Urgências (unidades de pronto atendimento e pronto socorros) que necessitam ser amplamente reestruturadas e qualificadas. D.2.Componente Pré-Hospitalar Móvel: composto pelos Serviços de Atendimento Pré-Hospitalar Móvel – SAMU -192, eleitos pelo governo como primeira ação no enfrentamento às urgências por seu alto potencial de impacto de preservação da vida, sua capacidade de “observatório do sistema e da saúde da população” e sua capacidade de intervenção nos fluxos de pacientes urgentes em todos os níveis do sistema, através da regulação médica; D.3.Componente Hospitalar: composto pelas Portas de Urgências de Hospitais Gerais ou Especializados, de qualquer porte ou nível de complexidade, aí incluindo todos os leitos do Sistema - os gerais, os especializados, os de longa permanência e os de terapia semi-intensiva e intensiva; D.4.Componente Pós-Hospitalar: composto pelas várias modalidades de Atenção Domiciliar, Hospitais Dia, Projetos de Reabilitação e outros serviços de suporte a pacientes com patologias crônicas ou incapacitantes, e tem por funções primordiais a humanização do atendimento a eles prestado, sua desospitalização e reintegração a suas famílias. Além disto, promove a desobstrução da rede hospitalar ao devolver o paciente à sua comunidade. Cada um desses níveis assistenciais deve ser capacitado e responsabilizado pela atenção a uma determinada parcela da demanda de urgência, respeitando os limites de sua complexidade e capacidade de resolução, criando, assim, uma hierarquia resolutiva com responsabilidade sanitária. Na verdade, temos que organizar o sistema para que ele possa acolher a clientela acometida por quadros agudos, de maior ou menor gravidade, a fim de que esta 21 demanda deixe de dirigir-se sistematicamente aos pronto-socorros, como acontece hoje em dia. Além disso, as ações da Política Nacional de Atenção às Urgências são complementadas com as seguintes estratégias inovadoras: E) Instalação e operação das Centrais de Regulação Médica de Urgências, que deverão atuar em íntima relação e integração com as demais Unidades de Trabalho do Complexo Regulador da Assistência no SUS, promovendo fluxos qualificados de entrada e saída dos pacientes na Rede de Atenção às Urgências; F) Capacitação e Educação Continuada das equipes de saúde de todos os âmbitos de atenção, envolvendo todos os trabalhadores do setor (pré-hospitalar fixo e móvel, hospitalar e pós-hospitalar), de nível superior e os de nível técnico, de acordo com as diretrizes do SUS. (P1863/GM) G) Orientação segundo os princípios de Humanização da Atenção. H) Núcleo de Educação em Urgência A criação dos Núcleos de Educação em Urgência, é proposto pela Portaria 2048/GM aos gestores do SUS, de forma a garantir melhor capacitação dos profissionais atuantes em todos os níveis de atenção às urgências. Registra: “Os Núcleos de Educação em Urgências devem se organizar como espaços de saber interinstitucional de formação, capacitação, habilitação e educação continuada de recursos humanos para as urgências, coordenado pelo gestor público e tendo como integrantes as secretarias municipais e estaduais e as instituições de referencia na área de urgência que formam e capacitam tanto o pessoal da área de saúde como qualquer outro setor que prestam socorro à população, de caráter público ou privado e de abrangência municipal, regional ou estadual.” (Portaria 2048/GM). 22 A Política Nacional de Atenção às Urgências, por sua abrangência deverá, portanto, exercer forte papel indutor na organização do Sistema Único de Saúde, estimulando o exercício do comando único e da pactuação tripartite para a manutenção de ações, que possam atender às diretrizes de Universalidade, Eqüidade e Integralidade do Sistema, bem como uma Hierarquização e Regionalização efetivas da atenção. II – O NEOLOGISMO “REGULAÇÃO MÉDICA” 1. INTRODUÇÃO AO CONCEITO DE REGULAÇÃO O termo Regulação médica teve origem na reorganização da atenção às urgências na França, que conseguiu êxito no seu objetivo de descongestionar as portas de entrada dos hospitais de urgência adotando dois processos concomitantes: a ampliação radical da atenção básica - com credenciamento quase universal de consultórios e clínicas ambulatoriais - e a implantação dos "SAMU" (Serviço de Atenção Médica de Urgência). Estes, além da prestação da assistência pré-hospitalar, funcionam como Centros Regionais de Regulação das urgências, conseguindo intervir, previamente, no fluxo dos usuários para os serviços de atendimento. Como resposta positiva a esse processo, a população francesa veio a assumir a conduta de telefonar previamente para um número de acesso público, buscando orientação e ajuda, antes de se dirigir a um serviço de urgência. Considerando a complexidade e a amplitude do conceito de Regulação, podemos apresentá-lo das mais variadas formas, utilizando-se de diferentes abordagens. Por razões didáticas, optamos por apresentá-lo neste momento na forma com foi originalmente utilizado, e posteriormente o ampliaremos quando formos abordar sua aplicabilidade na estruturação e operacionalização de Sistemas de urgência. Assim temos que: REGULAÇÃO : Do verbo “Regular”, significa : “que é ou que age segundo as regras, as leis, dirigir, acertar, ajustar, regularizar, guiar, orientar”(Segundo dicionário Michaelis) REGULADOR: “que regula, peça que ajusta o movimento de uma máquina”. 23 “Regulação Médica é um neologismo criado para designar uma forma organizada de responder a toda situação de urgência que necessite de cuidados médicos, de forma harmônica, proporcional, equânime, de acordo com as diretrizes do SUS, evitando o uso inadequado de recursos”. 2. O COMPLEXO REGULADOR DA ASSISTÊNCIA A Regulação do SUS é bastante ampla e complexa. Ela pressupõe a aplicação de instrumentos e regras, ações de controle e avaliação do uso dos diferentes serviços (protocolares), que vão do controle financeiro até a avaliação da sua performance. Dentre todas as diferentes modalidades de regulação, algumas se destacam por serem imprescindíveis à viabilização do acesso do cidadão ao serviço de saúde. Este acesso deve ser ordenado de modo a garantir a eficácia do tratamento a ser dispensado, usando como base, entre outros fatores, a gravidade do quadro clínico, bem como a necessidade de atenção urgente ou não. Deste acesso inicial, surge outro aspecto de fundamental importância, que é o contrato financeiro com suas variáveis (pactuação de assistência, tetos físico-financeiros, alta complexidade e outros). Ainda, após o acesso inicial, deve ser viabilizada a continuidade do tratamento, que não se esgota na assistência hospitalar, porém estende-se à assistência ambulatorial. De modo geral, compreende-se quatro preceitos básicos no aspecto do acesso do paciente ao serviço: • Identificação da demanda (existência do paciente, com uma queixa inicial); • Diagnóstico médico o mais precoce possível, a fim de indicar o tratamento necessário; • mecanismo de acesso do paciente ao serviço médico (inclui o transporte do mesmo, se necessário); e • respeitar a complexidade do serviço necessário, a partir dos dados até então obtidos, viabilizando a continuidade do tratamento. 24 Em linhas gerais, as funções básicas de macro regulação do Sistema de Saúde podem ser resumidas nos seguintes aspectos (citados apenas os mais relevantes): • Viabilização de acesso: acesso aos serviços de urgência, acesso aos leitos para internação, transferência de pacientes entre serviços médicosdiferentes, acesso à assistência ambulatorial especializada, exames complementares, etc.; • Controle financeiro: análise e interpretação dos processos de pactuação de atenção, processamento de contas (pagamentos) hospitalares e ambulatoriais, etc.; • auditoria/controle e avaliação: nos aspectos médicos da assistência, bem como financeiros; • gestão de serviços: próprios ou contratados, com mecanismos de análise da sua performance geral perante o sistema. O Complexo Regulador é o instrumento ordenador dos fluxos gerais das demandas dos usuários do SUS e garante uma multiplicidade de respostas que atenda suas necessidades, sendo constituído de diferentes unidades de trabalho, que ordenarão os fluxos de necessidades/respostas, nas urgências, nas demandas eletivas de atenção primária, da atenção especializada, internações (central de leitos), entre outras. As unidades de trabalho devem ser polivalentes no uso dos seus recursos, prevendo no seu interior as divisões de unidades de trabalho especializadas (oncologia, obstetrícia, recursos de alta complexidade etc). Como exemplo, uma gestante em trabalho de parto necessita um acolhimento integrado entre os fluxos de urgência, acesso a leitos, exames, atenção primária à saúde, ou seja, deve ser acolhida por diversas “unidades de trabalho” capazes de dar a melhor resposta, integrada e econômica ao sistema. Dessa forma, estas centrais interligadas entre si constituem o verdadeiro complexo regulador da assistência, cujo objetivo é a garantia do acesso do usuário ao sistema de acordo com princípios de equidade e de racionalização de recursos. 25 CENTRAL DE CONSULTAS ESPECIALIZADAS CENTRAL DE REGULAÇÃO MÉDICA DE URGÊNCIA CENTRAL DE EXAMES COMPLEMENTARES OUTRAS CENTRAIS COMPLEXO REGULADOR CENTRAL DE LEITOS HOSPITALARES ASSISTÊNCIA SOCIAL CENTRAL DE PROCEDIMENTOS DE ALTA COMPLEXIDADE Por definição, uma “Central” (latu sensu) pressupõe determinadas áreas físicas, onde se concentram meios materiais (mobiliário, equipamentos de informática e comunicação, etc.) e recursos humanos (diferentes categorias de profissionais) cuja finalidade é executar ações específicas, programadas, e que de modo geral podem ser orientadas por protocolos adequados às suas finalidades. Exemplos: Centrais de busca de leitos, de atendimento a usuários em situação de risco, de marcação de consultas, etc. Na medida da necessidade, desenvolvem trabalhos ininterruptos ou em turnos prolongados adequados à sua demanda de serviços. Têm ainda uma clientela definida para cuja demanda devem estar devidamente habilitadas a fim de viabilizar a resposta adequada. Fazem a gestão de determinados meios, que são utilizados de acordo com sua necessidade e sobre os quais devem ter domínio integral. Exemplo: disponibilidade de leitos, frota de ambulâncias para atendimento e transporte, etc. São, portanto, ferramentas de gestão fundamentais, quando aplicadas ao conceito de regulação do SUS. 26 III - A REGULAÇÃO MÉDICA DAS URGÊNCIAS 1. HISTÓRICO: O conceito de regulação médica das urgências tem sua origem no atendimento pré-hospitalar francês, como já citado. Embora a idéia do atendimento fora da estrutura hospitalar, com o uso de ambulâncias medicalizadas tenha se originado no final do século XIX em Nova Iorque e daí tenha sido levada para a Europa, é da França a concepção de Regulação Médica de Urgências que se utiliza no Brasil. Em 1986 é publicada uma lei francesa governamental que define os SAMU franceses (Sistema de Atenção Médica às Urgências) como serviços hospitalares com Centros de Recepção e Regulação das Chamadas – os Centros 15 – que coordenam os Serviços Móveis de Urgência e Reanimação (SMUR). Os SAMU têm como objetivo “responder com meios exclusivamente médicos às situações de emergência”, com as seguintes missões: “garantir uma escuta médica permanente; decidir e enviar, no menor prazo possível, a resposta mais adequada à natureza do chamado; assegurar a disponibilidade dos recursos hospitalares públicos ou privados adaptados ao estado do paciente, respeitando sua livre escolha e, preparar sua recepção; organizar o transporte para uma instituição pública ou privada, solicitando para isto os serviços públicos ou privados de transporte sanitário; garantir a admissão do paciente no hospital”. A mesma lei estabelece que os “Centros 15” devem manter comunicação privilegiada com os centros de operações do corpo de bombeiros – cujo número de acesso é o “18” – informando-se mutuamente, os dois centros, do andamento das respectivas intervenções. A lei determina que o SAMU se responsabilize por atividades de ensino que possibilitem a capacitação e formação continuada das profissões médicas e paramédicas (auxiliares do médico) para o atendimento às emergências. Regulamenta, por fim, a regionalização do sistema, com a definição da lista de unidades envolvidas no atendimento e sua respectiva atribuição. No Brasil a terminologia surge no início da década de 90 através de uma Cooperação franco-brasileira, mediada pelo Ministério da Saúde e o Ministério dos Assuntos estrangeiros na França, e que apresentava uma nova concepção de modelo de atenção pré-hospitalar, centrada no médico, contando com a 27 participação de profissionais da enfermagem e acrescentando o motorista de ambulância com uma formação específica. Esta discussão foi intensificada, em decorrência da constatação de mudanças importantes no perfil epidemiológico, evidenciando um aumento da incidência da morbimortalidade por causas externas e causas cardiovasculares e a ausência de políticas públicas de saúde voltadas para a atenção às urgências, tanto na área hospitalar, quanto na pré-hospitalar, caracterizada pela total desestruturação dos serviços, desorganização dos fluxos dos casos de urgência . Este modelo é estruturado através de “Centrais de Regulação” dos chamados de urgência e atendimento pré-hospitalar, chamadas SAMU- Serviço de Atendimento Médico de Urgência, constituindo-se em centrais inteligentes, onde existe uma “racionalidade” própria no gerenciamento dos recursos disponíveis, baseada na equidade, em quantidade e características compatíveis com a necessidade de cada caso, conforme prerrogativa de avaliação estritamente médica. A estruturação inicial destes serviços proporcionou a aglutinação de técnicos, que a partir de 1995 vem organizando-se para promover uma ampla discussão em todo o Brasil sobre a atenção às urgências e o que ela representa na organização de Sistemas de Saúde e no processo de construção do SUS. Os trabalhos deste grupo subsidiaram de forma importante a divulgação desta nova forma de trabalho, e resultaram concretamente em parecer do CFM, e, posteriormente, como um marco histórico na área de atenção às urgências, a Portaria Ministerial 824 de 24 de junho de 1999, onde fica regulamentada e conceituada a regulação médica, orientando e subsidiando a organização destes serviços. Surge então uma nova fase, em que são desenvolvidas as estratégias de implantação efetiva das diretrizes desta portaria através da incorporação destes conceitos pelos médicos reguladores e pelo corpo clínico dos hospitais, implicando na necessidade de mudança na postura destes profissionais no que diz respeito ao recebimento da demanda referenciada segundo determinados critérios, estabelecidos a partir da necessidade do paciente. A difusão do conceito de Regulação, então, propiciou o surgimento da portaria 814 /2000) que conceitua de forma mais ampliada e avança na normatização da atenção pré-hospitalar além de considerar a Regulação médica interferindo em outros momentos do processo assistencial e mais adiante, 28 consolidando estes conceitos e como marco importante surge a Portaria Ministerialnº 2048-GM de novembro de 2002 2. REGULAMENTAÇÃO A Resolução CFM No 1.529/98 e Portaria 2048/2002 disciplinam o atendimento pré-hospitalar e regulamenta vários aspectos do Transporte Inter- Hospitalar, conforme: • O hospital previamente estabelecido como referência não pode negar atendimento para casos que se enquadrem dentro de sua capacidade de resolução. • Não podem ser removidos pacientes em risco de vida iminente sem prévia e obrigatória avaliação e atendimento básico respiratório e hemodinâmico e realização de outras medidas urgentes e específicas para o caso. • Pacientes graves ou de risco só podem ser removidos acompanhados de equipe completa, incluindo médico, em ambulância de Suporte Avançado. • Antes de decidir a remoção, é necessário realizar contato com o hospital de destino. • Todo paciente deve ser acompanhado de relatório completo, legível e assinado com CRM (independente de contatos prévios telefônicos ou verbais), que passará a integrar o prontuário do mesmo, no destino. Este relatório deve também ser assinado pelo médico que recebeu o paciente, no destino. • Para o transporte, é necessária a obtenção de consentimento após esclarecimento, por escrito, assinado pelo paciente ou responsável. Isto pode ser dispensado quando houver risco de vida e não for possível a localização de responsáveis. Neste caso, pode o médico solicitante autorizar o transporte, documentando devidamente essa situação no prontuário. • A responsabilidade inicial é do médico transferente, até que o paciente seja efetivamente recebido pelo médico receptor; as providências para o transporte são de mútua responsabilidade entre os médicos. 29 3.CONCEITUAÇÃO DE URGÊNCIA E EMERGÊNCIA: Antes de falarmos nos conceitos de regulação médica das urgências, necessitamos inicialmente conceituar “urgência” e emergência”. Conceito Formal: Segundo o Conselho Federal de Medicina, em sua Resolução CFM n° 1451, de 10/03/1995, temos: Urgência: ocorrência imprevista de agravo à saúde com ou sem risco potencial de vida, cujo portador necessita de assistência médica imediata. Emergência: constatação médica de condições de agravo à saúde que impliquem em risco iminente de vida ou sofrimento intenso, exigindo, portanto, tratamento médico imediato. Conceito ampliado: Segundo prof. Le Coutour, " o conceito de urgência difere em função de quem a percebe ou sente: Para os usuários, seus familiares, pode estar associada a uma ruptura de ordem do curso da vida. É do imprevisto que tende a vir a urgência: “eu não posso esperar”. Para o médico, a noção de urgência repousa não sobre a ruptura, mas sobre o tempo, com prognóstico vital em certo intervalo: “ele não pode esperar”. - Para as instituições, a urgência corresponde a uma perturbação de sua organização, é “o que não pode ser previsto”. E Regulação das Urgências: Regulação Médica das Urgências, baseada na implantação de suas Centrais de Regulação, é o elemento ordenador e orientador dos Sistemas Estaduais de Urgência e Emergência. As Centrais, estruturadas nos níveis estadual, regional e/ou municipal, organizam a relação entre os vários serviços, qualificando o fluxo de pacientes no Sistema e geram porta de comunicação aberta ao público em geral, através da qual os pedidos de 30 socorro são recebidos, avaliados e hierarquizados. (Portaria 2048/GM) “Regular constitui-se operacionalmente em Estabelecer um diagnóstico telemédico da real necessidade e do grau de urgência de um a situação, classificar e estabelecer prioridades entre as demandas urgentes, definir e enviar recursos mais adaptados às necessidades do solicitante, no menor intervalo de tempo possível, acompanhar a atuação da equipe no local e providenciar acesso aos serviços receptores de forma equânime dentro de um Sistema de Saúde. Conforme resolução do CFM 1529/98 e Portaria MS n° 2048/2002, o ato de Regular, fica reconhecido enquanto um “ato médico”, que consistem em ajustar, sujeitando a regras, de forma organizada, todas as respostas às situações Gestão do fluxo de oferta de cuidados médicos de Urgência/Emergência em um município ou região”, possibilitando uma racionalização dos recursos disponíveis; composto por uma fase diagnóstica, obtida através dos dados coletados, concluído por uma decisão que corresponde a uma escolha terapêutica. Cabe então a este “médico regulador”, ouvir, qualificar, classificar a demanda e designar o recurso mais adaptado as suas necessidades, incluindo endereçá-la ao serviço mais adequado no momento para a continuidade do tratamento, de forma a respeitar as capacidades operacionais de cada serviço e garantir a distribuição racional dos casos nos serviços hospitalares disponíveis. A esta tarefa chama-se Regulação Médica que, portanto, apresenta duas dimensões: Uma dimensão técnica que diz respeito a decisão quanto ao tipo de recurso a ser enviado e a realização dos procedimentos de suporte básico e avançado de vida no local da ocorrência e durante transporte, na atenção pré- hospitalar. Uma outra dimensão, denominada gestora, refere-se ao uso racional do Sistema de saúde hierarquizado, estabelecendo qual tipo de serviço em determinado momento está mais bem preparado e em melhores condições de 31 receber determinado paciente para que ele possa ser melhor atendido e dar resolutividade ao seu problema. Este conceito foi considerado importante na estruturação de Sistemas Brasileiros de atenção às urgências, por várias razões, entre elas, porque reforça o papel da saúde enquanto responsável pela atenção integral à saúde do cidadão, numa lógica eqüitativa, utilizando-se das categorias profissionais existentes para tal fim: médicos enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem. Segundo, porque mostra-se um mecanismo eficiente no sentido se organizar Sistemas, reordenar fluxos, e pelo fato de constituir-se numa importante ferramenta de gestão, através do papel deste serviço enquanto um potencial observatório de saúde, cotidianamente avaliando e reavaliando fluxos e situações, orientando planejadores para suas ações. Estes conceitos, aplicados inicialmente nos SAMU, materializam-se através dos seguintes objetivos: • Garantir uma escuta médica permanente a toda demanda de atendimento de urgência • Classificar e priorizar as urgências • Determinar e desencadear a resposta mais adequada a cada caso, evitando intervenções inúteis, hospitalizações desnecessárias; • Assegurar a disponibilidade dos meios de assistência pública ou privada adequada ao estado do paciente, levando em conta o respeito de livre escolha, a grade de regionalização e hierarquização do Sistema • Gerando o acesso aos serviços de urgência de uma maneira eficiente e equânime; • primar pelo interesse público ( do cidadão) • Qualificar e ordenar fluxos oferecendo respostas individualizadas, por necessidade, complexidade disponível e proximidade segundo critérios de regionalização; Se entendermos as necessidades imediatas da população, ou necessidades agudas ou de urgência, como pontos de pressão por respostas 32 rápidas e tendo em vista seu potencial desorganizador sobre o funcionamento geral do sistema, dando visibilidade aos seus sucessos ou fracassos, poderemos equacionar uma oferta resolutiva para as urgências que determine a progressiva normalização da oferta programável. Então, as portas de urgência do sistema, sua real porta de entrada, passariam a acolher a clientela, prestando-lhe atendimento e direcionando-a aos locais adequados à continuidade do tratamento, transformando estas portas que hoje funcionam como verdadeiros “para raios” do sistema em “placas distribuidoras” do mesmo (Manual de Regulação Médica RBCE). 4. BASES ÉTICAS A abordagem da Ética neste Curso foi entendida como uma necessidadede imprimir uma mudança paradigmática nos processos ditos de educação, mas que se limitam a assumir uma postura repetitivamente repassadora de conteúdos que podem produzir apenas profissionais bem treinados e tecnicamente hábeis para o exercício da regulação médica. Pretendemos que este processo de capacitação seja voltado para a produzir uma sensibilização nestas pessoas envolvidas como processo de cuidar em saúde, para que elas tenham o entendimento do paciente como ser humano, complexo e não redutível à dimensão biológica e da saúde como um direito e um bem público a ser mantido ou conquistado através de seus esforços, considerado não apenas como um exercício profissional, mas um exercício de Ética e de Cidadania. A estrutura do curso previu então um conjunto de conhecimentos, gerais, específicos, de habilidades práticas e teóricas e neste módulo serão valorizados os hábitos, as atitudes e os valores éticos que possibilitem ao profissional uma atuação eficiente, consciente e ativa no âmbito do seu trabalho, que possa refletir na sociedade e em sua auto-realização enquanto sujeito. 33 4.1. CONCEITOS GERAIS DE ÉTICA E MORAL Falar em ética, inicialmente nos remete a uma idéia de comportamentos dos homens, que historicamente foram criando formas de se viver que se diferenciam no tempo e no espaço, construindo respostas diversificadas às suas necessidades, reformulando as respostas e inventando novas necessidades. Os costumes das pessoas, e os valores que atribuem às coisas a aos outros homens, podem ser entendidos enquanto atribuições de significados na maneira como o homem se relaciona com a natureza e com os outros homens, que variam de acordo com a necessidade, desejos, condições e circunstâncias em que se vive. É a cultura de cada grupo social que imprime como deve ser e o que se deve fazer se traduz numa série de prescrições, valores, estabelecimento de regras, relações hierárquicas que possibilitam uma vida em sociedade que a s sociedades criam para orientar a conduta dos indivíduos. Este seria o campo de atuação da moral e da ética. Ele diz respeito a uma realidade humana que é construída histórica e socialmente a partir das relações coletivas dos seres humanos nas sociedades onde nascem e vivem. Quando existem conflitos na sociedade, as respostas a esses conflitos do passam pela decisão pessoal, influenciadas pelas representações sociais, pela inserção cultural e política dos indivíduos e são ditadas pela moral, palavra originada do latim Mos, moris, que significa “maneira de se comportar regulada pelo uso”, que pode ser conceituada então como “o conjunto de normas, princípios, preceitos, costumes, valores, regras de conduta admitidas por um grupo de homens em determinada época e que norteiam o comportamento dos indivíduos.“ A moral portanto é normativa. O seu campo é a prática, é o modo de agir de um comportamento do homem, que age bem ou mal, certo ou errado, na medida em que acata ou transgride as regras do grupo, sendo que é a sua consciência que dirige suas atitudes. Esses comportamentos são ditados por conhecimentos morais que são adquiridos com a vivência dos indivíduos. O ser humano desde o nascimento é moldado pelo meio que o cerca, através da fala, dos gestos e demais interações. Inicialmente a partir da mãe, a seguir pela família, depois a escola, outras instituições, além da religião, da ideologia política e da própria sociedade como um todo. Na interação constante com todas estas instâncias é importante 34 lembrar que o homem é dotado do livre arbítrio de optar pelo certo ou errado segundo seu julgamento, a partir de valores próprios inerentes a cada indivíduo. A necessidade de problematizar estas respostas aos conflitos do cotidiano, é Campo específico da ética, definida por ARANHA (1993) como “ parte da filosofia que se ocupa com a reflexão a respeito das noções e princípios que fundamentam a vida moral” e esta reflexão pode seguir as mais diversas direções, dependendo da concepção do homem que se toma como ponto de partida. Podemos então entender a ética como uma espécie de ciência, teoria ou reflexão teórica, que analisa, investiga e critica os fundamentos e princípios que regem a conduta humana à luz de princípios morais. Ela está relacionada à opção, ao desejo de realizar a vida, mantendo com os outros, relações justas e aceitáveis. Via de regra está fundamentada nas idéias de bem e virtude, enquanto valores perseguidos por todo ser humano e cujo alcance se traduz numa existência plena e feliz. Segundo Aurélio Buarque de Holanda, ética é definida como: “Estudo dos juízos de apreciação referentes à conduta humana suscetível de qualificação do ponto de vista do bem e do mal, seja relativamente à determinada sociedade, seja de modo absoluto. A Filosofia, segundo Abagnano, trata a Ética em geral como “a ciência da conduta” e VASQUEZ (1995) amplia a definição afirmando que "a ética é a teoria ou ciência do comportamento moral dos homens em sociedade.” Habitualmente, no cotidiano, as pessoas não fazem distinção entre ética e moral, usam equivocadamente como sinônimos duas palavras distintas embora a etimologia dos termos seja semelhante. Segundo GODIM, Ética é uma palavra de origem grega, com dois significados possíveis. O primeiro é a palavra grega éthos, com e curto, que pode ser traduzida por costume. Serviu de base para a tradução latina MORAL. O segundo, também se escreve éthos, porém com e longo, que significa propriedade do caráter, “modo de ser”. É a que, de alguma forma, orienta a utilização atual que damos a palavra Ética. A ética, então como vimos, é definida como a teoria, o conhecimento ou a ciência do comportamento moral, que busca explicar, compreender, justificar e criticar a moral ou as morais de uma sociedade. A ética é filosófica e científica. 35 As reflexões desta ciência podem seguir as mais diversas direções, dependendo da concepção do homem que se toma como ponto de partida, existindo duas concepções fundamentais. Uma primeira, como ciência do Fim a que a conduta dos homens se deve dirigir, e dos Meios para atingir tal fim e deduzem tanto o fim quanto os meios da natureza do homem. Fala a linguagem do ideal a que o homem está dirigido pela sua natureza, e, por conseguinte da “natureza” ou “essência” ou “substância” do homem. É peculiar à esta concepção a noção do bem como realidade perfeita ou perfeição real. Uma segunda, que considera como ciência do móvel da conduta humana e procura determinar tal móvel com vistas a dirigir ou disciplinar a mesma conduta. Fala sobre “motivos” ou das “causas” da conduta humana ou das “forças” que determinam e pretendem ater-se ao conhecimento dos fatos). A confusão entre ambos os pontos de vista heterogêneos foi possibilitada pelo fato de ambas se apresentarem habitualmente na forma aparentemente idêntica de uma definição do bem. Mas, a análise da noção de bem mostra logo a ambigüidade que ela oculta; já que bem pode significar ou o que é ou o que é objeto de desejo, de aspiração e estes dois significados correspondem exatamente às duas concepções de Ética acima distintas. De modo que quando se afirma “O bem é a felicidade”, a palavra “bem”, tem um significado completamente diferente daquele que se encontra na afirmação “o bem é o prazer”. A primeira asserção (no sentido em que é feita, por exemplo, por Aristóteles e por São Tomás), significa: “A felicidade é o fim da conduta humana, dedutível da natureza racional do homem”; ao passo que a segunda seção significa: “O prazer é o móvel habitual e constante da conduta humana”. Como o significado e o alcance das duas asserções são, portanto, completamente diferentes, a distinção entre éticas do fim e éticas do móvel deve ser mantida continuamente presente nas discussões sobre a ética. Tal distinção, corta em duas ahistória da ética, e consente reconhecer como irrelevantes muitas das discussões de que ela é tecida e que não tem outra base senão a confusão entre os dois significados propostos. Por diferentes que sejam as doutrinas nas suas articulações internas, a sua impostação formal é idêntica. Elas procedem determinando a natureza necessária do homem e deduzindo de tal natureza o fim a que deve ser dirigida a conduta. 36 4.2. EXISTÊNCIA ÉTICA, SENSO MORAL E CONSCIÊNCIA MORAL “Nenhum homem é uma ilha”. Esta famosa frase do filósofo inglês Thomas Morus ajuda-nos a compreender que a vida humana é convívio. Para o ser humano viver é conviver. É justamente na convivência, na vida social e comunitária, que o ser humano se descobre e se realiza enquanto um ser moral e ético. É na relação com o outro que surgem os problemas e as indagações morais sobre o que devemos ou não fazer, sobre como agir ou não agir em determinada situação, como comportar-me perante o outro, qual a maneira mais correta de resolver determinadas situações, o que fazer diante da corrupção, das injustiças sociais, de milhares de famintos, o que temos ou não temos o direito de fazer por exemplo, diante de entes queridos com doenças terminais que permanecem vivos apenas através de máquinas. Constantemente no nosso cotidiano encontramos situações que nos colocam problemas morais. São problemas práticos e concretos da nossa vida em sociedade, ou seja, problemas que dizem respeito às nossas decisões, escolhas, ações e comportamentos - os quais exigem uma avaliação, um julgamento, um juízo de valor entre o que socialmente é considerado bom ou mau, justo ou injusto, certo ou errado, pela moral vigente. O problema é que não costumamos refletir e buscar os “porquês” de nossas escolhas, dos comportamentos, dos valores. Agimos por força do hábito, dos costumes e da tradição, tendendo à naturalizar a realidade social, política, econômica e cultural. Com isto, perdemos nossa capacidade critica diante da realidade. Em outras palavras, não costumamos fazer ética, pois não fazemos a crítica, nem buscamos compreender e explicitar a nossa realidade moral. As situações e conflitos vivenciados no cotidiano mobilizam nossos sentimentos de admiração, vergonha, culpa, remorso, contentamento, cólera, amor, dúvida, medo, etc. que são provocados por valores como justiça, honradez, espírito de sacrifício, integridade, generosidade, solidariedade, etc. Nossas dúvidas quanto à decisão a tomar e nossas ações cotidianas exprimem nosso senso moral, e também põem à prova nossa consciência moral, uma consciência crítica, formada pelo conjunto de exigências e prescrições que 37 reconhecemos como válidas para orientar nossas escolhas e discerne o valor moral de nossos atos. O senso moral e a consciência moral exigem que decidamos o que fazer, que justifiquemos para nós mesmos e para os outros as razões de nossas decisões e que assumamos todas as conseqüências delas, porque somos responsáveis por nossas opções e a decisões que conduzem a ações com conseqüências para nós e para os outros. Se o que caracteriza fundamentalmente o agir humano é a capacidade de antecipação ideal do resultado a ser alcançado, concluímos que é isso que torna o ato moral voluntário, ou seja, um ato de vontade que decide pela busca do fim proposto. A complexidade do ato moral etano fato que ele provoca efeitos não só na pessoa que age, mas naqueles que a cercam e na própria sociedade como um todo. Portanto para que um ato seja considerado moral ele deve ser livre, consciente, intencional. Pressupõe ainda a solidariedade e reciprocidade com aqueles com os quais nos comprometemos. E o compromisso não deve ser entendido como algo superficial e exterior, mas como ato que deriva do ser total do homem. Destas características decorre a responsabilidade, responsável é aquele que responde por seus atos, isto é, o homem, consciente e livre assume a autoria de seu ato reconhecendo-o como seu e respondendo pelas conseqüências dele. 4.3. ATRIBUIÇÃO DE JUÍZOS Como vimos, a ética, entendida como disciplina filosófica, relaciona-se diretamente com o estabelecimento de juízos de valor, e com o estudo das justificativas das ações humanas, procurando determinar, a respeito da conduta humana, não "o que é", mas "o que deve ser". É portanto, de natureza normativa, tendo por objeto um sistema de conceitos que constituem uma teoria do ideal a partir da qual emitimos juízos acerca da positividade ou negatividade dos valores transmitidos. Estes juízos sobre os valores são elementos importantes na tomada de decisões. Não podemos tomá-las baseando-se apenas em fatos. Se dissermos por exemplo, “Está chovendo”, estaremos enunciando um acontecimento constatado por nós e o juízo proferido é um juízo de fato. Se, porém falarmos, “A chuva é boa para as plantas”, ou “a chuva é bela”, estaremos 38 interpretando e avaliando o acontecimento. Nesse caso, proferimos um juízo de valor. Juízos de fato são aqueles que dizem o que as coisas são, como são e por que são. Em nossa vida cotidiana, mas também na metafísica e nas ciências, os juízos de fato estão presentes. Juízos de valor são avaliações sobre coisas, pessoas, situações, são proferidos na moral, nas artes, na política, na religião. Juízos de valor avaliam coisas, pessoas, ações, experiências, acontecimentos, sentimentos, estados de espírito, intenções e decisões como bons ou maus, desejáveis ou indesejáveis. Os juízos éticos de valor são também normativos, isto é, enunciam normas que determinam o dever ser de nossos sentimentos, nossos atos, nossos comportamentos. São juízos que enunciam obrigações e avaliam intenções e ações segundo o critério do correto e do incorreto. Nos dizem o que são o bem, o mal, a felicidade. Nos dizem também que sentimentos, intenções, atos e comportamentos devemos ter ou fazer para alcançarmos o bem e a felicidade, além de enunciarem ainda que atos, sentimentos, intenções e comportamentos são condenáveis ou incorretos do ponto de vista moral. A diferença entre estes tipos de juízo, nos remetem à origem da diferença entre Natureza e Cultura. A primeira, como já vimos, é constituída por estruturas e processos necessários, que existem em si e por si mesmos, independentemente de nós; a chuva é um fenômeno cujas causas e efeitos necessários podemos constatar e explicar. Por sua vez, a Cultura nasce de maneira como os seres humanos interpretam-se a si mesmos e as suas relações com a Natureza, acrescentando-lhes sentidos novos, intervindo nela, alterando-a através do trabalho e da técnica, dando-lhe valores. Dizer que a chuva é boa para as plantações pressupõe a relação cultural dos humanos com a Natureza, através da agricultura. Considerar a chuva bela pressupõe uma relação valorativa dos humanos com a Natureza, percebida como objeto de contemplação. Freqüentemente, não notamos a origem cultural nos valores éticos, do senso moral e da consciência moral, porque somos educados (cultivados) para eles e neles, como se fossem naturais, existentes em si e por si mesmos. Para garantir a manutenção dos padrões morais através dos tempos e sua continuidade de geração a geração, as sociedades tendem a naturalizá-los. A naturalização da 39 existência moral esconde, portanto, o mais importante da ética; o fato de ela ser uma criação histórico-cultural. 4.4. O AGIR ÉTICO Para que haja conduta ética é preciso que exista o agente consciente, isto é, aquele que conhece a diferença entre bem e mal, certo e errado, permitido e proibido, virtude e vício. A consciência moral, não só conhece tais diferenças, mas também se reconhece como capaz de julgar o valor dos atos e das condutas e de agir em conformidade com os valores morais, sendo por isso responsável por suas ações e seus sentimentos, e pelasconseqüências do que faz e sente. Consciência e responsabilidade são portanto condições indispensáveis da vida ética. A consciência moral manifesta-se, antes de tudo, na capacidade para deliberar diante de alternativas possíveis, decidindo e escolhendo uma delas antes de alçar-se na ação. Tem a capacidade para avaliar e pesar as motivações pessoais, as exigências feitas pela situação, as conseqüências para si e para os outros, a conformidade entre meios e fins (empregar meios imorais para alcançar fins morais é impossível), a obrigação de respeitar o estabelecido ou de transgredi-lo (se o estabelecido for imoral ou injusto). A vontade é este poder deliberativo e decisório do agente moral. Para que exerça tal poder sobre o agente moral a vontade deve ser livre, isto é, não pode estar submetida à vontade de um outro nem pode estar submetida aos instintos e às paixões, mas ao contrário, deve ter poder sobre eles e elas. O campo ético, assim, constituído pelos valores e pelas obrigações que formam o conteúdo das condutas morais, isto é, as virtudes,. Estas são realizadas pelo sujeito moral, principal constituinte da existência ética que deve apresentar como características: • Ser consciente de si e dos outros, isto é, ser capaz de reflexão e de reconhecer a existência dos outros como sujeitos éticos iguais a ele; • Ser dotado de vontade, isto é, de capacidade para controlar e orientar desejos, impulsos, tendências, sentimentos (para que estejam em conformidade com a consciência) e de capacidade para deliberar e decidir entre várias alternativas possíveis; 40 • Ser responsável, isto é, reconhecer-se como autor da ação, avaliar os efeitos e conseqüências dela sobre si e sobre nos outros, assumi-la bem como às suas conseqüências, respondendo por elas; • Ser livre, isto é, ser capaz de oferecer-se como causa interna de seus sentimentos atitudes e ações, por não estar submetido a poderes externos, que o forcem e o constranjam a sentir, a querer, e a fazer alguma coisa. A liberdade não é tanto o poder para escolher entre vários possíveis, mas o poder para autodeterminar-se, dando a si mesmo as regras de conduta. O campo ético é, portanto, constituído por dois pólos internamente relacionados: o agente ou sujeito moral e os valores morais ou virtudes éticas. Do ponto de vista do agente ou do sujeito moral, a ética faz uma exigência essencial, qual seja, a diferença entre passividade e atividade. Passivo é aquele que se deixa governar e arrastar pó seus impulsos, inclinações e paixões pelas circunstâncias, pela boa ou má sorte, pela opinião alheia, pelo medo dos outros, pela vontade de um outro, não exercendo sua própria consciência, vontade, liberdade e responsabilidade. Ao contrário, é ativo ou virtuoso aquele que controla interiormente seus impulsos, suas inclinações, e suas paixões, discute consigo mesmo e com os outros os sentidos dos valores e dos fins estabelecidos, indaga se deve e como deve ser respeitados ou transgredidos por outros valores e fins superiores aos existentes, avalia sua capacidade para dar a si mesmo as regras de conduta, consulta sua razão e sua vontade antes de agir, tem consideração pelos outros sem subordinar-se nem se submeter cegamente a eles, responde pelo que faz, julga suas próprias intenções e recusa a violência contra si e contra os outros. 4.5. PRINCÍPIOS DA BIOÉTICA O grande objetivo da vida, para Aristóteles, seria a felicidade, e esta seria possível graças à qualidade especificamente humana, que diferencia o homem dos outros seres, sua capacidade de raciocínio, a qual lhe permitiria ultrapassar e governar todas as outras formas de vida. Presumia o filósofo que a 41 evolução dessa faculdade traria realização pessoal e felicidade. Mas o filósofo não previu que essa mesma peculiaridade faria o homem conquistar campos inimagináveis, que o colocariam no limiar da sua própria natureza. Talvez nunca se tenha pensado que esse domínio do homem pudesse ameaçar a qualidade e a sobrevivência da vida em si mesma. Mas isso já aconteceu. Toda comunidade científica está em alerta já que as descobertas da biotecnologia se sobrepõem com uma rapidez inigualável. É preciso fazer com que a ética consiga ao menos se aproximar desses avanços e trazer perspectivas melhores à humanidade. A grande questão que se impõe é: face aos avanços da engenharia genética e da biotecnologia, qual o comportamento a ser adotado pelos profissionais das diversas áreas ao enfrentarem os desafios decorrentes dessa evolução? Talvez a resposta fosse mais simples se a própria sociedade já tivesse traçado suas diretrizes para o assunto, mas também ela está perplexa. Assim, a bioética nasceu e se desenvolveu a partir dos grandes avanços da biologia molecular e da biotecnologia aplicada à medicina realizados nos últimos anos; das denuncias dos abusos realizados pela experimentação biomédica em seres humanos; do pluralismo moral reinante nos países de cultura ocidental; da maior aproximação dos filósofos da moral aos problemas relacionados com a vida humana, a sua qualidade, o seu início e o seu final; das declarações das instituições religiosas sobre os mesmo temas; das intervenções dos poderes legislativos e inclusive dos poderes executivos em questões que envolvem a proteção à vida ou os direitos dos cidadãos sobre sua saúde, reprodução e morte; do posicionamento de organismos e entidades internacionais. A bioética portanto, trata de forma geral dos aspectos éticos relacionados com o fenômeno vida nas suas múltiplas variedades; de modo particular ela estuda os problemas éticos decorrentes das ciências biomédicas considerados de forma interdisciplinar e intercultural. Analisa os problemas éticos dos pacientes, de médicos e de todos os envolvidos na assistência médica e pesquisas científicas relacionados com o início, a continuação e o fim da vida, como as técnicas de reprodução humana assistida, a engenharia genética, os transplantes de órgãos, as técnicas para alteração do sexo, prolongamento artificial da vida, os direitos dos pacientes terminais, a morte encefálica, a eutanásia, dentre outros 42 fenômenos. Enfim, visa a analisar as implicações morais e sociais das técnicas resultantes dos avanços nas ciências, nos quais o ser humano é simultaneamente ator e espectador. A alteridade é um critério fundamental para toda reflexão e prática bioética e refere-se ao respeito pelo outro, entendendo a pessoa como fundamento de toda ação bioética, buscando o equilíbrio entre os diversos pontos de vista e o convívio com as diferenças. A relação da bioética com o Direito (Biodireito) surge da necessidade do jurista obter instrumentos eficientes para propor soluções para os problemas que a sociedade tecnológica cria, em especial no atual estágio de desenvolvimento, no qual a biotecnologia desponta como a atividade empresarial que vem atraindo mais investimentos. É necessário promover a valorização da dignidade da pessoa humana, em respeito à Constituição Federal, esta é a tarefa do jurista, sendo a bioética um fundamental instrumento para que se atinja este objetivo e suas perspectivas encaminham-se para uma presença cada vez maior nas decisões pertinentes aos profissionais da saúde, aos seus usuários e às entidades públicas de poder e de governo. Em 1979 os norte-americanos Tom L. Beauchamp e James F. Childress publicam o livro “Principles of biomedical Ethics”, influenciados basicamente por William Frankena que afirma que "o Princípio da Beneficência não nos diz como distribuir o bem e o mal. Só nos manda promover o primeiro e evitar o segundo. Quando se manifestam exigências conflitantes, o mais que ele pode fazer é aconselhar-nos a conseguir a maior porção possível de bem relação ao mal, ou seja, não causar o mal , maximizar os benefícios possíveis e minimizar
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