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Prévia do material em texto

PSICOTERAPIAS
COGNITIVA E
CONSTRUTIVISTA
Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:561
P974 Psicoterapias cognitiva e construtivista : novas fronteiras da
prática clínica [recurso eletrônico] / Cristiano Nabuco de
Abreu ... [et al.]. � Dados eletrônicos. � Porto Alegre :
Artmed, 2012.
Editado também como livro impresso em 2003.
ISBN 978-85-363-2722-8
1. Psicoterapia cognitiva. 2. Psicoterapia construtivista. 3.
Psicoterapia � Prática clínica. I. Abreu, Cristiano Nabuco de.
CDU 615.851
Catalogação na publicação: Ana Paula M. Magnus � CRB 10/2052
Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:562
PSICOTERAPIAS
COGNITIVA E
CONSTRUTIVISTA
NOVAS FRONTEIRAS DA PRÁTICA CLÍNICA
2012
CRISTIANO NABUCO DE ABREU
MIRÉIA ROSO
(E COLABORADORES)
VERSÃO IMPRESSA
DESTA OBRA: 2003
Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:563
©Grupo A Educação S.A, 2012
Capa
Gustavo Macri
Preparação do original
Elisângela Rosa dos Santos
Leitura Final
Claudia Bressan
Supervisão editorial
Mônica Ballejo Canto
Projeto e editoração
Armazém Digital Editoração Eletrônica � rcmv
Reservados todos os direitos de publicação, em língua portuguesa, à
ARTMED EDITORA LTDA., divisão do GRUPO A EDUCAÇÃO S.A.
Av. Jerônimo de Ornelas, 670 � Santana
90040-340 Porto Alegre RS
Fone: (51) 3027-7000 Fax: (51) 3027-7070
É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte,
sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação,
fotocópia, distribuição na Web e outros), sem permissão expressa da Editora.
SÃO PAULO
Av. Embaixador Macedo Soares, 10.735 � Pavilhão 5
Cond. Espace Center � Vila Anastácio
05095-035 São Paulo SP
Fone: (11) 3665-1100 Fax: (11) 3667-1333
SAC 0800 703-3444 � www.grupoa.com.br
IMPRESSO NO BRASIL
PRINTED IN BRAZIL
Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:564
Autores
Corinna Schabbel, psicóloga � The Fielding
Institute � Califórnia.
Cristiana Vallias de Oliveira Lima, psicóloga.
Cristopher Muran, psicólogo � Brief Psycho-
terapy Research Program � Beth Israel Medical
Center; Albert Einstein College of Medicine.
Daniel Boleira Sieiro Guimarães, psiquiatra
� Ambulatório de Bulimia e Transtornos Ali-
mentares (AMBULIM) do Instituto de Psiquia-
tria do Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo.
Eduardo Simon, psiquiatra � Núcleo de Psico-
terapia Cognitiva de São Paulo.
Eliana da Silva Ramos Arruda, psicóloga.
Eliane Falcone, psicóloga � Instituto de Psico-
logia da Universidade Estadual do Rio de Ja-
neiro.
Flávia Andrade, psicóloga � Núcleo de Psico-
terapia Cognitiva de São Paulo.
Francisco Lotufo Neto, psiquiatra � Instituto
de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Facul-
dade de Medicina da Universidade de São Pau-
lo.
Helene Shinohara, psicóloga � Pontifícia Uni-
versidade Católica do Rio de Janeiro.
Henrique Alvarenga da Silva, psiquiatra � De-
partamento de Engenharia Biomédica da Uni-
versidade Federal de São João Del-Rei; Núcleo
Mineiro de Psicoterapias Cognitivas.
Cristiano Nabuco de Abreu (org.), psicólo-
go � Ambulatório de Bulimia e Transtornos
Alimentares (AMBULIM) do Instituto de Psi-
quiatria do Hospital das Clínicas da Faculda-
de de Medicina da Universidade de São Pau-
lo; Núcleo de Psicoterapia Cognitiva de São
Paulo.
Miréia Roso (org.), psicóloga � Ambulatório
de Doenças Afetivas (GRUDA) do Instituto de
Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculda-
de de Medicina da Universidade de São Paulo.
Aaron T. Beck, psiquiatra � Psychopathology
Research Unit � Department of Psychiatry �
University of Pennsylvania.
Admar Cardoso Jr., psicólogo � Centro de
Aperfeiçoamento Profissional (CEFAP).
Álvaro Pacheco Duran, psicólogo � UNICAMP.
Augusto Zagmutt Cahbar, psicólogo � Sociedad
de Terapía Cognitiva Posracionalista (Santiago).
Carlos Eduardo Gonçalves Reche, psiquia-
tra � Faculdade de Psicologia da Universida-
de do Estado de Minas Gerais; Núcleo Minei-
ro de Psicoterapias Cognitivas.
Carlos Eduardo Leal Vidal, psiquiatra � Facul-
dade de Medicina de Barbacena (Minas Gerais);
Núcleo Mineiro de Psicoterapias Cognitivas.
Carlos Eduardo Pires e Albuquerque, psicó-
logo � Consultores Associados Milton de Olivei-
ra; Núcleo Mineiro de Psicoterapias Cognitivas
Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:565
Jeremy Safran, psicólogo � New School for So-
cial Research (New York).
Ivana Lia Rios Costa, psicóloga � Centro de
Formação e Aperfeiçoamento Profissional
(CEFAP).
Lígia Montenegro Ito, psicóloga � Laborató-
rio de Investigações Médicas (LIM 23) do Ins-
tituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas
da Faculdade de Medicina da Universidade de
São Paulo.
Lilian Erichsen Nassif, psicóloga � Faculdade
de Filosofia e Ciências Humanas da Universi-
dade Federal de Minas Gerais; Núcleo Mineiro
de Psicoterapias Cognitivas.
Luciane Gonzalez Valle, psicóloga.
Mateo Ferrer Farji, psicólogo � Sociedad de
Terapía Cognitiva Posracionalista (Santiago).
Mariangela Gentil Savoia, psicóloga � Ambu-
latório de Ansiedade (AMBAN) do Instituto de
Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Facul-
dade de Medicina da Universidade de São Pau-
lo; Centro de Atenção Integrada em Saúde
Mental (CAISM) da Irmandade da Santa Casa
de Misericórdia de São Paulo.
Maurits Kwee, psicólogo � Waseda University;
Advanced Research Center for Human Sciences.
Myrian Vallias de Oliveira Lima, psicóloga.
Raquel Gonçalves Wanderley, psicóloga �
Núcleo Mineiro de Psicoterapias Cognitivas.
Simone da Silva Machado, psicóloga � Uni-
versidade de Santa Cruz do Sul; Centro de Con-
trole de Stress; Núcleo de Estudos e de Atendi-
mento em Psicoterapias Cognitivas.
Willem Kuyken, psicólogo � Psychology Depar-
tment � Exerter University.
vi Autores
Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:566
Sumário
Prefácio ................................................................................................................................. 11
Táki Athanássios Cordás
Introdução ............................................................................................................................ 13
Miréia Roso e Cristiano Nabuco de Abreu
PARTE I
Aspectos epistemológicos
1. Verdade, conhecimento e emoção nas abordagens cognitivas ...................................... 21
Henrique Alvarenga da Silva
2. Cognitivismo e construtivismo ..................................................................................... 35
Cristiano Nabuco de Abreu e Miréia Roso
PARTE II
Um estudo comparativo entre os modelos cognitivo e construtivista
3. Terapia cognitiva: abordagem revolucionária .............................................................. 53
Aaron T. Beck e Willem Kuyken
4. Técnicas selecionadas da prática da terapia cognitiva .................................................. 61
Helene Shinohara
5. Construtivismo e prática clínica da rebiografia narrativa ............................................. 69
Maurits Kwee
6. Técnicas selecionadas da prática da terapia construtivista ........................................... 89
Simone da Silva Machado
Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:567
PARTE III
A terapia cognitiva dos transtornos psiquiátricos
7. Fobia social ................................................................................................................ 101
Mariangela Gentil Savoia
8. Transtornos alimentares ............................................................................................. 113
Daniel Boleira Sieiro Guimarães
9. Transtorno de pânico ................................................................................................. 125
Lígia Montenegro Ito
10. Depressão .................................................................................................................. 133
Cristiana Vallias de Oliveira Lima
11. Transtorno obsessivo-compulsivo ............................................................................... 139
Carlos Eduardo Leal Vidal e Raquel Gonçalves Wanderley
12. Dependência química .................................................................................................149
Flávia Andrade e Eduardo Simon
PARTE IV
A terapia construtivista dos transtornos psiquiátricos
13. Fobia social ................................................................................................................ 159
Miréia Roso
14. Transtornos alimentares ............................................................................................. 167
Augusto Zagmutt Cahbar e Mateo Ferrer Farji
15. Transtorno de pânico ................................................................................................. 181
Luciane Gonzalez Valle
16. Depressão .................................................................................................................. 195
Álvaro Pacheco Duran
17. Transtorno obsessivo-compulsivo ............................................................................... 203
Carlos Eduardo Gonçalves Reche
18. Alcoolismo ................................................................................................................. 215
Lilian Erichsen Nassif
PARTE V
Os modelos cognitivo e construtivista na terapia de casal
19. Terapia de casal: enfoque cognitivo ........................................................................... 229
Myrian Vallias de Oliveira Lima
20. Terapia de casal: enfoque construtivista ..................................................................... 237
Corinna Schabbel e Eliana da Silva Ramos Arruda
8 Sumário
Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:568
PARTE VI
Novas fronteiras da prática clínica
21. Modelos de estágios do processo de resolução da ruptura da aliança ......................... 251
Jeremy Safran e Cristopher Muran
22. Empatia ..................................................................................................................... 275
Eliane Falcone
23. Religião, psicoterapia e saúde mental ........................................................................ 289
Francisco Lotufo Neto
24. Construtivismo e cultura organizacional .................................................................... 303
Carlos Eduardo Pires e Albuquerque
25. Terapias cognitivas na oncologia ................................................................................ 315
Admar Cardoso Jr. e Ivana Lia Rios Costa
26. A pessoa do terapeuta e o processo de mudança em psicoterapia .............................. 325
Cristiano Nabuco de Abreu
Sumário 9
Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:569
Prefácio
O uso de recursos psicológicos no trata-
mento dos quadros psiquiátricos e no auxílio à
superação da dor e do desconforto humano
remonta à Antigüidade Clássica, provavelmen-
te antes da máxima socrática �Noxe te ixum�
(Conhece-te a ti mesmo�). Esses procedimen-
tos podem ser identificados nas mais diferen-
tes formas de apoio, persuasão, confissão reli-
giosa, obras literárias e uso de arte.
De maneira sistemática, porém, o início do
século XX marca o desenvolvimento da psicote-
rapia como teoria e prática pelas mãos de três
homens: Freud, Jung e Adler. Cumpre ressaltar
que Adler não recebeu o reconhecimento ime-
diato nos círculos psicoterápicos de maneira tão
ufanista quanto os dois primeiros, mas sua ên-
fase na importância do presente e do futuro em
psicoterapia o tornam um pioneiro em aspectos
que a terapia cognitivo-comportamental ressal-
taria somente décadas depois.
Mais de 700 �marcas� de psicoterapia es-
tão no mercado, boa parte delas com corpos
teóricos rudimentares ou com referenciais
emprestados ou mal copiados de outras linhas
psicoterápicas. Nesse sentido, a pesquisa so-
bre a efetividade das psicoterapias encontra
objetores radicais particularmente entre de-
terminados redutos psicanalíticos, bem como
problemas metodológicos importantes, entre
eles a escolha do método qualitativo ou quan-
titativo.
No entanto, as psicoterapias de orienta-
ção comportamental e cognitiva buscaram pre-
cocemente sua validação científica e sua eficá-
cia no tratamento de diversos transtornos psi-
quiátricos. O mesmo ainda não ocorreu com o
construtivismo aplicado à psicoterapia. Apesar
de sua reconhecida importância na área da edu-
cação, somente nas últimas duas décadas co-
meçou a ter uma base teórica cada vez mais
sólida para sustentar a compreensão dos pro-
cessos envolvidos na mudança humana e, por-
tanto, aplicadas à psicoterapia.
Vale abrir um parênteses neste prefácio
para esclarecer que, quando falamos de tera-
pia construtivista, não estamos falando ape-
nas a respeito de uma mera vertente da tera-
pia cognitiva, mas sim de uma abordagem que,
em si mesma, apresenta variantes importan-
tes.
Para fins didáticos, as teorias construti-
vistas em psicoterapia podem ser divididas em
duas variantes, que se diferenciam principal-
mente pelo conceito que têm do significado da
realidade: o construtivismo radical e o cons-
trutivismo crítico. O construtivismo radical tem
como referência a posição idealista, tal como
na Filosofia, afirmando que não há realidade
além de nossa experiência pessoal. Nesse sen-
tido, o conhecimento não reflete uma necessi-
dade ontológica objetiva, e sim a experiência
tal qual a construímos. Sua maior e mais re-
cente expressão são os trabalhos de Maturana
e Varela e o conceito que utilizam de autopoiese
(sistemas que se auto-organizam constante-
mente).
O construtivismo crítico não nega a exis-
tência de um mundo real, mesmo que não pos-
Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5611
samos conhecê-lo diretamente. Nessa perspec-
tiva, o indivíduo é um co-criador de sua reali-
dade pessoal, ou seja, a realidade externa existe
objetivamente, porém o conhecimento desta ja-
mais será objetivo, e sim construído pelo obje-
tivo, a partir de suas percepçõs e experiências.
Muitos são os autores que partem dessa pers-
pectiva teórica para formular suas teorias psi-
cológicas construtivistas e, conseqüentemen-
te, suas propostas terapêuticas. Alguns dos mais
representativos na atual psicologia construti-
vista são Michael Mahoney (EUA), Vittorio
Guidano (Itália), Óscar Gonçalves (Portugal),
Jeremy Safran (EUA), Leslie Greenberg (Ca-
nadá) e Robert Neimeyer (EUA). Vários outros,
entre eles brasileiros e colaboradores deste li-
vro, têm contribuído para o desenvolvimento
das teorias e psicoterapias construtivistas. Ou-
tro aspecto refletido por este livro é o da inter-
disciplinaridade dos estudos cognitivos, o qual
tem crescido muito desde os anos 70. O que se
chama hoje de ciência cognitiva dissemina sua
influência e busca soluções em áreas tão ex-
tensas quanto a natureza do pensamento, das
emoções, da lingüística, da filosofia e da psi-
quiatria. Com certeza, a psicoterapia cognitiva
rege em sua aplicação todas essas áreas dire-
tamente relacionadas ao ser humano que bus-
ca mudanças � talvez por isso o autor deste
prefácio não seja nem psicólogo nem psicote-
rapeuta.
Elogios à competência dos organizadores,
Cristiano Nabuco de Abreu e Miréia Roso, e
dos autores seria redundante uma vez que a
importância científica e didática de seu traba-
lho é sobejamente conhecida. Assim, o melhor
a fazer é agradecer profundamente a todos.
Agradecer não apenas pela qualidade técnica
incontestável desta obra, mas também pelo
exemplo de diletantismo, pois não é possível
usar outro termo para quem busca ensinar e
discutir suas idéias.
Táki Athanássios Cordás
Coordenador Geral do Ambulatório de Bulimia
e Transtornos Alimentares (AMBULIM) do
Instituto de Psiquiatria do Hospital
das Clínicas da Faculdade de Medicina
da Universidade de São Paulo.
12 Prefácio
Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5612
Introdução
Miréia Roso
Cristiano Nabuco de Abreu
A idéia de escrever este livro começou a
desenvolver-se a partir de diversas discussões
a respeito de como, enquanto terapeutas cog-
nitivos, realizamos nosso trabalho na psico-
terapia. É fato que, no Brasil, a formação da
maior parte dos terapeutas ainda tem forte
influência da psicanálise e pode-se conside-
rar a terapia cognitiva como uma escola de
psicoterapia ainda em expansão. Por isso, os
clínicos que optarampor estudá-la e praticá-
la ainda carecem de um modelo capaz de iden-
tificar sua prática de maneira genuína. É co-
mum nos depararmos, em aulas e congressos
no Brasil, com questões do tipo: �Será que este
procedimento que estou realizando com meu
cliente é realmente compatível com o modelo
cognitivo?�, �Se opto por aplicar, por exem-
plo, técnicas comportamentais comprovada-
mente eficazes no tratamento de quadros an-
siosos, ainda assim posso considerar a minha
prática como basicamente cognitiva?�, �E se,
em alguns casos, priorizo o enfoque das emo-
ções, estaria mais identificado com um mo-
delo cognitivo construtivista?�. Portanto, ao
que tudo indica, estamos em um território
mesclado por natureza, por terapeutas e pelo
entendimento destes a respeito do que se con-
sidera sacramental dentro de cada autor cog-
nitivo.
Acreditamos não ser possível legitimar a
nossa prática apenas seguindo um modelo teó-
rico (na maioria das vezes �importado�), o qual
nos é ensinado e não nos deixa tão confortá-
veis ao aplicá-lo (Abreu, 1996). É provável que
muitos leitores, terapeutas cognitivos, já se te-
nham questionado a esse respeito, tal como nós
já o fizemos inúmeras vezes. Foi precisamente
por essa razão que optamos por organizar um
livro que pudesse abranger diferentes visões
de terapeutas cognitivos para que, assim, ti-
véssemos a oportunidade de vislumbrar nossa
prática a partir dos diferentes pressupostos que
possuímos � sejam eles objetivistas ou
construtivistas.
A TERAPIA COGNITIVA:
HISTÓRICO E APLICAÇÕES
A chamada revolução cognitiva teve iní-
cio por volta de 1956, quando Skinner come-
çou a incluir o comportamento verbal como
tema de seus estudos. Isso revelava que os
behavioristas começavam a reconhecer a ne-
cessidade de compreender os �processos inter-
nos� que governam o comportamento. A fa-
mosa �caixa-preta� passava a despertar o inte-
resse dos pesquisadores. Os estudos do com-
portamento governado por regras são um
exemplo disso.
Em 1958, Wolpe introduzia a técnica da
dessensibilização sistemática, a qual mostrava
que era possível modificar uma resposta de
ansiedade com procedimentos apenas cogni-
Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5613
Leonidas Valverde da Silva
Leonidas Valverde da Silva
14 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols.
tivos: treinava-se o paciente a relaxar, enquan-
to ele imaginava situações geradoras de ansie-
dade de modo a inibi-la. Foi a primeira forma
de terapia verbal alternativa à psicanálise e es-
tava baseada nos modelos de aprendizagem.
A conclusão a que se chegava, a partir
desses estudos, era a de não ser mais suficien-
te modificar o contexto de maneira a reforçar
(positiva ou negativamente) uma resposta que
precisava ser modificada; era necessário con-
siderar também de que maneira o indivíduo
percebia esse contexto. Em outras palavras, não
era a situação (ou o contexto) a determinante
do que as pessoas sentiam ou como se com-
portavam, e sim o modo como interpretavam
tais situações.
Foi exatamente isso que Beck afirmou em
1963, quando começou a publicar estudos so-
bre a relação entre o pensamento e a depres-
são. Alguns anos mais tarde, por volta de 1970,
juntamente com Mahoney (1974) e Ellis
(1985), influenciados pelo avanço dos estudos
na área das ciências cognitivas, deram início à
revolução cognitiva propriamente dita (Abreu
e Shinohara, 1998). Até hoje, a terapia cogni-
tiva tem como pressuposto a idéia de que os
sentimentos e os comportamentos do indiví-
duo são determinados pelo modo como ele
estrutura e interpreta o mundo através de seus
pensamentos e de suas crenças.
De maneira geral, a terapia cognitiva co-
meçou sendo aplicada no tratamento de trans-
tornos psiquiátricos, primeiro através de te-
rapia individual e, depois, de terapia em gru-
po. Hoje, ela também é aplicada na terapia
de casais e de pessoas que buscam tratamen-
to mesmo sem apresentar um diagnóstico psi-
quiátrico.
Três aspectos principais caracterizam as
terapias cognitivas e tornam sua aplicação cada
vez mais freqüente:
� Seu caráter breve: procura-se definir
um foco e estabelecer objetivos para
o tratamento.
� Seu caráter pedagógico: parte do tra-
balho consiste em discutir com o clien-
te seu quadro clínico, a necessidade da
medicação e os efeitos colaterais, bem
como, sempre que possível, orientar a
família.
� Seu caráter multidisciplinar: a terapia
participa de um trabalho em conjunto
com outros profissionais (psiquiatras,
enfermeiros, terapeutas ocupacionais,
nutricionistas, etc.).
Esses aspectos também justificam sua
importante aplicação em projetos de pesquisa.
A maior parte dos tratados referentes ao
tratamento psicológico dos transtornos psiqui-
átricos reporta-se à terapia cognitivo-compor-
tamental (TCC) desses transtornos. Geralmen-
te, são descritos �pacotes� de tratamento nos
quais se utilizam técnicas comportamentais e
cognitivas cujo objetivo é o alivio de sintomas
de um determinado transtorno psiquiátrico.
Um exemplo é o tratamento do transtorno do
pânico. O tratamento desse transtorno, em ter-
mos cognitivo-comportamentais, inclui a expo-
sição a situações fóbicas de maneira gradual e
sistemática, o gerenciamento da ansiedade
através de técnicas de respiração e relaxamen-
to e a modificação de crenças e pensamentos
catastróficos associados ao aumento da ansie-
dade em determinadas situações. A eficácia
desse tipo de tratamento foi extensivamente
comprovada em inúmeros estudos no mundo
inteiro.
O que esse tipo de abordagem oferece
como vantagem? A utilização de técnicas. Note-
se que o intuito aqui não é o tratamento do
indivíduo como um todo, mas o tratamento de
seu transtorno, o que é extremamente válido.
Se trabalhamos em uma instituição e precisa-
mos oferecer tratamento rápido e eficaz a pes-
soas que nos procuram em sofrimento, essa
abordagem oferece-nos condições de fazer isso
com sucesso. Outra qualidade desse tipo de
abordagem é sua fácil aplicação em projetos
Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5614
Leonidas Valverde da Silva
Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 15
de pesquisa. A psicologia mereceu o respeito
que tem hoje quando provou que seus méto-
dos eram válidos sob um ponto de vista cien-
tífico, mesmo que esse ponto de vista tenha
sido, até hoje, o positivista (o modelo médico
de ciência).
Já a indicação da terapia cognitiva de Beck
se dá quando o objetivo principal é o alívio de
sintomas através da modificação de crenças e
pensamentos disfuncionais (Ver Capítulo 3).
Aqui, a abordagem refere-se ao método cogni-
tivo que segue um padrão bem-estruturado, no
qual o terapeuta utiliza um roteiro que inclui a
organização da agenda, a revisão e a prescri-
ção da lição de casa, a discussão das tarefas e
um resumo da sessão no final da mesma. O
trabalho é educativo e está centrado nos pro-
blemas do aqui e agora, relevando menor aten-
ção às recordações da infância (Bricker, Young
e Flanagan, 1993).
O modelo de Beck procura ensinar o pa-
ciente a: (1) observar e controlar os pensamen-
tos automáticos negativos; (2) reconhecer os
vínculos entre cognição, afeto e comportamen-
to; (3) examinar as evidências a favor e contra
pensamentos automáticos distorcidos; (4) subs-
tituir cognições tendenciosas por interpretações
mais orientadas para o real e (5) aprender a
identificar e alterar as crenças disfuncionais que
o predispõe a distorcer suas experiências. Di-
versas técnicas são utilizadas para isso. As mais
comuns são o diário de pensamentos, no qual
o paciente registra pensamentos que alteraram
suas emoções ao longo do dia a fim de avaliá-
los de maneira mais objetiva, e o questio-
namento socrático, através do qual o terapeuta
auxilia o cliente na identificação das distorções
de seus pensamentos e crenças, bem como na
associação destas e do mal-estar que apresen-
ta (Beck, 1998).
Esse tipo de abordagem é útil quando a
pessoa que procura tratamento sente-se con-
fortável frente a uma abordagem mais racio-
nal, organizada e objetiva. No tratamento de
transtornos psiquiátricos caracterizados por
uma dificuldadede organização do paciente,
como, por exemplo, a depressão, esse tipo de
abordagem mostra-se extremamente útil, na
medida em que ensina o paciente a organizar
seu tempo e suas prioridades, dando-lhe ins-
trumentos para observar-se de maneira mais
concreta.
Finalmente, a abordagem cognitiva-cons-
trutivista é indicada quando o objetivo é com-
preender a �construção de significados� que o
indivíduo realizou ao longo de sua vida e que
pode estar causando sofrimento. O foco dessa
terapia incide sobre os esquemas emocionais
que orientaram tal �construção�. Por isso, a
maior parte das técnicas da terapia construti-
vista focaliza as narrativas que o cliente faz de
sua história de vida e de suas experiências atu-
ais. A história de vida tem especial relevância,
uma vez que permite a compreensão do modo
pelo qual tal construção foi sendo realizada.
A abordagem construtivista é utilizada
quando há necessidade de realizar um traba-
lho psicoterápico mais amplo e mais profun-
do, no qual as mudanças obtidas são muitas
vezes mais duradouras. No tratamento dos
transtornos de personalidade, nos quais as téc-
nicas comportamentais e cognitivas têm-se
mostrado insuficientes e muitas vezes pouco
eficazes, a terapia construtivista poderia ser
bastante promissora.
Por que promissora e não eficaz? Porque
ainda estamos no início do desenvolvimento
de uma metodologia que nos permita validar
procedimentos cuja prioridade é o indivíduo e
sua história, e não a observação externa, o diag-
nóstico ou a aplicação de técnicas na realiza-
ção de uma psicoterapia científica. Não que o
diagnóstico, a generalização de dados ou a
validação de técnicas sejam menos importan-
tes; porém, em psicoterapia, isso está longe de
ser suficiente.
Esperamos que esta obra sirva de ponto
de partida para novas reflexões e para o apri-
moramento e o refinamento dos modelos
cognitivos no Brasil e que possamos, no futu-
ro, desenvolver um modelo nosso, que atenda
às nossas necessidades.
Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5615
Leonidas Valverde da Silva
Leonidas Valverde da Silva
16 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols.
CONCLUSÃO
Ainda restaram sem uma resposta ques-
tões importantes sobre o que determina a in-
terpretação que uma pessoa faz das situações,
ou mesmo a quais regras esse processo de atri-
buição de significados obedece.
Beck, no início de seu trabalho, afirmava
que são os esquemas cognitivos ou as crenças
que determinam essa interpretação de um in-
divíduo sobre si mesmo e sobre o mundo. Mas,
hesitando a outra ponderação, de onde pro-
vêm esses esquemas? Seriam eles apenas deri-
vados de uma natureza cognitiva?
Para Beck (1970), os esquemas são estru-
turas cognitivas abstratas, formadas segundo
regras e pressupostos adquiridos durante o de-
senvolvimento, que geram padrões ou temas na
percepção que o indivíduo tem de si mesmo e
de suas experiências. Todavia, bem sabemos que
algum tempo após publicada, muitos estudio-
sos já não aceitavam essa definição como com-
pletamente suficiente (Mahoney, 1998).
Mesmo se fosse consenso que o compor-
tamento do indivíduo é um reflexo da inter-
pretação que ele faz de si mesmo e do mundo,
hoje essa interpretação (de mão única) não
pode não ser totalmente validada, pois a
neurociência aponta para o fato de que as emo-
ções também contribuem para a arquitetura da
atribuição de significados (Damásio, 2001).
Não seriam, portanto, os esquemas emocionais,
construídos desde a infância que antecedem
as interpretações cognitivas do indivíduo? Idéi-
as dessa natureza foram as responsáveis pela
origem da concepção construtivista, conforme
veremos ao longo dos primeiros capítulos des-
te livro.
Portanto, vale relembrar que hoje a tera-
pia cognitiva apresenta duas possibilidades de
compreensão e intervenção no processo de
mudança psicológica, e ambas procuram iden-
tificar as formas de interpretação que o indiví-
duo faz de suas experiências. Quando falamos
de terapia cognitiva, é necessário sempre con-
siderar o ponto de vista do qual se parte, ou
seja, qual é a conce(o)pção epistemológica ado-
tada pelo clínico (Abreu, 2001). Cada um per-
mite, de sua própria maneira, diversas possibi-
lidades de entendimento, intervenção e objeti-
vos terapêuticos (Mahoney, 1998).
Concordamos com a afirmação de Miró
(1998) de que explicar a mudança terapêuti-
ca, partindo de uma concepção histórica do
sujeito, não deveria ser uma limitação para a
psicoterapia científica, mas sim um horizonte,
certamente mais coerente com as necessida-
des encontradas quando se trata de investigar
cientificamente os processos de mudança en-
volvidos no trabalho psicoterapêutico.
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PARTE I
Aspectos Epistemológicos
Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5619
Verdade, Conhecimento e Emoção
nas Abordagens Cognitivas
Henrique Alvarenga da Silva
rapêutica, e diversos trabalhos de pesquisa têm
sido conduzidos nesse sentido. Como resulta-
do disso, a terapia cognitivo-comportamental
tem conseguido mostrar-se eficaz em uma sé-
rie de transtornos psiquiátricos e alcançado seu
lugar tanto na prática clínica quanto nas insti-
tuições de ensino.
O construtivismo como forma de psicote-
rapia ainda é recente. No Brasil, é mais conhe-
cida sua versão piagetiana, utilizada principal-
mente na área da pedagogia. Entretanto, nos
últimos anos, sua construção teórica tem cres-
cido significativamente e merece ser visitada.
A psicoterapia cognitivo-construtivista faz
parte de uma revolução epistemológica no cam-
po das ciências cognitivas, assumindo como
característica marcante a grande multi-
disciplinaridade. Ela surgiu a partir de contri-
buições das ciências biológicas, da filosofia, da
lingüística, da antropologia, da computação e
de vários ramos da psicologia. Fruto especial-
mente de questionamentos nas concepções
básicas dessas áreas, representa o resultado de
uma evolução histórico-científica que culmina
com o encontro de diversas disciplinas no que
se denominaciência cognitiva ou, conforme
Gardner (1996), uma nova ciência da mente.
As idéias filosóficas não são apenas orna-
mentos ou comentários parasitas sobre os difí-
ceis objetivos da ciência. É inevitável que toda
11
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Nas três últimas décadas, o aparato teó-
rico da psicoterapia tem atravessado importan-
tes revoluções epistemológicas. A psicoterapia
comportamental incorporou gradualmente
conceitos cognitivos e hoje é usualmente de-
nominada de terapia cognitivo-comportamen-
tal. Essa nomenclatura evidencia uma fusão de
teorias e práticas, além de mostrar que elas têm
tido flexibilidade suficiente para suportar con-
tínuas reformulações. Flexibilidade essencial
para uma proposta teórica que deseja manter-
se atualizada em um momento em que as ino-
vações nas ciências do homem e da mente têm
sido tão rápidas.
Assim como há alguns anos o comporta-
mentalismo e o cognitivismo eram considera-
das duas correntes contraditórias, hoje ainda
percebemos haver uma distinção entre terapia
cognitvo-comportamental e terapia cognitivo-
construtivista ou, mais simplesmente, entre te-
orias cognitivistas e construtivistas. Acredita-
mos que, apesar dessa atual distinção, essas
duas propostas têm muito a se beneficiar uma
da outra.
A terapia cognitiva surgiu, sobretudo, a
partir da prática clínica de terapeutas. Seus pro-
ponentes e desenvolvedores têm-se preocupa-
do de maneira sistemática com sua eficácia te-
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22 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols.
ciência, inclusive a psicologia, comprometa-se
com uma posição epistemológica clara, pois
não existe ciência livre de filosofia. E é justa-
mente o amplo trabalho filosófico que man-
tém unidos os múltiplos programas de pesqui-
sa agrupados sob o nome de ciências cogniti-
vas. Entretanto, é comum que, em vários ra-
mos da ciência, os pressupostos teóricos fun-
damentais sejam os mais frágeis. Uma teoria
sem alicerces bem-fundamentados é como um
edifício erguido sobre areia movediça.
A proposta cognitivo-construtivista fun-
damenta-se na concepção de que todo o pro-
cesso de construção de significados realiza-se
na interface entre a cognição, a emoção e a
experiência, a partir da participação ativa do
indivíduo, formando um conjunto de crenças
que sustenta o processo de julgamento, a to-
mada de decisões e as ações do ser humano.
Este capítulo pretende mostrar como a
revolução epistemológica nas ciências naturais
foi incorporada pela psicologia e traçar um
breve percurso histórico desse processo. Serão
discutidos os aspectos considerados essenciais
na construção do significado e salientadas al-
gumas particularidades da relação terapêutica
oriundas dessa nova abordagem.
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA
EPISTEMOLOGIA CONSTRUTIVISTA
O resgate histórico dessa evolução torna-
se complexo devido à sua não-linearidade,
dado o grande isolamento inicial entre essas
disciplinas. Apesar disso, acreditamos que a
exposição desse processo, mesmo que simpli-
ficada, seja essencial para a sua compreensão.
Afinal, as teorias não são criadas em um mo-
mento isolado; elas são desenvolvimentos his-
tóricos contínuos, em um processo de supera-
ção das contradições das teorias precedentes.
É essencial ter em mente que as teorias são
apenas instrumentos, e não respostas aos enig-
mas, necessitando estar constantemente em re-
novação, e que os verdadeiros avanços na his-
tória das ciências acontecem quando seus pa-
radigmas são revistos, aprimorados ou substi-
tuídos (Kuhn, 2000). Assim, não basta a expo-
sição das teorias; é necessário esclarecer seu
desenvolvimento e seus efeitos.
No ocidente, os primeiros modelos acer-
ca do funcionamento da mente foram formu-
lados por Sócrates, que considerava a razão e
a consciência (psyché) como a essência do ser
humano. Posteriormente, Platão denomina de
�idéias� os conteúdos da consciência, conside-
rando existirem fora do mundo físico (Benson,
1993). Segundo ele, o conhecimento perten-
ceria à �alma�, sendo apenas um �relembrar�.
Desde o início do pensamento filosófico gre-
go, já estava lançada a idéia de uma dicotomia
entre uma mente não-física e um corpo físico.
No século XVII, Descartes e Galileu fize-
ram a distinção precisa entre realidade física,
passível de ser descrita pela ciência, e �reali-
dade mental da alma�, considerada fora do
campo da pesquisa científica (Reale e Antiseri,
1990). Ao afastar a mente da ciência, reduzia-
se o campo científico e a complexidade dos
problemas, o que facilitava seu desenvolvimen-
to inicial. Esse dualismo foi útil durante algum
tempo, pois ajudou a afastar a autoridade dos
religiosos sobre os cientistas da época. A revo-
lução científica que se iniciava tinha como tra-
ço mais característico seu método experimen-
tal, buscando suas verdades independentemen-
te da metafísica e da fé e tendo como preten-
são descrever uma realidade objetiva.
Toda a ciência moderna baseia-se nessa
noção da existência de uma realidade objeti-
va, regida por leis fixas, coerentes e univer-
sais, passíveis de serem conhecidas. O período
moderno da filosofia foi, em grande parte, do-
minado pela idéia básica de que a mente ca-
racteriza-se por espelhar a natureza, garantin-
do, assim, a representação correta da realida-
de (Rorty, 1979). A ciência seria a busca da
certeza, da verdade objetiva. Nesse contexto,
a atividade científica seria concebida como a
descoberta dessas leis da natureza (da realida-
de), e o homem seria apenas um observador
passivo, capaz de captar fenômenos que ocor-
rem sem a sua interferência.
É indiscutível que tal conceito possibili-
tou avanços importantes nas ciências naturais,
tendo sido bastante eficiente do ponto de vista
pragmático. Até recentemente, esse ideal da
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Leonidas Valverde da Silva
Leonidas Valverde da Silva
Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 23
ciência manteve seu caráter dominante. Con-
tudo, mesmo muito antes do surgimento do
método científico, diversos pensadores já se
questionavam sobre a possibilidade de se ad-
quirir essa almejada �verdade objetiva�, ques-
tionamentos esses que surgiram em diversos
momentos através da história.
No século XVIII, Vico (1999) sugeria que
só era possível conhecer aquilo que se cons-
truiu, ou seja, que o conhecimento repousava
em uma relação mútua entre conhecer e fazer.
As questões acerca da origem, da essência e da
certeza do conhecimento foram sistematica-
mente formuladas pela primeira vez por Lock
(1973), em sua obra An essay concerning hu-
man understanding. O ramo da filosofia que
assim surgia, conhecido como epistemologia,
procurava saber se nossas representações in-
ternas eram precisas e até que ponto podiam
espelhar a realidade externa. Sua preocupa-
ção fundamental é entender como se dá o co-
nhecimento. As primeiras noções acerca do
conhecimento postulavam que a verdade a ser
conhecida era independente do homem.
Essa independência era a marca registra-
da da realidade objetiva. De fato, a discussão
sobre os conceitos de �verdade� e de �conheci-
mento� derivou em variadas linhas de pensa-
mento, as quais se diferenciavam conforme o
modo como entendiam a possibilidade de aces-
so a essa verdade.
As dificuldades de separação entre o ob-
servador (o homem) e o objeto da observação
foram expostas pela primeira vez por Kant
(1997), em sua obra-prima Crítica da razão
pura. No início do século XX, cresceram os
questionamentos relativos às noções de verda-
de e objetividade, provocando verdadeiras re-
voluções científicas. Gadamer (2001) conside-
rava que o conceito de verdade não poderia
ser aplicado às ciências humanas. Quase repe-
tindo as palavras de Vico (1999), o conhecer
passa a ser definido por Dupuy (1996) como o
ato de �produzir um modelo do fenômeno e
efetuar sobre ele manipulações ordenadas�. Na
biologia, Maturana (1988) e outros teóricos
mostraram que o acesso de um organismo à
realidade não é possível em termos absolutos,
pois está sempre limitado pela estrutura bioló-
gica do organismoque busca conhecer.
Na física, Max Planck desenvolveu a me-
cânica quântica, que introduzia a idéia de
imprevisibilidade. A ciência começava a se in-
teressar por fenômenos que não poderiam mais
ser explicados por simples relações de causa e
efeito. Em decorrência dessa mudança de pers-
pectiva, passa a ser descrita como um diálogo
com a natureza, as certezas dão lugar a possi-
bilidades e probabilidades, e o futuro deixa de
ser totalmente previsível. Esse movimento, que
vem sendo esboçado desde o final do século
XIX, passa a ser chamado de pós-modernismo.
O processo de transformação dos pressu-
postos epistemológicos tem uma história para-
lela na psicologia. Em um primeiro momento,
enquanto o paradigma dominante era a busca
da verdade absoluta, o campo de observação
ficou restrito aos fenômenos objetivos, ou seja,
ao comportamento. Assim, Watson (1919;
1920) propôs que uma psicologia científica
deveria restringir-se ao estudo do comporta-
mento observável e que toda conduta humana
deveria ser explicada em termos de estímulos
e respostas aprendidas. As pesquisas sobre o
aprendizado, desenvolvidas na Rússia princi-
palmente por Pavlov (1927), foram muito bem
recebidas pelos psicólogos nos Estados Unidos
e ajudaram a promover a teoria comportamen-
tal. Skinner (1970; 1995), certamente um dos
mais influentes behavioristas do século XX, con-
siderava que as diferenças entre as pessoas
eram devidas às diferentes histórias de estímulo
e reforço.
A versão britânica do comportamenta-
lismo surgiu no início da década de 50, deriva-
da sobretudo das idéias de Pavlov (1927),
Watson (1920) e Hull (1943); nos Estados
Unidos, foi impulsionada pelos estudos de
Skinner sobre condicionamento (Rachman,
1997). Os problemas dos pacientes eram defi-
nidos pura e simplesmente como distúrbios de
comportamento, e a solução proposta era um
programa corretivo de condicionamento ope-
rante. De acordo com Eysenck (1960), o com-
portamento não era considerado um sintoma,
e sim o próprio problema.
A terapia comportamental era atrativa por
se legitimar em sua posição científica, preten-
dendo ser uma ciência objetiva e insistindo na
necessidade de fundamentação empírica. No
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entanto, apesar de seu grande progresso práti-
co, houve um declínio crescente em sua pro-
dução teórica com o passar dos anos. A partir
de 1970, essa estagnação teórica começou a se
tornar fonte de insatisfação, pois uma série de
questões simplesmente não encontrava respos-
tas no âmbito desse paradigma (Rachman,
1997). Relações simplistas de causa e efeito
mostravam-se cada vez mais insuficientes para
explicar o comportamento humano: estímulos
aparentemente idênticos provocavam respos-
tas totalmente inesperadas.
No início da década de 20, Vygotsky cu-
nhou o termo mediação para descrever os pro-
cessos através dos quais os organismos estabe-
lecem as conexões entre os estímulos e as res-
postas (Cole, 1994). Entretanto, Vygotsky e
Luria aplicaram o conceito de mediação quase
que exclusivamente ao desenvolvimento dos
processos mentais nas crianças. Aos poucos, a
noção de que havia alguma forma de media-
ção entre os estímulos ambientais e as respos-
tas apresentadas começou a ganhar destaque.
Ficava cada vez mais evidente que o homem
não reagia passivamente a estímulos ambien-
tais, mas sim de acordo com sua interpretação
desses estímulos, os quais podiam ser mais com-
plexos do que se imaginava.
Estudos com crianças demonstraram que,
já por volta dos seis meses de idade, os estímu-
los desencadeadores de respostas comporta-
mentais em bebês incluem complexas imagens
mentais e, no segundo ano de vida, começa a
se desenvolver a capacidade de pensamento
simbólico. Portanto, desde cedo, o bebê passa
a responder não a meros estímulos físicos, mas
sim a estímulos que se revestem de significa-
ção (Bowlby, 1997).
A nova psicologia emergente deparava-
se com um problema: como utilizar a metodo-
logia científica se não há mais como observar
objetivamente os fenômenos a serem estuda-
dos? A metodologia da ciência moderna mos-
trava-se, não apenas insuficiente, mas também
inadequada ao estudo dos fenômenos mentais.
Como todo o acesso que temos aos fenômenos
subjetivos de uma outra pessoa passa, inicial-
mente, pela própria interpretação desta, a pos-
sibilidade de um conhecimento objetivo des-
morona.
O papel do observador adquire uma nova
dimensão, pois não há mais observação despro-
vida de interferência. Todo contato com outro
ser humano provoca inevitavelmente interferên-
cia e modifica o objeto da observação. Na inte-
ração humana, não há mais somente um obser-
vador, e sim um participante do processo.
Prigogine (1996), prêmio Nobel de química,
admite que, mesmo nas ciências naturais, como
na física, existe sempre um vínculo entre o ob-
servador e o fenômeno e que todo processo de
mensuração sofre a interferência do observador.
O novo paradigma toma por objeto de investi-
gação as relações entre os elementos e o obser-
vador, e não o objeto-em-si.
O pensamento, a emoção e as sensações
de um ser humano não são passíveis de obser-
vação direta, não podendo ser consideradas
realidades objetivas a serem captadas. Depen-
dem de sua exteriorização � comunicação � por
meio do discurso. Nas palavras de Ricoeur
(1999, p. 27-28):
O que é experienciado por uma pessoa não
pode se transferir totalmente como tal e como
experiência para mais ninguém. A minha ex-
periência não pode se tornar diretamente a
vossa experiência. No entanto, algo se passa
de mim para vocês, algo se transfere de uma
esfera de vida para outra. Esse algo não é a
experiência enquanto vivenciada, mas a sua
significação. A experiência vivenciada, como
vivida, permanece privada, mas seu sentido,
a sua significação torna-se pública.
A aceitação do subjetivo como objeto de
estudo da ciência tornou viável o surgimento e
a incorporação de conceitos cognitivos à então
vigente terapia comportamental. A estru-
turação metódica das sessões, sua base empiri-
cista e a inclusão de exercícios comportamen-
tais facilitaram a absorção acadêmica e profis-
sional da nova forma de terapia, denominada
de terapia cognitivo-comportamental. Um dos
primeiros focos de atenção das terapias cogni-
tivas foi a depressão, por ela envolver elemen-
tos cognitivos óbvios e não ter sido tratada com
sucesso através da terapia comportamental.
Beck (1967; 1976) e Ellis (1958; 1962)
foram os dois teóricos pioneiros e mais influen-
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Leonidas Valverde da Silva
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Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 25
tes da terapia cognitiva. Segundo eles, os dis-
túrbios emocionais são causados por proces-
sos cognitivos ou cognições disfuncionais; em
outras palavras, pelos pensamentos ilógicos e
irracionais.
Para Ellis, os seres humanos apresentam
a tendência de pensar irracionalmente, e suas
propostas iniciais de tratamento cognitivo vi-
savam à correção dos pensamentos ou das cren-
ças disfuncionais através da maximização da
racionalidade. A emoção é considerada uma
conseqüência do pensamento, e o objetivo da
terapia é torná-la mais �adequada� através da
correção da lógica do pensamento.
Para Beck (1997), a terapia cognitiva fun-
damenta-se na noção de que o estado de hu-
mor e o comportamento do indivíduo são em
grande parte determinados pelo modo como
ele estrutura o mundo. Além disso, considera
que os transtornos emocionais são causados por
constructos cognitivos disfuncionais e que a sua
correção pode proporcionar a melhora clínica.
Os terapeutas cognitivos usualmente empre-
gam o termo cognições disfuncionais para se re-
ferirem às crenças rígidas, excessivas ou
inapropriadas mantidas pelos pacientes.
Um importante elemento do modelocog-
nitivo é o conceito de esquemas emocionais.
Segundo Beck (1997), estes designam padrões
cognitivos relativamente estáveis, responsáveis
pela regularidade das interpretações do indi-
víduo em sua relação com o mundo, com os
outros e consigo mesmo. A importância das
crenças pessoais já foi ressaltada também pelo
filósofo espanhol Ortega y Gasset (1982), que
as considera como o �extrato básico mais pro-
fundo da arquitetura de nossa vida�. Segundo
ele, o diagnóstico de uma existência humana
deve começar identificando o sistema de suas
convicções e, para isso, sua crença fundamen-
tal. Essa distinção entre níveis de crenças é
mantida e desenvolvida por Aaron Beck e ou-
tros terapeutas cognitivos.
Beck (1997) denomina de crenças centrais
aquelas mais fundamentais, geralmente desen-
volvidas durante a infância, que influenciam o
surgimento e a manutenção das crenças inter-
mediárias e dos pensamentos automáticos.
Uma das etapas essenciais do processo da te-
rapia cognitiva consiste precisamente em aju-
dar o paciente a compreender que suas cren-
ças são apenas �idéias� e não �verdades�, sen-
do, assim, passíveis de modificação.
A terapia cognitiva inicial reconhecia a
influência do pensamento sobre a emoção, mas
ainda não compreendia que as emoções tam-
bém podiam influenciar os pensamentos. Uma
série de estudos mais recentes têm demonstra-
do que o estado de humor pode influenciar sig-
nificativamente os processos cognitivos envol-
vidos na interpretação e na avaliação da expe-
riência (Teasdale, 1997).
O PAPEL DAS EMOÇÕES
A definição de termos como emoção, sen-
timentos e afetos sempre foi confusa na lite-
ratura. É provável que a dificuldade de defi-
ni-los e de observá-los objetivamente tenha
servido para que a ciência moderna não se
dispusesse a estudá-la e, talvez, para manter
a crença de que a emoção seja prejudicial ao
raciocínio.
Damásio (2000) faz uma importante dis-
tinção ao designar por �emoção� um conjunto
de reações corporais e por �sentimentos� a ex-
periência mental privada da emoção. Assim,
fica claro que a emoção não necessita de uma
consciência para existir ou ser acionada. Por
exemplo, quando nos damos conta de que
estamos ansiosos, esse estado emocional já está
presente muito antes de percebê-lo. Assim, a
emoção e o sentimento fazem parte de um
continuum funcional em constante relaciona-
mento.
A história do estudo das emoções mos-
tra uma clara dicotomia. Resumidamente, po-
demos dizer que os dois pólos da questão ca-
racterizam-se ou por negar sua importância
ou por considerar a emoção fundamental para
a vida.
As teorias que consideram a emoção sem
função ou significado são descendentes da
doutrina estóica. Segundo essa tradição, a na-
tureza dotou os animais com o instinto e o
homem com a razão. O ideal estóico conside-
ra que o homem deve relacionar-se com seus
semelhantes em atitude de total distanciamen-
to, seja na política, no casamento ou nas ami-
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26 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols.
zades. De acordo com Zenão, fundador do
estoicismo, as emoções são sempre � e só �
perturbações do espírito e erros da razão, con-
duzem à infelicidade e devem ser destruídas,
extirpadas e totalmente erradicadas. É conhe-
cida como �doutrina da apatia estóica� a idéia
de que a felicidade é apatia, insensibilidade e
ausência de toda paixão (Reale e Antiseri,
1990).
A existência de emoções nos animais pa-
rece ter facilitado o surgimento da idéia de que
sejam estados biológicos inferiores. A negação
de sua importância encontrou diversos adep-
tos na história, entre eles Descartes, Spinoza,
Leibniz e Hegel. Para Descartes, a força da alma
consiste em vencer as emoções.
Por outro lado, diversos pensadores ad-
mitiam a importância das emoções. Pascal foi
um dos pioneiros a dar primazia às �razões do
coração, que a própria razão desconhece�, in-
sistindo no valor e na função da emoção, que
considerava como �fonte de conhecimento�.
Shaftesbury foi provavelmente quem mais di-
fundiu esse ponto de vista, tendo lançado tam-
bém o conceito de balança ou equilíbrio das
emoções (Abbagnano, 1999). As teorias cien-
tíficas e filosóficas atuais partem da convicção
de que não é possível compreender a existên-
cia do homem, seja como organismo, �eu� ou
pessoa, sem levar em conta a experiência
emocional.
A negação da emoção pela ciência du-
rante tanto tempo é quase incompreensível,
dado o fato de que na prática clínica, tanto
da psiquiatria quanto da psicologia, nós nos
deparamos diariamente com ela. Até o final
do século XIX, a emoção quase não tinha es-
paço em discussões científicas, muito menos
em laboratórios de pesquisa. A partir da se-
gunda metade do século XIX, partindo de pa-
radigmas que aceitam a subjetividade, as emo-
ções voltaram a ganhar espaço em discussões
científicas.
Um dos primeiros trabalhos científicos
importantes foi o de Darwin (2000), que co-
meçou a estudar a expressão da emoção no
corpo dos homens e dos animais. Mais tarde, a
mesma corrente de investigação psicológica,
considerando a estreita correlação entre os es-
tados corporais e psíquicos, começou a ver nos
estados somáticos mais do que apenas uma sim-
ples �expressão� das emoções. O psicólogo
americano William James e o anatomista di-
namarquês Carl Lange, trabalhando indepen-
dentemente, propuseram que os estados cor-
porais eram responsáveis pela indução dos sen-
timentos (Mahoney, 1998). Nessa linha de pen-
samento, ficamos tristes porque choramos,
sentimo-nos assustados porque trememos. Essa
teoria somática das emoções, embora hoje con-
siderada incompleta, surgiu a partir da neces-
sidade de estreitar as relações entre o corpo e
a mente.
Nas palavras de James (1976), �sem os
estados corpóreos que se seguem à percepção,
esta teria forma puramente cognitiva, pálida,
descorada e desprovida de calor emocional�.
A principal lacuna dessa teoria é que ela não
explica a importância das emoções nem sua
função biológica.
Os últimos anos foram decisivos na com-
preensão da importância da emoção. A idéia
popular de que ela interfere negativamente no
pensamento foi refutada por diversos autores.
Damásio (1998; 2000), Gazzaniga et al. (1998)
e Bowlby (1990), entre outros, têm demons-
trado que as emoções são essenciais nos pro-
cessos de tomada de decisão.
Bowlby (1990) propõe que grande parte
do que chamamos sentimentos são fases de
avaliações intuitivas de um indivíduo sobre seus
próprios estados e desejos para agir, ou sobre
a sucessão de eventos ambientais em que ele
se encontra. Assim, atribuir um sentimento é
fazer uma previsão sobre o comportamento
subseqüente. Desse modo, pode-se compreen-
der a importância da emoção nos processos de
interação: somente um animal capaz de avali-
ar o estado de ânimo de outro estará apto a
participar da vida social. Se considerarmos que
alguém está enfurecido, ou nos afastamos, ou
nos preparamos para esse confronto de uma
maneira diferente daquela quando inferimos
que está triste. Portanto, é essencial que pos-
samos conhecer não apenas nossas próprias
emoções, mas também inferir os estados emo-
cionais daqueles que interagem conosco.
Maturana (2001, p. 182) considera a
emoção como disposições corporais dinâmicas
que especificam os domínios de ações nos quais
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Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 27
operamos em um instante, ou seja, são as emo-
ções que guiam, momento a momento, nosso
agir. Além disso, como são as emoções que es-
pecificam o domínio de relações a cada mo-
mento, é a emoção que define o curso de nos-
sas vidas no âmbito individual e cultural:
Ao não compreendermos os fundamentos
emocionais do nosso agir, tornamo-nos prisi-
oneiros tanto da crença de que os conflitos e
problemas humanos são racionais, quanto da
crença deque as emoções destroem a racio-
nalidade e são fonte de arbitrariedade e de-
sordem na vida humana.
De um ponto de vista evolucionista, Da-
másio (2000) acredita que a razão surge a par-
tir da emoção e juntamente com ela. As emo-
ções fazem parte de um aparato biológico que
visa à sobrevivência, regulando o estado inter-
no do organismo de modo que ele possa estar
preparado para reagir. A maioria das reações
emocionais, se não todas, resultam de uma lon-
ga história de minuciosos ajustes evolutivos.
Entretanto, o impacto maior da emoção só foi
atingido na natureza quando esta se tornou
consciente. Ou seja, o ser humano, ao se dar
conta da emoção, é capaz de refletir, planejar
e superar a tirania das emoções.
A razão, assim situada, não suprime a
emoção, mas trabalha junto com ela. Por isso,
os estados emocionais desempenham um im-
portante papel nos intrincados processos de
tomada de decisão, sendo componente essen-
cial desses. A razão objetiva, sem emoção, não
é suficiente para lidar com a complexidade e
as incertezas dos problemas pessoais e sociais.
Isso não significa que os processos lógicos se-
jam desnecessários, mas que ambos, tanto o
processamento lógico quanto o processamen-
to afetivo, agem conjuntamente. O processa-
mento consciente das emoções, enquanto sen-
timentos, proporciona a ampliação dos meca-
nismos de resolução de problemas, isto é, sen-
tir as emoções amplia o alcance delas, facili-
tando o planejamento de novas formas de ação,
mais talhadas para a ocasião.
Segundo a hipótese do �marcador somá-
tico�, desenvolvida por Damásio (1998), a
emoção reduz o número de opções a serem
analisadas pela consciência, reduzindo, assim,
a complexidade do processo e agilizando o tem-
po de resposta. Sem essa redução, a quantida-
de de variáveis a serem analisadas cognitiva-
mente seria excessiva (Mathews, 1997). Sem
o estímulo e a orientação da emoção, o pensa-
mento racional torna-se lento e desintegra-se.
Embora as emoções possam dar origem a rea-
ções que, cotidianamente, descreveríamos
como irracionais, sua ausência acarreta preju-
ízos maiores. A razão sozinha não é suficiente
nem apropriada para um organismo que se vê
diante de escolhas. A frase �um sentimento
visceral� atinge um sentido praticamente lite-
ral para Damásio. Sem essa experiência visce-
ral, corporal, não há como dar valor às opções
que se apresentam. Como diria James (1967),
opções puramente cognitivas seriam �pálidas,
descoradas, desprovida de calor emocional�.
Podemos agora acrescentar também que, sem
a emoção, as informações ou as escolhas seri-
am desprovidas de �valor�.
Segundo Abbagnano (1999), entende-se
por emoção qualquer estado, movimento ou
condição que provoque a percepção de valor
(alcance ou importância) que determinada si-
tuação tem para sua vida, suas necessidades,
seus interesses. Essa definição atual identifica
a emoção como o que confere valor e matiz
aos pensamentos.
A CONSTRUÇÃO DO SIGNIFICADO
A partir do momento em que os estados
mentais e a emoção passam a ser considerados
objetos de uma psicologia cognitiva, surge a
seguinte questão: como são criados os signifi-
cados? Qual a interferência desses significados
na vida de cada um? Através de que processos
se realiza a mudança?
Uma psicologia centrada nos significados
pode inicialmente causar uma sensação de des-
confiança se ainda nos baseamos nas premis-
sas da ciência moderna de que há uma causa
verdadeira e objetiva para o comportamento
do homem. Adeptos dessa postura objetivista
poderiam alegar que o que as pessoas dizem
não representam as verdadeiras causas de seus
comportamentos, pois estas são inacessíveis à
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consciência. Até mesmo Freud aderiu a essa
visão da ciência, que era a mais atual em sua
época.
Está claro que as pessoas não podem des-
crever corretamente a base de suas escolhas
nem as tendências que influenciam a distribui-
ção dessas escolhas. Porém, não há sentido em
descartar as construções e as explicações pes-
soais baseadas na premissa de que não repre-
sentam a verdade, pois é o mesmo que consi-
derar sem valor as crenças individuais e as nar-
rativas de vida de cada um. É justamente esse
conteúdo mental que as teorias baseadas na
ciência moderna descartavam ao serem apli-
cadas à psicoterapia. E é também esse conteú-
do que as teorias chamadas pós-modernistas
vêm trazer de volta à posição de destaque nas
pesquisas, partindo de premissas completamen-
te diferentes. Enquanto a ciência moderna des-
cartava esses conteúdos pelo fato de não po-
derem ser verificáveis quanto à sua veracida-
de, as teorias de base cognitiva, sobretudo as
de base cognitivo-construtivista, estão interes-
sadas nas influências dessas construções sobre
a vida do próprio indivíduo. Podemos dizer que
a verdadeira revolução cognitiva deve-se à ên-
fase na construção dos significados.
Em uma relação terapêutica, isso signifi-
ca considerar de extrema importância a inter-
pretação que o próprio paciente tem sobre suas
experiências, sobre seu mundo e sobre si mes-
mo. Não se trata mais de descobrir os signifi-
cados ocultos, mas de conhecer os processos
de sua construção. É evidente que cada um é
criador de sua própria rede de significados,
sendo participante ativo desse processo. Cons-
truir algum sentido a partir da experiência é,
antes de tudo, construir alguma forma de coe-
rência (Gonçalves, 1998a). Na ausência de uma
coerência interna, a vida transforma-se em um
composto de experiências dissociadas que não
podem ser compreendidas nem na sua singu-
laridade nem na sua seqüência (Gonçalves,
1998b). O desenvolvimento de uma estrutura
narrativa coerente é condição essencial de so-
brevivência psicológica. Se não fôssemos ca-
pazes dessa organização, estaríamos perdidos
na escuridão de uma experiência caótica
(Bruner, 1997).
Um sistema de crenças ou valores é ca-
paz de conferir continuidade e coerência às
nossas vidas, porque ajuda-nos a tomar deci-
sões e a avaliar a importância das experiên-
cias pessoais. Schiller e Dewey alegavam que
�as idéias tornam-se verdadeiras na medida
em que nos ajudam a manter relações satisfa-
tórias com outras partes de nossa experiên-
cia� (apud James, 1967). Ou seja, temos a ten-
dência de aceitar melhor aquilo que está de
acordo com nossas crenças e, ao aceitar, nós
o validamos como verdadeiro. Na vida cotidia-
na, �verdadeiro� é apenas um adjetivo que
qualifica uma crença, um julgamento ou um
fato como sendo coerente com o que já co-
nhecemos.
Para Guidano (1988b), conhecer é a cons-
trução e a reconstrução contínua de uma reali-
dade capaz de dar coerência ao curso da expe-
riência. Assim, passo a passo, construímos nos-
sos modelos de mundo, nossos modelos men-
tais, em grande parte em nível tácito.
De acordo com Greenberg (1996), o des-
conforto ou os problemas emocionais resultam
de dificuldades na organização das experiên-
cias em uma narrativa coerente. Nesse senti-
do, Festinger (1975) introduziu o conceito de
dissonância cognitiva para se referir às rela-
ções discordantes ou contraditórias entre
cognições, considerando-a um estado de ten-
são psicológica que motiva a busca da redução
da contradição. Assim, quanto mais importan-
tes forem essas crenças, maior o desconforto
produzido pela dissonância entre elas. O des-
conforto surge quando há contradição entre a
experiência em si e a explicação ou a elabora-
ção dessa experiência, ou quando duas ou mais
crenças revelam-se incompatíveis. A dissonân-
cia pode ser reduzida pela redução do número
ou da importância das cognições incoerentes.
Todavia, o conjunto de crenças de um ser hu-
mano não pode ser fácil nem intencionalmen-
te modificado por outra pessoa.
No construtivismo, não há uma busca fo-
calizadana mudança de crenças; o objetivo não
é apenas proporcionar novas �crenças funcio-
nais�, mas também tornar o cliente consciente
de seus processos de atribuição de significado
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e mais capaz de flexibilizar suas construções.
Portanto, é imprescindível que tanto os pro-
cessos cognitivos quanto os processos emocio-
nais participem dessa organização, através de
um processo dialético entre pensamento e sen-
timento para a construção de significado. É a
elaboração cognitiva das emoções e dos senti-
mentos que tem o potencial de organizar a ex-
periência de unidade entre corpo e mente, com-
portamento e cultura.
A síntese dialética construtivista ocorre
entre a experiência e a explicação, entre os
conceitos e as experiências corporais. Quando
a construção do significado não leva em consi-
deração as informações geradas por processos
afetivos, ou se deixa guiar por esquemas emo-
cionais disfuncionais, não é capaz de proporci-
onar coerência e provoca desconforto. Nessa
existência relacional, a natureza auto-inter-
pretadora do ser humano toma uma posição
de destaque, pois ele é, ao mesmo tempo, su-
jeito e objeto de sua investigação. No processo
de relacionamento com diferentes aspectos de
sua existência, os seres humanos estão sempre
à procura de significados, sempre à procura de
um sentido (Mahoney, 1988). Alguns autores
propõem, inclusive, considerar o cérebro como
um �dispositivo hermenêutico�.
Todo o processo de conhecer realiza-se
em uma relação dialética constante, na qual as
contradições em que se enreda a realidade vão
gradualmente sendo superadas. Hegel consi-
derava a dialética como a própria natureza do
pensamento, o qual se desenvolvia através de
uma série de �momentos dialéticos�
(Abbagnano, 1999). Sua dialética trata da cons-
trução do conhecimento e serve de elo de liga-
ção entre todas as teorias construtivistas
(Glassmann, 2000).
As perspectivas cognitivo-construtivistas
consideram que o ser humano está continua-
mente implicado em um processo ativo de or-
ganização emocional e cognitivo da experiên-
cia para entender e guiar sua relação com o
mundo (Greenberg et al., 1996). A síntese or-
ganizada resultante desse processo é a própria
experiência de estar-no-mundo.
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DO SIGNIFICADO
Diversas correntes de pensamento com-
partilham a noção de que não há sentido na
idéia de um ser humano na ausência de um
mundo no qual ele se insere. Ao mesmo tempo
em que a sociedade nasce da interação entre
indivíduos, ela retroage sobre ele e modela-o.
Podemos dizer que a relação do homem com
seu meio é uma relação de co-construção. Por
diferentes ângulos, na biologia, na psicologia
e na antropologia, vários pesquisadores con-
cordam com o fato de que as evoluções cultu-
rais e genéticas são interligadas, em um pro-
cesso denominado co-evolução gene-cultura
(Wilson, 1999).
Nas tentativas iniciais de se consolidar
como uma disciplina científica, a psicologia
buscou inicialmente as leis da atividade men-
tal na estrutura do organismo. A noção vigen-
te era que as respostas e as leis de toda ativi-
dade mental poderiam ser encontradas no in-
divíduo. Não há dúvida de que essa psicologia
do indivíduo tenha contribuído em muito para
o conhecimento do ser humano. Entretanto, a
origem social dos processos mentais foi am-
plamente ignorada.
O ser humano emerge dessa relação
dialógica entre os diferentes níveis de sua exis-
tência biológica e cultural, não sendo possível
reduzir sua essência a apenas um de seus as-
pectos. Schneirla (1972) julga pertinente falar
de uma natureza do verme, de uma natureza
da formiga ou, até mesmo, de uma natureza
do pássaro, mas não de uma natureza huma-
na, porque o homem �pode ter toda e qual-
quer natureza que permitam as condições de
sua criação e de sua situação social� (Schneirla,
1972, p. 67). Além disso, a razão pela qual os
seres humanos não possuem uma natureza psi-
cológica específica é que a biologia influi de
maneira radicalmente diferente sobre o com-
portamento animal e sobre o comportamento
humano. Enquanto a maior parte do compor-
tamento animal é determinada diretamente
pela biologia, as ações humanas sofrem uma
influência indireta e não-específica da biolo-
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gia. Enquanto nos animais inferiores encon-
tram-se grandes repertórios de comportamen-
tos relativamente estereotipados, nos mamífe-
ros, como regra geral, o padrão adaptativo
geral não está inicialmente formado ou está
formado de maneira muito imprecisa.
Para Ortega y Gasset (1982), o homem
não é uma natureza, e sim uma história. Em
outras palavras, �os seres humanos não termi-
nam em suas próprias peles� não existe tal
coisa como uma natureza humana independen-
te da cultura� (Bruner, 1997). Diz-se, então,
que o homem é um ente de relação. Para Buber
(2000), o fundamento ou a essência de sua
existência é a relação. Heidegger (1996) utili-
za o termo Dasein, traduzido para o português
como ser-no-mundo, para referir-se a um ser
que se relaciona com o mundo, e não apenas
se localiza neste, enfatizando a impossibilida-
de de sequer imaginar o homem isolado e in-
dependente do mundo.
A natureza essencialmente relacional do
ser humano baseia-se tanto nos aspectos cul-
turais quanto nos aspectos biológicos. Mesmo
antes da proposta evolucionista de Charles
Darwin, já havia a noção de que a construção
biológica de um organismo vivo pautava-se na
relação deste com o meio ambiente.
O genoma humano não especifica toda a
estrutura do cérebro. Possuímos apenas cerca
de 30.000 genes, número insuficiente para
determinar a estrutura e a posição de todas as
células em nosso organismo, muito menos no
cérebro. Os genes nada mais são do que ape-
nas uma receita básica para a construção de
um ser humano. O cérebro possui aproxima-
damente 1011 neurônios, cada um podendo
receber cerca de 10.000 a 100.000 conexões
sinápticas, havendo, assim, um número astro-
nômico de possibilidades de configuração des-
se sistema (Kandel et al., 1995). A informação
contida na complexa rede neuronal excede em
muito a quantidade que pode ser armazenada
nos genes (Singer, 1986). Contudo, apesar de
as informações genéticas não serem suficien-
tes para proporcionar a configuração dessa
rede, as conexões entre os neurônios não são
realizadas aleatoriamente, mas seguem uma or-
ganização surpreendente.
A capacidade de organização dos sistemas
neuronais não se baseia apenas em padrões de
ativação gerados espontaneamente na própria
estrutura cerebral, pois requer informação ex-
terna. É através da experiência, da interação com
o meio, que o padrão de conexões do sistema
nervoso é modelado. Essa interação proporcio-
na a informação epigenética necessária para a
construção dessa estrutura. O sistema nervoso
é um órgão estruturalmente dinâmico e seus me-
canismos de auto-organização não se confinam
aos estágios embriogênicos do desenvolvimen-
to, uma vez que ocorrem durante toda a vida
(Tononi et al., 1998). A interação é necessária
para o estabelecimento da configuração das
conexões e também para a manutenção de sua
existência. O cérebro dos mamíferos apresenta
uma natureza essencialmente construcionista
(Purves et al., 1996).
A atividade do organismo na sua relação
com o meio, ao longo de sua existência, é que
determina a forma de um grande número de
circuitos e sistemas neuronais. Do ponto de
vista do desenvolvimento evolutivo de seleção
natural, o equipamento biológico humano evo-
luiu no sentido da flexibilidade, em oposição à
rigidez inata de um determinismo biológico.
Essa capacidade de remodelação pela experiên-
cia proporcionaaos animais uma flexibilidade
muito maior em sua relação com o meio am-
biente.
O aspecto genético é somente um esque-
ma geral sobre o qual se desenrola a estrutu-
ração humana (da mente) a partir de um sem-
número de experiências no decorrer da histó-
ria do indivíduo. Podemos dizer que o sistema
nervoso central é uma matéria-prima molda-
da pela existência. Ele é uma estrutura elabo-
rada, com muitas de suas partes já no lugar,
porém é a experiência que afina esse �tosco
aparelho� até que possa executar um trabalho
de precisão (Crick, 1994).
A importância dos eventos ambientais
pode ser exemplificada com diversos casos. Por
exemplo, a separação de uma ovelha recém-
nascida de sua mãe por poucas horas após o
nascimento impede o desenvolvimento habitual
de um comportamento de �brincar� que as ove-
lhas normalmente apresentam (Maturana,
Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5630
Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 31
1988). Igualmente, o abandono de crianças
pequenas tem profundas conseqüências sobre
a formação de sua personalidade e seu modo
de comportamento, pois a criança é privada
de experiências sociais importantes em perío-
dos cruciais de seu desenvolvimento. As crian-
ças-lobo encontradas em 1922 no norte da Ín-
dia são um exemplo marcante desse fato
(MacLean, 1977). As duas crianças encontra-
das haviam sido criadas por uma família de
lobos até a idade de cinco e oito anos, respec-
tivamente. A mais jovem faleceu pouco tempo
depois de serem levadas para os cuidados de
uma família missionária; a outra criança, ape-
sar de ter vivido cerca de dez anos com essa
família, não aprendeu mais que algumas pou-
cas palavras e jamais se sentiu à vontade em
um contexto humano. Com o passar do tem-
po, embora tivesse aprendido a andar sobre as
duas pernas, diante de situações de estresse
ou urgência, sempre voltava a correr com os
quatro membros.
A aplicação consistente da perspectiva
evolucionista na compreensão dos processos
mentais é bastante recente na história das
neurociências. No início deste século, Durkheim
(2001) postulou que os processos básicos da
mente originavam-se na vida social. Um dos
mais importantes trabalhos a respeito dos as-
pectos socioculturais do desenvolvimento cog-
nitivo foi desenvolvido por Luria (1976) em
uma remota região da antiga União Soviética.
A psicologia soviética da época já considerava
que a consciência não era algo inato, passivo e
imutável, mas sim cunhada e moldada pela
existência e usada pelo ser humano para guiá-
lo na relação com o ambiente, sendo continu-
amente reestruturada por essa relação. Essa
pesquisa demonstrou que a atividade cogniti-
va humana não é algo a priori, porque se esta-
belece no processo de desenvolvimento histó-
rico e social, sendo codificada pela linguagem.
Além disso, a evolução sócio-histórica não ape-
nas introduz novos conteúdos no mundo men-
tal do ser humano, mas também cria novas for-
mas de atividade e novas estruturas de funcio-
namento cognitivo. De acordo com Vygotsky
(1996), o comportamento do homem moder-
no não é produto apenas da evolução biológi-
ca, ou resultado do desenvolvimento infantil,
mas também produto do desenvolvimento his-
tórico. Ao mesmo tempo em que a cultura
emerge da ação humana, esta, por sua vez,
emerge da cultura. A cultura encontra-se em
um processo constante de recriação, na medi-
da em que é interpretada e renegociada por
seus membros (Bruner, 1998).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Podemos finalizar dizendo que a propos-
ta teórica da terapia cognitivo-construtivista
tem sido elaborada nas últimas décadas a par-
tir da contribuição de diversas áreas e, apesar
de recente, tem-se mostrado capaz de reunir,
de forma consistente e coerente, uma ampla
gama de evidências e de experiências sobre os
processos humanos de mudança.
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Cognitivismo e Construtivismo
Cristiano Nabuco de Abreu
Miréia Roso
do, assim, para o propósito maior deste traba-
lho, que é o de ampliar nossa compreensão dos
processos envolvidos na formação e na mudan-
ça do homem na pós-modernidade. Este é um
período no qual os significados adquiriram um
caráter quase absoluto de transitoriedade e
multiplicidade, o que já nos impede de afir-
mar que vivemos em um universo único e sin-
gular. Vivemos, sim, mais em um multiverso
rico, variado e diverso por natureza (Maturana
e Varela, 1995).
A seguir, desenvolveremos um paralelo
em relação a algumas das concepções que ali-
cerçam a teoria e a prática dos diferentes mo-
delos cognitivos. Tais comparações não terão
como intuito principal a elevação da concep-
ção mais legítima, e sim o favorecimento da
criação de uma visão mais panorâmica dos con-
trastes e das semelhanças existentes entre os
modelos cognitivista e construtivista.
O(S) CONCEITO(S) DE REALIDADE E A
CONSTRUÇÃO DE SIGNIFICADOS
Cognitivismo
Por muito tempo, acreditou-se que o sa-
ber (o conhecimento) era uma resultante dire-
ta da realidade ou do mundo externo que, ao
incidir sobre nossos sentidos, semelhantemente
a um raio de luz que incide sobre um antepa-
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Ao longo dos últimos anos, a psicoterapia
e todo o vocabulário simbólico que a define
vêm sofrendo uma profunda alteração em seus
fundamentos (Mahoney e Albert, 1996). Pro-
curando acompanhar as evidentes transições
históricas e as mudanças verificadas no cam-
po das ciências humanas, foram feitas altera-
ções significativas na prática clínica, levando
consigo todas as concepções mais antigas que
envolviam o conceito de mudança psicológica
� um dos pontos cardinais do panorama psico-
terapêutico.
Essa paisagem veio a gerar a idéia deste
livro. Nossa proposta é refletir sobre a multi-
plicidade cada vez mais evidente de conceitos
como realidade, atribuição de significados,
epistemologia e, mais pragmaticamente, situ-
ar tais debates nas abordagens cognitivas em
psicoterapia. Em cada capítulo, o leitor encon-
trará paralelos entre a concepção cognitiva tra-
dicional � também conhecida como cognitivo-
objetivista e, a partir de agora, denominada
por nós de cognitivista � e a concepção cogniti-
vo-construtivista, que chamaremos de constru-
tivista, abordando as mais variadas técnicas de
psicoterapia, o papel e a pessoa do terapeuta,
o tratamento de alguns transtornos psiquiátri-
cos, as perspectivas futuras e, finalmente, os
temas que abrangem as fronteiras mais recen-
tes do campo das ciências humanas, contribuin-
22
Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5635
36 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols.
ro, criava reflexos; estes, quanto mais perfei-
tos fossem, mais refletiriam a fonte e, portan-
to, mais apurado seria considerado o nosso
conhecimento. Nessa concepção epistemológi-
ca objetivista, os significados que transitam em
nossa mente são entendidos como fruto direto
das representações extraídas da realidade ex-
terna, ou seja, no desenvolvimento de nossa
cognição, exibimos uma inclinação natural para
revelar internamente os significados da exis-
tência concreta externa.
A partir dessa idéia (quase platônica) do
conhecimento, o saber torna-se cada vez mais
verdadeiro na proporção direta da habilidade
de uma pessoa em descobrir (se possível, ao
máximo) os conceitos já existentes no mundo
exterior.1 Um simples exemplo dessa mecâni-
ca seria observado ao se indagar a alguém a
respeito do significado da palavra pássaro.
Rapidamente, veríamos essa pessoa atribuin-
do valores como voador, possuidor de penas e
de bico, consumidor de insetos, etc. Portanto,
testemunharíamos silenciosamente o trabalho
da cognição em sua tentativa de fracionar esse
estímulo da realidade externa, classificando-o
em conjuntos de símbolos e conceitos para que
os mesmos possam ser organizados depois, de
modo a estarem em correspondência máxima
com o mundo lá de fora. Assim, quanto mais
elementos relacionados à categoria pássaro
puderem ser coletados, mais completa será a
descrição e, conseqüentemente, mais verdadei-
ro será o conhecimento adquirido � daí o uso
da expressão cognitiva-objetivista para indicar
a maneira pela qual o conhecimento humano
estrutura-se em nossa cognição, ou seja, ao
utilizar premissas empíricas e realistas da cons-
trução do conhecimento, evidencia-se a busca
contínua daquilo que objetivamente existe no
mundo.2
Em suma, nas concepções cognitivistas
tradicionais, o significado que transita em nos-
sas mentes é basicamente concebido como pro-
veniente de um processamento conceitual da
construção de significados, ou seja, o conheci-
mento dos estímulos ocorre através das regras
formais do raciocínio analítico e do pensamento
lógico. Assim, ao nos defrontarmos com o mun-
do, abstrairemos os conceitos possíveis, e nos-
so pensamento, em sua atividade, buscará clas-
sificar tais eventos sob categorias como certo
ou errado, bom ou mau, verdadeiro ou falso
(Greenberg, Rice e Elliott, 1996).
Segundo Beck (1964), nãoé a situação
ou o contexto que determinam o que as pes-
soas sentem, e sim o modo como elas interpre-
tam � e pensam � os fatos em uma dada cir-
cunstância. E, à medida que se depara com
novas situações, o pensamento tentará extrair
as padronizações percebidas de cada aconteci-
mento, transformando as similaridades detec-
tadas em padrões gerais de interpretação
(Festinger, 1975). Tais padrões coordenarão o
processo de percepção e de atribuição de sig-
nificados, também chamado de rotulação, cons-
tituindo-se em uma verdadeira rede de signifi-
cados em nossa estrutura cognitiva (Vygostky,
1991). Conhecidas como esquemas ou crenças
pela terapia cognitiva, essas estruturas serão
os padrões orientadores da percepção e da in-
terpretação da experiência (Bem, 1973). A
máxima cartesiana �Penso, logo existo� elucida
adequadamente a maneira como nosso pensa-
mento opera.3
Nos modelos tradicionais de terapia cog-
nitiva, atribuiu-se ao pensamento um caráter
determinante e à sua disfunção toda uma vari-
edade de psicopatologias. Dessa forma, a ra-
zão foi elevada à categoria de destaque e a pre-
cisão de sua performance deu-nos a chave para
o comando de uma boa saúde mental. Daí ori-
ginou-se a máxima de que �Viver bem é o re-
sultado de um pensar bem (ou corretamente)�
(Mahoney, 1998).4
Assim, as concepções cognitivistas desen-
volveram as mais diversificadas propostas e
criaram ferramentas de ajuste cognitivo, como,
por exemplo, os registros de pensamentos dis-
funcionais (Beck, 1995), as técnicas de rees-
truturação cognitiva (Beck e Freeman, 1993),
o processo de identificação de crenças irracio-
nais (Ellis, 1998) e toda uma variedade de téc-
nicas que sustentaram � e ainda sustentam � a
prática da correção ou da substituição dos pa-
drões disfuncionais de pensamento por padrões
mais funcionais de análise e de lógica. Por isso,
torna-se fundamental para as referências
cognitivistas objetivistas que as distorções do
significado não evoluam a ponto de tornarem-
se mal-adaptativas.
Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5636
Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 37
Em outras palavras, se o pressuposto epis-
temológico é de que o conhecimento é uma
representação imediata do mundo exterior �
dessa realidade que é única �, cabe ao tera-
peuta auxiliar o paciente no ajuste, no aperfei-
çoamento ou na busca de padrões mais con-
vergentes com a existência socialmente estabe-
lecida. Dessa forma, o comportamento huma-
no normal dependerá, teoricamente, da capa-
cidade da pessoa de compreender a natureza
do ambiente físico e social em que ela está si-
tuada (Beck e Alford, 2000).
Construtivismo
Assim como a revolução cognitiva fez-se
presente e alterou as bases das psicoterapias
comportamentais na época de seu surgimento,
os paradigmas construtivistas causaram uma
segunda grande revolução na história das abor-
dagens comportamentais (Abreu e Shinohara,
1998; Mahoney, 1998).
Diferentemente das visões cognitivas obje-
tivistas � segundo as quais se entende que a cons-
trução do significado ocorre evidentemente de
maneira pessoal, porém transmitindo o mundo
externo pelas atividades lógicas do pensamen-
to �, as concepções cognitivas construtivistas
pressupõem que o ofício da significação encon-
tra-se primeiramente subordinado à influência
das emoções, e não à dialética da razão. Em
outras palavras, é através dos elementos pro-
pioceptivos e das estruturas vivenciais (aquelas
que interpretam os estímulos pela experiência)
que ocorrerá o processo de atribuição de signi-
ficados (Thelen e Smith, 1995).
Nessa nova concepção, o funcionamento
cognitivo não mais se caracterizará pela sim-
ples manipulação automática de símbolos abs-
tratos a fim de se atingir um sentido final e
único, tal como advoga a referência objetivista.
Na concepção construtivista, entende-se que a
mente em funcionamento não só reflete o mun-
do exterior, mas também o transpõe, atribuin-
do significados que, muitas vezes, não são ori-
ginários do estímulo em si. Assim, a realidade
interna será vista como fundamentalmente
derivada do modo pelo qual cada indivíduo
sente emocionalmente o mundo, e não só como
o concebe de maneira racional.
Conforme Kant (1781), a mente não é
uma cera passiva por sobre a qual a experiên-
cia e a sensação escrevem sua vontade capri-
chosa e absoluta; nem tampouco é um mero
nome abstrato para a série ou o grupo de esta-
dos mentais; ao contrário, é um órgão ativo
que molda e coordena as sensações em idéias,
transformando a multiplicidade caótica da ex-
periência em uma unidade ordenada de pen-
samento.
O conhecimento, então, diferentemente
das referências objetivistas, será compreendi-
do como fruto de uma organização pessoal,
arquitetada e organizada por cada pessoa. Ado-
ta-se como metáfora explicativa desse funcio-
namento o chamado princípio da multiplicida-
de (que representa, a possibilidade de múlti-
plas construções de sentido), e não mais o prin-
cípio da correspondência (que contempla ape-
nas uma única construção quando utilizado
pelas outras concepções epistemológicas).
Para que possamos compreender um pou-
co melhor as premissas construtivistas, vale a
pena nos aprofundarmos na dialética da cons-
trução de significados. De uma maneira geral,
podemos dizer que existem dois tipos globais
e complexos de atribuição de sentido, os quais
retratam a maneira pela qual nosso organis-
mo, como um todo, organiza-se em suas tro-
cas com o mundo. O primeiro tipo de funcio-
namento é chamado de processamento concei-
tual e o segundo de processamento vivencial
(Greenberg, Rice e Elliott, 1996). Na primeira
configuração, um significado é obtido através
da correspondência versus o contraste existen-
te entre as nossas representações mentais e o
mundo externo (de forma semelhante àquela
descrita pelos modelos cognitivos objetivistas).
Todavia, no processamento vivencial, a possi-
bilidade de geração de significado não reside
no estímulo em si ou na capacidade do pensa-
mento em enxergá-lo, mas na percepção
corpórea e tácita produzida pelo seu apareci-
mento.
Na concepção construtivista, os significa-
dos serão construídos obedecendo a essa via
de mão dupla, ou seja, extraindo dados do pro-
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Leonidas Valverde da Silva
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38 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols.
cessamento conceitual e do processamento
vivencial. Neste último, os significados gerados
em nossa consciência advêm da percepção e
da leitura dos conteúdos corpóreos, estando
os mesmos em uma condição quase total de
pré-conceitualidade e inconsciência. Nesse ní-
vel, não interpretamos as situações sob o pon-
to de vista lógico, e sim sob uma ótica emocio-
nal, isto é, os significados que serão produzi-
dos por um evento serão fundamentados nos
princípios experienciais das situações. Dessa
maneira, uma vez sentida a informação, esse
conteúdo será traduzido em aspectos de con-
forto ou desconforto e de segurança ou amea-
ça da integridade corporal. Um exemplo disso
é a grande maioria das queixas ouvidas pelos
profissionais. Nas mais diversas situações, fre-
qüentemente escutamos queixas do tipo: �es-
tou me sentindo sufocado(a) com tal situação�,
��Aquele lugar me causa um aperto no pei-
to�, �Sinto que estou carregando o mundo nas
costas��, etc. Portanto, diversas traduções que
fazemos dos eventos provêm inicialmente dos
sinais corporais (também chamados de senso-
riais) para que, posteriormente, possam vir a
ser integrados e, então, explicados por nosso
raciocínio analítico.
Assim, primeiro sentimos algo para de-
pois podermos pensar sobre seu conteúdo
(Greenberg e Safran, 1987). Como imagem
explicativa desse tipo de atividade (e oposta à
máxima cartesiana anteriormente citada), des-
creveríamos a metáfora. �Existo, logo penso�5,
sugerindo implicitamente que a emoção sem-
pre criará �problemas� para o pensamento po-
der resolver. O que foi ordenado pela experiên-
cia pessoal do indivíduo torna-se verdadeiro e
converte-se em um elementosoberano e de-
terminante aos seus sentidos (mesmo que, aos
olhos dos outros, possa parecer uma miragem).
É, portanto, a partir da construção interna que
os clientes atribuem os significados à realida-
de externa (Greenberg, 1998). Como afirma
Guidano (1994, p. 72), �Somos prisioneiros
capturados na rede de nossas teorias e expec-
tativas�. Tal arquitetura pessoal de significa-
dos permite ao indivíduo levar consigo não uma
cópia do mundo externo, mas uma represen-
tação ou �mapa� do mundo (o qual não é o
mundo em si) desenhado a partir de sua teoria
personificada de vida (Mahoney, 1998).
O PAPEL DAS EMOÇÕES
Cognitivismo
O modelo cognitivo objetivista parte do
princípio de que as emoções são derivadas dos
padrões de pensamento que, pautados nas
crenças, direcionam a maneira como as pes-
soas interpretam as situações a que estão ex-
postas. Os eventos em si não determinam dire-
tamente como alguém se sentirá, mas, antes,
são os juízos associados de valor que provoca-
rão uma resposta emocional específica. Assim,
para que uma emoção possa ser contextualiza-
da, o terapeuta cognitivo sempre buscará veri-
ficar qual é a avaliação racional da situação
que está sendo feita sob o ponto de vista do
paciente (Beck, 1995).
Por isso, embora a emoção seja conside-
rada de grande importância para o profissio-
nal, sua função é indicar, como um sinalizador
marinho, a presença de pensamentos e/ou
crenças a ela associados. Por exemplo, quando
o indivíduo depara-se com situações nas quais
se revela o descontrole emocional, torna-se
necessário o exame mais minucioso da crença
subjacente ou mesmo de algum esquema (con-
junto de crenças) que esteja servindo a propó-
sitos de desadaptação. Em um caso como esse,
entende-se que o filtro conceitual ou mesmo a
lógica pessoal está trabalhando de uma ma-
neira incorreta, porque desprovida de lógica,
e levando o paciente a um inevitável e contí-
nuo processo de sofrimento. A partir disso, er-
gue-se uma das premissas cognitivistas centrais
de que tal crença é corrigida e submetida a uma
(nova) avaliação mais correta da realidade.6
Assim, segundo Beck (1995), a terapia
cognitiva normalmente visa a abrandar a afli-
ção emocional, corrigindo as possíveis inter-
pretações errôneas construídas pelo indivíduo.
A emoção, portanto, torna-se disfuncional
quando decorrente de pensamentos irrealistas
ou absolutistas, interferindo, assim, na capaci-
dade do paciente de pensar clara e objetiva-
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Leonidas Valverde da Silva
Leonidas Valverde da Silva
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Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 39
mente. Tendo em vista esse referencial tera-
pêutico, entende-se que uma reflexão racional
e um exame mais realista dos pensamentos (e/
ou das crenças) disfuncionais oferecem condi-
ções de reparar as emoções em desalinho com
a vida de cada um. Este é o parecer que a tera-
pia cognitiva objetivista emite a respeito da vida
emocional.
Construtivismo
De modo geral, a concepção cognitiva
construtivista considera as estruturas emocio-
nais um dos alicerces mais importantes para
que a edificação do conhecimento humano
possa acontecer. Segundo vários autores, a
emoção, em maior ou menor grau, sempre con-
tribuirá para a formação dos significados no
sistema psicológico humano. Nesse sentido,
seria virtualmente impossível considerar as
estruturas cognitivas de significado sem que
se agregue, de uma maneira ou de outra, o
funcionamento emocional.
Sem exceção, homens e mulheres de to-
das as idades, culturas, graus de instrução e
níveis econômicos têm emoções, atentam para
as emoções dos outros, cultivam passatempos
que manipulam suas próprias emoções e, em
grande medida, governam sua vida buscando
certas emoções, enquanto procuram evitar ou-
tras desagradáveis (Damásio, 2000).
O funcionamento emocional é de impor-
tância fundamental para a construção de sig-
nificados, pois envolve certas atividades do
hipotálamo e da amígdala e sua reação àque-
las situações nas quais o organismo é colocado
em condições de risco e de perigo (Damásio,
1994). Por isso, quando tais circunstâncias são
detectadas, certos alarmes emocionais são dis-
parados, dando origem às chamadas emoções
primárias: a raiva, o medo e a tristeza. Esse
mecanismo de ação �instantânea�, se podemos
chamá-lo assim, habilita-nos, primeiro, a agir
para, somente depois, podermos pensar um
pouco mais sobre a condição perturbadora.
Imaginem nossos ancestrais em uma floresta,
ouvindo um ruído estrondoso que se aproxima
velozmente. É mais interessante primeiro cor-
rer para depois, em um local mais seguro, po-
der pensar melhor a respeito do que foi aquela
ameaça. Tais dispositivos também podem ser
notados quando estamos distraídos e uma pes-
soa conhecida subitamente aparece. Mesmo
que saibamos que o estímulo (no caso, a pes-
soa) não é ameaçador, nossa estrutura emocio-
nal reagirá instintivamente para nos proteger,
produzindo a reação comportamental de re-
cuo ou distanciamento, apesar de �sabermos�
que nada de mal poderia ocorrer.
Em comparação com a cognição, a emo-
ção é biologicamente mais antiga e entendida
através de um sistema de ação rápida projeta-
do para assegurar a manutenção da vida. As-
sim, no modelo teórico construtivista, as emo-
ções não são nem racionais nem irracionais, mas
sim adaptativas por natureza. Ao longo dessa
explanação, uma pergunta poderá surgir so-
bre as emoções negativas: elas não seriam ru-
ins e prejudiciais ao indivíduo que as
experiencia? A réplica a esse questionamento
é interessante, uma vez que, quando se argu-
menta a respeito das emoções boas e más (e,
principalmente, as más), referimo-nos muito
mais ao aspecto fenomenológico e subjetivo de
vivenciar tal emoção do que a respeito de sua
funcionalidade propriamente dita. Pelo fato de
experimentarmos emoções que produzem
desprazer, criamos uma perspectiva de inter-
pretação (sociopessoal) de que as emoções
negativas e intensas devem ser banidas, pois
colocam em risco nossa integridade psicológi-
ca. Todavia, recentes pesquisas afirmam que
as emoções não são, como muitas teorias psi-
cológicas asseguraram e ainda atestam hoje,
intrusas tóxicas que devem ser domesticadas
ou eliminadas a qualquer custo, e sim impor-
tantes mensageiras que nos advertem do peri-
go e sinalizam como nos sentimos ou como
experienciamos determinados contextos ou si-
tuações (Greenberg e Paivio, 1997). Seguindo
essas mesmas premissas, não são nossos pro-
blemas afetivos que nos conturbam por sua
existência, mas a dificuldade que manifesta-
mos em compreendê-los em sua totalidade, ou
seja, não são as emoções que nos afligem, e
sim nossa dificuldade em entendê-las. Retor-
naremos a esse tópico mais adiante, porém
podemos sintetizá-lo dizendo o seguinte: so-
mos, no final das contas, o resultado de nossas
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Leonidas Valverde da Silva
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40 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols.
emoções e de como lidamos com elas, isto é,
somos aquilo que sentimos que somos.
Assim, genericamente, diríamos que uma
das metas dos modelos construtivistas é auxi-
liar os indivíduos na construção de um signifi-
cado, utilizando as emoções como ponto de
partida, desenvolvendo e encorajando uma
postura de maior abertura para que essas emo-
ções possam ser simbolizadas e, então, finali-
zadas em seu significado total. Ao ajudarmos
os pacientes a se situarem nesse sistema contí-
nuo de integração (razão e emoção), fatalmen-
te os sentimentos �indesejados� perdem sua
necessidade de expulsão ou de correção tera-
pêutica (Greenberg, 2000).
DISFUNÇÃO E PSICOPATOLOGIA
Cognitivismo
Na concepção cognitivista, a psicopato-
logia será sempre considerada o resultado de
crenças excessivamente disfuncionais ou de
pensamentos demasiadamente distorcidos que,
em atividade, teriam a faculdade de influen-
ciar o humor e ocomportamento do indivíduo,
enviesando sua percepção da realidade (Beck
e Freeman, 1993). Por isso, sua identificação e
posterior modificação são elementos centrais
para o tratamento, capazes de promover, se-
gundo essa teoria, a redução dos sintomas.
Por exemplo, no modelo de Beck (1976)
e de Beck e colaboradores (1979), tais crenças
são divididas em básicas (ou centrais) e peri-
féricas (ou intermediárias), as quais resultam
de pressupostos que desenvolvemos a respeito
de nós mesmos, a respeito do mundo e do fu-
turo, compondo em seu estágio final a estrutu-
ra cognitiva de valores que favorece a forma-
ção do que chamamos de experiência pessoal.
Essas organizações de significado são necessá-
rias para que se possa interpretar o mundo
corretamente, pois auxiliam na previsão das
atitudes e no sentido que atribuímos às experi-
ências de vida, garantindo o perfeito funcio-
namento cognitivo. Entretanto, algumas pre-
missas advindas desses mesmos constructos po-
dem, em função de alguma circunstância es-
pecífica, tornar-se muito repetitivas e, assim,
conservarem-se pouco atualizadas, o que as
induz a uma condição de contraprodução para
o indivíduo. Operando, então, em um estado
restritivo de atribuição de significados (por
serem antigas), passam a atuar como uma ca-
misa-de-força conceitual, gerando avaliações
rígidas e absolutistas e criando um sentido
distorcido das situações � o que as tornam ex-
tremamente resistentes à mudança e, por isso,
classificadas como disfuncionais.
Nesse sentido, muitas vezes as estruturas
irracionais expressam-se inicialmente através
de pensamentos negativos e, com o passar do
tempo, são responsáveis pela ativação de emo-
ções desadaptativas. De caráter invasivo e ime-
diato, os pensamentos negativos automáticos
(PNA) têm o poder de transformar a interpre-
tação das experiências que uma pessoa desen-
volve e, ao se constituírem de uma poderosa
lente explicativa, afetam significativamente o
comportamento de um indivíduo, gerando os
já conhecidos sintomas. Assim, estabelece-se
um verdadeiro efeito dominó: quanto mais se
desenvolverem os sintomas, mais intensos se
tornarão os PNA, em uma tentativa do orga-
nismo de procurar entender ou justificar as
emoções presentes pouco compreendidas.
Como efeito final, os pensamentos repetitivos
vão �gentilmente convidando� os (novos) sig-
nificados a se retirarem e, de forma progressi-
va, nossa estrutura cognitiva fica povoada pe-
las avaliações viciadas de significado, levando
o indivíduo a comportar-se de maneira ilógica
e irracional ou, segundo nosso ponto de vista,
pouco atualizada, oferecendo condições para
que se estabeleçam os transtornos de persona-
lidade.
Um típico exemplo desse processo é uma
pessoa que possui uma crença central do tipo
�Eu sou incapaz�. Isso gerará crenças interme-
diárias envolvendo condições de valor (inca-
pacidade), como, por exemplo, �Se não enten-
der algo de forma completa e perfeita... então
sou burro�. Tal indivíduo, em uma situação
qualquer, como em uma sala de aula, por exem-
plo, ao confrontar-se com o menor grau de di-
ficuldade, será invadido por pensamentos au-
tomáticos (e, então, disfuncionais por limita-
rem sua perspectiva de avaliação) como: �Isso
é muito difícil para mim... eu jamais entende-
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Leonidas Valverde da Silva
Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 41
rei isso�. A presença desse pensamento evoca-
rá uma reação emocional de tristeza, disparan-
do reações fisiológicas de ansiedade e dor de
estômago, gerando atitudes e comportamen-
tos que virão a culminar na efetiva incapacida-
de e na óbvia desistência do curso. Assim, quan-
to mais intensos forem os sintomas de descon-
forto em uma situação qualquer, maior será a
incidência desses mesmo pensamentos auto-
máticos disfuncionais, aumentando ainda mais
a validade da crença central disfuncional (�Sou
incapaz�), reforçando novamente os sintomas
e mantendo indefinidamente o círculo vicioso
em atividade.
Portanto, fica evidente que a disfunção
instala-se, nos modelos cognitivistas de Beck,
a partir e em decorrência de algumas crenças
centrais (ou até mesmo periféricas) que, não
estando suficientemente flexíveis para escla-
recer uma determinada situação, fomentam o
surgimento dos viéses interpretativos. A visão
da personalidade de cada pessoa levará em con-
ta a história evolutiva desses padrões de pen-
sar, sentir e agir de cada um. Contudo, nos ca-
sos em que a disfunção é estabelecida, tal ten-
dência ao ajuste cognitivo apresenta-se de
maneira mais lenta do que a velocidade neces-
sária para acompanhar a mudança no meio e,
assim, serão instituídos verdadeiros atrasos de
interpretação, ou seja, o indivíduo ainda se
encontrará preso a certos valores antigos ou
mesmo �irracionais�. Cognitivamente falando,
as crenças disfuncionais deslocam as estrutu-
ras mais adaptativas, compostas por crenças
mais razoáveis e adaptativas, prevalecendo nos
atos finais de significação.
Temos aqui um dos campos mais férteis
para a criação de transtornos de personalida-
de, uma vez que as crenças ou os esquemas
imperativos dominam tiranicamente o horizon-
te interpretativo, gerando distorções de enten-
dimento e aprisionando o indivíduo em pers-
pectivas possíveis naquele momento, porém
insuficientes para a compreensão.
Construtivismo
Na concepção construtivista, as formas de
entendimento da psicopatologia apresentam
uma pequena variedade se contrastadas com
as modalidades cognitivistas. Para o cogniti-
vismo, o pensamento é o grande fiador da cria-
ção de significado, ao passo que para o cons-
trutivismo as emoções são consideradas uma
das composições basais para a edificação de
sentido e de significado. Desse modo, seria vir-
tualmente impossível considerar, no âmbito do
construtivismo, a formação de significado sem
que, de alguma maneira, o funcionamento
emocional fosse contemplado.
Uma vez que a participação dos esque-
mas emocionais torna-se necessária para asse-
gurar o desenvolvimento do indivíduo, toda
forma de manifestação afetiva é vista como
basicamente adaptativa e funcional. Como as
reações emocionais são as companheiras mais
antigas na vida humana (afetando a memória,
o humor e a habilidade de realizar tarefas),
sua compreensão e sua regulação tornam-se
os objetivos mais desejados nessa forma de
psicoterapia. Para alguns autores, as disfunções
e os distúrbios emocionais surgem quando as
pessoas não se sentem autorizadas a reconhe-
cer, sentir ou até mesmo legitimar determina-
das emoções (Greenberg e Pascual-Leone,
1997; Arciero e Guidano, 2000; Neimeyer,
2000).
Assim, as emoções em si não são a fonte
do sofrimento e do desequilíbrio, mas os pensa-
mentos, a interpretação ou mesmo o surgimen-
to de outras reações emocionais àquelas primei-
ras emoções que serão a fonte de grande parte
das disfunções psicológicas (Greenberg, Rice e
Elliott, 1996). Nesse sentido, é inevitável abor-
darmos a leitura ou o entendimento do indiví-
duo sobre sua experiência quando falamos a
respeito das bases da psicopatologia. Por exem-
plo, um medo �infantil� apresentado por um
adulto nada mais é do que uma reação despro-
vida de significado sob a ótica de um adulto,
ou seja, muitas vezes sentimos algo que não
nos sentimos autorizados a sentir. Como já dis-
semos, as emoções no construtivismo não são
vistas como irracionais ou insensatas, porém
sempre adaptativas; por isso, a experiência
imediata (aquilo que está ocorrendo no mo-
mento em termos viscerais e emocionais) sem-
pre precederá a experiência reflexiva (a inter-
pretação e a avaliação que fazemos do que
Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5641
Leonidas Valverde da Silva
42 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols.
ocorreu), uma vez que primeiro sempre senti-
mos algo para depois podermos explicá-lo.
Um indivíduo, então, poderá ficar facil-
mente desorientado quando a síntese desses
dois processos (sentir + pensar) apresentar-
se disposta de maneira contraditória, incom-
patível ou mesmo inconsistente. Assim sen-
do,o perigo da instabilidade aparece quando
as construções racionais de significado (a ex-
plicação) não levarem em consideração a ex-
periência (corporal) imediata que está sendo
vivida, ou seja, quando vier a ocorrer a falta
de simetria entre os níveis, a razão quase sem-
pre tenderá a permanecer como uma fonte so-
berana de entendimento. Portanto, não
estamos interessados em corrigir o pensamen-
to dos pacientes, e sim em ampliá-lo. Em vá-
rios casos de desequilíbrio, veremos os paci-
entes começarem a controlar suas emoções na
tentativa aflita de impor algum significado
mais restritivo ou ainda inacabado, mas que
esteja de acordo com suas possibilidades (li-
mitadas) de compreensão.
Dessa maneira, em uma circunstância
qualquer, podemos estar mais atentos aos da-
dos sensoriais da experiência (sensações cor-
porais) ou mais voltados aos aspectos concei-
tuais (crenças) da situação (Greenberg e Paivio,
1997). Um exemplo da impossibilidade de
construção de um significado global é facilmen-
te observado em um caso de transtorno obses-
sivo-compulsivo (TOC). Bem sabemos que uma
das caraterísticas mais proeminentes desse
quadro é a tendência a uma expressão restrita
de afeto, possivelmente em função de o indiví-
duo ter vivido situações passadas nas quais sua
emocionalidade foi punida ou extremamente
desconsiderada. A melhor saída para assegu-
rar sua integridade é um distanciamento de
suas emoções, pois elas sempre estiveram as-
sociadas ao desequilíbrio e à supressão, o que
o levará à adoção de um comportamento
ritualístico, evitando o aparecimento de possí-
veis marolas emocionais. Ao serem evitadas ou
até controladas, nenhuma intercorrência põe
em risco o (pseudo) equilíbrio anteriormente
obtido.
Uma pessoa que apresente tal transtorno
buscará ininterruptamente, em seu dia-a-dia,
distanciar-se das situações confusas e imprevi-
síveis, desenvolvendo comportamentos perfec-
cionistas, repetitivos e até mesmo ritualísticos.
Esse estreitamento racional, essa miopia psi-
cológica, protegerá o paciente das situações nas
quais o imponderável é uma possibilidade con-
creta e o surgimento de novas emoções traria
as velhas sensações de desorganização, vergo-
nha ou ansiedade cujo manejo seria difícil.
Portanto, no construtivismo, os sintomas que
se fazem presentes em um quadro de TOC ra-
ramente seriam vistos como vergonhosos ou
mesmo indesejáveis, e sim como uma estraté-
gia possível, porém não tão viável, de garantia
de harmonização emocional.
A patologia, então, estaria relacionada à
incapacidade das pessoas de aceitar ou tratar
seus sentimentos e suas emoções como neces-
sidades básicas que devem ser ouvidas e res-
peitadas. Disfuncionais, portanto, não são as
emoções, mas o fato de o indivíduo não se sen-
tir autorizado a sentir tais conteúdos. Nos qua-
dros de descontrole, ele não consegue funcio-
nar de maneira integrada, na qual a experiên-
cia emocional é acolhida e bem tratada pelo
pensamento. Esse descompasso funcional faz
com que os moinhos de vento não circulem ou,
na melhor das hipóteses, girem apenas com
metade das pás.
Com essa postura, procuramos resistir ao
máximo à patologização das condutas aparen-
temente desadaptativas e descobrir para que
propósito tal pessoa ficou �encalhada� em uma
construção de significado restritiva, inacabada
e limitadora, fazendo com que o processo de
mudança permaneça em uma condição de es-
tagnação e de impasse. É curioso constatar que
as técnicas utilizadas aqui não visam a promo-
ver a redução dos quadros de organização, pre-
ocupação e controle, e sim a incentivar a vivência
dessas emoções presentes e ainda não totalmen-
te simbolizadas pela pessoa.7 Uma das suposi-
ções nucleares do construtivismo é considerar
que, quanto maior o volume de informações
disponibilizadas ao paciente, maior será a pos-
sibilidade de (re)construção de significados mais
vastos. �Cada possibilidade nova que tem a exis-
tência, até a menos provável, transforma a exis-
tência inteira� (Milan Kundera).
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Leonidas Valverde da Silva
Leonidas Valverde da Silva
Leonidas Valverde da Silva
Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 43
O PAPEL DO TERAPEUTA
Cognitivismo
Na abordagem cognitiva, o terapeuta tem
um papel ativo, colaborativo e educativo, o qual
foi muito bem sistematizado por Judith Beck
(1997) e contempla as seguintes atribuições:
1. auxiliar o paciente na identificação
dos pensamentos automáticos e das
crenças disfuncionais a eles associa-
das;
2. propor técnicas de reestruturação
cognitiva, visando à modificação
desses mesmos pensamentos auto-
máticos;
3. levantar hipóteses sobre a categoria
de crença central (desamparo ou
pouca amabilidade) da qual os pen-
samentos automáticos específicos
parecem ter surgido;
4. especificar a crença central prepon-
derante;
5. apresentar ao paciente sua hipótese
sobre a crença central, solicitando-
lhe uma confirmação (ou não);
6. educar o paciente sobre crenças cen-
trais em geral e sobre sua crença cen-
tral específica, orientando-o a
monitorar a(s) operação(ções) de
sua crença central;
7. começar a avaliar e modificar a cren-
ça central junto com o paciente, au-
xiliando-o a especificar uma nova
crença central mais adaptativa.
Sendo assim, nessa concepção, terapeuta
e paciente sempre trabalham juntos, planejan-
do estratégias, identificando crenças, atuando
sobre pensamentos disfuncionais e sobre estra-
tégias necessárias para tais ajustes ou corre-
ções. Além disso, o terapeuta deve formular
hipóteses sobre quais experiências contribuí-
ram para o surgimento das crenças � sobre si
mesmo e sobre os outros � apresentadas pelo
paciente, além da história de vida pessoal.
Construtivismo
Na abordagem construtivista, o terapeu-
ta possui várias atribuições, cada qual ordena-
da dentro de uma prática específica em cada
proposta clínica (como, por exemplo, nos mo-
delos pós-racionalistas, experienciais-viven-
ciais, narrativos, interpessoais, dos construc-
tos pessoais, etc.). Entretanto, na maior parte
dessas contribuições, é muito clara a idéia de
que o clínico também possui um papel ativo,
no qual cliente e terapeuta estejam no proces-
so de mudança. Diferentemente das aborda-
gens objetivistas, o construtivismo não se ba-
seia em um processo de correção e de busca
dos conteúdos ilógicos ou disfuncionais na vida
subjetiva do paciente, e sim de análise, facili-
tação e ampliação dos significados restritivos
aos quais ele se percebe atrelado.
Nesse sentido, as premissas que norteiam
o trabalho incluem a concepção de que tanto
aquele que busca ajuda quanto aquele que a
oferece são considerados igualmente �especia-
listas� nessa procura: o cliente possui um mai-
or conhecimento das disposições e limitações
de seu sistema de significados (é o �expert� de
sua própria vida) e o terapeuta oferece instru-
mentos facilitadores da mudança. Essa pers-
pectiva clínica recusa terminantemente os pa-
péis atribuídos ao terapeuta como sendo o
�guru�, o �guia� ou mesmo o �professor�, nos
quais estariam embutidas as premissas de sa-
bedoria e de autoridade. Como conseqüência,
a terapia torna-se uma empreitada colaborati-
va e respeitosa de revisão do sistema de signi-
ficados pessoais a partir do ponto de vista do
próprio indivíduo, e não do clínico.
Para isso, das muitas estratégias utiliza-
das, aquela que é adotada como metáfora raiz
e mencionada em quase todas as propostas por
favorecer a maximização da expressão pessoal
é a técnica narrativa. É na linguagem que se
constrói o significado, ou seja, é através da
narrativa que se consegue sistematizar e orga-
nizar a experiência em curso. Segundo Gon-
çalves (1998), construir o sentido da experiên-
cia é, antes de mais nada, dar coerência a uma
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Leonidas Valverde da Silva
Leonidas Valverde da Silva
44 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols.
experiência ainda insípida e sem o significado
completo.
Embora o exame do funcionamento emo-
cional seja enfatizadocomo uma das formas
de trabalho, os métodos puramente expressi-
vos ou catárticos não são considerados suficien-
temente válidos para que a mudança psicoló-
gica possa ocorrer de fato. Assim, quando o
indivíduo está engajado em uma atividade de
autoria, narrando a sua história, busca preen-
cher os sentidos inacabados, concluindo o pro-
cesso de simbolização da experiência emocio-
nal sempre a partir de seu ponto de vista, e
não do profissional de ajuda. Quando esse prin-
cípio não é respeitado, predominando a visão
do clínico na especificação da disfunção, ocor-
re aquilo que chamamos de resistência passi-
va: a dificuldade do cliente de entender a ex-
plicação de sua problemática ou mesmo a re-
sistência em aderir a certas tarefas que lhe são
prescritas. Isso se deve ao fato de cliente e pro-
fissional não comungarem do mesmo signifi-
cado das experiências relatadas, e, nessa situa-
ção, o cliente não consegue demonstrar um
nível mínimo de comprometimento ou de ade-
rência ao processo de ajuda.
No construtivismo, acredita-se na sabe-
doria que o sistema vivo possui em sua tentati-
va natural de adaptação ao ambiente denomi-
nada de autopoiese. Tal dinâmica sempre de-
pendeu geneticamente da habilidade de se
(re)organizar frente às rápidas mudanças que
ocorreram ao longo de sua evolução. Assim, as
perturbações nascidas �de fora� � no caso, o
terapeuta � não têm o poder de interferir de-
masiadamente na ordem interna, mas sim ins-
tituir novas formas de organização, ou seja, as
mudanças estruturais que ocorrem no indiví-
duo são precipitadas pelos estímulos, e não ori-
ginadas por ele (Maturana e Varela, 1995).
Resta, então, ao profissional aproximar-se ao
máximo do campo fenomenológico do pacien-
te e facilitar a manifestação dos novos proces-
sos de adaptação e filtragem, reorganizando e
reacomodando de acordo com sua própria eco-
logia pessoal (capacidade e flexibilidade de
adaptação).
Um olhar de crédito e aceitação do clíni-
co, e não de catalogação e prescrição à expe-
riência do paciente, induz à diminuição da vi-
gilância interpessoal, fazendo com que o vín-
culo desenvolvido entre ambos torne-se um im-
portante delineador de trabalho. Assim, quan-
to mais rapidamente esse vínculo for construí-
do, mais rapidamente os sintomas diminuirão
(Horvath e Greenberg, 1994).
O PROCEDIMENTO PSICOTERAPÊUTICO
Cognitivismo
Uma das principais características da te-
rapia cognitiva é seu caráter breve e focal. Des-
se modo, o paciente é informado, logo no iní-
cio do tratamento, de que a terapia tem uma
função pedagógica destinada a ensiná-lo a de-
tectar e reduzir seus sintomas, de maneira que,
gradativamente, possa estar habilitado a con-
duzir a terapêutica sem a ajuda do profissio-
nal. Oferecer ao paciente um folheto impres-
so, contendo informações sobre a doença, a
disfunção e os princípios gerais da terapia, tor-
na-se muito útil para garantir uma maior com-
preensão do que foi abordado durante as con-
sultas que se seguirão (Ito et al., 1998).
Além disso, as sessões de terapia sempre
serão estruturadas. Cada atendimento é inicia-
do com a elaboração de uma agenda na qual
paciente e terapeuta sugerem os assuntos que
gostariam de incluir, definindo prioridades e
organizando o tempo que será dedicado a cada
tópico. Também são incluídos nesse roteiro um
resumo dos acontecimentos desde a última
consulta, uma revisão da tarefa de casa reali-
zada na semana anterior e a programação das
atividades da semana seguinte.
O clínico deve estar atento ao abordar os
assuntos incluídos na agenda do dia para que
os objetivos de reestruturação cognitiva com o
paciente sejam contemplados. Ou seja, em cada
assunto discutido, será possível identificar os
pensamentos automáticos e os pressupostos
disfuncionais respectivos, permitindo, assim,
que o paciente faça um elenco de suas crenças
básicas e tenha a possibilidade, na medida do
possível, de modificá-las. No final de cada ses-
são, deve-se incluir um resumo do que foi dis-
cutido de modo a permitir que o paciente sin-
tetize e registre claramente os aspectos cen-
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Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 45
trais debatidos na sessão. Ao se observar essa
seqüência de trabalho, o indivíduo consegue
sistematizar as lições estudadas naquela ses-
são e a utilidade desse aprendizado para as si-
tuações futuras (Ito et al., 1998).
A cada sessão, a terapia cognitiva ensina
o paciente a colocar em foco seus pensamen-
tos e suas crenças disfuncionais, identificando,
avaliando e respondendo a cada situação
disfuncional. O trabalho com os pensamentos
automáticos é feito solicitando-se o preenchi-
mento de um diário elaborado a partir das ob-
servações feitas pelo sujeito. Tal material ser-
ve como um guia para o planejamento do tra-
tamento em que são anotadas as ocorrências
de sintomas, as mudanças em seu humor e os
pensamentos que lhe vieram à mente em um
dado momento, além da data e do local.
Uma vez que essa terapia estrutura-se por
meio de um estilo focal, as tarefas escolhidas
no início da terapia sempre corresponderão a
um alvo que necessite de uma intervenção ime-
diata, devendo, sempre que possível, respeitar
o grau de capacidade do paciente para executá-
las, a fim de não gerar frustrações desnecessá-
rias.
Nesse processo psicoterápico, utiliza-se
uma variedade de técnicas para mudar o pen-
samento, o humor e o comportamento daque-
le que busca ajuda. Vale lembrar que todas as
técnicas comportamentais e cognitivas objeti-
vam modificar os comportamentos e as cren-
ças disfuncionais que mantêm os sintomas sem-
pre em atividade. Técnicas como identificação
de pensamentos negativos automáticos e con-
seqüente exploração de alternativas, juntamen-
te com a análise de erros de lógica, são as fer-
ramentas mais utilizadas nesse tipo de terapia.
Além disso, o questionamento socrático � ca-
racterizado por questões dirigidas pelo tera-
peuta de forma a levar o paciente a perceber
as incongruências em seus pensamentos e em
suas crenças � também é freqüentemente utili-
zado.
Outra característica da psicoterapia cog-
nitiva é sua ênfase no presente. O terapeuta
procura fazer a avaliação mais realista possí-
vel das situações específicas que são, no mo-
mento, as mais aflitivas para o paciente. A aten-
ção somente se voltará para o passado quando
o trabalho presente resultar em pouca ou ne-
nhuma mudança cognitiva, comportamental ou
emocional, ou mesmo quando o clínico julgar
importante entender como e quando as idéias
disfuncionais originaram-se e como afetam hoje
o indivíduo.
Construtivismo
Na concepção construtivista, conforme
explicitamos anteriormente, muitas são as pro-
postas de trabalho existentes.8 Para Greenberg,
por exemplo, a exploração e a mudança psico-
lógica não acontecem apenas através da subs-
tituição de esquemas disfuncionais de pensa-
mento por esquemas mais funcionais, mas atra-
vés da exploração das prováveis contradições
existentes no processo dialético entre a expe-
riência (do sujeito) e o conceito (desenvolvido
pelo indivíduo após ter vivido a experiência).
Ao se integrar essas duas instâncias, a (re)cons-
trução de um significado global é favorecida.
Sempre vivenciamos algo primeiro para, pos-
teriormente, podermos falar algo a esse res-
peito. Essa é a premissa da formação do signi-
ficado no modelo processual-vivencial. Por isso
é que um argumento lógico, por mais verda-
deiro que seja, dificilmente mostra-se eficaz no
processo de mudança. Portanto, se desejarmos
produzir qualquer tipo de alteração mais efeti-
va, devemos partir sempre dos níveis emocio-
nais e vivenciais das situações para depois po-
dermos alterar as premissas lógicas envolvidas
em uma determinada situação.
Por exemplo, uma pessoa que chega ao
consultório afirmando deparar-se freqüente-
mente com situações desconfortáveis poderá,
nesse momento, voltarsua atenção para um
dos dois tipos de processamento de informa-
ções, isto é, poderá responder mais aos níveis
processuais (conceituais) do problema ou vol-
tar sua atenção aos níveis vivenciais (emocio-
nais) da experiência. Tomando como base a
idéia de que utilizamos essas duas fontes de
informações ao construirmos os significados,
a pessoa poderá, ao descrever essa situação,
dizer �Sinto-me muito desconfortável... é como
se eu sentisse um forte aperto no peito...�, que
é uma descrição basicamente experiencial. Por
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sua vez, se ela considerar tal circunstância sob
a ótica reflexiva, é muito provável que venha a
declarar: �...Não consigo entender por que me
sinto assim... não é certo sentir-me assim... não
há motivos para isso. Afinal de contas, os adul-
tos não devem sentir isso!�, que é uma descri-
ção que contempla aspectos mais racionais do
que experienciais.
Na primeira descrição, são contempladas
as sensações corpóreas (no caso, o �aperto no
peito�), não chegando a se constituir ainda em
uma crença. Na segunda descrição, já pode-
mos ver indícios da formação de crenças (�...é
errado sentir-se assim... os adultos não devem
sentir isso...�). Se essa pessoa for atenta o bas-
tante, talvez possa tomar consciência de que
uma mesma situação pode evocar dois tipos
distintos de leitura ou de processamento de
informação; contudo, também é possível que
nada venha a perceber pelo simples fato de que
o �aperto no peito� não indica uma condição
psicológica. Nesse caso, ao não considerar, por
ingenuidade ou por opção, a duplicidade de
sentido dessa construção, alguns fatos pode-
rão ocorrer: se a pessoa for alguém que res-
ponde básica e preferencialmente aos signifi-
cados conceituais (pensamento), é muito pro-
vável que a experiência vivencial não chegue a
ser alcançada por ela, criando, assim, um obs-
táculo à formação do significado mais amplo.
Então, o sentir-se desconfortável mais o
pensar errado não produzirão um significado
global agregado, e a pessoa muito provavel-
mente se tornará desorientada. Além disso,
quando se confrontar novamente com uma si-
tuação como essa, se perceberá frente ao se-
guinte dilema: ou sente algo que não conse-
gue dar nome (por ser emocionalmente incô-
modo), ou nomeia algo terrível de ser reco-
nhecido (por exemplo, sei que os adultos não
sentem isso, apesar de sentir-me assim).
Se essa fusão não ocorrer, o processo de
simbolização dos episódios de vida na cons-
ciência diminuirá progressivamente, desenvol-
vendo-se crenças muitas vezes incompatíveis e
insuficientes para o entendimento da situação,
invalidando-se e restringindo-se a compreen-
são das emoções experimentadas. Como a ex-
periência sempre precede a explicação, a pes-
soa fica desorientada por não conseguir com-
preender a situação como um todo (Greenberg,
Rice e Elliott, 1996).
A concepção construtivista entende que
não são os pensamentos e nem mesmo as emo-
ções disfuncionais per se que devem ser elimi-
nadas e corrigidas, mas o pensamento desen-
volvido sobre nossas emoções é que deve ser
expandido, ampliado e mais refinado. Portan-
to, quando os clientes demostram medos ou
angústias, uma postura interessante é permitir
que a expressão emocional exista sem desqua-
lificá-la ou alterá-la ao se basear em premissas
de irracionalidade ou disfuncionalidade por
parte do terapeuta: �Não sofremos por nossas
emoções, sofremos pelo não entendimento de
tais emoções� (Guidano, 1994, p. 34). Nesse
sentido, pode-se auxiliar o paciente no proces-
samento de novas sínteses dialéticas de signi-
ficado, porém partindo sempre de seu sistema
pessoal, e não do sistema do clínico, o qual é
possuidor das intervenções mais válidas.
No construtivismo, a aceitação do outro
com todas as suas particularidades e idiossin-
crasias é o cerne do processo de mudança
(Safran e Muran, 2000). O procedimento da
psicoterapia baseada no construtivismo reali-
za, segundo Mahoney (no prelo), o trabalho
dos três �Ps�. Assim, nos momentos iniciais do
processo clínico, objetiva-se enfocar o Proble-
ma com todas as suas peculiaridades e varia-
ções; em um segundo momento, aprofunda-se
a análise dos Padrões gerais, aqueles que man-
têm o aparecimento dos problemas e que são
compostos pelas repetições das dificuldades em
questão; finalmente, desenvolve-se uma aná-
lise mais aprofundada dos Processos pelos quais
tais padrões e problemas foram sendo
construídos e manifestados ao longo da vida
do indivíduo. Portanto, nesse último nível do
trabalho, busca-se compreender as marés de
ordem que são seguidas pelas marés de desor-
dem � que, por sua vez, são seguidas pelas
marés de ordem e assim sucessivamente �, as
quais constituem a história de flutuações emo-
cionais na vida daqueles que solicitam ajuda
(Mahoney, 1998). A idéia de que existem fases
de �ordem� e �desordem� permeando o desen-
volvimento do homem e, portanto, suas possi-
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Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 47
bilidades de mudança está na base do procedi-
mento psicoterápico construtivista. Nessa abor-
dagem psicoterápica, a mudança não é enten-
dida como um processo linear em contínua ex-
pansão, e sim como um movimento no qual
ocorrem diferentes formas de aberturas e fe-
chamentos, todos mantendo as medidas bási-
cas de proteção e coerência do sistema. Ne-
nhuma é melhor, ambas são necessárias.
Em suma, a psicoterapia construtivista
parte do pressuposto de que �a experiência
humana não é uma busca pela verdade, mas,
ao invés disso, uma infinita construção de sig-
nificados� (Gonçalves, 1994, p. 108). Portan-
to, as técnicas narrativas de Óscar Gonçalves,
a construção da linha da vida de Michael
Mahoney ou mesmo a técnica da moviola de
Vittorio Guidano, entre outras, focalizam a his-
tória do desenvolvimento pessoal do indivíduo
com seus processos de ordenação e contínua
reordenação das experiências pessoais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É importante salientarmos que nossas
explicações não se baseiam na premissa da
existência de uma forma mais refinada de se
praticar a psicoterapia cognitiva, mas sim de
que ambas as concepções partem de diferen-
tes premissas epistemológicas para a sua prá-
tica clínica. Acreditamos que, nos modelos
objetivistas, a ênfase no processo de mudança
recai sobre as dimensões conceituais da expe-
riência, ao passo que nos modelos construti-
vistas reforça-se uma prática mais voltada aos
aspectos emocionais da experiência. Essa dife-
rença de foco, em nossa opinião, é o divisor de
águas da grande família cognitiva, não exis-
tindo, portanto, uma modalidade mais eficien-
te, e sim uma ampla variedade de conce(o)p-
ções de como ocorre o funcionamento pessoal
e a construção de sentido para cada um.
A Figura 2.1 ilustra essa preferência tera-
pêutica que cada autor cognitivista exibe no
trabalho com seus pacientes, partindo da pre-
missa de que o processo de mudança será mais
beneficiado se se basear nos aspectos concei-
tuais da experiência � preferidos pelos tera-
peutas objetivistas � até chegarmos aos pro-
cessos emocionais da experiência � preferidos
pelos terapeutas construtivistas.
Na Tabela 2.1, é possível observar que a
principal diferença entre as duas concepções
está no enfoque dado à participação dos es-
quemas emocionais e, por isso, de sua contri-
buição na história de vida e na formação do
indivíduo com seus problemas particulares (sin-
tomas e/ou queixas). Provavelmente, os
psicoterapeutas cognitivos mais objetivistas
identificaram-se com algumas idéias constru-
tivistas, assim como alguns clínicos construti-
vistas talvez tenham reconhecido a utilidade
de uma postura mais objetiva e pragmática
adotada pelos cognitivistas. Como dissemos no
início deste capítulo, nossa intenção é refletir
sobre as múltiplaspossibilidades da teoria e
da prática de nossa rica e plural descendência
cognitiva.
Assim, tomando de empréstimo da con-
cepção construtivista a idéia de que o homem
constrói, através da sua história, um conheci-
mento pessoal sobre si mesmo e sobre o mun-
do, podemos afirmar que toda concepção, todo
conhecimento e toda compreensão de realida-
de serão sempre construções e interpretações
feitas a partir do sujeito que as vivencia, to-
mando como ponto de partida sua história pas-
sada de interações, as quais inevitavelmente
se tornam sua representação maior, seu mapa
interno de mundo. Como diria Fernando Pes-
soa, �nós fabricamos realidades�. Assim, os di-
ferentes capítulos deste livro também refletem
as diferentes trajetórias apontadas pelas cons-
truções individuais, pessoais e profissionais de
cada um de seus autores. Por isso, os aspectos
que venham a se mostrar divergentes ou até
mesmo complementares de ambas as concep-
ções cognitivas descritas aqui servem para que
cada um de nós, autores e leitores, ampliemos
nossa própria construção de realidade e do
império psicológico que aguarda ser conquis-
tado por nós. Esperamos que isso tenha ocor-
rido ao longo deste capítulo e que essa expe-
riência dialética tenha realmente ampliado o
leque de atuação e conhecimento do leitor.
Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5647
Leonidas Valverde da Silva
Leonidas Valverde da Silva
Leonidas Valverde da Silva
48 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols.
Figura 2.1 Ênfases no trabalho terapêutico.
Tabela 2.1 Caracterização dos modelos cognitivistas e construtivistas de psicoterapia
Teoria Conceito de Realidade Papel das Emoções Patologia Tratamento
Cognitivista A realidade é externa, po-
dendo ser objetivamente
observada e acessada. É sin-
gular, estável e universal.
As emoções são deriva-
das dos pensamentos e
das imagens mentais,
assim como da interpre-
tação das situações de
vida.
As emoções negativas
resultam dos padrões
distorcidos e irracio-
nais de pensamento
(geradores da patolo-
gia).
A ênfase está na eli-
minação, no controle
ou na substituição dos
padrões negativos do
pensamento. Propõe-
se a identificação, se-
guida da alteração
dos padrões irracio-
nais por padrões mais
lógicos e realistas.
Teoria Conceito de Realidade Papel das Emoções Patologia Tratamento
Construtivista A realidade é uma constru-
ção sucessiva do próprio in-
divíduo para organizar sua
experiência. É múltipla por
natureza.
As emoções são proces-
sos primitivos e podero-
sos de conhecimento
que refletem a organi-
zação e a desorganiza-
ção da experiência in-
dividual. Influenciam os
pensamentos na forma-
ção do significado na
experiência.
Os padrões desadap-
tativos ou dolorosos da
experiência emocional
refletem as tentativas
individuais (porém im-
perfeitas) de adapta-
ção e desenvolvimento.
Fonte: Mahoney, 1998.
A ênfase está na ex-
periência e na expres-
são apropriada das
emoções, assim como
na exploração do seu
desenvolvimento (fun-
ções passadas e pre-
sentes na história de
vida de cada um).
Fonte: Adaptada de Zagmutt, LecAelier e Silva, 1999.
Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5748
Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 49
NOTAS
1. Curiosamente, na língua portuguesa, utiliza-
se o verbo refletir como sinônimo de pensar.
(Dicionário de Sinônimos e Antônimos da Lín-
gua Portuguesa. 34ª Edição).
2. Isto obedece à metáfora do princípio da corres-
pondência (a realidade externa), conforme pro-
posto por Thelen e Smith (1995).
3. Outra metáfora de referência é aquela intitu-
lada mundo-na-mente (Thelen e Smith, 1995).
4. Nisso repousa a origem da utilização do termo
abordagens cognitivo-racionalistas (Mahoney,
1998).
5. Também denominada organismo-no-mundo
(Thelen e Smith, 1995).
6. É muito típico ouvirmos terapeutas sugerirem
a seus clientes que façam os chamados testes
de realidade, com o intuito de verificar a au-
tenticidade de seus padrões de pensamento.
7. Freqüentemente, o que é referido como uma
emoção inclui a reação pessoal do indivíduo
frente a tal emoção, assim como seu posicio-
namento frente à manifestação. Vale lembrar
que muitas pessoas não experienciam a emo-
ção em si, mas a conseqüência de sentir-se iná-
bil para experienciá-la, como sentir medo de
sua raiva, vergonha de seus medos ou raiva de
suas tristezas, desenvolvendo uma reação �de-
fensiva� às emoções primeiras � foco da psico-
terapia. Por isso, existe a necessidade de sepa-
rar as emoções primárias das secundárias para
que a psicoterapia seja efetiva. Para um apro-
fundamento dessas idéias, sugerimos consul-
tar Greenberg e Paivio (1997).
8. Optamos por manter a mesma referência teó-
rica adotada até então para a descrição da pro-
posta de trabalho, de modo que o leitor possa
ter uma visão mais integrada, em vez de ex-
pormos um elenco de sugestões construtivis-
tas, o que viria inevitavelmente a comprome-
ter o entendimento global. Sendo assim, a es-
colha dessa proposta foi puramente casual.
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Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5750
Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 51
PARTE II
Um Estudo Comparativo entre os
Modelos Cognitivo e Construtivista
Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5751
Terapia Cognitiva:
Abordagem Revolucionária
Aaron T. Beck
Willem Kuyken
suas implicações em qualquer estresse emocio-
nal que ele possa estar apresentando.
RAÍZES HISTÓRICAS E FILOSÓFICAS
DA TERAPIA COGNITIVA
Fui (Beck) um dos pioneiros da teoria e
da terapia cognitiva há mais de 30 anos. Trei-
nado como psiquiatra no modelo freudiano,
tentei analisar a base empírica da teoria da
depressão de Freud quando percebi que os
pacientes com depressão sofriam de um fluxo
consciente de pensamentos negativos automá-
ticos, tais como: �Minha parceira acha que não
sou bom�, �Isso não vai dar certo�, ou ainda
�Meu parceiro está pensando em me deixar�.
Em meu primeiro trabalho, percebi que, quan-
do ajudava os pacientes a mudarem seu diálo-
go interno (seus pensamentos), ajudava-os a
se sentirem melhor. Por isso, eles são treina-
dos a pensar como cientistas e a abordar pen-
samentos como �Isso não vai dar certo� de
maneira científica, reunindo evidências que
confirmem ou não tal pensamento. Desde sua
concepção, a terapia cognitiva tem sido cons-
tantemente atualizada pelas observações clí-
nicas, bem como pelas idéias sobre a psicolo-
gia cognitiva e social, e inúmeras pesquisas já
33
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Os transtornos mentais representam um
relevante problema de saúde pública. Boa par-
te das pessoas que procuram atendimento mé-
dico com um problema de saúde apresentam
um transtorno mental primário ou secundário.
Esses transtornos exigem uma terapia pragmá-
tica e padronizada, que possa ser aceita por
uma grande variedade de pessoas e que tenha
sua eficácia comprovada. A terapia cognitiva,
desenvolvida há mais de 30 anos, vem procu-
rando responder a esse desafio.
No cerne dessa abordagem terapêutica,
de embasamento teórico sólido e de eficácia
comprovada, está uma idéia extremamente
simples. As crenças que temos sobre nós mes-
mos, sobre o mundo e sobre o futuro determi-
nam o modo como nos sentimos: o que e como
as pessoas pensam afeta profundamente o seu
bem-estar emocional. Como disse Hamlet, per-
sonagem de Shakespeare: �� nada é bom ou
mau, o pensamento é que torna as coisas as-
sim ��. É desse princípio que vem a idéia de
que, examinando nossas crenças e, se apropria-
do, modificando-as, afetamos diretamente o
nosso bem-estar emocional. A terapia cogniti-
va é um trabalho de exploração conjunta en-
tre terapeuta e paciente das crenças deste e de
Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5753
Leonidas Valverde da Silva
54 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols.
foram realizadas testando seus princípios e
comprovando a sua eficácia no tratamento de
uma série de transtornos.
PRINCIPAIS PROPRIEDADES DA
TERAPIA COGNITIVA
A terapia cognitiva tem como base a rea-
lidade objetiva, pois ajuda as pessoas na ava-
liação de seus pensamentos e de suas ações de
maneira clara e realista. Uma pessoa que acre-
dita ser basicamente incompetente, por exem-
plo, é questionada sobre quais são as caracte-
rísticas que alguém precisa apresentar para ser
considerado competente e, então, analisa suas
competências e seus sucessos de acordo com
seus próprios padrões.
Ao contrário das errôneas concepções po-
pulares sobre a psicoterapia (o divã, o tique-
taque do relógio que marca os 50 minutos de
terapia), o paciente da terapia cognitiva tem
maior chance de ficar sentado frente a frente
com o terapeuta, semanalmente, trabalhando
em um estilo de conversação cooperativa. Além
disso, a terapia cognitiva tende a ser um traba-
lho de curto a médio prazo (em geral, de 16 a
20 sessões), cujo objetivo é aliviar o estresse a
curto prazo e conferir às pessoas habilidades
para operar mudanças a longo prazo. Em ou-
tras palavras, o objetivo é que o paciente tor-
ne-se seu próprio terapeuta.
Assim como em outras formas de terapia,
o relacionamento entre terapeuta e paciente é
importante e proporciona um veículo para a
melhora. O terapeuta deve ser capaz de criar
calor humano e empatia genuínos no relacio-
namento, ao mesmo tempo em que mantém
um papel ativo de questionamento que visa a
oferecer ao paciente as ferramentas necessá-
rias para que ele possa mudar seus pensamen-
tos e seus comportamentos em uma direção
mais adaptativa. Entretanto, diferentemente de
outras abordagens terapêuticas, o bom relacio-
namento entre paciente e terapeuta é conside-
rado um ingrediente necessário, mas não sufi-
ciente da terapia.
Portanto, a terapia cognitiva é uma for-
ma de terapia sistemática, baseada na realida-
de objetiva, cooperativa e focal. Focaliza o pro-
blema trazido pelo paciente, e sua duração de-
pende do tempo necessário para a solução des-
se problema ou das dificuldades impostas por
restrições financeiras.
A TEORIA COGNITIVA DAS EMOÇÕES
Desde sua concepção, a terapia cognitiva
fundamenta-se na teoria cognitiva das emoções
que está na base de muitos transtornos psiqui-
átricos e parte do pressuposto de que as emo-
ções de uma pessoa são influenciadas por sua
percepção dos acontecimentos. Ou seja, não é
o acontecimento em si que determina o que a
pessoa sente e faz, mas sim o significado que
atribui a ele. A maneira como uma pessoa atri-
bui significado aos eventos de sua vida é influ-
enciada por suas crenças centrais a respeito de
si mesma, dos outros e do mundo. Assim, as
nossas crenças centrais (por exemplo, �Eu sou
uma pessoa que sempre está bem�) ativam o
modo como percebemos as situações que, por
sua vez, determinam nossa reação emocional
àquelas situações. Por exemplo, uma pessoa
valoriza determinada amizade porque com-
partilhou bons momentos com o(a) amigo(a)
e sempre recebeu seu apoio emocional e prá-
tico; porém, esse(a) amigo(a) diz que vai acei-
tar uma oferta de trabalho em outra parte do
país. A pessoa, então, reage a esse aconteci-
mento com um misto de tristeza � �Vou sentir
saudades dos bons momentos� � e alegria �
�Estou contente por meu amigo ter consegui-
do esse emprego, é o emprego certo para ele�.
Esses pensamentos estão relacionados a cren-
ças centrais sobre os outros, como �Amizade
é importante� e �Amigos devem ficar próxi-
mos e apoiar emocionalmente as decisões um
do outro�.
Com base em tais crenças, seus pensamen-
tos e seus sentimentos determinarão uma rea-
ção de ajudar o amigo a preparar a mudança.
Esse exemplo ilustra que as crenças e as per-
cepções de uma pessoa em relação a determi-
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Leonidas Valverde da Silva
Leonidas Valverde da Silva
Leonidas Valverde da Silva
Leonidas Valverde da Silva
Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 55
nada situação desempenham um papel inter-
mediário entre os acontecimentos e as subse-
qüentes emoções ecomportamentos. A litera-
tura sobre psicologia social e cognitiva tem
contribuído bastante na compreensão dos prin-
cípios básicos da teoria cognitiva das emoções.
A TEORIA COGNITIVA DOS
TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS
O modelo cognitivo dos transtornos psi-
quiátricos é compatível com o modelo cogniti-
vo da emoção normal, porém a diferença está
no fato de que as crenças e as emoções nos
transtornos tornam-se disfuncionais. Elas afe-
tam o conceito que o indivíduo tem de si mes-
mo, tornando-o rígido e inflexível, mantendo,
assim, o transtorno psiquiátrico. Beck e seus
colaboradores demonstraram a relação entre
os transtornos psiquiátricos e as crenças idios-
sincráticas que os caracterizam (Tabela 3.1).
As pessoas com transtornos de humor, por
exemplo, tendem a ver a si mesmas como pes-
soas indefesas e não-merecedoras de amor, o
mundo como hostil e exigente e o futuro como
irremediável. As pessoas com transtornos de
ansiedade tendem a ver a si mesmas como vul-
neráveis, o mundo como ameaçador e perigo-
so e o futuro como incerto.
A TEORIA COGNITIVA DOS
TRANSTORNOS DE PERSONALIDADE
Mais recentemente, a teoria cognitiva
tem-se expandido, procurando descrever e ex-
plicar os transtornos de personalidade. Talvez
mais atual seja o transtorno da personalidade
anti-social, mas também estão incluídos os
transtornos bordeline, esquivo, narcisista, para-
nóide e dependente. Os transtornos de perso-
nalidade compreendem uma organização cog-
nitiva, afetiva, comportamental e fisiológica
relativamente estável que determina a manei-
ra como alguém reage às exigências da vida.
Uma pessoa com transtorno da personalidade
dependente, por exemplo, pode apresentar
crenças do tipo: �Não posso sobreviver sem a
ajuda dos outros�. Essa crença faz com que ela
se torne extremamente dependente dos demais,
tanto para obter bem-estar emocional quanto
para realizar suas atividades cotidianas. Segun-
do a teoria cognitiva, uma característica cen-
tral dos transtornos de personalidade é a exis-
tência de um conjunto de crenças aprendidas
durante o desenvolvimento, as quais influen-
ciam a percepção dos acontecimentos, de modo
que os eventos estão sempre confirmando as
crenças mal-adaptativas.
O paciente com transtorno da personali-
dade dependente do exemplo anterior, em uma
Tabela 3.1 Teoria cognitiva aplicada a diferentes transtornos psiquiátricos
Transtorno Conteúdo de Pensamento Típico
Depressão Visão negativa de si mesmo, do mundo e do futuro
Transtorno de ansiedade generalizada Medo de risco físico ou psicológico
Transtorno de pânico Medo de acidente físico ou psicológico iminente
Transtorno alimentar Medo descontrolado de não ser fisicamente atraente
Hipocondria Preocupação com distúrbio médico insidioso sério
Transtorno da personalidade anti-social Sensação de ser tratado de maneira injusta e de ter
direito à sua parte justa, não importa por quais meios.
Distúrbios médicos nos quais os pacientes apresentam Sensação de dor intolerável e impotência para controlá-la
queixas de dor em graus significativos
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Leonidas Valverde da Silva
56 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols.
situação na qual está prestes a fazer um exa-
me, pode acreditar que este estará além de sua
capacidade, uma vez que não encontrou uma
pessoa forte e confiável que o ajudasse a se
preparar. Nesse caso, pode ser reprovado no
exame por não fazer uso de sua capacidade
para estudar e preparar-se adequadamente sem
a ajuda de ninguém.
PROCESSOS QUE MANTÊM AS CRENÇAS
CENTRAIS, AS ATITUDES DISFUNCIONAIS
E OS PENSAMENTOS NEGATIVOS
AUTOMÁTICOS
A teoria cognitiva sugere que as crenças
mal-adaptativas são perpetuadas através de
modos mal-adaptativos de processar informa-
ções. As pessoas ansiosas, por exemplo, ten-
dem a estar sempre atentas às ameaças do
ambiente; as pessoas deprimidas tendem a se
responsabilizar por acontecimentos negativos;
as pessoas com transtornos de personalidade
tendem a interpretar os acontecimentos como
consistentes com seus comportamentos e cren-
ças mal-adaptativos.
Nesse sentido, a teoria cognitiva identifi-
cou vários erros ou distorções no pensamento,
que perpetuam tais crenças, como a personifi-
cação, a antecipação e o pensamento do tipo
tudo ou nada. A personificação, comum no
pensamento característico da depressão, refe-
re-se à tendência excessiva de auto-referência,
ou seja, os acontecimentos estão sempre rela-
cionados à própria pessoa. Por exemplo, uma
pessoa deprimida, com baixa auto-estima, pode
interpretar o atraso de um amigo para um en-
contro como �Não mereço o tempo dos outros�,
em vez de imaginar que o amigo possa ter fi-
cado preso no trânsito. A antecipação, erro de
pensamento comum na ansiedade, refere-se à
tendência de imaginar os resultados de acon-
tecimentos futuros geralmente de maneira ca-
tastrófica. Por exemplo, ao pensar sobre uma
apresentação que irá fazer, a pessoa imagina
que desmaiará. O pensamento do tipo tudo
Tabela 3.2 Distorções cognitivas
Distorção Exemplo
Pensamento do tipo tudo ou nada: a pessoa vê as coisas �Meu desempenho não é perfeito; portanto, devo ser
em preto e branco. um fracasso total.�
Generalização exagerada: a pessoa vê um simples evento �Estou sempre estragando tudo.�
negativo como um padrão infindável de derrota.
Filtro mental: a pessoa percebe um detalhe negativo e Ao perceber que engordou um pouco, ela pensa: �Estou
estende-o a tudo, tornando todas as percepções da horrivelmente obesa�, ignorando outras partes de sua
realidade obscurecidas. vida (tem um sorriso bonito, as pessoas gostam dela,
tem um emprego ou está criando uma família).
Antecipação: a pessoa faz previsões negativas sobre o �Nunca conseguirei um emprego ou um relacionamento.�
futuro, sem perceber que tais previsões podem ser
imprecisas.
Raciocínio emocional: a pessoa assume que as emoções �Estou sem esperanças; logo, as coisas são
negativas refletem necessariamente o modo dos irremediáveis.�
acontecimentos.
Pensamento do tipo deveria: a pessoa tenta motivar-se �Não deveria sentar aqui; eu deveria arrumar a casa.�
com �devo� e �não posso�, como se tivesse de ser punida
e castigada por alguma coisa.
Personalização: a pessoa vê-se como a causa de algum Se alguém gritar com ela, pensa: �Fiz alguma coisa
evento externo negativo, embora não seja responsável errada�, em vez de imaginar que o outro esteja
por ele. passando por um momento ruim ou tenha um
temperamento difícil.
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Leonidas Valverde da Silva
Leonidas Valverde da Silva
Leonidas Valverde da Silva
Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 57
ou nada, freqüentemente encontrado nos
transtornos de personalidade, refere-se à ten-
dência de pensar dicotomicamente, como se
só fosse possível enxergar as situações em
branco e preto, sem nenhuma possibilidade
de cinza no meio. Durante um período de
estresse intenso, por exemplo, a pessoa en-
xerga-o como permanente e irremediável, não
havendo solução para seus problemas. Por não
conseguir enxergar um meio-termo, sua úni-
ca saída é o suicídio.
A ESTRUTURA DA TERAPIA COGNITIVA:
TÉCNICAS COMPORTAMENTAIS, TÉCNICAS
COGNITIVAS E LIÇÃO DE CASA
O objetivo principal da terapia cognitiva
é identificar e modificar os comportamentos e
as crenças mal-adaptativos. Uma variedade de
abordagens terapêuticas podem ser usadas na
terapia cognitiva, incluindo técnicas compor-
tamentais e cognitivas. O primeiro grupo de
abordagens focaliza o comportamento do pa-
ciente, partindo do princípio de que o monito-
ramento do comportamento e a ativação com-
portamental podem levar a ganhos substanci-
ais em alguns casos. Pessoas com um quadro
depressivo grave, por exemplo, muitas vezes
se tornam retraídas e inativas, piorando ainda
mais seu estado depressivo. Ao retrair-se, o de-
primido percebe-se e rotula-se como �ineficaz�
e alimenta sua depressão. Se a terapia tem
como foco aumentar a participação do pacien-
te em atividades prazerosas, este pode ser o
primeiro passo no combate à depressão. Ou-
tras estratégiascomportamentais incluem pro-
gramar atividades, dividindo grandes tarefas
(por exemplo, arranjar um emprego) em tare-
fas menores e mais viáveis (por ex., comprar o
jornal com anúncios de emprego, preparar um
currículo, etc.), e executar técnicas de relaxa-
mento, dessensibilização sistemática em rela-
ção a situações temidas, dramatização de situ-
ações e treino de assertividade.
O segundo grupo de abordagens concen-
tra-se nas crenças mal-adaptativas do pacien-
te. O questionamento e a exploração cuidado-
sa de suas crenças irrealistas e disfuncionais
são realizados a fim de confrontá-las com a
realidade, corrigir as distorções e modificar as
crenças mal-adaptativas que perpetuam a an-
gústia emocional. A terapia consiste em uma
exploração conjunta das crenças da pessoa, o
que propicia ao trabalho um espírito de desco-
berta guiada, através do qual as construções
mal-adaptativas da realidade são gradualmente
exploradas. Ao descobrir os significados mal-
adaptativos atribuídos às experiências, a vida
do paciente pode seguir com um �novo signifi-
cado�, mais orientado para a realidade, para
as satisfações e os objetivos da pessoa. Esse
processo demonstra a relação entre as crenças
mal-adaptativas, a angústia emocional e o com-
portamento. Um paciente cuja crença era �Eu
tenho de colocar as necessidades dos outros
sempre acima das minhas� sentia-se constan-
temente culpado e ressentido. Em conseqüên-
cia disso, empenhava-se ainda mais em satis-
fazer as necessidades de seus colegas de traba-
lho, de seus familiares e de seus amigos, a ponto
de ficar exausto, perder de vista seus próprios
objetivos e necessidades e, finalmente, sentir-
se deprimindo.
O terceiro grupo de abordagens não
ocorre no ambiente do consultório, mas sim
entre as sessões, pois os pacientes realizam
melhor as tarefas de auto-ajuda, chamadas
�lições de casa�, as quais possibilitam a conti-
nuidade do trabalho no decorrer da semana.
O papel do terapeuta assemelha-se ao de um
treinador, orientando e questionando o pa-
ciente semana após semana. As tarefas são de-
finidas em conjunto e elaboradas sob medida
para o indivíduo, constituindo-se em propos-
tas de execução viável, podendo variar desde
a sugestão da leitura de um livro pertinente
até a realização de uma tarefa até então pro-
telada (por exemplo, telefonar a um amigo
para resolver um conflito velado) e sua moni-
torização, ou seja, a observação dos pensa-
mentos e das imagens que surgirem durante
a preparação para a tarefa (por exemplo, �Meu
amigo vai ficar furioso comigo�).
Eu mesmo (Willem Kuyken) tratei de
Thomas, um homem de 68 anos, casado, com
mal de Parkinson diagnosticado quatro anos
antes. O caso ilustra algumas das característi-
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Leonidas Valverde da Silva
Leonidas Valverde da Silva
Leonidas Valverde da Silva
58 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols.
cas da teoria cognitivo-comportamental e das
abordagens da terapia cognitiva utilizadas, bem
como o uso da lição de casa. Por causa da do-
ença, Thomas tornara-se inseguro e temia a
reação das outras pessoas em relação a ele em
situações profissionais e sociais, evitando cada
vez mais tais situações. Esse comportamento
afetara profundamente o conceito sobre si
mesmo e o deixara deprimido.
A conceitualização cognitiva dos proble-
mas de Thomas sugeriu que, em um nível pro-
fundo e central, ele possuía a crença de que
sua aceitabilidade como pessoa estava condi-
cionada a ser respeitado e considerado com-
petente em todas as áreas e o tempo todo. Po-
rém, o início e o progresso do mal de Parkinson
haviam comprometido sua competência naqui-
lo que acreditava serem áreas fundamentais,
ativando suas crenças sobre a própria aceitabi-
lidade. Ele era um marceneiro aposentado, e
suas habilidades motoras estavam seriamente
comprometidas. Conseqüentemente, começou
a duvidar de seu valor pessoal e de sua
aceitabilidade: �As pessoas pensarão que estou
no fim da linha (�sou uma pessoa de menor
importância�) se souberem que tenho mal de
Parkinson�. Como tentava disfarçar a doença e
o impacto que ela lhe causava para seus ami-
gos e familiares, Thomas começou a evitar di-
versas situações sociais. Esse afastamento man-
tinha seu temor e exacerbava sua depressão,
uma vez que assim desperdiçava as oportuni-
dades de checar se suas crenças eram verda-
deiras ou não, ou seja, se as pessoas realmente
o �descartariam�.
Thomas compareceu a 16 sessões de te-
rapia em um período de 8 meses. Inicialmen-
te, as sessões eram semanais, depois passaram
a ser quinzenais e, finalmente, mensais. As eta-
pas da terapia cognitiva foram:
1. educação sobre ansiedade social, de-
pressão e modelo cognitivo para seus
problemas;
2. manutenção de um diário de pensa-
mentos, sentimentos e comporta-
mentos em uma variedade de situa-
ções perturbadoras que o ajudou a
entender melhor suas crenças e o pa-
pel delas em suas dificuldades psi-
cológicas;
3. redução da esquiva de situações ame-
drontadoras através de lições de casa
em que se expunha gradualmente a
tais situações; e
4. orientação para que testasse e colo-
casse à prova as crenças centrais e
condicionais inferidas na terapia.
Quanto aos problemas apresentados,
Thomas respondeu bem à abordagem pragmá-
tica do �aqui e agora� da terapia cognitiva. Ele
identificou as seguintes estratégias da terapia
cognitiva como sendo úteis para lidar com a
ansiedade social:
1. o uso cuidadoso da autodescoberta;
2. o pensamento �e se� (ou seja, per-
guntar-se �e se as conseqüências te-
midas realmente acontecessem? O
que elas teriam de tão terrível?�; e
3. a abordagem frontal, que consiste
em enfrentar medos de maneira ou-
sada e sem acanhamento.
Armado com essas estratégias, Thomas
participou de uma série de compromissos so-
ciais (por exemplo, fazer um discurso na festa
de despedida de um colega, visitar antigos co-
legas de trabalho, participar de várias festas de
Natal) para testar o fundamento de suas cren-
ças na realidade. Em cada uma dessas ocasiões,
seu medo não foi comprovado. Na verdade, em
várias delas, foi surpreendido pelo carinho com
que seus amigos e colegas o receberam. Thomas
utilizou uma metáfora � a da luta de boxe �
para exprimir o que sentia: sentia-se mais ca-
paz de enfrentar as situações difíceis, porque
podia jogar à lona seu pensamento negativo.
Ao final da terapia, não evitava mais as situa-
ções sociais e sua depressão havia melhorado
muito. Por outro lado, o agravamento do mal
de Parkinson apresentava desafios consideráveis,
e, durante muitos anos, Thomas compareceu a
sessões de reforço que o ajudavam a manter sua
saúde psicológica a melhor possível, enquanto
sua saúde física deteriorava-se.
Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5758
Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 59
Em suma, a terapia cognitiva visa a aju-
dar as pessoas a desenvolverem crenças sau-
dáveis sobre si mesmas como seres competen-
tes e capazes de serem amados, além de con-
ferir-lhes habilidades cognitivas e comporta-
mentais para viverem suas vidas plenamente.
APLICAÇÃO DA TERAPIA COGNITIVA
A DIFERENTES PROBLEMAS DE
SAÚDE MENTAL
Eu (Beck) e meus colegas estamos apli-
cando a terapia cognitiva, no mundo todo, a
uma grande variedade de problemas de saúde
mental em crianças e adultos, como transtor-
nos de humor, transtornos de ansiedade, trans-
tornos somatoformes, transtornos alimentares,
abuso de substâncias e transtornos de perso-
nalidade. A terapia cognitiva também vem sen-
do usada no hospital geral com o objetivo de:
1. melhorar a adesão à medicação,
2. enfrentar problemas de saúde men-
tal secundários à doença ou à enfer-
midade e
3. melhorar os resultados do tratamen-
to de doença coronária ou fibromial-
gia quando associada às terapias
medicamentosas.
RESULTADOS DE ESTUDOS CONTROLADOS
A terapia cognitiva tem sido submetida a
inúmeros estudos controlados, os quais procu-
ram responder à seguinte pergunta: As terapi-
as psicológicas funcionam? Um desdobramen-
to dessa pergunta leva a duas outras: Quais
terapias psicológicasfuncionam melhor do que
as outras? e Quais os fatores responsáveis pela
mudança?.
Após 25 anos de pesquisas cada vez mais
sofisticadas, estas sugerem que a terapia cog-
nitiva é significativamente eficaz no tratamen-
to de uma variedade de problemas, como de-
pressão, ansiedade generalizada, pânico, trans-
torno alimentar, abuso de substâncias, trans-
torno somatoforme, e, mais recentemente, no
alívio de sintomas da esquizofrenia. As respos-
tas para as perguntas sobre qual terapia funci-
ona melhor e quais são os fatores responsáveis
pela mudança ainda não são definitivas, pois
dificuldades práticas, metodológicas, estatísti-
cas e éticas comprometem os estudos contro-
lados em psicoterapia. Com certeza, porém, a
terapia cognitiva funciona pelo menos tão bem
quanto outras formas de terapia no tratamen-
to da maioria dos transtornos de ansiedade e
de humor. De modo geral, estudos de metaná-
lise de estudos controlados demonstram que a
terapia cognitiva é tão eficaz no tratamento da
depressão quanto a farmacoterapia, sendo ain-
Tabela 3.3 Transtornos eficazmente tratados com a terapia cognitiva em estudos controlados
Transtorno Observações
Depressão maior Pacientes internados e externos, com recaída reduzida,
quando em comparação com a farmacoterapia
Transtorno de pânico terapia cognitiva > terapia de apoio
terapia cognitiva > terapia comportamental e imipramina
Transtornos alimentares
Transtorno obsessivo-compulsivo
Hipocondria terapia cognitiva > tratamento-padrão
Transtorno de ansiedade generalizada
Abuso de substâncias
Esquizofrenia terapia cognitiva > tratamento habitual, mas ambos os
tratamentos incluíram medicação antipsicótica
Transtornos médicos: dor crônica, hipertensão, síndrome
de fadiga crônica, colite, enxaquecas e disfunção sexual
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Leonidas Valverde da Silva
60 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols.
da mais eficaz na redução de recaídas (30%
contra 60%).
O FUTURO
A terapia cognitiva está sendo amplamen-
te utilizada na área da saúde e da saúde men-
tal em todo o mundo. Vários estudos atuais
têm-se concentrado no uso da terapia cogniti-
va no tratamento de doenças clínicas, espe-
cialmente no cuidado primário, e no seguimen-
to de pacientes com transtornos mentais que
não respondem nem à farmacoterapia nem à
psicoterapia.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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theoretical aspects. New York: Harper and Row, 1967.
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Philadelphia: University of Pensilvania Press, 1972.
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practice of cognitive behaviour therapy. Oxford:
oxford University Press, 1997.
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Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 61
Técnicas Selecionadas da
Prática da Terapia Cognitiva
Helene Shinohara
modo de construção da realidade. Principal-
mente através do questionamento, o terapeuta
propõe-se a obter informações adequadas que
o ajudem a entender a visão de mundo do clien-
te e a sua maneira de funcionar. Portanto, ele
precisa aventurar-se nessa descoberta, traba-
lhar colaborativamente e estar envolvido com
os padrões cognitivos específicos do cliente,
funcionando mais como um guia e menos como
um instrutor, questionando em uma atmosfera
de compartilhamento.
Em seu arsenal técnico, a terapia cogniti-
va lança mão tanto de técnicas cognitivas quan-
to de técnicas comportamentais e experienciais,
tentando modificar os esquemas cognitivos do
cliente. A interação entre pensamento, senti-
mento e comportamento permite a escolha de
técnicas que, ao alterarem especificamente um
deles, provoquem mudança nos outros. Depen-
dendo do momento da terapia, das caracterís-
ticas do cliente ou de determinado objetivo, o
terapeuta opta por trabalhar com uma dessas
técnicas, na busca contínua por reestruturações
cognitivas.
TÉCNICAS COMPORTAMENTAIS
As técnicas comportamentais são empre-
gadas, sobretudo, para que o cliente altere al-
gum comportamento de seu repertório e pos-
44
A terapia cognitiva tem-se destacado nos
últimos 30 anos por sua ênfase na compreen-
são da influência do funcionamento cognitivo
nos transtornos mentais e no desenvolvimento
de um conjunto de técnicas terapêuticas efica-
zes. Nessa perspectiva, ela tem aberto um ca-
minho promissor tanto para o terapeuta que
trabalha com ela quanto para o cliente que dela
se beneficia. Neste capítulo, algumas técnicas
são especificamente selecionadas para ilustrar
sua prática.
A terapia cognitiva possui um conjunto
de técnicas que visam a influenciar o pensa-
mento, o comportamento e o humor; contudo,
se aplicadas sem nenhuma compreensão do
funcionamento cognitivo do cliente e de seu
modo específico de ver o mundo, cairão em
um tecnicismo árido e incapaz de produzir re-
sultados satisfatórios.
De modo geral, os objetivos das técnicas
são eliciar, examinar, testar e modificar pensa-
mentos e emoções, porém o cliente precisa
acreditar que a terapia é perfeitamente adap-
tável às suas necessidades e à sua história de
vida (Leahy, 1997). Assim, o terapeuta não é
um mero aplicador de técnicas que funcionam
independentemente de uma relação terapêu-
tica singular e calorosa.
As técnicas cognitivas visam a criar pon-
tos de entrada para a organização cognitiva
do cliente (Beck et al., 1979) e entender seu
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Leonidas Valverde da Silva
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sa, com isso, reexaminar as crenças sobre si
mesmo e sobre os eventos, obter evidências
factuais para suas conclusões e reformular suas
avaliações. As técnicas mais citadas são a ex-
posição gradual, a modelação, os experimen-
tos comportamentais, o relaxamento, o plane-
jamento de atividades, as tarefas graduadas, o
desenvolvimento e o treinamento de habilida-
des sociais e o auto-reforçamento.
No contexto de condicionamento, as
cognições podem ser vistas como estímulos
condicionados, como uma resposta eliciada,
como um operante ou como um meio de
reforçamento ou punição (McMullin, 1996). Os
terapeutas capazes de realizar análises funcio-
nais com seus clientes poderão compreender
melhor como determinadas crenças são
mantidas. Acreditar, por exemplo, que �Sou
uma pessoa muito frágil� pode estar sendo re-
forçado positivamente pelas atenções da famí-
lia, pelos privilégios concedidos a si mesmo, e
pode estar sendo reforçado negativamente pela
redução da pressão em se tornar independen-
te, pela diminuição da culpa de ser um eterno
estudante. Essa mesma crença pode estar sen-
do punida com ansiedade, com medo do futu-
ro e com o conseqüente afastamento de ami-
gos. É importante trabalhar com o cliente para
que ele comece a modificar as contingências
de seu próprio ambiente.
Os experimentos comportamentais são
uma importante técnica avaliativa, pois testam
diretamente a validade dos pensamentos. Ao
sugerir um determinado experimento, o tera-
peuta tenta buscar elementos que possam con-
firmar ou desconfirmar as suposições do clien-
te. �Não adianta puxar conversa com meus
colegas, porque eles não me darão atenção� é
um bom exemplo de pensamento que pode ser
testado. Se o cliente não apresenta déficit em
habilidades sociais, pede-se a ele que se apro-
xime de vários colegas durante a próxima se-
mana e registre quantos realmente não lhe
deram atenção. Possivelmente ocorrerá uma
reformulação do pensamento, pois haverá ao
menos uma diversidade nas respostas dos co-
legas.
Outra técnica comportamental extrema-
mente poderosa é o auto-reforçamento. Em
nossa sociedade, sentimo-nos pouco à vonta-
de para parabenizarmos a nós mesmos. Ape-
sar de os clientes apresentarem mais facilida-
de emse autodepreciar, o terapeuta precisa
enfatizar a importância de autodeclarações
positivas em relação a algum desempenho ou
a alguma mudança cognitiva. Elaborar uma lis-
ta diária de suas realizações e conquistas opor-
tuniza ao cliente perceber aspectos positivos
pelas quais merece o devido crédito. Além dis-
so, quando novas crenças mais realistas são re-
forçadas positivamente, a probabilidade de
suas ocorrências no futuro aumenta, e o forta-
lecimento delas compete com a manutenção
dos antigos pensamentos disfuncionais.
TÉCNICAS EXPERIENCIAIS
As técnicas experienciais são indicadas
para estimular as emoções do cliente, bem
como atingir e trabalhar as crenças centrais
(Beck, 1997). Em geral, visam a desenvolver
um entendimento diferente da experiência em
questão, ajudando o cliente a reinterpretar de-
terminado evento traumático. São citadas o
role-playing, a dramatização de uma situação
emocionalmente significativa e a visualização
de memórias antigas na presença de afeto.
Muitos pensamentos automáticos apare-
cem como imagens, e não na forma verbal. Téc-
nicas que contenham ambos os aspectos pro-
duzem mudanças mais impactantes. Alguns
clientes têm facilidade em trabalhar com ima-
gens, enquanto outros não; por isso, é preciso
estar atento a tal diferença antes da escolha
de técnicas de visualização.
O trabalho com memórias de eventos ser-
ve para identificar crenças antigas e abordar
os aspectos emocionais delas. O cliente é ins-
truído a imaginar a situação perturbadora atu-
al e usar todos os seus sentidos para que a cena
seja vívida. Ele, então, se concentra no signifi-
cado, no tema mais central da imagem, e pro-
cura a lembrança de uma situação antiga que
o represente. Perguntas guiam o cliente na
reavaliação daquele evento, enfatizando-se,
sobretudo, os sentimentos relacionados à cren-
ça. Ao explorar as raízes de suas crenças, o
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Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 63
cliente pode desenvolver uma compreensão
histórica de seu funcionamento cognitivo. Ao
reavaliar suas experiências, pode resolver difi-
culdades derivadas de avaliações distorcidas ou
emoções não-expressas.
TÉCNICAS COGNITIVAS
As técnicas cognitivas têm sido aprimo-
radas ao longo dos anos, procurando instru-
mentar os terapeutas para o trabalho de iden-
tificação, análise e reestruturação do sistema
de crenças dos clientes. Podemos citar o ques-
tionamento socrático, o continuum cognitivo,
a técnica do �como se�, a auto-revelação do
terapeuta, a minuta da crença central, os con-
trastes extremos, a reatribuição, as metáforas,
os testes históricos, as técnicas de contestação,
os métodos paradoxais, a análise lógica, a téc-
nica da flecha descendente, a solução de pro-
blemas, a colocação em perspectiva, etc.
A fim de facilitar a explanação sobre as
técnicas cognitivas, é melhor situá-las segun-
do seus objetivos. Em termos de processo tera-
pêutico, podemos observar três momentos no
trabalho com o cliente. No primeiro momento,
o terapeuta ajuda o cliente a identificar os pen-
samentos e as crenças que estão relacionados
com as emoções e os comportamentos trazi-
dos como queixas. Podemos dizer que existem
técnicas que são usadas para descobrir e regis-
trar. No segundo momento, o cliente é ajuda-
do a analisar os pensamentos para testar a va-
lidade ou utilidade deles, segundo a lógica pró-
pria do cliente, e não a do terapeuta. Assim, é
o cliente que possui o julgamento final sobre
tal pensamento ser ou não acurado. Uma série
de técnicas facilita e promove tais avaliações.
No terceiro momento, o terapeuta acompanha
o cliente na identificação e na reformulação
das crenças consideradas por ele como disfun-
cionais ou irrealistas. São usadas principalmen-
te as técnicas de reestruturação cognitiva.
Como sabemos, os pensamentos automá-
ticos ocorrem por reflexo, sem raciocínio deli-
berado, sendo, portanto, involuntários. Não são
razoáveis ou funcionais, são emocionalmente
aflitivos e interferem na habilidade do cliente
de realizar determinadas tarefas, embora pa-
reçam bastante plausíveis e inquestionáveis
para o próprio cliente. A tarefa de solicitação
de registro desses pensamentos precisa ser pre-
cedida de demonstração da relação existente
entre cognição, afeto e comportamento, usan-
do de preferência exemplos recentes de situa-
ções trazidas pelo cliente. Somente após ter
entendido a lógica do modelo cognitivo é que
o terapeuta garantirá a colaboração do cliente
no registro de pensamentos disfuncionais
(RPD).
Essa auto-observação deve ser estimula-
da já durante a sessão, no momento em que o
terapeuta perceber mudanças ou aumento de
emoções. Ao perguntar �O que está passando
pela sua cabeça agora?�, o terapeuta não só
sinaliza a ocasião para tal pergunta, como tam-
bém inicia o processo de identificação dos pen-
samentos. Em geral, os pensamentos relevan-
tes a serem trabalhados estão marcadamente
associados a sensações desprazerosas. O RPD
deve ser ensinado durante a sessão, utilizan-
do-se inicialmente as quatro primeiras colunas
(situação, pensamentos, sentimentos e compor-
tamentos). Em etapas posteriores, quando o
cliente tiver aprendido a questionar a validade
ou a utilidade dos pensamentos, ele será ori-
entado para o preenchimento das colunas res-
tantes (evidências que os apóiam, evidências
que não os apóiam, pensamentos alternativos
e reavaliação do humor). Também não precisa
ser exigida do cliente a anotação das colunas
em ordem, já que, geralmente, eles têm mais
facilidade de identificar primeiro as emoções
(Greenberg e Padesky, 1999).
Para avaliar os pensamentos identificados
na sessão ou já registrados, é importante que o
terapeuta não se esqueça de que eles são rele-
vantes e aflitivos para o cliente. Cuidados com
o questionamento devem ser tomados, seja
porque o terapeuta não pode saber a priori se
os pensamentos são ou não disfuncionais ou
se contêm parcelas de verdade, seja porque
disputar diretamente o pensamento vai contra
o espírito de colaboração.
As perguntas e os comentários do tera-
peuta são fruto de sua própria forma de ver o
mundo, e, portanto, ele deve permanecer vigi-
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lante em relação à sua linha de questionamen-
to, evitando colocar idéias na cabeça do clien-
te. Muitos são sugestionáveis ou desejam agra-
dar ao terapeuta, dando as respostas que eles
acreditam serem as mais esperadas.
Blackburn e Twaddle (1996) sugerem
que, em vez de o terapeuta interpretar os pen-
samentos e os comportamentos do cliente, seu
papel é o de levantar questões para que o clien-
te faça descobertas por ele mesmo � um pro-
cesso de descoberta guiada. Esse questiona-
mento socrático facilita o entendimento das
crenças do cliente sem que ele se sinta amea-
çado ou julgado ao se revelar para o terapeu-
ta. Perguntas sobre evidências a favor e contra
aquele pensamento específico, se existem ex-
plicações alternativas, o que de pior ou de
melhor poderia acontecer, quais as vantagens
e desvantagens de continuar com ele, são for-
mas de avaliar a validade e a utilidade dos pen-
samentos.
A técnica de distanciamento, por meio
da qual o cliente imagina que uma situação
idêntica está acontecendo com um amigo e
que ele o está aconselhando, possibilita a apro-
ximação com argumentos opostos às suas
crenças. Recursos que facilitem outras pers-
pectivas acabam sendo poderosos instrumen-
tos de mudança.
A técnica de busca de interpretações al-
ternativas envolve uma investigação ativa de
outras interpretações ou soluções para os pro-
blemas. A primeira interpretação não é neces-
sariamente a melhor, mas muitos clientes pren-
dem-sea ela como se assim fosse acurada. Es-
sas idéias ganham força e nem sempre é fácil
mudá-las. Ao contrário, muitas vezes essa in-
terpretação inicial é a pior delas, e os clientes
precisam aprender a aguardar até que novas
evidências ou informações sejam obtidas. Cos-
tumo lembrar aos clientes que os pediatras, ao
serem acordados por mães aflitas com a febre
alta dos filhos, respondem a elas que terão de
aguardar até que algum outro fato apareça e
eles possam suspeitar de amigdalite ou cata-
pora.
O cliente é orientado a registrar a situa-
ção e sua interpretação quando sentir emoções
negativas, por exemplo. Procurará encontrar
pelo menos algumas outras interpretações para
o mesmo evento, porém também plausíveis.
Então, o terapeuta ajuda-o a avaliar qual das
interpretações tem mais evidência objetiva que
a sustente, usando mais a lógica do que as im-
pressões subjetivas.
A técnica de reatribuição é empregada
quando o cliente não atribuiu realisticamente
ocorrências negativas à sua deficiência pesso-
al, seja por falta de habilidade ou esforço. Beck
e colaboradores (1979) enfatizam que o obje-
tivo não é isentar o cliente de responsabilida-
de, mas definir a gama de variáveis que contri-
buíram para aquele evento. Um gráfico em for-
ma de torta provê um auxílio visual de todas
essas variáveis e as proporções de influência
que tiveram naquele resultado.
Mudanças cognitivas mais significativas
envolvem reformulação das crenças subjacen-
tes e centrais do cliente, uma verdadeira revo-
lução em seu paradigma pessoal. Burns (1980)
faz uso da técnica da flecha descendente a par-
tir de pensamentos automáticos que parecem
diretamente derivados de crenças relevantes a
serem trabalhadas. O terapeuta faz perguntas
sobre o sentido daquele pensamento supondo-
se que seja verdadeiro: �Se isto fosse verdade,
então?...�, �O que há de tão ruim em...?�. Per-
guntas sobre o significado daquele pensamen-
to para o cliente desvendarão crenças inter-
mediárias; já perguntas sobre o que o pensa-
mento sugere a respeito do cliente indicarão
suas crenças centrais.
McMullin (1996) afirma que as técnicas
de contestação baseiam-se na lógica de que,
quando o cliente discute repetidamente uma
crença, esta se torna progressivamente mais
fraca. As raízes dessas técnicas estão na filoso-
fia: disputar, desafiar e discutir as idéias. As
contestações são pensamentos que vão contra,
que se opõem a uma crença irracional: �Isto
não é verdade!�, �Ninguém aqui está prestan-
do tanta atenção assim em mim!�. O terapeuta
deve ajudar o cliente a produzir contestações
que estejam calcadas em sua própria forma de
ver o mundo, que sejam realistas e lógicas. O
cliente deve encontrar seu repertório específi-
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Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 65
co de contestações já que, sendo argumentos
presentes na sua própria organização cognitiva,
certamente elas serão mais efetivas. É preciso
que se procure afirmações alternativas basea-
das em evidências concretas: �É impossível es-
tar sempre certo�, �Não se pode ser querido
por todos�, etc. Cartões escritos podem funci-
onar como lembretes das afirmações a serem
usadas em momentos de ativação da crença
irracional.
Ao trabalhar com as crenças centrais, a
participação do terapeuta é muito mais persua-
siva, dado que estas são mais rígidas, super-
generalizadoras e absolutistas. No entanto, as
inferências do terapeuta devem ser considera-
das como opiniões, e não como fatos. Beck e
colaboradores (1979) alertam para o fato de
que, quando ativada uma crença, o cliente pro-
cessa informações que a apóiam, falhando em
reconhecer e/ou distorcendo as informações
que sejam contrárias. A sugestão de um traba-
lho conjunto de revisão das crenças mobiliza o
terapeuta e o cliente em uma busca de crenças
mais funcionais e menos rígidas.
As perguntas nessa fase podem ser mais
interpretativas, e não somente pedidos de in-
formações extras sobre as situações. Estas de-
vem desafiar as crenças, possibilitando a reor-
ganização e a assimilação das evidências con-
traditórias. Por exemplo, o terapeuta pode per-
guntar diretamente sobre as crenças, pode for-
mular perguntas que busquem alguma relação
entre duas crenças, as quais possam conectar
o passado com o presente, evidenciar contra-
dições ou explicitar diferenças.
CASO CLÍNICO
A seguir, apresento um caso clínico e uma
parte de sua sessão na tentativa de ilustrar al-
gumas das técnicas discutidas neste capítulo.
É importante salientar que se trata apenas de
um fragmento de um processo em parte modi-
ficado.
Teresa é uma mulher de 30 anos, que foi
encaminhada para terapia com as seguintes
queixas: medo intenso de estar infectada com
o vírus HIV, apesar de testes com resultados
negativos; história de ataques de ansiedade nos
últimos meses disparados por desconfortos
abdominais; comportamentos de verificação
repetitiva de suas funções fisiológicas; dificul-
dade para manter atividade regular de traba-
lho e relações estressantes com a mãe e a irmã.
A formulação de seu caso levou em conta
fatos relevantes do passado, como ter sido con-
siderada a filha inteligente, porém rebelde e
difícil porque questionava os pais e respondia
para eles. Sua irmã tinha uma história de
internações por depressão, uso de drogas e,
mais recentemente, AIDS, sendo considerada
a filha coitada. Também tem um irmão que
procurou ficar o mais afastado possível da fa-
mília.
Teresa destacou-se nos estudos, construiu
um bom círculo de amigos, casou-se e teve fi-
lhos. A previsão de um dos pais sempre foi de
que as coisas ruins que aconteciam à sua irmã
seriam mais compreensíveis se acontecessem
à Teresa. O outro progenitor parecia ter senti-
mentos contraditórios em relação às filhas, mas
mantinha a idéia de que uma era a doente, que
precisava ser poupada e cuidada, enquanto a
outra era a que tinha condições de agüentar
tudo. Teresa perdeu pessoas próximas por cau-
sa da AIDS.
Em um de seus registros, a cliente ano-
tou que, em um encontro recente com a irmã
aidética, ela pensou: �Como ela está mal�, �E
se isso acontecer comigo?�, �Eu também estou
muito magra�. Sentiu muita ansiedade e cul-
pa. Decidiu evitar contato com a irmã, ficou
analisando obsessivamente suas próprias
chances de ter contraído o vírus e sofreu des-
conforto abdominal. Anotou também que à
noite se pegava lembrando da doença da irmã
e das outras pessoas que morreram. Naquele
momento, pensou: �Eu deveria ter sido e estar
sendo mais solidária�, �Eu não posso estar bem
e ela tão mal�, �Mais cedo ou mais tarde serei
punida�. Sentiu novamente muita ansiedade e
culpa. Não conseguiu dormir, ficou hipervigi-
lante com seu corpo e chorou. Trabalhamos,
então, com seus pensamentos e suas crenças.
Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5765
66 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols.
TRANSCRIÇÃO
Terapeuta (T): Teresa, nas duas situações
anotadas, você se sentiu muito ansiosa e cul-
pada.
Cliente (C): É. Eu me sinto assim o tem-
po todo, basta eu falar com a minha irmã ou
lembrar os outros que morreram.
T: E você fica checando se não há já al-
gum sinal da doença em você, não é?
C: Sim. Eu tomo conta principalmente do
meu intestino, mas também do meu peso. Evi-
to comer gordura e açúcar para não sentir ne-
nhum mal-estar, nem ter diarréia. Mas acabo
emagrecendo e isso também me preocupa...
T: Nós já discutimos sobre o que é ansieda-
de e as estratégias que você tem usado para lidar
com ela. Você tem treinado o relaxamento?
C: Tenho, mas ainda não me sinto muito
capaz de esperar a ansiedade baixar sem reali-
zar minhas checagens. Tenho tentado pelo
menos me concentrar em alguma outra coisa
quando me pego vigilante.
T: Bem, voltaremos a isso mais tarde. Va-
mos ver o que mais podemos compreender dos
seus registros. Como tem sido para você ter
uma irmã que você teve que internar várias
vezes por causa da depressão e das drogas, teve
que correr para evitar suas tentativas de suicí-
dio, teve que agüentar suas agressões e agora
tem que providenciar cuidadose dinheiro para
seu tratamento?
C: Ah!... Isso é terrível, porque me sinto
mal de ver ela se acabando, mas o pior é ouvir
ela ironicamente dizer que sou felizarda por
não ter esses problemas. Então, eu fico real-
mente com medo. É como se ela estivesse ro-
gando uma praga.
T: Isso tem alguma relação com o que um
de seus pais falava para você?
C: Sim. Era como se eu merecesse passar
por situações difíceis. Fico pensando se isso não
vai acabar acontecendo mesmo.
T: Por que é você quem merece?
C: Porque eu respondia, não me sujeita-
va às ordens cegamente, não era boazinha
como queriam no colégio. Apanhei muito. E o
engraçado é que eu nem era tão rebelde como
diziam: fumei maconha só uma vez, transei
com pouquíssimos caras, destaquei-me nos es-
tudos, cuido bem dos meus filhos...
T: Então, parece-me que você está dizen-
do que realmente não merece.
C: É. Eu, na verdade, sou muito mais cer-
tinha do que meus irmãos e amigos. Mas eu
sou muito agressiva às vezes. Tenho raiva de-
les e não devia ter. Vou agüentando, mas, de
repente, solto tudo. E também tem aquilo de
eu não ter ficado junto daquele meu amigo
quando ele estava morrendo.
T: Mas você me disse que não sabia que
ele tinha AIDS.
C: Mas eu devia ter percebido. Ele ema-
grecendo, e eu fazendo comentários indelica-
dos. No fundo eu sou má!
T: E por isso você tem certeza de que aca-
bará sendo punida?
C: Sim. Algo de ruim vai me acontecer.
T: Deixe-me ver se entendi. Você é má
porque fica com raiva quando abusam de você
e também porque não ajuda alguém que você
não sabe que está doente?!
C: Falando dessa maneira, parece mes-
mo absurdo. Mas é difícil não acreditar no que
ouvi minha vida inteira.
T: Talvez você possa começar a fazer sua
própria avaliação de si mesma.
C: Eu sei que tenho defeitos e qualidades
como qualquer ser humano. Às vezes erro, às
vezes não percebo as coisas... Eu sei disso, mas
é difícil mudar.
T: Claro que é difícil, mas não impossí-
vel. Você poderia, por exemplo, escrever algum
lembrete para usar na hora em que se pegar
pensando do outro jeito...
C: É uma idéia. Vou experimentar.
Já conhecendo Teresa há algumas sessões,
estava ficando claro seu modo de funcionar.
Suas crenças centrais são de que é má e egoís-
ta; portanto, sem condições de ser uma pessoa
de quem se goste. Se as pessoas gostam dela,
no mínimo, é porque estão enganadas a seu
respeito. Teresa também acredita que não se
pode ser feliz em um mundo de dores sem cul-
pa e que um dia as histórias se inverterão e
algo de ruim acabará acontecendo com ela.
Suas estratégias de controle das funções
fisiológicas aliviam temporariamente as preo-
Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5766
Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 67
cupações e a ansiedade de que algo de muito
grave está ocorrendo ou virá a ocorrer. Ser exi-
gente consigo mesma e desvalorizar-se tam-
bém ajudam a diminuir a culpa por ter a saú-
de, o casamento, os filhos e a casa que os ou-
tros não têm. Por não ser assertiva, acaba fa-
zendo para os outros coisas que, muitas vezes,
não quer; por ficar com raiva de lhe pedirem
favores com freqüência, confirma a crença de
que é horrorosa por dentro.
Poder compreender a relação entre suas
crenças, seus sentimentos e seus comportamen-
tos foi útil para Teresa. Além disso, orientou-
me nas sugestões de experimentos comporta-
mentais que permitiam avaliar suas crenças,
na linha de questionamento a adotar e na es-
colha de outras técnicas. A relação terapêutica
era bastante amigável e de confiança mútua.
No decorrer da terapia, mudanças foram
sendo percebidas: suas crises de ansiedade di-
minuíram, e ela lidava melhor com essa situa-
ção; voltou a se alimentar normalmente; deu
novo rumo a sua vida profissional; enfrentou
algumas discussões com os pais; passou a dar
mais limites à irmã e conversou com o irmão
sobre as relações familiares.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como o próprio título do capítulo suge-
re, tivemos de selecionar, arbitrariamente, al-
gumas dentre as múltiplas técnicas da terapia
cognitiva, o que não foi tarefa das mais fáceis.
Em cada livro, observamos uma variedade in-
crível de técnicas sendo desenvolvidas por
terapeutas cognitivistas do mundo todo. Mui-
tas aparecem devidamente publicadas pelo
próprio autor, e outras surgem a partir das
adaptações feitas nas discussões com colegas.
Por esse motivo, as referências exatas, às ve-
zes, se perdem.
É necessário que permaneçamos continu-
amente nos aperfeiçoando com a ajuda de ma-
nuais e compêndios de técnicas da terapia
cognitiva, mas principalmente que não nos es-
queçamos de usá-las com bom senso e criativi-
dade, com perícia e sensibilidade, em um cli-
ma de encontro genuíno. Como verdadeiros
terapeutas cognitivistas!
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BECK, A.T. et al. Cognitive therapy of depression. New
York: Guilford Press, 1979.
BECK, J. Terapia cognitiva: teoria e prática. Porto
Alegre: Artmed, 1997.
BLACKBURN, I.; TWADDLE, V. Cognitive therapy in
action. London: Souvenir Press, 1996.
BURNS, D.D. Feeling good: the new mood therapy.
New York: Avon Books, 1980.
GREENBERG, D.; PADESKY, C.A. A mente vencendo
o humor. Porto Alegre: Artmed, 1999.
LEAHY, R. Practicing cognitive therapy. New Jersey:
Jason Aronson, 1997.
McMULLIN, R.E. Handbook of cognitive therapy
techniques. New York: W. W. Norton & Company,
1996.
Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5767
Construtivismo e Prática Clínica
da Rebiografia Narrativa
Maurits Kwee
erentes, inter-relacionados, auto-organizados
e análogos de conhecimento tácito e de histó-
rias. Uma história tão complexa é mais do que
a soma de suas partes. A intervenção, portan-
to, não se concentra apenas nos níveis micros-
cópicos, como de hábito na reestruturação cog-
nitiva. Se indicado, o terapeuta também se
empenha em uma mudança nos níveis macros-
cópicos, os quais contêm a história da vida
emocional do paciente, de interações contínuas
com as pessoas importantes em sua vida, in-
clusive consigo mesmo. Durante o processo
terapêutico, as mudanças emocionais surgem
ao conferir novos significados a velhas histó-
rias. Em uma jornada de vida, habilita-se o pa-
ciente a descobrir novos enredos, contornos e
motivos, bem como a construir histórias com-
pletas, sadias, abrangentes, coerentes, progres-
sivas e estáveis. Ao criar um enredo, a verdade
dos eventos do paciente em um determinado
tempo e espaço ainda é, necessariamente, uma
mistura de realidade e ficção. Através da téc-
nica de reestruturação (dar novos contornos a
velhas histórias), os motivos, os conflitos, os
dilemas e as contradições podem ser reajusta-
dos ou aceitos de maneira benéfica. É a parte
adaptativa e saudável do paciente que é invo-
cada. Nessa perspectiva, os transtornos emoci-
onais, que se apóiam em sintomas, na resis-
tência ao tratamento ou na falta de motiva-
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Este capítulo discute um método pós-
moderno de reconstruir a história de vida pes-
soal do paciente, o qual ficou conhecido no
construtivismo como rebiografia narrativa. A
rebiografia narrativa é um método multifun-
cional, que pode servir como uma porta de
entrada � ou uma avaliação � e como uma te-
rapia em si. O procedimento consiste em duas
partes entrelaçadas e mistas: uma patografia
referente a um transtorno e uma biografia que
forma o contexto dos sintomas. O princípio
central, na maneira como tenho utilizado a
rebiografia narrativa nos últimos 25 anos, é
encontrar significado no sofrimento do pacien-
te através de um empreendimento cooperati-
vo. O significado do transtorno emocional é
buscado em histórias, principalmente de rela-
cionamentos em si mesmos e com as pessoas
importantes de sua vida. O terapeuta é um co-
construtor que dirige as histórias contadas pelo
paciente no processo criativo de descobrir, fa-
zer, ponderar e concluir uma narrativa pessoal
curativa. Com esse ponto de vista, as cognições,
assim como a ideação irracional, são mais do
que pedaços frouxamente conectados de infor-
mações digitais explícitas, palavras absolutis-
tas e frases que precisamser questionadas ou
discutidas. São, também, padrões afetivos, co-
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Leonidas Valverde da Silva
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70 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols.
ção, são todos vistos como modos funcionais
de proteger a pessoa do perigo e preservar a
sua integridade pessoal.
A boa terapia é precisa. Uma sessão não deve
conter testes psicológicos desnecessários, mé-
todos demorados ou redundantes, técnicas
sem utilidade, silêncios prolongados e quanto
menos retórica melhor. Ela não requer que o
terapeuta releve detalhes importantes, nem
que deixe passar a profundidade em nome da
brevidade, mas que toda intervenção diga al-
guma coisa.
(Lazarus, 1997, p. 31)
UMA PERSPECTIVA PÓS-MODERNA
O pós-modernismo é um ramo filosófico
que surgiu do presente Zeitgeist na virada des-
te milênio, não sendo a concepção de um úni-
co teórico. Nas ciências sociais, uma perspecti-
va pós-moderna adotou o construtivismo, uma
metateoria que contesta de maneira difusa as
premissas tradicionais como o positivismo, a
objetividade e o racionalismo. Conseqüente-
mente, na psicologia, as metáforas derivadas
das ciências naturais foram substituídas por
metáforas derivadas da história, da literatura
e da biografia construídas com histórias. No
pensamento narrativo, Verstehen (compreen-
são) é tão valiosa e legítima quanto Erklaeren
(explicação). Tal noção torna adequado ter
uma opinião intersubjetiva falsificável da rea-
lidade e seguir uma causalidade linear no con-
texto de um tipo circular de causalidade. As
formas construtivistas de terapia que lidam com
a construção de significado pelo homem como
narrador estão progressivamente ganhando
impulso e entrando em voga. Nesse campo de
ação, a realidade é uma construção social re-
lativa no que concerne ao contexto: cultura,
pessoa, espaço e tempo. Os humanos são seres
pró-ativos, complexos e auto-organizadores,
que possuem a habilidade de comunicar-se
através de mecanismos de feedback e
feedforward. As pessoas são estruturas dinâmi-
cas em desenvolvimento, que se encaixam para
formar �todos� mais ordenados natural e so-
cialmente e inseridos em sistemas hierárqui-
cos. Os indivíduos constroem sua própria rea-
lidade criando e antecipando ativamente, e não
apenas processando passivamente em um diá-
logo interno. A realidade é uma questão de
fatos e representações cognitivas, assim como
uma questão de experiências e significados sub-
jetivos. Assim, uma terapia construtivista pode
incluir uma abordagem racionalista-empiri-
cista, cognitivo-comportamental, com suas téc-
nicas comprovadas, freqüentemente necessá-
rias no processo de livrar-se dos sintomas.
Embora seja consistente com uma hermenêu-
tica construtivista, uma mudança de foco para
a aplicação de sentido e de significado não tor-
na irrelevante a acumulação e a análise dos
fatos. Tal busca por significado não é um subs-
tituto que permite ao paciente continuar evi-
tando ou agarrando-se aos sintomas. Isso im-
plica abrir novos horizontes para uma reava-
liação de questões (não-comportamentais)
muito diversas, como o simbolismo ou o signi-
ficado dos sintomas, o desenvolvimento emo-
cional durante a vida, as novas conceitua-
lizações do self, os processos experimentais e
inconscientes, a autoconsciência ou mesmo a
espiritualidade. O construtivismo também pode
fornecer ao terapeuta cognitivo-comportamen-
tal, e a outros terapeutas, a base para traba-
lhar na mudança da personalidade (Mahoney,
1993; Neimeyer, 1995).
O pós-modernismo � inclusive o pós-
positivismo e o pós-objetivismo � é uma visão
de mundo instigada por filósofos franceses,
entre eles Derrida, Foucault e Lyotard. Tal pers-
pectiva questiona os valores absolutos do
positivismo lógico, da realidade objetiva e das
generalizações científicas que vão além do tem-
po, do espaço e da cultura, implicando a rela-
tividade, ou seja, a temporaneidade do conhe-
cimento do cientista e a impossibilidade de
saber tudo sobre alguma coisa. Ao contrário,
enfatiza a utilidade (neopragmática) como um
critério para a adequação do conhecimento ci-
entífico. Ao incluir o modernismo como uma
solução útil, porém insuficiente, para conce-
ber a realidade, os pós-modernistas refutam a
idéia moderna de que o progresso científico, e
não o progresso tecnológico, virá de um maior
conhecimento de como manejar o universo por
si próprio. Como o conhecimento humano de-
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Leonidas Valverde da Silva
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Leonidas Valverde da Silva
Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 71
pende do contexto, do espaço e do tempo, ele
é necessariamente interpretativo e inerente-
mente incapaz de desenvolver um mundo re-
conhecível. Não consideramos a realidade
como um dado objetivo, subjetivo ou mesmo
intersubjetivo, e sim como um processo com-
plexo de construção cognitiva, social e cultu-
ral. Os processos cognitivos do indivíduo fa-
zem uso do veículo sociocultural da linguagem,
central em toda construção da realidade. Se-
gundo Gergen (1982) e Gergen e Gergen (1988),
as seguintes premissas são eminentes:
1. as representações substituem a rea-
lidade;
2. as representações são artefatos do
grupo ou da comunidade social;
3. a reflexão irônica do self é central
para lidar com as representações;
4. a ironia implica uma perda de fé na
autoridade, mesmo na ciência, e
uma abordagem pluralista dos va-
lores humanos.
O pós-modernismo e o construtivismo
sugerem que a realidade está encarcerada em
representações casu quo: redes sociais e indi-
viduais de linguagem e textos construídos. A
realidade do indivíduo, definida como uma
construção sociocultural e lingüística, deixa
todas as possibilidades abertas para interpre-
tações e valores coexistentes. A realidade dos
seres humanos pode ser entendida como todas
as suas experiências pessoais ditas ou escritas
em um histórico ou um conjunto de histórias.
Estas, portanto, refletem processos de constru-
ção, desconstrução e reconstrução de experiên-
cias significativas e idiossincráticas no tempo.
Seus significados dependem do contexto e das
interpretações de quem as conta, exatamente
como no ditado �Pimenta nos olhos dos outros
não arde�. Assim, não existem interpretações
absolutamente corretas. A essência é dar sen-
tido à construção de experiências significati-
vas de eventos passados, presentes e futuros
através da linguagem verbal e não-verbal e da
comunicação pessoal. Tal abordagem permite
que o psicoterapeuta não seja mais apenas um
especialista de saúde mental, mas também �
como Sócrates � um especialista na irônica sa-
bedoria do não-saber (que é diferente de nada
saber) (Kwee, 1982).
A psicologia pós-moderna é iconoclasta
quando rompe com os interesses fixos. A
rebiografia narrativa é a reparação da história
de vida emocional do paciente para tornar-se
um todo coerente, o qual é mais do que a soma
de declarações pessoais irracionais fragilmen-
te conectadas. Não há crédito, por exemplo,
em verdades eternas, leis passíveis de genera-
lização do comportamento humano e prescri-
ções metodológicas que esperam obter uma lin-
guagem pura de observação. Ao contestar a
visão de mundo do objetivista, o escopo epis-
temológico construtivista supõe que a realida-
de definitiva não será encontrada �lá fora�, mas
sim � embora limitada pelo contexto e pelas
fronteiras socioculturais � construída dentro da
pessoa através da comunicação pessoal. O co-
nhecimento tácito (não-consciente e não-ver-
bal) também é considerado um processo de
organização importante do saber e da existên-
cia. O processo construtivista é um arco circu-
lar auto-reflexivo, incluindo uma função linear,
em vez de uma função linear, indicando que
toda percepção é uma construção criativa.
Construir uma realidade aceitável das experiên-
cias de vida de uma pessoa é umprocesso cri-
ativo e heterogêneo que enfatiza as diferenças
e as distinções, assim como as semelhanças e
as analogias. Isso exige uma metodologia não-
linear ou uma lógica não-aristotélica, que per-
mita várias construções mutuamente não-ex-
clusivas ao mesmo tempo. Como seres auto-
reflexivos, os humanos são capazes de vincu-
lar o tempo através da reflexão sobre os even-
tos e de catapultá-los do presente para o pas-
sado (e vice-versa) e do presente para o futuro
(e vice-versa). Uma questão relevante na psi-
coterapia é a construção de inferências sadias
nas realidades clínicas que só podem ser inter-
pretações arbitrárias, imagens subjetivas ou
opiniões pessoais. Se, no estudo da experiên-
cia humana, o observador não puder ser sepa-
rado do observado, há de se assegurar um mí-
nimo de sanidade. Como abstrair de maneira
sadia quando as possibilidades são inúmeras?
Pelo menos duas ordens de realidade no pro-
cesso de abstração podem ser diferenciadas em
qualquer reação emocional. As primeiras or-
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72 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols.
dens são as percepções silenciosas e as descri-
ções objetivas do observado. As segundas or-
dens referem-se às interpretações e às avalia-
ções, principalmente dos significados que atri-
buímos às coisas ou aos acontecimentos. É no
domínio dessa segunda ordem que surgem os
problemas emocionais e relacionais. A terapia,
então, é a arte de aplicar o relativismo ao subs-
tituir uma construção inadequada da realida-
de por outra melhor. Um procedimento é re-
modelar a visão de mundo do paciente, forne-
cendo novas experiências comportamentais,
afetivas e cognitivas significativas. Embora a
nova visão de mundo ainda seja uma outra
construção passível de avaliação, ela é, no mí-
nimo, menos dolorosa (Korzybski, 1933;
Watzlawick, 1992).
CONSTRUTIVISMO E PSICOTERAPIA
Várias escolas e abordagens terapêuticas
diferentes podem ser agrupadas sob o título
de novo olhar de um modelo construtivista
metateórico. Sob esse ponto de vista, o paciente
é considerado um ser pró-ativo e auto-organi-
zado que vive em uma sociedade pluralista de
espaço cibernético, consumismo, mobilidade,
democracia, liberdade religiosa, enfim, um
oceano de opiniões e valores. As crenças tradi-
cionais começam a estremecer, e há uma ten-
dência crescente que põe em risco os interes-
ses socioculturais fixos. Assim, mesmo o conhe-
cimento científico é considerado produto de um
contexto, isto é, um determinado tempo e es-
paço na história cuja influência depende da ide-
ologia e das práticas dominantes. Vivemos em
um multiverso de muitas visões de mundo pos-
síveis, enquanto o universo bem conhecido está
desmoronando (Maturana, 1988). Os
psicoterapeutas podem precisar de uma abor-
dagem que ajude o paciente a desenvolver e
construir suas porções modeladora e constru-
tora de significados.
Segundo Neimeyer (1993a; 1995), há
quatro abordagens construtivistas à prática clí-
nica, as quais compartilham o objetivo de um
estilo criativo, reflexivo e exploratório de tra-
balhar, em vez de um estilo corretivo, pessi-
mista ou diretivo. Tais abordagens são:
1. terapia do constructo pessoal;
2. terapia construtivista familiar;
3. terapia cognitiva estrutural-evolu-
cionária;
4. terapia reconstrutiva narrativa.
A teoria do constructo pessoal de George
Kelly considera a terapia uma ciência pessoal.
Invocando a metáfora de Korzybski (1933), ele
afirma que as pessoas desenham mapas para
delimitar o território. Elas são como cientistas
que (in)validam suas hipóteses e acabam por
revisar e atualizar seus mapas a fim de encon-
trar a evidência de um mundo em constante
mutação. Essa visão é semelhante àquela de
Jean Piaget (1973), um construtivista avant la
lettre, que estava convencido de que as pes-
soas nunca conhecerão a realidade como ela
realmente é, mas somente como é percebida.
As crianças não formam primeiro um modelo
representativo do mundo, e sim criam ou in-
ventam a realidade através da exploração, da
realização e da ação. As estruturas cognitivas
são continuamente (re)construídas através de
uma interação dialética entre os processos de
acomodação e de assimilação que se contraba-
lançam. Da mesma forma, Kelly (1955) argu-
menta que os indivíduos constroem uma com-
preensão do mundo pessoal significativa atra-
vés do contexto e também de descrições
estruturadas e basicamente duais do mundo
(por exemplo, bom/mau, bonito/feio ou suces-
so/fracasso). Modelar e acentuar diferenças
contrastantes pode ajudar a estabelecer o sig-
nificado. O homem como cientista tenta dar
sentido, ordenar ou prever experiências pes-
soais e sistemas unitários complexos através
da experimentação comportamental, assim
como na técnica do papel fixo (DelMonte,
1989).
A terapia construtivista familiar começou
a surgir nos anos 80, como uma reação à abor-
dagem à terapia familiar da teoria dos siste-
mas. Recentemente, vários autores criticaram
a metáfora da família como um sistema auto-
estabilizador e a noção de que os sintomas pre-
servam a homeostase (Dell, 1985; Hoffman,
1985; Goolishian e Anderson, 1987). Ao invés
disso, um processo recorrente no qual todos os
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Leonidas Valverde da Silva
Leonidas Valverde da Silva
Leonidas Valverde da Silva
Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 73
participantes influenciam-se mutuamente é
iminente. Não é o sistema que cria o proble-
ma, e sim o problema que constrói o sistema.
Pelo fato de que nesse ponto de vista as obser-
vações não são independentes do observador,
a cognição substitui o comportamento como o
foco central de atenção. Portanto, o objetivo
da terapia familiar tornou-se a linguagem: a
exploração verbal e não-verbal orquestrada de
significados e constructos sobre as pessoas en-
volvidas. Uma característica importante dessa
abordagem é a elaboração de uma conversa-
ção na qual o terapeuta é participante caracte-
risticamente neutro na família, o qual testa as
hipóteses pelo questionamento circular e, ao
proceder desse modo, revela um caleidoscó-
pio semântico de significados. Com base na
construção social da realidade, isso vai além
da analogia cibernética.
Uma forte corrente do construtivismo está
crescendo na tradição cognitiva comportamen-
tal. Mahoney (1988; 1995b) observou que
muitos terapeutas cognitivistas querem ser vis-
tos como construtivistas, em vez de racionalis-
tas. Aparentemente, proponentes supostamen-
te racionalistas e objetivistas revelam-se cons-
trutivistas. Meichenbaum (1992; 1993) descre-
ve três análogos principais para explicar o pa-
pel da cognição na mudança comportamental.
A revolução cognitiva nos anos 70 iniciou uma
evolução no trabalho que começou com o con-
dicionamento como a metáfora-guia. As leis de
aprendizado, encontradas nos estudos com
animais, foram declaradas aplicáveis ao com-
portamento humano. A seguinte metáfora é o
processamento de informações: a mente é um
computador que processa as informações e
pode distorcer a realidade através de erros ir-
racionais ou disfuncionais. A metáfora em nossa
corrente é a construção da narrativa: os paci-
entes são arquitetos e construtores de sua pró-
pria realidade. Esta inclui a angústia emocio-
nal, considerada um processo de cura ao mes-
mo tempo adaptativo e reconstrutor. As cren-
ças irracionais podem servir a um objetivo fun-
cional. Uma corrente específica concentra-se
no desenvolvimento estrutural reconstrutivo da
personalidade, ocorrendo uma exploração dos
primeiros estágios e dos relacionamentos emo-
cionais intensos (afetos, vínculos). O terapeuta
é um co-construtor que assiste a todas as mu-
danças relevantes da vida serem abrangidas na
narrativa (Guidano e Liotti, 1983; Guidano,
1991). Tal terapia reconstrutiva narrativa flui
de fontes como a psicologia clínica,
evolucionária, social, cultural e perene (Kwee
e Holdstock, 1996). Ocampo da hermenêutica,
que abrange a interpretação das escrituras
bíblicas, está relacionado a isso. Mais recente-
mente, também se refere ao estudo da expe-
riência subjetiva ao ler textos sem cunho reli-
gioso. A psicologia narrativa (Bruner, 1990;
Howard, 1989) e a hermenêutica (Messer, Sass
e Woolfolk, 1988) podem lidar de maneira pro-
missora com a construção de significados das
histórias biográficas.
O modelo de busca humana por enten-
der as situações difíceis da vida implica espe-
cialmente a história contada pelos pacientes a
respeito de seus sintomas. Uma implicação prá-
tica importante de tal analogia narrativa cons-
trutiva da cognição é que paciente e terapeuta
podem colaborar na reparação reconstrutiva
de tais narrativas. O terapeuta ajuda o pacien-
te ao encorajá-lo a contar, alterar e finalizar as
histórias carregadas de sentimentos. Ao con-
tar novamente, o paciente constrói um novo
mundo assuntivo, o que ajuda a explicar o sig-
nificado pessoal de seus sintomas e torna con-
cebíveis as etapas necessárias para a mudança
(Meichenbaum, 1993). A escolha de técnicas
específicas pode seguir-se naturalmente a par-
tir do conto abrangente e coerente recontado.
PSICOLOGIA NARRATIVA
Um modo especial de construtivismo é a
construção ou a narração de histórias, o qual
pode ser classificado sob o título da psicologia
narrativa, uma forma da psicologia cognitiva
que, ao mesmo tempo, vai além dela. Ao im-
portar uma visão narrativa, pode-se até falar
em uma revolução contextual que começa a
mudar o perfil da psicologia como um todo e
inicia na psicologia cultural, social e da perso-
nalidade (Bruner, 1990; Gergen, 1982; Gergen
e Gergen, 1988; Howard, 1989; Mair, 1988;
Polkinghorne, 1988; Sarbin, 1986). A psicolo-
gia narrativa coloca as histórias contadas pe-
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las pessoas a si mesmas e aos outros no centro.
As pessoas constroem suas maneiras de ver o
mundo (realidade e significado) através de
relatos narrativos, utilizados como diretrizes
importantes para levar a vida. Isso sugere que
a estrutura da vida humana toma uma forma
narrativa. Tal perspectiva enxerga a personali-
dade, ou individualidade, como uma constru-
ção da história de vida, o transtorno emocio-
nal como um desvio da história de vida e a
psicoterapia como uma reparação da história
de vida (Howard, 1991).
A psicologia narrativa considera todo pen-
samento organizado, inclusive a ciência, como
uma forma de contar histórias. Segundo Howard
(1991), as histórias que a ciência tem para con-
tar não são necessariamente mais verdadeiras
do que qualquer outra. Embora as histórias ci-
entíficas sejam provavelmente as melhores
análises que se possa fazer para explicar os re-
lacionamentos de causa e efeito, as questões
envolvidas no significado da vida não são re-
solvidas por meios científicos. Como Pavlov ou
Skinner podem ajudar em assuntos como di-
vórcio, aborto ou eutanásia? O conhecimento
científico é insuficiente quando a sabedoria tor-
na-se necessária. A abordagem narrativa das
ciências humanas (doutrina do espírito) é me-
nos conhecida do que a abordagem lógico-ci-
entífica das ciências naturais (doutrina da na-
tureza). As humanidades dão ênfase a uma or-
ganização narrativa do funcionamento cogni-
tivo, o que difere qualitativamente de uma ma-
neira de pensar de proposição abstrata (Bruner,
1990). O modo de pensar uma história baseia-
se nas imagens, na relatividade e nos análogos
do hemisfério direito do cérebro, ao passo que
a ciência exata confia no raciocínio digital do
hemisfério esquerdo do cérebro (Vitz, 1990).
Esses dois modos de pensar são irredutíveis um
ao outro, embora seja um ideal do clínico mis-
turar o conhecimento do cientista com a sabe-
doria do profissional prático. Essa é a melhor
garantia de que se pode responder a pergun-
tas tão difíceis quanto o modo como as pesso-
as devem viver suas vidas. Como diz Mair
(1988, p. 127):
Nós vivemos as histórias e através delas. Elas
evocam mundos. Não conhecemos o mundo a
não ser como um mundo de histórias. As his-
tórias trazem informações à vida. Elas nos
unem e nos separam. Nós habitamos grandes
estórias da nossa cultura. Vivemos através das
histórias. Somos vividos pelas histórias de
nossa raça e pátria.
A sabedoria sobre nós mesmos é perceber
os temas e os enredos de nossas próprias narra-
tivas e de nossos papéis como protagonistas.
Nessas narrativas pessoais, o significado torna-
se conhecido no contexto em que as histórias
de eventos significativos ocorrem. Uma história
sempre inclui um cenário e personagens com
suas ações, intenções e emoções específicas em
um determinado tempo e espaço (Bruner, 1990).
Quando uma pessoa organiza sua vida como
uma história, torna-se necessária uma recons-
trução de experiências. Dessa maneira, o paci-
ente junta as peças e forma um todo significati-
vo. Na verdade, é isso que acontece também
quando apreciamos um filme, uma peça de tea-
tro, uma novela, um romance ou até mesmo um
gibi. Os livros religiosos atraem por conter his-
tórias significativas, que servem como diretri-
zes a seus adeptos. A existência humana torna-
se compreensível quando concebida como uma
história em desenvolvimento. Alguns autores
(McAdams, 1995) sugerem que a identidade de
uma pessoa � ou devemos dizer sua alma? � é
igual à história de sua vida. A qualidade de uma
história de vida depende da coerência, da con-
sistência, da clareza, da pungência e do impac-
to emocional.
De um ponto de vista psicológico narra-
tivo, a psicoterapia é uma arte, tal como pre-
parar o vinho. Qualquer bom artista combina
a vocação artística com as habilidades técni-
cas. Tal combinação é necessária desde o co-
meço, quando o paciente conta sua história:
esta é saudável ou doentiamente condiciona-
da? No caso de problemas profundamente
instalados, indica-se um reparo narrativo to-
tal, que também se aplica quando a história
de vida contém elementos constrangedores,
bloqueadores, limitadores, de negação ou
outros que desqualifiquem o indivíduo, pre-
judicando sua integridade. O diagnóstico da
narrativa é um processo dinâmico e deve con-
tinuar até o fim da terapia.
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Segundo Meichenbaum (1993), o repa-
ro narrativo concentra-se na sanidade das me-
táforas do paciente. Por exemplo, qual o pre-
ço emocional que um paciente paga quando
fala em �Não deixar pedra sobre pedra� ou
�Me comer por dentro�? O terapeuta é um co-
laborador reflexivo ao ajudar o paciente a al-
terar as imagens autodestrutivas. As histórias
dolorosas são reformuladas pela interpreta-
ção das reações anormais do paciente como
sendo normais em circunstâncias angustian-
tes anormais. Ao contar e recontar, os pacien-
tes gradualmente passam a compreender o
significado de seus problemas, viabilizando,
assim, as possíveis soluções. A recomendação
é enfatizar a função dos sintomas e a capaci-
dade do paciente de lidar com eles durante
todo o processo narrativo.
PACIENTES COMO NARRATIVAS
A psicologia narrativa vê o paciente como
homo fabulans (contador de histórias). O ver-
bo narrare, do latim, significa contar uma his-
tória, representar o que aconteceu, retomar,
recuperar ou restabelecer. O protagonista, ou
seja, o paciente, conta algum fato normalmen-
te do passado. Portanto, é sempre uma repro-
dução inferida pela interpretação de quem con-
ta a história. As histórias contadas em terapia
geralmente não são registros de observação
objetiva, mas reconstruções de um aconteci-
mento carregadas de sentimentos. Por isso, a
definição de uma história tem várias facetas.
Nesse contexto, o interesse é por histórias
irrestritas, idiossincráticas e emocionalmente
carregadas � reflexões de indivíduos que pro-
curam alívio paraseu sofrimento emocional.
De certa forma, os pacientes são a pró-
pria história, textos personificados que preci-
sam ser compreendidos como um poema
(Gergen e Gergen, 1988). As histórias conta-
das pelo paciente normalmente são fragmen-
tadas, desordenadas, incompreensíveis, fatais,
absurdas, frustrantes ou apenas muito tristes,
pois, do contrário, não haveria a necessidade
de consultar um terapeuta. Muitas vezes, o
paciente conta histórias unidimensionais, res-
tritas, incoerentes demais para serem ouvidas,
a não ser por um terapeuta. Dar ao paciente a
oportunidade de contar é conceder-lhe um es-
paço para respirar de maneira socialmente acei-
tável. Os pacientes já tentam criar ordem nas
realidades construídas por eles ao criar coesão
de tempo e espaço em suas versões altamente
subjetivas dos eventos significativos. Ao con-
tar a história toda, o paciente torna-se um ator
que participa ativamente de sua própria histó-
ria de vida e começa a dar sentido fora do in-
fortúnio, criando assim um texto falado ou es-
crito.
Se algum texto necessita ou não de cura,
isso depende da avaliação que toma a forma
de análise de texto. O método de análise de
texto é a hermenêutica (do grego hermeneuin,
que significa �explicar�). A leitura heurística
(do grego heuriskein, que significa �encontrar�)
precede o processo hermenêutico. A forma de
ler ou ouvir do terapeuta está voltada para a
exploração das representações mentais da re-
alidade, ou seja, dos fatos do paciente. A
hermenêutica encontra e coleta as ambigüida-
des, as lacunas, os paradoxos, as excentricida-
des e as peculiaridades idiossincráticas, reunin-
do-os para formar um todo coerente, significa-
tivo, que faça sentido. Por exemplo, fazendo
perguntas como: Qual é a história de um sin-
toma em particular? O que esse sintoma signi-
fica? Qual é o seu contexto? Onde se situa?
Onde se apóia? Qual é a sua implicação inter-
pessoal? O que isso simboliza?, etc., o terapeuta
vive dentro do paciente para personificar sua
narrativa.
Originalmente, a hermenêutica é a espe-
cialização na interpretação das escrituras sa-
gradas. Porém, foi recentemente ampliada para
o estudo de textos seculares. A pergunta es-
sencial é: Como a interação do leitor com o
texto cria uma rede única de significado? O
leitor moderno alude ao fato de o significado
residir no texto e estar à espera de ser decodi-
ficado pela leitura objetiva. O leitor pós-mo-
derno desafia os limites entre a leitura subjeti-
va e objetiva. A hermenêutica requer a partici-
pação ativa do leitor para estar dentro do tex-
to e ter liberdade para entender seja lá o que
for texto (Mahoney, 1995b). É preciso ter uma
compreensão do círculo hermenêutico, um pro-
cesso cognitivo que opera dialeticamente e que
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requer que as novas partes sejam incorpora-
das nos todos existentes. Segundo Gonçalves
(1995, p. 202), uma alternativa hermenêutica
desenvolve-se:
(...) de uma textualização baseada na escrita
e no escritor para uma textualização baseada
no ato de escrever; de uma individualidade
baseada na distinção do sujeito/objeto para
uma individualidade baseada no projeto; e da
epistemologia e ontologia baseadas no abso-
lutismo e relativismo para uma alternativa
dialética.
O terapeuta é um co-construtor que re-
presenta o contexto social da história do pa-
ciente e que está interessado naquilo que está
oculto. Ao usar táticas não-lógicas (associan-
do, calcando, usando evasivas, invertendo, fan-
tasiando, simbolizando), terapeuta e paciente
buscam descobertas, significados outros que
não aqueles que trouxeram o problema. Como
esse processo depende de descobertas inespe-
radas, descobertas casuais ou golpes de sorte,
tal conversa requer uma arte para a qual não
há um protocolo preciso disponível. O pacien-
te é a única pessoa que pode contar qual inter-
pretação faz sentido às velhas histórias. En-
quanto explora as lacunas no texto, o paciente
descobre os novos significados. Dessa forma, a
terapia torna-se a reconstrução do cenário da
história de vida, uma narrativa na qual o paci-
ente é um texto personificado para ser enten-
dido, no final, por ele próprio. Como já comen-
tava Hegel no século XIX, um self individual
não pode existir antes da interação dialética
com outros indivíduos. Em outras palavras, a
terapia, como um processo dialético entre pa-
ciente e terapeuta, é um pré-requisito para
construir uma narrativa pessoal curativa.
A NARRATIVA PESSOAL CURATIVA
A narrativa pessoal é um termo cunhado
por Hermans e Hermans-Jansen (1995), cuja
metáfora baseia-se nos trabalhos de James
(1890), Pepper (1942) e Sarbin (1986). Nos
estudos do self, James (1890) fez uma distin-
ção entre o �Eu� subjetivo que vive a experiên-
cia e o �mim� (�meu�) objetivo que o explica.
Sarbin (1986) explica esse ponto ao criar uma
metáfora do �mim� como o ator e do �Eu� como
o autor. Assim, o �Eu� constrói uma história
através do espaço e do tempo, enquanto o pa-
pel principal é representado pelo �mim�. Este
interage com outras pessoas significativas,
como o meu marido, a minha mãe, o meu ami-
go, o meu vizinho, etc., antagonistas que fa-
zem parte de mim. Esse �mim� que reconta a
experiência do �Eu� é capaz de justificar
retoricamente por que alguma coisa foi neces-
sária. Aqui, o porquê não se refere à causalida-
de, mas sim às razões psicológicas, morais e
sociais. O �mim� é também capaz de ligar-se
ao tempo, como se apontando para o futuro.
Parafraseando Bruner (1990), quando alguém
diz �Eu sempre fui uma criança muito valen-
te�, esse resumo do passado pode ser tomado
como uma profecia para o comportamento fu-
turo.
A narrativa pessoal implica um self que
dialoga, que utiliza a conversa consigo mes-
mo, pressupondo uma relação entre �Eu� e �eu
mesmo� (�mim� ou �meu�). Essa conversa in-
terior é análoga à conversa externa ao contar
a história, a qual sempre envolve alguém que
conta e alguém que ouve em uma interação
dinâmica. Segundo Watkins (1986, apud
Hermans e Hermans-Jansen, 1995, p.10), as
conversas imaginárias formam uma grande
parte de nossas construções narrativas:
Mesmo quando estamos visivelmente em si-
lêncio, nos pegamos nos comunicando com
nossos críticos, nossos pais, nossa consciên-
cia, nossos deuses, nosso reflexo no espelho,
a foto de alguém de quem sentimos sauda-
des, uma imagem de um filme ou de um so-
nho, nossas crianças ou nossos animais de es-
timação. Quando planejamos visitar nossos
amigos, na verdade, nós os vemos e ouvimos
em nossa imaginação antes de encontrá-los e,
quando partimos, narramos partes da conver-
sa. Certamente, as interações imaginárias têm
forte influência nas interações reais.
Em virtude da natureza histórica da nar-
rativa, contar uma história combina fato e fic-
ção. Só é possível entender eventos históricos
em um contexto de espaço e tempo, invocan-
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do uma abordagem contextual ou de contex-
tualismo (Pepper, 1942). Nessa metáfora, o
mundo é imaginado como um fluxo contínuo
e em constante mutação de vários eventos re-
sultantes, todos intrinsecamente interligados.
De acordo com o pensador contextual, os even-
tos têm várias causas. O foco está na síntese,
em vez de na análise dos elementos distintos
de um evento. O significado muda de acordo
com o seu contexto. Um evento em particular
pode ter diferentes significados no tempo, de-
pendendo do narrador que conta a história.
Contado como uma história, um evento é par-
te de um todo padronizado. O self vive em uma
multiplicidade de mundos com uma multipli-
cidade de autores, cada um contando uma his-
tória relativamente independente sobre o mes-
mo �mim� em desenvolvimento. Um narrador
pode até mesmo contar amesma história com
significados contrastantes em diferentes fases
da vida. Fazer com que um paciente conte uma
história originalmente triste de modo a se sen-
tir integral é o que a narrativa pessoal curativa
tenta alcançar.
O processo terapêutico de dar sentido
ocorre de uma interação dialética entre o pa-
ciente que narra e o terapeuta que interpreta.
O terapeuta construtivista é um perito em his-
tórias de vida e na tentativa de ajudar a
discernir das narrativas funcionais e disfuncio-
nais. Na maioria das vezes, o paciente apre-
senta uma história fragmentada, que é o refle-
xo do estado e da condição em que ele se en-
contra. Porém, conforme a história é contada
e recontada, ele encontrará o enredo principal
que a torna compreensível.
DA PATOGRAFIA À AUTOBIOGRAFIA
Quando perguntamos aos pacientes a ra-
zão de terem vindo à primeira consulta, eles
respondem, sobretudo, contando sobre seus
sintomas e suas queixas. Em minha prática,
trabalho somente com pacientes que sofrem
de algum transtorno, normalmente um trans-
torno de ansiedade que muitas vezes é acom-
panhada de depressão. O relato escrito ou oral
de um paciente sobre um transtorno psicoló-
gico é chamado de patografia. A patografia
não é isolada do contexto, pois faz parte da
história autobiográfica do paciente ou da nar-
rativa pessoal da história de vida. Ela se cons-
titui em uma ordenação realizada pelo
terapeuta da apresentação fragmentada feita
pelo paciente de todos os sintomas envolvi-
dos em termos topográficos e quantitativos. É
necessário habilidade para classificar os sin-
tomas apresentados de modo que sejam co-
municáveis (APA, 1994).
Como ligar a patografia à autobiografia?
Entre elas, existe uma ligação multifuncional,
que procura entender o significado de um even-
to em um fluxo de eventos dentro de um todo
padronizado pelo espaço e pelo tempo. A me-
táfora central que faz a ponte entre as duas é a
multifuncionalidade. Função é o termo usado
para designar os inter-relacionamentos entre
os fatores antecedentes e subseqüentes (como
o velho esquema S-O-R) como a unidade bási-
ca da análise. Na agorafobia, isso pode repre-
sentar, por exemplo: uma configuração de es-
tímulo S (perceber a rua) e uma condição
organísmica O (�Eu não posso desmaiar�) como
o fator antecedente e um padrão de resposta R
(medo e evitação) como o fator conseqüente.
Os eventos autobiográficos angustiantes podem
ser todos fatores antecedentes, ao passo que
as condições patográficas são, na maioria das
vezes, fatores conseqüentes.
As conseqüências são mais con-seqüênci-
as que se tornam compreensíveis como uma
função dos eventos históricos. A perspectiva
contextual pode elucidar determinado sinto-
ma como uma reação normal a uma situação
anormal. Consideremos a compulsão por lim-
peza como função de um trauma de incesto ou
a depressão como função de uma tristeza pa-
tológica. Dependendo de seu contexto, o sig-
nificado de determinado sintoma ou de um
evento da vida pode ser diferente para o mes-
mo indivíduo em períodos diferentes de sua
vida (Mahoney, 1995c; Spaulding, 1995). Para
conduzir uma terapia completa, os sintomas
têm de ser entendidos no contexto de uma
narrativa significativa. Por isso, as abordagens
patográficas e biográficas são necessárias para
entender o paciente completamente (Marx,
1990; Post, 1994; Verhulst e Tucker, 1995). As
experiências centrais da vida que marcam a
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exacerbação dos sintomas podem fornecer os
elementos necessários para construir uma nar-
rativa da história de vida. Uma autobiografia
escrita pode ser a preparação do paciente para
uma narrativa oral contada na sessão de tera-
pia. A autobiografia é um instrumento versátil
e introspectivo que pode ser abrangente, tópi-
co, estruturado, desestruturado ou uma com-
binação de algumas dessas características
(Annis, 1967).
Normalmente, a redação da autobiogra-
fia é dada como lição de casa. Caso o paciente
não tenha habilidade suficiente de escrita, a
autobiografia também pode ser gravada em fita
cassete. Essa lição de casa é uma preparação
para o processo dialético que ocorrerá na ses-
são. O terapeuta pede ao paciente para englo-
bar uma ampla variedade de experiências pes-
soais, desde seu nascimento até o presente. Tal
narrativa da história de vida deve ser abran-
gente e inclui assuntos específicos. Um tópico
pode pertencer à autobiografia sempre que
tocar uma das seguintes emoções: depressão,
medo, raiva, tristeza, alegria, amor ou até mes-
mo silêncio (Kwee, 1996a). Pode ser um tema,
um episódio ou um evento que apresente im-
portância emocional, como, por exemplo, ado-
ção na infância, trauma de incesto, medo de
fracassar, medo de ser intimidado, primeiro
beijo, desarmonia no casamento, estresse no
trabalho, etc. Dessa forma, a patografia torna-
se incutida em uma autobiografia que deve ser
transformada em uma narrativa pessoal coe-
rente e estruturada durante o tratamento
(Sommer e Osmond, 1983).
A JORNADA DE VIDA
A abordagem de uma história de vida re-
quer uma narrativa cronológica com perspec-
tiva evolutiva do tempo de vida e um conheci-
mento adequado da psicologia evolucionária.
Paciente e terapeuta colaboram como peritos
em seus respectivos domínios: viver experiên-
cias para o paciente, explicar para o terapeuta.
O terapeuta oferece ao paciente novas possibi-
lidades para responder e reagir com base em
sua especialidade, em seu conhecimento clíni-
co e teórico. Ao avaliar o contexto dos sinto-
mas, todas as experiências emocionais signifi-
cativas durante o curso de vida do paciente pre-
cisam ser examinadas minuciosamente. Exis-
tem várias metáforas para a história de vida,
como, por exemplo, a metáfora das quatro es-
tações, que sugere as várias fases do ciclo da
vida. A metáfora raiz de uma jornada avança
ao caminhar através dos relatos autobiográfi-
cos. Uma metáfora de jornada sugere que o
paciente é um viajante e que o terapeuta é um
acompanhante de viagem com as habilidades
de um guia. Esses papéis implicam que a re-
construção da vida como uma jornada ocorre
em uma outra jornada na psicoterapia. Con-
forme a vida evolui, são necessários novos
mapas que sejam terapêuticos e que possam
encaixar-se nos territórios em constante muta-
ção (Carlsen, 1995).
A metáfora de uma jornada é inclusiva e
central para compreender a psicologia de de-
senvolvimento durante a vida de um indivíduo.
Muitas outras metáforas úteis podem derivar
desta, como mapa, itinerário, provisão, mo-
mento decisivo, barreira, penhasco, colina,
deserto, oásis, destino, etc. (Mahoney, 1995b).
É importante fazer uma distinção entre o cur-
so da vida e o ciclo de vida em uma história de
vida. Enquanto o curso da vida é uma constru-
ção idiossincrática do paciente, o ciclo de vida
é a teoria do terapeuta sobre uma ordem
subliminar daquele curso. Um ciclo de vida
implica a idéia de seqüências passíveis de defi-
nição que completam o ciclo. Embora o curso
da vida de cada indivíduo seja único, todos
passam por transições evolutivas semelhantes
durante a vida.
Ao enfatizar o fato de dar significado, o
terapeuta construtivista está interessado em
identificar dores crescentes que ocorrem em
qualquer história de vida. Lembrar eventos do
passado abriga um processo implícito de es-
quecer. O terapeuta construtivista considera as
defesas como um desvio necessário que o pa-
ciente tem de fazer para afastar-se do medo
antes de poder retornar à estrada principal
(Birren e Hedlund, 1987).
As memórias esquecidas podem ser recu-
peradas ao longo de diferentes linhas, uma das
quais é a teoria dos esquemas (Neisser, 1967).
Vários esquemas foram estudados, como os
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Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 79
esquemas interpessoais e afetivos e o esquema
pessoal. Para entender o processo de relembrar
eventos e experiências, os esquemas narrati-
vos são compulsórios. Um esquema narrativo
é uma forma superordenada de representação
que tem a capacidade de estruturar, armaze-
nar e abarcar experiências como um todo sig-
nificativo. Como uma representação estrutu-
ralmente organizada de episódios importantes
de experiências, um esquema narrativo con-
tém inerentemente um tema ou um enredo.
Ao reconstruir memórias como uma jornada
de vida, um processo de rememorar é ativado
(Russell e Van den Broek, 1992). O conceito
de estrutura narrativa abre novos prismas para
identificar o mecanismo de funcionamento da
reestruturação narrativa que está pronta para
uso prático.
REBIOGRAFIA NARRATIVA
O termo psicoterapia narrativa não é usa-
do aqui para evitar a idéia de divulgar ainda
outra escola de terapia. A identificação da rees-
truturação narrativa, semelhante à reestrutu-
ração cognitiva como mecanismo de funciona-
mento subjacente, torna compreensível a apli-
cação da rebiografia narrativa como uma téc-
nica inovadora. O ecletismo técnico fornece
uma estrutura adequada para incluir a
rebiografia narrativa na prática do psicotera-
peuta de qualquer escola. A rebiografia narra-
tiva consiste em:
1. reunir a autobiografia do paciente
por escrito ou gravada em fita cas-
sete;
2. avaliar e identificar as verdades
emocionais atuais ligadas aos fatos
históricos;
3. encontrar metáforas, palavras-cha-
ve, imagens, fantasias, sonhos, etc.,
assinalando os significados pessoais
ou interpessoais;
4. fornecer contexto, apontando os
momentos psicológicos cruciais de
deslocamento ou exacerbação dos
sintomas;
5. descobrir os elos perdidos e as lacu-
nas, os eventos e as experiências que
estão entrelaçados com os sintomas;
6. explicar que os sintomas são uma
reação ponderadora para os even-
tos desequilibrados da vida;
7. reconstruir a história de vida, atri-
buindo novo sentido e significado a
antigas histórias em um novo texto.
Esses assuntos ocorrem em um processo
gradual intricado, no qual aspectos sutis são
entrelaçados e não podem totalmente ser se-
parados. Tipicamente, as narrativas de uma
jornada de vida contém uma série de crônicas
sobre os eventos emocionais próprios e inter-
pessoais.
A aplicação da rebiografia narrativa re-
quer diretrizes que o terapeuta respeita (White
e Epston, 1990). Para começar, a narrativa da
história de vida é uma história principal
construída a partir de histórias menores. Uma
narrativa conecta experiências através do tem-
po e do espaço, tendo começo e fim. Entre eles,
existe um protagonista que se relaciona com
vários outros antagonistas. Como ressaltado
anteriormente, a narrativa apresenta um con-
texto e um desenvolvimento (um tema, uma
linha, um enredo) que leva a um clímax, nor-
malmente o início dos sintomas. A princípio, o
paciente conta uma história incoerente e, mui-
tas vezes, incompreensível. O processo de
rebiografia é essencialmente uma reconstrução,
de modo que o paciente reavalia e interpreta
novamente as experiências do passado presen-
tes ainda hoje. Durante esse processo de revi-
são, a ênfase está na:
1. personificação genuína das expe-
riências únicas do paciente pelo te-
rapeuta;
2. busca de uma relação entre os even-
tos em um determinado período;
3. exploração de todas as possibilida-
des e perspectivas concebíveis;
4. preferência de um estado de espíri-
to condicionado (por exemplo, pos-
sivelmente, talvez, provavelmente,
etc.);
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80 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols.
5. descoberta de detalhes ausentes, si-
lenciosos ou não, declarados da nar-
rativa;
6. busca de significado, oferecendo
idéias para fazer sentido (por exem-
plo, a identificação);
7. liberdade de construir metáforas de
interpretações múltiplas e de signi-
ficados de múltiplos valores.
Como observado por Guidano (1995b),
a rebiografia narrativa lida com o relaciona-
mento de toda uma vida entre o �Eu�, que tem
a experiência imediata, e o �mim�, que explica
simbolicamente. A reestruturação de uma me-
mória é o resultado de uma mudança na ava-
liação feita pelo �mim� sobre o meu �Eu�. Como
boa parte do material apresentado refere-se ao
passado, o paciente pode persistir em explica-
ções para esse fim gastas pelo tempo. O tera-
peuta, então, cria oportunidades para o pacien-
te ao tomar uma posição exploratória, inquiri-
dora e elaborada. Ele quer entender a dificul-
dade que surge para abandonar um antigo sen-
tido familiar em troca de um novo significado
desconhecido (Neimeyer, 1993).
Construir envolve um aprendizado social,
e ambos têm a novidade como inerente. Isso
significa ver e ouvir alguém fazer ou dizer al-
guma coisa que antes não se podia penetrar. O
feedback interpessoal é o mecanismo mais im-
portante para implementar o aprendizado te-
rapêutico (Lyddon, 1993). O feedback que che-
ga é combinado com o rejeitado ou aceito e
comparado, devendo, portanto, ser construti-
vo e compreensivelmente correto para o pa-
ciente. De um ponto de vista multimodal, há
sete tipos de feedback resumidos no BASIC-ID,
que contribuem para o processo de aprendiza-
do durante a rebiografia narrativa:
B � o feedback comportamental ou de re-
presentação encoraja o paciente a alcançar a
eficácia pessoal;
A � o feedback afetivo ou retirado da ex-
periência capacita o paciente a apropriar-se de
sentimentos esquecidos há muito tempo;
S � o feedback sensorial ou empírico refe-
re-se à evidência baseada em fatos e em testes
objetivos;
I � o feedback de imagens ou simbólico
refere-se aos significados metafóricos fora da
estrutura de referência do paciente;
C � o feedback cognitivo ou conceitual
abrange interpretações ou avaliações lógicas
que o paciente não costumava ter;
I � o feedback interpessoal oferece ao pa-
ciente uma nova experiência que contradiz os
antigos padrões;
D � as drogas representam o feedback que
aponta as questões biológicas que lidam com a
saúde, a doença ou os fatores provocadores de
doenças.
SINTOMAS COMO METÁFORAS
Na verdade, não percebi que estava usan-
do a rebiografia narrativa até ler a bibliografia
disponível. Apliquei essa técnica inovadora em
um ambiente individual de uma prática parti-
cular e em um ambiente de grupo como chefe
de uma clínica de internos para terapia com-
portamental (do tipo multimodal) durante 25
anos. A rebiografia narrativa no segundo am-
biente será descrita em seguida. O motivo prin-
cipal ao aplicar a rebiografia narrativa é a re-
paração da história de vida emocional do pa-
ciente para tornar-se um todo coerente, o qual
é mais do que a soma de declarações pessoais
irracionais fragilmente conectadas. Começo
reunindo todas as informações relevantes de
forma verbal e escrita estruturada e desestru-
turada que se dá como um esforço cooperativo
em um ambiente individual. De fato, a
rebiografia narrativa já ocorre em várias ses-
sões durante essa fase preparatória antes da
sessão em grupo especial para a rebiografia
narrativa. Peço ao paciente para escrever so-
bre sua história de vida emocional. Quando está
pronto, faço uma entrevista/conversa de apro-
ximadamente duas horas com ele e gravo em
vídeo. Esse procedimento acontece em um gru-
po aberto com 18 pacientes e 6 colegas de tra-
balho (um psicólogo clínico, alunos de pós-gra-
duação e terapeutas de acompanhamento que
trabalham sob minha supervisão). Depois dis-
so, uma cópia do vídeo � o produto mais con-
creto do tratamento � é dada ao paciente para
assistir e avaliar em casa, por exemplo, com a
Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5780
Leonidas Valverde da Silva
Leonidas Valverde da Silva
Leonidas Valverde da Silva
Leonidas Valverde da Silva
Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 81
família. Também é utilizada como base para
futuros reparos terapêuticose para fins de
(re)construção e educação.
A estrutura da sessão em grupo consiste
em duas partes, cada uma com duração de 40
minutos. Entre essas partes, há uma sessão de
feedback de 10 minutos, durante a qual os par-
ticipantes do grupo podem falar, perguntar e
compartilhar tudo o que quiserem. Na primei-
ra parte, converso com o paciente sobre sua
patografia ao mesmo tempo em que uso metá-
foras para ligar os sintomas aos seus proble-
mas inter e intrapessoais. Na segunda parte,
discuto a autobiografia e investigo todas as
experiências emocionais significativas duran-
te a vida do paciente. A sessão termina com
um período de 30 minutos de feedback de com-
partilhamento, durante o qual cada participan-
te do grupo tem de dar algo em troca.
Começo a sessão perguntando ao pacien-
te sobre os sintomas, que são a única razão
para um paciente ser admitido na clínica. A
maioria dos pacientes sofre de transtornos de
ansiedade, principalmente transtornos obses-
sivo-compulsivos, pânico, fobias e depressões.
Então, procuro delinear um esboço dos sinto-
mas através de uma descrição formal guiada
pelos critérios do DSM-IV (isso leva em torno
de 20 minutos). Assim, um paciente pode so-
frer de uma transtorno obsessivo-compulsivo
relacionado a veneno. Uma visão geral meta-
fórica implica no desmascaramento de todos
os significados (inter)pessoais possíveis, como,
por exemplo, o �sentir-se venenoso� implican-
do raiva. Um agorafóbico e um claustrofóbico
que se sente capturado em todos os tipos de
situação pode sentir-se prisioneiro no barco de
Himeneu, implicando problemas conjugais.
Uma pessoa deprimida desistiu de lutar contra
os �golpes e espinhos da sorte ultrajante�. Tais
(re)interpretações são apresentadas cuidado-
samente para testar a receptividade para ou-
tros significados. O terapeuta nunca sabe mais
ou melhor que o paciente, o qual tem a liber-
dade de rejeitar ou aceitar um significado. Acei-
tar sempre significa dar sentido aos sintomas.
Em seguida, investigo os sintomas, exa-
minando primeiro as conseqüências que podem
obstruir o progresso terapêutico. Um sintoma
é uma função de fatores antecedentes e conse-
qüentes. Os segundos são as respostas emocio-
nais e comportamentais em um modelo S-O-R
cognitivo comportamental que prolonguei para
um modelo circular. Concentro-me principal-
mente nos chamados ganhos secundários e
primários. O ganho secundário inclui reações
recompensadoras pelos membros da família
que tentam ajudar, às vezes, ingenuamente. Por
exemplo, controlando-se ou lavando as mãos
compulsivamente pelo acompanhamento de
um agorafóbico no ônibus ou fazendo compras
para um paciente depressivo. O ganho primá-
rio ocasiona uma redução de reforço da ten-
são devido à fuga ou à evitação. Esses ganhos
levam, em última análise, a uma generaliza-
ção de condições de estímulos, ou seja, a um
aumento nos antecedentes que evocam medo
e depressão. Assim, um ciclo é estabelecido, o
qual segue uma volta circular causal. A causa-
lidade circular abriga características sistêmicas
na qual a causa é o efeito e o efeito é a causa.
Meus pacientes reconhecem e confirmam uma
metáfora de ser pego em ciclos viciosos na
maioria das vezes.1
Nos 20 minutos subseqüentes, observo de
perto o momento psicologicamente mais rele-
vante: o início dos sintomas, que pode ter ocor-
rido repentina ou gradualmente. No segundo
caso, o paciente não está completamente cons-
ciente quando o transtorno começa. Um pa-
ciente pode contar uma história de ser per-
feccionista antes de notar o transtorno obses-
sivo-compulsivo atual. Um paciente pode ter
inclinações ansiosas antes de tornar-se ago-
rafóbico. Outro paciente já se sentia triste an-
tes de desenvolver depressão. É importante
salientar que o terapeuta não procura fatos his-
tóricos, mas está interessado principalmente na
importância emocional ligada a alguma cro-
nologia. Se o início é repentino, um período
da vida pode ser apontado freqüentemente, no
qual os sintomas são desarticulados. Esse pode
ser o caso, por exemplo, quando o paciente é
estuprado, embora nunca tenha conhecido
ansiedades antes. Contudo, as posturas bem-
definidas são mais excepcionais do que a re-
gra. Um estupro pode ser incestuoso, precedi-
do por uma puberdade difícil em casa e um
longo episódio de intimidação na escola. His-
tórias aparentemente claras podem ficar con-
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82 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols.
fusas e tornar necessário perguntar o que, onde,
quando, quem e como. A busca por anteceden-
tes mais importantes utiliza a seguinte metá-
fora: os sintomas não caem do céu azul, eles
são mais como ervas daninhas que crescem no
solo fértil da miséria emocional, às vezes devi-
do à capacidade inadequada de resolver pro-
blemas emocionais. Portanto, uma cura sólida
deve, portanto, incluir a resolução de proble-
mas de todas as enfermidades emocionais sig-
nificativas. Sugiro que os principais problemas
emocionais precedem ou acompanham o sur-
gimento ou a exacerbação dos sintomas. As ex-
periências emocionais menores estão aptas a
serem a desarticulação do tipo gota d�água e,
posteriormente, podem tornar-se fatores man-
tenedores dos sintomas. Os fatores de perso-
nalidade também podem não deixar clara a
intensidade emocional de algumas dessas ex-
periências de modo a se tornarem ocultas.
Paciente e terapeuta podem chegar a um
cruzamento perigoso aqui. O paciente defron-
ta-se com a escolha por uma metáfora
orientadora para os sintomas em relação aos
eventos estressantes da vida. Apresentar os sin-
tomas pode ser estonteante, de modo que os
problemas emocionais subliminares permane-
cem ocultos na consciência. As reações defen-
sivas continuam sendo problemas não-resolvi-
dos ou insolúveis longe da consciência. Para
transpor tais defesas, o terapeuta � um com-
panheiro de viagem experiente � orienta o pa-
ciente fazendo uso de metáforas. Minhas me-
táforas favoritas são a torre de Pisa e o velho
ditado �Não jogue fora os sapatos velhos antes
de ter novos�. A torre de Pisa representa um
prédio estável, porém torto, que pode desmo-
ronar um dia. Ter sintomas é estar em um es-
tado de equilíbrio instável: em pé, mas por
quanto tempo? Restaurar é arriscado por mui-
tas razões. A torre de Pisa, então, não será mais
a torre de Pisa. Além disso, a restauração po-
deria destruir vergonhosamente o monumen-
to. Não é rotineiro que o paciente aceite um
novo significado, em especial quando encon-
trou um modus vivendi para conviver com seus
sintomas mais antigos. Trocar os sapatos ve-
lhos por novos que apertam dificilmente é uma
melhora. Portanto, o terapeuta estimula uma
troca de narrativa descobrindo de forma cria-
tiva melhores perspectivas junto com o pacien-
te, se ele muda o significado dos sintomas. Tal
troca acontece normalmente quando o paciente
pode entender sua patografia em um contexto
biográfico. Para promover essa troca, inclui-se
um período de 10 minutos de feedback. Todos
os participantes do grupo ajudam o paciente a
ver através de pontos cegos, discutindo, com-
partilhando, perguntando ou aconselhando.
Após esse período de feedback, continuo
a sessão estruturando os sintomas na autobio-
grafia do paciente, o que acarreta incorporar
os sintomas no contexto de problemas emoci-
onais significativos durante toda a vida. Essa
parte dura aproximadamente 40 minutos, du-
rante os quais abordo os problemas inter e
intrapessoais do paciente na ordem cronológi-
ca. Por exemplo, examino os relacionamentos
entre pais e filho e entre irmãos quando os sin-
tomas desenvolveram-se pouco depois de sair
de casa. Quando os sintomas apareceram du-
rante o casamento, reviso o comportamento do
cônjuge e a criação dos filhos. Procuro exami-
nar os vínculos significativos durante a vida do
paciente. Entretanto, via de regra, ele não se
socializa com mais de sete pessoas intensamen-
te em um certo período de tempo. Outra dire-
triz que sigo é que as emoções sempre aconte-
cem em uma relação, seja com outros (50%)
ou consigo mesmo (50%). Paraa maioria dos
meus pacientes, ter um relacionamento consi-
go mesmo é uma nova esfera de ação. Explico
essa metáfora dizendo que uma pessoa casa-
se, em primeiro lugar, consigo mesma. Quem
tomará conta de mim, como adulto, se eu não
tomar? Quem escovará meus dentes? Quem me
alimentará? Nós nos encontramos até mesmo
em nossos sonhos. A comunicação pessoal en-
tre o �eu� e o �mim� continua durante 24 ho-
ras por dia. Como uma conversa consigo mes-
mo inclui memórias, não existe nenhum tabu
para discutir os eventos passados, uma vez que
o paciente sente-se perturbado por esses even-
tos no presente.
Concluo a rebiografia narrativa com um
segundo período de feedback com duração de
30 minutos. A ênfase está no conselho � dado
por todos os participantes do grupo � o qual
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Leonidas Valverde da Silva
Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 83
pode tomar várias formas. Prefiro usar uma
história �sábia� ou uma piada que contenha
uma mensagem educacional como feedback de
fechamento (uma coletânea de tais histórias e
piadas pode ser encontrada em Kwee, 1996b;
Kwee e Ellis, 1998).
A DESCOBERTA DE SENTIDO
Há muito mais a dizer sobre como con-
duzo a rebiografia narrativa, mas é impossível
dizer tudo o que acontece durante essas ses-
sões. Mais de 200 vídeos estão disponíveis para
observar os detalhes de minuto a minuto. Uma
sessão de duas horas pode não parecer especi-
almente longa para cobrir a vida toda de um
indivíduo; porém, dependendo da habilidade
do terapeuta e da cooperação do paciente, a
técnica pode funcionar como uma panela de
pressão. Aqui, descreverei alguns outros assun-
tos relevantes da hermeneuin, a descoberta do
sentido ou do significado através da narrativi-
zação. Esse processo pressupõe uma visão di-
nâmica do significado que � por sua natureza
relativista � estará sempre em movimento.
Como terapeuta co-construtor, tento tra-
zer à tona as verdades retiradas da experiên-
cia do paciente através do chamado diálogo
socrático. Sócrates foi um filósofo grego que
viveu no século V a.C. Ele divulgou a filosofia
em que a sabedoria é, em essência, o �não sa-
ber�, diferente do não saber nada ou do ser
ignorante. �Não saber� é admitir que cada um
tem sua própria verdade, a qual somente pode
ser conhecida por aquele determinado indiví-
duo. Sócrates foi o primeiro médico da alma
que usou significados verbais como sua princi-
pal ferramenta. Ele estava muito além de seu
tempo ao proclamar que a verdade é um con-
ceito relativo dependente do contexto. Um di-
álogo socrático não se destina a justificar os
dogmas de alguém, e sim a construir valores,
o que é feito ou não é feito e a descobrir que
nosso único saber é o �não saber�. Verdades
absolutas não existem em um mundo cheio de
contradições relativas; assim, diferentes nar-
rativas sobre a verdade coexistem, dependen-
do do narrador (Overholser, 1993; 1995).
Os sintomas são como uma cortina de fu-
maça que esconde uma vida emocionalmente
desordenada. Através da rebiografia narrativa,
tento integrar a patografia fragmentada,
mantida fora da consciência, em um contexto
autobiográfico. Traçar linhas entre os eventos e
as emoções e os pedaços soltos das histórias é
como construir um mapa que se encaixa em
qualquer território em mutação. É impossível
desenhar o mapa final. Os mapas servem como
hipóteses a serem testadas. Por não ser o terri-
tório, apenas ter o mapa não equivale a cruzar
a distância. De onde vem o paciente? Onde ele
se encontra agora? Onde encontrar seu desti-
no? Embora a ênfase esteja na reconstrução da
história de vida, a rebiografia narrativa não é
somente uma narrativa pessoal, mas também
um plano de tratamento implícito. Dessa for-
ma, além da redução dos sintomas através da
prevenção da reação, da exposição in vivo ou
da programação de eventos agradáveis, outras
medidas adequadas são freqüentemente pres-
critas. A prescrição depende dos problemas emo-
cionais identificados no mapa ou no plano de
tratamento. Uma perspectiva evolutiva pode re-
velar uma abundância de problemas: adoção
indevida, homossexualidade latente, crise da
meia-idade, tristeza patológica, desarmonia con-
jugal, etc. A rebiografia narrativa é uma estru-
tura epistêmica que busca um contexto para dar
significado a partir dos sintomas, sem excluir a
aplicação de técnicas comprovadas e empiri-
camente eficazes. Os terapeutas construtivistas
não têm de ser cautelosos ao usar as técnicas,
pois elas não funcionam por si mesmas: é o
terapeuta quem faz algo com a técnica.
TUDO ISSO IMPORTA?
A rebiografia narrativa também encontra
seu uso em ambientes individuais de pacientes
não-hospitalizados. Essa aplicação requer vá-
rias sessões e é um tanto longa por natureza.
Pode-se considerar que o procedimento para
(re)construir uma história de vida ocorre atra-
vés de pedaços e pode, portanto, abarcar todo
um processo de terapia. A lição de casa é in-
tensiva e pode tomar muitas horas do pacien-
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Leonidas Valverde da Silva
84 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols.
te, por exemplo, para preencher o Questioná-
rio Multimodal da História de Vida e para es-
crever sua própria história de vida emocional.
Em um ambiente de grupo de pacientes inter-
nos como o nosso, a rebiografia narrativa acon-
tece em uma sessão elaborada que funciona
como um catalisador.
Em um grupo de pacientes internos, a
rebiografia narrativa acontece no final da déci-
ma segunda semana de um período máximo de
admissão de 36 semanas, constituindo-se na
estrutura para a terapia com pacientes internos.
É um plano de tratamento que torna o sucesso
da aplicação das técnicas possível e é, simulta-
neamente, uma técnica em si. O que forma a
essência da minha abordagem é a combinação
do processo dialético de dar significado criati-
vamente e do ecletismo técnico. Assim, embora
a rebiografia narrativa seja uma parte essenci-
al, o tratamento completo consiste em mais in-
tervenções. Lazarus (1989) descreveu 39 das
técnicas mais usadas, todas praticadas em nos-
sa clínica. Além dos grupos da rebiografia nar-
rativa para o automonitoramento, são feitos trei-
namento de relaxamento, treinamento de
assertividade e terapia racional emotiva. Esses
grupos abrangem 50% das atividades, ao passo
que os outros 50% consistem em sessões indivi-
duais diárias, mais a lição de casa. Durante es-
sas sessões, utiliza-se toda a gama de técnicas
multimodais, a maioria de natureza cognitivo-
comportamental. Todas as técnicas comprova-
damente eficazes na pesquisa empírica são uti-
lizadas, como a prevenção de resposta, a expo-
sição in vivo, a programação de atividades, bem
como as estratégias paradoxais, várias táticas
de imagens e a técnica da cadeira vazia. Entre-
tanto, a rebiografia narrativa foi mais profun-
damente elaborada em um ambiente individual
após a sessão plenária ser considerada o guia
para o tratamento completo. Qual é a eficácia
de todos esses esforços?
Uma pesquisa prospectiva de acompanha-
mento de minha abordagem multimodal de dar
significado é uma maneira de fornecer uma
resposta. Primeiro, conduzi um estudo de
acompanhamento preliminar de nove meses,
revelando que, de acordo com padrões rigoro-
sos, a maioria dos 84 pacientes obsessivo-com-
pulsivos crônicos e agorafóbicos teve um efei-
to saudável devido a essa abordagem. Subse-
qüentemente, um grupo de pesquisadores con-
duziu um segundo estudo de acompanhamen-
to de até 10 anos (1982-1992) depois da alta
hospitalar. Esse estudo foi mantido pelo minis-
tério da saúde holandês e realizado por pes-
quisadores independentes. Um relatório foi
publicado em Kwee e Kwee-Taams (1994) e é
resumido a seguir. Naqueles 10 anos, eu e meus
colegas (um psicólogo clínico, alunos de pós-
graduação e terapeutas de acompanhamento)
tratamos 153 pacientes. Essa amostra incluiu
97 mulheres e 56 homens com média de idade
de 34 anos (SD 9). A maioria deles pertence a
uma classe socioeconômica média baixa de tra-
balhadores com um nível médio de educação
e de renda.Os diagnósticos que se aplicam a
eles são: transtornos obsessivo-compulsivos
(40%), pânico com agorafobia (27%), outros
transtornos de ansiedade (16%), distimia
(10%), outros transtornos (7%). A média de
duração dos sintomas era de 10 anos (SD 7).
Conduzo as sessões da rebiografia narra-
tiva em grupos plenários. Cada paciente retor-
na duas vezes durante o período de admissão,
após 12 semanas e pouco antes de serem dis-
pensados. Para a maioria dos pacientes, esses
dois retornos formam o clímax de todo o pe-
ríodo de tratamento, cuja média de duração é
de 6 meses. Além disso, conduzo outras duas
sessões de grupos plenários semanalmente para
avaliar o progresso de cada paciente. Um gru-
po alude à auto-observação, isto é, ao auto-
monitoramento e ao auto-registro do fim de
semana (que todos eles sempre passam em
casa). Em outro grupo, discute-se a semana te-
rapêutica. Todos os pacientes têm sessões in-
dividuais semanalmente com um psicólogo clí-
nico, o qual conduz os grupos de terapia racio-
nal emotiva, os treinamentos de relaxamento
e a assertividade. Os estudantes graduados e
os terapeutas de acompanhamento, que ser-
vem de co-terapeutas, fazem sessões compor-
tamentais puras diariamente. Sendo responsá-
vel pelo início e pelo término das entrevistas,
senti a necessidade, desde o começo, de pro-
var nossos sucessos e nossos fracassos. É por
isso que a pesquisa de resultado e de acompa-
Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5784
Leonidas Valverde da Silva
Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 85
nhamento tornou-se uma parte intrínseca da
prática diária do departamento. O método no
estudo de acompanhamento de 10 anos utiliza
questionários para medir os vários alvos para
a terapia de mudança. São eles: o Inventário
Obsessivo-Compulsivo de Maudsley (Rachman
e Hodgson, 1980); o Questionário do Medo
(Marks e Matthews, 1979); o Inventário de
Ansiedade de Estado-Traço (Van der Ploeg,
Defares e Spielberger, 1980); o Inventário da
Depressão de Beck (Beck et al., 1961) e a Lis-
ta-90 de Verificação de Sintomas (Derogatis,
1990; Arrindell e Ettema, 1986).
Esses questionários são preenchidos na
admissão e na alta, além de no acompanha-
mento, até 10 anos após a alta. A média do
período de espera foi de 16 semanas e a média
do período de tratamento foi de 27 semanas.
O Índice de Mudança Confiável (uma versão
de computador melhorada daquela projetada
por Jacobson Truax) foi desenvolvido e aplica-
do por Hageman e Arrindell (1993). O efeito
geral foi que 75% apresentavam uma melhora
significativa quando receberam alta e 63% no
acompanhamento de 1 a 10 anos após a alta.
Respectivamente, 21% e 34% permaneceram
sem mudanças, enquanto 4% e 3% parecem
ter deteriorado. Em geral, o paciente que não
obteve sucesso é aquele que encontrou um
modus vivendi satisfatório com os sintomas ou
que teve recaída na antiga maneira de convi-
ver com os sintomas.
Considerando a gravidade e a intensida-
de do estado crônico dos sintomas, além do
fato de nossos pacientes não terem melhorado
durante o período de espera, apesar da média
de três tratamentos anteriores sem sucesso, tais
resultados sugerem que o tratamento multi-
modal do paciente interno, as várias técnicas,
as sessões individuais e em grupo, incluindo o
auge do tratamento � a rebiografia narrativa �
foi um empreendimento que valeu a pena.
NOTA
1. Para uma descrição completa desse modelo cir-
cular, consultar Kwee e Lazarus (1996).
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Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 89
Técnicas Selecionadas da
Prática da Terapia Construtivista
Simone da Silva Machado
�Ser terapeuta é um desafio em si e para si próprio.�
Michael Mahoney
Alguns aportes técnicos não apresentam
de forma específica a base ontológica e episte-
mológica à qual estão vinculados; algumas ve-
zes, nem mesmo seus praticantes têm clareza
da importância desses alicerces. Esse fato tor-
na tênue os fundamentos que estruturam uma
técnica, dificultando alterações que podem ser
feitas na mesma e criando pouco espaço para
profissionais gestores de novas idéias.
É importante salientar que, ao utilizar
uma determinada técnica, é fundamental que
o terapeuta esteja ciente de que ela faz parte
de uma rede de conhecimento que interliga
ontologia, epistemologia, aportes teóricos, con-
texto histórico-social da díade terapeuta e clien-
te (Mahoney, 1998; Brunner,1997; Schabbel,
1999; Machado, 1999b; Guidano,1991), além
de um processo comunicacional existente nes-
sa relação (Stemberger, 2000).
A técnica pela técnica não tem sentido,
pois, sem um entendimento epistemológico,
qualquer estratégia de intervenção enfraque-
ce. É como um corpo anêmico, sem vitalidade.
Por isso, no processo terapêutico, a técnica é
apenas um meio intervencional, importante
sim, mas não o principal alicerce do contexto
clínico. Segundo Castro (1978), estratégia ou
técnica é a ação metodológica de uma teoria.
Esta, por sua vez, não existe sem uma base
ontológica e epistemológica que a fundamen-
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O contexto das psicoterapias cognitivas
vem apresentando um trânsito de mudanças
extremamente interessante, no qual a ênfase
desloca-se da antiga disputa de paradigmas
técnicos para um processo maturacional pela
essência de cada aporte teórico, buscando, as-
sim, um entendimento mais consistente do pro-
cesso psicoterápico proposto por cada verten-
te clínica.
Os estudos atuais apresentam questiona-
mentos progressivos em relação à prática clí-
nica, enfatizando a importância de um maior
empenho no que tange à inter-relação entre
manejo técnico e vinculação teórica consisten-
te (Brunner, 1997; Feixas e Villegas, 1998;
Ferreira, 1998; Mahoney, 1998; Miró, 1997;
Baringoltz, 1998). Nesse cenário, pesquisado-
res e terapeutas cognitivistas concordam que,
em prol de uma maior consistência científica,
não podemos mais conceber uma prática clíni-
ca alicerçada somente em intervenções e es-
tratégias técnicas. A problemática não está na
intervenção ou na técnica em si, mas na utili-
zação da técnica por parte de alguns terapeutas
que desconhecem que ela está inserida em um
contexto histórico-social e fundamentada em
uma visão específica de ser humano.
66
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Leonidas Valverde da Silva
Leonidas Valverde da Silva
90 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols.
te. Portanto, existe aqui uma rede indissolúvel:
�ontologia & epistemologia & teoria & contex-
to histórico-social & contexto pessoal & técni-
cas�. Sendo assim, ao falarmos sobre técnicas
psicoterápicas, estamos necessariamente falan-
do da metodologia utilizada no processo tera-
pêutico de uma pessoa, que está vivendo um
determinado momento em sua vida e que
experencia nesse contexto a inter-relação com
a prática de uma teoria psicológica, juntamen-
te com as diversas singularidades existentes na
díade terapeuta-cliente, formando o que po-
deríamos chamar de rede de significados intera-
tivos e particulares.1 Essa parceria entre tera-
peuta e cliente poderá transitar por diversas
intervenções técnicas; porém, sempre estará
implícita nesse contexto a particularidade da
rede à qual estão vinculados.
Cabe aqui lembrar uma frase de Mahoney
(1998), que diz não ser contra a técnica, mas
sim contra a tecnocracia. A tecnocracia aprisi-
ona o setting terapêutico e não oportuniza uma
flexibilidade maior na díade terapeuta-clien-
te. Muitas vezes com a preocupação excessiva
de estar aplicando bem a técnica, o terapeuta
fica preso a comportamentos automatizados e
repetitivos, reduzindo significativamente suas
possibilidades interativas (Machado, 1999b).
Surge então uma pergunta: como pode-
mos utilizar os benefícios das técnicas, man-
tendo nossa capacidade de escolha, argumen-
tação e respeitando essa rede de significados
interativos e particulares? Talvez um possível
caminho seja o de ampliar o conhecimento do
terapeuta em relação à sua escolha teórica e
técnica. Um conhecimento consistente e deta-
lhado da teoria e do manejo técnico escolhido
seguramente auxiliará o clínico em sua forma-
ção profissional. Entretanto, é necessário que
essa formação seja aqui entendida como um
fenômeno mais amplo do que apenas a repro-
dução de uma ação. Formar uma ação é ter a
capacidade de realizar uma interlocução cria-
tiva e crítica com o conhecimento, e não ape-
nas reproduzi-lo. Nesse prisma, a ênfase recai
sobre a questão da escolha, pois compreender
como escolhemos é o primeiro passo para fa-
zermos escolhas consistentes. Metaforicamen-
te, poderíamos dizer que um viajante primeiro
decide se quer ou não viajar e só depois decide
para onde viajará.
De acordo com Guidano (1991), o obser-
vador não é imparcial em sua observação, pois
sempre existe um processo de auto-referência
na relação que se mantém com a realidade.
Sendo assim, no intuito de ampliar seu conhe-
cimento em relação à sua escolha teórica e téc-
nica, o terapeuta deverá estar ciente de que
em seu caminho os locais visitados deverão
disponibilizar a possibilidade de interagircom
os fundamentos de uma teoria psicológica, com
os aportes técnicos da mesma e com os inter-
câmbios necessários entre os profissionais da
área em questão. Simultaneamente a esse pro-
cesso, deverá estar atento aos aspectos tácitos
de suas escolhas e da própria escolha de ser
um terapeuta (Abreu, 2000; Fernandez-Alva-
rez, 1992; Lamberto, 1998; Machado, 1999b;
Mahoney e Neimeyer, 1997; Schabbel, 1999).
Corroborando esse posicionamento, pes-
quisas na área de psicoterapia demostraram
que a escolha por um determinado viés teóri-
co está diretamente vinculada a elementos tá-
citos da personalidade de cada terapeuta
(Mahoney, 1998; Schabbel, 1999; Baringoltz,
1998). Escolhemos um aporte teórico não por-
que nossa concepção de ser humano encaixa-
se nos fundamentos centrais de uma teoria, mas
sim porque os fundamentos dessa teoria vêm
ao encontro de nosso entendimento de ser hu-
mano, ou seja, de nossa ontologia. Portanto, o
centro dessa escolha é a própria pessoa; é o
conhecimento de quem somos que nos alicerça
para fazer essas escolhas.
Teóricos e terapeutas construtivistas enfa-
tizam a importância das questões epistemoló-
gicas e resgatam a compreensão da pessoa em
uma perspectiva pró-ativa de desenvolvimen-
to (Abreu, 2001; Fernandez-Alvarez et al.,
1997; Gonçalves, 1995; Mahoney e Niemeyer,
1997; Fernandez-Alvarez, 1992; Guidano,
1991). A idéia de pró-atividade está ligada a
processos experenciais, ou seja, a pessoa é en-
tendida como um organismo integrado e em
contínuo desenvolvimento. O terapeuta é uma
pessoa e, como tal, deve estar ciente de sua
escolha epistemológica e dos intercâmbios pro-
venientes desta em sua prática clínica; ocor-
Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5790
Leonidas Valverde da Silva
Leonidas Valverde da Silva
Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 91
rendo isso, a utilização de uma técnica estará
bem fundamentada.
Ao revisar a literatura referente às psico-
terapias construtivistas, encontramos atual-
mente autores que integram de forma consis-
tente esses intercâmbios, aliando criatividade
a claros aportes teóricos no empenho de ela-
borar meios narrativos para alcançar fins tera-
pêuticos. Com a colaboração desses autores
(Feixas e Villegas, 1998; Greenberg, 1996;
Guidano, 1993; Mahoney, 1998), estudos vêm
sendo ampliados no sentido de auxiliar tanto
o terapeuta quanto o cliente na observação
sistêmica e sistemática dos processo pessoais
do cotidiano. O método de corrente de cons-
ciência (Mahoney, 1998) é um exemplo desses
estudos, pois nele o cliente é convidado a par-
ticipar e a seu modo relatar os pensamentos,
as sensações corpóreas, as emoções, as ima-
gens, as lembranças de uma determinada si-
tuação ou do contexto de seu cotidiano. Nesse
processo, a intervenção do terapeuta é míni-
ma; ele participa apenas como um facilitador,
utilizando quando necessário intervenções es-
tilo feedback.
Na prática construtivista, terapeuta e
cliente entendem a linguagem como um pro-
cesso comunicanional que vai além do ato de
falar e é resgatado em toda e qualquer forma
de expressão, seja ela verbal, gestual ou tácita.
Esse entendimento está alicerçado em uma
ontologia existencialista e em uma visão epis-
temológica de um ser humano essencialmente
conhecedor. É na interação com seu meio feno-
menológico que a pessoa significa e ressignifica
constantemente seus valores e saberes. Segun-
do Kelly (1969), o ser humano é como um ci-
entista que cria hipóteses sobre seu cotidiano,
validando-as e invalidando-as durante toda a
sua vida.
No desenvolvimento humano, cada pes-
soa é narrador de sua própria história de vida,
a maneira como ela interpreta e interage com
as situações de seu cotidiano cria seqüências
significativas e constitui um sentido de si mes-
ma, enquanto protagonista de sua autobiogra-
fia. Baseados nesses conceitos, os terapeutas
construtivistas organizam sua prática clínica,
definindo como eixo central uma abordagem
direcionada ao processo de desenvolvimento e
conhecimento da cognição humana. A partir
de uma perspectiva mais ampla do aspecto
comunicacional, buscam favorecer uma
sintonia com as questões tácitas, algumas ve-
zes pouco articuladas no comportamento do
cliente.
Para Neimeyer (1998), diferentes linha-
gens ou tradições do construtivismo tendem a
enfatizar abordagens levemente diferentes com
relação à intervenção, sobretudo em nível téc-
nico concreto. Como terapeuta e pesquisadora
cognitivista, verifico que durante o setting
terapêutico cada díade terapeuta-cliente orga-
niza implícita (aspectos tácitos, rede de signi-
ficados interativos e particulares) e explicita-
mente (foco de tratamento, técnicas utilizadas,
tempo, etc.) sua forma de experienciar o pro-
cesso psicoterápico. Esse contexto complexo
está repleto de possibilidades de estudos e des-
cobertas e cabe a nós � professores / pesquisa-
dores, psicoterapeutas e estudiosos das inúme-
ras vertentes das psicoterapias cognitivas, bem
como, das ciências da cognição � continuar-
mos empenhando nossos esforços conjuntos
nessa trajetória de estudos.
Acredito que nossa constante reflexão
sobre esse cenário não nos levará a um pata-
mar de saber único, e sim a um processo flexí-
vel, interativo e permanente de conhecimen-
to, pois o saber não está e nem deve estar apri-
sionado em verdades absolutas. Saber é talvez
a possibilidade e a capacidade de termos inú-
meras possibilidades de continuar a perguntar.
O PROCESSO TERAPÊUTICO
EM PSICOTERAPIA
COGNITIVO-CONSTRUTIVISTA
Com o objetivo de tornar mais acessível o
processo clínico aos leitores, elaborei uma ex-
planação da prática em psicoterapias cons-
trutivistas fundamentada nos aportes teóricos
dessa abordagem terapêutica e em minha ex-
periência como terapeuta, professora univer-
sitária e supervisora clínica. Optei por realizar
uma explanação feita na primeira pessoa; essa
escolha não é apenas uma escolha gramatical,
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Leonidas Valverde da Silva
Leonidas Valverde da Silva
Leonidas Valverde da Silva
92 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols.
mas também uma escolha vinculada ao que an-
teriormente chamei de rede de significados
interativos e particulares. Concordo com Ma-
honey (1998) quando ele diz que, ao informa-
mos uma experiência terapêutica, não estamos
colocando-a como uma única possibilidade, ou
mesmo ditando regras exatas para a realiza-
ção da mesma; apenas estamos descrevendo
uma experiência significativa para nosso apren-
dizado enquanto pessoa e profissional.
Como pesquisadora, acredito que é a
interlocução dessa rede de significados intera-
tivos e particulares com o estilo próprio de cada
terapeuta que dará os tons e os subtons que
formarão o processo terapêutico. Sendo assim,
cada leitor fará uso das informações de acordo
com sua própria rede de significados interativos
e particulares, transitando pela teoria e pelas
técnicas a fim de poder acrescentar em sua
prática mais questões a serem abordadas.
Neste capítulo, apresentarei uma trajetó-
ria de psicoterapia individual com base na abor-
dagem construtivista, considerando os proces-
sos experienciais de mudanças da cliente, bem
como algumas das técnicas utilizadas nesse
caminho terapêutico.
Os medos de Nice
Nice2 buscou atendimento psicoterápico
por indicação de seu cardiologista. Após meti-
culoso exame clínico, ele diagnosticou que as
freqüentes crises de hipertensão e o mal-estar
relatado pela paciente poderiam estar relacio-
nados a um alto nível de ansiedade ou a contí-
nuos períodos de estresse, já que organicamen-
te ela não apresentava nenhuma patologia clí-
nica no sistema cardiovascular. Os exames clí-
nicos estavam normais para sua idade, na épo-
ca tinha 35 anos, porém Nice relatava sentir
vertigens, espasmos musculares, falta de ar, pal-
pitações constantes, dores de cabeça e muita
dificuldade de concentração. Com freqüência,
apresentava um aumento em sua pressão arte-
rial: 13/8 a 17/11. Em uma dessas crises, sua
pressão chegou a 19/14, sendo imediatamen-
te hospitalizada por dois dias,conforme pres-
crição médica.
Antes de indicar um atendimento psicote-
rápico para Nice, seu médico realizou, duran-
te seis meses, um acompanhamento clínico
quinzenal no intuito de verificar seu estilo de
vida, seus hábitos alimentares, suas rotinas
ocupacionais (trabalho, estudos) e suas esco-
lhas de lazer. Durante esse período, a história
clínica da família da cliente também foi
investigada e, segundo seu médico, não foi
encontrado nenhum outro familiar com qua-
dro de hipertensão ou mesmo problemas car-
díacos. Simultaneamente a esse acompanha-
mento, foram prescritos dois medicamentos
para o controle da hipertensão, além de ou-
tras orientações clínicas de rotina (dieta
nutricional controlada, exercícios físicos com
orientação de profissional de educação física,
etc.). Mesmo com todos os cuidados clínicos, o
quadro sintomatológico de Nice continuava os-
cilando, o que gerou questionamentos a ela e
ao seu médico. Este, acostumado a um traba-
lho interdisciplinar, sugeriu, então, um atendi-
mento psicoterápico.
Na primeira consulta psicoterápica, Nice
estava bastante ansiosa, demonstrava preocu-
pação em descrever com clareza sua história e
enfatizava as informações obtidas junto ao seu
médico. Nesses momentos, relatava sentir pal-
pitações, dificuldades de concentração e suor
nas mãos, enquanto seus gestos eram tensos e,
por várias vezes, inspirava profundamente a
fim de respirar melhor. Durante sua narrativa,
relatava medos constantes quanto ao seu dia-
a-dia; o tom de julgamento em relação à sua
exposição verbal era evidente e, com freqüên-
cia, comentava que, na maior parte do tempo
em que conversava com alguém, sempre fala-
va de forma confusa. Ela repetia �Eu falo de
forma confusa, sou difícil de me fazer enten-
der�. Com o objetivo de diminuir sua ansieda-
de e proporcionar fluidez no vínculo terapêu-
tico, comentei que até aquele momento eu es-
tava conseguindo acompanhar seu raciocínio,
percebia sua ansiedade, porém acreditava que
ela estava sendo bastante clara ao expor as si-
tuações de seu cotidiano. Comentei também
que, caso eu tivesse alguma dúvida, pergunta-
ria a ela, uma vez que em uma conversa é ne-
cessário o investimento de duas pessoas � e nós
estávamos fazendo isso.
Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5792
Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 93
Ao fazer esse comentário, optei por utili-
zar uma intervenção estilo feedback, que pro-
porciona um retorno clarificador ao conteúdo
trazido pelo cliente e, ao mesmo tempo, torna
mais consciente o conteúdo empático que tran-
sita no setting terapêutico. Essa intervenção
pode ser extremamente facilitadora em situa-
ções de ansiedade, já que em momentos de
tensão a capacidade de concentração e os pro-
cessos de cognição tornam-se mais frágeis, di-
ficultando a compreensão da pessoa sobre seu
contexto. Acredito ser de vital importância que
o terapeuta cognitivista tenha claro, ao fazer
uma intervenção, qual o objetivo desta e quais
os processos cognitivos que estão sendo mobi-
lizados. Deve estar sempre atento à integra-
lidade da linguagem do cliente, buscando com-
preender a narrativa como um todo significa-
tivo.
No decorrer do primeiro mês de consulta
com Nice, várias vezes utilizei esse estilo de
intervenção, e percebemos que o processo
dialógico tornava-se mais tranqüilo para ela
quando essas intervenções eram realizadas.
Algumas vezes, Nice utilizava-se desse feedback
para explanar como tinha entendido algum
comentário meu durante a consulta. Aos pou-
cos, o vínculo terapêutico fortaleceu-se, e op-
tamos por continuar a parceria interdisciplinar
com o médico cardiologista, pois percebíamos
que essa unidade poderia vir a auxiliá-la. Ao
final do primeiro mês, concluímos que Nice
apresentava índices alternados de ansiedade e
medos em geral, mas ainda não caracteriza-
vam nenhum transtorno psicológico de acor-
do com o DSM-IV. Conversamos sobre essa ava-
liação e optamos (terapeuta-cliente) por au-
mentar os exercícios de relaxamento muscular
progressivo e introduzir a técnica de relaxa-
mento progressivo sonoro (Machado, 1999c).
A opção por essas duas técnicas ocorreu como
resultado de uma consulta na qual a ênfase foi
diminuir a ansiedade, utilizando durante essa
consulta a estratégia de Resolução de Proble-
mas. Nice obteve bons resultados nesse proce-
dimento clínico.
No terceiro mês de atendimento, o esta-
do de ansiedade de Nice havia reduzido consi-
deravelmente. A cliente tinha consciência dos
pensamentos e das situações que a levavam a
sentir ansiedade e medo, embora apresentasse
durante a consulta as seguintes expressões: �Sei
que não me sinto ansiosa ultimamente, mas
parece que não posso me sentir assim�, �É en-
graçado pensar que eu sou corajosa (rindo um
tanto quanto nervosa)�, �Às vezes, fico com
uma sensação de será verdade isso�?�. Dian-
te dessas indagações, sugeri a ela que escolhes-
se uma música que representasse o que vinha
experienciando nesses momentos, gravasse em
uma fita cassete e a trouxesse para a próxima
sessão. A opção por esse procedimento ocor-
reu em função dos resultados positivos que a
cliente obteve com o relaxamento progressivo
sonoro e do seu crescente interesse por músi-
cas. Sabemos que uma intervenção não se apre-
senta sozinha, sendo contextualizada e interli-
gada às crenças e aos aspectos tácitos da díade
terapeuta-cliente; sendo assim, estes devem ser
os pilares nos quais se alicerçará a técnica.
Após ter esclarecido detalhadamente na
consulta os exercícios fortalecedores3, duran-
te aquela semana, Nice escolheu em casa uma
série de músicas. Na consulta seguinte, rela-
tou que cada vez que ouvia uma delas era como
se estivesse ouvindo parte de sua história de
vida. Durante alguns encontros, constatamos
que, tal qual a organização das músicas, a nar-
rativa de Nice apresentava-se como um ema-
ranhado de expressões, sentimentos e dúvidas.
As músicas selecionadas eram de diversos esti-
los e, a todo momento que Nice comentava uma
delas, eu percebia que era aberta uma rede
mnemônica ligada à sua história de vida: não
a uma etapa de vida em particular (a música
não estava relacionada a uma situação), mas
sim a um estado de questionamento sobre suas
escolhas, suas expectativas e seus medos.
Tomando por base a estrutura da teoria
do apego (Greenberg, 1996) e a modalidade
narrativa de intervenção (Gonçalves, 1998),
sugeri que Nice transcrevesse todas as músicas
para que posteriormente as lêssemos como se
fossem cartas. A idéia era dar forma a essa nar-
rativa, visualizar em que ponto começava,
como era experienciada e onde se encontrava
Nice naquele momento. Assim, ela teria uma
oportunidade de tentar recontar sua história
da maneira como a experienciou. Nice gostou
da idéia e, conforme o combinado, trouxe as
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Leonidas Valverde da Silva
Leonidas Valverde da Silva
94 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols.
músicas transcritas; junto com as cartas, trou-
xe também uma fita gravada com uma nova
seqüência musical, e na caixa estava escrito
�Agora eu é que canto�. Comentei que havia
achado bem sugestivo o nome e perguntei o
que ela queria dizer com aquilo. Falou-me que,
ao ouvir, transcrever e reler as músicas, foi or-
ganizando uma linha de vida � havíamos rea-
lizado uma atividade desse tipo em alguns en-
contros anteriores � e colocando as letras das
músicas como percepções que tinha ao recor-
dar determinados momentos. Nesse processo,
Nice foi resgatando sua memória dos eventos,
pois anteriormente sentia sua história, mas não
conseguia ligar os fatos às percepções experien-
ciadas. As �cartas� serviram como indicadores
nessa caminhada e, quando resolveu gravar a
fita na seqüência compreendida de acordo com
sua narrativa pessoal, o efeito final acabou sen-
do muito interessante.
A seqüência desarmoniosa e rígida que
aparecia na primeira fita foi substituída por
uma seqüência engajada, sonoramente bela e
dinâmica; as músicas enlaçaram-se, forman-
do um ritmo próprio, o qual ela chamou inici-
almente de �os barulhosde Nice� (muito bem
apropriado, diga-se de passagem, para a for-
ça que aquelas músicas representavam). Eram
músicas intensas, com melodias fortes, orga-
nizadas como uma grande orquestra de ins-
trumentos e vozes (sambas, rock, jazz, clássi-
cos de Wagner que se alternavam harmonio-
samente), representando toda a força de vida
de Nice. Após trabalharmos mais algumas ses-
sões nessa técnica, Nice renomeou sua fita,
colocando uma faixa desenhada por ela mes-
ma em cortiça com o seguinte dizer �Estilo
Nice�.
As técnicas de reconstrução de significa-
dos fundamentadas nos estudos de Mahoney e
Neimeyer (1997), Kelly (1969) e Gonçalves
(1998) foram utilizadas como indicadores no
processo terapêutico de Nice com o objetivo
de propiciar diferentes prismas de um cenário
por ela tão conhecido (estado de ansiedade/
medo) e, ao mesmo tempo, tão pouco compre-
endido.
No sexto mês de atendimento após con-
tato com o cardiologista, verificamos � a tera-
peuta, a cliente e o médico ou, como dizia Nice,
�o trio� � que ela não apresentava mais sinto-
mas de desconforto físico intenso, tinha a pres-
são arterial normalizada e mantinha um ritmo
de vida saudável para sua idade (fazia cami-
nhadas freqüentes, tinha uma alimentação sau-
dável, praticava aulas de dança). Sendo assim,
resolvemos concluir os atendimentos com o
cardiologista.
Nice continuava a utilizar os sons para
exercícios de relaxamento e já mantinha uma
rede de amigos e atividades que lhe dava mui-
ta satisfação. Quando em momentos de tensão
ou mesmo de tristeza, comum a todos os mor-
tais (grifo da cliente), costumava realizar os
exercícios ou ouvir sua fita. Superado o cons-
trangimento inicial das primeiras consultas, ela
telefonava para mim e conversávamos um pou-
co; às vezes, até marcava algum horário.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A história de Nice, no decorrer desses 10
meses de tratamento, foi marcada por momen-
tos importantes de serem relatados aqui. Inici-
almente, em função do quadro clínico que apre-
sentava, ela entrou em atendimento psicoterá-
pico em busca de uma causa, já que seu foco
era saber �Por que eu passo por isso?� (referin-
do-se à ansiedade e aos medos). No decorrer
do primeiro mês de atendimento, o objetivo
da terapia foi o entendimento e a redução des-
ses momentos de angústia, bem como a segu-
rança de que ela estaria acompanhada por pro-
fissionais que a percebiam como uma pessoa
única, integral, e que durante o tratamento
fariam uma parceria com ela. Essa abordagem
fundamentou-se nos aportes da teoria constru-
tivista, na flexibilidade que a mesma apresen-
ta de podermos transitar por intervenções e
técnicas de outras abordagens cognitivistas com
o objetivo maior de contemplar o self integral-
mente. Em função do quadro físico e emocio-
nal apresentado pela cliente, optei como eixo
central pela possibilidade de integração de duas
vertentes técnicas: a resolução de problemas
(terapia cognitiva) e o relaxamento progressi-
vo (terapia cognitivo-comportamental), aportes
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Leonidas Valverde da Silva
Leonidas Valverde da Silva
Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 95
técnicos que, a meu ver, são extremamente
facilitadores nas situações em que a ansiedade
está presente (Beck, Scott e Williams, 1994;
Datillo e Freeman, 1995). Paralelamente a es-
sas estratégias técnicas, durante os demais en-
contros o procedimento terapêutico foi estru-
turado nos aportes das teorias de reconstru-
ção narrativa, corrente de consciência e teoria
do apego, como já mencionado.
No decorrer de sua trajetória terapêuti-
ca, a história de Nice foi sendo desvelada aos
poucos e, em alguns momentos, de forma bas-
tante sofrida. Descendente de uma família de
imigrantes, ela fora criada com muitos dogmas
a serem seguidos, pois a família tinha concei-
tos bastante rígidos em relação à educação e
ao comportamento social. Quando criança,
Nice era considerada muito agitada, estava
sempre inventando brincadeiras, algumas de-
las bastante arriscadas na opinião de sua famí-
lia (subia em árvore, fazia malabarismos de
circo, contava histórias de fantasmas, dançava
e cantava muito, etc.).
Até os oito anos, tinha o apelido de Saci,
porque, segundo ela, era �Um agito só dentro
de casa, estava sempre rindo alto e inventan-
do novidades�. Durante o processo terapêuti-
co, Nice lembrou-se de ter apanhado algumas
vezes, porém relatou que isso não lhe preocu-
pava; o que realmente a deixava assustada era
quando seus pais a silenciavam, havendo si-
tuações nas quais ficaram semanas sem falar
com ela. Nesses períodos, experienciava mui-
tos medos e fazia promessas do tipo �Nunca
mais eu vou gritar�, �Vou parar de ficar saltan-
do de um lado para outro�. Os anos passaram
e realmente Nice não gritou mais � de uma
certa maneira aprendeu a �engolir� sua agita-
ção, sua alegria e sua descontração, começan-
do a explodir internamente. E foi assim que
ela chegou à terapia, fechada, com medos e
com freqüentes momentos de ansiedade e des-
conforto. Foi através do contato com vozes,
sons, ruídos e do conhecimento progressivo das
sensações de seu corpo que Nice recontou sua
história e pôde, finalmente, escolher entre pa-
rar de gritar internamente e começar a con-
versar em alto e bom tom consigo mesma e
com o mundo.
Na última consulta, Nice entregou-me
uma fita com várias músicas gravadas e disse
que havia feito uma para seu ex-cardiologista
e outra para ela também, cada uma com músi-
cas que diziam muito a seu respeito e como as
vivenciou em seu convívio conosco. Ouvimos
juntas a fita durante a consulta, e perguntei
qual nome ela daria a essa fita. Nice sorriu alto
e disse: �Estilo Nice em alta voz! Poderia ser
diferente?�. Com certeza, respondi, não pode-
ria ser outro nome.
Finalizando este capítulo, gostaria de en-
fatizar que toda a iniciativa de estudos, pes-
quisas e reflexões sobre o processo psicoterá-
pico seguramente fortalecerá o contexto cien-
tífico das psicoterapias cognitivas se estiver
alicerçada em quatro pilares: o conhecimento
epistemológico, a reflexão crítica, o intercâm-
bio de idéias e a flexibilidade de opiniões.
NOTAS
1. Considerando a necessidade de uma nomen-
clatura mais específica em relação aos aspec-
tos: ontologia / epistemologia / teoria / con-
texto histórico-social / díade terapeuta-clien-
te/ técnicas, está sendo introduzida pela pri-
meira vez no meio científico dos estudos em
psicoterapia a expressão rede interativa de sig-
nificados particulares. Cabe salientar que a te-
mática em si já é bastante discutida entre os
estudiosos das ciências humanas, bem como
entre pesquisadores e terapeutas construtivis-
tas (Mahoney, 1997; Fernandez-Alvarez et al.,
1997; Guidano, 1991), porém não havia até o
momento um vócabulo específico para a mes-
ma. Sendo assim, o objetivo da presente no-
menclatura é facilitar o intercâmbio entre
profissioanis da área em situações em que esse
tópico esteja sendo abordado.
2. Utilizou-se aqui um nome fictício a fim de pro-
teger a identidade da cliente, a qual autorizou
a descrição de sua história com o objetivo de
ampliar os estudos em psicoterapias cognitivas.
3. Nomenclatura utilizada pela autora para indi-
car os exercícios extraconsulta, também deno-
minados na terapia cognitiva de modelo Beck
de tarefas de casa.
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Leonidas Valverde da Silva
96 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols.
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PARTE III
A Terapia Cognitiva
dos Transtornos Psiquiátricos
Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5799
Fobia Social
Mariangela Gentil Savoia
se exige do homem um certo arrojamento, ao
passo que uma mulher tímida e recatada é mais
bem-aceita; talvez isso explique a maior pro-
cura de homens para tratamento.
Problemas com álcool são citados em al-
guns estudos que abordam a fobia social. Na
maioria deles, o início dos sintomas fóbicos
precedeu o início dos problemas com álcool
(Mullaney e Trippett, 1979; Schneier et al.,
1992; Amies et al., 1983; Lotufo-Neto e Gen-
til, 1994). É compreensível o abuso de álcool
nos fóbicos sociais pelo fato de causar desini-
bição.
FATORES PREDISPONENTES
A fobia social pode desenvolver-se como
conseqüência de uma ou mais experiências de
condicionamento traumático (Barlow, 1988;
Öst e Hugdahl, 1981; Hudson e Rapee, 2000).
A aprendizagem por modelação é uma das
possibilidades de aquisição de fobia social
(Caballo, 1995). Os pais de sujeitos com esse
tipo de transtorno costumavam evitar situações
sociais, o que os tornava modelo em situações
sociais futuras. A relação entre os temores dos
pais e dos filhos também pode ser resultante
de processos de informação, influências gené-
ticas ou experiências traumáticas semelhantes.
O encorajamento dos pais na sociabilidade dos
filhos gera oportunidades para a aquisição de
habilidades sociais.
Na abordagem cognitivo-comportamental,
a fobia social pode ser caracterizada como uma
resposta de ansiedade intensa a estímulos so-
ciais percebidos como aversivos. Os estímulos �
como, por exemplo, falar em público � eliciam
ansiedade social na maior parte das pessoas
afetadas. A ansiedade social decorrente desses
estímulos passa a ser patológica devido à ocor-
rência de comportamentos de fuga e esquiva,
que impedem a pessoa de desempenhar seus
papéis sociais satisfatoriamente. Isso pode ocor-
rer em uma grande variedade de situações de
contato interpessoal ou de desempenho, ou
mesmo ambas, acarretando sofrimento exces-
sivo ou interferindo de forma acentuada no dia-
a-dia da pessoa. O medo que ela tem, na ver-
dade, é de ser avaliada, de se comportar de
um modo humilhante ou embaraçoso, persis-
tindo sentimentos de incapacidade, desapro-
vação e rejeição por parte dos outros.
Os critérios diagnósticos do DSM-IV (APA,
1994) para a fobia social incluem os seguintes
exemplos: ser incapaz de falar ao se apresen-
tar em público, engasgar-se com o alimento ao
comer na frente dos outros, ser incapaz de uri-
nar em banheiro público, tremer as mãos ao
escrever em presença dos outros e dizer coisas
tolas ou não ser capaz de responder a questões
em situações sociais.
Na maioria das vezes, o início do quadro
ocorre na puberdade. Na população em geral,
a incidência maior é sobre as mulheres; na
população clínica, sobre os homens. Ainda hoje
77
Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:57101
102 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols.
As crianças propensas à timidez são aque-
las temperamentalmente medrosas e inibidas
em novas situações, cujos pais fortalecem es-
sas reações pelo modo como educam os filhos.
Esses pais são percebidos como não-disponí-
veis e não-responsáveis, o que gera sentimen-
tos de insegurança. Tais sentimentos generali-
zam-se para outros relacionamentos e podem
produzir crença complementar de baixa auto-
confiança e de incompetência (Falcone, 2000).
A socialização dos papéis sexuais também
pode estar associada à timidez. É mais apro-
priado para as garotas do que para os garotos
serem vistas como tímidas. Os pais são mais
propensos a advertir seus filhos do que suas
filhas por comportamento tímido e inibido(Bacon e Ashmore, 1985). Crianças e adoles-
centes tímidos parecem estar mais propensos
a experimentar relações negativas com seus
colegas, possivelmente porque a inibição e o
retraimento da criança tímida é percebido pelo
grupo de colegas como desviante do compor-
tamento social apropriado à idade, sendo res-
pondido com negligência, rejeição ou maus-
tratos (Hudson e Rapee, 2000).
A compreensão dos aspectos que contri-
buem para o desenvolvimento da fobia social
pode ser o primeiro passo para possíveis inter-
venções preventivas. Destacamos neste tópico
os aspectos que dizem respeito à história de
vida e, a seguir, faremos referência aos aspec-
tos de personalidade.
FATORES DE PERSONALIDADE
Uma questão freqüentemente abordada
é a que diz respeito a fatores de personalida-
de: existem traços de personalidade que pre-
dispõem à fobia social? Para responder a essa
pergunta, desenvolveu-se um estudo para ava-
liar os traços de temperamento e caráter de
pacientes fóbicos sociais por meio do Inventá-
rio de Temperamento e Caráter, desenvolvido
por Cloninger e colaboradores (1993)1 e vali-
dado para o português por Fuentes e colabo-
radores (2000). Verificou-se que esses pacien-
tes apresentaram diferenças significativas com-
parados com a população geral em todos os
itens. Os itens que ficaram acima da média fo-
ram esquiva ao dano (ED), dependência de gra-
tificação (DG), persistência (PE); os itens que
ficaram abaixo da média foram autodire-
cionamento (AD), busca de novidades (BN),
cooperatividade (C) e autotranscendência (AT).
Esses dados demonstram que as característi-
cas de personalidade do fóbico social estão
intrinsicamente relacionadas ao medo da ava-
liação negativa, uma das cognições mais im-
portantes desses pacientes. Resta saber se, ao
Tabela 7.1 Médias e desvio-padrão Cloninger
Item BN ED DG PE AD C AT
Média 19,2 12,6 15,5 5,6 30,7 32,3 19,2
Desvio-padrão 6,0 6,8 4,4 1,9 7,5 7,2 6,3
Tabela 7.2 Inventário de temperamento e caráter dos pacientes fóbicos sociais
Item BN ED DG PE AD C AT
Média 15,15 24,52 23,98 7,35 24,41 28,79 13,10
Desvio-padrão 4,47 5,27 9,19 2,47 9,38 6,44 5,90
Teste T 4,555 - 11,740 - 8,641 - 5,296 4,897 3,163 6,210
P= 0,000
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Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 103
mudar tal cognição, eles modificariam seu com-
portamento e, conseqüentemente, seus fatores
de personalidade (Savoia et al., 2000).
Outra questão relacionada à personalida-
de diz respeito aos transtornos de personali-
dade. Há sobreposição de critérios entre eles e
a fobia social, principalmente quanto ao trans-
torno evitativo e de dependência (Barros Neto,
1996; Savoia et al., 2000). A nosso ver, isso
demonstra que os critérios diagnósticos devem
ser utilizados como referência, e não como
descrições comportamentais. Ao propormos
uma intervenção, é imprescindível que reali-
zemos uma análise funcional cuidadosa, ten-
do em vista que a compreensão dos aspectos
que mantêm esses transtornos possibilita me-
lhores formas de intervenção terapêutica.
TERAPIA COMPORTAMENTAL COGNITIVA
A terapia focaliza a extinção da resposta
de ansiedade nas situações sociais, promovendo
a possibilidade de enfrentamento e a mudança
da avaliação cognitiva da situação social.
Diversas técnicas comportamentais e cog-
nitivas foram propostas e divulgadas como efi-
cazes para o tratamento da fobia social, entre
elas: a terapia baseada em exposição ao vivo,
a terapia de base cognitiva, o treinamento de
habilidades sociais e a terapia comportamen-
tal cognitiva em grupo. Das técnicas propos-
tas, a exposição ao vivo às situações temidas é
a técnica reconhecida como central e eficaz na
redução das reações de ansiedade fóbica
(Barlow, 1988).
Em nosso meio, Rangé (1984) sugere um
tratamento combinado de exposição ao vivo,
treino de habilidades sociais e reestruturação
cognitiva. O treino de habilidades sociais capa-
cita o indivíduo com repertórios comportamen-
tais adequados para lidar com as diversas situa-
ções sociais, o que auxilia na redução da ansie-
dade antecipatória. A reestruturação cognitiva,
por sua vez, envolve uma análise das interpre-
tações catastróficas, da crenças subjacentes e dos
experimentos de teste de realidade.
Stravynsky e colaboradores (1982) com-
pararam o treino de habilidades sociais com a
reestruturação cognitiva, porém não encontra-
ram evidências de contribuição positiva de rees-
truturação cognitiva. Butler e colaboradores
(1985) compararam a exposição ao vivo com a
exposição mais manejo de ansiedade. Ambos os
grupos mostraram diferenças significativas
quando comparados com um grupo-controle.
Em nosso meio, Emmelkamp e colaboradores
(1985) compararam exposição ao vivo, terapia
racional emotiva e treino auto-instrucional. O
grupo de terapia racional emotiva teve resulta-
dos melhores do que o grupo de treino auto-
instrucional; já os resultados do grupo de expo-
sição foram melhores do que os dos outros dois
grupos combinados. Heimberg e colaboradores
(1998) compararam os efeitos de uma interven-
ção cognitivo-comportamental com um grupo
placebo. O tratamento placebo consistia em
apresentações didáticas sobre vários aspectos de
ansiedade e discussões grupais sobre situações
difíceis. O grupo de terapia cognitivo-compor-
tamental mostrou resultados significativamen-
te superiores no pós-tratamento.
Um caso atendido por nós será utilizado
com exemplo das propostas terapêuticas apre-
sentadas no decorrer deste capítulo. M., sexo
masculino, 33 anos, analista de sistemas, rela-
tou como queixa ser tímido, reservado, prefe-
rindo trabalhar com máquinas a trabalhar com
pessoas. Apresentava sintomas de ansiedade
social como ficar vermelho, sentir palpitação,
e ficar branco na hora de falar com as pessoas.
M. é o filho mais velho de uma família de
quatro irmãos e tem problemas de relaciona-
mento com os pais. O pai abandonou a sua mãe
quando ele tinha 18 anos. Passou a se sentir
responsável pela família e resolveu assumi-la.
Cerca de dois anos depois, o pai retornou e M.
sentiu-se sem função na família e excluído.
Manifestações de carinho e apreço não eram
comuns em casa durante a sua infância e ado-
lescência.
O paciente apresentava um déficit de ha-
bilidades sociais e vivia assoberbado de traba-
lho por não ter coragem de dizer não ao chefe.
Apresentava dificuldades de manter um rela-
cionamento amoroso com as mulheres e a fre-
qüência média de seus relacionamentos sexuais
era de duas vezes ao mês; tinha pouco amigos,
saía com um grupo do trabalho para uma happy
hour uma vez por semana. Visitava os pais, que
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104 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols.
moravam na praia, no final de semana e dor-
mia o tempo todo.
Exposição ao vivo
Diversos estudos examinaram a eficácia
da exposição, em sua forma pura, no tratamen-
to da fobia social (Al-Kubaisy et al., 1992;
Alstrom et al., 1984; Turner et al., 1994; Wlaslo
et al., 1990). Esses estudos envolvem algumas
técnicas em comum: inicialmente, elabora-se
uma lista de situações eliciadoras de ansieda-
de fóbica em colaboração com o terapeuta e o
paciente e, em seguida, faz-se uma hierarqui-
zação dessa lista. O paciente faz uma confron-
tação progressiva, sistemática e prolongada das
situações temidas, trabalhando da situação que
elicia menor ansiedade para a mais ansiogê-
nica. Essa exposição deve provocar sintomas
de ansiedade e necessita do engajamento do
paciente. Espera-se que, ao longo do tratamen-
to, ocorra uma habituação e o paciente não
tenha respostas de ansiedade frente a esses
estímulos sociais e, conseqüentemente, as res-
postas de fuga e/ou esquiva a essas situações
também se extingam.
Como exemplo, podemos citar a hierar-
quia, o medo de falar com pessoas, desenvol-
vida com M.:
1. pedir informações (sobre a localiza-
ção de uma rua, sobre as horas, etc.);
2. pedir favores;
3. falar em reuniões de trabalho;
4. falar com pessoas estranhas em lu-
gares públicos (por exemplo, na fila
de um banco);
5. falarem reuniões sociais (com pou-
cas pessoas);
6. falar em público.
Uma das formas de avaliar se a exposição
está realmente interferindo no comportamento
do paciente é através da automonitoração. Ele
registra as situações em que se expôs e qual foi
o seu nível de ansiedade medido pelo Subjective
Disconfort Schedule (SUDS). No exemplo aci-
ma, com relação ao primeiro item (pedir favo-
res), tivemos o seguinte registro:
Hora /Local Descrição da situação Nível de ansiedade
Última consulta Perguntei à secretária como 2
estavam as nossas contas.
Hora do almoço no dia seguinte Perguntei ao garçom como era 4
determinado prato.
Dia 11 Perguntei ao agente de viagens se 2
as reservas estavam certas.
Dia 14 (14h no aeroporto de Natal) Perguntei ao motorista de ônibus se 0
ele ia para o meu hotel.
Dia 14 (16h no hotel) Perguntei ao recepcionista se 3
havia algum ponto turístico
nas proximidades.
Dia 14 (18h no hotel) Perguntei ao recepcionista se havia 2
uma locadora nas proximidades.
Dia 14 (23h30min no posto Perguntei ao frentista como poderia 1
de gasolina) chegar ao aeroporto.
Dia 14 (23h45min no Perguntei ao encarregado qual era 1
estacionamento do aeroporto) o horário de fechamento.
Dia 15 (1h30min no hotel) Perguntei ao recepcionista se havia 1
algum restaurante aberto.
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Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 105
Por meio do registro, podemos verificar
com o paciente o nível de ansiedade causado
por determinada situação: no exercício de ex-
posição, ela aumenta até um determinado ní-
vel, mantendo-se em um platô, e, após um cer-
to período de tempo, apresenta um declínio de
intensidade. Em geral, na próxima exposição, o
paciente iniciará em um nível inferior de ansie-
dade em relação à primeira, e assim sucessiva-
mente, como podemos observar na Figura 7.1.
A exposição é mais difícil de ser realizada
em pacientes com fobia social do que com ou-
tros transtornos ansiosos, tendo sido descrita na
literatura com mais de uma década de atraso
em relação ao emprego da exposição para
agorafobia ou transtorno obsessivo-compulsivo.
2. pedir ajuda a um irmão na decora-
ção do apartamento;
3. pedir ao chefe para marcar suas fé-
rias;
4. pedir uma revista emprestada à se-
cretária do consultório.
Desse modo, procura-se fazer com que o
paciente comece a se expor com as pessoas com
quem tem menor dificuldade e, gradualmen-
te, avance em direção às pessoas com quem
tem maior dificuldade. Quanto à duração res-
trita de algumas situações, o problema pode
ser compensado através de um aumento na fre-
qüência da exposição (por exemplo, fazer elo-
gios várias vezes ao dia) da exposição de for-
ma não-sistematizada, ou da realização (por
exemplo, falar, cumprimentar, elogiar, partici-
par de reuniões, etc.). Boa parte das dificulda-
des relativa à exposição é minimizada, confor-
me veremos adiante, quando o procedimento
é realizado em grupo. O simples fato de estar
em meio a outras pessoas já funciona como um
procedimento de exposição.
A exposição pode ser feita de forma as-
sistida. Por exemplo, M. apresentava dificul-
dades de ir almoçar com os colegas de traba-
lho, porque uma das colegas falava alto de-
mais e chamava a atenção de todos no restau-
rante, o que o fazia morrer de vergonha. En-
tão, a terapeuta saiu com ele em duas ocasiões
nas quais foi testada essa dificuldade. Foram a
um café, onde ele pediu um café com espuma
de leite e a terapeuta pediu um café puro. Ao
chegar o pedido, a terapeuta solicitou que fos-
se colocada espuma no dela também, falando
em tom mais alto do que o usual. Todos escu-
tavam a conversa dos dois, que versava sobre
amenidades veiculadas na TV. Na saída, durante
o caminho, a terapeuta conversou com o
faxineiro de uma instituição que jogava um
quadro no lixo. Pararam em um pub que esta-
va para ser inaugurado e conversaram com o
proprietário, que prontamente quis mostrar a
eles o local. Na outra saída, a terapeuta derru-
bou uma estante de revistas. Em nenhuma das
situações, eles foram punidos; ao contrário, no
último caso, o dono do café disse que ele tam-
bém era um pouco desastrado. O paciente pode
verificar que o seu medo era infundado, que
Figura 7.1 Curva de habituação.
A utilização da técnica de exposição em
fobia social é mais complexa, uma vez que esse
transtorno apresenta características que dificul-
tam a utilização do procedimento. A impre-
visibilidade de algumas situações sociais quan-
to à sua ocorrência (por exemplo, festas) e a
curta duração de outras (por exemplo, assinar
em público) dificultam a habituação (Butler,
1985), pois os pacientes muitas vezes não se
esquivam das situações. Sabe-se que a exposi-
ção eficaz deve ser feita com freqüência eleva-
da e por tempo prolongado. Em parte, o pro-
blema pode ser contornado com algumas adap-
tações, construindo-se uma hierarquia com um
tema comum. Foi solicitado a M., por exemplo,
pedir favores (independentemente da situação):
1. pedir uma explicação a um colega
de trabalho;
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106 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols.
acidentes acontecem, que solicitar a troca de
um pedido, mesmo que estivesse de acordo com
o solicitado, não era o fim do mundo. M. veri-
ficou também que a vergonha que sentiu era
menor do que a vergonha que, na verdade,
imaginava sentir, segundo ele em um nível pró-
ximo de 1. A partir de então, as tarefas dele
eram almoçar com uma amiga espalhafatosa,
o que, aliás, foi divertido. Foi solicitado a pro-
curar mesas mais centrais do que as escondi-
das no fundo do restaurante para ser foco de
atenção. Como podemos perceber, em alguns
casos o acompanhante terapêutico tem-se mos-
trado útil na exposição assistida.
Treino de habilidades sociais
A habilidade social foi definida por Caballo
(1993) como o conjunto de comportamentos
manifestados por uma pessoa em um contexto
interpessoal que expressa sentimentos, atitu-
des, desejos, opiniões ou direitos de um modo
adequado à situação, com respeito aos demais.
Geralmente, resolve os problemas imediatos da
situação, com probabilidade de minimizar pro-
blemas futuros.
O treino de habilidades sociais tem sido
indicado para tratamento da fobia social por-
que, em geral, os fóbicos sociais apresentam
déficits de habilidades sociais que dificultam
as situações de exposição. Um repertório de
habilidades sociais pode não só facilitar a ex-
posição, como também auxiliar na modifica-
ção das crenças disfuncionais devido à redu-
ção de ansiedade no contato interpessoal. Em
uma investigação (Savoia et al., 2000), obser-
vou-se que esse treino propiciou aos pacientes
um repertório adequado para a exposição e
aumentou a confiança deles para enfrentar as
situações sociais. Segundo Turner et al. (1995),
o treino de habilidades sociais consiste em um
modelo de contracondicionamento.
Malerbi e colaboradores (1999) utilizam
como instrumento de medida de habilidades
sociais a Escala Multidimensional de Expressão
Social (EMES-M), desenvolvida por Caballo
(1993). Os itens avaliados nessa escala são: fa-
lar em público, interagir com superiores, defen-
der direitos, expressar sentimentos, aceitar e
fazer elogios, tomar iniciativa em relação ao sexo
oposto, etc. A média inicial da EMES-M dos pa-
cientes estudados foi de 100,5. Após o treino de
habilidades, a média passou a 126,75.
Savoia e Barros Neto (2000) apresenta-
ram uma revisão sobre o treino de habilidades
sociais para fobia social. Os autores descrevem
as classes de resposta que definem habilidades
sociais: iniciar e manter uma conversação, fa-
lar em público, fazer e aceitar elogios, pedir
favores, expressar sentimentos, defender os
próprios direitos, fazer e receber críticas, recu-
sar pedidos, fazer acordos e expressar opini-
ões pessoais.
Os componentes da habilidade social in-
cluem a comunicação não-verbal e o compor-
tamento verbal. Os padrões comportamentais
resultantes desses componentes são o assertivo
(que se expressa), o não-assertivo (que evita
confrontações) e o agressivo (que explode).O procedimento de treino de habilidades
sociais geralmente se inicia por uma avaliação
minuciosa e detalhada da situação-problema,
de forma que possa ser feita uma análise fun-
cional. Nesse momento do processo terapêuti-
co, descreve-se não só o problema de inabili-
dade, mas também as situações em que ele se
apresenta e as conseqüências que tem para o
paciente. Um dos tópicos importantes a ser in-
vestigado na análise funcional é a identifica-
Figura 7.2 Escores de habilidade social.
Escores: 1 � Caballo: 140,57.
2 � Grupo fobia social (antes do treino de habilidades
sociais): 100,5.
3 � Grupo fobia social (após o treino de habilidades
sociais): 126,75.
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Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 107
ção dos pensamentos disfuncionais que podem
estar influenciando e desencadeando o com-
portamento socialmente inadequado do pacien-
te. Os fóbicos sociais têm algumas cognições que
os impedem de se engajar em comportamentos
sociais, por exemplo: preocupação exacerbada
de que os outros percebam a sua ansiedade,
preocupação com sua atividade autonômica,
temor da avaliação negativa, sensação de ser
inferior ou menos capaz que os demais, aten-
ção seletiva para aspectos negativos da situa-
ção, fantasias negativas que produzem ansie-
dade antecipada, conceitos rígidos sobre a con-
duta social apropriada, sensibilidade excessiva
à desaprovação e à crítica.
A partir da descrição do que o paciente
normalmente faz nas situações de inabilidade
social, deve-se avaliar os possíveis comporta-
mentos que ele possa ter na situação e também
considerar as limitações impostas pela realida-
de. Por exemplo, seria de pouco bom senso ser
assertivo em um assalto ou ao receber uma in-
cumbência desagradável de um superior. Após
o levantamento das possíveis conseqüências a
curto e longo prazo das diferentes possibilida-
des de ação, decide-se por um determinado com-
portamento e passa-se a treiná-lo.
Entre as estratégias para treino de habili-
dades sociais, está o ensaio comportamental,
que consiste na descrição da situação-proble-
ma e na representação do que o paciente nor-
malmente faz. Após a escolha da resposta ade-
quada, que é dramatizada, pode-se fazer a in-
versão de papéis entre terapeuta e paciente e a
representação exagerada de papéis, terminan-
do com o ensaio da resposta escolhida pelo
paciente. Quando realizada em grupo, essa téc-
nica é mais eficaz, porque os membros do gru-
po participam da dramatização, propiciando
várias interpretações da mesma situação e a
possibilidade de incluir diversos papéis que
uma situação complexa pode oferecer. Por
exemplo, quando alguém �fura� uma fila, tem-
se a oportunidade de fazer uma fila e treinar o
comportamento adequado para essa situação.
Da mesma forma, pode-se criar uma simula-
ção de festa no grupo com a representação de
várias situações ansiogênicas, como, por exem-
plo, conversar, comer e beber, o que não seria
possível em uma terapia individual.
Uma das situações freqüentemente ensai-
adas é a de iniciar e manter uma conversação.
Os pacientes são orientados no sentido de for-
necer informação gratuita e pessoal, em vez
de demonstrar um comportamento retraído
com respostas curtas, vagas, que podem ser
interpretadas pelo interlocutor como desinte-
resse pela conversa.
Os comportamentos treinados em sessão
deverão ser trabalhados também fora dela. Al-
gumas vezes, solicita-se ao paciente que faça
registros e observe o seu comportamento; em
outras, solicita-se que emita comportamentos
que não fazem parte do seu repertório, como
pedir uma informação em um balcão de
shopping, por exemplo.
No caso de M., o treino de habilidades
sociais envolveu fazer elogios, pedir informa-
ções e fazer valer os seus direitos. Com relação
ao comportamento amoroso, o treino incluiu
comportamento não-verbal, treino de paquera
e abordagem. Com relação aos pais, treino de
manifestar afetividade, programações de lazer
e também fazer valer os seus direitos. Um dos
aspectos da habilidade social que M. não sabia
expressar era afetividade; por isso, foi solicita-
do a dizer o que sentia e mesmo expressá-lo
fisicamente, como dar um abraço nos pais, nos
amigos, nas pessoas em geral.
Reestruturação cognitiva
As cognições que geralmente ocorrem
com os fóbicos sociais são: preocupação de que
os outros percebam a sua ansiedade; preocu-
pação com a atividade autonômica; temor da
avaliação negativa; diálogo interno de autover-
balizações negativas; atenção seletiva para os
sinais socialmente ameaçadores; sensação de
ser inferior ou menos capaz que os demais; ten-
dência a perceber críticas e desaprovações que
não estão realmente presentes; tendência a
rebaixar a eficácia do próprio comportamen-
to; padrões excessivamente elevados para o
próprio desempenho; atenção seletiva para os
aspectos negativos da atuação; dificuldade em
integrar partes da informação sobre a própria
atuação; percepção de falta de controle sobre
o próprio comportamento; memória seletiva da
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108 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols.
informação negativa sobre si mesmo e da pró-
pria atuação; fracasso em prestar atenção às
informações objetivas sobre a própria atuação;
fantasias negativas que produzem ansiedade
antecipada; conceitos rígidos sobre a conduta
social apropriada; sensibilidade excessiva à de-
saprovação e à crítica; superestimação da pro-
babilidade de ocorrência de eventos sociais de-
sagradáveis.
A proposta da reestruturação cognitiva é
identificar, dentre as cognições citadas, aque-
las que o paciente apresenta. Os pensamentos
disfuncionais ansiogênicos permitem ao tera-
peuta identificar as crenças centrais, procedi-
mento realizado por meio da automonitoração
e do questionamento socrático. Solicita-se ao
paciente que faça um registro das situações,
dos pensamentos e dos sentimentos para que
se possa identificá-los como crenças centrais
(perdedor, rejeitado, solitário, inferior, etc.) e
distorções cognitivas (personalização, tudo ou
nada, catastrofização, etc.). A partir dessa iden-
tificação, pode-se partir para os procedimen-
tos terapêuticos.
Trabalhou-se com M. a técnica de análise
da lógica inadequada para que algumas cogni-
ções viessem a ser modificadas. Por exemplo,
o cliente relatava não ser capaz de fazer uma
palestra em sua empresa, pois os diretores es-
tariam presentes e ele temia que o avaliassem
como incompetente. Levantou-se quais os ar-
gumentos lógicos para que tivesse esse pensa-
mento através de experiências passadas simi-
lares e pôde-se verificar que foi capaz de apre-
sentar seminários na faculdade e até mesmo
apresentar relatórios em reuniões da empresa,
situações nas quais teve um bom desempenho.
A partir desse trabalho, o paciente � que rela-
tava 90% de certeza de que não seria bem-su-
cedido � modificou essa medida para 50%, di-
minuindo em muito a sua ansiedade, o que lhe
possibilitou enfrentar a situação mais tranqüi-
lo e, portanto, obter reforçamentos por seu
desempenho. Aliado a esse procedimento, foi
elaborado um cartão de enfrentamento, no qual
as qualidades que apresentou nos seminários
e nas reuniões anteriores foram anotadas e
guardadas em sua carteira para que pudesse
lê-lo antes da reunião.
Em um outro momento do processo psico-
terápico, trabalhou-se com o chamado teste de
realidade. Muitas vezes, M. superestimava a
probabilidade de ocorrência de eventos sociais
desagradáveis, como em uma festa. Conseqüen-
temente, esquivava-se de todas para as quais
era convidado. Solicitou-se a que ele enfren-
tasse uma situação e observasse o que realmen-
te acontecia. Um amigo convidou-o para ir a
uma danceteria (iriam os dois, a namorada do
amigo e uma amiga que ela apresentaria M.).
Habitualmente, ele recusaria esse tipo de con-
vite, mas constituía-se como situação ideal do
que vínhamos trabalhando. Além disso, M. es-
tava freqüentando aulas de dança de salão, pois
imaginava que saber dançar era um requisito
importante para relacionar-se com o sexo opos-
to. Então,aceitou o convite; ficou ansioso, é
verdade, porém foi menos ansiogênico do que
imaginava.
Em alguns outros momentos, precisamos
modificar as idéias de ansiedade dos nossos pa-
cientes. M. acreditava que conversar tem por
objetivo uma razão de troca, deve ter conteú-
do, �não pode ser papo furado�. Com isso, não
aumentava o seu círculo de amizades e não
conhecia pessoas novas. Quando tinha de ini-
ciar ou manter uma conversação, sua ansieda-
de era exacerbada, pois tinha que falar assun-
tos consistentes e profundos. Verificou-se com
ele o quanto essas idéias eram irracionais e
chegou-se às seguintes constatações:
1. falar sobre amenidades com os ami-
gos é algo natural (como em uma
happy hour);
2. perder a chance de conhecer outras
pessoas é uma conseqüência dessa
idéia infundada;
3. coisas �não-práticas� também fazem
parte da vida;
4. aceitar o fato de que jogar conversa
fora traz descontração.
Outros pensamentos automáticos que ele
apresentava eram: �Eu não posso fazer nada
errado; se o fizer, será uma catástrofe�, �Todos
estão me observando e me julgando�. Segun-
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Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 109
do M., a sensação que tinha era: �O mundo é
um tribunal�.
Terapia em grupo
A principal vantagem da terapia em gru-
po em relação à terapia individual para o fóbico
social é que o grupo funciona como uma situa-
ção social vivida pelo paciente e observada pelo
terapeuta. A terapia em grupo facilita o traba-
lho de exposição, já que as tarefas podem ser
ensaiadas no grupo, com os membros desem-
penhando um papel ou servindo de audiência.
As situações temidas e evitadas são recriadas
no grupo de forma a sedimentar as cognições
recém-adquiridas na própria sessão, além de
submeter o indivíduo a exercícios de exposi-
ção a situações sociais temidas. O grupo é apon-
tado como o melhor método de integrar as par-
celas cognitiva e comportamental nesse tipo
de terapia (Heimberg et al., 1998).
De acordo com a revisão de Falcone
(1995), entre as vantagens do tratamento da
fobia social em grupo foram descritas: maior
variedade de ensaio comportamental com um
número maior de pessoas; generalização mais
rápida dos ganhos terapêuticos; maior quanti-
dade de feedback efetivo dos desempenhos (re-
forço social); maior experiência com um nú-
mero maior de situações-problema e mais su-
porte para solucioná-las; maior disponibilida-
de de modelos múltiplos; intensificação da
aprendizagem de discriminação e maior gene-
ralização de novos comportamentos de enfren-
tamento para uma faixa mais ampla de situa-
ções.
Além das vantagens do grupo como re-
curso terapêutico, Heimberg (1993) aponta que
o grupo também é uma boa maneira de o
terapeuta monitorar se o paciente está assimi-
lando o tratamento adequadamente. Assim, é
muito mais difícil para o terapeuta perceber se
o paciente em terapia individual aprendeu ade-
quadamente a aplicar suas tarefas cognitivas
em situações de vida real, já que o terapeuta
não poderá acompanhar a prática comporta-
mental. No grupo, essa possibilidade é concre-
tizada: o terapeuta pode colocar-se no papel
de espectador, enquanto os pacientes ensaiam
as situações sociais ansiogênicas e põem em
prática os novos comportamentos sociais apren-
didos. Na literatura, há descrições de recursos
terapêuticos no manejo da fobia social que só
são possíveis nas terapias em grupo. Albano e
colaboradores (1995) citam um exemplo em
que os terapeutas estabeleciam pausas ao lon-
go da sessão. Durante essas pausas, aspectos
do tratamento eram revistos informalmente,
através de exercícios de �miniexposição� que
tinham como alvo déficits sociais específicos
de cada membro do grupo; esses exercícios
eram compartilhados com o grupo inteiro.
Assim, na presença do terapeuta, o paci-
ente pode, durante o ensaio, refutar cognições
problemáticas, perceber a relevância dessas
cognições em relação à ansiedade e à esquiva
(já que elas virão à tona no momento do en-
saio, em uma situação �controlada�, mas que
serve de treino para a vida real) e enfatizar o
impacto da mudança dessas cognições ou até
mesmo a sua extinção para possibilitar respos-
tas comportamentais mais adaptativas.
O fato de o grupo ser uma forma de ex-
posição contínua a uma situação social (o pró-
prio grupo), de facilitar a execução de situa-
ções práticas propostas e de possibilitar ao te-
rapeuta a supervisão em �tempo real� é enfa-
tizado por Dyck (1996). Segundo esse autor,
tais situações presenciadas pelo terapeuta têm
valor maior do que aquelas desempenhadas
pelo paciente fora das sessões e apenas relata-
das ao terapeuta, no caso da terapia individual.
Enfim, essa modalidade apresenta uma rela-
ção custo-benefício maior que a modalidade
individual.
Além disso, sempre há a possibilidade de
se criar situações através do ensaio comporta-
mental (por exemplo, fazer um discurso para
o grupo ou realizar uma festa). Quando esse
ensaio é feito em grupo, é facilitado pela pos-
sibilidade de serem representados vários pa-
péis em uma mesma situação, tornando-a mais
próximo do real.
Embora esse formato de terapia seja o
mais indicado, dificilmente, no consultório,
temos a oportunidade de formar grupos de
fóbicos sociais, o que é mais fácil em institui-
Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:57109
110 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols.
ções pelo número de pessoas que nos procu-
ram. A partir de todas essas considerações, po-
demos concluir que as técnicas podem ser apli-
cadas isoladamente ou em conjunto, dependen-
do da análise detalhada das dificuldades apre-
sentadas por cada paciente; portanto, é impres-
cindível que a análise funcional preceda qual-
quer intervenção. A automonitoria e as tarefas
de casa também são importantes nesse mode-
lo terapêutico, o que implica o engajamento
do paciente em seu tratamento.
NOTA
1. O autor apresenta um modelo psicobiológico
de temperamento e caráter ao descrever sete
dimensões de personalidade independentes
umas das outras: quatro dimensões de tempe-
ramento que envolvem respostas automáticas
a estímulos perceptivos (busca de novidades,
esquiva ao dano, dependência de gratificação
e persistência) e três dimensões de caráter ba-
seadas em conceitos, experiências conscientes
representadas sob a forma de palavras, ima-
gens e relações funcionais (autodireciona-
mento, cooperatividade e autotranscendência).
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Transtornos Alimentares
Daniel Boleira Sieiro Guimarães
etc.), motivados por uma preocupação exces-
siva com a imagem corporal (APA, 1994).
Sua evolução é crônica e muitas vezes
incapacitante, atingindo uma parcela restrita,
porém importante, da população: adolescen-
tes e mulheres jovens em idade produtiva, sen-
do o transtorno alimentar mais comum. Os
prejuízos a curto, médio e longo prazo do pon-
to de vista físico, nutricional e psicosocial cau-
sados por esse transtorno têm sido amplamen-
te documentados pela literatura desde a des-
crição original de Russell (1979).
Entre as alternativas mais eficazes de tra-
tamento, destacam-se as psicoterapias. As lite-
raturas norte-americana e européia têm avalia-
do principalmente programas de terapia cog-
nitivo-comportamental (TCC), bastante viáveis
em termos de realização e eficácia (Guimarães
et al., 1998). As abordagens cognitivo-compor-
tamentais para bulimia nervosa são explicadas
às pacientes explicitamente, assim como a ra-
zão para os procedimentos do tratamento; o
objetivo não é apenas mudar comportamentos
alimentares da paciente, mas também modifi-
car suas atitudes diante da imagem corporal e,
quando relevante, muitas outras distorções
cognitivas fundamentais.
O modelo de tratamento baseia-se na teo-
ria desenvolvida por Beck e colaboradores
(1982) para tratamento da depressão, adapta-
da para o tratamento dos transtornos alimen-
tares por autores como Fairburn (1985), com
as seguintes características: uso de técnicas
88
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Os distúrbios alimentares, tais como des-
critos na CID-10 (OMS, 1993), compreendem
a bulimia nervosa, a anorexia nervosa e os
transtornos alimentares �atípicos�, isto é, que
não estão incluídos nas duas categorias acima.
Os manuais tradicionais sobre esse tema sem-
pre enfocam uma descrição clínica, argumen-
tos teóricos a respeito do modelo cognitivo,
dados sobre sua eficácia no tratamento de qua-
dros de bulimia nervosa e discussão sobre um
programa específico que determinado autor
utiliza em seu trabalho.
Neste capítulo, mantendo um espírito clí-
nico, procurarei abordar os tópicos acima, co-
mentando não só a compreensão e os métodos
de tratamento, mas também os limites e as di-
ficuldades práticas envolvidas.
A BULIMIA NERVOSA E O MODELO
COGNITIVO-COMPORTAMENTAL
A bulimia nervosa é um transtorno psi-
quiátrico caracterizado pelo rápido consumo
de grande quantidade de alimentos em um pe-
ríodo limitado de tempo de forma descontro-
lada (binge-eating), associado a comportamen-
tos direcionados ao controle de peso e com-
pensatórios aos episódios (como vômitos auto-
induzidos, abuso de laxativos, diuréticos e mo-
deradores de apetite, exercícios excessivos,
Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:57113
114 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols.
como reestruturação cognitiva, automonito-
ração de pensamentos relevantes e de compor-
tamento; psicoeducação; uso de medidas de
autocontrole para estabelecer um padrão re-
gular de alimentação; educação alimentar;
medidas para eliminar dietas; uso de técnicas
de prevenção de recaídas; treinamento em re-
solução de problemas e exposição com preven-
ção de resposta. Além disso, é um processo ati-
vo, com responsabilidades compartilhadas com
o paciente para a mudança desejada, em que o
terapeuta provê informação, auxílio, suporte e
encorajamento.
Três estágios são definidos nos programas
ambulatoriais: no primeiro, a visão cognitiva
da bulimia nervosa é sublinhada, e técnicas
comportamentais são usadas para o paciente
recuperar o controle sobre a alimentação. No
segundo, enfatiza-se o exame e a modificação
de pensamentos e atitudes problemáticos. No
terceiro, os procedimentos comportamentais
são usados para evitar qualquer tendência para
dietas e modificar preocupações com a ima-
gem corporal. Finalmente, o foco é a manu-
tenção da mudança.
Existem características psicopatológicas
fundamentais que devem ser levadas em con-
sideração para o tratamento da bulimia nervo-
sa. A principal delas é a presença de idéias
sobrevalorizadas concernentes à forma e ao
peso corporal. Segundo o modelo cognitivo-
comportamental, essas idéias são cognições
distorcidas, presentes de maneira estereotipa-
da e automática, que provocam comportamen-
tos alimentares igualmente distorcidos, como
a adoção de regras dietéticas rígidas e inflexí-
veis, baseadas na realização de jejuns, vômitosautoprovocados, abuso de laxantes, diuréticos
e moderadores de apetite. Ao ocorrerem trans-
gressões desses hábitos alimentares, como
acontece durante os binges, com a ingestão exa-
gerada e rápida de alimentos altamente
calóricos, as pacientes agem como se tivesse
ocorrido um abandono completo do controle
alimentar, o que aumenta os sentimentos de
impotência e sofrimento.
Fatores fisiológicos também facilitam a
ocorrência de binges, principalmente os jejuns
prolongados feitos pelas pacientes e as perdas
de eletrólitos, água e nutrientes causadas pe-
los comportamentos purgativos. Por isso, um
dos objetivos do tratamento é a mudança dos
hábitos alimentares, a fim de reverter os pre-
juízos nutricionais e físicos causados às pacien-
tes. Um outro ponto fundamental é a modifi-
cação das idéias sobre imagem corporal, as
quais determinam a perpetuação desses com-
portamentos, o que se consegue apenas pela
modificação e pela correção das distorções cog-
nitivas de tais pacientes (ver Quadro 8.1). Ou-
tros sintomas, como humor depressivo e ansi-
edade, ocorrem de forma secundária ou asso-
ciada ao quadro clínico, acarretando a presen-
ça de baixa auto-estima, isolamento social, al-
teração da concentração, intensas dificuldades
de relacionamento familiar e interpessoal.
Esses fatores ambientais tornam-se os
principais gatilhos ambientais para que a pa-
ciente apresente binges. Eles despertam senti-
mentos de culpa, vergonha e insatisfação nas
pacientes que se vêem ainda mais ameaçadas
pela possibilidade de ganhar peso, adotando
os comportamentos purgativos, como modo de
compensar os excessos e controlar seu peso.
Porém, tal atitude somente agrava o quadro
clínico e os sentimentos de fracasso e baixa
auto-estima, levando a um novo ciclo de die-
tas, binges e técnicas de purgação (Fairburn et
al., 1989; Cordás et al., 1998a).
A Figura 8.1 apresenta, esquematicamen-
te, o modelo cíclico de manutenção dos sinto-
mas de bulimia nervosa, que é a base das con-
dutas e técnicas aplicadas. É importante res-
saltar que esse modelo foi proposto em um dos
primeiros manuais de tratamento cognitivo-
comportamental para transtornos alimentares
(Garner e Garfinkel, 1985), como explicação
da manutenção do quadro clínico dos sinto-
mas da bulimia nervosa, e não como modelo
etiológico. Os estudos clínicos atuais, alicerça-
dos em pesquisas retrospectivas a respeito da
etiologia e da evolução do quadro clínico, apon-
tam a prática de dietas como sintoma inicial
do transtorno, embora não esteja estabelecido
se por fatores socioculturais, como o �culto à
magreza�, por fatores psicodinâmicos e famili-
Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:57114
Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 115
ares, ou até mesmo por fatores genético-bioló-
gicos. Os principais autores na área defendem
uma etiologia multifatorial decorrente de ques-
tões socioculturais, pessoais e biológicas como
predisponentes ao surgimento do transtorno
(Cordás et al., 1998b).
Em geral, todos os programas que utili-
zam a TCC incluem um diário de automoni-
torização do comportamento, o qual serve
como parâmetro para a freqüência dos com-
portamentos alterados e como índice de evo-
lução. A automonitorização apresenta a van-
tagem de ser um procedimento terapêutico em
si mesmo (Agras et al., 1989), o que pode ser
considerado uma desvantagem em termos de
�pureza� metodológica, na medida em que o
grupo placebo utiliza um procedimento consi-
derado ativo. Um modelo de diário alimentar
e instruções para sua utilização são apresenta-
dos no Quadro 8.1:
Figura 8.1 Modelo cognitivo de manutenção de sintomas de bulimia nervosa (adaptada de Fairburn (1985).
Quadro 8.1 Instruções para monitoração utilizando diário alimentar
� O propósito da monitoração é permitir um quadro detalhado de seus hábitos alimentares, sendo fundamental
ao tratamento. Em um primeiro momento, escrever tudo o que você comeu pode ser inconveniente e irritante,
mas logo se tornará automático e de grande valor.
� Um exemplo de folha do diário alimentar é mostrada a seguir. Uma página separada para cada dia deve ser
usada, indicando dia da semana e data de início. Uma outra coluna deve indicar todas as comidas e líquidos
consumidos durante o dia, devendo ser anotado tão logo seja feita a refeição. Recordar o que você comeu
algumas horas antes não é suficiente; por isso, você deve carregar sempre o seu diário de monitoração.
Calorias não devem ser anotadas, e sim uma simples descrição do que você comeu. As refeições devem ser
assinaladas, sendo uma refeição todo �episódio isolado de alimentação que foi controlada, organizada e
comida de forma adequada�.
� Na primeira coluna, você pode especificar o local em que se alimentou e, se for em casa, em qual aposento.
Deve apontar com asteriscos ou com um �sim� na coluna �B� (bulimia) se achou que a refeição foi excessiva,
anotando tudo de que se alimentou durante binges. Anotar em outra coluna se houve episódios de vômitos, se
estava com fome, se fez uso de laxantes, diuréticos ou anorexígenos. Também devem ser anotados pensamen-
tos e sentimentos que você julga terem influenciado sua alimentação. Anote seu peso toda vez que for se
pesar. Em todas as entrevistas, haverá uma cuidadosa revisão do seu diário. Não se esqueça de levá-lo à
consulta.
Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:57115
116 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols.
Assim, a existência de diversos fatores que
provocam dificuldades ao longo do tratamen-
to psicoterápico para pacientes bulímicas tor-
na extremamente complexa a avaliação da efi-
ciência clínica do tratamento. Parece ser razo-
ável supor que o próprio terapeuta, se for ca-
paz de identificar as dificuldades descritas e
de lidar com elas, dentro das limitações do tra-
tamento de que ele dispõe, será capaz de defi-
nir qual é a efetividade do tratamento realiza-
do para determinada paciente, no qual diver-
sos fatores individuais provocarão diferentes
reações no início, ao longo e no final do trata-
mento. Wilson (1996), analisando o fato de que
muitos programas de TCC são baseados em um
manual padronizado, que determina técnicas
empregadas, tempo e temas das sessões para
todos os pacientes, e de que outros tratamen-
tos são aplicados de uma maneira altamente
individualizada, não verificou nenhum fator
que pudesse predizer qual paciente adapta-se
melhor a cada um desses estilos de tratamen-
to. Por isso, defende o estabelecimento
empírico de correlações entre tratamentos e
perfis operacionalmente definidos das relações
problemas/paciente a fim de que o melhor tra-
tamento disponível para o paciente seja utili-
zado, dentre as várias formas de aplicação da
TCC.
Desde 1992, o Ambulatório de Bulimia e
Transtornos Alimentares (AMBULIM) do Insti-
tuto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo oferece tratamento multiprofissional e
gratuito, tanto em nível ambulatorial quanto
hospitalar, devido à crescente demanda de pa-
Exemplo de diário alimentar:
Data e horário O que comeu? Fome B V ou Lx O que pensou O que pensou
da refeição (quantidade e tipo (0-10) (S/N) (S?N) e sentiu antes e sentiu depois
de alimento) do episódio? do episódio?
Quadro 8.2 Exemplos de distorções cognitivas na bulimia nervosa
� Abstração seletiva: basear uma conclusão em detalhes isolados, ignorando evidências importantes e contradi-
tórias. Por exemplo: �O único jeito da minha vida estar sob controle é comendo�, �Sou especial se sou magra�.
� Generalização: extrair uma regra com base em um evento e aplicar a situações diferentes. Por exemplo:
�Quando eu comia carboidratos, eu era gorda; então, devo evitá-los para não ficar obesa�.
� Magnificação: superestimação do significado de eventos indesejáveis, motivo pelo qual os estímulos obtém
significados que não são reforçados pela análise objetiva. Por exemplo: �Ganhei quatro quilos, então não
posso mais usar shorts�, �Não vou agüentar se alguém comentar que engordei�.
� Raciocínio dicotômico ou do tipo �tudo ou nada�: pensar emtermos absolutos ou extremos, sem gradações,
apenas certo ou errado. Por exemplo: �Se eu não tiver controle completo, perderei todo o controle�, �Se eu
não dominar essa área da minha vida, perderei tudo�.
� Personalização e auto-referência: interpretações egocêntricas de eventos impessoais ou superestimação de
eventos relacionados a si própria. Por exemplo: �Duas pessoas riam e conversavam, provavelmente me achan-
do pouco atraente; também ganhei dois quilos...�, �Eu me embaraço quando me vêem comendo�.
� Pensamento mágico: acreditar em relação causa-efeito de eventos não-contingentes. Por exemplo: �Se eu
comer doce, ele vai virar gordura no meu estômago�.
Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:57116
Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 117
cientes com transtornos alimentares em nosso
meio (Cordás et al., 1993). O AMBULIM co-
meçou a utilizar um modelo de atendimento
ambulatorial para bulimia nervosa baseado em
técnicas cognitivo-comportamentais, com du-
ração de 12 semanas, desenvolvido e validado
por Cordás (1995), além de abordagens
psicoterapêuticas de base psicanalítica, indivi-
dual, grupal e familiar. A iniciativa pioneira do
AMBULIM permitiu a elaboração do Progra-
ma Ambulatorial de 12 Semanas, uma aborda-
gem ambulatorial que utiliza técnicas de TCC,
as quais podem ser associadas à farmacoterapia
com sucesso comprovado.
Essas características facilitam sua divul-
gação e aplicação em outros serviços que con-
tem no mínimo com atendimento médico, psi-
cológico e nutricional. Tem duração limitada e
breve (três meses), é de fácil treinamento e
execução, podendo ser efetuado por terapeutas
experientes ou médicos residentes em psiquia-
tria. Na pesquisa de Cordás (1995), o progra-
ma demonstrou eficácia ao final e após um ano
do tratamento. Inclui atendimento nutricional,
técnicas de automonitoração (diário alimen-
tar), informações, técnicas de reestruturação
cognitiva e prevenção de resposta. Esse pro-
grama necessita de cooperação e participação
do paciente nas tarefas de casa, podendo ser
feito individualmente ou em grupo.
A prática clínica, quando utiliza-se de
psicoterapias como a TCC, baseia-se na cons-
trução de uma relação terapêutica entre o pa-
ciente e o terapeuta, constituída de confiança,
respeito mútuo e colaboração. Os tratamentos
que utilizam as técnicas cognitivas tradicional-
mente dão maior liberdade de ação ao tera-
peuta, que funciona como catalisador e gran-
de reforçador das mudanças na paciente � prin-
cipais metas do tratamento. A paciente tam-
bém adquire, com o tempo, uma autonomia
cada vez maior para elaborar e aplicar tais
mudanças em situações de sua vida, desenvol-
vendo novas formas de pensar e resolver seus
problemas, percebidas e postas em prática no
processo de terapia. No caso da bulimia nervo-
sa, observam-se transformações visíveis no
modo como a paciente encara a questão do
comportamento alimentar, na sua relação com
a forma e o peso corporal e na educação
nutricional.
No entanto, podem acontecer diversos
problemas ao longo do tratamento que, se não
forem considerados, comprometem a sua efi-
ciência na prática clínica cotidiana. Guimarães
e Ades (1997) discutem essa questão, apon-
tando no decurso do tratamento que utiliza
TCC quais os problemas mais freqüentemente
encontrados e passíveis de serem generaliza-
dos para todos os modelos psicoterápicos de
tratamento em bulímicas. Os autores propõem
uma distinção desses problemas de acordo com
o momento do tratamento em que ocorrem.
No início do tratamento, é muito comum o não-
engajamento de algumas pacientes que são
incapazes de cumprir quaisquer preceitos bá-
sicos da TCC, o que impede que um tratamen-
to formal desse tipo possa sequer ser iniciado.
Coker e colaboradores (1993) verificaram nas
pacientes que não se engajam no tratamento
(non-engagers) uma história prévia de depen-
dência química, episódios de auto-agressão,
abuso de laxativos, maior tempo de duração
da doença e maiores escores na Escala Hamil-
ton para Depressão, quando comparadas às
pacientes que se engajam no tratamento, in-
dependentemente do resultado deste. Um
achado importante foi a freqüência 10 vezes
maior de transtorno de personalidade border-
line nas pacientes non-engagers. Por isso, Wil-
son (1996) cita alternativas mais baratas e sim-
ples que podem ser tentadas antes de se inici-
ar um programa psicoterápico formal para pa-
cientes bulímicas, tais como: auto-ajuda ori-
entada, mas não-supervisionada (unsupervised
guide-help), programas psicoeducacionais bre-
ves em grupo e versões abreviadas de um pro-
grama cognitivo-comportamental administra-
do por leigos. A TCC, por exemplo, poderia ser
reservada para casos nos quais essas modali-
dades fossem contra-indicadas ou fracassas-
sem.
Uma vez iniciado o tratamento, a pacien-
te pode apresentar uma resistência à terapia,
também chamada de reactância ou não-ade-
são. O terapeuta percebe esse problema atra-
vés dos mais diversos comportamentos da pa-
ciente, como atrasos, não-realização de tare-
fas, adiamentos, solicitação de favores pessoais,
Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:57117
118 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols.
sedução, recusa explícita em cooperar. A resis-
tência pode ser fruto de reações do terapeuta:
críticas a opiniões da paciente, formalismo,
interrupções, hesitação, insegurança, não-pre-
enchimento de expectativas, pressão por tare-
fas não-cumpridas na TCC (Rangé, 1995). A
resistência também pode ocorrer por receio,
tanto da paciente quanto da família, em aban-
donar comportamentos e modos de pensar ha-
bituais, ou por necessidade de interagir de for-
ma diferente entre si e mudar suas atitudes.
Um outro problema importante que sur-
ge no decorrer do tratamento é a desmotivação
da paciente. Sabe-se que os graus de motiva-
ção para psicoterapia são variados e mudam
conforme a etapa de tratamento, podendo va-
riar de animosidade explícita até negativismo,
resistência passiva, neutralidade ou pleno re-
conhecimento das dificuldades (Guimarães e
Ades, 1997). Rangé (1995) apresenta como va-
riáveis importantes para a motivação na psico-
terapia o grau de sofrimento e a crença no tra-
tamento por parte da paciente; quando em
baixos níveis, esses dois fatores podem provo-
car desmotivação, resistência ao tratamento e
maior possibilidade de abandono. O abando-
no pode ser definido como o fato de uma pes-
soa deliberadamente se retirar da terapia em
algum momento, seja explicitamente contra a
posição do terapeuta, seja implicitamente pelo
cancelamento de sessões ou sua não-renova-
ção. De modo geral, o paciente que abandona
o tratamento ainda precisa deste, mesmo após
a última sessão à qual compareceu. Rangé
(1995) aponta freqüências de 20 a 57% de
abandonos, após a primeira sessão em atendi-
mento psiquiátrico, e de 32 a 79%, após al-
guns meses de psicoterapia de grupo, o que
indica um número significativo de abandonos
em todas as formas de práticas psiquiátricas e
psicoterápicas. Os abandonos � ou drop-outs �
também ocorrem ao ser aplicada a TCC em si-
tuações de pesquisa, sendo raro alcançar 100%
de conclusão do tratamento pelas pacientes.
O principal problema que ocorre, uma vez
que a paciente tenha adesão e complete o tra-
tamento, é a não-resposta. As pacientes �não-
respondendoras� podem ser de três tipos: a)
totalmente refratárias (sem nenhuma respos-
ta ao tratamento); b) parcialmente responsivas
(persistem bulímicas, mas com menor grau de
sintomas) e c) subclínicas (não apresentam sin-
tomas suficientes para caracterizar a bulimia
nervosa, porém persistem com problemas es-
pecíficos). Pacientes que apresentam baixo peso
ou peso em excesso, que apresentam baixa
auto-estima e, principalmente, transtornos de
personalidade (mais comumente os do tipo
borderline) têm sido definidas como de pior
prognóstico, pois a TCC alcança piores resul-
tados (Wilson, 1996). Famílias controladoras,
superorganizadas e conflituosas são preditores
de menor redução na freqüência de binges e
cognições distorcidas (Blouin et al., 1994). Asprincipais alternativas terapêuticas nesses ca-
sos refratários à TCC são o uso associado ou
em substituição de medicações como fluoxe-
tina, as psicoterapias psicodinâmicas orienta-
das para conflitos e dificuldades interpessoais
(terapia interpessoal e psicanálise) ou mesmo
a realização de um programa de TCC em regi-
me hospitalar (Wilson, 1996; Guimarães e
Ades, 1997).
Embora o papel da TCC no tratamento
da bulimia nervosa seja fundamental, são ne-
cessários mais pesquisa e critérios de avalia-
ção dos resultados de programas de atendimen-
to para ampliar o alcance e a importância des-
sa modalidade de tratamento.
A ANOREXIA NERVOSA E A ABORDAGEM
COGNITIVO-COMPORTAMENTAL
Uma paciente com anorexia nervosa ca-
racteriza-se por apresentar manutenção volun-
tária de um peso abaixo de 85% do mínimo
esperado para sua estatura e idade; portanto,
em geral, apresenta-se em precário estado clí-
nico e nutricional. Nosso caso ilustrativo é o
de uma jovem, com idade em torno de 20 anos
e uma história crônica de prática de dietas
(muitas vezes motivada por familiares e ami-
gas). Realiza jejuns constantes quando se per-
cebe �mais gorda que o habitual� ou quando
está �inchada�, além de recusar deliberadamen-
te a alimentação, esquivando-se inclusive do
contato social, sobretudo nos horários de re-
feição. No decorrer da história, percebe-se além
de sinais de desnutrição, uma ausência prolon-
Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:57118
Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 119
gada dos ciclos menstruais (amenorréia). A
paciente parece não se incomodar com tais in-
dícios e, apesar do físico frágil, parece bastan-
te ativa, chegando a fazer longas caminhadas
ou ginástica, sempre com a intenção de se sen-
tir �leve�.
A partir desse caso típico, podemos pres-
supor algumas características importantes para
a abordagem clínica. Trata-se de uma paciente
que mantém um comportamento alimentar
anômalo (prática de dietas e jejum) com um
prejuízo físico (perda de peso), mas cujo perfil
não corresponde ao de um indivíduo em sofri-
mento. A paciente parece inclusive ter a cren-
ça de que a manutenção de seus hábitos ali-
mentares possa trazer-lhe algum benefício. Um
modelo de compreensão da manutenção da
anorexia nervosa é esboçado na Figura 8.2.
Do ponto de vista do tratamento, é fun-
damental que a paciente compreenda que seu
comportamento cíclico mantém e pode agra-
var os sintomas. O elemento-chave para lidar
com esse tipo de paciente é a sua percepção
dos reais danos envolvidos e a sua colabora-
ção (e não por simples coação, como já se ten-
tou nos moldes originais de tratamentos de re-
cuperação) para se obter a meta principal: a
restauração de um peso compatível com a nor-
malidade e de hábitos alimentares mais sau-
dáveis. De acordo com Kleifield e colaborado-
res (1996), para se obter uma relação terapêu-
tica, é necessário demonstrar respeito pela de-
pendência do paciente a seus comportamen-
tos, pelo desespero com o qual se apega a eles
e pelo medo de abandoná-los; recordar ao pa-
ciente como a doença prejudicou-o; ajudar o
paciente a adotar uma expectativa de que po-
derá lidar de forma nova, segura e efetiva com
sérios problemas vitais. Lidar com pacientes
anoréxicos significa saber que, por conta da
restrição dos seus conteúdos vivenciais e da
supervalorização da obtenção de um corpo
magro, o terapeuta oscilará entre o papel de
um apoio e colaborador (para a mudança) ou
um grande obstáculo (para se manter magro).
Uma parte considerável dos pacientes
comporta-se de um modo que dificulta ou im-
possibilita a manutenção do tratamento em
regime ambulatorial. Perda de peso, distúrbi-
os metabólicos, sintomas depressivos, risco de
suicídio e disfunção do ambiente familiar são
causas freqüentes de internação hospitalar.
Nesse sentido, existem locais com equipes
multiprofissionais capacitadas, que contam
com psiquiatras, psicoterapeutas individuais,
grupais e familiares, nutricionista e pessoal de
enfermagem. Porém, as pacientes também são
problemáticas nesse espaço: mesmo em um
local onde exista vigilância contínua a fim de
evitar a perda de peso que a paciente possa
provocar com seus comportamentos, haverá
uma dificuldade para evitar que, por força de
seus hábitos anteriores, ela resista a ser reali-
mentada e retornar a um peso maior. Por mo-
tivos fisiológicos, a realimentação não pode ser
muito rápida, o que de certa foma pode ser
aproveitado para a paciente adaptar-se às mu-
danças corporais e reinterpretá-las não como
Figura 8.2 Modelo cognitivo da manutenção da anorexia nervosa (adaptada de Kleifield et al. ,1996).
Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:57119
120 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols.
uma engorda, mas como uma reabilitação com
efeitos físicos, cognitivos e emocionais.
De modo geral, os pacientes anoréxicos
beneficiam-se de técnicas mais comportamen-
tais no início do tratamento, como restrição do
uso dos comportamentos para redução de peso
ou mesmo purgação, através de vômitos auto-
induzidos e uso de laxantes e diuréticos. As re-
feições devem ser monitoradas e o consumo
deverá obedecer ao cardápio prescrito pela
nutricionista. Caso o paciente alimente-se de
forma inadequada ou bizarra (separação de
tipos de alimento, extrema lentidão ou simples
recusa), um auxiliar ou familiar deverá estar
presente e servir como modelo, discutindo com
o paciente as suas dificuldades. O contato do
paciente com os alimentos e o aprendizado
sobre o conteúdo e o valor nutricional deles é
um fator que auxilia a derrubar algumas
distorções e preconceitos, como dividir os ali-
mentos em �pesados� e �leves� e contar desne-
cessariamente as calorias das refeições. Uma
nutricionista ou profissional de enfermagem
podem ajudar o paciente no processo de pesa-
gem para discutir seus temores e seus pensa-
mentos logo após. Em um tratamento de
internação total ou parcial, o critério principal
de alta é alcançar um peso dentro de um limi-
ar saudável e ser capaz de manter esse peso
através das mudanças recém-aprendidas, como
a necessidade de rotinas e horários, a adequa-
ção do conteúdo alimentar, o uso de técnicas
de solução de problemas e a redução de es-
tresse.
Na manutenção ambulatorial e no trata-
mento com pacientes crônicos, as técnicas cog-
nitivas ganham importância, pois ajudam a
identificar pensamentos problemáticos que de-
sencadeiem uma preocupação com o peso ou
a imagem corporais, auxiliam no questiona-
mento e no uso de recursos para lidar com esse
pensamento e, em seguida, apresentam uma
alternativa a comportamentos adequados que
não inclua práticas de jejum e restrição de die-
ta. A monitoração através do diário alimentar
é uma tática importante para checagem do
padrão alimentar e seguimento no domicílio
das estratégias aprendidas.
Os dados de literatura sobre programas
exclusivamente cognitivo-comportamentais
para anorexia nervosa são restritos e, por isso,
esse modelo é um acessório em um programa
de recuperação de peso que, muitas vezes, ne-
cessitará do espaço de internação parcial ou
total.
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Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:57121
122 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols.
ANEXO I
PROGRAMA DE ATENDIMENTO COGNITIVO-COMPORTAMENTAL PARA
BULIMIA NERVOSA DO AMBULATÓRIO DE BULIMIA E TRANSTORNOS ALIMENTARES
(AMBULIM) DO INSTITUTO DE PSIQUIATRIA DO HC / FMUSP
SEMANA 0 � A avaliação pelo médico, exame físico, exames complementares.
O paciente recebe o guia de orientação (ANEXO II) e lhe é solicitado o preenchimento do diário
alimentar de avaliação semanal. O contrato terapêutico é realizado.
SEMANA 1 � Tema proposto para discussão: �O que é a doença e suas causas (teoria do �set point�), suas
complicações psicológicas e físicas�, incluindo a exibição de slides ilustrativos.
Discussão do diário alimentar. Orientação para suspensão de laxantes, diuréticos e outros recursos
direcionados para evitar o ganho de peso.
Tarefa solicitada para a próxima semana: �trazer por escrito o que entendeu a respeito de seu
problema e que sentido faz em sua vida o que foi dito.
SEMANA 2 � Discussão do diário alimentar.
Discussão da tarefa proposta na semana anterior, retomando a discussão sobre o que é a doença
e suas possíveis causas.
Relembrados os tópicos do guia de orientação. (Anexo)
SEMANA 3 � Discussão do diário alimentar.
Orientação sobre ansiedade, propondo a discussão sobre o que é, como a ansiedade pode estar
ligada ao seu comportamento alimentar e como é possível lidar com as sensações ansiosas. Treino
de relaxamento.
Tarefa solicitada para a próxima semana: �deverá trazer por escrito alternativas sobre o que fazer
quando sentir-se ansioso ou irritado, em vez de comer�.
SEMANA 4 � Discussão do diário alimentar.
Discussão da tarefa proposta para a semana anterior.
Discussão de dois temas: �O corpo é tão elástico como se quer (os limites orgânicos, o corpo
idealizado)� e as fantasias de que o emagrecimento pode trazer felicidade�.
Tarefa solicitada para a próxima semana �trazer por escrito �O que eu vou ganhar se emagrecer?�
SEMANA 5 � Discussão do diário alimentar.
Discussão da tarefa proposta na semana anterior.
Discussão sobre os vômitos (se ainda presentes), com tentativa de introduzir procedimentos para
prevenção de resposta.
Tarefa solicitada para a próxima semana: �trazer por escrito uma lista de dez qualidades que julga ter�.
SEMANA 6 � Discussão do diário alimentar.
Discussão da estruturação do tempo livre e da tarefa proposta na semana anterior.
Tarefa solicitada para a próxima semana: deverá trazer por escrito um texto com duas colunas, a
primeira citando razões para continuar bulímico e a segunda com razões para abandonar esse
comportamento.
SEMANA 8 � Orientação familiar.
Discussão do diário alimentar.
Discussão da tarefa proposta na semana anterior.
Solicita-se a vinda da família ou cônjuge para a próxima semana.
SEMANA 9 � Orientação familiar.
SEMANA 10 � Discussão do diário alimentar.
Discussão com o paciente da reunião familiar.
SEMANA 11 � Discussão do diário alimentar.
Discussão do tema trazido pelo paciente (tema livre).
SEMANA 12 � Discussão a respeito da evolução e das possibilidades de recaída.
Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:57122
Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 123
Orientação nutricional
SEMANA 0 � (Pré-Tratamento): Peso.
Anamnese alimentar � alimentos que evita, e por que razão. Dietas já realizadas, crenças e tabus
alimentares. Orientação reforçando a solicitação médica para a feitura do diário alimentar.
SEMANA 1 � Peso
Por meio do diário alimentar, discutir os hábitos e as principais crenças.
Orientação dos horários adequados para as refeições, tentando introduzir um padrão alimentar
regular.
Conceito de fome e saciedade.
SEMANA 2 � Peso
Avaliação do diário alimentar, reforçando os horários corretos para as refeições e a reintrodução
paulatina de alimentos considerados perigosos.
ABC da nutrição, explanando a respeito dos constituintes básicos de uma boa alimentação.
SEMANA 4 � Peso
Avaliação do diário alimentar, rediscutindo não apenas os horários, mas enfatizando quantidades.
Como fazer compras alimentares.
SEMANA 6 � Peso
Avaliação do diário alimentar discutindo as possibilidades de substituição de alimentos.
SEMANA 8 � Peso
Avaliação do diário alimentar e da lista de substituições, restaurantes e lanchonetes.
SEMANA 12 � Peso diário alimentar
Discussão de uma dieta trazida pelo paciente.
Material impresso explicativo sobre princípios nutricionais serão dados no decorrer das sessões.
Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:57123
124 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols.
ANEXO II
GUIA DE ORIENTAÇÃO PARA PACIENTES COM BULIMIA NERVOSA
ATENDIDAS NO AMBULATÓRIO DE BULIMIA E TRANSTORNOS ALIMENTARES (AMBULIM)
DO INSTITUTO DE PSIQUIATRIA DO HC / FMUSP
Lembre-se de que isso é muito importante
Planeje antecipadamente o que e quanto você vai comer
1. Pare para pensar durante alguns períodos do dia como você está lidando com seu problema. Algumas das
suas técnicas podem estar funcionando bem. Outras não. É necessário discutir isso com seu médico.
2. Planeje os seus dias antes, logo pela manhã ou na véspera evite longos períodos do comportamento não
planejado ou sem atividade definida.
3. Use o diário de comportamento alimentar de maneira mais completa possível, levando-o a todos os lugares.
4. Tente comer sempre acompanhado, nunca só.
5. Não faça nada enquanto estiver comendo, exceto conversar com quem está comendo com você. Não veja
televisão, não leia; ouvir música é possível, desde que isso não atrapalhe a sua concentração. Concentre-se
no que come, mastigue lentamente e degluta seu alimento.
6. Planeje diariamente suas refeições e horários. O esquema usual é de três refeições: café da manhã, almoço
e jantar.Dois lanches entre as refeições podem ser feitos com conteúdo e horários planejados. Lembre-se:
jejuar estimula os episódios de bulimia.
7. Combine com sua família, ou se você mesmo faz as compras em sua casa, não acumule um grande estoque
e não compre alimentos que você identifica como �perigosos�.
8. Carregue menos dinheiro possível se você costuma comer �demais� fora de casa.
9. Identifique os períodos de maior risco e planeje atividades não-compatíveis com o comer, como encontrar
amigos, fazer ginástica ou tomar um banho, ler, etc.
10. Evite o mais possível áreas �perigosas� como cozinha, entre as refeições. Se necessário, quando sentir dificul-
dades de controle, saia de casa imediatamente.
11. Não se pese mais do que uma vez por semana, se necessário pare de se pesar indefinidamente. Não pense
em perder peso nesse momento do tratamento.
12. Se você está pensando muito a respeito de seu peso e de seu corpo, pode ser que você esteja ansiosa (o) ou
deprimida (o). Você se sente gorda (o), feia(o) quando encontra dificuldades? Discuta isso com seu médico.
13. Faça exercícios regularmente. Exercícios regulares aumentam o metabolismo basal e ajudam a diminuir o
apetite, particularmente, por doces. Exercícios não são para perder peso.
14. Em mulheres, é muito importante estar atenta ao período pré-menstrual e da menstruação.
15. Não beba álcool, pode aumentar seu apetite e diminuir seu controle.
16. Reveja sempre os problemas físicos que a doença causou ou pode lhe causar.
Você se lembra como pode ficar seu rosto?
17. O controle que você está tentando não é fácil, é necessário trabalhar hora após hora, mais do que dia a dia.
Uma falha não justifica desistir e entregar-se a uma sucessão de falhas. Você perceberá com o tempo que
cada tempo conseguido com alimentação normal reforçará seus hábitos de alimentação saudável.
Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:57124
Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 125
Transtorno de Pânico
Lígia Montenegro Ito
A Figura 9.1 apresenta esquematicamente
o modelo cognitivo-comportamental do TP.
O modelo cognitivo-comportamental do
transtorno de pânico (TP) procura integrar as
abordagens biológica e sociopsicológica em
seus procedimentos terapêuticos. O ataque de
pânico, elemento central desse transtorno, é
considerado uma reação de alerta do organis-
mo que pode ocorrer devido a situações exter-
nas, percebidas pelo indivíduo como ameaça-
doras, ou sem causa aparente, por influência
de fatores biológicos. Possuir história pessoal
ou familiar de algum transtorno ansioso e sub-
meter-se a um período de estresse são fatores
que contribuem para o aumento da ansiedade
geral e facilitam o desencadeamento do pri-
meiro ataque.
Com a repetição, esses ataques ficam con-
dicionados a desencadeantes externos (locais
ou situações) ou internos (pensamentos ou
sensações corporais) que, avaliados negativa-
mente pelo indivíduo, representam sinal de
perigo iminente, de morte, de estar enlouque-
cendo ou perdendo o controle. Essas sensações
levam a um aumento da ansiedade subjetiva,
dos sintomas físicos e das antecipações catas-
tróficas, e a pessoa torna-se apreensiva, em vi-
gia constante, antecipando os sinais de um novo
ataque. Ela pode apresentar comportamentos
de esquiva e fobias de situações nas quais pen-
se que um ataque ocorrerá, de lugares de onde
seja difícil fugir ou escapar, de condições em
que não possa receber ajuda imediata em caso
de necessidade, de sair ou ficar sozinha.
99
Pessoa com predisposição a ter uma reação ansiosa
!
Período de estresse
!
Ataque de pânico
em situação de perigo de origem biológica
!
Ataques de pânico condicionados a
!
Estímulos ou Cognições ou
situações externas sensações corporais
!
Aumento da vigia Cognições catastróficas
!
Ansiedade antecipatória Sintomas físicos
!
Transtorno de pânico
!
Ansiedade Esquiva fóbica Depressão
generalizada
Farmacodependências Outras complicações
Figura 9.1 Modelo cognitivo-comportamental do
transtorno de pânico (Clark, 1986; Barlow, 1988).
Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:57125
126 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols.
A terapia cognitivo-comportamental
(TCC) do TP é composta por um conjunto de
procedimentos que são utilizados de forma in-
tegrada e podem, para fins didáticos, ser sub-
divididos entre aqueles que auxiliam o pacien-
te a lidar com os sintomas físicos da ansieda-
de, como o relaxamento e as técnicas cogniti-
vas; e aqueles que visam à redução da esquiva
fóbica, como a terapia de exposição aos estí-
mulos desencadeantes dos ataques de pânico,
e à modificação dos pensamentos disfuncionais,
como a reestruturação cognitiva (Craske e
Barlow, 1993; Lotufo-Neto e Ito, 1997).
O tratamento é breve quando focaliza a
redução da ansiedade geral, dos ataques de
pânico e da esquiva fóbica, com duração em
torno de 15 a 20 sessões. As metas da terapia
são decididas em comum acordo, ou seja, te-
rapeuta e paciente trabalham juntos em cola-
boração, planejando estratégias para lidar com
as dificuldades enfocadas. A auto-aplicação,
entre as consultas, das técnicas aprendidas é
essencial para o sucesso do tratamento e fun-
damental para a manutenção da melhora clí-
nica a longo prazo. As sessões são planejadas
através de uma agenda que contém os alvos e
as metas a serem alcançados no dia, os proce-
dimentos que serão apresentados, a revisão de
diários com as respectivas tarefas de casa, os
acontecimentos importantes relacionados ao
tratamento e o planejamento dos próximos
passos. As tarefas de casa são fundamentais
para que o paciente possa praticar os procedi-
mentos aprendidos em consulta e verificar o
grau de seu aprendizado no manejo da ansie-
dade e dos desencadeantes dos ataques de pâ-
nico. A utilização de diários que contêm a co-
leta acurada e consistente de dados durante
todo o programa de tratamento permite iden-
tificar problemas e dificuldades na realização
dos exercícios, adaptar as estratégias usadas e
avaliar o progresso alcançado.
A primeira etapa da terapia é avaliar to-
dos os componentes do transtorno de pânico,
como duração, freqüência e principalmente os
desencadeantes do quadro, como fatores de
estresse, dificuldades interpessoais, pensa-
mentos ansiogênicos, sensações corporais, an-
siedade antecipatória, esquiva fóbica, ataques
de pânico limitados, situacionais e espontâ-
neos. Fatores como presença de depressão ou
outras patologias associadas, necessidade de
medicação antidepressiva e manejo adequa-
do de tranqüilizantes devem ser avaliados e
tratados adequadamente. Problemas decor-
rentes de complicações desse transtorno, como
os de origem familiar e conjugal, devem ser
identificados e enfocados na fase inicial da
terapia. Dificuldades de ordem diversa podem
ser abordadas rapidamente; porém, se reque-
rerem maior tempo e atenção, os pacientes
deverão ser encaminhados para uma psicote-
rapia mais abrangente no momento apropri-
ado.
Concluída a avaliação, inicia-se a fase de
informação ao paciente de todos os aspectos
da doença. O modelo cognitivo-comportamen-
tal do TP é apresentado, destacando-se o pa-
pel dos pensamentos e dos comportamentos
disfuncionais no desencadeamento de um ata-
que de pânico e o papel das técnicas da terapia
na modificação dos padrões adquiridos e con-
dicionados. Essas explicações são repetidas ao
longo do tratamento, sempre que necessário.
A repetição é útil para o aprendizado do paci-
ente, pois a ansiedade presente no início do
tratamento pode prejudicar a atenção e a con-
centração.
Nas primeira etapa da terapia, o paciente
é informado sobre a hiperventilação, sua rela-
ção com os sintomas físicos do TP, e é treinado
em exercícios de relaxamento muscular
(Jacobson, 1938) e de controle da respiração
(Barlow e Craske, 1988) para a redução e o
alívio da tensão e da ansiedade geral. É impor-
tante ressaltar que, para um bom resultado
terapêutico, esses exercícios devem ser prati-
cados diariamente, nas mais diversas situações,
até que o paciente esteja apto a utilizá-los nas
situações desencadeantes

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