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PSICOTERAPIAS COGNITIVA E CONSTRUTIVISTA Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:561 P974 Psicoterapias cognitiva e construtivista : novas fronteiras da prática clínica [recurso eletrônico] / Cristiano Nabuco de Abreu ... [et al.]. � Dados eletrônicos. � Porto Alegre : Artmed, 2012. Editado também como livro impresso em 2003. ISBN 978-85-363-2722-8 1. Psicoterapia cognitiva. 2. Psicoterapia construtivista. 3. Psicoterapia � Prática clínica. I. Abreu, Cristiano Nabuco de. CDU 615.851 Catalogação na publicação: Ana Paula M. Magnus � CRB 10/2052 Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:562 PSICOTERAPIAS COGNITIVA E CONSTRUTIVISTA NOVAS FRONTEIRAS DA PRÁTICA CLÍNICA 2012 CRISTIANO NABUCO DE ABREU MIRÉIA ROSO (E COLABORADORES) VERSÃO IMPRESSA DESTA OBRA: 2003 Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:563 ©Grupo A Educação S.A, 2012 Capa Gustavo Macri Preparação do original Elisângela Rosa dos Santos Leitura Final Claudia Bressan Supervisão editorial Mônica Ballejo Canto Projeto e editoração Armazém Digital Editoração Eletrônica � rcmv Reservados todos os direitos de publicação, em língua portuguesa, à ARTMED EDITORA LTDA., divisão do GRUPO A EDUCAÇÃO S.A. Av. Jerônimo de Ornelas, 670 � Santana 90040-340 Porto Alegre RS Fone: (51) 3027-7000 Fax: (51) 3027-7070 É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação, fotocópia, distribuição na Web e outros), sem permissão expressa da Editora. SÃO PAULO Av. Embaixador Macedo Soares, 10.735 � Pavilhão 5 Cond. Espace Center � Vila Anastácio 05095-035 São Paulo SP Fone: (11) 3665-1100 Fax: (11) 3667-1333 SAC 0800 703-3444 � www.grupoa.com.br IMPRESSO NO BRASIL PRINTED IN BRAZIL Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:564 Autores Corinna Schabbel, psicóloga � The Fielding Institute � Califórnia. Cristiana Vallias de Oliveira Lima, psicóloga. Cristopher Muran, psicólogo � Brief Psycho- terapy Research Program � Beth Israel Medical Center; Albert Einstein College of Medicine. Daniel Boleira Sieiro Guimarães, psiquiatra � Ambulatório de Bulimia e Transtornos Ali- mentares (AMBULIM) do Instituto de Psiquia- tria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Eduardo Simon, psiquiatra � Núcleo de Psico- terapia Cognitiva de São Paulo. Eliana da Silva Ramos Arruda, psicóloga. Eliane Falcone, psicóloga � Instituto de Psico- logia da Universidade Estadual do Rio de Ja- neiro. Flávia Andrade, psicóloga � Núcleo de Psico- terapia Cognitiva de São Paulo. Francisco Lotufo Neto, psiquiatra � Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Facul- dade de Medicina da Universidade de São Pau- lo. Helene Shinohara, psicóloga � Pontifícia Uni- versidade Católica do Rio de Janeiro. Henrique Alvarenga da Silva, psiquiatra � De- partamento de Engenharia Biomédica da Uni- versidade Federal de São João Del-Rei; Núcleo Mineiro de Psicoterapias Cognitivas. Cristiano Nabuco de Abreu (org.), psicólo- go � Ambulatório de Bulimia e Transtornos Alimentares (AMBULIM) do Instituto de Psi- quiatria do Hospital das Clínicas da Faculda- de de Medicina da Universidade de São Pau- lo; Núcleo de Psicoterapia Cognitiva de São Paulo. Miréia Roso (org.), psicóloga � Ambulatório de Doenças Afetivas (GRUDA) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculda- de de Medicina da Universidade de São Paulo. Aaron T. Beck, psiquiatra � Psychopathology Research Unit � Department of Psychiatry � University of Pennsylvania. Admar Cardoso Jr., psicólogo � Centro de Aperfeiçoamento Profissional (CEFAP). Álvaro Pacheco Duran, psicólogo � UNICAMP. Augusto Zagmutt Cahbar, psicólogo � Sociedad de Terapía Cognitiva Posracionalista (Santiago). Carlos Eduardo Gonçalves Reche, psiquia- tra � Faculdade de Psicologia da Universida- de do Estado de Minas Gerais; Núcleo Minei- ro de Psicoterapias Cognitivas. Carlos Eduardo Leal Vidal, psiquiatra � Facul- dade de Medicina de Barbacena (Minas Gerais); Núcleo Mineiro de Psicoterapias Cognitivas. Carlos Eduardo Pires e Albuquerque, psicó- logo � Consultores Associados Milton de Olivei- ra; Núcleo Mineiro de Psicoterapias Cognitivas Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:565 Jeremy Safran, psicólogo � New School for So- cial Research (New York). Ivana Lia Rios Costa, psicóloga � Centro de Formação e Aperfeiçoamento Profissional (CEFAP). Lígia Montenegro Ito, psicóloga � Laborató- rio de Investigações Médicas (LIM 23) do Ins- tituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Lilian Erichsen Nassif, psicóloga � Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universi- dade Federal de Minas Gerais; Núcleo Mineiro de Psicoterapias Cognitivas. Luciane Gonzalez Valle, psicóloga. Mateo Ferrer Farji, psicólogo � Sociedad de Terapía Cognitiva Posracionalista (Santiago). Mariangela Gentil Savoia, psicóloga � Ambu- latório de Ansiedade (AMBAN) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Facul- dade de Medicina da Universidade de São Pau- lo; Centro de Atenção Integrada em Saúde Mental (CAISM) da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Maurits Kwee, psicólogo � Waseda University; Advanced Research Center for Human Sciences. Myrian Vallias de Oliveira Lima, psicóloga. Raquel Gonçalves Wanderley, psicóloga � Núcleo Mineiro de Psicoterapias Cognitivas. Simone da Silva Machado, psicóloga � Uni- versidade de Santa Cruz do Sul; Centro de Con- trole de Stress; Núcleo de Estudos e de Atendi- mento em Psicoterapias Cognitivas. Willem Kuyken, psicólogo � Psychology Depar- tment � Exerter University. vi Autores Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:566 Sumário Prefácio ................................................................................................................................. 11 Táki Athanássios Cordás Introdução ............................................................................................................................ 13 Miréia Roso e Cristiano Nabuco de Abreu PARTE I Aspectos epistemológicos 1. Verdade, conhecimento e emoção nas abordagens cognitivas ...................................... 21 Henrique Alvarenga da Silva 2. Cognitivismo e construtivismo ..................................................................................... 35 Cristiano Nabuco de Abreu e Miréia Roso PARTE II Um estudo comparativo entre os modelos cognitivo e construtivista 3. Terapia cognitiva: abordagem revolucionária .............................................................. 53 Aaron T. Beck e Willem Kuyken 4. Técnicas selecionadas da prática da terapia cognitiva .................................................. 61 Helene Shinohara 5. Construtivismo e prática clínica da rebiografia narrativa ............................................. 69 Maurits Kwee 6. Técnicas selecionadas da prática da terapia construtivista ........................................... 89 Simone da Silva Machado Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:567 PARTE III A terapia cognitiva dos transtornos psiquiátricos 7. Fobia social ................................................................................................................ 101 Mariangela Gentil Savoia 8. Transtornos alimentares ............................................................................................. 113 Daniel Boleira Sieiro Guimarães 9. Transtorno de pânico ................................................................................................. 125 Lígia Montenegro Ito 10. Depressão .................................................................................................................. 133 Cristiana Vallias de Oliveira Lima 11. Transtorno obsessivo-compulsivo ............................................................................... 139 Carlos Eduardo Leal Vidal e Raquel Gonçalves Wanderley 12. Dependência química .................................................................................................149 Flávia Andrade e Eduardo Simon PARTE IV A terapia construtivista dos transtornos psiquiátricos 13. Fobia social ................................................................................................................ 159 Miréia Roso 14. Transtornos alimentares ............................................................................................. 167 Augusto Zagmutt Cahbar e Mateo Ferrer Farji 15. Transtorno de pânico ................................................................................................. 181 Luciane Gonzalez Valle 16. Depressão .................................................................................................................. 195 Álvaro Pacheco Duran 17. Transtorno obsessivo-compulsivo ............................................................................... 203 Carlos Eduardo Gonçalves Reche 18. Alcoolismo ................................................................................................................. 215 Lilian Erichsen Nassif PARTE V Os modelos cognitivo e construtivista na terapia de casal 19. Terapia de casal: enfoque cognitivo ........................................................................... 229 Myrian Vallias de Oliveira Lima 20. Terapia de casal: enfoque construtivista ..................................................................... 237 Corinna Schabbel e Eliana da Silva Ramos Arruda 8 Sumário Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:568 PARTE VI Novas fronteiras da prática clínica 21. Modelos de estágios do processo de resolução da ruptura da aliança ......................... 251 Jeremy Safran e Cristopher Muran 22. Empatia ..................................................................................................................... 275 Eliane Falcone 23. Religião, psicoterapia e saúde mental ........................................................................ 289 Francisco Lotufo Neto 24. Construtivismo e cultura organizacional .................................................................... 303 Carlos Eduardo Pires e Albuquerque 25. Terapias cognitivas na oncologia ................................................................................ 315 Admar Cardoso Jr. e Ivana Lia Rios Costa 26. A pessoa do terapeuta e o processo de mudança em psicoterapia .............................. 325 Cristiano Nabuco de Abreu Sumário 9 Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:569 Prefácio O uso de recursos psicológicos no trata- mento dos quadros psiquiátricos e no auxílio à superação da dor e do desconforto humano remonta à Antigüidade Clássica, provavelmen- te antes da máxima socrática �Noxe te ixum� (Conhece-te a ti mesmo�). Esses procedimen- tos podem ser identificados nas mais diferen- tes formas de apoio, persuasão, confissão reli- giosa, obras literárias e uso de arte. De maneira sistemática, porém, o início do século XX marca o desenvolvimento da psicote- rapia como teoria e prática pelas mãos de três homens: Freud, Jung e Adler. Cumpre ressaltar que Adler não recebeu o reconhecimento ime- diato nos círculos psicoterápicos de maneira tão ufanista quanto os dois primeiros, mas sua ên- fase na importância do presente e do futuro em psicoterapia o tornam um pioneiro em aspectos que a terapia cognitivo-comportamental ressal- taria somente décadas depois. Mais de 700 �marcas� de psicoterapia es- tão no mercado, boa parte delas com corpos teóricos rudimentares ou com referenciais emprestados ou mal copiados de outras linhas psicoterápicas. Nesse sentido, a pesquisa so- bre a efetividade das psicoterapias encontra objetores radicais particularmente entre de- terminados redutos psicanalíticos, bem como problemas metodológicos importantes, entre eles a escolha do método qualitativo ou quan- titativo. No entanto, as psicoterapias de orienta- ção comportamental e cognitiva buscaram pre- cocemente sua validação científica e sua eficá- cia no tratamento de diversos transtornos psi- quiátricos. O mesmo ainda não ocorreu com o construtivismo aplicado à psicoterapia. Apesar de sua reconhecida importância na área da edu- cação, somente nas últimas duas décadas co- meçou a ter uma base teórica cada vez mais sólida para sustentar a compreensão dos pro- cessos envolvidos na mudança humana e, por- tanto, aplicadas à psicoterapia. Vale abrir um parênteses neste prefácio para esclarecer que, quando falamos de tera- pia construtivista, não estamos falando ape- nas a respeito de uma mera vertente da tera- pia cognitiva, mas sim de uma abordagem que, em si mesma, apresenta variantes importan- tes. Para fins didáticos, as teorias construti- vistas em psicoterapia podem ser divididas em duas variantes, que se diferenciam principal- mente pelo conceito que têm do significado da realidade: o construtivismo radical e o cons- trutivismo crítico. O construtivismo radical tem como referência a posição idealista, tal como na Filosofia, afirmando que não há realidade além de nossa experiência pessoal. Nesse sen- tido, o conhecimento não reflete uma necessi- dade ontológica objetiva, e sim a experiência tal qual a construímos. Sua maior e mais re- cente expressão são os trabalhos de Maturana e Varela e o conceito que utilizam de autopoiese (sistemas que se auto-organizam constante- mente). O construtivismo crítico não nega a exis- tência de um mundo real, mesmo que não pos- Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5611 samos conhecê-lo diretamente. Nessa perspec- tiva, o indivíduo é um co-criador de sua reali- dade pessoal, ou seja, a realidade externa existe objetivamente, porém o conhecimento desta ja- mais será objetivo, e sim construído pelo obje- tivo, a partir de suas percepçõs e experiências. Muitos são os autores que partem dessa pers- pectiva teórica para formular suas teorias psi- cológicas construtivistas e, conseqüentemen- te, suas propostas terapêuticas. Alguns dos mais representativos na atual psicologia construti- vista são Michael Mahoney (EUA), Vittorio Guidano (Itália), Óscar Gonçalves (Portugal), Jeremy Safran (EUA), Leslie Greenberg (Ca- nadá) e Robert Neimeyer (EUA). Vários outros, entre eles brasileiros e colaboradores deste li- vro, têm contribuído para o desenvolvimento das teorias e psicoterapias construtivistas. Ou- tro aspecto refletido por este livro é o da inter- disciplinaridade dos estudos cognitivos, o qual tem crescido muito desde os anos 70. O que se chama hoje de ciência cognitiva dissemina sua influência e busca soluções em áreas tão ex- tensas quanto a natureza do pensamento, das emoções, da lingüística, da filosofia e da psi- quiatria. Com certeza, a psicoterapia cognitiva rege em sua aplicação todas essas áreas dire- tamente relacionadas ao ser humano que bus- ca mudanças � talvez por isso o autor deste prefácio não seja nem psicólogo nem psicote- rapeuta. Elogios à competência dos organizadores, Cristiano Nabuco de Abreu e Miréia Roso, e dos autores seria redundante uma vez que a importância científica e didática de seu traba- lho é sobejamente conhecida. Assim, o melhor a fazer é agradecer profundamente a todos. Agradecer não apenas pela qualidade técnica incontestável desta obra, mas também pelo exemplo de diletantismo, pois não é possível usar outro termo para quem busca ensinar e discutir suas idéias. Táki Athanássios Cordás Coordenador Geral do Ambulatório de Bulimia e Transtornos Alimentares (AMBULIM) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. 12 Prefácio Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5612 Introdução Miréia Roso Cristiano Nabuco de Abreu A idéia de escrever este livro começou a desenvolver-se a partir de diversas discussões a respeito de como, enquanto terapeutas cog- nitivos, realizamos nosso trabalho na psico- terapia. É fato que, no Brasil, a formação da maior parte dos terapeutas ainda tem forte influência da psicanálise e pode-se conside- rar a terapia cognitiva como uma escola de psicoterapia ainda em expansão. Por isso, os clínicos que optarampor estudá-la e praticá- la ainda carecem de um modelo capaz de iden- tificar sua prática de maneira genuína. É co- mum nos depararmos, em aulas e congressos no Brasil, com questões do tipo: �Será que este procedimento que estou realizando com meu cliente é realmente compatível com o modelo cognitivo?�, �Se opto por aplicar, por exem- plo, técnicas comportamentais comprovada- mente eficazes no tratamento de quadros an- siosos, ainda assim posso considerar a minha prática como basicamente cognitiva?�, �E se, em alguns casos, priorizo o enfoque das emo- ções, estaria mais identificado com um mo- delo cognitivo construtivista?�. Portanto, ao que tudo indica, estamos em um território mesclado por natureza, por terapeutas e pelo entendimento destes a respeito do que se con- sidera sacramental dentro de cada autor cog- nitivo. Acreditamos não ser possível legitimar a nossa prática apenas seguindo um modelo teó- rico (na maioria das vezes �importado�), o qual nos é ensinado e não nos deixa tão confortá- veis ao aplicá-lo (Abreu, 1996). É provável que muitos leitores, terapeutas cognitivos, já se te- nham questionado a esse respeito, tal como nós já o fizemos inúmeras vezes. Foi precisamente por essa razão que optamos por organizar um livro que pudesse abranger diferentes visões de terapeutas cognitivos para que, assim, ti- véssemos a oportunidade de vislumbrar nossa prática a partir dos diferentes pressupostos que possuímos � sejam eles objetivistas ou construtivistas. A TERAPIA COGNITIVA: HISTÓRICO E APLICAÇÕES A chamada revolução cognitiva teve iní- cio por volta de 1956, quando Skinner come- çou a incluir o comportamento verbal como tema de seus estudos. Isso revelava que os behavioristas começavam a reconhecer a ne- cessidade de compreender os �processos inter- nos� que governam o comportamento. A fa- mosa �caixa-preta� passava a despertar o inte- resse dos pesquisadores. Os estudos do com- portamento governado por regras são um exemplo disso. Em 1958, Wolpe introduzia a técnica da dessensibilização sistemática, a qual mostrava que era possível modificar uma resposta de ansiedade com procedimentos apenas cogni- Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5613 Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva 14 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols. tivos: treinava-se o paciente a relaxar, enquan- to ele imaginava situações geradoras de ansie- dade de modo a inibi-la. Foi a primeira forma de terapia verbal alternativa à psicanálise e es- tava baseada nos modelos de aprendizagem. A conclusão a que se chegava, a partir desses estudos, era a de não ser mais suficien- te modificar o contexto de maneira a reforçar (positiva ou negativamente) uma resposta que precisava ser modificada; era necessário con- siderar também de que maneira o indivíduo percebia esse contexto. Em outras palavras, não era a situação (ou o contexto) a determinante do que as pessoas sentiam ou como se com- portavam, e sim o modo como interpretavam tais situações. Foi exatamente isso que Beck afirmou em 1963, quando começou a publicar estudos so- bre a relação entre o pensamento e a depres- são. Alguns anos mais tarde, por volta de 1970, juntamente com Mahoney (1974) e Ellis (1985), influenciados pelo avanço dos estudos na área das ciências cognitivas, deram início à revolução cognitiva propriamente dita (Abreu e Shinohara, 1998). Até hoje, a terapia cogni- tiva tem como pressuposto a idéia de que os sentimentos e os comportamentos do indiví- duo são determinados pelo modo como ele estrutura e interpreta o mundo através de seus pensamentos e de suas crenças. De maneira geral, a terapia cognitiva co- meçou sendo aplicada no tratamento de trans- tornos psiquiátricos, primeiro através de te- rapia individual e, depois, de terapia em gru- po. Hoje, ela também é aplicada na terapia de casais e de pessoas que buscam tratamen- to mesmo sem apresentar um diagnóstico psi- quiátrico. Três aspectos principais caracterizam as terapias cognitivas e tornam sua aplicação cada vez mais freqüente: � Seu caráter breve: procura-se definir um foco e estabelecer objetivos para o tratamento. � Seu caráter pedagógico: parte do tra- balho consiste em discutir com o clien- te seu quadro clínico, a necessidade da medicação e os efeitos colaterais, bem como, sempre que possível, orientar a família. � Seu caráter multidisciplinar: a terapia participa de um trabalho em conjunto com outros profissionais (psiquiatras, enfermeiros, terapeutas ocupacionais, nutricionistas, etc.). Esses aspectos também justificam sua importante aplicação em projetos de pesquisa. A maior parte dos tratados referentes ao tratamento psicológico dos transtornos psiqui- átricos reporta-se à terapia cognitivo-compor- tamental (TCC) desses transtornos. Geralmen- te, são descritos �pacotes� de tratamento nos quais se utilizam técnicas comportamentais e cognitivas cujo objetivo é o alivio de sintomas de um determinado transtorno psiquiátrico. Um exemplo é o tratamento do transtorno do pânico. O tratamento desse transtorno, em ter- mos cognitivo-comportamentais, inclui a expo- sição a situações fóbicas de maneira gradual e sistemática, o gerenciamento da ansiedade através de técnicas de respiração e relaxamen- to e a modificação de crenças e pensamentos catastróficos associados ao aumento da ansie- dade em determinadas situações. A eficácia desse tipo de tratamento foi extensivamente comprovada em inúmeros estudos no mundo inteiro. O que esse tipo de abordagem oferece como vantagem? A utilização de técnicas. Note- se que o intuito aqui não é o tratamento do indivíduo como um todo, mas o tratamento de seu transtorno, o que é extremamente válido. Se trabalhamos em uma instituição e precisa- mos oferecer tratamento rápido e eficaz a pes- soas que nos procuram em sofrimento, essa abordagem oferece-nos condições de fazer isso com sucesso. Outra qualidade desse tipo de abordagem é sua fácil aplicação em projetos Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5614 Leonidas Valverde da Silva Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 15 de pesquisa. A psicologia mereceu o respeito que tem hoje quando provou que seus méto- dos eram válidos sob um ponto de vista cien- tífico, mesmo que esse ponto de vista tenha sido, até hoje, o positivista (o modelo médico de ciência). Já a indicação da terapia cognitiva de Beck se dá quando o objetivo principal é o alívio de sintomas através da modificação de crenças e pensamentos disfuncionais (Ver Capítulo 3). Aqui, a abordagem refere-se ao método cogni- tivo que segue um padrão bem-estruturado, no qual o terapeuta utiliza um roteiro que inclui a organização da agenda, a revisão e a prescri- ção da lição de casa, a discussão das tarefas e um resumo da sessão no final da mesma. O trabalho é educativo e está centrado nos pro- blemas do aqui e agora, relevando menor aten- ção às recordações da infância (Bricker, Young e Flanagan, 1993). O modelo de Beck procura ensinar o pa- ciente a: (1) observar e controlar os pensamen- tos automáticos negativos; (2) reconhecer os vínculos entre cognição, afeto e comportamen- to; (3) examinar as evidências a favor e contra pensamentos automáticos distorcidos; (4) subs- tituir cognições tendenciosas por interpretações mais orientadas para o real e (5) aprender a identificar e alterar as crenças disfuncionais que o predispõe a distorcer suas experiências. Di- versas técnicas são utilizadas para isso. As mais comuns são o diário de pensamentos, no qual o paciente registra pensamentos que alteraram suas emoções ao longo do dia a fim de avaliá- los de maneira mais objetiva, e o questio- namento socrático, através do qual o terapeuta auxilia o cliente na identificação das distorções de seus pensamentos e crenças, bem como na associação destas e do mal-estar que apresen- ta (Beck, 1998). Esse tipo de abordagem é útil quando a pessoa que procura tratamento sente-se con- fortável frente a uma abordagem mais racio- nal, organizada e objetiva. No tratamento de transtornos psiquiátricos caracterizados por uma dificuldadede organização do paciente, como, por exemplo, a depressão, esse tipo de abordagem mostra-se extremamente útil, na medida em que ensina o paciente a organizar seu tempo e suas prioridades, dando-lhe ins- trumentos para observar-se de maneira mais concreta. Finalmente, a abordagem cognitiva-cons- trutivista é indicada quando o objetivo é com- preender a �construção de significados� que o indivíduo realizou ao longo de sua vida e que pode estar causando sofrimento. O foco dessa terapia incide sobre os esquemas emocionais que orientaram tal �construção�. Por isso, a maior parte das técnicas da terapia construti- vista focaliza as narrativas que o cliente faz de sua história de vida e de suas experiências atu- ais. A história de vida tem especial relevância, uma vez que permite a compreensão do modo pelo qual tal construção foi sendo realizada. A abordagem construtivista é utilizada quando há necessidade de realizar um traba- lho psicoterápico mais amplo e mais profun- do, no qual as mudanças obtidas são muitas vezes mais duradouras. No tratamento dos transtornos de personalidade, nos quais as téc- nicas comportamentais e cognitivas têm-se mostrado insuficientes e muitas vezes pouco eficazes, a terapia construtivista poderia ser bastante promissora. Por que promissora e não eficaz? Porque ainda estamos no início do desenvolvimento de uma metodologia que nos permita validar procedimentos cuja prioridade é o indivíduo e sua história, e não a observação externa, o diag- nóstico ou a aplicação de técnicas na realiza- ção de uma psicoterapia científica. Não que o diagnóstico, a generalização de dados ou a validação de técnicas sejam menos importan- tes; porém, em psicoterapia, isso está longe de ser suficiente. Esperamos que esta obra sirva de ponto de partida para novas reflexões e para o apri- moramento e o refinamento dos modelos cognitivos no Brasil e que possamos, no futu- ro, desenvolver um modelo nosso, que atenda às nossas necessidades. Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5615 Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva 16 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols. CONCLUSÃO Ainda restaram sem uma resposta ques- tões importantes sobre o que determina a in- terpretação que uma pessoa faz das situações, ou mesmo a quais regras esse processo de atri- buição de significados obedece. Beck, no início de seu trabalho, afirmava que são os esquemas cognitivos ou as crenças que determinam essa interpretação de um in- divíduo sobre si mesmo e sobre o mundo. Mas, hesitando a outra ponderação, de onde pro- vêm esses esquemas? Seriam eles apenas deri- vados de uma natureza cognitiva? Para Beck (1970), os esquemas são estru- turas cognitivas abstratas, formadas segundo regras e pressupostos adquiridos durante o de- senvolvimento, que geram padrões ou temas na percepção que o indivíduo tem de si mesmo e de suas experiências. Todavia, bem sabemos que algum tempo após publicada, muitos estudio- sos já não aceitavam essa definição como com- pletamente suficiente (Mahoney, 1998). Mesmo se fosse consenso que o compor- tamento do indivíduo é um reflexo da inter- pretação que ele faz de si mesmo e do mundo, hoje essa interpretação (de mão única) não pode não ser totalmente validada, pois a neurociência aponta para o fato de que as emo- ções também contribuem para a arquitetura da atribuição de significados (Damásio, 2001). Não seriam, portanto, os esquemas emocionais, construídos desde a infância que antecedem as interpretações cognitivas do indivíduo? Idéi- as dessa natureza foram as responsáveis pela origem da concepção construtivista, conforme veremos ao longo dos primeiros capítulos des- te livro. Portanto, vale relembrar que hoje a tera- pia cognitiva apresenta duas possibilidades de compreensão e intervenção no processo de mudança psicológica, e ambas procuram iden- tificar as formas de interpretação que o indiví- duo faz de suas experiências. Quando falamos de terapia cognitiva, é necessário sempre con- siderar o ponto de vista do qual se parte, ou seja, qual é a conce(o)pção epistemológica ado- tada pelo clínico (Abreu, 2001). Cada um per- mite, de sua própria maneira, diversas possibi- lidades de entendimento, intervenção e objeti- vos terapêuticos (Mahoney, 1998). Concordamos com a afirmação de Miró (1998) de que explicar a mudança terapêuti- ca, partindo de uma concepção histórica do sujeito, não deveria ser uma limitação para a psicoterapia científica, mas sim um horizonte, certamente mais coerente com as necessida- des encontradas quando se trata de investigar cientificamente os processos de mudança en- volvidos no trabalho psicoterapêutico. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABREU, C.N. Panorama actual de la terapia cogniti- va en sudamérica. Conferência apresentada no 1er. Simposio Reginal Sudamericano de Terapia Cogni- tiva, Argentina, 1996. ___________ . Psicoterapia construtivista: o novo para- digma dos modelos cognitivistas. In: RANGÉ, B. (Org.). Atualizações em terapia cognitivo-comporta- mentais. Porto Alegre: Artmed, 2001. p.62-76. ABREU, C.N.; SHINOHARA, H. Cognitivismo e cons- trutivismo: uma fértil interface. In: FERREIRA, R.F.; ABREU, C.N. (Orgs.). Psicoterapia e construtivismo: considerações teóricas e práticas. Porto Alegre: Artmed, 1998. p.65-82. BECK, A.T. Thinking and depression I: idiosyncratic content and cognitive distortion. Archives of Gene- ral Psychiatry, v.9, p.324-33, 1963. ___________ . Cognitive therapy: nature and relation to behavior therapy. Behavior Therapy, v.1, p.184- 200, 1970. BECK, J. Terapia cognitiva: teoria e prática. Porto Alegre: Artmed, 1998. BRICKER, D.; YOUNG, J.; FLANAGAN, C.M. 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A prática da terapia comportamental. São Paulo: Brasiliense, 1976. Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5617 PARTE I Aspectos Epistemológicos Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5619 Verdade, Conhecimento e Emoção nas Abordagens Cognitivas Henrique Alvarenga da Silva rapêutica, e diversos trabalhos de pesquisa têm sido conduzidos nesse sentido. Como resulta- do disso, a terapia cognitivo-comportamental tem conseguido mostrar-se eficaz em uma sé- rie de transtornos psiquiátricos e alcançado seu lugar tanto na prática clínica quanto nas insti- tuições de ensino. O construtivismo como forma de psicote- rapia ainda é recente. No Brasil, é mais conhe- cida sua versão piagetiana, utilizada principal- mente na área da pedagogia. Entretanto, nos últimos anos, sua construção teórica tem cres- cido significativamente e merece ser visitada. A psicoterapia cognitivo-construtivista faz parte de uma revolução epistemológica no cam- po das ciências cognitivas, assumindo como característica marcante a grande multi- disciplinaridade. Ela surgiu a partir de contri- buições das ciências biológicas, da filosofia, da lingüística, da antropologia, da computação e de vários ramos da psicologia. Fruto especial- mente de questionamentos nas concepções básicas dessas áreas, representa o resultado de uma evolução histórico-científica que culmina com o encontro de diversas disciplinas no que se denominaciência cognitiva ou, conforme Gardner (1996), uma nova ciência da mente. As idéias filosóficas não são apenas orna- mentos ou comentários parasitas sobre os difí- ceis objetivos da ciência. É inevitável que toda 11 CONSIDERAÇÕES INICIAIS Nas três últimas décadas, o aparato teó- rico da psicoterapia tem atravessado importan- tes revoluções epistemológicas. A psicoterapia comportamental incorporou gradualmente conceitos cognitivos e hoje é usualmente de- nominada de terapia cognitivo-comportamen- tal. Essa nomenclatura evidencia uma fusão de teorias e práticas, além de mostrar que elas têm tido flexibilidade suficiente para suportar con- tínuas reformulações. Flexibilidade essencial para uma proposta teórica que deseja manter- se atualizada em um momento em que as ino- vações nas ciências do homem e da mente têm sido tão rápidas. Assim como há alguns anos o comporta- mentalismo e o cognitivismo eram considera- das duas correntes contraditórias, hoje ainda percebemos haver uma distinção entre terapia cognitvo-comportamental e terapia cognitivo- construtivista ou, mais simplesmente, entre te- orias cognitivistas e construtivistas. Acredita- mos que, apesar dessa atual distinção, essas duas propostas têm muito a se beneficiar uma da outra. A terapia cognitiva surgiu, sobretudo, a partir da prática clínica de terapeutas. Seus pro- ponentes e desenvolvedores têm-se preocupa- do de maneira sistemática com sua eficácia te- Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5621 22 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols. ciência, inclusive a psicologia, comprometa-se com uma posição epistemológica clara, pois não existe ciência livre de filosofia. E é justa- mente o amplo trabalho filosófico que man- tém unidos os múltiplos programas de pesqui- sa agrupados sob o nome de ciências cogniti- vas. Entretanto, é comum que, em vários ra- mos da ciência, os pressupostos teóricos fun- damentais sejam os mais frágeis. Uma teoria sem alicerces bem-fundamentados é como um edifício erguido sobre areia movediça. A proposta cognitivo-construtivista fun- damenta-se na concepção de que todo o pro- cesso de construção de significados realiza-se na interface entre a cognição, a emoção e a experiência, a partir da participação ativa do indivíduo, formando um conjunto de crenças que sustenta o processo de julgamento, a to- mada de decisões e as ações do ser humano. Este capítulo pretende mostrar como a revolução epistemológica nas ciências naturais foi incorporada pela psicologia e traçar um breve percurso histórico desse processo. Serão discutidos os aspectos considerados essenciais na construção do significado e salientadas al- gumas particularidades da relação terapêutica oriundas dessa nova abordagem. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA EPISTEMOLOGIA CONSTRUTIVISTA O resgate histórico dessa evolução torna- se complexo devido à sua não-linearidade, dado o grande isolamento inicial entre essas disciplinas. Apesar disso, acreditamos que a exposição desse processo, mesmo que simpli- ficada, seja essencial para a sua compreensão. Afinal, as teorias não são criadas em um mo- mento isolado; elas são desenvolvimentos his- tóricos contínuos, em um processo de supera- ção das contradições das teorias precedentes. É essencial ter em mente que as teorias são apenas instrumentos, e não respostas aos enig- mas, necessitando estar constantemente em re- novação, e que os verdadeiros avanços na his- tória das ciências acontecem quando seus pa- radigmas são revistos, aprimorados ou substi- tuídos (Kuhn, 2000). Assim, não basta a expo- sição das teorias; é necessário esclarecer seu desenvolvimento e seus efeitos. No ocidente, os primeiros modelos acer- ca do funcionamento da mente foram formu- lados por Sócrates, que considerava a razão e a consciência (psyché) como a essência do ser humano. Posteriormente, Platão denomina de �idéias� os conteúdos da consciência, conside- rando existirem fora do mundo físico (Benson, 1993). Segundo ele, o conhecimento perten- ceria à �alma�, sendo apenas um �relembrar�. Desde o início do pensamento filosófico gre- go, já estava lançada a idéia de uma dicotomia entre uma mente não-física e um corpo físico. No século XVII, Descartes e Galileu fize- ram a distinção precisa entre realidade física, passível de ser descrita pela ciência, e �reali- dade mental da alma�, considerada fora do campo da pesquisa científica (Reale e Antiseri, 1990). Ao afastar a mente da ciência, reduzia- se o campo científico e a complexidade dos problemas, o que facilitava seu desenvolvimen- to inicial. Esse dualismo foi útil durante algum tempo, pois ajudou a afastar a autoridade dos religiosos sobre os cientistas da época. A revo- lução científica que se iniciava tinha como tra- ço mais característico seu método experimen- tal, buscando suas verdades independentemen- te da metafísica e da fé e tendo como preten- são descrever uma realidade objetiva. Toda a ciência moderna baseia-se nessa noção da existência de uma realidade objeti- va, regida por leis fixas, coerentes e univer- sais, passíveis de serem conhecidas. O período moderno da filosofia foi, em grande parte, do- minado pela idéia básica de que a mente ca- racteriza-se por espelhar a natureza, garantin- do, assim, a representação correta da realida- de (Rorty, 1979). A ciência seria a busca da certeza, da verdade objetiva. Nesse contexto, a atividade científica seria concebida como a descoberta dessas leis da natureza (da realida- de), e o homem seria apenas um observador passivo, capaz de captar fenômenos que ocor- rem sem a sua interferência. É indiscutível que tal conceito possibili- tou avanços importantes nas ciências naturais, tendo sido bastante eficiente do ponto de vista pragmático. Até recentemente, esse ideal da Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5622 Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 23 ciência manteve seu caráter dominante. Con- tudo, mesmo muito antes do surgimento do método científico, diversos pensadores já se questionavam sobre a possibilidade de se ad- quirir essa almejada �verdade objetiva�, ques- tionamentos esses que surgiram em diversos momentos através da história. No século XVIII, Vico (1999) sugeria que só era possível conhecer aquilo que se cons- truiu, ou seja, que o conhecimento repousava em uma relação mútua entre conhecer e fazer. As questões acerca da origem, da essência e da certeza do conhecimento foram sistematica- mente formuladas pela primeira vez por Lock (1973), em sua obra An essay concerning hu- man understanding. O ramo da filosofia que assim surgia, conhecido como epistemologia, procurava saber se nossas representações in- ternas eram precisas e até que ponto podiam espelhar a realidade externa. Sua preocupa- ção fundamental é entender como se dá o co- nhecimento. As primeiras noções acerca do conhecimento postulavam que a verdade a ser conhecida era independente do homem. Essa independência era a marca registra- da da realidade objetiva. De fato, a discussão sobre os conceitos de �verdade� e de �conheci- mento� derivou em variadas linhas de pensa- mento, as quais se diferenciavam conforme o modo como entendiam a possibilidade de aces- so a essa verdade. As dificuldades de separação entre o ob- servador (o homem) e o objeto da observação foram expostas pela primeira vez por Kant (1997), em sua obra-prima Crítica da razão pura. No início do século XX, cresceram os questionamentos relativos às noções de verda- de e objetividade, provocando verdadeiras re- voluções científicas. Gadamer (2001) conside- rava que o conceito de verdade não poderia ser aplicado às ciências humanas. Quase repe- tindo as palavras de Vico (1999), o conhecer passa a ser definido por Dupuy (1996) como o ato de �produzir um modelo do fenômeno e efetuar sobre ele manipulações ordenadas�. Na biologia, Maturana (1988) e outros teóricos mostraram que o acesso de um organismo à realidade não é possível em termos absolutos, pois está sempre limitado pela estrutura bioló- gica do organismoque busca conhecer. Na física, Max Planck desenvolveu a me- cânica quântica, que introduzia a idéia de imprevisibilidade. A ciência começava a se in- teressar por fenômenos que não poderiam mais ser explicados por simples relações de causa e efeito. Em decorrência dessa mudança de pers- pectiva, passa a ser descrita como um diálogo com a natureza, as certezas dão lugar a possi- bilidades e probabilidades, e o futuro deixa de ser totalmente previsível. Esse movimento, que vem sendo esboçado desde o final do século XIX, passa a ser chamado de pós-modernismo. O processo de transformação dos pressu- postos epistemológicos tem uma história para- lela na psicologia. Em um primeiro momento, enquanto o paradigma dominante era a busca da verdade absoluta, o campo de observação ficou restrito aos fenômenos objetivos, ou seja, ao comportamento. Assim, Watson (1919; 1920) propôs que uma psicologia científica deveria restringir-se ao estudo do comporta- mento observável e que toda conduta humana deveria ser explicada em termos de estímulos e respostas aprendidas. As pesquisas sobre o aprendizado, desenvolvidas na Rússia princi- palmente por Pavlov (1927), foram muito bem recebidas pelos psicólogos nos Estados Unidos e ajudaram a promover a teoria comportamen- tal. Skinner (1970; 1995), certamente um dos mais influentes behavioristas do século XX, con- siderava que as diferenças entre as pessoas eram devidas às diferentes histórias de estímulo e reforço. A versão britânica do comportamenta- lismo surgiu no início da década de 50, deriva- da sobretudo das idéias de Pavlov (1927), Watson (1920) e Hull (1943); nos Estados Unidos, foi impulsionada pelos estudos de Skinner sobre condicionamento (Rachman, 1997). Os problemas dos pacientes eram defi- nidos pura e simplesmente como distúrbios de comportamento, e a solução proposta era um programa corretivo de condicionamento ope- rante. De acordo com Eysenck (1960), o com- portamento não era considerado um sintoma, e sim o próprio problema. A terapia comportamental era atrativa por se legitimar em sua posição científica, preten- dendo ser uma ciência objetiva e insistindo na necessidade de fundamentação empírica. No Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5623 Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva 24 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols. entanto, apesar de seu grande progresso práti- co, houve um declínio crescente em sua pro- dução teórica com o passar dos anos. A partir de 1970, essa estagnação teórica começou a se tornar fonte de insatisfação, pois uma série de questões simplesmente não encontrava respos- tas no âmbito desse paradigma (Rachman, 1997). Relações simplistas de causa e efeito mostravam-se cada vez mais insuficientes para explicar o comportamento humano: estímulos aparentemente idênticos provocavam respos- tas totalmente inesperadas. No início da década de 20, Vygotsky cu- nhou o termo mediação para descrever os pro- cessos através dos quais os organismos estabe- lecem as conexões entre os estímulos e as res- postas (Cole, 1994). Entretanto, Vygotsky e Luria aplicaram o conceito de mediação quase que exclusivamente ao desenvolvimento dos processos mentais nas crianças. Aos poucos, a noção de que havia alguma forma de media- ção entre os estímulos ambientais e as respos- tas apresentadas começou a ganhar destaque. Ficava cada vez mais evidente que o homem não reagia passivamente a estímulos ambien- tais, mas sim de acordo com sua interpretação desses estímulos, os quais podiam ser mais com- plexos do que se imaginava. Estudos com crianças demonstraram que, já por volta dos seis meses de idade, os estímu- los desencadeadores de respostas comporta- mentais em bebês incluem complexas imagens mentais e, no segundo ano de vida, começa a se desenvolver a capacidade de pensamento simbólico. Portanto, desde cedo, o bebê passa a responder não a meros estímulos físicos, mas sim a estímulos que se revestem de significa- ção (Bowlby, 1997). A nova psicologia emergente deparava- se com um problema: como utilizar a metodo- logia científica se não há mais como observar objetivamente os fenômenos a serem estuda- dos? A metodologia da ciência moderna mos- trava-se, não apenas insuficiente, mas também inadequada ao estudo dos fenômenos mentais. Como todo o acesso que temos aos fenômenos subjetivos de uma outra pessoa passa, inicial- mente, pela própria interpretação desta, a pos- sibilidade de um conhecimento objetivo des- morona. O papel do observador adquire uma nova dimensão, pois não há mais observação despro- vida de interferência. Todo contato com outro ser humano provoca inevitavelmente interferên- cia e modifica o objeto da observação. Na inte- ração humana, não há mais somente um obser- vador, e sim um participante do processo. Prigogine (1996), prêmio Nobel de química, admite que, mesmo nas ciências naturais, como na física, existe sempre um vínculo entre o ob- servador e o fenômeno e que todo processo de mensuração sofre a interferência do observador. O novo paradigma toma por objeto de investi- gação as relações entre os elementos e o obser- vador, e não o objeto-em-si. O pensamento, a emoção e as sensações de um ser humano não são passíveis de obser- vação direta, não podendo ser consideradas realidades objetivas a serem captadas. Depen- dem de sua exteriorização � comunicação � por meio do discurso. Nas palavras de Ricoeur (1999, p. 27-28): O que é experienciado por uma pessoa não pode se transferir totalmente como tal e como experiência para mais ninguém. A minha ex- periência não pode se tornar diretamente a vossa experiência. No entanto, algo se passa de mim para vocês, algo se transfere de uma esfera de vida para outra. Esse algo não é a experiência enquanto vivenciada, mas a sua significação. A experiência vivenciada, como vivida, permanece privada, mas seu sentido, a sua significação torna-se pública. A aceitação do subjetivo como objeto de estudo da ciência tornou viável o surgimento e a incorporação de conceitos cognitivos à então vigente terapia comportamental. A estru- turação metódica das sessões, sua base empiri- cista e a inclusão de exercícios comportamen- tais facilitaram a absorção acadêmica e profis- sional da nova forma de terapia, denominada de terapia cognitivo-comportamental. Um dos primeiros focos de atenção das terapias cogni- tivas foi a depressão, por ela envolver elemen- tos cognitivos óbvios e não ter sido tratada com sucesso através da terapia comportamental. Beck (1967; 1976) e Ellis (1958; 1962) foram os dois teóricos pioneiros e mais influen- Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5624 Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 25 tes da terapia cognitiva. Segundo eles, os dis- túrbios emocionais são causados por proces- sos cognitivos ou cognições disfuncionais; em outras palavras, pelos pensamentos ilógicos e irracionais. Para Ellis, os seres humanos apresentam a tendência de pensar irracionalmente, e suas propostas iniciais de tratamento cognitivo vi- savam à correção dos pensamentos ou das cren- ças disfuncionais através da maximização da racionalidade. A emoção é considerada uma conseqüência do pensamento, e o objetivo da terapia é torná-la mais �adequada� através da correção da lógica do pensamento. Para Beck (1997), a terapia cognitiva fun- damenta-se na noção de que o estado de hu- mor e o comportamento do indivíduo são em grande parte determinados pelo modo como ele estrutura o mundo. Além disso, considera que os transtornos emocionais são causados por constructos cognitivos disfuncionais e que a sua correção pode proporcionar a melhora clínica. Os terapeutas cognitivos usualmente empre- gam o termo cognições disfuncionais para se re- ferirem às crenças rígidas, excessivas ou inapropriadas mantidas pelos pacientes. Um importante elemento do modelocog- nitivo é o conceito de esquemas emocionais. Segundo Beck (1997), estes designam padrões cognitivos relativamente estáveis, responsáveis pela regularidade das interpretações do indi- víduo em sua relação com o mundo, com os outros e consigo mesmo. A importância das crenças pessoais já foi ressaltada também pelo filósofo espanhol Ortega y Gasset (1982), que as considera como o �extrato básico mais pro- fundo da arquitetura de nossa vida�. Segundo ele, o diagnóstico de uma existência humana deve começar identificando o sistema de suas convicções e, para isso, sua crença fundamen- tal. Essa distinção entre níveis de crenças é mantida e desenvolvida por Aaron Beck e ou- tros terapeutas cognitivos. Beck (1997) denomina de crenças centrais aquelas mais fundamentais, geralmente desen- volvidas durante a infância, que influenciam o surgimento e a manutenção das crenças inter- mediárias e dos pensamentos automáticos. Uma das etapas essenciais do processo da te- rapia cognitiva consiste precisamente em aju- dar o paciente a compreender que suas cren- ças são apenas �idéias� e não �verdades�, sen- do, assim, passíveis de modificação. A terapia cognitiva inicial reconhecia a influência do pensamento sobre a emoção, mas ainda não compreendia que as emoções tam- bém podiam influenciar os pensamentos. Uma série de estudos mais recentes têm demonstra- do que o estado de humor pode influenciar sig- nificativamente os processos cognitivos envol- vidos na interpretação e na avaliação da expe- riência (Teasdale, 1997). O PAPEL DAS EMOÇÕES A definição de termos como emoção, sen- timentos e afetos sempre foi confusa na lite- ratura. É provável que a dificuldade de defi- ni-los e de observá-los objetivamente tenha servido para que a ciência moderna não se dispusesse a estudá-la e, talvez, para manter a crença de que a emoção seja prejudicial ao raciocínio. Damásio (2000) faz uma importante dis- tinção ao designar por �emoção� um conjunto de reações corporais e por �sentimentos� a ex- periência mental privada da emoção. Assim, fica claro que a emoção não necessita de uma consciência para existir ou ser acionada. Por exemplo, quando nos damos conta de que estamos ansiosos, esse estado emocional já está presente muito antes de percebê-lo. Assim, a emoção e o sentimento fazem parte de um continuum funcional em constante relaciona- mento. A história do estudo das emoções mos- tra uma clara dicotomia. Resumidamente, po- demos dizer que os dois pólos da questão ca- racterizam-se ou por negar sua importância ou por considerar a emoção fundamental para a vida. As teorias que consideram a emoção sem função ou significado são descendentes da doutrina estóica. Segundo essa tradição, a na- tureza dotou os animais com o instinto e o homem com a razão. O ideal estóico conside- ra que o homem deve relacionar-se com seus semelhantes em atitude de total distanciamen- to, seja na política, no casamento ou nas ami- Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5625 Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva 26 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols. zades. De acordo com Zenão, fundador do estoicismo, as emoções são sempre � e só � perturbações do espírito e erros da razão, con- duzem à infelicidade e devem ser destruídas, extirpadas e totalmente erradicadas. É conhe- cida como �doutrina da apatia estóica� a idéia de que a felicidade é apatia, insensibilidade e ausência de toda paixão (Reale e Antiseri, 1990). A existência de emoções nos animais pa- rece ter facilitado o surgimento da idéia de que sejam estados biológicos inferiores. A negação de sua importância encontrou diversos adep- tos na história, entre eles Descartes, Spinoza, Leibniz e Hegel. Para Descartes, a força da alma consiste em vencer as emoções. Por outro lado, diversos pensadores ad- mitiam a importância das emoções. Pascal foi um dos pioneiros a dar primazia às �razões do coração, que a própria razão desconhece�, in- sistindo no valor e na função da emoção, que considerava como �fonte de conhecimento�. Shaftesbury foi provavelmente quem mais di- fundiu esse ponto de vista, tendo lançado tam- bém o conceito de balança ou equilíbrio das emoções (Abbagnano, 1999). As teorias cien- tíficas e filosóficas atuais partem da convicção de que não é possível compreender a existên- cia do homem, seja como organismo, �eu� ou pessoa, sem levar em conta a experiência emocional. A negação da emoção pela ciência du- rante tanto tempo é quase incompreensível, dado o fato de que na prática clínica, tanto da psiquiatria quanto da psicologia, nós nos deparamos diariamente com ela. Até o final do século XIX, a emoção quase não tinha es- paço em discussões científicas, muito menos em laboratórios de pesquisa. A partir da se- gunda metade do século XIX, partindo de pa- radigmas que aceitam a subjetividade, as emo- ções voltaram a ganhar espaço em discussões científicas. Um dos primeiros trabalhos científicos importantes foi o de Darwin (2000), que co- meçou a estudar a expressão da emoção no corpo dos homens e dos animais. Mais tarde, a mesma corrente de investigação psicológica, considerando a estreita correlação entre os es- tados corporais e psíquicos, começou a ver nos estados somáticos mais do que apenas uma sim- ples �expressão� das emoções. O psicólogo americano William James e o anatomista di- namarquês Carl Lange, trabalhando indepen- dentemente, propuseram que os estados cor- porais eram responsáveis pela indução dos sen- timentos (Mahoney, 1998). Nessa linha de pen- samento, ficamos tristes porque choramos, sentimo-nos assustados porque trememos. Essa teoria somática das emoções, embora hoje con- siderada incompleta, surgiu a partir da neces- sidade de estreitar as relações entre o corpo e a mente. Nas palavras de James (1976), �sem os estados corpóreos que se seguem à percepção, esta teria forma puramente cognitiva, pálida, descorada e desprovida de calor emocional�. A principal lacuna dessa teoria é que ela não explica a importância das emoções nem sua função biológica. Os últimos anos foram decisivos na com- preensão da importância da emoção. A idéia popular de que ela interfere negativamente no pensamento foi refutada por diversos autores. Damásio (1998; 2000), Gazzaniga et al. (1998) e Bowlby (1990), entre outros, têm demons- trado que as emoções são essenciais nos pro- cessos de tomada de decisão. Bowlby (1990) propõe que grande parte do que chamamos sentimentos são fases de avaliações intuitivas de um indivíduo sobre seus próprios estados e desejos para agir, ou sobre a sucessão de eventos ambientais em que ele se encontra. Assim, atribuir um sentimento é fazer uma previsão sobre o comportamento subseqüente. Desse modo, pode-se compreen- der a importância da emoção nos processos de interação: somente um animal capaz de avali- ar o estado de ânimo de outro estará apto a participar da vida social. Se considerarmos que alguém está enfurecido, ou nos afastamos, ou nos preparamos para esse confronto de uma maneira diferente daquela quando inferimos que está triste. Portanto, é essencial que pos- samos conhecer não apenas nossas próprias emoções, mas também inferir os estados emo- cionais daqueles que interagem conosco. Maturana (2001, p. 182) considera a emoção como disposições corporais dinâmicas que especificam os domínios de ações nos quais Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5626 Leonidas Valverde da Silva Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 27 operamos em um instante, ou seja, são as emo- ções que guiam, momento a momento, nosso agir. Além disso, como são as emoções que es- pecificam o domínio de relações a cada mo- mento, é a emoção que define o curso de nos- sas vidas no âmbito individual e cultural: Ao não compreendermos os fundamentos emocionais do nosso agir, tornamo-nos prisi- oneiros tanto da crença de que os conflitos e problemas humanos são racionais, quanto da crença deque as emoções destroem a racio- nalidade e são fonte de arbitrariedade e de- sordem na vida humana. De um ponto de vista evolucionista, Da- másio (2000) acredita que a razão surge a par- tir da emoção e juntamente com ela. As emo- ções fazem parte de um aparato biológico que visa à sobrevivência, regulando o estado inter- no do organismo de modo que ele possa estar preparado para reagir. A maioria das reações emocionais, se não todas, resultam de uma lon- ga história de minuciosos ajustes evolutivos. Entretanto, o impacto maior da emoção só foi atingido na natureza quando esta se tornou consciente. Ou seja, o ser humano, ao se dar conta da emoção, é capaz de refletir, planejar e superar a tirania das emoções. A razão, assim situada, não suprime a emoção, mas trabalha junto com ela. Por isso, os estados emocionais desempenham um im- portante papel nos intrincados processos de tomada de decisão, sendo componente essen- cial desses. A razão objetiva, sem emoção, não é suficiente para lidar com a complexidade e as incertezas dos problemas pessoais e sociais. Isso não significa que os processos lógicos se- jam desnecessários, mas que ambos, tanto o processamento lógico quanto o processamen- to afetivo, agem conjuntamente. O processa- mento consciente das emoções, enquanto sen- timentos, proporciona a ampliação dos meca- nismos de resolução de problemas, isto é, sen- tir as emoções amplia o alcance delas, facili- tando o planejamento de novas formas de ação, mais talhadas para a ocasião. Segundo a hipótese do �marcador somá- tico�, desenvolvida por Damásio (1998), a emoção reduz o número de opções a serem analisadas pela consciência, reduzindo, assim, a complexidade do processo e agilizando o tem- po de resposta. Sem essa redução, a quantida- de de variáveis a serem analisadas cognitiva- mente seria excessiva (Mathews, 1997). Sem o estímulo e a orientação da emoção, o pensa- mento racional torna-se lento e desintegra-se. Embora as emoções possam dar origem a rea- ções que, cotidianamente, descreveríamos como irracionais, sua ausência acarreta preju- ízos maiores. A razão sozinha não é suficiente nem apropriada para um organismo que se vê diante de escolhas. A frase �um sentimento visceral� atinge um sentido praticamente lite- ral para Damásio. Sem essa experiência visce- ral, corporal, não há como dar valor às opções que se apresentam. Como diria James (1967), opções puramente cognitivas seriam �pálidas, descoradas, desprovida de calor emocional�. Podemos agora acrescentar também que, sem a emoção, as informações ou as escolhas seri- am desprovidas de �valor�. Segundo Abbagnano (1999), entende-se por emoção qualquer estado, movimento ou condição que provoque a percepção de valor (alcance ou importância) que determinada si- tuação tem para sua vida, suas necessidades, seus interesses. Essa definição atual identifica a emoção como o que confere valor e matiz aos pensamentos. A CONSTRUÇÃO DO SIGNIFICADO A partir do momento em que os estados mentais e a emoção passam a ser considerados objetos de uma psicologia cognitiva, surge a seguinte questão: como são criados os signifi- cados? Qual a interferência desses significados na vida de cada um? Através de que processos se realiza a mudança? Uma psicologia centrada nos significados pode inicialmente causar uma sensação de des- confiança se ainda nos baseamos nas premis- sas da ciência moderna de que há uma causa verdadeira e objetiva para o comportamento do homem. Adeptos dessa postura objetivista poderiam alegar que o que as pessoas dizem não representam as verdadeiras causas de seus comportamentos, pois estas são inacessíveis à Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5627 Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva 28 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols. consciência. Até mesmo Freud aderiu a essa visão da ciência, que era a mais atual em sua época. Está claro que as pessoas não podem des- crever corretamente a base de suas escolhas nem as tendências que influenciam a distribui- ção dessas escolhas. Porém, não há sentido em descartar as construções e as explicações pes- soais baseadas na premissa de que não repre- sentam a verdade, pois é o mesmo que consi- derar sem valor as crenças individuais e as nar- rativas de vida de cada um. É justamente esse conteúdo mental que as teorias baseadas na ciência moderna descartavam ao serem apli- cadas à psicoterapia. E é também esse conteú- do que as teorias chamadas pós-modernistas vêm trazer de volta à posição de destaque nas pesquisas, partindo de premissas completamen- te diferentes. Enquanto a ciência moderna des- cartava esses conteúdos pelo fato de não po- derem ser verificáveis quanto à sua veracida- de, as teorias de base cognitiva, sobretudo as de base cognitivo-construtivista, estão interes- sadas nas influências dessas construções sobre a vida do próprio indivíduo. Podemos dizer que a verdadeira revolução cognitiva deve-se à ên- fase na construção dos significados. Em uma relação terapêutica, isso signifi- ca considerar de extrema importância a inter- pretação que o próprio paciente tem sobre suas experiências, sobre seu mundo e sobre si mes- mo. Não se trata mais de descobrir os signifi- cados ocultos, mas de conhecer os processos de sua construção. É evidente que cada um é criador de sua própria rede de significados, sendo participante ativo desse processo. Cons- truir algum sentido a partir da experiência é, antes de tudo, construir alguma forma de coe- rência (Gonçalves, 1998a). Na ausência de uma coerência interna, a vida transforma-se em um composto de experiências dissociadas que não podem ser compreendidas nem na sua singu- laridade nem na sua seqüência (Gonçalves, 1998b). O desenvolvimento de uma estrutura narrativa coerente é condição essencial de so- brevivência psicológica. Se não fôssemos ca- pazes dessa organização, estaríamos perdidos na escuridão de uma experiência caótica (Bruner, 1997). Um sistema de crenças ou valores é ca- paz de conferir continuidade e coerência às nossas vidas, porque ajuda-nos a tomar deci- sões e a avaliar a importância das experiên- cias pessoais. Schiller e Dewey alegavam que �as idéias tornam-se verdadeiras na medida em que nos ajudam a manter relações satisfa- tórias com outras partes de nossa experiên- cia� (apud James, 1967). Ou seja, temos a ten- dência de aceitar melhor aquilo que está de acordo com nossas crenças e, ao aceitar, nós o validamos como verdadeiro. Na vida cotidia- na, �verdadeiro� é apenas um adjetivo que qualifica uma crença, um julgamento ou um fato como sendo coerente com o que já co- nhecemos. Para Guidano (1988b), conhecer é a cons- trução e a reconstrução contínua de uma reali- dade capaz de dar coerência ao curso da expe- riência. Assim, passo a passo, construímos nos- sos modelos de mundo, nossos modelos men- tais, em grande parte em nível tácito. De acordo com Greenberg (1996), o des- conforto ou os problemas emocionais resultam de dificuldades na organização das experiên- cias em uma narrativa coerente. Nesse senti- do, Festinger (1975) introduziu o conceito de dissonância cognitiva para se referir às rela- ções discordantes ou contraditórias entre cognições, considerando-a um estado de ten- são psicológica que motiva a busca da redução da contradição. Assim, quanto mais importan- tes forem essas crenças, maior o desconforto produzido pela dissonância entre elas. O des- conforto surge quando há contradição entre a experiência em si e a explicação ou a elabora- ção dessa experiência, ou quando duas ou mais crenças revelam-se incompatíveis. A dissonân- cia pode ser reduzida pela redução do número ou da importância das cognições incoerentes. Todavia, o conjunto de crenças de um ser hu- mano não pode ser fácil nem intencionalmen- te modificado por outra pessoa. No construtivismo, não há uma busca fo- calizadana mudança de crenças; o objetivo não é apenas proporcionar novas �crenças funcio- nais�, mas também tornar o cliente consciente de seus processos de atribuição de significado Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5628 Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 29 e mais capaz de flexibilizar suas construções. Portanto, é imprescindível que tanto os pro- cessos cognitivos quanto os processos emocio- nais participem dessa organização, através de um processo dialético entre pensamento e sen- timento para a construção de significado. É a elaboração cognitiva das emoções e dos senti- mentos que tem o potencial de organizar a ex- periência de unidade entre corpo e mente, com- portamento e cultura. A síntese dialética construtivista ocorre entre a experiência e a explicação, entre os conceitos e as experiências corporais. Quando a construção do significado não leva em consi- deração as informações geradas por processos afetivos, ou se deixa guiar por esquemas emo- cionais disfuncionais, não é capaz de proporci- onar coerência e provoca desconforto. Nessa existência relacional, a natureza auto-inter- pretadora do ser humano toma uma posição de destaque, pois ele é, ao mesmo tempo, su- jeito e objeto de sua investigação. No processo de relacionamento com diferentes aspectos de sua existência, os seres humanos estão sempre à procura de significados, sempre à procura de um sentido (Mahoney, 1988). Alguns autores propõem, inclusive, considerar o cérebro como um �dispositivo hermenêutico�. Todo o processo de conhecer realiza-se em uma relação dialética constante, na qual as contradições em que se enreda a realidade vão gradualmente sendo superadas. Hegel consi- derava a dialética como a própria natureza do pensamento, o qual se desenvolvia através de uma série de �momentos dialéticos� (Abbagnano, 1999). Sua dialética trata da cons- trução do conhecimento e serve de elo de liga- ção entre todas as teorias construtivistas (Glassmann, 2000). As perspectivas cognitivo-construtivistas consideram que o ser humano está continua- mente implicado em um processo ativo de or- ganização emocional e cognitivo da experiên- cia para entender e guiar sua relação com o mundo (Greenberg et al., 1996). A síntese or- ganizada resultante desse processo é a própria experiência de estar-no-mundo. A CONSTRUÇÃO SOCIAL DO SIGNIFICADO Diversas correntes de pensamento com- partilham a noção de que não há sentido na idéia de um ser humano na ausência de um mundo no qual ele se insere. Ao mesmo tempo em que a sociedade nasce da interação entre indivíduos, ela retroage sobre ele e modela-o. Podemos dizer que a relação do homem com seu meio é uma relação de co-construção. Por diferentes ângulos, na biologia, na psicologia e na antropologia, vários pesquisadores con- cordam com o fato de que as evoluções cultu- rais e genéticas são interligadas, em um pro- cesso denominado co-evolução gene-cultura (Wilson, 1999). Nas tentativas iniciais de se consolidar como uma disciplina científica, a psicologia buscou inicialmente as leis da atividade men- tal na estrutura do organismo. A noção vigen- te era que as respostas e as leis de toda ativi- dade mental poderiam ser encontradas no in- divíduo. Não há dúvida de que essa psicologia do indivíduo tenha contribuído em muito para o conhecimento do ser humano. Entretanto, a origem social dos processos mentais foi am- plamente ignorada. O ser humano emerge dessa relação dialógica entre os diferentes níveis de sua exis- tência biológica e cultural, não sendo possível reduzir sua essência a apenas um de seus as- pectos. Schneirla (1972) julga pertinente falar de uma natureza do verme, de uma natureza da formiga ou, até mesmo, de uma natureza do pássaro, mas não de uma natureza huma- na, porque o homem �pode ter toda e qual- quer natureza que permitam as condições de sua criação e de sua situação social� (Schneirla, 1972, p. 67). Além disso, a razão pela qual os seres humanos não possuem uma natureza psi- cológica específica é que a biologia influi de maneira radicalmente diferente sobre o com- portamento animal e sobre o comportamento humano. Enquanto a maior parte do compor- tamento animal é determinada diretamente pela biologia, as ações humanas sofrem uma influência indireta e não-específica da biolo- Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5629 Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva 30 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols. gia. Enquanto nos animais inferiores encon- tram-se grandes repertórios de comportamen- tos relativamente estereotipados, nos mamífe- ros, como regra geral, o padrão adaptativo geral não está inicialmente formado ou está formado de maneira muito imprecisa. Para Ortega y Gasset (1982), o homem não é uma natureza, e sim uma história. Em outras palavras, �os seres humanos não termi- nam em suas próprias peles� não existe tal coisa como uma natureza humana independen- te da cultura� (Bruner, 1997). Diz-se, então, que o homem é um ente de relação. Para Buber (2000), o fundamento ou a essência de sua existência é a relação. Heidegger (1996) utili- za o termo Dasein, traduzido para o português como ser-no-mundo, para referir-se a um ser que se relaciona com o mundo, e não apenas se localiza neste, enfatizando a impossibilida- de de sequer imaginar o homem isolado e in- dependente do mundo. A natureza essencialmente relacional do ser humano baseia-se tanto nos aspectos cul- turais quanto nos aspectos biológicos. Mesmo antes da proposta evolucionista de Charles Darwin, já havia a noção de que a construção biológica de um organismo vivo pautava-se na relação deste com o meio ambiente. O genoma humano não especifica toda a estrutura do cérebro. Possuímos apenas cerca de 30.000 genes, número insuficiente para determinar a estrutura e a posição de todas as células em nosso organismo, muito menos no cérebro. Os genes nada mais são do que ape- nas uma receita básica para a construção de um ser humano. O cérebro possui aproxima- damente 1011 neurônios, cada um podendo receber cerca de 10.000 a 100.000 conexões sinápticas, havendo, assim, um número astro- nômico de possibilidades de configuração des- se sistema (Kandel et al., 1995). A informação contida na complexa rede neuronal excede em muito a quantidade que pode ser armazenada nos genes (Singer, 1986). Contudo, apesar de as informações genéticas não serem suficien- tes para proporcionar a configuração dessa rede, as conexões entre os neurônios não são realizadas aleatoriamente, mas seguem uma or- ganização surpreendente. A capacidade de organização dos sistemas neuronais não se baseia apenas em padrões de ativação gerados espontaneamente na própria estrutura cerebral, pois requer informação ex- terna. É através da experiência, da interação com o meio, que o padrão de conexões do sistema nervoso é modelado. Essa interação proporcio- na a informação epigenética necessária para a construção dessa estrutura. O sistema nervoso é um órgão estruturalmente dinâmico e seus me- canismos de auto-organização não se confinam aos estágios embriogênicos do desenvolvimen- to, uma vez que ocorrem durante toda a vida (Tononi et al., 1998). A interação é necessária para o estabelecimento da configuração das conexões e também para a manutenção de sua existência. O cérebro dos mamíferos apresenta uma natureza essencialmente construcionista (Purves et al., 1996). A atividade do organismo na sua relação com o meio, ao longo de sua existência, é que determina a forma de um grande número de circuitos e sistemas neuronais. Do ponto de vista do desenvolvimento evolutivo de seleção natural, o equipamento biológico humano evo- luiu no sentido da flexibilidade, em oposição à rigidez inata de um determinismo biológico. Essa capacidade de remodelação pela experiên- cia proporcionaaos animais uma flexibilidade muito maior em sua relação com o meio am- biente. O aspecto genético é somente um esque- ma geral sobre o qual se desenrola a estrutu- ração humana (da mente) a partir de um sem- número de experiências no decorrer da histó- ria do indivíduo. Podemos dizer que o sistema nervoso central é uma matéria-prima molda- da pela existência. Ele é uma estrutura elabo- rada, com muitas de suas partes já no lugar, porém é a experiência que afina esse �tosco aparelho� até que possa executar um trabalho de precisão (Crick, 1994). A importância dos eventos ambientais pode ser exemplificada com diversos casos. Por exemplo, a separação de uma ovelha recém- nascida de sua mãe por poucas horas após o nascimento impede o desenvolvimento habitual de um comportamento de �brincar� que as ove- lhas normalmente apresentam (Maturana, Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5630 Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 31 1988). Igualmente, o abandono de crianças pequenas tem profundas conseqüências sobre a formação de sua personalidade e seu modo de comportamento, pois a criança é privada de experiências sociais importantes em perío- dos cruciais de seu desenvolvimento. As crian- ças-lobo encontradas em 1922 no norte da Ín- dia são um exemplo marcante desse fato (MacLean, 1977). As duas crianças encontra- das haviam sido criadas por uma família de lobos até a idade de cinco e oito anos, respec- tivamente. A mais jovem faleceu pouco tempo depois de serem levadas para os cuidados de uma família missionária; a outra criança, ape- sar de ter vivido cerca de dez anos com essa família, não aprendeu mais que algumas pou- cas palavras e jamais se sentiu à vontade em um contexto humano. Com o passar do tem- po, embora tivesse aprendido a andar sobre as duas pernas, diante de situações de estresse ou urgência, sempre voltava a correr com os quatro membros. A aplicação consistente da perspectiva evolucionista na compreensão dos processos mentais é bastante recente na história das neurociências. No início deste século, Durkheim (2001) postulou que os processos básicos da mente originavam-se na vida social. Um dos mais importantes trabalhos a respeito dos as- pectos socioculturais do desenvolvimento cog- nitivo foi desenvolvido por Luria (1976) em uma remota região da antiga União Soviética. A psicologia soviética da época já considerava que a consciência não era algo inato, passivo e imutável, mas sim cunhada e moldada pela existência e usada pelo ser humano para guiá- lo na relação com o ambiente, sendo continu- amente reestruturada por essa relação. Essa pesquisa demonstrou que a atividade cogniti- va humana não é algo a priori, porque se esta- belece no processo de desenvolvimento histó- rico e social, sendo codificada pela linguagem. Além disso, a evolução sócio-histórica não ape- nas introduz novos conteúdos no mundo men- tal do ser humano, mas também cria novas for- mas de atividade e novas estruturas de funcio- namento cognitivo. De acordo com Vygotsky (1996), o comportamento do homem moder- no não é produto apenas da evolução biológi- ca, ou resultado do desenvolvimento infantil, mas também produto do desenvolvimento his- tórico. Ao mesmo tempo em que a cultura emerge da ação humana, esta, por sua vez, emerge da cultura. A cultura encontra-se em um processo constante de recriação, na medi- da em que é interpretada e renegociada por seus membros (Bruner, 1998). CONSIDERAÇÕES FINAIS Podemos finalizar dizendo que a propos- ta teórica da terapia cognitivo-construtivista tem sido elaborada nas últimas décadas a par- tir da contribuição de diversas áreas e, apesar de recente, tem-se mostrado capaz de reunir, de forma consistente e coerente, uma ampla gama de evidências e de experiências sobre os processos humanos de mudança. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1999. BECK, A. Depression. New York: Harper & Row, 1967. ___________ . 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Tais comparações não terão como intuito principal a elevação da concep- ção mais legítima, e sim o favorecimento da criação de uma visão mais panorâmica dos con- trastes e das semelhanças existentes entre os modelos cognitivista e construtivista. O(S) CONCEITO(S) DE REALIDADE E A CONSTRUÇÃO DE SIGNIFICADOS Cognitivismo Por muito tempo, acreditou-se que o sa- ber (o conhecimento) era uma resultante dire- ta da realidade ou do mundo externo que, ao incidir sobre nossos sentidos, semelhantemente a um raio de luz que incide sobre um antepa- CONSIDERAÇÕES INICIAIS Ao longo dos últimos anos, a psicoterapia e todo o vocabulário simbólico que a define vêm sofrendo uma profunda alteração em seus fundamentos (Mahoney e Albert, 1996). Pro- curando acompanhar as evidentes transições históricas e as mudanças verificadas no cam- po das ciências humanas, foram feitas altera- ções significativas na prática clínica, levando consigo todas as concepções mais antigas que envolviam o conceito de mudança psicológica � um dos pontos cardinais do panorama psico- terapêutico. Essa paisagem veio a gerar a idéia deste livro. Nossa proposta é refletir sobre a multi- plicidade cada vez mais evidente de conceitos como realidade, atribuição de significados, epistemologia e, mais pragmaticamente, situ- ar tais debates nas abordagens cognitivas em psicoterapia. Em cada capítulo, o leitor encon- trará paralelos entre a concepção cognitiva tra- dicional � também conhecida como cognitivo- objetivista e, a partir de agora, denominada por nós de cognitivista � e a concepção cogniti- vo-construtivista, que chamaremos de constru- tivista, abordando as mais variadas técnicas de psicoterapia, o papel e a pessoa do terapeuta, o tratamento de alguns transtornos psiquiátri- cos, as perspectivas futuras e, finalmente, os temas que abrangem as fronteiras mais recen- tes do campo das ciências humanas, contribuin- 22 Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5635 36 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols. ro, criava reflexos; estes, quanto mais perfei- tos fossem, mais refletiriam a fonte e, portan- to, mais apurado seria considerado o nosso conhecimento. Nessa concepção epistemológi- ca objetivista, os significados que transitam em nossa mente são entendidos como fruto direto das representações extraídas da realidade ex- terna, ou seja, no desenvolvimento de nossa cognição, exibimos uma inclinação natural para revelar internamente os significados da exis- tência concreta externa. A partir dessa idéia (quase platônica) do conhecimento, o saber torna-se cada vez mais verdadeiro na proporção direta da habilidade de uma pessoa em descobrir (se possível, ao máximo) os conceitos já existentes no mundo exterior.1 Um simples exemplo dessa mecâni- ca seria observado ao se indagar a alguém a respeito do significado da palavra pássaro. Rapidamente, veríamos essa pessoa atribuin- do valores como voador, possuidor de penas e de bico, consumidor de insetos, etc. Portanto, testemunharíamos silenciosamente o trabalho da cognição em sua tentativa de fracionar esse estímulo da realidade externa, classificando-o em conjuntos de símbolos e conceitos para que os mesmos possam ser organizados depois, de modo a estarem em correspondência máxima com o mundo lá de fora. Assim, quanto mais elementos relacionados à categoria pássaro puderem ser coletados, mais completa será a descrição e, conseqüentemente, mais verdadei- ro será o conhecimento adquirido � daí o uso da expressão cognitiva-objetivista para indicar a maneira pela qual o conhecimento humano estrutura-se em nossa cognição, ou seja, ao utilizar premissas empíricas e realistas da cons- trução do conhecimento, evidencia-se a busca contínua daquilo que objetivamente existe no mundo.2 Em suma, nas concepções cognitivistas tradicionais, o significado que transita em nos- sas mentes é basicamente concebido como pro- veniente de um processamento conceitual da construção de significados, ou seja, o conheci- mento dos estímulos ocorre através das regras formais do raciocínio analítico e do pensamento lógico. Assim, ao nos defrontarmos com o mun- do, abstrairemos os conceitos possíveis, e nos- so pensamento, em sua atividade, buscará clas- sificar tais eventos sob categorias como certo ou errado, bom ou mau, verdadeiro ou falso (Greenberg, Rice e Elliott, 1996). Segundo Beck (1964), nãoé a situação ou o contexto que determinam o que as pes- soas sentem, e sim o modo como elas interpre- tam � e pensam � os fatos em uma dada cir- cunstância. E, à medida que se depara com novas situações, o pensamento tentará extrair as padronizações percebidas de cada aconteci- mento, transformando as similaridades detec- tadas em padrões gerais de interpretação (Festinger, 1975). Tais padrões coordenarão o processo de percepção e de atribuição de sig- nificados, também chamado de rotulação, cons- tituindo-se em uma verdadeira rede de signifi- cados em nossa estrutura cognitiva (Vygostky, 1991). Conhecidas como esquemas ou crenças pela terapia cognitiva, essas estruturas serão os padrões orientadores da percepção e da in- terpretação da experiência (Bem, 1973). A máxima cartesiana �Penso, logo existo� elucida adequadamente a maneira como nosso pensa- mento opera.3 Nos modelos tradicionais de terapia cog- nitiva, atribuiu-se ao pensamento um caráter determinante e à sua disfunção toda uma vari- edade de psicopatologias. Dessa forma, a ra- zão foi elevada à categoria de destaque e a pre- cisão de sua performance deu-nos a chave para o comando de uma boa saúde mental. Daí ori- ginou-se a máxima de que �Viver bem é o re- sultado de um pensar bem (ou corretamente)� (Mahoney, 1998).4 Assim, as concepções cognitivistas desen- volveram as mais diversificadas propostas e criaram ferramentas de ajuste cognitivo, como, por exemplo, os registros de pensamentos dis- funcionais (Beck, 1995), as técnicas de rees- truturação cognitiva (Beck e Freeman, 1993), o processo de identificação de crenças irracio- nais (Ellis, 1998) e toda uma variedade de téc- nicas que sustentaram � e ainda sustentam � a prática da correção ou da substituição dos pa- drões disfuncionais de pensamento por padrões mais funcionais de análise e de lógica. Por isso, torna-se fundamental para as referências cognitivistas objetivistas que as distorções do significado não evoluam a ponto de tornarem- se mal-adaptativas. Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5636 Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 37 Em outras palavras, se o pressuposto epis- temológico é de que o conhecimento é uma representação imediata do mundo exterior � dessa realidade que é única �, cabe ao tera- peuta auxiliar o paciente no ajuste, no aperfei- çoamento ou na busca de padrões mais con- vergentes com a existência socialmente estabe- lecida. Dessa forma, o comportamento huma- no normal dependerá, teoricamente, da capa- cidade da pessoa de compreender a natureza do ambiente físico e social em que ela está si- tuada (Beck e Alford, 2000). Construtivismo Assim como a revolução cognitiva fez-se presente e alterou as bases das psicoterapias comportamentais na época de seu surgimento, os paradigmas construtivistas causaram uma segunda grande revolução na história das abor- dagens comportamentais (Abreu e Shinohara, 1998; Mahoney, 1998). Diferentemente das visões cognitivas obje- tivistas � segundo as quais se entende que a cons- trução do significado ocorre evidentemente de maneira pessoal, porém transmitindo o mundo externo pelas atividades lógicas do pensamen- to �, as concepções cognitivas construtivistas pressupõem que o ofício da significação encon- tra-se primeiramente subordinado à influência das emoções, e não à dialética da razão. Em outras palavras, é através dos elementos pro- pioceptivos e das estruturas vivenciais (aquelas que interpretam os estímulos pela experiência) que ocorrerá o processo de atribuição de signi- ficados (Thelen e Smith, 1995). Nessa nova concepção, o funcionamento cognitivo não mais se caracterizará pela sim- ples manipulação automática de símbolos abs- tratos a fim de se atingir um sentido final e único, tal como advoga a referência objetivista. Na concepção construtivista, entende-se que a mente em funcionamento não só reflete o mun- do exterior, mas também o transpõe, atribuin- do significados que, muitas vezes, não são ori- ginários do estímulo em si. Assim, a realidade interna será vista como fundamentalmente derivada do modo pelo qual cada indivíduo sente emocionalmente o mundo, e não só como o concebe de maneira racional. Conforme Kant (1781), a mente não é uma cera passiva por sobre a qual a experiên- cia e a sensação escrevem sua vontade capri- chosa e absoluta; nem tampouco é um mero nome abstrato para a série ou o grupo de esta- dos mentais; ao contrário, é um órgão ativo que molda e coordena as sensações em idéias, transformando a multiplicidade caótica da ex- periência em uma unidade ordenada de pen- samento. O conhecimento, então, diferentemente das referências objetivistas, será compreendi- do como fruto de uma organização pessoal, arquitetada e organizada por cada pessoa. Ado- ta-se como metáfora explicativa desse funcio- namento o chamado princípio da multiplicida- de (que representa, a possibilidade de múlti- plas construções de sentido), e não mais o prin- cípio da correspondência (que contempla ape- nas uma única construção quando utilizado pelas outras concepções epistemológicas). Para que possamos compreender um pou- co melhor as premissas construtivistas, vale a pena nos aprofundarmos na dialética da cons- trução de significados. De uma maneira geral, podemos dizer que existem dois tipos globais e complexos de atribuição de sentido, os quais retratam a maneira pela qual nosso organis- mo, como um todo, organiza-se em suas tro- cas com o mundo. O primeiro tipo de funcio- namento é chamado de processamento concei- tual e o segundo de processamento vivencial (Greenberg, Rice e Elliott, 1996). Na primeira configuração, um significado é obtido através da correspondência versus o contraste existen- te entre as nossas representações mentais e o mundo externo (de forma semelhante àquela descrita pelos modelos cognitivos objetivistas). Todavia, no processamento vivencial, a possi- bilidade de geração de significado não reside no estímulo em si ou na capacidade do pensa- mento em enxergá-lo, mas na percepção corpórea e tácita produzida pelo seu apareci- mento. Na concepção construtivista, os significa- dos serão construídos obedecendo a essa via de mão dupla, ou seja, extraindo dados do pro- Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5637 Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva 38 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols. cessamento conceitual e do processamento vivencial. Neste último, os significados gerados em nossa consciência advêm da percepção e da leitura dos conteúdos corpóreos, estando os mesmos em uma condição quase total de pré-conceitualidade e inconsciência. Nesse ní- vel, não interpretamos as situações sob o pon- to de vista lógico, e sim sob uma ótica emocio- nal, isto é, os significados que serão produzi- dos por um evento serão fundamentados nos princípios experienciais das situações. Dessa maneira, uma vez sentida a informação, esse conteúdo será traduzido em aspectos de con- forto ou desconforto e de segurança ou amea- ça da integridade corporal. Um exemplo disso é a grande maioria das queixas ouvidas pelos profissionais. Nas mais diversas situações, fre- qüentemente escutamos queixas do tipo: �es- tou me sentindo sufocado(a) com tal situação�, ��Aquele lugar me causa um aperto no pei- to�, �Sinto que estou carregando o mundo nas costas��, etc. Portanto, diversas traduções que fazemos dos eventos provêm inicialmente dos sinais corporais (também chamados de senso- riais) para que, posteriormente, possam vir a ser integrados e, então, explicados por nosso raciocínio analítico. Assim, primeiro sentimos algo para de- pois podermos pensar sobre seu conteúdo (Greenberg e Safran, 1987). Como imagem explicativa desse tipo de atividade (e oposta à máxima cartesiana anteriormente citada), des- creveríamos a metáfora. �Existo, logo penso�5, sugerindo implicitamente que a emoção sem- pre criará �problemas� para o pensamento po- der resolver. O que foi ordenado pela experiên- cia pessoal do indivíduo torna-se verdadeiro e converte-se em um elementosoberano e de- terminante aos seus sentidos (mesmo que, aos olhos dos outros, possa parecer uma miragem). É, portanto, a partir da construção interna que os clientes atribuem os significados à realida- de externa (Greenberg, 1998). Como afirma Guidano (1994, p. 72), �Somos prisioneiros capturados na rede de nossas teorias e expec- tativas�. Tal arquitetura pessoal de significa- dos permite ao indivíduo levar consigo não uma cópia do mundo externo, mas uma represen- tação ou �mapa� do mundo (o qual não é o mundo em si) desenhado a partir de sua teoria personificada de vida (Mahoney, 1998). O PAPEL DAS EMOÇÕES Cognitivismo O modelo cognitivo objetivista parte do princípio de que as emoções são derivadas dos padrões de pensamento que, pautados nas crenças, direcionam a maneira como as pes- soas interpretam as situações a que estão ex- postas. Os eventos em si não determinam dire- tamente como alguém se sentirá, mas, antes, são os juízos associados de valor que provoca- rão uma resposta emocional específica. Assim, para que uma emoção possa ser contextualiza- da, o terapeuta cognitivo sempre buscará veri- ficar qual é a avaliação racional da situação que está sendo feita sob o ponto de vista do paciente (Beck, 1995). Por isso, embora a emoção seja conside- rada de grande importância para o profissio- nal, sua função é indicar, como um sinalizador marinho, a presença de pensamentos e/ou crenças a ela associados. Por exemplo, quando o indivíduo depara-se com situações nas quais se revela o descontrole emocional, torna-se necessário o exame mais minucioso da crença subjacente ou mesmo de algum esquema (con- junto de crenças) que esteja servindo a propó- sitos de desadaptação. Em um caso como esse, entende-se que o filtro conceitual ou mesmo a lógica pessoal está trabalhando de uma ma- neira incorreta, porque desprovida de lógica, e levando o paciente a um inevitável e contí- nuo processo de sofrimento. A partir disso, er- gue-se uma das premissas cognitivistas centrais de que tal crença é corrigida e submetida a uma (nova) avaliação mais correta da realidade.6 Assim, segundo Beck (1995), a terapia cognitiva normalmente visa a abrandar a afli- ção emocional, corrigindo as possíveis inter- pretações errôneas construídas pelo indivíduo. A emoção, portanto, torna-se disfuncional quando decorrente de pensamentos irrealistas ou absolutistas, interferindo, assim, na capaci- dade do paciente de pensar clara e objetiva- Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5638 Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 39 mente. Tendo em vista esse referencial tera- pêutico, entende-se que uma reflexão racional e um exame mais realista dos pensamentos (e/ ou das crenças) disfuncionais oferecem condi- ções de reparar as emoções em desalinho com a vida de cada um. Este é o parecer que a tera- pia cognitiva objetivista emite a respeito da vida emocional. Construtivismo De modo geral, a concepção cognitiva construtivista considera as estruturas emocio- nais um dos alicerces mais importantes para que a edificação do conhecimento humano possa acontecer. Segundo vários autores, a emoção, em maior ou menor grau, sempre con- tribuirá para a formação dos significados no sistema psicológico humano. Nesse sentido, seria virtualmente impossível considerar as estruturas cognitivas de significado sem que se agregue, de uma maneira ou de outra, o funcionamento emocional. Sem exceção, homens e mulheres de to- das as idades, culturas, graus de instrução e níveis econômicos têm emoções, atentam para as emoções dos outros, cultivam passatempos que manipulam suas próprias emoções e, em grande medida, governam sua vida buscando certas emoções, enquanto procuram evitar ou- tras desagradáveis (Damásio, 2000). O funcionamento emocional é de impor- tância fundamental para a construção de sig- nificados, pois envolve certas atividades do hipotálamo e da amígdala e sua reação àque- las situações nas quais o organismo é colocado em condições de risco e de perigo (Damásio, 1994). Por isso, quando tais circunstâncias são detectadas, certos alarmes emocionais são dis- parados, dando origem às chamadas emoções primárias: a raiva, o medo e a tristeza. Esse mecanismo de ação �instantânea�, se podemos chamá-lo assim, habilita-nos, primeiro, a agir para, somente depois, podermos pensar um pouco mais sobre a condição perturbadora. Imaginem nossos ancestrais em uma floresta, ouvindo um ruído estrondoso que se aproxima velozmente. É mais interessante primeiro cor- rer para depois, em um local mais seguro, po- der pensar melhor a respeito do que foi aquela ameaça. Tais dispositivos também podem ser notados quando estamos distraídos e uma pes- soa conhecida subitamente aparece. Mesmo que saibamos que o estímulo (no caso, a pes- soa) não é ameaçador, nossa estrutura emocio- nal reagirá instintivamente para nos proteger, produzindo a reação comportamental de re- cuo ou distanciamento, apesar de �sabermos� que nada de mal poderia ocorrer. Em comparação com a cognição, a emo- ção é biologicamente mais antiga e entendida através de um sistema de ação rápida projeta- do para assegurar a manutenção da vida. As- sim, no modelo teórico construtivista, as emo- ções não são nem racionais nem irracionais, mas sim adaptativas por natureza. Ao longo dessa explanação, uma pergunta poderá surgir so- bre as emoções negativas: elas não seriam ru- ins e prejudiciais ao indivíduo que as experiencia? A réplica a esse questionamento é interessante, uma vez que, quando se argu- menta a respeito das emoções boas e más (e, principalmente, as más), referimo-nos muito mais ao aspecto fenomenológico e subjetivo de vivenciar tal emoção do que a respeito de sua funcionalidade propriamente dita. Pelo fato de experimentarmos emoções que produzem desprazer, criamos uma perspectiva de inter- pretação (sociopessoal) de que as emoções negativas e intensas devem ser banidas, pois colocam em risco nossa integridade psicológi- ca. Todavia, recentes pesquisas afirmam que as emoções não são, como muitas teorias psi- cológicas asseguraram e ainda atestam hoje, intrusas tóxicas que devem ser domesticadas ou eliminadas a qualquer custo, e sim impor- tantes mensageiras que nos advertem do peri- go e sinalizam como nos sentimos ou como experienciamos determinados contextos ou si- tuações (Greenberg e Paivio, 1997). Seguindo essas mesmas premissas, não são nossos pro- blemas afetivos que nos conturbam por sua existência, mas a dificuldade que manifesta- mos em compreendê-los em sua totalidade, ou seja, não são as emoções que nos afligem, e sim nossa dificuldade em entendê-las. Retor- naremos a esse tópico mais adiante, porém podemos sintetizá-lo dizendo o seguinte: so- mos, no final das contas, o resultado de nossas Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5639 Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva 40 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols. emoções e de como lidamos com elas, isto é, somos aquilo que sentimos que somos. Assim, genericamente, diríamos que uma das metas dos modelos construtivistas é auxi- liar os indivíduos na construção de um signifi- cado, utilizando as emoções como ponto de partida, desenvolvendo e encorajando uma postura de maior abertura para que essas emo- ções possam ser simbolizadas e, então, finali- zadas em seu significado total. Ao ajudarmos os pacientes a se situarem nesse sistema contí- nuo de integração (razão e emoção), fatalmen- te os sentimentos �indesejados� perdem sua necessidade de expulsão ou de correção tera- pêutica (Greenberg, 2000). DISFUNÇÃO E PSICOPATOLOGIA Cognitivismo Na concepção cognitivista, a psicopato- logia será sempre considerada o resultado de crenças excessivamente disfuncionais ou de pensamentos demasiadamente distorcidos que, em atividade, teriam a faculdade de influen- ciar o humor e ocomportamento do indivíduo, enviesando sua percepção da realidade (Beck e Freeman, 1993). Por isso, sua identificação e posterior modificação são elementos centrais para o tratamento, capazes de promover, se- gundo essa teoria, a redução dos sintomas. Por exemplo, no modelo de Beck (1976) e de Beck e colaboradores (1979), tais crenças são divididas em básicas (ou centrais) e peri- féricas (ou intermediárias), as quais resultam de pressupostos que desenvolvemos a respeito de nós mesmos, a respeito do mundo e do fu- turo, compondo em seu estágio final a estrutu- ra cognitiva de valores que favorece a forma- ção do que chamamos de experiência pessoal. Essas organizações de significado são necessá- rias para que se possa interpretar o mundo corretamente, pois auxiliam na previsão das atitudes e no sentido que atribuímos às experi- ências de vida, garantindo o perfeito funcio- namento cognitivo. Entretanto, algumas pre- missas advindas desses mesmos constructos po- dem, em função de alguma circunstância es- pecífica, tornar-se muito repetitivas e, assim, conservarem-se pouco atualizadas, o que as induz a uma condição de contraprodução para o indivíduo. Operando, então, em um estado restritivo de atribuição de significados (por serem antigas), passam a atuar como uma ca- misa-de-força conceitual, gerando avaliações rígidas e absolutistas e criando um sentido distorcido das situações � o que as tornam ex- tremamente resistentes à mudança e, por isso, classificadas como disfuncionais. Nesse sentido, muitas vezes as estruturas irracionais expressam-se inicialmente através de pensamentos negativos e, com o passar do tempo, são responsáveis pela ativação de emo- ções desadaptativas. De caráter invasivo e ime- diato, os pensamentos negativos automáticos (PNA) têm o poder de transformar a interpre- tação das experiências que uma pessoa desen- volve e, ao se constituírem de uma poderosa lente explicativa, afetam significativamente o comportamento de um indivíduo, gerando os já conhecidos sintomas. Assim, estabelece-se um verdadeiro efeito dominó: quanto mais se desenvolverem os sintomas, mais intensos se tornarão os PNA, em uma tentativa do orga- nismo de procurar entender ou justificar as emoções presentes pouco compreendidas. Como efeito final, os pensamentos repetitivos vão �gentilmente convidando� os (novos) sig- nificados a se retirarem e, de forma progressi- va, nossa estrutura cognitiva fica povoada pe- las avaliações viciadas de significado, levando o indivíduo a comportar-se de maneira ilógica e irracional ou, segundo nosso ponto de vista, pouco atualizada, oferecendo condições para que se estabeleçam os transtornos de persona- lidade. Um típico exemplo desse processo é uma pessoa que possui uma crença central do tipo �Eu sou incapaz�. Isso gerará crenças interme- diárias envolvendo condições de valor (inca- pacidade), como, por exemplo, �Se não enten- der algo de forma completa e perfeita... então sou burro�. Tal indivíduo, em uma situação qualquer, como em uma sala de aula, por exem- plo, ao confrontar-se com o menor grau de di- ficuldade, será invadido por pensamentos au- tomáticos (e, então, disfuncionais por limita- rem sua perspectiva de avaliação) como: �Isso é muito difícil para mim... eu jamais entende- Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5640 Leonidas Valverde da Silva Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 41 rei isso�. A presença desse pensamento evoca- rá uma reação emocional de tristeza, disparan- do reações fisiológicas de ansiedade e dor de estômago, gerando atitudes e comportamen- tos que virão a culminar na efetiva incapacida- de e na óbvia desistência do curso. Assim, quan- to mais intensos forem os sintomas de descon- forto em uma situação qualquer, maior será a incidência desses mesmo pensamentos auto- máticos disfuncionais, aumentando ainda mais a validade da crença central disfuncional (�Sou incapaz�), reforçando novamente os sintomas e mantendo indefinidamente o círculo vicioso em atividade. Portanto, fica evidente que a disfunção instala-se, nos modelos cognitivistas de Beck, a partir e em decorrência de algumas crenças centrais (ou até mesmo periféricas) que, não estando suficientemente flexíveis para escla- recer uma determinada situação, fomentam o surgimento dos viéses interpretativos. A visão da personalidade de cada pessoa levará em con- ta a história evolutiva desses padrões de pen- sar, sentir e agir de cada um. Contudo, nos ca- sos em que a disfunção é estabelecida, tal ten- dência ao ajuste cognitivo apresenta-se de maneira mais lenta do que a velocidade neces- sária para acompanhar a mudança no meio e, assim, serão instituídos verdadeiros atrasos de interpretação, ou seja, o indivíduo ainda se encontrará preso a certos valores antigos ou mesmo �irracionais�. Cognitivamente falando, as crenças disfuncionais deslocam as estrutu- ras mais adaptativas, compostas por crenças mais razoáveis e adaptativas, prevalecendo nos atos finais de significação. Temos aqui um dos campos mais férteis para a criação de transtornos de personalida- de, uma vez que as crenças ou os esquemas imperativos dominam tiranicamente o horizon- te interpretativo, gerando distorções de enten- dimento e aprisionando o indivíduo em pers- pectivas possíveis naquele momento, porém insuficientes para a compreensão. Construtivismo Na concepção construtivista, as formas de entendimento da psicopatologia apresentam uma pequena variedade se contrastadas com as modalidades cognitivistas. Para o cogniti- vismo, o pensamento é o grande fiador da cria- ção de significado, ao passo que para o cons- trutivismo as emoções são consideradas uma das composições basais para a edificação de sentido e de significado. Desse modo, seria vir- tualmente impossível considerar, no âmbito do construtivismo, a formação de significado sem que, de alguma maneira, o funcionamento emocional fosse contemplado. Uma vez que a participação dos esque- mas emocionais torna-se necessária para asse- gurar o desenvolvimento do indivíduo, toda forma de manifestação afetiva é vista como basicamente adaptativa e funcional. Como as reações emocionais são as companheiras mais antigas na vida humana (afetando a memória, o humor e a habilidade de realizar tarefas), sua compreensão e sua regulação tornam-se os objetivos mais desejados nessa forma de psicoterapia. Para alguns autores, as disfunções e os distúrbios emocionais surgem quando as pessoas não se sentem autorizadas a reconhe- cer, sentir ou até mesmo legitimar determina- das emoções (Greenberg e Pascual-Leone, 1997; Arciero e Guidano, 2000; Neimeyer, 2000). Assim, as emoções em si não são a fonte do sofrimento e do desequilíbrio, mas os pensa- mentos, a interpretação ou mesmo o surgimen- to de outras reações emocionais àquelas primei- ras emoções que serão a fonte de grande parte das disfunções psicológicas (Greenberg, Rice e Elliott, 1996). Nesse sentido, é inevitável abor- darmos a leitura ou o entendimento do indiví- duo sobre sua experiência quando falamos a respeito das bases da psicopatologia. Por exem- plo, um medo �infantil� apresentado por um adulto nada mais é do que uma reação despro- vida de significado sob a ótica de um adulto, ou seja, muitas vezes sentimos algo que não nos sentimos autorizados a sentir. Como já dis- semos, as emoções no construtivismo não são vistas como irracionais ou insensatas, porém sempre adaptativas; por isso, a experiência imediata (aquilo que está ocorrendo no mo- mento em termos viscerais e emocionais) sem- pre precederá a experiência reflexiva (a inter- pretação e a avaliação que fazemos do que Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5641 Leonidas Valverde da Silva 42 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols. ocorreu), uma vez que primeiro sempre senti- mos algo para depois podermos explicá-lo. Um indivíduo, então, poderá ficar facil- mente desorientado quando a síntese desses dois processos (sentir + pensar) apresentar- se disposta de maneira contraditória, incom- patível ou mesmo inconsistente. Assim sen- do,o perigo da instabilidade aparece quando as construções racionais de significado (a ex- plicação) não levarem em consideração a ex- periência (corporal) imediata que está sendo vivida, ou seja, quando vier a ocorrer a falta de simetria entre os níveis, a razão quase sem- pre tenderá a permanecer como uma fonte so- berana de entendimento. Portanto, não estamos interessados em corrigir o pensamen- to dos pacientes, e sim em ampliá-lo. Em vá- rios casos de desequilíbrio, veremos os paci- entes começarem a controlar suas emoções na tentativa aflita de impor algum significado mais restritivo ou ainda inacabado, mas que esteja de acordo com suas possibilidades (li- mitadas) de compreensão. Dessa maneira, em uma circunstância qualquer, podemos estar mais atentos aos da- dos sensoriais da experiência (sensações cor- porais) ou mais voltados aos aspectos concei- tuais (crenças) da situação (Greenberg e Paivio, 1997). Um exemplo da impossibilidade de construção de um significado global é facilmen- te observado em um caso de transtorno obses- sivo-compulsivo (TOC). Bem sabemos que uma das caraterísticas mais proeminentes desse quadro é a tendência a uma expressão restrita de afeto, possivelmente em função de o indiví- duo ter vivido situações passadas nas quais sua emocionalidade foi punida ou extremamente desconsiderada. A melhor saída para assegu- rar sua integridade é um distanciamento de suas emoções, pois elas sempre estiveram as- sociadas ao desequilíbrio e à supressão, o que o levará à adoção de um comportamento ritualístico, evitando o aparecimento de possí- veis marolas emocionais. Ao serem evitadas ou até controladas, nenhuma intercorrência põe em risco o (pseudo) equilíbrio anteriormente obtido. Uma pessoa que apresente tal transtorno buscará ininterruptamente, em seu dia-a-dia, distanciar-se das situações confusas e imprevi- síveis, desenvolvendo comportamentos perfec- cionistas, repetitivos e até mesmo ritualísticos. Esse estreitamento racional, essa miopia psi- cológica, protegerá o paciente das situações nas quais o imponderável é uma possibilidade con- creta e o surgimento de novas emoções traria as velhas sensações de desorganização, vergo- nha ou ansiedade cujo manejo seria difícil. Portanto, no construtivismo, os sintomas que se fazem presentes em um quadro de TOC ra- ramente seriam vistos como vergonhosos ou mesmo indesejáveis, e sim como uma estraté- gia possível, porém não tão viável, de garantia de harmonização emocional. A patologia, então, estaria relacionada à incapacidade das pessoas de aceitar ou tratar seus sentimentos e suas emoções como neces- sidades básicas que devem ser ouvidas e res- peitadas. Disfuncionais, portanto, não são as emoções, mas o fato de o indivíduo não se sen- tir autorizado a sentir tais conteúdos. Nos qua- dros de descontrole, ele não consegue funcio- nar de maneira integrada, na qual a experiên- cia emocional é acolhida e bem tratada pelo pensamento. Esse descompasso funcional faz com que os moinhos de vento não circulem ou, na melhor das hipóteses, girem apenas com metade das pás. Com essa postura, procuramos resistir ao máximo à patologização das condutas aparen- temente desadaptativas e descobrir para que propósito tal pessoa ficou �encalhada� em uma construção de significado restritiva, inacabada e limitadora, fazendo com que o processo de mudança permaneça em uma condição de es- tagnação e de impasse. É curioso constatar que as técnicas utilizadas aqui não visam a promo- ver a redução dos quadros de organização, pre- ocupação e controle, e sim a incentivar a vivência dessas emoções presentes e ainda não totalmen- te simbolizadas pela pessoa.7 Uma das suposi- ções nucleares do construtivismo é considerar que, quanto maior o volume de informações disponibilizadas ao paciente, maior será a pos- sibilidade de (re)construção de significados mais vastos. �Cada possibilidade nova que tem a exis- tência, até a menos provável, transforma a exis- tência inteira� (Milan Kundera). Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5642 Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 43 O PAPEL DO TERAPEUTA Cognitivismo Na abordagem cognitiva, o terapeuta tem um papel ativo, colaborativo e educativo, o qual foi muito bem sistematizado por Judith Beck (1997) e contempla as seguintes atribuições: 1. auxiliar o paciente na identificação dos pensamentos automáticos e das crenças disfuncionais a eles associa- das; 2. propor técnicas de reestruturação cognitiva, visando à modificação desses mesmos pensamentos auto- máticos; 3. levantar hipóteses sobre a categoria de crença central (desamparo ou pouca amabilidade) da qual os pen- samentos automáticos específicos parecem ter surgido; 4. especificar a crença central prepon- derante; 5. apresentar ao paciente sua hipótese sobre a crença central, solicitando- lhe uma confirmação (ou não); 6. educar o paciente sobre crenças cen- trais em geral e sobre sua crença cen- tral específica, orientando-o a monitorar a(s) operação(ções) de sua crença central; 7. começar a avaliar e modificar a cren- ça central junto com o paciente, au- xiliando-o a especificar uma nova crença central mais adaptativa. Sendo assim, nessa concepção, terapeuta e paciente sempre trabalham juntos, planejan- do estratégias, identificando crenças, atuando sobre pensamentos disfuncionais e sobre estra- tégias necessárias para tais ajustes ou corre- ções. Além disso, o terapeuta deve formular hipóteses sobre quais experiências contribuí- ram para o surgimento das crenças � sobre si mesmo e sobre os outros � apresentadas pelo paciente, além da história de vida pessoal. Construtivismo Na abordagem construtivista, o terapeu- ta possui várias atribuições, cada qual ordena- da dentro de uma prática específica em cada proposta clínica (como, por exemplo, nos mo- delos pós-racionalistas, experienciais-viven- ciais, narrativos, interpessoais, dos construc- tos pessoais, etc.). Entretanto, na maior parte dessas contribuições, é muito clara a idéia de que o clínico também possui um papel ativo, no qual cliente e terapeuta estejam no proces- so de mudança. Diferentemente das aborda- gens objetivistas, o construtivismo não se ba- seia em um processo de correção e de busca dos conteúdos ilógicos ou disfuncionais na vida subjetiva do paciente, e sim de análise, facili- tação e ampliação dos significados restritivos aos quais ele se percebe atrelado. Nesse sentido, as premissas que norteiam o trabalho incluem a concepção de que tanto aquele que busca ajuda quanto aquele que a oferece são considerados igualmente �especia- listas� nessa procura: o cliente possui um mai- or conhecimento das disposições e limitações de seu sistema de significados (é o �expert� de sua própria vida) e o terapeuta oferece instru- mentos facilitadores da mudança. Essa pers- pectiva clínica recusa terminantemente os pa- péis atribuídos ao terapeuta como sendo o �guru�, o �guia� ou mesmo o �professor�, nos quais estariam embutidas as premissas de sa- bedoria e de autoridade. Como conseqüência, a terapia torna-se uma empreitada colaborati- va e respeitosa de revisão do sistema de signi- ficados pessoais a partir do ponto de vista do próprio indivíduo, e não do clínico. Para isso, das muitas estratégias utiliza- das, aquela que é adotada como metáfora raiz e mencionada em quase todas as propostas por favorecer a maximização da expressão pessoal é a técnica narrativa. É na linguagem que se constrói o significado, ou seja, é através da narrativa que se consegue sistematizar e orga- nizar a experiência em curso. Segundo Gon- çalves (1998), construir o sentido da experiên- cia é, antes de mais nada, dar coerência a uma Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5643 Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva 44 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols. experiência ainda insípida e sem o significado completo. Embora o exame do funcionamento emo- cional seja enfatizadocomo uma das formas de trabalho, os métodos puramente expressi- vos ou catárticos não são considerados suficien- temente válidos para que a mudança psicoló- gica possa ocorrer de fato. Assim, quando o indivíduo está engajado em uma atividade de autoria, narrando a sua história, busca preen- cher os sentidos inacabados, concluindo o pro- cesso de simbolização da experiência emocio- nal sempre a partir de seu ponto de vista, e não do profissional de ajuda. Quando esse prin- cípio não é respeitado, predominando a visão do clínico na especificação da disfunção, ocor- re aquilo que chamamos de resistência passi- va: a dificuldade do cliente de entender a ex- plicação de sua problemática ou mesmo a re- sistência em aderir a certas tarefas que lhe são prescritas. Isso se deve ao fato de cliente e pro- fissional não comungarem do mesmo signifi- cado das experiências relatadas, e, nessa situa- ção, o cliente não consegue demonstrar um nível mínimo de comprometimento ou de ade- rência ao processo de ajuda. No construtivismo, acredita-se na sabe- doria que o sistema vivo possui em sua tentati- va natural de adaptação ao ambiente denomi- nada de autopoiese. Tal dinâmica sempre de- pendeu geneticamente da habilidade de se (re)organizar frente às rápidas mudanças que ocorreram ao longo de sua evolução. Assim, as perturbações nascidas �de fora� � no caso, o terapeuta � não têm o poder de interferir de- masiadamente na ordem interna, mas sim ins- tituir novas formas de organização, ou seja, as mudanças estruturais que ocorrem no indiví- duo são precipitadas pelos estímulos, e não ori- ginadas por ele (Maturana e Varela, 1995). Resta, então, ao profissional aproximar-se ao máximo do campo fenomenológico do pacien- te e facilitar a manifestação dos novos proces- sos de adaptação e filtragem, reorganizando e reacomodando de acordo com sua própria eco- logia pessoal (capacidade e flexibilidade de adaptação). Um olhar de crédito e aceitação do clíni- co, e não de catalogação e prescrição à expe- riência do paciente, induz à diminuição da vi- gilância interpessoal, fazendo com que o vín- culo desenvolvido entre ambos torne-se um im- portante delineador de trabalho. Assim, quan- to mais rapidamente esse vínculo for construí- do, mais rapidamente os sintomas diminuirão (Horvath e Greenberg, 1994). O PROCEDIMENTO PSICOTERAPÊUTICO Cognitivismo Uma das principais características da te- rapia cognitiva é seu caráter breve e focal. Des- se modo, o paciente é informado, logo no iní- cio do tratamento, de que a terapia tem uma função pedagógica destinada a ensiná-lo a de- tectar e reduzir seus sintomas, de maneira que, gradativamente, possa estar habilitado a con- duzir a terapêutica sem a ajuda do profissio- nal. Oferecer ao paciente um folheto impres- so, contendo informações sobre a doença, a disfunção e os princípios gerais da terapia, tor- na-se muito útil para garantir uma maior com- preensão do que foi abordado durante as con- sultas que se seguirão (Ito et al., 1998). Além disso, as sessões de terapia sempre serão estruturadas. Cada atendimento é inicia- do com a elaboração de uma agenda na qual paciente e terapeuta sugerem os assuntos que gostariam de incluir, definindo prioridades e organizando o tempo que será dedicado a cada tópico. Também são incluídos nesse roteiro um resumo dos acontecimentos desde a última consulta, uma revisão da tarefa de casa reali- zada na semana anterior e a programação das atividades da semana seguinte. O clínico deve estar atento ao abordar os assuntos incluídos na agenda do dia para que os objetivos de reestruturação cognitiva com o paciente sejam contemplados. Ou seja, em cada assunto discutido, será possível identificar os pensamentos automáticos e os pressupostos disfuncionais respectivos, permitindo, assim, que o paciente faça um elenco de suas crenças básicas e tenha a possibilidade, na medida do possível, de modificá-las. No final de cada ses- são, deve-se incluir um resumo do que foi dis- cutido de modo a permitir que o paciente sin- tetize e registre claramente os aspectos cen- Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5644 Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 45 trais debatidos na sessão. Ao se observar essa seqüência de trabalho, o indivíduo consegue sistematizar as lições estudadas naquela ses- são e a utilidade desse aprendizado para as si- tuações futuras (Ito et al., 1998). A cada sessão, a terapia cognitiva ensina o paciente a colocar em foco seus pensamen- tos e suas crenças disfuncionais, identificando, avaliando e respondendo a cada situação disfuncional. O trabalho com os pensamentos automáticos é feito solicitando-se o preenchi- mento de um diário elaborado a partir das ob- servações feitas pelo sujeito. Tal material ser- ve como um guia para o planejamento do tra- tamento em que são anotadas as ocorrências de sintomas, as mudanças em seu humor e os pensamentos que lhe vieram à mente em um dado momento, além da data e do local. Uma vez que essa terapia estrutura-se por meio de um estilo focal, as tarefas escolhidas no início da terapia sempre corresponderão a um alvo que necessite de uma intervenção ime- diata, devendo, sempre que possível, respeitar o grau de capacidade do paciente para executá- las, a fim de não gerar frustrações desnecessá- rias. Nesse processo psicoterápico, utiliza-se uma variedade de técnicas para mudar o pen- samento, o humor e o comportamento daque- le que busca ajuda. Vale lembrar que todas as técnicas comportamentais e cognitivas objeti- vam modificar os comportamentos e as cren- ças disfuncionais que mantêm os sintomas sem- pre em atividade. Técnicas como identificação de pensamentos negativos automáticos e con- seqüente exploração de alternativas, juntamen- te com a análise de erros de lógica, são as fer- ramentas mais utilizadas nesse tipo de terapia. Além disso, o questionamento socrático � ca- racterizado por questões dirigidas pelo tera- peuta de forma a levar o paciente a perceber as incongruências em seus pensamentos e em suas crenças � também é freqüentemente utili- zado. Outra característica da psicoterapia cog- nitiva é sua ênfase no presente. O terapeuta procura fazer a avaliação mais realista possí- vel das situações específicas que são, no mo- mento, as mais aflitivas para o paciente. A aten- ção somente se voltará para o passado quando o trabalho presente resultar em pouca ou ne- nhuma mudança cognitiva, comportamental ou emocional, ou mesmo quando o clínico julgar importante entender como e quando as idéias disfuncionais originaram-se e como afetam hoje o indivíduo. Construtivismo Na concepção construtivista, conforme explicitamos anteriormente, muitas são as pro- postas de trabalho existentes.8 Para Greenberg, por exemplo, a exploração e a mudança psico- lógica não acontecem apenas através da subs- tituição de esquemas disfuncionais de pensa- mento por esquemas mais funcionais, mas atra- vés da exploração das prováveis contradições existentes no processo dialético entre a expe- riência (do sujeito) e o conceito (desenvolvido pelo indivíduo após ter vivido a experiência). Ao se integrar essas duas instâncias, a (re)cons- trução de um significado global é favorecida. Sempre vivenciamos algo primeiro para, pos- teriormente, podermos falar algo a esse res- peito. Essa é a premissa da formação do signi- ficado no modelo processual-vivencial. Por isso é que um argumento lógico, por mais verda- deiro que seja, dificilmente mostra-se eficaz no processo de mudança. Portanto, se desejarmos produzir qualquer tipo de alteração mais efeti- va, devemos partir sempre dos níveis emocio- nais e vivenciais das situações para depois po- dermos alterar as premissas lógicas envolvidas em uma determinada situação. Por exemplo, uma pessoa que chega ao consultório afirmando deparar-se freqüente- mente com situações desconfortáveis poderá, nesse momento, voltarsua atenção para um dos dois tipos de processamento de informa- ções, isto é, poderá responder mais aos níveis processuais (conceituais) do problema ou vol- tar sua atenção aos níveis vivenciais (emocio- nais) da experiência. Tomando como base a idéia de que utilizamos essas duas fontes de informações ao construirmos os significados, a pessoa poderá, ao descrever essa situação, dizer �Sinto-me muito desconfortável... é como se eu sentisse um forte aperto no peito...�, que é uma descrição basicamente experiencial. Por Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5645 Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva 46 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols. sua vez, se ela considerar tal circunstância sob a ótica reflexiva, é muito provável que venha a declarar: �...Não consigo entender por que me sinto assim... não é certo sentir-me assim... não há motivos para isso. Afinal de contas, os adul- tos não devem sentir isso!�, que é uma descri- ção que contempla aspectos mais racionais do que experienciais. Na primeira descrição, são contempladas as sensações corpóreas (no caso, o �aperto no peito�), não chegando a se constituir ainda em uma crença. Na segunda descrição, já pode- mos ver indícios da formação de crenças (�...é errado sentir-se assim... os adultos não devem sentir isso...�). Se essa pessoa for atenta o bas- tante, talvez possa tomar consciência de que uma mesma situação pode evocar dois tipos distintos de leitura ou de processamento de informação; contudo, também é possível que nada venha a perceber pelo simples fato de que o �aperto no peito� não indica uma condição psicológica. Nesse caso, ao não considerar, por ingenuidade ou por opção, a duplicidade de sentido dessa construção, alguns fatos pode- rão ocorrer: se a pessoa for alguém que res- ponde básica e preferencialmente aos signifi- cados conceituais (pensamento), é muito pro- vável que a experiência vivencial não chegue a ser alcançada por ela, criando, assim, um obs- táculo à formação do significado mais amplo. Então, o sentir-se desconfortável mais o pensar errado não produzirão um significado global agregado, e a pessoa muito provavel- mente se tornará desorientada. Além disso, quando se confrontar novamente com uma si- tuação como essa, se perceberá frente ao se- guinte dilema: ou sente algo que não conse- gue dar nome (por ser emocionalmente incô- modo), ou nomeia algo terrível de ser reco- nhecido (por exemplo, sei que os adultos não sentem isso, apesar de sentir-me assim). Se essa fusão não ocorrer, o processo de simbolização dos episódios de vida na cons- ciência diminuirá progressivamente, desenvol- vendo-se crenças muitas vezes incompatíveis e insuficientes para o entendimento da situação, invalidando-se e restringindo-se a compreen- são das emoções experimentadas. Como a ex- periência sempre precede a explicação, a pes- soa fica desorientada por não conseguir com- preender a situação como um todo (Greenberg, Rice e Elliott, 1996). A concepção construtivista entende que não são os pensamentos e nem mesmo as emo- ções disfuncionais per se que devem ser elimi- nadas e corrigidas, mas o pensamento desen- volvido sobre nossas emoções é que deve ser expandido, ampliado e mais refinado. Portan- to, quando os clientes demostram medos ou angústias, uma postura interessante é permitir que a expressão emocional exista sem desqua- lificá-la ou alterá-la ao se basear em premissas de irracionalidade ou disfuncionalidade por parte do terapeuta: �Não sofremos por nossas emoções, sofremos pelo não entendimento de tais emoções� (Guidano, 1994, p. 34). Nesse sentido, pode-se auxiliar o paciente no proces- samento de novas sínteses dialéticas de signi- ficado, porém partindo sempre de seu sistema pessoal, e não do sistema do clínico, o qual é possuidor das intervenções mais válidas. No construtivismo, a aceitação do outro com todas as suas particularidades e idiossin- crasias é o cerne do processo de mudança (Safran e Muran, 2000). O procedimento da psicoterapia baseada no construtivismo reali- za, segundo Mahoney (no prelo), o trabalho dos três �Ps�. Assim, nos momentos iniciais do processo clínico, objetiva-se enfocar o Proble- ma com todas as suas peculiaridades e varia- ções; em um segundo momento, aprofunda-se a análise dos Padrões gerais, aqueles que man- têm o aparecimento dos problemas e que são compostos pelas repetições das dificuldades em questão; finalmente, desenvolve-se uma aná- lise mais aprofundada dos Processos pelos quais tais padrões e problemas foram sendo construídos e manifestados ao longo da vida do indivíduo. Portanto, nesse último nível do trabalho, busca-se compreender as marés de ordem que são seguidas pelas marés de desor- dem � que, por sua vez, são seguidas pelas marés de ordem e assim sucessivamente �, as quais constituem a história de flutuações emo- cionais na vida daqueles que solicitam ajuda (Mahoney, 1998). A idéia de que existem fases de �ordem� e �desordem� permeando o desen- volvimento do homem e, portanto, suas possi- Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5646 Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 47 bilidades de mudança está na base do procedi- mento psicoterápico construtivista. Nessa abor- dagem psicoterápica, a mudança não é enten- dida como um processo linear em contínua ex- pansão, e sim como um movimento no qual ocorrem diferentes formas de aberturas e fe- chamentos, todos mantendo as medidas bási- cas de proteção e coerência do sistema. Ne- nhuma é melhor, ambas são necessárias. Em suma, a psicoterapia construtivista parte do pressuposto de que �a experiência humana não é uma busca pela verdade, mas, ao invés disso, uma infinita construção de sig- nificados� (Gonçalves, 1994, p. 108). Portan- to, as técnicas narrativas de Óscar Gonçalves, a construção da linha da vida de Michael Mahoney ou mesmo a técnica da moviola de Vittorio Guidano, entre outras, focalizam a his- tória do desenvolvimento pessoal do indivíduo com seus processos de ordenação e contínua reordenação das experiências pessoais. CONSIDERAÇÕES FINAIS É importante salientarmos que nossas explicações não se baseiam na premissa da existência de uma forma mais refinada de se praticar a psicoterapia cognitiva, mas sim de que ambas as concepções partem de diferen- tes premissas epistemológicas para a sua prá- tica clínica. Acreditamos que, nos modelos objetivistas, a ênfase no processo de mudança recai sobre as dimensões conceituais da expe- riência, ao passo que nos modelos construti- vistas reforça-se uma prática mais voltada aos aspectos emocionais da experiência. Essa dife- rença de foco, em nossa opinião, é o divisor de águas da grande família cognitiva, não exis- tindo, portanto, uma modalidade mais eficien- te, e sim uma ampla variedade de conce(o)p- ções de como ocorre o funcionamento pessoal e a construção de sentido para cada um. A Figura 2.1 ilustra essa preferência tera- pêutica que cada autor cognitivista exibe no trabalho com seus pacientes, partindo da pre- missa de que o processo de mudança será mais beneficiado se se basear nos aspectos concei- tuais da experiência � preferidos pelos tera- peutas objetivistas � até chegarmos aos pro- cessos emocionais da experiência � preferidos pelos terapeutas construtivistas. Na Tabela 2.1, é possível observar que a principal diferença entre as duas concepções está no enfoque dado à participação dos es- quemas emocionais e, por isso, de sua contri- buição na história de vida e na formação do indivíduo com seus problemas particulares (sin- tomas e/ou queixas). Provavelmente, os psicoterapeutas cognitivos mais objetivistas identificaram-se com algumas idéias constru- tivistas, assim como alguns clínicos construti- vistas talvez tenham reconhecido a utilidade de uma postura mais objetiva e pragmática adotada pelos cognitivistas. Como dissemos no início deste capítulo, nossa intenção é refletir sobre as múltiplaspossibilidades da teoria e da prática de nossa rica e plural descendência cognitiva. Assim, tomando de empréstimo da con- cepção construtivista a idéia de que o homem constrói, através da sua história, um conheci- mento pessoal sobre si mesmo e sobre o mun- do, podemos afirmar que toda concepção, todo conhecimento e toda compreensão de realida- de serão sempre construções e interpretações feitas a partir do sujeito que as vivencia, to- mando como ponto de partida sua história pas- sada de interações, as quais inevitavelmente se tornam sua representação maior, seu mapa interno de mundo. Como diria Fernando Pes- soa, �nós fabricamos realidades�. Assim, os di- ferentes capítulos deste livro também refletem as diferentes trajetórias apontadas pelas cons- truções individuais, pessoais e profissionais de cada um de seus autores. Por isso, os aspectos que venham a se mostrar divergentes ou até mesmo complementares de ambas as concep- ções cognitivas descritas aqui servem para que cada um de nós, autores e leitores, ampliemos nossa própria construção de realidade e do império psicológico que aguarda ser conquis- tado por nós. Esperamos que isso tenha ocor- rido ao longo deste capítulo e que essa expe- riência dialética tenha realmente ampliado o leque de atuação e conhecimento do leitor. Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5647 Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva 48 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols. Figura 2.1 Ênfases no trabalho terapêutico. Tabela 2.1 Caracterização dos modelos cognitivistas e construtivistas de psicoterapia Teoria Conceito de Realidade Papel das Emoções Patologia Tratamento Cognitivista A realidade é externa, po- dendo ser objetivamente observada e acessada. É sin- gular, estável e universal. As emoções são deriva- das dos pensamentos e das imagens mentais, assim como da interpre- tação das situações de vida. As emoções negativas resultam dos padrões distorcidos e irracio- nais de pensamento (geradores da patolo- gia). A ênfase está na eli- minação, no controle ou na substituição dos padrões negativos do pensamento. Propõe- se a identificação, se- guida da alteração dos padrões irracio- nais por padrões mais lógicos e realistas. Teoria Conceito de Realidade Papel das Emoções Patologia Tratamento Construtivista A realidade é uma constru- ção sucessiva do próprio in- divíduo para organizar sua experiência. É múltipla por natureza. As emoções são proces- sos primitivos e podero- sos de conhecimento que refletem a organi- zação e a desorganiza- ção da experiência in- dividual. Influenciam os pensamentos na forma- ção do significado na experiência. Os padrões desadap- tativos ou dolorosos da experiência emocional refletem as tentativas individuais (porém im- perfeitas) de adapta- ção e desenvolvimento. Fonte: Mahoney, 1998. A ênfase está na ex- periência e na expres- são apropriada das emoções, assim como na exploração do seu desenvolvimento (fun- ções passadas e pre- sentes na história de vida de cada um). Fonte: Adaptada de Zagmutt, LecAelier e Silva, 1999. Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5748 Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 49 NOTAS 1. Curiosamente, na língua portuguesa, utiliza- se o verbo refletir como sinônimo de pensar. (Dicionário de Sinônimos e Antônimos da Lín- gua Portuguesa. 34ª Edição). 2. Isto obedece à metáfora do princípio da corres- pondência (a realidade externa), conforme pro- posto por Thelen e Smith (1995). 3. Outra metáfora de referência é aquela intitu- lada mundo-na-mente (Thelen e Smith, 1995). 4. Nisso repousa a origem da utilização do termo abordagens cognitivo-racionalistas (Mahoney, 1998). 5. Também denominada organismo-no-mundo (Thelen e Smith, 1995). 6. É muito típico ouvirmos terapeutas sugerirem a seus clientes que façam os chamados testes de realidade, com o intuito de verificar a au- tenticidade de seus padrões de pensamento. 7. Freqüentemente, o que é referido como uma emoção inclui a reação pessoal do indivíduo frente a tal emoção, assim como seu posicio- namento frente à manifestação. Vale lembrar que muitas pessoas não experienciam a emo- ção em si, mas a conseqüência de sentir-se iná- bil para experienciá-la, como sentir medo de sua raiva, vergonha de seus medos ou raiva de suas tristezas, desenvolvendo uma reação �de- fensiva� às emoções primeiras � foco da psico- terapia. Por isso, existe a necessidade de sepa- rar as emoções primárias das secundárias para que a psicoterapia seja efetiva. Para um apro- fundamento dessas idéias, sugerimos consul- tar Greenberg e Paivio (1997). 8. Optamos por manter a mesma referência teó- rica adotada até então para a descrição da pro- posta de trabalho, de modo que o leitor possa ter uma visão mais integrada, em vez de ex- pormos um elenco de sugestões construtivis- tas, o que viria inevitavelmente a comprome- ter o entendimento global. Sendo assim, a es- colha dessa proposta foi puramente casual. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABREU, C.N.; SHINOHARA, H. Cognitivismo e construtivismo: uma fértil interface. In. FERREIRA, R.F.; ABREU, C.N. (Org.). Psicoterapia e construtivis- mo. Porto Alegre: Artmed, 1998. ARCIERO, G.; GUIDANO, V.F. Experience, explana- tion, and the quest for coherence. In. NEIMEYER , R.A. ; RASKIN, J.D. (Orgs.). Constructions of disorder. Washington: APA, 2000. BECK, A.T. Thinking and depression: II � theory and therapy. Archives of General Psychiatry, v.10, p. 561- 71, 1964. ___________ . 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Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5750 Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 51 PARTE II Um Estudo Comparativo entre os Modelos Cognitivo e Construtivista Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5751 Terapia Cognitiva: Abordagem Revolucionária Aaron T. Beck Willem Kuyken suas implicações em qualquer estresse emocio- nal que ele possa estar apresentando. RAÍZES HISTÓRICAS E FILOSÓFICAS DA TERAPIA COGNITIVA Fui (Beck) um dos pioneiros da teoria e da terapia cognitiva há mais de 30 anos. Trei- nado como psiquiatra no modelo freudiano, tentei analisar a base empírica da teoria da depressão de Freud quando percebi que os pacientes com depressão sofriam de um fluxo consciente de pensamentos negativos automá- ticos, tais como: �Minha parceira acha que não sou bom�, �Isso não vai dar certo�, ou ainda �Meu parceiro está pensando em me deixar�. Em meu primeiro trabalho, percebi que, quan- do ajudava os pacientes a mudarem seu diálo- go interno (seus pensamentos), ajudava-os a se sentirem melhor. Por isso, eles são treina- dos a pensar como cientistas e a abordar pen- samentos como �Isso não vai dar certo� de maneira científica, reunindo evidências que confirmem ou não tal pensamento. Desde sua concepção, a terapia cognitiva tem sido cons- tantemente atualizada pelas observações clí- nicas, bem como pelas idéias sobre a psicolo- gia cognitiva e social, e inúmeras pesquisas já 33 CONSIDERAÇÕES INICIAIS Os transtornos mentais representam um relevante problema de saúde pública. Boa par- te das pessoas que procuram atendimento mé- dico com um problema de saúde apresentam um transtorno mental primário ou secundário. Esses transtornos exigem uma terapia pragmá- tica e padronizada, que possa ser aceita por uma grande variedade de pessoas e que tenha sua eficácia comprovada. A terapia cognitiva, desenvolvida há mais de 30 anos, vem procu- rando responder a esse desafio. No cerne dessa abordagem terapêutica, de embasamento teórico sólido e de eficácia comprovada, está uma idéia extremamente simples. As crenças que temos sobre nós mes- mos, sobre o mundo e sobre o futuro determi- nam o modo como nos sentimos: o que e como as pessoas pensam afeta profundamente o seu bem-estar emocional. Como disse Hamlet, per- sonagem de Shakespeare: �� nada é bom ou mau, o pensamento é que torna as coisas as- sim ��. É desse princípio que vem a idéia de que, examinando nossas crenças e, se apropria- do, modificando-as, afetamos diretamente o nosso bem-estar emocional. A terapia cogniti- va é um trabalho de exploração conjunta en- tre terapeuta e paciente das crenças deste e de Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5753 Leonidas Valverde da Silva 54 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols. foram realizadas testando seus princípios e comprovando a sua eficácia no tratamento de uma série de transtornos. PRINCIPAIS PROPRIEDADES DA TERAPIA COGNITIVA A terapia cognitiva tem como base a rea- lidade objetiva, pois ajuda as pessoas na ava- liação de seus pensamentos e de suas ações de maneira clara e realista. Uma pessoa que acre- dita ser basicamente incompetente, por exem- plo, é questionada sobre quais são as caracte- rísticas que alguém precisa apresentar para ser considerado competente e, então, analisa suas competências e seus sucessos de acordo com seus próprios padrões. Ao contrário das errôneas concepções po- pulares sobre a psicoterapia (o divã, o tique- taque do relógio que marca os 50 minutos de terapia), o paciente da terapia cognitiva tem maior chance de ficar sentado frente a frente com o terapeuta, semanalmente, trabalhando em um estilo de conversação cooperativa. Além disso, a terapia cognitiva tende a ser um traba- lho de curto a médio prazo (em geral, de 16 a 20 sessões), cujo objetivo é aliviar o estresse a curto prazo e conferir às pessoas habilidades para operar mudanças a longo prazo. Em ou- tras palavras, o objetivo é que o paciente tor- ne-se seu próprio terapeuta. Assim como em outras formas de terapia, o relacionamento entre terapeuta e paciente é importante e proporciona um veículo para a melhora. O terapeuta deve ser capaz de criar calor humano e empatia genuínos no relacio- namento, ao mesmo tempo em que mantém um papel ativo de questionamento que visa a oferecer ao paciente as ferramentas necessá- rias para que ele possa mudar seus pensamen- tos e seus comportamentos em uma direção mais adaptativa. Entretanto, diferentemente de outras abordagens terapêuticas, o bom relacio- namento entre paciente e terapeuta é conside- rado um ingrediente necessário, mas não sufi- ciente da terapia. Portanto, a terapia cognitiva é uma for- ma de terapia sistemática, baseada na realida- de objetiva, cooperativa e focal. Focaliza o pro- blema trazido pelo paciente, e sua duração de- pende do tempo necessário para a solução des- se problema ou das dificuldades impostas por restrições financeiras. A TEORIA COGNITIVA DAS EMOÇÕES Desde sua concepção, a terapia cognitiva fundamenta-se na teoria cognitiva das emoções que está na base de muitos transtornos psiqui- átricos e parte do pressuposto de que as emo- ções de uma pessoa são influenciadas por sua percepção dos acontecimentos. Ou seja, não é o acontecimento em si que determina o que a pessoa sente e faz, mas sim o significado que atribui a ele. A maneira como uma pessoa atri- bui significado aos eventos de sua vida é influ- enciada por suas crenças centrais a respeito de si mesma, dos outros e do mundo. Assim, as nossas crenças centrais (por exemplo, �Eu sou uma pessoa que sempre está bem�) ativam o modo como percebemos as situações que, por sua vez, determinam nossa reação emocional àquelas situações. Por exemplo, uma pessoa valoriza determinada amizade porque com- partilhou bons momentos com o(a) amigo(a) e sempre recebeu seu apoio emocional e prá- tico; porém, esse(a) amigo(a) diz que vai acei- tar uma oferta de trabalho em outra parte do país. A pessoa, então, reage a esse aconteci- mento com um misto de tristeza � �Vou sentir saudades dos bons momentos� � e alegria � �Estou contente por meu amigo ter consegui- do esse emprego, é o emprego certo para ele�. Esses pensamentos estão relacionados a cren- ças centrais sobre os outros, como �Amizade é importante� e �Amigos devem ficar próxi- mos e apoiar emocionalmente as decisões um do outro�. Com base em tais crenças, seus pensamen- tos e seus sentimentos determinarão uma rea- ção de ajudar o amigo a preparar a mudança. Esse exemplo ilustra que as crenças e as per- cepções de uma pessoa em relação a determi- Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5754 Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 55 nada situação desempenham um papel inter- mediário entre os acontecimentos e as subse- qüentes emoções ecomportamentos. A litera- tura sobre psicologia social e cognitiva tem contribuído bastante na compreensão dos prin- cípios básicos da teoria cognitiva das emoções. A TEORIA COGNITIVA DOS TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS O modelo cognitivo dos transtornos psi- quiátricos é compatível com o modelo cogniti- vo da emoção normal, porém a diferença está no fato de que as crenças e as emoções nos transtornos tornam-se disfuncionais. Elas afe- tam o conceito que o indivíduo tem de si mes- mo, tornando-o rígido e inflexível, mantendo, assim, o transtorno psiquiátrico. Beck e seus colaboradores demonstraram a relação entre os transtornos psiquiátricos e as crenças idios- sincráticas que os caracterizam (Tabela 3.1). As pessoas com transtornos de humor, por exemplo, tendem a ver a si mesmas como pes- soas indefesas e não-merecedoras de amor, o mundo como hostil e exigente e o futuro como irremediável. As pessoas com transtornos de ansiedade tendem a ver a si mesmas como vul- neráveis, o mundo como ameaçador e perigo- so e o futuro como incerto. A TEORIA COGNITIVA DOS TRANSTORNOS DE PERSONALIDADE Mais recentemente, a teoria cognitiva tem-se expandido, procurando descrever e ex- plicar os transtornos de personalidade. Talvez mais atual seja o transtorno da personalidade anti-social, mas também estão incluídos os transtornos bordeline, esquivo, narcisista, para- nóide e dependente. Os transtornos de perso- nalidade compreendem uma organização cog- nitiva, afetiva, comportamental e fisiológica relativamente estável que determina a manei- ra como alguém reage às exigências da vida. Uma pessoa com transtorno da personalidade dependente, por exemplo, pode apresentar crenças do tipo: �Não posso sobreviver sem a ajuda dos outros�. Essa crença faz com que ela se torne extremamente dependente dos demais, tanto para obter bem-estar emocional quanto para realizar suas atividades cotidianas. Segun- do a teoria cognitiva, uma característica cen- tral dos transtornos de personalidade é a exis- tência de um conjunto de crenças aprendidas durante o desenvolvimento, as quais influen- ciam a percepção dos acontecimentos, de modo que os eventos estão sempre confirmando as crenças mal-adaptativas. O paciente com transtorno da personali- dade dependente do exemplo anterior, em uma Tabela 3.1 Teoria cognitiva aplicada a diferentes transtornos psiquiátricos Transtorno Conteúdo de Pensamento Típico Depressão Visão negativa de si mesmo, do mundo e do futuro Transtorno de ansiedade generalizada Medo de risco físico ou psicológico Transtorno de pânico Medo de acidente físico ou psicológico iminente Transtorno alimentar Medo descontrolado de não ser fisicamente atraente Hipocondria Preocupação com distúrbio médico insidioso sério Transtorno da personalidade anti-social Sensação de ser tratado de maneira injusta e de ter direito à sua parte justa, não importa por quais meios. Distúrbios médicos nos quais os pacientes apresentam Sensação de dor intolerável e impotência para controlá-la queixas de dor em graus significativos Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5755 Leonidas Valverde da Silva 56 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols. situação na qual está prestes a fazer um exa- me, pode acreditar que este estará além de sua capacidade, uma vez que não encontrou uma pessoa forte e confiável que o ajudasse a se preparar. Nesse caso, pode ser reprovado no exame por não fazer uso de sua capacidade para estudar e preparar-se adequadamente sem a ajuda de ninguém. PROCESSOS QUE MANTÊM AS CRENÇAS CENTRAIS, AS ATITUDES DISFUNCIONAIS E OS PENSAMENTOS NEGATIVOS AUTOMÁTICOS A teoria cognitiva sugere que as crenças mal-adaptativas são perpetuadas através de modos mal-adaptativos de processar informa- ções. As pessoas ansiosas, por exemplo, ten- dem a estar sempre atentas às ameaças do ambiente; as pessoas deprimidas tendem a se responsabilizar por acontecimentos negativos; as pessoas com transtornos de personalidade tendem a interpretar os acontecimentos como consistentes com seus comportamentos e cren- ças mal-adaptativos. Nesse sentido, a teoria cognitiva identifi- cou vários erros ou distorções no pensamento, que perpetuam tais crenças, como a personifi- cação, a antecipação e o pensamento do tipo tudo ou nada. A personificação, comum no pensamento característico da depressão, refe- re-se à tendência excessiva de auto-referência, ou seja, os acontecimentos estão sempre rela- cionados à própria pessoa. Por exemplo, uma pessoa deprimida, com baixa auto-estima, pode interpretar o atraso de um amigo para um en- contro como �Não mereço o tempo dos outros�, em vez de imaginar que o amigo possa ter fi- cado preso no trânsito. A antecipação, erro de pensamento comum na ansiedade, refere-se à tendência de imaginar os resultados de acon- tecimentos futuros geralmente de maneira ca- tastrófica. Por exemplo, ao pensar sobre uma apresentação que irá fazer, a pessoa imagina que desmaiará. O pensamento do tipo tudo Tabela 3.2 Distorções cognitivas Distorção Exemplo Pensamento do tipo tudo ou nada: a pessoa vê as coisas �Meu desempenho não é perfeito; portanto, devo ser em preto e branco. um fracasso total.� Generalização exagerada: a pessoa vê um simples evento �Estou sempre estragando tudo.� negativo como um padrão infindável de derrota. Filtro mental: a pessoa percebe um detalhe negativo e Ao perceber que engordou um pouco, ela pensa: �Estou estende-o a tudo, tornando todas as percepções da horrivelmente obesa�, ignorando outras partes de sua realidade obscurecidas. vida (tem um sorriso bonito, as pessoas gostam dela, tem um emprego ou está criando uma família). Antecipação: a pessoa faz previsões negativas sobre o �Nunca conseguirei um emprego ou um relacionamento.� futuro, sem perceber que tais previsões podem ser imprecisas. Raciocínio emocional: a pessoa assume que as emoções �Estou sem esperanças; logo, as coisas são negativas refletem necessariamente o modo dos irremediáveis.� acontecimentos. Pensamento do tipo deveria: a pessoa tenta motivar-se �Não deveria sentar aqui; eu deveria arrumar a casa.� com �devo� e �não posso�, como se tivesse de ser punida e castigada por alguma coisa. Personalização: a pessoa vê-se como a causa de algum Se alguém gritar com ela, pensa: �Fiz alguma coisa evento externo negativo, embora não seja responsável errada�, em vez de imaginar que o outro esteja por ele. passando por um momento ruim ou tenha um temperamento difícil. Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5756 Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 57 ou nada, freqüentemente encontrado nos transtornos de personalidade, refere-se à ten- dência de pensar dicotomicamente, como se só fosse possível enxergar as situações em branco e preto, sem nenhuma possibilidade de cinza no meio. Durante um período de estresse intenso, por exemplo, a pessoa en- xerga-o como permanente e irremediável, não havendo solução para seus problemas. Por não conseguir enxergar um meio-termo, sua úni- ca saída é o suicídio. A ESTRUTURA DA TERAPIA COGNITIVA: TÉCNICAS COMPORTAMENTAIS, TÉCNICAS COGNITIVAS E LIÇÃO DE CASA O objetivo principal da terapia cognitiva é identificar e modificar os comportamentos e as crenças mal-adaptativos. Uma variedade de abordagens terapêuticas podem ser usadas na terapia cognitiva, incluindo técnicas compor- tamentais e cognitivas. O primeiro grupo de abordagens focaliza o comportamento do pa- ciente, partindo do princípio de que o monito- ramento do comportamento e a ativação com- portamental podem levar a ganhos substanci- ais em alguns casos. Pessoas com um quadro depressivo grave, por exemplo, muitas vezes se tornam retraídas e inativas, piorando ainda mais seu estado depressivo. Ao retrair-se, o de- primido percebe-se e rotula-se como �ineficaz� e alimenta sua depressão. Se a terapia tem como foco aumentar a participação do pacien- te em atividades prazerosas, este pode ser o primeiro passo no combate à depressão. Ou- tras estratégiascomportamentais incluem pro- gramar atividades, dividindo grandes tarefas (por exemplo, arranjar um emprego) em tare- fas menores e mais viáveis (por ex., comprar o jornal com anúncios de emprego, preparar um currículo, etc.), e executar técnicas de relaxa- mento, dessensibilização sistemática em rela- ção a situações temidas, dramatização de situ- ações e treino de assertividade. O segundo grupo de abordagens concen- tra-se nas crenças mal-adaptativas do pacien- te. O questionamento e a exploração cuidado- sa de suas crenças irrealistas e disfuncionais são realizados a fim de confrontá-las com a realidade, corrigir as distorções e modificar as crenças mal-adaptativas que perpetuam a an- gústia emocional. A terapia consiste em uma exploração conjunta das crenças da pessoa, o que propicia ao trabalho um espírito de desco- berta guiada, através do qual as construções mal-adaptativas da realidade são gradualmente exploradas. Ao descobrir os significados mal- adaptativos atribuídos às experiências, a vida do paciente pode seguir com um �novo signifi- cado�, mais orientado para a realidade, para as satisfações e os objetivos da pessoa. Esse processo demonstra a relação entre as crenças mal-adaptativas, a angústia emocional e o com- portamento. Um paciente cuja crença era �Eu tenho de colocar as necessidades dos outros sempre acima das minhas� sentia-se constan- temente culpado e ressentido. Em conseqüên- cia disso, empenhava-se ainda mais em satis- fazer as necessidades de seus colegas de traba- lho, de seus familiares e de seus amigos, a ponto de ficar exausto, perder de vista seus próprios objetivos e necessidades e, finalmente, sentir- se deprimindo. O terceiro grupo de abordagens não ocorre no ambiente do consultório, mas sim entre as sessões, pois os pacientes realizam melhor as tarefas de auto-ajuda, chamadas �lições de casa�, as quais possibilitam a conti- nuidade do trabalho no decorrer da semana. O papel do terapeuta assemelha-se ao de um treinador, orientando e questionando o pa- ciente semana após semana. As tarefas são de- finidas em conjunto e elaboradas sob medida para o indivíduo, constituindo-se em propos- tas de execução viável, podendo variar desde a sugestão da leitura de um livro pertinente até a realização de uma tarefa até então pro- telada (por exemplo, telefonar a um amigo para resolver um conflito velado) e sua moni- torização, ou seja, a observação dos pensa- mentos e das imagens que surgirem durante a preparação para a tarefa (por exemplo, �Meu amigo vai ficar furioso comigo�). Eu mesmo (Willem Kuyken) tratei de Thomas, um homem de 68 anos, casado, com mal de Parkinson diagnosticado quatro anos antes. O caso ilustra algumas das característi- Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5757 Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva 58 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols. cas da teoria cognitivo-comportamental e das abordagens da terapia cognitiva utilizadas, bem como o uso da lição de casa. Por causa da do- ença, Thomas tornara-se inseguro e temia a reação das outras pessoas em relação a ele em situações profissionais e sociais, evitando cada vez mais tais situações. Esse comportamento afetara profundamente o conceito sobre si mesmo e o deixara deprimido. A conceitualização cognitiva dos proble- mas de Thomas sugeriu que, em um nível pro- fundo e central, ele possuía a crença de que sua aceitabilidade como pessoa estava condi- cionada a ser respeitado e considerado com- petente em todas as áreas e o tempo todo. Po- rém, o início e o progresso do mal de Parkinson haviam comprometido sua competência naqui- lo que acreditava serem áreas fundamentais, ativando suas crenças sobre a própria aceitabi- lidade. Ele era um marceneiro aposentado, e suas habilidades motoras estavam seriamente comprometidas. Conseqüentemente, começou a duvidar de seu valor pessoal e de sua aceitabilidade: �As pessoas pensarão que estou no fim da linha (�sou uma pessoa de menor importância�) se souberem que tenho mal de Parkinson�. Como tentava disfarçar a doença e o impacto que ela lhe causava para seus ami- gos e familiares, Thomas começou a evitar di- versas situações sociais. Esse afastamento man- tinha seu temor e exacerbava sua depressão, uma vez que assim desperdiçava as oportuni- dades de checar se suas crenças eram verda- deiras ou não, ou seja, se as pessoas realmente o �descartariam�. Thomas compareceu a 16 sessões de te- rapia em um período de 8 meses. Inicialmen- te, as sessões eram semanais, depois passaram a ser quinzenais e, finalmente, mensais. As eta- pas da terapia cognitiva foram: 1. educação sobre ansiedade social, de- pressão e modelo cognitivo para seus problemas; 2. manutenção de um diário de pensa- mentos, sentimentos e comporta- mentos em uma variedade de situa- ções perturbadoras que o ajudou a entender melhor suas crenças e o pa- pel delas em suas dificuldades psi- cológicas; 3. redução da esquiva de situações ame- drontadoras através de lições de casa em que se expunha gradualmente a tais situações; e 4. orientação para que testasse e colo- casse à prova as crenças centrais e condicionais inferidas na terapia. Quanto aos problemas apresentados, Thomas respondeu bem à abordagem pragmá- tica do �aqui e agora� da terapia cognitiva. Ele identificou as seguintes estratégias da terapia cognitiva como sendo úteis para lidar com a ansiedade social: 1. o uso cuidadoso da autodescoberta; 2. o pensamento �e se� (ou seja, per- guntar-se �e se as conseqüências te- midas realmente acontecessem? O que elas teriam de tão terrível?�; e 3. a abordagem frontal, que consiste em enfrentar medos de maneira ou- sada e sem acanhamento. Armado com essas estratégias, Thomas participou de uma série de compromissos so- ciais (por exemplo, fazer um discurso na festa de despedida de um colega, visitar antigos co- legas de trabalho, participar de várias festas de Natal) para testar o fundamento de suas cren- ças na realidade. Em cada uma dessas ocasiões, seu medo não foi comprovado. Na verdade, em várias delas, foi surpreendido pelo carinho com que seus amigos e colegas o receberam. Thomas utilizou uma metáfora � a da luta de boxe � para exprimir o que sentia: sentia-se mais ca- paz de enfrentar as situações difíceis, porque podia jogar à lona seu pensamento negativo. Ao final da terapia, não evitava mais as situa- ções sociais e sua depressão havia melhorado muito. Por outro lado, o agravamento do mal de Parkinson apresentava desafios consideráveis, e, durante muitos anos, Thomas compareceu a sessões de reforço que o ajudavam a manter sua saúde psicológica a melhor possível, enquanto sua saúde física deteriorava-se. Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5758 Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 59 Em suma, a terapia cognitiva visa a aju- dar as pessoas a desenvolverem crenças sau- dáveis sobre si mesmas como seres competen- tes e capazes de serem amados, além de con- ferir-lhes habilidades cognitivas e comporta- mentais para viverem suas vidas plenamente. APLICAÇÃO DA TERAPIA COGNITIVA A DIFERENTES PROBLEMAS DE SAÚDE MENTAL Eu (Beck) e meus colegas estamos apli- cando a terapia cognitiva, no mundo todo, a uma grande variedade de problemas de saúde mental em crianças e adultos, como transtor- nos de humor, transtornos de ansiedade, trans- tornos somatoformes, transtornos alimentares, abuso de substâncias e transtornos de perso- nalidade. A terapia cognitiva também vem sen- do usada no hospital geral com o objetivo de: 1. melhorar a adesão à medicação, 2. enfrentar problemas de saúde men- tal secundários à doença ou à enfer- midade e 3. melhorar os resultados do tratamen- to de doença coronária ou fibromial- gia quando associada às terapias medicamentosas. RESULTADOS DE ESTUDOS CONTROLADOS A terapia cognitiva tem sido submetida a inúmeros estudos controlados, os quais procu- ram responder à seguinte pergunta: As terapi- as psicológicas funcionam? Um desdobramen- to dessa pergunta leva a duas outras: Quais terapias psicológicasfuncionam melhor do que as outras? e Quais os fatores responsáveis pela mudança?. Após 25 anos de pesquisas cada vez mais sofisticadas, estas sugerem que a terapia cog- nitiva é significativamente eficaz no tratamen- to de uma variedade de problemas, como de- pressão, ansiedade generalizada, pânico, trans- torno alimentar, abuso de substâncias, trans- torno somatoforme, e, mais recentemente, no alívio de sintomas da esquizofrenia. As respos- tas para as perguntas sobre qual terapia funci- ona melhor e quais são os fatores responsáveis pela mudança ainda não são definitivas, pois dificuldades práticas, metodológicas, estatísti- cas e éticas comprometem os estudos contro- lados em psicoterapia. Com certeza, porém, a terapia cognitiva funciona pelo menos tão bem quanto outras formas de terapia no tratamen- to da maioria dos transtornos de ansiedade e de humor. De modo geral, estudos de metaná- lise de estudos controlados demonstram que a terapia cognitiva é tão eficaz no tratamento da depressão quanto a farmacoterapia, sendo ain- Tabela 3.3 Transtornos eficazmente tratados com a terapia cognitiva em estudos controlados Transtorno Observações Depressão maior Pacientes internados e externos, com recaída reduzida, quando em comparação com a farmacoterapia Transtorno de pânico terapia cognitiva > terapia de apoio terapia cognitiva > terapia comportamental e imipramina Transtornos alimentares Transtorno obsessivo-compulsivo Hipocondria terapia cognitiva > tratamento-padrão Transtorno de ansiedade generalizada Abuso de substâncias Esquizofrenia terapia cognitiva > tratamento habitual, mas ambos os tratamentos incluíram medicação antipsicótica Transtornos médicos: dor crônica, hipertensão, síndrome de fadiga crônica, colite, enxaquecas e disfunção sexual Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5759 Leonidas Valverde da Silva 60 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols. da mais eficaz na redução de recaídas (30% contra 60%). O FUTURO A terapia cognitiva está sendo amplamen- te utilizada na área da saúde e da saúde men- tal em todo o mundo. Vários estudos atuais têm-se concentrado no uso da terapia cogniti- va no tratamento de doenças clínicas, espe- cialmente no cuidado primário, e no seguimen- to de pacientes com transtornos mentais que não respondem nem à farmacoterapia nem à psicoterapia. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BECK, A.T. Depression: clinical, experimental and theoretical aspects. New York: Harper and Row, 1967. ___________ . Depression: causes and treatment. Philadelphia: University of Pensilvania Press, 1972. BECK, A.T.; EMERY, G.; GREENBERG, R. Anxiety disorders and phobias. New York: Basic Books, 1985. BECK, A.T. et al. Cognitive therapy of depression. New York: Wiley and Sons, 1979. BECK, J.S. Cognitive therapy: basics and beyond. New York: Guilford Press, 1995. CLARK, D.M.; FAIRBURN, C.G. (Eds.). Science and practice of cognitive behaviour therapy. Oxford: oxford University Press, 1997. Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5760 Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 61 Técnicas Selecionadas da Prática da Terapia Cognitiva Helene Shinohara modo de construção da realidade. Principal- mente através do questionamento, o terapeuta propõe-se a obter informações adequadas que o ajudem a entender a visão de mundo do clien- te e a sua maneira de funcionar. Portanto, ele precisa aventurar-se nessa descoberta, traba- lhar colaborativamente e estar envolvido com os padrões cognitivos específicos do cliente, funcionando mais como um guia e menos como um instrutor, questionando em uma atmosfera de compartilhamento. Em seu arsenal técnico, a terapia cogniti- va lança mão tanto de técnicas cognitivas quan- to de técnicas comportamentais e experienciais, tentando modificar os esquemas cognitivos do cliente. A interação entre pensamento, senti- mento e comportamento permite a escolha de técnicas que, ao alterarem especificamente um deles, provoquem mudança nos outros. Depen- dendo do momento da terapia, das caracterís- ticas do cliente ou de determinado objetivo, o terapeuta opta por trabalhar com uma dessas técnicas, na busca contínua por reestruturações cognitivas. TÉCNICAS COMPORTAMENTAIS As técnicas comportamentais são empre- gadas, sobretudo, para que o cliente altere al- gum comportamento de seu repertório e pos- 44 A terapia cognitiva tem-se destacado nos últimos 30 anos por sua ênfase na compreen- são da influência do funcionamento cognitivo nos transtornos mentais e no desenvolvimento de um conjunto de técnicas terapêuticas efica- zes. Nessa perspectiva, ela tem aberto um ca- minho promissor tanto para o terapeuta que trabalha com ela quanto para o cliente que dela se beneficia. Neste capítulo, algumas técnicas são especificamente selecionadas para ilustrar sua prática. A terapia cognitiva possui um conjunto de técnicas que visam a influenciar o pensa- mento, o comportamento e o humor; contudo, se aplicadas sem nenhuma compreensão do funcionamento cognitivo do cliente e de seu modo específico de ver o mundo, cairão em um tecnicismo árido e incapaz de produzir re- sultados satisfatórios. De modo geral, os objetivos das técnicas são eliciar, examinar, testar e modificar pensa- mentos e emoções, porém o cliente precisa acreditar que a terapia é perfeitamente adap- tável às suas necessidades e à sua história de vida (Leahy, 1997). Assim, o terapeuta não é um mero aplicador de técnicas que funcionam independentemente de uma relação terapêu- tica singular e calorosa. As técnicas cognitivas visam a criar pon- tos de entrada para a organização cognitiva do cliente (Beck et al., 1979) e entender seu Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5761 Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva 62 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols. sa, com isso, reexaminar as crenças sobre si mesmo e sobre os eventos, obter evidências factuais para suas conclusões e reformular suas avaliações. As técnicas mais citadas são a ex- posição gradual, a modelação, os experimen- tos comportamentais, o relaxamento, o plane- jamento de atividades, as tarefas graduadas, o desenvolvimento e o treinamento de habilida- des sociais e o auto-reforçamento. No contexto de condicionamento, as cognições podem ser vistas como estímulos condicionados, como uma resposta eliciada, como um operante ou como um meio de reforçamento ou punição (McMullin, 1996). Os terapeutas capazes de realizar análises funcio- nais com seus clientes poderão compreender melhor como determinadas crenças são mantidas. Acreditar, por exemplo, que �Sou uma pessoa muito frágil� pode estar sendo re- forçado positivamente pelas atenções da famí- lia, pelos privilégios concedidos a si mesmo, e pode estar sendo reforçado negativamente pela redução da pressão em se tornar independen- te, pela diminuição da culpa de ser um eterno estudante. Essa mesma crença pode estar sen- do punida com ansiedade, com medo do futu- ro e com o conseqüente afastamento de ami- gos. É importante trabalhar com o cliente para que ele comece a modificar as contingências de seu próprio ambiente. Os experimentos comportamentais são uma importante técnica avaliativa, pois testam diretamente a validade dos pensamentos. Ao sugerir um determinado experimento, o tera- peuta tenta buscar elementos que possam con- firmar ou desconfirmar as suposições do clien- te. �Não adianta puxar conversa com meus colegas, porque eles não me darão atenção� é um bom exemplo de pensamento que pode ser testado. Se o cliente não apresenta déficit em habilidades sociais, pede-se a ele que se apro- xime de vários colegas durante a próxima se- mana e registre quantos realmente não lhe deram atenção. Possivelmente ocorrerá uma reformulação do pensamento, pois haverá ao menos uma diversidade nas respostas dos co- legas. Outra técnica comportamental extrema- mente poderosa é o auto-reforçamento. Em nossa sociedade, sentimo-nos pouco à vonta- de para parabenizarmos a nós mesmos. Ape- sar de os clientes apresentarem mais facilida- de emse autodepreciar, o terapeuta precisa enfatizar a importância de autodeclarações positivas em relação a algum desempenho ou a alguma mudança cognitiva. Elaborar uma lis- ta diária de suas realizações e conquistas opor- tuniza ao cliente perceber aspectos positivos pelas quais merece o devido crédito. Além dis- so, quando novas crenças mais realistas são re- forçadas positivamente, a probabilidade de suas ocorrências no futuro aumenta, e o forta- lecimento delas compete com a manutenção dos antigos pensamentos disfuncionais. TÉCNICAS EXPERIENCIAIS As técnicas experienciais são indicadas para estimular as emoções do cliente, bem como atingir e trabalhar as crenças centrais (Beck, 1997). Em geral, visam a desenvolver um entendimento diferente da experiência em questão, ajudando o cliente a reinterpretar de- terminado evento traumático. São citadas o role-playing, a dramatização de uma situação emocionalmente significativa e a visualização de memórias antigas na presença de afeto. Muitos pensamentos automáticos apare- cem como imagens, e não na forma verbal. Téc- nicas que contenham ambos os aspectos pro- duzem mudanças mais impactantes. Alguns clientes têm facilidade em trabalhar com ima- gens, enquanto outros não; por isso, é preciso estar atento a tal diferença antes da escolha de técnicas de visualização. O trabalho com memórias de eventos ser- ve para identificar crenças antigas e abordar os aspectos emocionais delas. O cliente é ins- truído a imaginar a situação perturbadora atu- al e usar todos os seus sentidos para que a cena seja vívida. Ele, então, se concentra no signifi- cado, no tema mais central da imagem, e pro- cura a lembrança de uma situação antiga que o represente. Perguntas guiam o cliente na reavaliação daquele evento, enfatizando-se, sobretudo, os sentimentos relacionados à cren- ça. Ao explorar as raízes de suas crenças, o Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5762 Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 63 cliente pode desenvolver uma compreensão histórica de seu funcionamento cognitivo. Ao reavaliar suas experiências, pode resolver difi- culdades derivadas de avaliações distorcidas ou emoções não-expressas. TÉCNICAS COGNITIVAS As técnicas cognitivas têm sido aprimo- radas ao longo dos anos, procurando instru- mentar os terapeutas para o trabalho de iden- tificação, análise e reestruturação do sistema de crenças dos clientes. Podemos citar o ques- tionamento socrático, o continuum cognitivo, a técnica do �como se�, a auto-revelação do terapeuta, a minuta da crença central, os con- trastes extremos, a reatribuição, as metáforas, os testes históricos, as técnicas de contestação, os métodos paradoxais, a análise lógica, a téc- nica da flecha descendente, a solução de pro- blemas, a colocação em perspectiva, etc. A fim de facilitar a explanação sobre as técnicas cognitivas, é melhor situá-las segun- do seus objetivos. Em termos de processo tera- pêutico, podemos observar três momentos no trabalho com o cliente. No primeiro momento, o terapeuta ajuda o cliente a identificar os pen- samentos e as crenças que estão relacionados com as emoções e os comportamentos trazi- dos como queixas. Podemos dizer que existem técnicas que são usadas para descobrir e regis- trar. No segundo momento, o cliente é ajuda- do a analisar os pensamentos para testar a va- lidade ou utilidade deles, segundo a lógica pró- pria do cliente, e não a do terapeuta. Assim, é o cliente que possui o julgamento final sobre tal pensamento ser ou não acurado. Uma série de técnicas facilita e promove tais avaliações. No terceiro momento, o terapeuta acompanha o cliente na identificação e na reformulação das crenças consideradas por ele como disfun- cionais ou irrealistas. São usadas principalmen- te as técnicas de reestruturação cognitiva. Como sabemos, os pensamentos automá- ticos ocorrem por reflexo, sem raciocínio deli- berado, sendo, portanto, involuntários. Não são razoáveis ou funcionais, são emocionalmente aflitivos e interferem na habilidade do cliente de realizar determinadas tarefas, embora pa- reçam bastante plausíveis e inquestionáveis para o próprio cliente. A tarefa de solicitação de registro desses pensamentos precisa ser pre- cedida de demonstração da relação existente entre cognição, afeto e comportamento, usan- do de preferência exemplos recentes de situa- ções trazidas pelo cliente. Somente após ter entendido a lógica do modelo cognitivo é que o terapeuta garantirá a colaboração do cliente no registro de pensamentos disfuncionais (RPD). Essa auto-observação deve ser estimula- da já durante a sessão, no momento em que o terapeuta perceber mudanças ou aumento de emoções. Ao perguntar �O que está passando pela sua cabeça agora?�, o terapeuta não só sinaliza a ocasião para tal pergunta, como tam- bém inicia o processo de identificação dos pen- samentos. Em geral, os pensamentos relevan- tes a serem trabalhados estão marcadamente associados a sensações desprazerosas. O RPD deve ser ensinado durante a sessão, utilizan- do-se inicialmente as quatro primeiras colunas (situação, pensamentos, sentimentos e compor- tamentos). Em etapas posteriores, quando o cliente tiver aprendido a questionar a validade ou a utilidade dos pensamentos, ele será ori- entado para o preenchimento das colunas res- tantes (evidências que os apóiam, evidências que não os apóiam, pensamentos alternativos e reavaliação do humor). Também não precisa ser exigida do cliente a anotação das colunas em ordem, já que, geralmente, eles têm mais facilidade de identificar primeiro as emoções (Greenberg e Padesky, 1999). Para avaliar os pensamentos identificados na sessão ou já registrados, é importante que o terapeuta não se esqueça de que eles são rele- vantes e aflitivos para o cliente. Cuidados com o questionamento devem ser tomados, seja porque o terapeuta não pode saber a priori se os pensamentos são ou não disfuncionais ou se contêm parcelas de verdade, seja porque disputar diretamente o pensamento vai contra o espírito de colaboração. As perguntas e os comentários do tera- peuta são fruto de sua própria forma de ver o mundo, e, portanto, ele deve permanecer vigi- Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5763 Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva 64 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols. lante em relação à sua linha de questionamen- to, evitando colocar idéias na cabeça do clien- te. Muitos são sugestionáveis ou desejam agra- dar ao terapeuta, dando as respostas que eles acreditam serem as mais esperadas. Blackburn e Twaddle (1996) sugerem que, em vez de o terapeuta interpretar os pen- samentos e os comportamentos do cliente, seu papel é o de levantar questões para que o clien- te faça descobertas por ele mesmo � um pro- cesso de descoberta guiada. Esse questiona- mento socrático facilita o entendimento das crenças do cliente sem que ele se sinta amea- çado ou julgado ao se revelar para o terapeu- ta. Perguntas sobre evidências a favor e contra aquele pensamento específico, se existem ex- plicações alternativas, o que de pior ou de melhor poderia acontecer, quais as vantagens e desvantagens de continuar com ele, são for- mas de avaliar a validade e a utilidade dos pen- samentos. A técnica de distanciamento, por meio da qual o cliente imagina que uma situação idêntica está acontecendo com um amigo e que ele o está aconselhando, possibilita a apro- ximação com argumentos opostos às suas crenças. Recursos que facilitem outras pers- pectivas acabam sendo poderosos instrumen- tos de mudança. A técnica de busca de interpretações al- ternativas envolve uma investigação ativa de outras interpretações ou soluções para os pro- blemas. A primeira interpretação não é neces- sariamente a melhor, mas muitos clientes pren- dem-sea ela como se assim fosse acurada. Es- sas idéias ganham força e nem sempre é fácil mudá-las. Ao contrário, muitas vezes essa in- terpretação inicial é a pior delas, e os clientes precisam aprender a aguardar até que novas evidências ou informações sejam obtidas. Cos- tumo lembrar aos clientes que os pediatras, ao serem acordados por mães aflitas com a febre alta dos filhos, respondem a elas que terão de aguardar até que algum outro fato apareça e eles possam suspeitar de amigdalite ou cata- pora. O cliente é orientado a registrar a situa- ção e sua interpretação quando sentir emoções negativas, por exemplo. Procurará encontrar pelo menos algumas outras interpretações para o mesmo evento, porém também plausíveis. Então, o terapeuta ajuda-o a avaliar qual das interpretações tem mais evidência objetiva que a sustente, usando mais a lógica do que as im- pressões subjetivas. A técnica de reatribuição é empregada quando o cliente não atribuiu realisticamente ocorrências negativas à sua deficiência pesso- al, seja por falta de habilidade ou esforço. Beck e colaboradores (1979) enfatizam que o obje- tivo não é isentar o cliente de responsabilida- de, mas definir a gama de variáveis que contri- buíram para aquele evento. Um gráfico em for- ma de torta provê um auxílio visual de todas essas variáveis e as proporções de influência que tiveram naquele resultado. Mudanças cognitivas mais significativas envolvem reformulação das crenças subjacen- tes e centrais do cliente, uma verdadeira revo- lução em seu paradigma pessoal. Burns (1980) faz uso da técnica da flecha descendente a par- tir de pensamentos automáticos que parecem diretamente derivados de crenças relevantes a serem trabalhadas. O terapeuta faz perguntas sobre o sentido daquele pensamento supondo- se que seja verdadeiro: �Se isto fosse verdade, então?...�, �O que há de tão ruim em...?�. Per- guntas sobre o significado daquele pensamen- to para o cliente desvendarão crenças inter- mediárias; já perguntas sobre o que o pensa- mento sugere a respeito do cliente indicarão suas crenças centrais. McMullin (1996) afirma que as técnicas de contestação baseiam-se na lógica de que, quando o cliente discute repetidamente uma crença, esta se torna progressivamente mais fraca. As raízes dessas técnicas estão na filoso- fia: disputar, desafiar e discutir as idéias. As contestações são pensamentos que vão contra, que se opõem a uma crença irracional: �Isto não é verdade!�, �Ninguém aqui está prestan- do tanta atenção assim em mim!�. O terapeuta deve ajudar o cliente a produzir contestações que estejam calcadas em sua própria forma de ver o mundo, que sejam realistas e lógicas. O cliente deve encontrar seu repertório específi- Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5764 Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 65 co de contestações já que, sendo argumentos presentes na sua própria organização cognitiva, certamente elas serão mais efetivas. É preciso que se procure afirmações alternativas basea- das em evidências concretas: �É impossível es- tar sempre certo�, �Não se pode ser querido por todos�, etc. Cartões escritos podem funci- onar como lembretes das afirmações a serem usadas em momentos de ativação da crença irracional. Ao trabalhar com as crenças centrais, a participação do terapeuta é muito mais persua- siva, dado que estas são mais rígidas, super- generalizadoras e absolutistas. No entanto, as inferências do terapeuta devem ser considera- das como opiniões, e não como fatos. Beck e colaboradores (1979) alertam para o fato de que, quando ativada uma crença, o cliente pro- cessa informações que a apóiam, falhando em reconhecer e/ou distorcendo as informações que sejam contrárias. A sugestão de um traba- lho conjunto de revisão das crenças mobiliza o terapeuta e o cliente em uma busca de crenças mais funcionais e menos rígidas. As perguntas nessa fase podem ser mais interpretativas, e não somente pedidos de in- formações extras sobre as situações. Estas de- vem desafiar as crenças, possibilitando a reor- ganização e a assimilação das evidências con- traditórias. Por exemplo, o terapeuta pode per- guntar diretamente sobre as crenças, pode for- mular perguntas que busquem alguma relação entre duas crenças, as quais possam conectar o passado com o presente, evidenciar contra- dições ou explicitar diferenças. CASO CLÍNICO A seguir, apresento um caso clínico e uma parte de sua sessão na tentativa de ilustrar al- gumas das técnicas discutidas neste capítulo. É importante salientar que se trata apenas de um fragmento de um processo em parte modi- ficado. Teresa é uma mulher de 30 anos, que foi encaminhada para terapia com as seguintes queixas: medo intenso de estar infectada com o vírus HIV, apesar de testes com resultados negativos; história de ataques de ansiedade nos últimos meses disparados por desconfortos abdominais; comportamentos de verificação repetitiva de suas funções fisiológicas; dificul- dade para manter atividade regular de traba- lho e relações estressantes com a mãe e a irmã. A formulação de seu caso levou em conta fatos relevantes do passado, como ter sido con- siderada a filha inteligente, porém rebelde e difícil porque questionava os pais e respondia para eles. Sua irmã tinha uma história de internações por depressão, uso de drogas e, mais recentemente, AIDS, sendo considerada a filha coitada. Também tem um irmão que procurou ficar o mais afastado possível da fa- mília. Teresa destacou-se nos estudos, construiu um bom círculo de amigos, casou-se e teve fi- lhos. A previsão de um dos pais sempre foi de que as coisas ruins que aconteciam à sua irmã seriam mais compreensíveis se acontecessem à Teresa. O outro progenitor parecia ter senti- mentos contraditórios em relação às filhas, mas mantinha a idéia de que uma era a doente, que precisava ser poupada e cuidada, enquanto a outra era a que tinha condições de agüentar tudo. Teresa perdeu pessoas próximas por cau- sa da AIDS. Em um de seus registros, a cliente ano- tou que, em um encontro recente com a irmã aidética, ela pensou: �Como ela está mal�, �E se isso acontecer comigo?�, �Eu também estou muito magra�. Sentiu muita ansiedade e cul- pa. Decidiu evitar contato com a irmã, ficou analisando obsessivamente suas próprias chances de ter contraído o vírus e sofreu des- conforto abdominal. Anotou também que à noite se pegava lembrando da doença da irmã e das outras pessoas que morreram. Naquele momento, pensou: �Eu deveria ter sido e estar sendo mais solidária�, �Eu não posso estar bem e ela tão mal�, �Mais cedo ou mais tarde serei punida�. Sentiu novamente muita ansiedade e culpa. Não conseguiu dormir, ficou hipervigi- lante com seu corpo e chorou. Trabalhamos, então, com seus pensamentos e suas crenças. Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5765 66 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols. TRANSCRIÇÃO Terapeuta (T): Teresa, nas duas situações anotadas, você se sentiu muito ansiosa e cul- pada. Cliente (C): É. Eu me sinto assim o tem- po todo, basta eu falar com a minha irmã ou lembrar os outros que morreram. T: E você fica checando se não há já al- gum sinal da doença em você, não é? C: Sim. Eu tomo conta principalmente do meu intestino, mas também do meu peso. Evi- to comer gordura e açúcar para não sentir ne- nhum mal-estar, nem ter diarréia. Mas acabo emagrecendo e isso também me preocupa... T: Nós já discutimos sobre o que é ansieda- de e as estratégias que você tem usado para lidar com ela. Você tem treinado o relaxamento? C: Tenho, mas ainda não me sinto muito capaz de esperar a ansiedade baixar sem reali- zar minhas checagens. Tenho tentado pelo menos me concentrar em alguma outra coisa quando me pego vigilante. T: Bem, voltaremos a isso mais tarde. Va- mos ver o que mais podemos compreender dos seus registros. Como tem sido para você ter uma irmã que você teve que internar várias vezes por causa da depressão e das drogas, teve que correr para evitar suas tentativas de suicí- dio, teve que agüentar suas agressões e agora tem que providenciar cuidadose dinheiro para seu tratamento? C: Ah!... Isso é terrível, porque me sinto mal de ver ela se acabando, mas o pior é ouvir ela ironicamente dizer que sou felizarda por não ter esses problemas. Então, eu fico real- mente com medo. É como se ela estivesse ro- gando uma praga. T: Isso tem alguma relação com o que um de seus pais falava para você? C: Sim. Era como se eu merecesse passar por situações difíceis. Fico pensando se isso não vai acabar acontecendo mesmo. T: Por que é você quem merece? C: Porque eu respondia, não me sujeita- va às ordens cegamente, não era boazinha como queriam no colégio. Apanhei muito. E o engraçado é que eu nem era tão rebelde como diziam: fumei maconha só uma vez, transei com pouquíssimos caras, destaquei-me nos es- tudos, cuido bem dos meus filhos... T: Então, parece-me que você está dizen- do que realmente não merece. C: É. Eu, na verdade, sou muito mais cer- tinha do que meus irmãos e amigos. Mas eu sou muito agressiva às vezes. Tenho raiva de- les e não devia ter. Vou agüentando, mas, de repente, solto tudo. E também tem aquilo de eu não ter ficado junto daquele meu amigo quando ele estava morrendo. T: Mas você me disse que não sabia que ele tinha AIDS. C: Mas eu devia ter percebido. Ele ema- grecendo, e eu fazendo comentários indelica- dos. No fundo eu sou má! T: E por isso você tem certeza de que aca- bará sendo punida? C: Sim. Algo de ruim vai me acontecer. T: Deixe-me ver se entendi. Você é má porque fica com raiva quando abusam de você e também porque não ajuda alguém que você não sabe que está doente?! C: Falando dessa maneira, parece mes- mo absurdo. Mas é difícil não acreditar no que ouvi minha vida inteira. T: Talvez você possa começar a fazer sua própria avaliação de si mesma. C: Eu sei que tenho defeitos e qualidades como qualquer ser humano. Às vezes erro, às vezes não percebo as coisas... Eu sei disso, mas é difícil mudar. T: Claro que é difícil, mas não impossí- vel. Você poderia, por exemplo, escrever algum lembrete para usar na hora em que se pegar pensando do outro jeito... C: É uma idéia. Vou experimentar. Já conhecendo Teresa há algumas sessões, estava ficando claro seu modo de funcionar. Suas crenças centrais são de que é má e egoís- ta; portanto, sem condições de ser uma pessoa de quem se goste. Se as pessoas gostam dela, no mínimo, é porque estão enganadas a seu respeito. Teresa também acredita que não se pode ser feliz em um mundo de dores sem cul- pa e que um dia as histórias se inverterão e algo de ruim acabará acontecendo com ela. Suas estratégias de controle das funções fisiológicas aliviam temporariamente as preo- Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5766 Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 67 cupações e a ansiedade de que algo de muito grave está ocorrendo ou virá a ocorrer. Ser exi- gente consigo mesma e desvalorizar-se tam- bém ajudam a diminuir a culpa por ter a saú- de, o casamento, os filhos e a casa que os ou- tros não têm. Por não ser assertiva, acaba fa- zendo para os outros coisas que, muitas vezes, não quer; por ficar com raiva de lhe pedirem favores com freqüência, confirma a crença de que é horrorosa por dentro. Poder compreender a relação entre suas crenças, seus sentimentos e seus comportamen- tos foi útil para Teresa. Além disso, orientou- me nas sugestões de experimentos comporta- mentais que permitiam avaliar suas crenças, na linha de questionamento a adotar e na es- colha de outras técnicas. A relação terapêutica era bastante amigável e de confiança mútua. No decorrer da terapia, mudanças foram sendo percebidas: suas crises de ansiedade di- minuíram, e ela lidava melhor com essa situa- ção; voltou a se alimentar normalmente; deu novo rumo a sua vida profissional; enfrentou algumas discussões com os pais; passou a dar mais limites à irmã e conversou com o irmão sobre as relações familiares. CONSIDERAÇÕES FINAIS Como o próprio título do capítulo suge- re, tivemos de selecionar, arbitrariamente, al- gumas dentre as múltiplas técnicas da terapia cognitiva, o que não foi tarefa das mais fáceis. Em cada livro, observamos uma variedade in- crível de técnicas sendo desenvolvidas por terapeutas cognitivistas do mundo todo. Mui- tas aparecem devidamente publicadas pelo próprio autor, e outras surgem a partir das adaptações feitas nas discussões com colegas. Por esse motivo, as referências exatas, às ve- zes, se perdem. É necessário que permaneçamos continu- amente nos aperfeiçoando com a ajuda de ma- nuais e compêndios de técnicas da terapia cognitiva, mas principalmente que não nos es- queçamos de usá-las com bom senso e criativi- dade, com perícia e sensibilidade, em um cli- ma de encontro genuíno. Como verdadeiros terapeutas cognitivistas! REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BECK, A.T. et al. Cognitive therapy of depression. New York: Guilford Press, 1979. BECK, J. Terapia cognitiva: teoria e prática. Porto Alegre: Artmed, 1997. BLACKBURN, I.; TWADDLE, V. Cognitive therapy in action. London: Souvenir Press, 1996. BURNS, D.D. Feeling good: the new mood therapy. New York: Avon Books, 1980. GREENBERG, D.; PADESKY, C.A. A mente vencendo o humor. Porto Alegre: Artmed, 1999. LEAHY, R. Practicing cognitive therapy. New Jersey: Jason Aronson, 1997. McMULLIN, R.E. Handbook of cognitive therapy techniques. New York: W. W. Norton & Company, 1996. Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5767 Construtivismo e Prática Clínica da Rebiografia Narrativa Maurits Kwee erentes, inter-relacionados, auto-organizados e análogos de conhecimento tácito e de histó- rias. Uma história tão complexa é mais do que a soma de suas partes. A intervenção, portan- to, não se concentra apenas nos níveis micros- cópicos, como de hábito na reestruturação cog- nitiva. Se indicado, o terapeuta também se empenha em uma mudança nos níveis macros- cópicos, os quais contêm a história da vida emocional do paciente, de interações contínuas com as pessoas importantes em sua vida, in- clusive consigo mesmo. Durante o processo terapêutico, as mudanças emocionais surgem ao conferir novos significados a velhas histó- rias. Em uma jornada de vida, habilita-se o pa- ciente a descobrir novos enredos, contornos e motivos, bem como a construir histórias com- pletas, sadias, abrangentes, coerentes, progres- sivas e estáveis. Ao criar um enredo, a verdade dos eventos do paciente em um determinado tempo e espaço ainda é, necessariamente, uma mistura de realidade e ficção. Através da téc- nica de reestruturação (dar novos contornos a velhas histórias), os motivos, os conflitos, os dilemas e as contradições podem ser reajusta- dos ou aceitos de maneira benéfica. É a parte adaptativa e saudável do paciente que é invo- cada. Nessa perspectiva, os transtornos emoci- onais, que se apóiam em sintomas, na resis- tência ao tratamento ou na falta de motiva- CONSIDERAÇÕES INICIAIS Este capítulo discute um método pós- moderno de reconstruir a história de vida pes- soal do paciente, o qual ficou conhecido no construtivismo como rebiografia narrativa. A rebiografia narrativa é um método multifun- cional, que pode servir como uma porta de entrada � ou uma avaliação � e como uma te- rapia em si. O procedimento consiste em duas partes entrelaçadas e mistas: uma patografia referente a um transtorno e uma biografia que forma o contexto dos sintomas. O princípio central, na maneira como tenho utilizado a rebiografia narrativa nos últimos 25 anos, é encontrar significado no sofrimento do pacien- te através de um empreendimento cooperati- vo. O significado do transtorno emocional é buscado em histórias, principalmente de rela- cionamentos em si mesmos e com as pessoas importantes de sua vida. O terapeuta é um co- construtor que dirige as histórias contadas pelo paciente no processo criativo de descobrir, fa- zer, ponderar e concluir uma narrativa pessoal curativa. Com esse ponto de vista, as cognições, assim como a ideação irracional, são mais do que pedaços frouxamente conectados de infor- mações digitais explícitas, palavras absolutis- tas e frases que precisamser questionadas ou discutidas. São, também, padrões afetivos, co- 55 Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5769 Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva 70 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols. ção, são todos vistos como modos funcionais de proteger a pessoa do perigo e preservar a sua integridade pessoal. A boa terapia é precisa. Uma sessão não deve conter testes psicológicos desnecessários, mé- todos demorados ou redundantes, técnicas sem utilidade, silêncios prolongados e quanto menos retórica melhor. Ela não requer que o terapeuta releve detalhes importantes, nem que deixe passar a profundidade em nome da brevidade, mas que toda intervenção diga al- guma coisa. (Lazarus, 1997, p. 31) UMA PERSPECTIVA PÓS-MODERNA O pós-modernismo é um ramo filosófico que surgiu do presente Zeitgeist na virada des- te milênio, não sendo a concepção de um úni- co teórico. Nas ciências sociais, uma perspecti- va pós-moderna adotou o construtivismo, uma metateoria que contesta de maneira difusa as premissas tradicionais como o positivismo, a objetividade e o racionalismo. Conseqüente- mente, na psicologia, as metáforas derivadas das ciências naturais foram substituídas por metáforas derivadas da história, da literatura e da biografia construídas com histórias. No pensamento narrativo, Verstehen (compreen- são) é tão valiosa e legítima quanto Erklaeren (explicação). Tal noção torna adequado ter uma opinião intersubjetiva falsificável da rea- lidade e seguir uma causalidade linear no con- texto de um tipo circular de causalidade. As formas construtivistas de terapia que lidam com a construção de significado pelo homem como narrador estão progressivamente ganhando impulso e entrando em voga. Nesse campo de ação, a realidade é uma construção social re- lativa no que concerne ao contexto: cultura, pessoa, espaço e tempo. Os humanos são seres pró-ativos, complexos e auto-organizadores, que possuem a habilidade de comunicar-se através de mecanismos de feedback e feedforward. As pessoas são estruturas dinâmi- cas em desenvolvimento, que se encaixam para formar �todos� mais ordenados natural e so- cialmente e inseridos em sistemas hierárqui- cos. Os indivíduos constroem sua própria rea- lidade criando e antecipando ativamente, e não apenas processando passivamente em um diá- logo interno. A realidade é uma questão de fatos e representações cognitivas, assim como uma questão de experiências e significados sub- jetivos. Assim, uma terapia construtivista pode incluir uma abordagem racionalista-empiri- cista, cognitivo-comportamental, com suas téc- nicas comprovadas, freqüentemente necessá- rias no processo de livrar-se dos sintomas. Embora seja consistente com uma hermenêu- tica construtivista, uma mudança de foco para a aplicação de sentido e de significado não tor- na irrelevante a acumulação e a análise dos fatos. Tal busca por significado não é um subs- tituto que permite ao paciente continuar evi- tando ou agarrando-se aos sintomas. Isso im- plica abrir novos horizontes para uma reava- liação de questões (não-comportamentais) muito diversas, como o simbolismo ou o signi- ficado dos sintomas, o desenvolvimento emo- cional durante a vida, as novas conceitua- lizações do self, os processos experimentais e inconscientes, a autoconsciência ou mesmo a espiritualidade. O construtivismo também pode fornecer ao terapeuta cognitivo-comportamen- tal, e a outros terapeutas, a base para traba- lhar na mudança da personalidade (Mahoney, 1993; Neimeyer, 1995). O pós-modernismo � inclusive o pós- positivismo e o pós-objetivismo � é uma visão de mundo instigada por filósofos franceses, entre eles Derrida, Foucault e Lyotard. Tal pers- pectiva questiona os valores absolutos do positivismo lógico, da realidade objetiva e das generalizações científicas que vão além do tem- po, do espaço e da cultura, implicando a rela- tividade, ou seja, a temporaneidade do conhe- cimento do cientista e a impossibilidade de saber tudo sobre alguma coisa. Ao contrário, enfatiza a utilidade (neopragmática) como um critério para a adequação do conhecimento ci- entífico. Ao incluir o modernismo como uma solução útil, porém insuficiente, para conce- ber a realidade, os pós-modernistas refutam a idéia moderna de que o progresso científico, e não o progresso tecnológico, virá de um maior conhecimento de como manejar o universo por si próprio. Como o conhecimento humano de- Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5770 Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 71 pende do contexto, do espaço e do tempo, ele é necessariamente interpretativo e inerente- mente incapaz de desenvolver um mundo re- conhecível. Não consideramos a realidade como um dado objetivo, subjetivo ou mesmo intersubjetivo, e sim como um processo com- plexo de construção cognitiva, social e cultu- ral. Os processos cognitivos do indivíduo fa- zem uso do veículo sociocultural da linguagem, central em toda construção da realidade. Se- gundo Gergen (1982) e Gergen e Gergen (1988), as seguintes premissas são eminentes: 1. as representações substituem a rea- lidade; 2. as representações são artefatos do grupo ou da comunidade social; 3. a reflexão irônica do self é central para lidar com as representações; 4. a ironia implica uma perda de fé na autoridade, mesmo na ciência, e uma abordagem pluralista dos va- lores humanos. O pós-modernismo e o construtivismo sugerem que a realidade está encarcerada em representações casu quo: redes sociais e indi- viduais de linguagem e textos construídos. A realidade do indivíduo, definida como uma construção sociocultural e lingüística, deixa todas as possibilidades abertas para interpre- tações e valores coexistentes. A realidade dos seres humanos pode ser entendida como todas as suas experiências pessoais ditas ou escritas em um histórico ou um conjunto de histórias. Estas, portanto, refletem processos de constru- ção, desconstrução e reconstrução de experiên- cias significativas e idiossincráticas no tempo. Seus significados dependem do contexto e das interpretações de quem as conta, exatamente como no ditado �Pimenta nos olhos dos outros não arde�. Assim, não existem interpretações absolutamente corretas. A essência é dar sen- tido à construção de experiências significati- vas de eventos passados, presentes e futuros através da linguagem verbal e não-verbal e da comunicação pessoal. Tal abordagem permite que o psicoterapeuta não seja mais apenas um especialista de saúde mental, mas também � como Sócrates � um especialista na irônica sa- bedoria do não-saber (que é diferente de nada saber) (Kwee, 1982). A psicologia pós-moderna é iconoclasta quando rompe com os interesses fixos. A rebiografia narrativa é a reparação da história de vida emocional do paciente para tornar-se um todo coerente, o qual é mais do que a soma de declarações pessoais irracionais fragilmen- te conectadas. Não há crédito, por exemplo, em verdades eternas, leis passíveis de genera- lização do comportamento humano e prescri- ções metodológicas que esperam obter uma lin- guagem pura de observação. Ao contestar a visão de mundo do objetivista, o escopo epis- temológico construtivista supõe que a realida- de definitiva não será encontrada �lá fora�, mas sim � embora limitada pelo contexto e pelas fronteiras socioculturais � construída dentro da pessoa através da comunicação pessoal. O co- nhecimento tácito (não-consciente e não-ver- bal) também é considerado um processo de organização importante do saber e da existên- cia. O processo construtivista é um arco circu- lar auto-reflexivo, incluindo uma função linear, em vez de uma função linear, indicando que toda percepção é uma construção criativa. Construir uma realidade aceitável das experiên- cias de vida de uma pessoa é umprocesso cri- ativo e heterogêneo que enfatiza as diferenças e as distinções, assim como as semelhanças e as analogias. Isso exige uma metodologia não- linear ou uma lógica não-aristotélica, que per- mita várias construções mutuamente não-ex- clusivas ao mesmo tempo. Como seres auto- reflexivos, os humanos são capazes de vincu- lar o tempo através da reflexão sobre os even- tos e de catapultá-los do presente para o pas- sado (e vice-versa) e do presente para o futuro (e vice-versa). Uma questão relevante na psi- coterapia é a construção de inferências sadias nas realidades clínicas que só podem ser inter- pretações arbitrárias, imagens subjetivas ou opiniões pessoais. Se, no estudo da experiên- cia humana, o observador não puder ser sepa- rado do observado, há de se assegurar um mí- nimo de sanidade. Como abstrair de maneira sadia quando as possibilidades são inúmeras? Pelo menos duas ordens de realidade no pro- cesso de abstração podem ser diferenciadas em qualquer reação emocional. As primeiras or- Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5771 Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva 72 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols. dens são as percepções silenciosas e as descri- ções objetivas do observado. As segundas or- dens referem-se às interpretações e às avalia- ções, principalmente dos significados que atri- buímos às coisas ou aos acontecimentos. É no domínio dessa segunda ordem que surgem os problemas emocionais e relacionais. A terapia, então, é a arte de aplicar o relativismo ao subs- tituir uma construção inadequada da realida- de por outra melhor. Um procedimento é re- modelar a visão de mundo do paciente, forne- cendo novas experiências comportamentais, afetivas e cognitivas significativas. Embora a nova visão de mundo ainda seja uma outra construção passível de avaliação, ela é, no mí- nimo, menos dolorosa (Korzybski, 1933; Watzlawick, 1992). CONSTRUTIVISMO E PSICOTERAPIA Várias escolas e abordagens terapêuticas diferentes podem ser agrupadas sob o título de novo olhar de um modelo construtivista metateórico. Sob esse ponto de vista, o paciente é considerado um ser pró-ativo e auto-organi- zado que vive em uma sociedade pluralista de espaço cibernético, consumismo, mobilidade, democracia, liberdade religiosa, enfim, um oceano de opiniões e valores. As crenças tradi- cionais começam a estremecer, e há uma ten- dência crescente que põe em risco os interes- ses socioculturais fixos. Assim, mesmo o conhe- cimento científico é considerado produto de um contexto, isto é, um determinado tempo e es- paço na história cuja influência depende da ide- ologia e das práticas dominantes. Vivemos em um multiverso de muitas visões de mundo pos- síveis, enquanto o universo bem conhecido está desmoronando (Maturana, 1988). Os psicoterapeutas podem precisar de uma abor- dagem que ajude o paciente a desenvolver e construir suas porções modeladora e constru- tora de significados. Segundo Neimeyer (1993a; 1995), há quatro abordagens construtivistas à prática clí- nica, as quais compartilham o objetivo de um estilo criativo, reflexivo e exploratório de tra- balhar, em vez de um estilo corretivo, pessi- mista ou diretivo. Tais abordagens são: 1. terapia do constructo pessoal; 2. terapia construtivista familiar; 3. terapia cognitiva estrutural-evolu- cionária; 4. terapia reconstrutiva narrativa. A teoria do constructo pessoal de George Kelly considera a terapia uma ciência pessoal. Invocando a metáfora de Korzybski (1933), ele afirma que as pessoas desenham mapas para delimitar o território. Elas são como cientistas que (in)validam suas hipóteses e acabam por revisar e atualizar seus mapas a fim de encon- trar a evidência de um mundo em constante mutação. Essa visão é semelhante àquela de Jean Piaget (1973), um construtivista avant la lettre, que estava convencido de que as pes- soas nunca conhecerão a realidade como ela realmente é, mas somente como é percebida. As crianças não formam primeiro um modelo representativo do mundo, e sim criam ou in- ventam a realidade através da exploração, da realização e da ação. As estruturas cognitivas são continuamente (re)construídas através de uma interação dialética entre os processos de acomodação e de assimilação que se contraba- lançam. Da mesma forma, Kelly (1955) argu- menta que os indivíduos constroem uma com- preensão do mundo pessoal significativa atra- vés do contexto e também de descrições estruturadas e basicamente duais do mundo (por exemplo, bom/mau, bonito/feio ou suces- so/fracasso). Modelar e acentuar diferenças contrastantes pode ajudar a estabelecer o sig- nificado. O homem como cientista tenta dar sentido, ordenar ou prever experiências pes- soais e sistemas unitários complexos através da experimentação comportamental, assim como na técnica do papel fixo (DelMonte, 1989). A terapia construtivista familiar começou a surgir nos anos 80, como uma reação à abor- dagem à terapia familiar da teoria dos siste- mas. Recentemente, vários autores criticaram a metáfora da família como um sistema auto- estabilizador e a noção de que os sintomas pre- servam a homeostase (Dell, 1985; Hoffman, 1985; Goolishian e Anderson, 1987). Ao invés disso, um processo recorrente no qual todos os Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5772 Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 73 participantes influenciam-se mutuamente é iminente. Não é o sistema que cria o proble- ma, e sim o problema que constrói o sistema. Pelo fato de que nesse ponto de vista as obser- vações não são independentes do observador, a cognição substitui o comportamento como o foco central de atenção. Portanto, o objetivo da terapia familiar tornou-se a linguagem: a exploração verbal e não-verbal orquestrada de significados e constructos sobre as pessoas en- volvidas. Uma característica importante dessa abordagem é a elaboração de uma conversa- ção na qual o terapeuta é participante caracte- risticamente neutro na família, o qual testa as hipóteses pelo questionamento circular e, ao proceder desse modo, revela um caleidoscó- pio semântico de significados. Com base na construção social da realidade, isso vai além da analogia cibernética. Uma forte corrente do construtivismo está crescendo na tradição cognitiva comportamen- tal. Mahoney (1988; 1995b) observou que muitos terapeutas cognitivistas querem ser vis- tos como construtivistas, em vez de racionalis- tas. Aparentemente, proponentes supostamen- te racionalistas e objetivistas revelam-se cons- trutivistas. Meichenbaum (1992; 1993) descre- ve três análogos principais para explicar o pa- pel da cognição na mudança comportamental. A revolução cognitiva nos anos 70 iniciou uma evolução no trabalho que começou com o con- dicionamento como a metáfora-guia. As leis de aprendizado, encontradas nos estudos com animais, foram declaradas aplicáveis ao com- portamento humano. A seguinte metáfora é o processamento de informações: a mente é um computador que processa as informações e pode distorcer a realidade através de erros ir- racionais ou disfuncionais. A metáfora em nossa corrente é a construção da narrativa: os paci- entes são arquitetos e construtores de sua pró- pria realidade. Esta inclui a angústia emocio- nal, considerada um processo de cura ao mes- mo tempo adaptativo e reconstrutor. As cren- ças irracionais podem servir a um objetivo fun- cional. Uma corrente específica concentra-se no desenvolvimento estrutural reconstrutivo da personalidade, ocorrendo uma exploração dos primeiros estágios e dos relacionamentos emo- cionais intensos (afetos, vínculos). O terapeuta é um co-construtor que assiste a todas as mu- danças relevantes da vida serem abrangidas na narrativa (Guidano e Liotti, 1983; Guidano, 1991). Tal terapia reconstrutiva narrativa flui de fontes como a psicologia clínica, evolucionária, social, cultural e perene (Kwee e Holdstock, 1996). Ocampo da hermenêutica, que abrange a interpretação das escrituras bíblicas, está relacionado a isso. Mais recente- mente, também se refere ao estudo da expe- riência subjetiva ao ler textos sem cunho reli- gioso. A psicologia narrativa (Bruner, 1990; Howard, 1989) e a hermenêutica (Messer, Sass e Woolfolk, 1988) podem lidar de maneira pro- missora com a construção de significados das histórias biográficas. O modelo de busca humana por enten- der as situações difíceis da vida implica espe- cialmente a história contada pelos pacientes a respeito de seus sintomas. Uma implicação prá- tica importante de tal analogia narrativa cons- trutiva da cognição é que paciente e terapeuta podem colaborar na reparação reconstrutiva de tais narrativas. O terapeuta ajuda o pacien- te ao encorajá-lo a contar, alterar e finalizar as histórias carregadas de sentimentos. Ao con- tar novamente, o paciente constrói um novo mundo assuntivo, o que ajuda a explicar o sig- nificado pessoal de seus sintomas e torna con- cebíveis as etapas necessárias para a mudança (Meichenbaum, 1993). A escolha de técnicas específicas pode seguir-se naturalmente a par- tir do conto abrangente e coerente recontado. PSICOLOGIA NARRATIVA Um modo especial de construtivismo é a construção ou a narração de histórias, o qual pode ser classificado sob o título da psicologia narrativa, uma forma da psicologia cognitiva que, ao mesmo tempo, vai além dela. Ao im- portar uma visão narrativa, pode-se até falar em uma revolução contextual que começa a mudar o perfil da psicologia como um todo e inicia na psicologia cultural, social e da perso- nalidade (Bruner, 1990; Gergen, 1982; Gergen e Gergen, 1988; Howard, 1989; Mair, 1988; Polkinghorne, 1988; Sarbin, 1986). A psicolo- gia narrativa coloca as histórias contadas pe- Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5773 Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva 74 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols. las pessoas a si mesmas e aos outros no centro. As pessoas constroem suas maneiras de ver o mundo (realidade e significado) através de relatos narrativos, utilizados como diretrizes importantes para levar a vida. Isso sugere que a estrutura da vida humana toma uma forma narrativa. Tal perspectiva enxerga a personali- dade, ou individualidade, como uma constru- ção da história de vida, o transtorno emocio- nal como um desvio da história de vida e a psicoterapia como uma reparação da história de vida (Howard, 1991). A psicologia narrativa considera todo pen- samento organizado, inclusive a ciência, como uma forma de contar histórias. Segundo Howard (1991), as histórias que a ciência tem para con- tar não são necessariamente mais verdadeiras do que qualquer outra. Embora as histórias ci- entíficas sejam provavelmente as melhores análises que se possa fazer para explicar os re- lacionamentos de causa e efeito, as questões envolvidas no significado da vida não são re- solvidas por meios científicos. Como Pavlov ou Skinner podem ajudar em assuntos como di- vórcio, aborto ou eutanásia? O conhecimento científico é insuficiente quando a sabedoria tor- na-se necessária. A abordagem narrativa das ciências humanas (doutrina do espírito) é me- nos conhecida do que a abordagem lógico-ci- entífica das ciências naturais (doutrina da na- tureza). As humanidades dão ênfase a uma or- ganização narrativa do funcionamento cogni- tivo, o que difere qualitativamente de uma ma- neira de pensar de proposição abstrata (Bruner, 1990). O modo de pensar uma história baseia- se nas imagens, na relatividade e nos análogos do hemisfério direito do cérebro, ao passo que a ciência exata confia no raciocínio digital do hemisfério esquerdo do cérebro (Vitz, 1990). Esses dois modos de pensar são irredutíveis um ao outro, embora seja um ideal do clínico mis- turar o conhecimento do cientista com a sabe- doria do profissional prático. Essa é a melhor garantia de que se pode responder a pergun- tas tão difíceis quanto o modo como as pesso- as devem viver suas vidas. Como diz Mair (1988, p. 127): Nós vivemos as histórias e através delas. Elas evocam mundos. Não conhecemos o mundo a não ser como um mundo de histórias. As his- tórias trazem informações à vida. Elas nos unem e nos separam. Nós habitamos grandes estórias da nossa cultura. Vivemos através das histórias. Somos vividos pelas histórias de nossa raça e pátria. A sabedoria sobre nós mesmos é perceber os temas e os enredos de nossas próprias narra- tivas e de nossos papéis como protagonistas. Nessas narrativas pessoais, o significado torna- se conhecido no contexto em que as histórias de eventos significativos ocorrem. Uma história sempre inclui um cenário e personagens com suas ações, intenções e emoções específicas em um determinado tempo e espaço (Bruner, 1990). Quando uma pessoa organiza sua vida como uma história, torna-se necessária uma recons- trução de experiências. Dessa maneira, o paci- ente junta as peças e forma um todo significati- vo. Na verdade, é isso que acontece também quando apreciamos um filme, uma peça de tea- tro, uma novela, um romance ou até mesmo um gibi. Os livros religiosos atraem por conter his- tórias significativas, que servem como diretri- zes a seus adeptos. A existência humana torna- se compreensível quando concebida como uma história em desenvolvimento. Alguns autores (McAdams, 1995) sugerem que a identidade de uma pessoa � ou devemos dizer sua alma? � é igual à história de sua vida. A qualidade de uma história de vida depende da coerência, da con- sistência, da clareza, da pungência e do impac- to emocional. De um ponto de vista psicológico narra- tivo, a psicoterapia é uma arte, tal como pre- parar o vinho. Qualquer bom artista combina a vocação artística com as habilidades técni- cas. Tal combinação é necessária desde o co- meço, quando o paciente conta sua história: esta é saudável ou doentiamente condiciona- da? No caso de problemas profundamente instalados, indica-se um reparo narrativo to- tal, que também se aplica quando a história de vida contém elementos constrangedores, bloqueadores, limitadores, de negação ou outros que desqualifiquem o indivíduo, pre- judicando sua integridade. O diagnóstico da narrativa é um processo dinâmico e deve con- tinuar até o fim da terapia. Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5774 Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 75 Segundo Meichenbaum (1993), o repa- ro narrativo concentra-se na sanidade das me- táforas do paciente. Por exemplo, qual o pre- ço emocional que um paciente paga quando fala em �Não deixar pedra sobre pedra� ou �Me comer por dentro�? O terapeuta é um co- laborador reflexivo ao ajudar o paciente a al- terar as imagens autodestrutivas. As histórias dolorosas são reformuladas pela interpreta- ção das reações anormais do paciente como sendo normais em circunstâncias angustian- tes anormais. Ao contar e recontar, os pacien- tes gradualmente passam a compreender o significado de seus problemas, viabilizando, assim, as possíveis soluções. A recomendação é enfatizar a função dos sintomas e a capaci- dade do paciente de lidar com eles durante todo o processo narrativo. PACIENTES COMO NARRATIVAS A psicologia narrativa vê o paciente como homo fabulans (contador de histórias). O ver- bo narrare, do latim, significa contar uma his- tória, representar o que aconteceu, retomar, recuperar ou restabelecer. O protagonista, ou seja, o paciente, conta algum fato normalmen- te do passado. Portanto, é sempre uma repro- dução inferida pela interpretação de quem con- ta a história. As histórias contadas em terapia geralmente não são registros de observação objetiva, mas reconstruções de um aconteci- mento carregadas de sentimentos. Por isso, a definição de uma história tem várias facetas. Nesse contexto, o interesse é por histórias irrestritas, idiossincráticas e emocionalmente carregadas � reflexões de indivíduos que pro- curam alívio paraseu sofrimento emocional. De certa forma, os pacientes são a pró- pria história, textos personificados que preci- sam ser compreendidos como um poema (Gergen e Gergen, 1988). As histórias conta- das pelo paciente normalmente são fragmen- tadas, desordenadas, incompreensíveis, fatais, absurdas, frustrantes ou apenas muito tristes, pois, do contrário, não haveria a necessidade de consultar um terapeuta. Muitas vezes, o paciente conta histórias unidimensionais, res- tritas, incoerentes demais para serem ouvidas, a não ser por um terapeuta. Dar ao paciente a oportunidade de contar é conceder-lhe um es- paço para respirar de maneira socialmente acei- tável. Os pacientes já tentam criar ordem nas realidades construídas por eles ao criar coesão de tempo e espaço em suas versões altamente subjetivas dos eventos significativos. Ao con- tar a história toda, o paciente torna-se um ator que participa ativamente de sua própria histó- ria de vida e começa a dar sentido fora do in- fortúnio, criando assim um texto falado ou es- crito. Se algum texto necessita ou não de cura, isso depende da avaliação que toma a forma de análise de texto. O método de análise de texto é a hermenêutica (do grego hermeneuin, que significa �explicar�). A leitura heurística (do grego heuriskein, que significa �encontrar�) precede o processo hermenêutico. A forma de ler ou ouvir do terapeuta está voltada para a exploração das representações mentais da re- alidade, ou seja, dos fatos do paciente. A hermenêutica encontra e coleta as ambigüida- des, as lacunas, os paradoxos, as excentricida- des e as peculiaridades idiossincráticas, reunin- do-os para formar um todo coerente, significa- tivo, que faça sentido. Por exemplo, fazendo perguntas como: Qual é a história de um sin- toma em particular? O que esse sintoma signi- fica? Qual é o seu contexto? Onde se situa? Onde se apóia? Qual é a sua implicação inter- pessoal? O que isso simboliza?, etc., o terapeuta vive dentro do paciente para personificar sua narrativa. Originalmente, a hermenêutica é a espe- cialização na interpretação das escrituras sa- gradas. Porém, foi recentemente ampliada para o estudo de textos seculares. A pergunta es- sencial é: Como a interação do leitor com o texto cria uma rede única de significado? O leitor moderno alude ao fato de o significado residir no texto e estar à espera de ser decodi- ficado pela leitura objetiva. O leitor pós-mo- derno desafia os limites entre a leitura subjeti- va e objetiva. A hermenêutica requer a partici- pação ativa do leitor para estar dentro do tex- to e ter liberdade para entender seja lá o que for texto (Mahoney, 1995b). É preciso ter uma compreensão do círculo hermenêutico, um pro- cesso cognitivo que opera dialeticamente e que Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5775 Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva 76 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols. requer que as novas partes sejam incorpora- das nos todos existentes. Segundo Gonçalves (1995, p. 202), uma alternativa hermenêutica desenvolve-se: (...) de uma textualização baseada na escrita e no escritor para uma textualização baseada no ato de escrever; de uma individualidade baseada na distinção do sujeito/objeto para uma individualidade baseada no projeto; e da epistemologia e ontologia baseadas no abso- lutismo e relativismo para uma alternativa dialética. O terapeuta é um co-construtor que re- presenta o contexto social da história do pa- ciente e que está interessado naquilo que está oculto. Ao usar táticas não-lógicas (associan- do, calcando, usando evasivas, invertendo, fan- tasiando, simbolizando), terapeuta e paciente buscam descobertas, significados outros que não aqueles que trouxeram o problema. Como esse processo depende de descobertas inespe- radas, descobertas casuais ou golpes de sorte, tal conversa requer uma arte para a qual não há um protocolo preciso disponível. O pacien- te é a única pessoa que pode contar qual inter- pretação faz sentido às velhas histórias. En- quanto explora as lacunas no texto, o paciente descobre os novos significados. Dessa forma, a terapia torna-se a reconstrução do cenário da história de vida, uma narrativa na qual o paci- ente é um texto personificado para ser enten- dido, no final, por ele próprio. Como já comen- tava Hegel no século XIX, um self individual não pode existir antes da interação dialética com outros indivíduos. Em outras palavras, a terapia, como um processo dialético entre pa- ciente e terapeuta, é um pré-requisito para construir uma narrativa pessoal curativa. A NARRATIVA PESSOAL CURATIVA A narrativa pessoal é um termo cunhado por Hermans e Hermans-Jansen (1995), cuja metáfora baseia-se nos trabalhos de James (1890), Pepper (1942) e Sarbin (1986). Nos estudos do self, James (1890) fez uma distin- ção entre o �Eu� subjetivo que vive a experiên- cia e o �mim� (�meu�) objetivo que o explica. Sarbin (1986) explica esse ponto ao criar uma metáfora do �mim� como o ator e do �Eu� como o autor. Assim, o �Eu� constrói uma história através do espaço e do tempo, enquanto o pa- pel principal é representado pelo �mim�. Este interage com outras pessoas significativas, como o meu marido, a minha mãe, o meu ami- go, o meu vizinho, etc., antagonistas que fa- zem parte de mim. Esse �mim� que reconta a experiência do �Eu� é capaz de justificar retoricamente por que alguma coisa foi neces- sária. Aqui, o porquê não se refere à causalida- de, mas sim às razões psicológicas, morais e sociais. O �mim� é também capaz de ligar-se ao tempo, como se apontando para o futuro. Parafraseando Bruner (1990), quando alguém diz �Eu sempre fui uma criança muito valen- te�, esse resumo do passado pode ser tomado como uma profecia para o comportamento fu- turo. A narrativa pessoal implica um self que dialoga, que utiliza a conversa consigo mes- mo, pressupondo uma relação entre �Eu� e �eu mesmo� (�mim� ou �meu�). Essa conversa in- terior é análoga à conversa externa ao contar a história, a qual sempre envolve alguém que conta e alguém que ouve em uma interação dinâmica. Segundo Watkins (1986, apud Hermans e Hermans-Jansen, 1995, p.10), as conversas imaginárias formam uma grande parte de nossas construções narrativas: Mesmo quando estamos visivelmente em si- lêncio, nos pegamos nos comunicando com nossos críticos, nossos pais, nossa consciên- cia, nossos deuses, nosso reflexo no espelho, a foto de alguém de quem sentimos sauda- des, uma imagem de um filme ou de um so- nho, nossas crianças ou nossos animais de es- timação. Quando planejamos visitar nossos amigos, na verdade, nós os vemos e ouvimos em nossa imaginação antes de encontrá-los e, quando partimos, narramos partes da conver- sa. Certamente, as interações imaginárias têm forte influência nas interações reais. Em virtude da natureza histórica da nar- rativa, contar uma história combina fato e fic- ção. Só é possível entender eventos históricos em um contexto de espaço e tempo, invocan- Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5776 Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 77 do uma abordagem contextual ou de contex- tualismo (Pepper, 1942). Nessa metáfora, o mundo é imaginado como um fluxo contínuo e em constante mutação de vários eventos re- sultantes, todos intrinsecamente interligados. De acordo com o pensador contextual, os even- tos têm várias causas. O foco está na síntese, em vez de na análise dos elementos distintos de um evento. O significado muda de acordo com o seu contexto. Um evento em particular pode ter diferentes significados no tempo, de- pendendo do narrador que conta a história. Contado como uma história, um evento é par- te de um todo padronizado. O self vive em uma multiplicidade de mundos com uma multipli- cidade de autores, cada um contando uma his- tória relativamente independente sobre o mes- mo �mim� em desenvolvimento. Um narrador pode até mesmo contar amesma história com significados contrastantes em diferentes fases da vida. Fazer com que um paciente conte uma história originalmente triste de modo a se sen- tir integral é o que a narrativa pessoal curativa tenta alcançar. O processo terapêutico de dar sentido ocorre de uma interação dialética entre o pa- ciente que narra e o terapeuta que interpreta. O terapeuta construtivista é um perito em his- tórias de vida e na tentativa de ajudar a discernir das narrativas funcionais e disfuncio- nais. Na maioria das vezes, o paciente apre- senta uma história fragmentada, que é o refle- xo do estado e da condição em que ele se en- contra. Porém, conforme a história é contada e recontada, ele encontrará o enredo principal que a torna compreensível. DA PATOGRAFIA À AUTOBIOGRAFIA Quando perguntamos aos pacientes a ra- zão de terem vindo à primeira consulta, eles respondem, sobretudo, contando sobre seus sintomas e suas queixas. Em minha prática, trabalho somente com pacientes que sofrem de algum transtorno, normalmente um trans- torno de ansiedade que muitas vezes é acom- panhada de depressão. O relato escrito ou oral de um paciente sobre um transtorno psicoló- gico é chamado de patografia. A patografia não é isolada do contexto, pois faz parte da história autobiográfica do paciente ou da nar- rativa pessoal da história de vida. Ela se cons- titui em uma ordenação realizada pelo terapeuta da apresentação fragmentada feita pelo paciente de todos os sintomas envolvi- dos em termos topográficos e quantitativos. É necessário habilidade para classificar os sin- tomas apresentados de modo que sejam co- municáveis (APA, 1994). Como ligar a patografia à autobiografia? Entre elas, existe uma ligação multifuncional, que procura entender o significado de um even- to em um fluxo de eventos dentro de um todo padronizado pelo espaço e pelo tempo. A me- táfora central que faz a ponte entre as duas é a multifuncionalidade. Função é o termo usado para designar os inter-relacionamentos entre os fatores antecedentes e subseqüentes (como o velho esquema S-O-R) como a unidade bási- ca da análise. Na agorafobia, isso pode repre- sentar, por exemplo: uma configuração de es- tímulo S (perceber a rua) e uma condição organísmica O (�Eu não posso desmaiar�) como o fator antecedente e um padrão de resposta R (medo e evitação) como o fator conseqüente. Os eventos autobiográficos angustiantes podem ser todos fatores antecedentes, ao passo que as condições patográficas são, na maioria das vezes, fatores conseqüentes. As conseqüências são mais con-seqüênci- as que se tornam compreensíveis como uma função dos eventos históricos. A perspectiva contextual pode elucidar determinado sinto- ma como uma reação normal a uma situação anormal. Consideremos a compulsão por lim- peza como função de um trauma de incesto ou a depressão como função de uma tristeza pa- tológica. Dependendo de seu contexto, o sig- nificado de determinado sintoma ou de um evento da vida pode ser diferente para o mes- mo indivíduo em períodos diferentes de sua vida (Mahoney, 1995c; Spaulding, 1995). Para conduzir uma terapia completa, os sintomas têm de ser entendidos no contexto de uma narrativa significativa. Por isso, as abordagens patográficas e biográficas são necessárias para entender o paciente completamente (Marx, 1990; Post, 1994; Verhulst e Tucker, 1995). As experiências centrais da vida que marcam a Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5777 Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva 78 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols. exacerbação dos sintomas podem fornecer os elementos necessários para construir uma nar- rativa da história de vida. Uma autobiografia escrita pode ser a preparação do paciente para uma narrativa oral contada na sessão de tera- pia. A autobiografia é um instrumento versátil e introspectivo que pode ser abrangente, tópi- co, estruturado, desestruturado ou uma com- binação de algumas dessas características (Annis, 1967). Normalmente, a redação da autobiogra- fia é dada como lição de casa. Caso o paciente não tenha habilidade suficiente de escrita, a autobiografia também pode ser gravada em fita cassete. Essa lição de casa é uma preparação para o processo dialético que ocorrerá na ses- são. O terapeuta pede ao paciente para englo- bar uma ampla variedade de experiências pes- soais, desde seu nascimento até o presente. Tal narrativa da história de vida deve ser abran- gente e inclui assuntos específicos. Um tópico pode pertencer à autobiografia sempre que tocar uma das seguintes emoções: depressão, medo, raiva, tristeza, alegria, amor ou até mes- mo silêncio (Kwee, 1996a). Pode ser um tema, um episódio ou um evento que apresente im- portância emocional, como, por exemplo, ado- ção na infância, trauma de incesto, medo de fracassar, medo de ser intimidado, primeiro beijo, desarmonia no casamento, estresse no trabalho, etc. Dessa forma, a patografia torna- se incutida em uma autobiografia que deve ser transformada em uma narrativa pessoal coe- rente e estruturada durante o tratamento (Sommer e Osmond, 1983). A JORNADA DE VIDA A abordagem de uma história de vida re- quer uma narrativa cronológica com perspec- tiva evolutiva do tempo de vida e um conheci- mento adequado da psicologia evolucionária. Paciente e terapeuta colaboram como peritos em seus respectivos domínios: viver experiên- cias para o paciente, explicar para o terapeuta. O terapeuta oferece ao paciente novas possibi- lidades para responder e reagir com base em sua especialidade, em seu conhecimento clíni- co e teórico. Ao avaliar o contexto dos sinto- mas, todas as experiências emocionais signifi- cativas durante o curso de vida do paciente pre- cisam ser examinadas minuciosamente. Exis- tem várias metáforas para a história de vida, como, por exemplo, a metáfora das quatro es- tações, que sugere as várias fases do ciclo da vida. A metáfora raiz de uma jornada avança ao caminhar através dos relatos autobiográfi- cos. Uma metáfora de jornada sugere que o paciente é um viajante e que o terapeuta é um acompanhante de viagem com as habilidades de um guia. Esses papéis implicam que a re- construção da vida como uma jornada ocorre em uma outra jornada na psicoterapia. Con- forme a vida evolui, são necessários novos mapas que sejam terapêuticos e que possam encaixar-se nos territórios em constante muta- ção (Carlsen, 1995). A metáfora de uma jornada é inclusiva e central para compreender a psicologia de de- senvolvimento durante a vida de um indivíduo. Muitas outras metáforas úteis podem derivar desta, como mapa, itinerário, provisão, mo- mento decisivo, barreira, penhasco, colina, deserto, oásis, destino, etc. (Mahoney, 1995b). É importante fazer uma distinção entre o cur- so da vida e o ciclo de vida em uma história de vida. Enquanto o curso da vida é uma constru- ção idiossincrática do paciente, o ciclo de vida é a teoria do terapeuta sobre uma ordem subliminar daquele curso. Um ciclo de vida implica a idéia de seqüências passíveis de defi- nição que completam o ciclo. Embora o curso da vida de cada indivíduo seja único, todos passam por transições evolutivas semelhantes durante a vida. Ao enfatizar o fato de dar significado, o terapeuta construtivista está interessado em identificar dores crescentes que ocorrem em qualquer história de vida. Lembrar eventos do passado abriga um processo implícito de es- quecer. O terapeuta construtivista considera as defesas como um desvio necessário que o pa- ciente tem de fazer para afastar-se do medo antes de poder retornar à estrada principal (Birren e Hedlund, 1987). As memórias esquecidas podem ser recu- peradas ao longo de diferentes linhas, uma das quais é a teoria dos esquemas (Neisser, 1967). Vários esquemas foram estudados, como os Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5778 Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverdeda Silva Leonidas Valverde da Silva Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 79 esquemas interpessoais e afetivos e o esquema pessoal. Para entender o processo de relembrar eventos e experiências, os esquemas narrati- vos são compulsórios. Um esquema narrativo é uma forma superordenada de representação que tem a capacidade de estruturar, armaze- nar e abarcar experiências como um todo sig- nificativo. Como uma representação estrutu- ralmente organizada de episódios importantes de experiências, um esquema narrativo con- tém inerentemente um tema ou um enredo. Ao reconstruir memórias como uma jornada de vida, um processo de rememorar é ativado (Russell e Van den Broek, 1992). O conceito de estrutura narrativa abre novos prismas para identificar o mecanismo de funcionamento da reestruturação narrativa que está pronta para uso prático. REBIOGRAFIA NARRATIVA O termo psicoterapia narrativa não é usa- do aqui para evitar a idéia de divulgar ainda outra escola de terapia. A identificação da rees- truturação narrativa, semelhante à reestrutu- ração cognitiva como mecanismo de funciona- mento subjacente, torna compreensível a apli- cação da rebiografia narrativa como uma téc- nica inovadora. O ecletismo técnico fornece uma estrutura adequada para incluir a rebiografia narrativa na prática do psicotera- peuta de qualquer escola. A rebiografia narra- tiva consiste em: 1. reunir a autobiografia do paciente por escrito ou gravada em fita cas- sete; 2. avaliar e identificar as verdades emocionais atuais ligadas aos fatos históricos; 3. encontrar metáforas, palavras-cha- ve, imagens, fantasias, sonhos, etc., assinalando os significados pessoais ou interpessoais; 4. fornecer contexto, apontando os momentos psicológicos cruciais de deslocamento ou exacerbação dos sintomas; 5. descobrir os elos perdidos e as lacu- nas, os eventos e as experiências que estão entrelaçados com os sintomas; 6. explicar que os sintomas são uma reação ponderadora para os even- tos desequilibrados da vida; 7. reconstruir a história de vida, atri- buindo novo sentido e significado a antigas histórias em um novo texto. Esses assuntos ocorrem em um processo gradual intricado, no qual aspectos sutis são entrelaçados e não podem totalmente ser se- parados. Tipicamente, as narrativas de uma jornada de vida contém uma série de crônicas sobre os eventos emocionais próprios e inter- pessoais. A aplicação da rebiografia narrativa re- quer diretrizes que o terapeuta respeita (White e Epston, 1990). Para começar, a narrativa da história de vida é uma história principal construída a partir de histórias menores. Uma narrativa conecta experiências através do tem- po e do espaço, tendo começo e fim. Entre eles, existe um protagonista que se relaciona com vários outros antagonistas. Como ressaltado anteriormente, a narrativa apresenta um con- texto e um desenvolvimento (um tema, uma linha, um enredo) que leva a um clímax, nor- malmente o início dos sintomas. A princípio, o paciente conta uma história incoerente e, mui- tas vezes, incompreensível. O processo de rebiografia é essencialmente uma reconstrução, de modo que o paciente reavalia e interpreta novamente as experiências do passado presen- tes ainda hoje. Durante esse processo de revi- são, a ênfase está na: 1. personificação genuína das expe- riências únicas do paciente pelo te- rapeuta; 2. busca de uma relação entre os even- tos em um determinado período; 3. exploração de todas as possibilida- des e perspectivas concebíveis; 4. preferência de um estado de espíri- to condicionado (por exemplo, pos- sivelmente, talvez, provavelmente, etc.); Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5779 Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva 80 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols. 5. descoberta de detalhes ausentes, si- lenciosos ou não, declarados da nar- rativa; 6. busca de significado, oferecendo idéias para fazer sentido (por exem- plo, a identificação); 7. liberdade de construir metáforas de interpretações múltiplas e de signi- ficados de múltiplos valores. Como observado por Guidano (1995b), a rebiografia narrativa lida com o relaciona- mento de toda uma vida entre o �Eu�, que tem a experiência imediata, e o �mim�, que explica simbolicamente. A reestruturação de uma me- mória é o resultado de uma mudança na ava- liação feita pelo �mim� sobre o meu �Eu�. Como boa parte do material apresentado refere-se ao passado, o paciente pode persistir em explica- ções para esse fim gastas pelo tempo. O tera- peuta, então, cria oportunidades para o pacien- te ao tomar uma posição exploratória, inquiri- dora e elaborada. Ele quer entender a dificul- dade que surge para abandonar um antigo sen- tido familiar em troca de um novo significado desconhecido (Neimeyer, 1993). Construir envolve um aprendizado social, e ambos têm a novidade como inerente. Isso significa ver e ouvir alguém fazer ou dizer al- guma coisa que antes não se podia penetrar. O feedback interpessoal é o mecanismo mais im- portante para implementar o aprendizado te- rapêutico (Lyddon, 1993). O feedback que che- ga é combinado com o rejeitado ou aceito e comparado, devendo, portanto, ser construti- vo e compreensivelmente correto para o pa- ciente. De um ponto de vista multimodal, há sete tipos de feedback resumidos no BASIC-ID, que contribuem para o processo de aprendiza- do durante a rebiografia narrativa: B � o feedback comportamental ou de re- presentação encoraja o paciente a alcançar a eficácia pessoal; A � o feedback afetivo ou retirado da ex- periência capacita o paciente a apropriar-se de sentimentos esquecidos há muito tempo; S � o feedback sensorial ou empírico refe- re-se à evidência baseada em fatos e em testes objetivos; I � o feedback de imagens ou simbólico refere-se aos significados metafóricos fora da estrutura de referência do paciente; C � o feedback cognitivo ou conceitual abrange interpretações ou avaliações lógicas que o paciente não costumava ter; I � o feedback interpessoal oferece ao pa- ciente uma nova experiência que contradiz os antigos padrões; D � as drogas representam o feedback que aponta as questões biológicas que lidam com a saúde, a doença ou os fatores provocadores de doenças. SINTOMAS COMO METÁFORAS Na verdade, não percebi que estava usan- do a rebiografia narrativa até ler a bibliografia disponível. Apliquei essa técnica inovadora em um ambiente individual de uma prática parti- cular e em um ambiente de grupo como chefe de uma clínica de internos para terapia com- portamental (do tipo multimodal) durante 25 anos. A rebiografia narrativa no segundo am- biente será descrita em seguida. O motivo prin- cipal ao aplicar a rebiografia narrativa é a re- paração da história de vida emocional do pa- ciente para tornar-se um todo coerente, o qual é mais do que a soma de declarações pessoais irracionais fragilmente conectadas. Começo reunindo todas as informações relevantes de forma verbal e escrita estruturada e desestru- turada que se dá como um esforço cooperativo em um ambiente individual. De fato, a rebiografia narrativa já ocorre em várias ses- sões durante essa fase preparatória antes da sessão em grupo especial para a rebiografia narrativa. Peço ao paciente para escrever so- bre sua história de vida emocional. Quando está pronto, faço uma entrevista/conversa de apro- ximadamente duas horas com ele e gravo em vídeo. Esse procedimento acontece em um gru- po aberto com 18 pacientes e 6 colegas de tra- balho (um psicólogo clínico, alunos de pós-gra- duação e terapeutas de acompanhamento que trabalham sob minha supervisão). Depois dis- so, uma cópia do vídeo � o produto mais con- creto do tratamento � é dada ao paciente para assistir e avaliar em casa, por exemplo, com a Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5780 Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 81 família. Também é utilizada como base para futuros reparos terapêuticose para fins de (re)construção e educação. A estrutura da sessão em grupo consiste em duas partes, cada uma com duração de 40 minutos. Entre essas partes, há uma sessão de feedback de 10 minutos, durante a qual os par- ticipantes do grupo podem falar, perguntar e compartilhar tudo o que quiserem. Na primei- ra parte, converso com o paciente sobre sua patografia ao mesmo tempo em que uso metá- foras para ligar os sintomas aos seus proble- mas inter e intrapessoais. Na segunda parte, discuto a autobiografia e investigo todas as experiências emocionais significativas duran- te a vida do paciente. A sessão termina com um período de 30 minutos de feedback de com- partilhamento, durante o qual cada participan- te do grupo tem de dar algo em troca. Começo a sessão perguntando ao pacien- te sobre os sintomas, que são a única razão para um paciente ser admitido na clínica. A maioria dos pacientes sofre de transtornos de ansiedade, principalmente transtornos obses- sivo-compulsivos, pânico, fobias e depressões. Então, procuro delinear um esboço dos sinto- mas através de uma descrição formal guiada pelos critérios do DSM-IV (isso leva em torno de 20 minutos). Assim, um paciente pode so- frer de uma transtorno obsessivo-compulsivo relacionado a veneno. Uma visão geral meta- fórica implica no desmascaramento de todos os significados (inter)pessoais possíveis, como, por exemplo, o �sentir-se venenoso� implican- do raiva. Um agorafóbico e um claustrofóbico que se sente capturado em todos os tipos de situação pode sentir-se prisioneiro no barco de Himeneu, implicando problemas conjugais. Uma pessoa deprimida desistiu de lutar contra os �golpes e espinhos da sorte ultrajante�. Tais (re)interpretações são apresentadas cuidado- samente para testar a receptividade para ou- tros significados. O terapeuta nunca sabe mais ou melhor que o paciente, o qual tem a liber- dade de rejeitar ou aceitar um significado. Acei- tar sempre significa dar sentido aos sintomas. Em seguida, investigo os sintomas, exa- minando primeiro as conseqüências que podem obstruir o progresso terapêutico. Um sintoma é uma função de fatores antecedentes e conse- qüentes. Os segundos são as respostas emocio- nais e comportamentais em um modelo S-O-R cognitivo comportamental que prolonguei para um modelo circular. Concentro-me principal- mente nos chamados ganhos secundários e primários. O ganho secundário inclui reações recompensadoras pelos membros da família que tentam ajudar, às vezes, ingenuamente. Por exemplo, controlando-se ou lavando as mãos compulsivamente pelo acompanhamento de um agorafóbico no ônibus ou fazendo compras para um paciente depressivo. O ganho primá- rio ocasiona uma redução de reforço da ten- são devido à fuga ou à evitação. Esses ganhos levam, em última análise, a uma generaliza- ção de condições de estímulos, ou seja, a um aumento nos antecedentes que evocam medo e depressão. Assim, um ciclo é estabelecido, o qual segue uma volta circular causal. A causa- lidade circular abriga características sistêmicas na qual a causa é o efeito e o efeito é a causa. Meus pacientes reconhecem e confirmam uma metáfora de ser pego em ciclos viciosos na maioria das vezes.1 Nos 20 minutos subseqüentes, observo de perto o momento psicologicamente mais rele- vante: o início dos sintomas, que pode ter ocor- rido repentina ou gradualmente. No segundo caso, o paciente não está completamente cons- ciente quando o transtorno começa. Um pa- ciente pode contar uma história de ser per- feccionista antes de notar o transtorno obses- sivo-compulsivo atual. Um paciente pode ter inclinações ansiosas antes de tornar-se ago- rafóbico. Outro paciente já se sentia triste an- tes de desenvolver depressão. É importante salientar que o terapeuta não procura fatos his- tóricos, mas está interessado principalmente na importância emocional ligada a alguma cro- nologia. Se o início é repentino, um período da vida pode ser apontado freqüentemente, no qual os sintomas são desarticulados. Esse pode ser o caso, por exemplo, quando o paciente é estuprado, embora nunca tenha conhecido ansiedades antes. Contudo, as posturas bem- definidas são mais excepcionais do que a re- gra. Um estupro pode ser incestuoso, precedi- do por uma puberdade difícil em casa e um longo episódio de intimidação na escola. His- tórias aparentemente claras podem ficar con- Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5781 82 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols. fusas e tornar necessário perguntar o que, onde, quando, quem e como. A busca por anteceden- tes mais importantes utiliza a seguinte metá- fora: os sintomas não caem do céu azul, eles são mais como ervas daninhas que crescem no solo fértil da miséria emocional, às vezes devi- do à capacidade inadequada de resolver pro- blemas emocionais. Portanto, uma cura sólida deve, portanto, incluir a resolução de proble- mas de todas as enfermidades emocionais sig- nificativas. Sugiro que os principais problemas emocionais precedem ou acompanham o sur- gimento ou a exacerbação dos sintomas. As ex- periências emocionais menores estão aptas a serem a desarticulação do tipo gota d�água e, posteriormente, podem tornar-se fatores man- tenedores dos sintomas. Os fatores de perso- nalidade também podem não deixar clara a intensidade emocional de algumas dessas ex- periências de modo a se tornarem ocultas. Paciente e terapeuta podem chegar a um cruzamento perigoso aqui. O paciente defron- ta-se com a escolha por uma metáfora orientadora para os sintomas em relação aos eventos estressantes da vida. Apresentar os sin- tomas pode ser estonteante, de modo que os problemas emocionais subliminares permane- cem ocultos na consciência. As reações defen- sivas continuam sendo problemas não-resolvi- dos ou insolúveis longe da consciência. Para transpor tais defesas, o terapeuta � um com- panheiro de viagem experiente � orienta o pa- ciente fazendo uso de metáforas. Minhas me- táforas favoritas são a torre de Pisa e o velho ditado �Não jogue fora os sapatos velhos antes de ter novos�. A torre de Pisa representa um prédio estável, porém torto, que pode desmo- ronar um dia. Ter sintomas é estar em um es- tado de equilíbrio instável: em pé, mas por quanto tempo? Restaurar é arriscado por mui- tas razões. A torre de Pisa, então, não será mais a torre de Pisa. Além disso, a restauração po- deria destruir vergonhosamente o monumen- to. Não é rotineiro que o paciente aceite um novo significado, em especial quando encon- trou um modus vivendi para conviver com seus sintomas mais antigos. Trocar os sapatos ve- lhos por novos que apertam dificilmente é uma melhora. Portanto, o terapeuta estimula uma troca de narrativa descobrindo de forma cria- tiva melhores perspectivas junto com o pacien- te, se ele muda o significado dos sintomas. Tal troca acontece normalmente quando o paciente pode entender sua patografia em um contexto biográfico. Para promover essa troca, inclui-se um período de 10 minutos de feedback. Todos os participantes do grupo ajudam o paciente a ver através de pontos cegos, discutindo, com- partilhando, perguntando ou aconselhando. Após esse período de feedback, continuo a sessão estruturando os sintomas na autobio- grafia do paciente, o que acarreta incorporar os sintomas no contexto de problemas emoci- onais significativos durante toda a vida. Essa parte dura aproximadamente 40 minutos, du- rante os quais abordo os problemas inter e intrapessoais do paciente na ordem cronológi- ca. Por exemplo, examino os relacionamentos entre pais e filho e entre irmãos quando os sin- tomas desenvolveram-se pouco depois de sair de casa. Quando os sintomas apareceram du- rante o casamento, reviso o comportamento do cônjuge e a criação dos filhos. Procuro exami- nar os vínculos significativos durante a vida do paciente. Entretanto, via de regra, ele não se socializa com mais de sete pessoas intensamen- te em um certo período de tempo. Outra dire- triz que sigo é que as emoções sempre aconte- cem em uma relação, seja com outros (50%) ou consigo mesmo (50%). Paraa maioria dos meus pacientes, ter um relacionamento consi- go mesmo é uma nova esfera de ação. Explico essa metáfora dizendo que uma pessoa casa- se, em primeiro lugar, consigo mesma. Quem tomará conta de mim, como adulto, se eu não tomar? Quem escovará meus dentes? Quem me alimentará? Nós nos encontramos até mesmo em nossos sonhos. A comunicação pessoal en- tre o �eu� e o �mim� continua durante 24 ho- ras por dia. Como uma conversa consigo mes- mo inclui memórias, não existe nenhum tabu para discutir os eventos passados, uma vez que o paciente sente-se perturbado por esses even- tos no presente. Concluo a rebiografia narrativa com um segundo período de feedback com duração de 30 minutos. A ênfase está no conselho � dado por todos os participantes do grupo � o qual Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5782 Leonidas Valverde da Silva Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 83 pode tomar várias formas. Prefiro usar uma história �sábia� ou uma piada que contenha uma mensagem educacional como feedback de fechamento (uma coletânea de tais histórias e piadas pode ser encontrada em Kwee, 1996b; Kwee e Ellis, 1998). A DESCOBERTA DE SENTIDO Há muito mais a dizer sobre como con- duzo a rebiografia narrativa, mas é impossível dizer tudo o que acontece durante essas ses- sões. Mais de 200 vídeos estão disponíveis para observar os detalhes de minuto a minuto. Uma sessão de duas horas pode não parecer especi- almente longa para cobrir a vida toda de um indivíduo; porém, dependendo da habilidade do terapeuta e da cooperação do paciente, a técnica pode funcionar como uma panela de pressão. Aqui, descreverei alguns outros assun- tos relevantes da hermeneuin, a descoberta do sentido ou do significado através da narrativi- zação. Esse processo pressupõe uma visão di- nâmica do significado que � por sua natureza relativista � estará sempre em movimento. Como terapeuta co-construtor, tento tra- zer à tona as verdades retiradas da experiên- cia do paciente através do chamado diálogo socrático. Sócrates foi um filósofo grego que viveu no século V a.C. Ele divulgou a filosofia em que a sabedoria é, em essência, o �não sa- ber�, diferente do não saber nada ou do ser ignorante. �Não saber� é admitir que cada um tem sua própria verdade, a qual somente pode ser conhecida por aquele determinado indiví- duo. Sócrates foi o primeiro médico da alma que usou significados verbais como sua princi- pal ferramenta. Ele estava muito além de seu tempo ao proclamar que a verdade é um con- ceito relativo dependente do contexto. Um di- álogo socrático não se destina a justificar os dogmas de alguém, e sim a construir valores, o que é feito ou não é feito e a descobrir que nosso único saber é o �não saber�. Verdades absolutas não existem em um mundo cheio de contradições relativas; assim, diferentes nar- rativas sobre a verdade coexistem, dependen- do do narrador (Overholser, 1993; 1995). Os sintomas são como uma cortina de fu- maça que esconde uma vida emocionalmente desordenada. Através da rebiografia narrativa, tento integrar a patografia fragmentada, mantida fora da consciência, em um contexto autobiográfico. Traçar linhas entre os eventos e as emoções e os pedaços soltos das histórias é como construir um mapa que se encaixa em qualquer território em mutação. É impossível desenhar o mapa final. Os mapas servem como hipóteses a serem testadas. Por não ser o terri- tório, apenas ter o mapa não equivale a cruzar a distância. De onde vem o paciente? Onde ele se encontra agora? Onde encontrar seu desti- no? Embora a ênfase esteja na reconstrução da história de vida, a rebiografia narrativa não é somente uma narrativa pessoal, mas também um plano de tratamento implícito. Dessa for- ma, além da redução dos sintomas através da prevenção da reação, da exposição in vivo ou da programação de eventos agradáveis, outras medidas adequadas são freqüentemente pres- critas. A prescrição depende dos problemas emo- cionais identificados no mapa ou no plano de tratamento. Uma perspectiva evolutiva pode re- velar uma abundância de problemas: adoção indevida, homossexualidade latente, crise da meia-idade, tristeza patológica, desarmonia con- jugal, etc. A rebiografia narrativa é uma estru- tura epistêmica que busca um contexto para dar significado a partir dos sintomas, sem excluir a aplicação de técnicas comprovadas e empiri- camente eficazes. Os terapeutas construtivistas não têm de ser cautelosos ao usar as técnicas, pois elas não funcionam por si mesmas: é o terapeuta quem faz algo com a técnica. TUDO ISSO IMPORTA? A rebiografia narrativa também encontra seu uso em ambientes individuais de pacientes não-hospitalizados. Essa aplicação requer vá- rias sessões e é um tanto longa por natureza. Pode-se considerar que o procedimento para (re)construir uma história de vida ocorre atra- vés de pedaços e pode, portanto, abarcar todo um processo de terapia. A lição de casa é in- tensiva e pode tomar muitas horas do pacien- Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5783 Leonidas Valverde da Silva 84 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols. te, por exemplo, para preencher o Questioná- rio Multimodal da História de Vida e para es- crever sua própria história de vida emocional. Em um ambiente de grupo de pacientes inter- nos como o nosso, a rebiografia narrativa acon- tece em uma sessão elaborada que funciona como um catalisador. Em um grupo de pacientes internos, a rebiografia narrativa acontece no final da déci- ma segunda semana de um período máximo de admissão de 36 semanas, constituindo-se na estrutura para a terapia com pacientes internos. É um plano de tratamento que torna o sucesso da aplicação das técnicas possível e é, simulta- neamente, uma técnica em si. O que forma a essência da minha abordagem é a combinação do processo dialético de dar significado criati- vamente e do ecletismo técnico. Assim, embora a rebiografia narrativa seja uma parte essenci- al, o tratamento completo consiste em mais in- tervenções. Lazarus (1989) descreveu 39 das técnicas mais usadas, todas praticadas em nos- sa clínica. Além dos grupos da rebiografia nar- rativa para o automonitoramento, são feitos trei- namento de relaxamento, treinamento de assertividade e terapia racional emotiva. Esses grupos abrangem 50% das atividades, ao passo que os outros 50% consistem em sessões indivi- duais diárias, mais a lição de casa. Durante es- sas sessões, utiliza-se toda a gama de técnicas multimodais, a maioria de natureza cognitivo- comportamental. Todas as técnicas comprova- damente eficazes na pesquisa empírica são uti- lizadas, como a prevenção de resposta, a expo- sição in vivo, a programação de atividades, bem como as estratégias paradoxais, várias táticas de imagens e a técnica da cadeira vazia. Entre- tanto, a rebiografia narrativa foi mais profun- damente elaborada em um ambiente individual após a sessão plenária ser considerada o guia para o tratamento completo. Qual é a eficácia de todos esses esforços? Uma pesquisa prospectiva de acompanha- mento de minha abordagem multimodal de dar significado é uma maneira de fornecer uma resposta. Primeiro, conduzi um estudo de acompanhamento preliminar de nove meses, revelando que, de acordo com padrões rigoro- sos, a maioria dos 84 pacientes obsessivo-com- pulsivos crônicos e agorafóbicos teve um efei- to saudável devido a essa abordagem. Subse- qüentemente, um grupo de pesquisadores con- duziu um segundo estudo de acompanhamen- to de até 10 anos (1982-1992) depois da alta hospitalar. Esse estudo foi mantido pelo minis- tério da saúde holandês e realizado por pes- quisadores independentes. Um relatório foi publicado em Kwee e Kwee-Taams (1994) e é resumido a seguir. Naqueles 10 anos, eu e meus colegas (um psicólogo clínico, alunos de pós- graduação e terapeutas de acompanhamento) tratamos 153 pacientes. Essa amostra incluiu 97 mulheres e 56 homens com média de idade de 34 anos (SD 9). A maioria deles pertence a uma classe socioeconômica média baixa de tra- balhadores com um nível médio de educação e de renda.Os diagnósticos que se aplicam a eles são: transtornos obsessivo-compulsivos (40%), pânico com agorafobia (27%), outros transtornos de ansiedade (16%), distimia (10%), outros transtornos (7%). A média de duração dos sintomas era de 10 anos (SD 7). Conduzo as sessões da rebiografia narra- tiva em grupos plenários. Cada paciente retor- na duas vezes durante o período de admissão, após 12 semanas e pouco antes de serem dis- pensados. Para a maioria dos pacientes, esses dois retornos formam o clímax de todo o pe- ríodo de tratamento, cuja média de duração é de 6 meses. Além disso, conduzo outras duas sessões de grupos plenários semanalmente para avaliar o progresso de cada paciente. Um gru- po alude à auto-observação, isto é, ao auto- monitoramento e ao auto-registro do fim de semana (que todos eles sempre passam em casa). Em outro grupo, discute-se a semana te- rapêutica. Todos os pacientes têm sessões in- dividuais semanalmente com um psicólogo clí- nico, o qual conduz os grupos de terapia racio- nal emotiva, os treinamentos de relaxamento e a assertividade. Os estudantes graduados e os terapeutas de acompanhamento, que ser- vem de co-terapeutas, fazem sessões compor- tamentais puras diariamente. Sendo responsá- vel pelo início e pelo término das entrevistas, senti a necessidade, desde o começo, de pro- var nossos sucessos e nossos fracassos. É por isso que a pesquisa de resultado e de acompa- Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5784 Leonidas Valverde da Silva Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 85 nhamento tornou-se uma parte intrínseca da prática diária do departamento. O método no estudo de acompanhamento de 10 anos utiliza questionários para medir os vários alvos para a terapia de mudança. São eles: o Inventário Obsessivo-Compulsivo de Maudsley (Rachman e Hodgson, 1980); o Questionário do Medo (Marks e Matthews, 1979); o Inventário de Ansiedade de Estado-Traço (Van der Ploeg, Defares e Spielberger, 1980); o Inventário da Depressão de Beck (Beck et al., 1961) e a Lis- ta-90 de Verificação de Sintomas (Derogatis, 1990; Arrindell e Ettema, 1986). Esses questionários são preenchidos na admissão e na alta, além de no acompanha- mento, até 10 anos após a alta. A média do período de espera foi de 16 semanas e a média do período de tratamento foi de 27 semanas. O Índice de Mudança Confiável (uma versão de computador melhorada daquela projetada por Jacobson Truax) foi desenvolvido e aplica- do por Hageman e Arrindell (1993). O efeito geral foi que 75% apresentavam uma melhora significativa quando receberam alta e 63% no acompanhamento de 1 a 10 anos após a alta. Respectivamente, 21% e 34% permaneceram sem mudanças, enquanto 4% e 3% parecem ter deteriorado. Em geral, o paciente que não obteve sucesso é aquele que encontrou um modus vivendi satisfatório com os sintomas ou que teve recaída na antiga maneira de convi- ver com os sintomas. Considerando a gravidade e a intensida- de do estado crônico dos sintomas, além do fato de nossos pacientes não terem melhorado durante o período de espera, apesar da média de três tratamentos anteriores sem sucesso, tais resultados sugerem que o tratamento multi- modal do paciente interno, as várias técnicas, as sessões individuais e em grupo, incluindo o auge do tratamento � a rebiografia narrativa � foi um empreendimento que valeu a pena. NOTA 1. Para uma descrição completa desse modelo cir- cular, consultar Kwee e Lazarus (1996). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABELSON, R.P. Psychological status of the script concept. American Psychologist, v. 36, p. 715-729, 1989. AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Diagnostic and statistical manual of mental disorders. 4.ed. Wa- shington, DC, 1994. ANNIS, A.P. The autobiography: its uses and value in professional psychology. Journal of Counseling Psychology, v. 14, p.9-17, 1967. ARRINDELL, W.A.; ETTEMA, J.H.M. 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É importante salientar que, ao utilizar uma determinada técnica, é fundamental que o terapeuta esteja ciente de que ela faz parte de uma rede de conhecimento que interliga ontologia, epistemologia, aportes teóricos, con- texto histórico-social da díade terapeuta e clien- te (Mahoney, 1998; Brunner,1997; Schabbel, 1999; Machado, 1999b; Guidano,1991), além de um processo comunicacional existente nes- sa relação (Stemberger, 2000). A técnica pela técnica não tem sentido, pois, sem um entendimento epistemológico, qualquer estratégia de intervenção enfraque- ce. É como um corpo anêmico, sem vitalidade. Por isso, no processo terapêutico, a técnica é apenas um meio intervencional, importante sim, mas não o principal alicerce do contexto clínico. Segundo Castro (1978), estratégia ou técnica é a ação metodológica de uma teoria. Esta, por sua vez, não existe sem uma base ontológica e epistemológica que a fundamen- CONSIDERAÇÕES INICIAIS O contexto das psicoterapias cognitivas vem apresentando um trânsito de mudanças extremamente interessante, no qual a ênfase desloca-se da antiga disputa de paradigmas técnicos para um processo maturacional pela essência de cada aporte teórico, buscando, as- sim, um entendimento mais consistente do pro- cesso psicoterápico proposto por cada verten- te clínica. Os estudos atuais apresentam questiona- mentos progressivos em relação à prática clí- nica, enfatizando a importância de um maior empenho no que tange à inter-relação entre manejo técnico e vinculação teórica consisten- te (Brunner, 1997; Feixas e Villegas, 1998; Ferreira, 1998; Mahoney, 1998; Miró, 1997; Baringoltz, 1998). Nesse cenário, pesquisado- res e terapeutas cognitivistas concordam que, em prol de uma maior consistência científica, não podemos mais conceber uma prática clíni- ca alicerçada somente em intervenções e es- tratégias técnicas. A problemática não está na intervenção ou na técnica em si, mas na utili- zação da técnica por parte de alguns terapeutas que desconhecem que ela está inserida em um contexto histórico-social e fundamentada em uma visão específica de ser humano. 66 Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5789 Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva 90 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols. te. Portanto, existe aqui uma rede indissolúvel: �ontologia & epistemologia & teoria & contex- to histórico-social & contexto pessoal & técni- cas�. Sendo assim, ao falarmos sobre técnicas psicoterápicas, estamos necessariamente falan- do da metodologia utilizada no processo tera- pêutico de uma pessoa, que está vivendo um determinado momento em sua vida e que experencia nesse contexto a inter-relação com a prática de uma teoria psicológica, juntamen- te com as diversas singularidades existentes na díade terapeuta-cliente, formando o que po- deríamos chamar de rede de significados intera- tivos e particulares.1 Essa parceria entre tera- peuta e cliente poderá transitar por diversas intervenções técnicas; porém, sempre estará implícita nesse contexto a particularidade da rede à qual estão vinculados. Cabe aqui lembrar uma frase de Mahoney (1998), que diz não ser contra a técnica, mas sim contra a tecnocracia. A tecnocracia aprisi- ona o setting terapêutico e não oportuniza uma flexibilidade maior na díade terapeuta-clien- te. Muitas vezes com a preocupação excessiva de estar aplicando bem a técnica, o terapeuta fica preso a comportamentos automatizados e repetitivos, reduzindo significativamente suas possibilidades interativas (Machado, 1999b). Surge então uma pergunta: como pode- mos utilizar os benefícios das técnicas, man- tendo nossa capacidade de escolha, argumen- tação e respeitando essa rede de significados interativos e particulares? Talvez um possível caminho seja o de ampliar o conhecimento do terapeuta em relação à sua escolha teórica e técnica. Um conhecimento consistente e deta- lhado da teoria e do manejo técnico escolhido seguramente auxiliará o clínico em sua forma- ção profissional. Entretanto, é necessário que essa formação seja aqui entendida como um fenômeno mais amplo do que apenas a repro- dução de uma ação. Formar uma ação é ter a capacidade de realizar uma interlocução cria- tiva e crítica com o conhecimento, e não ape- nas reproduzi-lo. Nesse prisma, a ênfase recai sobre a questão da escolha, pois compreender como escolhemos é o primeiro passo para fa- zermos escolhas consistentes. Metaforicamen- te, poderíamos dizer que um viajante primeiro decide se quer ou não viajar e só depois decide para onde viajará. De acordo com Guidano (1991), o obser- vador não é imparcial em sua observação, pois sempre existe um processo de auto-referência na relação que se mantém com a realidade. Sendo assim, no intuito de ampliar seu conhe- cimento em relação à sua escolha teórica e téc- nica, o terapeuta deverá estar ciente de que em seu caminho os locais visitados deverão disponibilizar a possibilidade de interagircom os fundamentos de uma teoria psicológica, com os aportes técnicos da mesma e com os inter- câmbios necessários entre os profissionais da área em questão. Simultaneamente a esse pro- cesso, deverá estar atento aos aspectos tácitos de suas escolhas e da própria escolha de ser um terapeuta (Abreu, 2000; Fernandez-Alva- rez, 1992; Lamberto, 1998; Machado, 1999b; Mahoney e Neimeyer, 1997; Schabbel, 1999). Corroborando esse posicionamento, pes- quisas na área de psicoterapia demostraram que a escolha por um determinado viés teóri- co está diretamente vinculada a elementos tá- citos da personalidade de cada terapeuta (Mahoney, 1998; Schabbel, 1999; Baringoltz, 1998). Escolhemos um aporte teórico não por- que nossa concepção de ser humano encaixa- se nos fundamentos centrais de uma teoria, mas sim porque os fundamentos dessa teoria vêm ao encontro de nosso entendimento de ser hu- mano, ou seja, de nossa ontologia. Portanto, o centro dessa escolha é a própria pessoa; é o conhecimento de quem somos que nos alicerça para fazer essas escolhas. Teóricos e terapeutas construtivistas enfa- tizam a importância das questões epistemoló- gicas e resgatam a compreensão da pessoa em uma perspectiva pró-ativa de desenvolvimen- to (Abreu, 2001; Fernandez-Alvarez et al., 1997; Gonçalves, 1995; Mahoney e Niemeyer, 1997; Fernandez-Alvarez, 1992; Guidano, 1991). A idéia de pró-atividade está ligada a processos experenciais, ou seja, a pessoa é en- tendida como um organismo integrado e em contínuo desenvolvimento. O terapeuta é uma pessoa e, como tal, deve estar ciente de sua escolha epistemológica e dos intercâmbios pro- venientes desta em sua prática clínica; ocor- Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5790 Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 91 rendo isso, a utilização de uma técnica estará bem fundamentada. Ao revisar a literatura referente às psico- terapias construtivistas, encontramos atual- mente autores que integram de forma consis- tente esses intercâmbios, aliando criatividade a claros aportes teóricos no empenho de ela- borar meios narrativos para alcançar fins tera- pêuticos. Com a colaboração desses autores (Feixas e Villegas, 1998; Greenberg, 1996; Guidano, 1993; Mahoney, 1998), estudos vêm sendo ampliados no sentido de auxiliar tanto o terapeuta quanto o cliente na observação sistêmica e sistemática dos processo pessoais do cotidiano. O método de corrente de cons- ciência (Mahoney, 1998) é um exemplo desses estudos, pois nele o cliente é convidado a par- ticipar e a seu modo relatar os pensamentos, as sensações corpóreas, as emoções, as ima- gens, as lembranças de uma determinada si- tuação ou do contexto de seu cotidiano. Nesse processo, a intervenção do terapeuta é míni- ma; ele participa apenas como um facilitador, utilizando quando necessário intervenções es- tilo feedback. Na prática construtivista, terapeuta e cliente entendem a linguagem como um pro- cesso comunicanional que vai além do ato de falar e é resgatado em toda e qualquer forma de expressão, seja ela verbal, gestual ou tácita. Esse entendimento está alicerçado em uma ontologia existencialista e em uma visão epis- temológica de um ser humano essencialmente conhecedor. É na interação com seu meio feno- menológico que a pessoa significa e ressignifica constantemente seus valores e saberes. Segun- do Kelly (1969), o ser humano é como um ci- entista que cria hipóteses sobre seu cotidiano, validando-as e invalidando-as durante toda a sua vida. No desenvolvimento humano, cada pes- soa é narrador de sua própria história de vida, a maneira como ela interpreta e interage com as situações de seu cotidiano cria seqüências significativas e constitui um sentido de si mes- ma, enquanto protagonista de sua autobiogra- fia. Baseados nesses conceitos, os terapeutas construtivistas organizam sua prática clínica, definindo como eixo central uma abordagem direcionada ao processo de desenvolvimento e conhecimento da cognição humana. A partir de uma perspectiva mais ampla do aspecto comunicacional, buscam favorecer uma sintonia com as questões tácitas, algumas ve- zes pouco articuladas no comportamento do cliente. Para Neimeyer (1998), diferentes linha- gens ou tradições do construtivismo tendem a enfatizar abordagens levemente diferentes com relação à intervenção, sobretudo em nível téc- nico concreto. Como terapeuta e pesquisadora cognitivista, verifico que durante o setting terapêutico cada díade terapeuta-cliente orga- niza implícita (aspectos tácitos, rede de signi- ficados interativos e particulares) e explicita- mente (foco de tratamento, técnicas utilizadas, tempo, etc.) sua forma de experienciar o pro- cesso psicoterápico. Esse contexto complexo está repleto de possibilidades de estudos e des- cobertas e cabe a nós � professores / pesquisa- dores, psicoterapeutas e estudiosos das inúme- ras vertentes das psicoterapias cognitivas, bem como, das ciências da cognição � continuar- mos empenhando nossos esforços conjuntos nessa trajetória de estudos. Acredito que nossa constante reflexão sobre esse cenário não nos levará a um pata- mar de saber único, e sim a um processo flexí- vel, interativo e permanente de conhecimen- to, pois o saber não está e nem deve estar apri- sionado em verdades absolutas. Saber é talvez a possibilidade e a capacidade de termos inú- meras possibilidades de continuar a perguntar. O PROCESSO TERAPÊUTICO EM PSICOTERAPIA COGNITIVO-CONSTRUTIVISTA Com o objetivo de tornar mais acessível o processo clínico aos leitores, elaborei uma ex- planação da prática em psicoterapias cons- trutivistas fundamentada nos aportes teóricos dessa abordagem terapêutica e em minha ex- periência como terapeuta, professora univer- sitária e supervisora clínica. Optei por realizar uma explanação feita na primeira pessoa; essa escolha não é apenas uma escolha gramatical, Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5791 Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva 92 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols. mas também uma escolha vinculada ao que an- teriormente chamei de rede de significados interativos e particulares. Concordo com Ma- honey (1998) quando ele diz que, ao informa- mos uma experiência terapêutica, não estamos colocando-a como uma única possibilidade, ou mesmo ditando regras exatas para a realiza- ção da mesma; apenas estamos descrevendo uma experiência significativa para nosso apren- dizado enquanto pessoa e profissional. Como pesquisadora, acredito que é a interlocução dessa rede de significados intera- tivos e particulares com o estilo próprio de cada terapeuta que dará os tons e os subtons que formarão o processo terapêutico. Sendo assim, cada leitor fará uso das informações de acordo com sua própria rede de significados interativos e particulares, transitando pela teoria e pelas técnicas a fim de poder acrescentar em sua prática mais questões a serem abordadas. Neste capítulo, apresentarei uma trajetó- ria de psicoterapia individual com base na abor- dagem construtivista, considerando os proces- sos experienciais de mudanças da cliente, bem como algumas das técnicas utilizadas nesse caminho terapêutico. Os medos de Nice Nice2 buscou atendimento psicoterápico por indicação de seu cardiologista. Após meti- culoso exame clínico, ele diagnosticou que as freqüentes crises de hipertensão e o mal-estar relatado pela paciente poderiam estar relacio- nados a um alto nível de ansiedade ou a contí- nuos períodos de estresse, já que organicamen- te ela não apresentava nenhuma patologia clí- nica no sistema cardiovascular. Os exames clí- nicos estavam normais para sua idade, na épo- ca tinha 35 anos, porém Nice relatava sentir vertigens, espasmos musculares, falta de ar, pal- pitações constantes, dores de cabeça e muita dificuldade de concentração. Com freqüência, apresentava um aumento em sua pressão arte- rial: 13/8 a 17/11. Em uma dessas crises, sua pressão chegou a 19/14, sendo imediatamen- te hospitalizada por dois dias,conforme pres- crição médica. Antes de indicar um atendimento psicote- rápico para Nice, seu médico realizou, duran- te seis meses, um acompanhamento clínico quinzenal no intuito de verificar seu estilo de vida, seus hábitos alimentares, suas rotinas ocupacionais (trabalho, estudos) e suas esco- lhas de lazer. Durante esse período, a história clínica da família da cliente também foi investigada e, segundo seu médico, não foi encontrado nenhum outro familiar com qua- dro de hipertensão ou mesmo problemas car- díacos. Simultaneamente a esse acompanha- mento, foram prescritos dois medicamentos para o controle da hipertensão, além de ou- tras orientações clínicas de rotina (dieta nutricional controlada, exercícios físicos com orientação de profissional de educação física, etc.). Mesmo com todos os cuidados clínicos, o quadro sintomatológico de Nice continuava os- cilando, o que gerou questionamentos a ela e ao seu médico. Este, acostumado a um traba- lho interdisciplinar, sugeriu, então, um atendi- mento psicoterápico. Na primeira consulta psicoterápica, Nice estava bastante ansiosa, demonstrava preocu- pação em descrever com clareza sua história e enfatizava as informações obtidas junto ao seu médico. Nesses momentos, relatava sentir pal- pitações, dificuldades de concentração e suor nas mãos, enquanto seus gestos eram tensos e, por várias vezes, inspirava profundamente a fim de respirar melhor. Durante sua narrativa, relatava medos constantes quanto ao seu dia- a-dia; o tom de julgamento em relação à sua exposição verbal era evidente e, com freqüên- cia, comentava que, na maior parte do tempo em que conversava com alguém, sempre fala- va de forma confusa. Ela repetia �Eu falo de forma confusa, sou difícil de me fazer enten- der�. Com o objetivo de diminuir sua ansieda- de e proporcionar fluidez no vínculo terapêu- tico, comentei que até aquele momento eu es- tava conseguindo acompanhar seu raciocínio, percebia sua ansiedade, porém acreditava que ela estava sendo bastante clara ao expor as si- tuações de seu cotidiano. Comentei também que, caso eu tivesse alguma dúvida, pergunta- ria a ela, uma vez que em uma conversa é ne- cessário o investimento de duas pessoas � e nós estávamos fazendo isso. Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5792 Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 93 Ao fazer esse comentário, optei por utili- zar uma intervenção estilo feedback, que pro- porciona um retorno clarificador ao conteúdo trazido pelo cliente e, ao mesmo tempo, torna mais consciente o conteúdo empático que tran- sita no setting terapêutico. Essa intervenção pode ser extremamente facilitadora em situa- ções de ansiedade, já que em momentos de tensão a capacidade de concentração e os pro- cessos de cognição tornam-se mais frágeis, di- ficultando a compreensão da pessoa sobre seu contexto. Acredito ser de vital importância que o terapeuta cognitivista tenha claro, ao fazer uma intervenção, qual o objetivo desta e quais os processos cognitivos que estão sendo mobi- lizados. Deve estar sempre atento à integra- lidade da linguagem do cliente, buscando com- preender a narrativa como um todo significa- tivo. No decorrer do primeiro mês de consulta com Nice, várias vezes utilizei esse estilo de intervenção, e percebemos que o processo dialógico tornava-se mais tranqüilo para ela quando essas intervenções eram realizadas. Algumas vezes, Nice utilizava-se desse feedback para explanar como tinha entendido algum comentário meu durante a consulta. Aos pou- cos, o vínculo terapêutico fortaleceu-se, e op- tamos por continuar a parceria interdisciplinar com o médico cardiologista, pois percebíamos que essa unidade poderia vir a auxiliá-la. Ao final do primeiro mês, concluímos que Nice apresentava índices alternados de ansiedade e medos em geral, mas ainda não caracteriza- vam nenhum transtorno psicológico de acor- do com o DSM-IV. Conversamos sobre essa ava- liação e optamos (terapeuta-cliente) por au- mentar os exercícios de relaxamento muscular progressivo e introduzir a técnica de relaxa- mento progressivo sonoro (Machado, 1999c). A opção por essas duas técnicas ocorreu como resultado de uma consulta na qual a ênfase foi diminuir a ansiedade, utilizando durante essa consulta a estratégia de Resolução de Proble- mas. Nice obteve bons resultados nesse proce- dimento clínico. No terceiro mês de atendimento, o esta- do de ansiedade de Nice havia reduzido consi- deravelmente. A cliente tinha consciência dos pensamentos e das situações que a levavam a sentir ansiedade e medo, embora apresentasse durante a consulta as seguintes expressões: �Sei que não me sinto ansiosa ultimamente, mas parece que não posso me sentir assim�, �É en- graçado pensar que eu sou corajosa (rindo um tanto quanto nervosa)�, �Às vezes, fico com uma sensação de será verdade isso�?�. Dian- te dessas indagações, sugeri a ela que escolhes- se uma música que representasse o que vinha experienciando nesses momentos, gravasse em uma fita cassete e a trouxesse para a próxima sessão. A opção por esse procedimento ocor- reu em função dos resultados positivos que a cliente obteve com o relaxamento progressivo sonoro e do seu crescente interesse por músi- cas. Sabemos que uma intervenção não se apre- senta sozinha, sendo contextualizada e interli- gada às crenças e aos aspectos tácitos da díade terapeuta-cliente; sendo assim, estes devem ser os pilares nos quais se alicerçará a técnica. Após ter esclarecido detalhadamente na consulta os exercícios fortalecedores3, duran- te aquela semana, Nice escolheu em casa uma série de músicas. Na consulta seguinte, rela- tou que cada vez que ouvia uma delas era como se estivesse ouvindo parte de sua história de vida. Durante alguns encontros, constatamos que, tal qual a organização das músicas, a nar- rativa de Nice apresentava-se como um ema- ranhado de expressões, sentimentos e dúvidas. As músicas selecionadas eram de diversos esti- los e, a todo momento que Nice comentava uma delas, eu percebia que era aberta uma rede mnemônica ligada à sua história de vida: não a uma etapa de vida em particular (a música não estava relacionada a uma situação), mas sim a um estado de questionamento sobre suas escolhas, suas expectativas e seus medos. Tomando por base a estrutura da teoria do apego (Greenberg, 1996) e a modalidade narrativa de intervenção (Gonçalves, 1998), sugeri que Nice transcrevesse todas as músicas para que posteriormente as lêssemos como se fossem cartas. A idéia era dar forma a essa nar- rativa, visualizar em que ponto começava, como era experienciada e onde se encontrava Nice naquele momento. Assim, ela teria uma oportunidade de tentar recontar sua história da maneira como a experienciou. Nice gostou da idéia e, conforme o combinado, trouxe as Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5793 Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva 94 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols. músicas transcritas; junto com as cartas, trou- xe também uma fita gravada com uma nova seqüência musical, e na caixa estava escrito �Agora eu é que canto�. Comentei que havia achado bem sugestivo o nome e perguntei o que ela queria dizer com aquilo. Falou-me que, ao ouvir, transcrever e reler as músicas, foi or- ganizando uma linha de vida � havíamos rea- lizado uma atividade desse tipo em alguns en- contros anteriores � e colocando as letras das músicas como percepções que tinha ao recor- dar determinados momentos. Nesse processo, Nice foi resgatando sua memória dos eventos, pois anteriormente sentia sua história, mas não conseguia ligar os fatos às percepções experien- ciadas. As �cartas� serviram como indicadores nessa caminhada e, quando resolveu gravar a fita na seqüência compreendida de acordo com sua narrativa pessoal, o efeito final acabou sen- do muito interessante. A seqüência desarmoniosa e rígida que aparecia na primeira fita foi substituída por uma seqüência engajada, sonoramente bela e dinâmica; as músicas enlaçaram-se, forman- do um ritmo próprio, o qual ela chamou inici- almente de �os barulhosde Nice� (muito bem apropriado, diga-se de passagem, para a for- ça que aquelas músicas representavam). Eram músicas intensas, com melodias fortes, orga- nizadas como uma grande orquestra de ins- trumentos e vozes (sambas, rock, jazz, clássi- cos de Wagner que se alternavam harmonio- samente), representando toda a força de vida de Nice. Após trabalharmos mais algumas ses- sões nessa técnica, Nice renomeou sua fita, colocando uma faixa desenhada por ela mes- ma em cortiça com o seguinte dizer �Estilo Nice�. As técnicas de reconstrução de significa- dos fundamentadas nos estudos de Mahoney e Neimeyer (1997), Kelly (1969) e Gonçalves (1998) foram utilizadas como indicadores no processo terapêutico de Nice com o objetivo de propiciar diferentes prismas de um cenário por ela tão conhecido (estado de ansiedade/ medo) e, ao mesmo tempo, tão pouco compre- endido. No sexto mês de atendimento após con- tato com o cardiologista, verificamos � a tera- peuta, a cliente e o médico ou, como dizia Nice, �o trio� � que ela não apresentava mais sinto- mas de desconforto físico intenso, tinha a pres- são arterial normalizada e mantinha um ritmo de vida saudável para sua idade (fazia cami- nhadas freqüentes, tinha uma alimentação sau- dável, praticava aulas de dança). Sendo assim, resolvemos concluir os atendimentos com o cardiologista. Nice continuava a utilizar os sons para exercícios de relaxamento e já mantinha uma rede de amigos e atividades que lhe dava mui- ta satisfação. Quando em momentos de tensão ou mesmo de tristeza, comum a todos os mor- tais (grifo da cliente), costumava realizar os exercícios ou ouvir sua fita. Superado o cons- trangimento inicial das primeiras consultas, ela telefonava para mim e conversávamos um pou- co; às vezes, até marcava algum horário. CONSIDERAÇÕES FINAIS A história de Nice, no decorrer desses 10 meses de tratamento, foi marcada por momen- tos importantes de serem relatados aqui. Inici- almente, em função do quadro clínico que apre- sentava, ela entrou em atendimento psicoterá- pico em busca de uma causa, já que seu foco era saber �Por que eu passo por isso?� (referin- do-se à ansiedade e aos medos). No decorrer do primeiro mês de atendimento, o objetivo da terapia foi o entendimento e a redução des- ses momentos de angústia, bem como a segu- rança de que ela estaria acompanhada por pro- fissionais que a percebiam como uma pessoa única, integral, e que durante o tratamento fariam uma parceria com ela. Essa abordagem fundamentou-se nos aportes da teoria constru- tivista, na flexibilidade que a mesma apresen- ta de podermos transitar por intervenções e técnicas de outras abordagens cognitivistas com o objetivo maior de contemplar o self integral- mente. Em função do quadro físico e emocio- nal apresentado pela cliente, optei como eixo central pela possibilidade de integração de duas vertentes técnicas: a resolução de problemas (terapia cognitiva) e o relaxamento progressi- vo (terapia cognitivo-comportamental), aportes Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5794 Leonidas Valverde da Silva Leonidas Valverde da Silva Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 95 técnicos que, a meu ver, são extremamente facilitadores nas situações em que a ansiedade está presente (Beck, Scott e Williams, 1994; Datillo e Freeman, 1995). Paralelamente a es- sas estratégias técnicas, durante os demais en- contros o procedimento terapêutico foi estru- turado nos aportes das teorias de reconstru- ção narrativa, corrente de consciência e teoria do apego, como já mencionado. No decorrer de sua trajetória terapêuti- ca, a história de Nice foi sendo desvelada aos poucos e, em alguns momentos, de forma bas- tante sofrida. Descendente de uma família de imigrantes, ela fora criada com muitos dogmas a serem seguidos, pois a família tinha concei- tos bastante rígidos em relação à educação e ao comportamento social. Quando criança, Nice era considerada muito agitada, estava sempre inventando brincadeiras, algumas de- las bastante arriscadas na opinião de sua famí- lia (subia em árvore, fazia malabarismos de circo, contava histórias de fantasmas, dançava e cantava muito, etc.). Até os oito anos, tinha o apelido de Saci, porque, segundo ela, era �Um agito só dentro de casa, estava sempre rindo alto e inventan- do novidades�. Durante o processo terapêuti- co, Nice lembrou-se de ter apanhado algumas vezes, porém relatou que isso não lhe preocu- pava; o que realmente a deixava assustada era quando seus pais a silenciavam, havendo si- tuações nas quais ficaram semanas sem falar com ela. Nesses períodos, experienciava mui- tos medos e fazia promessas do tipo �Nunca mais eu vou gritar�, �Vou parar de ficar saltan- do de um lado para outro�. Os anos passaram e realmente Nice não gritou mais � de uma certa maneira aprendeu a �engolir� sua agita- ção, sua alegria e sua descontração, começan- do a explodir internamente. E foi assim que ela chegou à terapia, fechada, com medos e com freqüentes momentos de ansiedade e des- conforto. Foi através do contato com vozes, sons, ruídos e do conhecimento progressivo das sensações de seu corpo que Nice recontou sua história e pôde, finalmente, escolher entre pa- rar de gritar internamente e começar a con- versar em alto e bom tom consigo mesma e com o mundo. Na última consulta, Nice entregou-me uma fita com várias músicas gravadas e disse que havia feito uma para seu ex-cardiologista e outra para ela também, cada uma com músi- cas que diziam muito a seu respeito e como as vivenciou em seu convívio conosco. Ouvimos juntas a fita durante a consulta, e perguntei qual nome ela daria a essa fita. Nice sorriu alto e disse: �Estilo Nice em alta voz! Poderia ser diferente?�. Com certeza, respondi, não pode- ria ser outro nome. Finalizando este capítulo, gostaria de en- fatizar que toda a iniciativa de estudos, pes- quisas e reflexões sobre o processo psicoterá- pico seguramente fortalecerá o contexto cien- tífico das psicoterapias cognitivas se estiver alicerçada em quatro pilares: o conhecimento epistemológico, a reflexão crítica, o intercâm- bio de idéias e a flexibilidade de opiniões. NOTAS 1. Considerando a necessidade de uma nomen- clatura mais específica em relação aos aspec- tos: ontologia / epistemologia / teoria / con- texto histórico-social / díade terapeuta-clien- te/ técnicas, está sendo introduzida pela pri- meira vez no meio científico dos estudos em psicoterapia a expressão rede interativa de sig- nificados particulares. Cabe salientar que a te- mática em si já é bastante discutida entre os estudiosos das ciências humanas, bem como entre pesquisadores e terapeutas construtivis- tas (Mahoney, 1997; Fernandez-Alvarez et al., 1997; Guidano, 1991), porém não havia até o momento um vócabulo específico para a mes- ma. Sendo assim, o objetivo da presente no- menclatura é facilitar o intercâmbio entre profissioanis da área em situações em que esse tópico esteja sendo abordado. 2. Utilizou-se aqui um nome fictício a fim de pro- teger a identidade da cliente, a qual autorizou a descrição de sua história com o objetivo de ampliar os estudos em psicoterapias cognitivas. 3. Nomenclatura utilizada pela autora para indi- car os exercícios extraconsulta, também deno- minados na terapia cognitiva de modelo Beck de tarefas de casa. Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:5795 Leonidas Valverde da Silva 96 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABREU, C.N. A trajetória das psicoterapias cognitivas no Brasil e no mundo: um processo do terapêutico interno e externo. Aula inaugural do II Curso de Formação em Psicoterapias Cognitivas do Núcleo de Estudos e Atendimentos em Psicoterapias Cognitivas do Centro de Controle do Stress N.E.A.P.C. Porto Alegre/RS. Brasil, maio/2000. ABREU, C. N. Psicoterapia construtivista: o novo paradigma dos modelos cognitivistas. In: RANGÉ, B. (Org.). Psicoterapias cognitivo-comportamental. Porto Alegre: Artmed, 2001. BARINGOLTZ, S. Terapeuta: pessoa e papel. In: FERREIRA, R.F.; ABREU, C.N. (Orgs.). Psicoterapiae construtivismo: considerações teóricas e práticas. Porto Alegre: Artmed, 1998. BECK, A.; SCOTT, J.; WILLIAMS, J. Terapia cognitiva na prática clínica: um manual prático. Porto Alegre: Artmed, 1994. BRUNNER, J. Atos de significação. Porto Alegre: Ar- tes Médicas (Artmed), 1997. CASTRO, C.M. A prática da pesquisa.São Paulo: McGraw-Hill, 1978. DATILLO, F.; FREEMAN, A. 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FATORES PREDISPONENTES A fobia social pode desenvolver-se como conseqüência de uma ou mais experiências de condicionamento traumático (Barlow, 1988; Öst e Hugdahl, 1981; Hudson e Rapee, 2000). A aprendizagem por modelação é uma das possibilidades de aquisição de fobia social (Caballo, 1995). Os pais de sujeitos com esse tipo de transtorno costumavam evitar situações sociais, o que os tornava modelo em situações sociais futuras. A relação entre os temores dos pais e dos filhos também pode ser resultante de processos de informação, influências gené- ticas ou experiências traumáticas semelhantes. O encorajamento dos pais na sociabilidade dos filhos gera oportunidades para a aquisição de habilidades sociais. Na abordagem cognitivo-comportamental, a fobia social pode ser caracterizada como uma resposta de ansiedade intensa a estímulos so- ciais percebidos como aversivos. Os estímulos � como, por exemplo, falar em público � eliciam ansiedade social na maior parte das pessoas afetadas. A ansiedade social decorrente desses estímulos passa a ser patológica devido à ocor- rência de comportamentos de fuga e esquiva, que impedem a pessoa de desempenhar seus papéis sociais satisfatoriamente. Isso pode ocor- rer em uma grande variedade de situações de contato interpessoal ou de desempenho, ou mesmo ambas, acarretando sofrimento exces- sivo ou interferindo de forma acentuada no dia- a-dia da pessoa. O medo que ela tem, na ver- dade, é de ser avaliada, de se comportar de um modo humilhante ou embaraçoso, persis- tindo sentimentos de incapacidade, desapro- vação e rejeição por parte dos outros. Os critérios diagnósticos do DSM-IV (APA, 1994) para a fobia social incluem os seguintes exemplos: ser incapaz de falar ao se apresen- tar em público, engasgar-se com o alimento ao comer na frente dos outros, ser incapaz de uri- nar em banheiro público, tremer as mãos ao escrever em presença dos outros e dizer coisas tolas ou não ser capaz de responder a questões em situações sociais. Na maioria das vezes, o início do quadro ocorre na puberdade. Na população em geral, a incidência maior é sobre as mulheres; na população clínica, sobre os homens. Ainda hoje 77 Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:57101 102 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols. As crianças propensas à timidez são aque- las temperamentalmente medrosas e inibidas em novas situações, cujos pais fortalecem es- sas reações pelo modo como educam os filhos. Esses pais são percebidos como não-disponí- veis e não-responsáveis, o que gera sentimen- tos de insegurança. Tais sentimentos generali- zam-se para outros relacionamentos e podem produzir crença complementar de baixa auto- confiança e de incompetência (Falcone, 2000). A socialização dos papéis sexuais também pode estar associada à timidez. É mais apro- priado para as garotas do que para os garotos serem vistas como tímidas. Os pais são mais propensos a advertir seus filhos do que suas filhas por comportamento tímido e inibido(Bacon e Ashmore, 1985). Crianças e adoles- centes tímidos parecem estar mais propensos a experimentar relações negativas com seus colegas, possivelmente porque a inibição e o retraimento da criança tímida é percebido pelo grupo de colegas como desviante do compor- tamento social apropriado à idade, sendo res- pondido com negligência, rejeição ou maus- tratos (Hudson e Rapee, 2000). A compreensão dos aspectos que contri- buem para o desenvolvimento da fobia social pode ser o primeiro passo para possíveis inter- venções preventivas. Destacamos neste tópico os aspectos que dizem respeito à história de vida e, a seguir, faremos referência aos aspec- tos de personalidade. FATORES DE PERSONALIDADE Uma questão freqüentemente abordada é a que diz respeito a fatores de personalida- de: existem traços de personalidade que pre- dispõem à fobia social? Para responder a essa pergunta, desenvolveu-se um estudo para ava- liar os traços de temperamento e caráter de pacientes fóbicos sociais por meio do Inventá- rio de Temperamento e Caráter, desenvolvido por Cloninger e colaboradores (1993)1 e vali- dado para o português por Fuentes e colabo- radores (2000). Verificou-se que esses pacien- tes apresentaram diferenças significativas com- parados com a população geral em todos os itens. Os itens que ficaram acima da média fo- ram esquiva ao dano (ED), dependência de gra- tificação (DG), persistência (PE); os itens que ficaram abaixo da média foram autodire- cionamento (AD), busca de novidades (BN), cooperatividade (C) e autotranscendência (AT). Esses dados demonstram que as característi- cas de personalidade do fóbico social estão intrinsicamente relacionadas ao medo da ava- liação negativa, uma das cognições mais im- portantes desses pacientes. Resta saber se, ao Tabela 7.1 Médias e desvio-padrão Cloninger Item BN ED DG PE AD C AT Média 19,2 12,6 15,5 5,6 30,7 32,3 19,2 Desvio-padrão 6,0 6,8 4,4 1,9 7,5 7,2 6,3 Tabela 7.2 Inventário de temperamento e caráter dos pacientes fóbicos sociais Item BN ED DG PE AD C AT Média 15,15 24,52 23,98 7,35 24,41 28,79 13,10 Desvio-padrão 4,47 5,27 9,19 2,47 9,38 6,44 5,90 Teste T 4,555 - 11,740 - 8,641 - 5,296 4,897 3,163 6,210 P= 0,000 Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:57102 Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 103 mudar tal cognição, eles modificariam seu com- portamento e, conseqüentemente, seus fatores de personalidade (Savoia et al., 2000). Outra questão relacionada à personalida- de diz respeito aos transtornos de personali- dade. Há sobreposição de critérios entre eles e a fobia social, principalmente quanto ao trans- torno evitativo e de dependência (Barros Neto, 1996; Savoia et al., 2000). A nosso ver, isso demonstra que os critérios diagnósticos devem ser utilizados como referência, e não como descrições comportamentais. Ao propormos uma intervenção, é imprescindível que reali- zemos uma análise funcional cuidadosa, ten- do em vista que a compreensão dos aspectos que mantêm esses transtornos possibilita me- lhores formas de intervenção terapêutica. TERAPIA COMPORTAMENTAL COGNITIVA A terapia focaliza a extinção da resposta de ansiedade nas situações sociais, promovendo a possibilidade de enfrentamento e a mudança da avaliação cognitiva da situação social. Diversas técnicas comportamentais e cog- nitivas foram propostas e divulgadas como efi- cazes para o tratamento da fobia social, entre elas: a terapia baseada em exposição ao vivo, a terapia de base cognitiva, o treinamento de habilidades sociais e a terapia comportamen- tal cognitiva em grupo. Das técnicas propos- tas, a exposição ao vivo às situações temidas é a técnica reconhecida como central e eficaz na redução das reações de ansiedade fóbica (Barlow, 1988). Em nosso meio, Rangé (1984) sugere um tratamento combinado de exposição ao vivo, treino de habilidades sociais e reestruturação cognitiva. O treino de habilidades sociais capa- cita o indivíduo com repertórios comportamen- tais adequados para lidar com as diversas situa- ções sociais, o que auxilia na redução da ansie- dade antecipatória. A reestruturação cognitiva, por sua vez, envolve uma análise das interpre- tações catastróficas, da crenças subjacentes e dos experimentos de teste de realidade. Stravynsky e colaboradores (1982) com- pararam o treino de habilidades sociais com a reestruturação cognitiva, porém não encontra- ram evidências de contribuição positiva de rees- truturação cognitiva. Butler e colaboradores (1985) compararam a exposição ao vivo com a exposição mais manejo de ansiedade. Ambos os grupos mostraram diferenças significativas quando comparados com um grupo-controle. Em nosso meio, Emmelkamp e colaboradores (1985) compararam exposição ao vivo, terapia racional emotiva e treino auto-instrucional. O grupo de terapia racional emotiva teve resulta- dos melhores do que o grupo de treino auto- instrucional; já os resultados do grupo de expo- sição foram melhores do que os dos outros dois grupos combinados. Heimberg e colaboradores (1998) compararam os efeitos de uma interven- ção cognitivo-comportamental com um grupo placebo. O tratamento placebo consistia em apresentações didáticas sobre vários aspectos de ansiedade e discussões grupais sobre situações difíceis. O grupo de terapia cognitivo-compor- tamental mostrou resultados significativamen- te superiores no pós-tratamento. Um caso atendido por nós será utilizado com exemplo das propostas terapêuticas apre- sentadas no decorrer deste capítulo. M., sexo masculino, 33 anos, analista de sistemas, rela- tou como queixa ser tímido, reservado, prefe- rindo trabalhar com máquinas a trabalhar com pessoas. Apresentava sintomas de ansiedade social como ficar vermelho, sentir palpitação, e ficar branco na hora de falar com as pessoas. M. é o filho mais velho de uma família de quatro irmãos e tem problemas de relaciona- mento com os pais. O pai abandonou a sua mãe quando ele tinha 18 anos. Passou a se sentir responsável pela família e resolveu assumi-la. Cerca de dois anos depois, o pai retornou e M. sentiu-se sem função na família e excluído. Manifestações de carinho e apreço não eram comuns em casa durante a sua infância e ado- lescência. O paciente apresentava um déficit de ha- bilidades sociais e vivia assoberbado de traba- lho por não ter coragem de dizer não ao chefe. Apresentava dificuldades de manter um rela- cionamento amoroso com as mulheres e a fre- qüência média de seus relacionamentos sexuais era de duas vezes ao mês; tinha pouco amigos, saía com um grupo do trabalho para uma happy hour uma vez por semana. Visitava os pais, que Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:57103 104 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols. moravam na praia, no final de semana e dor- mia o tempo todo. Exposição ao vivo Diversos estudos examinaram a eficácia da exposição, em sua forma pura, no tratamen- to da fobia social (Al-Kubaisy et al., 1992; Alstrom et al., 1984; Turner et al., 1994; Wlaslo et al., 1990). Esses estudos envolvem algumas técnicas em comum: inicialmente, elabora-se uma lista de situações eliciadoras de ansieda- de fóbica em colaboração com o terapeuta e o paciente e, em seguida, faz-se uma hierarqui- zação dessa lista. O paciente faz uma confron- tação progressiva, sistemática e prolongada das situações temidas, trabalhando da situação que elicia menor ansiedade para a mais ansiogê- nica. Essa exposição deve provocar sintomas de ansiedade e necessita do engajamento do paciente. Espera-se que, ao longo do tratamen- to, ocorra uma habituação e o paciente não tenha respostas de ansiedade frente a esses estímulos sociais e, conseqüentemente, as res- postas de fuga e/ou esquiva a essas situações também se extingam. Como exemplo, podemos citar a hierar- quia, o medo de falar com pessoas, desenvol- vida com M.: 1. pedir informações (sobre a localiza- ção de uma rua, sobre as horas, etc.); 2. pedir favores; 3. falar em reuniões de trabalho; 4. falar com pessoas estranhas em lu- gares públicos (por exemplo, na fila de um banco); 5. falarem reuniões sociais (com pou- cas pessoas); 6. falar em público. Uma das formas de avaliar se a exposição está realmente interferindo no comportamento do paciente é através da automonitoração. Ele registra as situações em que se expôs e qual foi o seu nível de ansiedade medido pelo Subjective Disconfort Schedule (SUDS). No exemplo aci- ma, com relação ao primeiro item (pedir favo- res), tivemos o seguinte registro: Hora /Local Descrição da situação Nível de ansiedade Última consulta Perguntei à secretária como 2 estavam as nossas contas. Hora do almoço no dia seguinte Perguntei ao garçom como era 4 determinado prato. Dia 11 Perguntei ao agente de viagens se 2 as reservas estavam certas. Dia 14 (14h no aeroporto de Natal) Perguntei ao motorista de ônibus se 0 ele ia para o meu hotel. Dia 14 (16h no hotel) Perguntei ao recepcionista se 3 havia algum ponto turístico nas proximidades. Dia 14 (18h no hotel) Perguntei ao recepcionista se havia 2 uma locadora nas proximidades. Dia 14 (23h30min no posto Perguntei ao frentista como poderia 1 de gasolina) chegar ao aeroporto. Dia 14 (23h45min no Perguntei ao encarregado qual era 1 estacionamento do aeroporto) o horário de fechamento. Dia 15 (1h30min no hotel) Perguntei ao recepcionista se havia 1 algum restaurante aberto. Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:57104 Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 105 Por meio do registro, podemos verificar com o paciente o nível de ansiedade causado por determinada situação: no exercício de ex- posição, ela aumenta até um determinado ní- vel, mantendo-se em um platô, e, após um cer- to período de tempo, apresenta um declínio de intensidade. Em geral, na próxima exposição, o paciente iniciará em um nível inferior de ansie- dade em relação à primeira, e assim sucessiva- mente, como podemos observar na Figura 7.1. A exposição é mais difícil de ser realizada em pacientes com fobia social do que com ou- tros transtornos ansiosos, tendo sido descrita na literatura com mais de uma década de atraso em relação ao emprego da exposição para agorafobia ou transtorno obsessivo-compulsivo. 2. pedir ajuda a um irmão na decora- ção do apartamento; 3. pedir ao chefe para marcar suas fé- rias; 4. pedir uma revista emprestada à se- cretária do consultório. Desse modo, procura-se fazer com que o paciente comece a se expor com as pessoas com quem tem menor dificuldade e, gradualmen- te, avance em direção às pessoas com quem tem maior dificuldade. Quanto à duração res- trita de algumas situações, o problema pode ser compensado através de um aumento na fre- qüência da exposição (por exemplo, fazer elo- gios várias vezes ao dia) da exposição de for- ma não-sistematizada, ou da realização (por exemplo, falar, cumprimentar, elogiar, partici- par de reuniões, etc.). Boa parte das dificulda- des relativa à exposição é minimizada, confor- me veremos adiante, quando o procedimento é realizado em grupo. O simples fato de estar em meio a outras pessoas já funciona como um procedimento de exposição. A exposição pode ser feita de forma as- sistida. Por exemplo, M. apresentava dificul- dades de ir almoçar com os colegas de traba- lho, porque uma das colegas falava alto de- mais e chamava a atenção de todos no restau- rante, o que o fazia morrer de vergonha. En- tão, a terapeuta saiu com ele em duas ocasiões nas quais foi testada essa dificuldade. Foram a um café, onde ele pediu um café com espuma de leite e a terapeuta pediu um café puro. Ao chegar o pedido, a terapeuta solicitou que fos- se colocada espuma no dela também, falando em tom mais alto do que o usual. Todos escu- tavam a conversa dos dois, que versava sobre amenidades veiculadas na TV. Na saída, durante o caminho, a terapeuta conversou com o faxineiro de uma instituição que jogava um quadro no lixo. Pararam em um pub que esta- va para ser inaugurado e conversaram com o proprietário, que prontamente quis mostrar a eles o local. Na outra saída, a terapeuta derru- bou uma estante de revistas. Em nenhuma das situações, eles foram punidos; ao contrário, no último caso, o dono do café disse que ele tam- bém era um pouco desastrado. O paciente pode verificar que o seu medo era infundado, que Figura 7.1 Curva de habituação. A utilização da técnica de exposição em fobia social é mais complexa, uma vez que esse transtorno apresenta características que dificul- tam a utilização do procedimento. A impre- visibilidade de algumas situações sociais quan- to à sua ocorrência (por exemplo, festas) e a curta duração de outras (por exemplo, assinar em público) dificultam a habituação (Butler, 1985), pois os pacientes muitas vezes não se esquivam das situações. Sabe-se que a exposi- ção eficaz deve ser feita com freqüência eleva- da e por tempo prolongado. Em parte, o pro- blema pode ser contornado com algumas adap- tações, construindo-se uma hierarquia com um tema comum. Foi solicitado a M., por exemplo, pedir favores (independentemente da situação): 1. pedir uma explicação a um colega de trabalho; Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:57105 106 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols. acidentes acontecem, que solicitar a troca de um pedido, mesmo que estivesse de acordo com o solicitado, não era o fim do mundo. M. veri- ficou também que a vergonha que sentiu era menor do que a vergonha que, na verdade, imaginava sentir, segundo ele em um nível pró- ximo de 1. A partir de então, as tarefas dele eram almoçar com uma amiga espalhafatosa, o que, aliás, foi divertido. Foi solicitado a pro- curar mesas mais centrais do que as escondi- das no fundo do restaurante para ser foco de atenção. Como podemos perceber, em alguns casos o acompanhante terapêutico tem-se mos- trado útil na exposição assistida. Treino de habilidades sociais A habilidade social foi definida por Caballo (1993) como o conjunto de comportamentos manifestados por uma pessoa em um contexto interpessoal que expressa sentimentos, atitu- des, desejos, opiniões ou direitos de um modo adequado à situação, com respeito aos demais. Geralmente, resolve os problemas imediatos da situação, com probabilidade de minimizar pro- blemas futuros. O treino de habilidades sociais tem sido indicado para tratamento da fobia social por- que, em geral, os fóbicos sociais apresentam déficits de habilidades sociais que dificultam as situações de exposição. Um repertório de habilidades sociais pode não só facilitar a ex- posição, como também auxiliar na modifica- ção das crenças disfuncionais devido à redu- ção de ansiedade no contato interpessoal. Em uma investigação (Savoia et al., 2000), obser- vou-se que esse treino propiciou aos pacientes um repertório adequado para a exposição e aumentou a confiança deles para enfrentar as situações sociais. Segundo Turner et al. (1995), o treino de habilidades sociais consiste em um modelo de contracondicionamento. Malerbi e colaboradores (1999) utilizam como instrumento de medida de habilidades sociais a Escala Multidimensional de Expressão Social (EMES-M), desenvolvida por Caballo (1993). Os itens avaliados nessa escala são: fa- lar em público, interagir com superiores, defen- der direitos, expressar sentimentos, aceitar e fazer elogios, tomar iniciativa em relação ao sexo oposto, etc. A média inicial da EMES-M dos pa- cientes estudados foi de 100,5. Após o treino de habilidades, a média passou a 126,75. Savoia e Barros Neto (2000) apresenta- ram uma revisão sobre o treino de habilidades sociais para fobia social. Os autores descrevem as classes de resposta que definem habilidades sociais: iniciar e manter uma conversação, fa- lar em público, fazer e aceitar elogios, pedir favores, expressar sentimentos, defender os próprios direitos, fazer e receber críticas, recu- sar pedidos, fazer acordos e expressar opini- ões pessoais. Os componentes da habilidade social in- cluem a comunicação não-verbal e o compor- tamento verbal. Os padrões comportamentais resultantes desses componentes são o assertivo (que se expressa), o não-assertivo (que evita confrontações) e o agressivo (que explode).O procedimento de treino de habilidades sociais geralmente se inicia por uma avaliação minuciosa e detalhada da situação-problema, de forma que possa ser feita uma análise fun- cional. Nesse momento do processo terapêuti- co, descreve-se não só o problema de inabili- dade, mas também as situações em que ele se apresenta e as conseqüências que tem para o paciente. Um dos tópicos importantes a ser in- vestigado na análise funcional é a identifica- Figura 7.2 Escores de habilidade social. Escores: 1 � Caballo: 140,57. 2 � Grupo fobia social (antes do treino de habilidades sociais): 100,5. 3 � Grupo fobia social (após o treino de habilidades sociais): 126,75. Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:57106 Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 107 ção dos pensamentos disfuncionais que podem estar influenciando e desencadeando o com- portamento socialmente inadequado do pacien- te. Os fóbicos sociais têm algumas cognições que os impedem de se engajar em comportamentos sociais, por exemplo: preocupação exacerbada de que os outros percebam a sua ansiedade, preocupação com sua atividade autonômica, temor da avaliação negativa, sensação de ser inferior ou menos capaz que os demais, aten- ção seletiva para aspectos negativos da situa- ção, fantasias negativas que produzem ansie- dade antecipada, conceitos rígidos sobre a con- duta social apropriada, sensibilidade excessiva à desaprovação e à crítica. A partir da descrição do que o paciente normalmente faz nas situações de inabilidade social, deve-se avaliar os possíveis comporta- mentos que ele possa ter na situação e também considerar as limitações impostas pela realida- de. Por exemplo, seria de pouco bom senso ser assertivo em um assalto ou ao receber uma in- cumbência desagradável de um superior. Após o levantamento das possíveis conseqüências a curto e longo prazo das diferentes possibilida- des de ação, decide-se por um determinado com- portamento e passa-se a treiná-lo. Entre as estratégias para treino de habili- dades sociais, está o ensaio comportamental, que consiste na descrição da situação-proble- ma e na representação do que o paciente nor- malmente faz. Após a escolha da resposta ade- quada, que é dramatizada, pode-se fazer a in- versão de papéis entre terapeuta e paciente e a representação exagerada de papéis, terminan- do com o ensaio da resposta escolhida pelo paciente. Quando realizada em grupo, essa téc- nica é mais eficaz, porque os membros do gru- po participam da dramatização, propiciando várias interpretações da mesma situação e a possibilidade de incluir diversos papéis que uma situação complexa pode oferecer. Por exemplo, quando alguém �fura� uma fila, tem- se a oportunidade de fazer uma fila e treinar o comportamento adequado para essa situação. Da mesma forma, pode-se criar uma simula- ção de festa no grupo com a representação de várias situações ansiogênicas, como, por exem- plo, conversar, comer e beber, o que não seria possível em uma terapia individual. Uma das situações freqüentemente ensai- adas é a de iniciar e manter uma conversação. Os pacientes são orientados no sentido de for- necer informação gratuita e pessoal, em vez de demonstrar um comportamento retraído com respostas curtas, vagas, que podem ser interpretadas pelo interlocutor como desinte- resse pela conversa. Os comportamentos treinados em sessão deverão ser trabalhados também fora dela. Al- gumas vezes, solicita-se ao paciente que faça registros e observe o seu comportamento; em outras, solicita-se que emita comportamentos que não fazem parte do seu repertório, como pedir uma informação em um balcão de shopping, por exemplo. No caso de M., o treino de habilidades sociais envolveu fazer elogios, pedir informa- ções e fazer valer os seus direitos. Com relação ao comportamento amoroso, o treino incluiu comportamento não-verbal, treino de paquera e abordagem. Com relação aos pais, treino de manifestar afetividade, programações de lazer e também fazer valer os seus direitos. Um dos aspectos da habilidade social que M. não sabia expressar era afetividade; por isso, foi solicita- do a dizer o que sentia e mesmo expressá-lo fisicamente, como dar um abraço nos pais, nos amigos, nas pessoas em geral. Reestruturação cognitiva As cognições que geralmente ocorrem com os fóbicos sociais são: preocupação de que os outros percebam a sua ansiedade; preocu- pação com a atividade autonômica; temor da avaliação negativa; diálogo interno de autover- balizações negativas; atenção seletiva para os sinais socialmente ameaçadores; sensação de ser inferior ou menos capaz que os demais; ten- dência a perceber críticas e desaprovações que não estão realmente presentes; tendência a rebaixar a eficácia do próprio comportamen- to; padrões excessivamente elevados para o próprio desempenho; atenção seletiva para os aspectos negativos da atuação; dificuldade em integrar partes da informação sobre a própria atuação; percepção de falta de controle sobre o próprio comportamento; memória seletiva da Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:57107 108 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols. informação negativa sobre si mesmo e da pró- pria atuação; fracasso em prestar atenção às informações objetivas sobre a própria atuação; fantasias negativas que produzem ansiedade antecipada; conceitos rígidos sobre a conduta social apropriada; sensibilidade excessiva à de- saprovação e à crítica; superestimação da pro- babilidade de ocorrência de eventos sociais de- sagradáveis. A proposta da reestruturação cognitiva é identificar, dentre as cognições citadas, aque- las que o paciente apresenta. Os pensamentos disfuncionais ansiogênicos permitem ao tera- peuta identificar as crenças centrais, procedi- mento realizado por meio da automonitoração e do questionamento socrático. Solicita-se ao paciente que faça um registro das situações, dos pensamentos e dos sentimentos para que se possa identificá-los como crenças centrais (perdedor, rejeitado, solitário, inferior, etc.) e distorções cognitivas (personalização, tudo ou nada, catastrofização, etc.). A partir dessa iden- tificação, pode-se partir para os procedimen- tos terapêuticos. Trabalhou-se com M. a técnica de análise da lógica inadequada para que algumas cogni- ções viessem a ser modificadas. Por exemplo, o cliente relatava não ser capaz de fazer uma palestra em sua empresa, pois os diretores es- tariam presentes e ele temia que o avaliassem como incompetente. Levantou-se quais os ar- gumentos lógicos para que tivesse esse pensa- mento através de experiências passadas simi- lares e pôde-se verificar que foi capaz de apre- sentar seminários na faculdade e até mesmo apresentar relatórios em reuniões da empresa, situações nas quais teve um bom desempenho. A partir desse trabalho, o paciente � que rela- tava 90% de certeza de que não seria bem-su- cedido � modificou essa medida para 50%, di- minuindo em muito a sua ansiedade, o que lhe possibilitou enfrentar a situação mais tranqüi- lo e, portanto, obter reforçamentos por seu desempenho. Aliado a esse procedimento, foi elaborado um cartão de enfrentamento, no qual as qualidades que apresentou nos seminários e nas reuniões anteriores foram anotadas e guardadas em sua carteira para que pudesse lê-lo antes da reunião. Em um outro momento do processo psico- terápico, trabalhou-se com o chamado teste de realidade. Muitas vezes, M. superestimava a probabilidade de ocorrência de eventos sociais desagradáveis, como em uma festa. Conseqüen- temente, esquivava-se de todas para as quais era convidado. Solicitou-se a que ele enfren- tasse uma situação e observasse o que realmen- te acontecia. Um amigo convidou-o para ir a uma danceteria (iriam os dois, a namorada do amigo e uma amiga que ela apresentaria M.). Habitualmente, ele recusaria esse tipo de con- vite, mas constituía-se como situação ideal do que vínhamos trabalhando. Além disso, M. es- tava freqüentando aulas de dança de salão, pois imaginava que saber dançar era um requisito importante para relacionar-se com o sexo opos- to. Então,aceitou o convite; ficou ansioso, é verdade, porém foi menos ansiogênico do que imaginava. Em alguns outros momentos, precisamos modificar as idéias de ansiedade dos nossos pa- cientes. M. acreditava que conversar tem por objetivo uma razão de troca, deve ter conteú- do, �não pode ser papo furado�. Com isso, não aumentava o seu círculo de amizades e não conhecia pessoas novas. Quando tinha de ini- ciar ou manter uma conversação, sua ansieda- de era exacerbada, pois tinha que falar assun- tos consistentes e profundos. Verificou-se com ele o quanto essas idéias eram irracionais e chegou-se às seguintes constatações: 1. falar sobre amenidades com os ami- gos é algo natural (como em uma happy hour); 2. perder a chance de conhecer outras pessoas é uma conseqüência dessa idéia infundada; 3. coisas �não-práticas� também fazem parte da vida; 4. aceitar o fato de que jogar conversa fora traz descontração. Outros pensamentos automáticos que ele apresentava eram: �Eu não posso fazer nada errado; se o fizer, será uma catástrofe�, �Todos estão me observando e me julgando�. Segun- Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:57108 Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 109 do M., a sensação que tinha era: �O mundo é um tribunal�. Terapia em grupo A principal vantagem da terapia em gru- po em relação à terapia individual para o fóbico social é que o grupo funciona como uma situa- ção social vivida pelo paciente e observada pelo terapeuta. A terapia em grupo facilita o traba- lho de exposição, já que as tarefas podem ser ensaiadas no grupo, com os membros desem- penhando um papel ou servindo de audiência. As situações temidas e evitadas são recriadas no grupo de forma a sedimentar as cognições recém-adquiridas na própria sessão, além de submeter o indivíduo a exercícios de exposi- ção a situações sociais temidas. O grupo é apon- tado como o melhor método de integrar as par- celas cognitiva e comportamental nesse tipo de terapia (Heimberg et al., 1998). De acordo com a revisão de Falcone (1995), entre as vantagens do tratamento da fobia social em grupo foram descritas: maior variedade de ensaio comportamental com um número maior de pessoas; generalização mais rápida dos ganhos terapêuticos; maior quanti- dade de feedback efetivo dos desempenhos (re- forço social); maior experiência com um nú- mero maior de situações-problema e mais su- porte para solucioná-las; maior disponibilida- de de modelos múltiplos; intensificação da aprendizagem de discriminação e maior gene- ralização de novos comportamentos de enfren- tamento para uma faixa mais ampla de situa- ções. Além das vantagens do grupo como re- curso terapêutico, Heimberg (1993) aponta que o grupo também é uma boa maneira de o terapeuta monitorar se o paciente está assimi- lando o tratamento adequadamente. Assim, é muito mais difícil para o terapeuta perceber se o paciente em terapia individual aprendeu ade- quadamente a aplicar suas tarefas cognitivas em situações de vida real, já que o terapeuta não poderá acompanhar a prática comporta- mental. No grupo, essa possibilidade é concre- tizada: o terapeuta pode colocar-se no papel de espectador, enquanto os pacientes ensaiam as situações sociais ansiogênicas e põem em prática os novos comportamentos sociais apren- didos. Na literatura, há descrições de recursos terapêuticos no manejo da fobia social que só são possíveis nas terapias em grupo. Albano e colaboradores (1995) citam um exemplo em que os terapeutas estabeleciam pausas ao lon- go da sessão. Durante essas pausas, aspectos do tratamento eram revistos informalmente, através de exercícios de �miniexposição� que tinham como alvo déficits sociais específicos de cada membro do grupo; esses exercícios eram compartilhados com o grupo inteiro. Assim, na presença do terapeuta, o paci- ente pode, durante o ensaio, refutar cognições problemáticas, perceber a relevância dessas cognições em relação à ansiedade e à esquiva (já que elas virão à tona no momento do en- saio, em uma situação �controlada�, mas que serve de treino para a vida real) e enfatizar o impacto da mudança dessas cognições ou até mesmo a sua extinção para possibilitar respos- tas comportamentais mais adaptativas. O fato de o grupo ser uma forma de ex- posição contínua a uma situação social (o pró- prio grupo), de facilitar a execução de situa- ções práticas propostas e de possibilitar ao te- rapeuta a supervisão em �tempo real� é enfa- tizado por Dyck (1996). Segundo esse autor, tais situações presenciadas pelo terapeuta têm valor maior do que aquelas desempenhadas pelo paciente fora das sessões e apenas relata- das ao terapeuta, no caso da terapia individual. Enfim, essa modalidade apresenta uma rela- ção custo-benefício maior que a modalidade individual. Além disso, sempre há a possibilidade de se criar situações através do ensaio comporta- mental (por exemplo, fazer um discurso para o grupo ou realizar uma festa). Quando esse ensaio é feito em grupo, é facilitado pela pos- sibilidade de serem representados vários pa- péis em uma mesma situação, tornando-a mais próximo do real. Embora esse formato de terapia seja o mais indicado, dificilmente, no consultório, temos a oportunidade de formar grupos de fóbicos sociais, o que é mais fácil em institui- Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:57109 110 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols. ções pelo número de pessoas que nos procu- ram. A partir de todas essas considerações, po- demos concluir que as técnicas podem ser apli- cadas isoladamente ou em conjunto, dependen- do da análise detalhada das dificuldades apre- sentadas por cada paciente; portanto, é impres- cindível que a análise funcional preceda qual- quer intervenção. A automonitoria e as tarefas de casa também são importantes nesse mode- lo terapêutico, o que implica o engajamento do paciente em seu tratamento. NOTA 1. O autor apresenta um modelo psicobiológico de temperamento e caráter ao descrever sete dimensões de personalidade independentes umas das outras: quatro dimensões de tempe- ramento que envolvem respostas automáticas a estímulos perceptivos (busca de novidades, esquiva ao dano, dependência de gratificação e persistência) e três dimensões de caráter ba- seadas em conceitos, experiências conscientes representadas sob a forma de palavras, ima- gens e relações funcionais (autodireciona- mento, cooperatividade e autotranscendência). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALBANO, A. M. et al. Cognitive-behavioral group treatment for social phobia in adolescents. J. Nerv. Ment. Dis., v.183, p.649-56, 1995. AL-KUBAISY, T.; MARKS, I.M.; LOOSDAIL, S. Role of exposure homework in phobia reduction: a controlled study. Behavior Therapy, v.23, p.599-621, 1992. 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Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:57111 Transtornos Alimentares Daniel Boleira Sieiro Guimarães etc.), motivados por uma preocupação exces- siva com a imagem corporal (APA, 1994). Sua evolução é crônica e muitas vezes incapacitante, atingindo uma parcela restrita, porém importante, da população: adolescen- tes e mulheres jovens em idade produtiva, sen- do o transtorno alimentar mais comum. Os prejuízos a curto, médio e longo prazo do pon- to de vista físico, nutricional e psicosocial cau- sados por esse transtorno têm sido amplamen- te documentados pela literatura desde a des- crição original de Russell (1979). Entre as alternativas mais eficazes de tra- tamento, destacam-se as psicoterapias. As lite- raturas norte-americana e européia têm avalia- do principalmente programas de terapia cog- nitivo-comportamental (TCC), bastante viáveis em termos de realização e eficácia (Guimarães et al., 1998). As abordagens cognitivo-compor- tamentais para bulimia nervosa são explicadas às pacientes explicitamente, assim como a ra- zão para os procedimentos do tratamento; o objetivo não é apenas mudar comportamentos alimentares da paciente, mas também modifi- car suas atitudes diante da imagem corporal e, quando relevante, muitas outras distorções cognitivas fundamentais. O modelo de tratamento baseia-se na teo- ria desenvolvida por Beck e colaboradores (1982) para tratamento da depressão, adapta- da para o tratamento dos transtornos alimen- tares por autores como Fairburn (1985), com as seguintes características: uso de técnicas 88 CONSIDERAÇÕES INICIAIS Os distúrbios alimentares, tais como des- critos na CID-10 (OMS, 1993), compreendem a bulimia nervosa, a anorexia nervosa e os transtornos alimentares �atípicos�, isto é, que não estão incluídos nas duas categorias acima. Os manuais tradicionais sobre esse tema sem- pre enfocam uma descrição clínica, argumen- tos teóricos a respeito do modelo cognitivo, dados sobre sua eficácia no tratamento de qua- dros de bulimia nervosa e discussão sobre um programa específico que determinado autor utiliza em seu trabalho. Neste capítulo, mantendo um espírito clí- nico, procurarei abordar os tópicos acima, co- mentando não só a compreensão e os métodos de tratamento, mas também os limites e as di- ficuldades práticas envolvidas. A BULIMIA NERVOSA E O MODELO COGNITIVO-COMPORTAMENTAL A bulimia nervosa é um transtorno psi- quiátrico caracterizado pelo rápido consumo de grande quantidade de alimentos em um pe- ríodo limitado de tempo de forma descontro- lada (binge-eating), associado a comportamen- tos direcionados ao controle de peso e com- pensatórios aos episódios (como vômitos auto- induzidos, abuso de laxativos, diuréticos e mo- deradores de apetite, exercícios excessivos, Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:57113 114 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols. como reestruturação cognitiva, automonito- ração de pensamentos relevantes e de compor- tamento; psicoeducação; uso de medidas de autocontrole para estabelecer um padrão re- gular de alimentação; educação alimentar; medidas para eliminar dietas; uso de técnicas de prevenção de recaídas; treinamento em re- solução de problemas e exposição com preven- ção de resposta. Além disso, é um processo ati- vo, com responsabilidades compartilhadas com o paciente para a mudança desejada, em que o terapeuta provê informação, auxílio, suporte e encorajamento. Três estágios são definidos nos programas ambulatoriais: no primeiro, a visão cognitiva da bulimia nervosa é sublinhada, e técnicas comportamentais são usadas para o paciente recuperar o controle sobre a alimentação. No segundo, enfatiza-se o exame e a modificação de pensamentos e atitudes problemáticos. No terceiro, os procedimentos comportamentais são usados para evitar qualquer tendência para dietas e modificar preocupações com a ima- gem corporal. Finalmente, o foco é a manu- tenção da mudança. Existem características psicopatológicas fundamentais que devem ser levadas em con- sideração para o tratamento da bulimia nervo- sa. A principal delas é a presença de idéias sobrevalorizadas concernentes à forma e ao peso corporal. Segundo o modelo cognitivo- comportamental, essas idéias são cognições distorcidas, presentes de maneira estereotipa- da e automática, que provocam comportamen- tos alimentares igualmente distorcidos, como a adoção de regras dietéticas rígidas e inflexí- veis, baseadas na realização de jejuns, vômitosautoprovocados, abuso de laxantes, diuréticos e moderadores de apetite. Ao ocorrerem trans- gressões desses hábitos alimentares, como acontece durante os binges, com a ingestão exa- gerada e rápida de alimentos altamente calóricos, as pacientes agem como se tivesse ocorrido um abandono completo do controle alimentar, o que aumenta os sentimentos de impotência e sofrimento. Fatores fisiológicos também facilitam a ocorrência de binges, principalmente os jejuns prolongados feitos pelas pacientes e as perdas de eletrólitos, água e nutrientes causadas pe- los comportamentos purgativos. Por isso, um dos objetivos do tratamento é a mudança dos hábitos alimentares, a fim de reverter os pre- juízos nutricionais e físicos causados às pacien- tes. Um outro ponto fundamental é a modifi- cação das idéias sobre imagem corporal, as quais determinam a perpetuação desses com- portamentos, o que se consegue apenas pela modificação e pela correção das distorções cog- nitivas de tais pacientes (ver Quadro 8.1). Ou- tros sintomas, como humor depressivo e ansi- edade, ocorrem de forma secundária ou asso- ciada ao quadro clínico, acarretando a presen- ça de baixa auto-estima, isolamento social, al- teração da concentração, intensas dificuldades de relacionamento familiar e interpessoal. Esses fatores ambientais tornam-se os principais gatilhos ambientais para que a pa- ciente apresente binges. Eles despertam senti- mentos de culpa, vergonha e insatisfação nas pacientes que se vêem ainda mais ameaçadas pela possibilidade de ganhar peso, adotando os comportamentos purgativos, como modo de compensar os excessos e controlar seu peso. Porém, tal atitude somente agrava o quadro clínico e os sentimentos de fracasso e baixa auto-estima, levando a um novo ciclo de die- tas, binges e técnicas de purgação (Fairburn et al., 1989; Cordás et al., 1998a). A Figura 8.1 apresenta, esquematicamen- te, o modelo cíclico de manutenção dos sinto- mas de bulimia nervosa, que é a base das con- dutas e técnicas aplicadas. É importante res- saltar que esse modelo foi proposto em um dos primeiros manuais de tratamento cognitivo- comportamental para transtornos alimentares (Garner e Garfinkel, 1985), como explicação da manutenção do quadro clínico dos sinto- mas da bulimia nervosa, e não como modelo etiológico. Os estudos clínicos atuais, alicerça- dos em pesquisas retrospectivas a respeito da etiologia e da evolução do quadro clínico, apon- tam a prática de dietas como sintoma inicial do transtorno, embora não esteja estabelecido se por fatores socioculturais, como o �culto à magreza�, por fatores psicodinâmicos e famili- Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:57114 Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 115 ares, ou até mesmo por fatores genético-bioló- gicos. Os principais autores na área defendem uma etiologia multifatorial decorrente de ques- tões socioculturais, pessoais e biológicas como predisponentes ao surgimento do transtorno (Cordás et al., 1998b). Em geral, todos os programas que utili- zam a TCC incluem um diário de automoni- torização do comportamento, o qual serve como parâmetro para a freqüência dos com- portamentos alterados e como índice de evo- lução. A automonitorização apresenta a van- tagem de ser um procedimento terapêutico em si mesmo (Agras et al., 1989), o que pode ser considerado uma desvantagem em termos de �pureza� metodológica, na medida em que o grupo placebo utiliza um procedimento consi- derado ativo. Um modelo de diário alimentar e instruções para sua utilização são apresenta- dos no Quadro 8.1: Figura 8.1 Modelo cognitivo de manutenção de sintomas de bulimia nervosa (adaptada de Fairburn (1985). Quadro 8.1 Instruções para monitoração utilizando diário alimentar � O propósito da monitoração é permitir um quadro detalhado de seus hábitos alimentares, sendo fundamental ao tratamento. Em um primeiro momento, escrever tudo o que você comeu pode ser inconveniente e irritante, mas logo se tornará automático e de grande valor. � Um exemplo de folha do diário alimentar é mostrada a seguir. Uma página separada para cada dia deve ser usada, indicando dia da semana e data de início. Uma outra coluna deve indicar todas as comidas e líquidos consumidos durante o dia, devendo ser anotado tão logo seja feita a refeição. Recordar o que você comeu algumas horas antes não é suficiente; por isso, você deve carregar sempre o seu diário de monitoração. Calorias não devem ser anotadas, e sim uma simples descrição do que você comeu. As refeições devem ser assinaladas, sendo uma refeição todo �episódio isolado de alimentação que foi controlada, organizada e comida de forma adequada�. � Na primeira coluna, você pode especificar o local em que se alimentou e, se for em casa, em qual aposento. Deve apontar com asteriscos ou com um �sim� na coluna �B� (bulimia) se achou que a refeição foi excessiva, anotando tudo de que se alimentou durante binges. Anotar em outra coluna se houve episódios de vômitos, se estava com fome, se fez uso de laxantes, diuréticos ou anorexígenos. Também devem ser anotados pensamen- tos e sentimentos que você julga terem influenciado sua alimentação. Anote seu peso toda vez que for se pesar. Em todas as entrevistas, haverá uma cuidadosa revisão do seu diário. Não se esqueça de levá-lo à consulta. Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:57115 116 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols. Assim, a existência de diversos fatores que provocam dificuldades ao longo do tratamen- to psicoterápico para pacientes bulímicas tor- na extremamente complexa a avaliação da efi- ciência clínica do tratamento. Parece ser razo- ável supor que o próprio terapeuta, se for ca- paz de identificar as dificuldades descritas e de lidar com elas, dentro das limitações do tra- tamento de que ele dispõe, será capaz de defi- nir qual é a efetividade do tratamento realiza- do para determinada paciente, no qual diver- sos fatores individuais provocarão diferentes reações no início, ao longo e no final do trata- mento. Wilson (1996), analisando o fato de que muitos programas de TCC são baseados em um manual padronizado, que determina técnicas empregadas, tempo e temas das sessões para todos os pacientes, e de que outros tratamen- tos são aplicados de uma maneira altamente individualizada, não verificou nenhum fator que pudesse predizer qual paciente adapta-se melhor a cada um desses estilos de tratamen- to. Por isso, defende o estabelecimento empírico de correlações entre tratamentos e perfis operacionalmente definidos das relações problemas/paciente a fim de que o melhor tra- tamento disponível para o paciente seja utili- zado, dentre as várias formas de aplicação da TCC. Desde 1992, o Ambulatório de Bulimia e Transtornos Alimentares (AMBULIM) do Insti- tuto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo oferece tratamento multiprofissional e gratuito, tanto em nível ambulatorial quanto hospitalar, devido à crescente demanda de pa- Exemplo de diário alimentar: Data e horário O que comeu? Fome B V ou Lx O que pensou O que pensou da refeição (quantidade e tipo (0-10) (S/N) (S?N) e sentiu antes e sentiu depois de alimento) do episódio? do episódio? Quadro 8.2 Exemplos de distorções cognitivas na bulimia nervosa � Abstração seletiva: basear uma conclusão em detalhes isolados, ignorando evidências importantes e contradi- tórias. Por exemplo: �O único jeito da minha vida estar sob controle é comendo�, �Sou especial se sou magra�. � Generalização: extrair uma regra com base em um evento e aplicar a situações diferentes. Por exemplo: �Quando eu comia carboidratos, eu era gorda; então, devo evitá-los para não ficar obesa�. � Magnificação: superestimação do significado de eventos indesejáveis, motivo pelo qual os estímulos obtém significados que não são reforçados pela análise objetiva. Por exemplo: �Ganhei quatro quilos, então não posso mais usar shorts�, �Não vou agüentar se alguém comentar que engordei�. � Raciocínio dicotômico ou do tipo �tudo ou nada�: pensar emtermos absolutos ou extremos, sem gradações, apenas certo ou errado. Por exemplo: �Se eu não tiver controle completo, perderei todo o controle�, �Se eu não dominar essa área da minha vida, perderei tudo�. � Personalização e auto-referência: interpretações egocêntricas de eventos impessoais ou superestimação de eventos relacionados a si própria. Por exemplo: �Duas pessoas riam e conversavam, provavelmente me achan- do pouco atraente; também ganhei dois quilos...�, �Eu me embaraço quando me vêem comendo�. � Pensamento mágico: acreditar em relação causa-efeito de eventos não-contingentes. Por exemplo: �Se eu comer doce, ele vai virar gordura no meu estômago�. Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:57116 Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 117 cientes com transtornos alimentares em nosso meio (Cordás et al., 1993). O AMBULIM co- meçou a utilizar um modelo de atendimento ambulatorial para bulimia nervosa baseado em técnicas cognitivo-comportamentais, com du- ração de 12 semanas, desenvolvido e validado por Cordás (1995), além de abordagens psicoterapêuticas de base psicanalítica, indivi- dual, grupal e familiar. A iniciativa pioneira do AMBULIM permitiu a elaboração do Progra- ma Ambulatorial de 12 Semanas, uma aborda- gem ambulatorial que utiliza técnicas de TCC, as quais podem ser associadas à farmacoterapia com sucesso comprovado. Essas características facilitam sua divul- gação e aplicação em outros serviços que con- tem no mínimo com atendimento médico, psi- cológico e nutricional. Tem duração limitada e breve (três meses), é de fácil treinamento e execução, podendo ser efetuado por terapeutas experientes ou médicos residentes em psiquia- tria. Na pesquisa de Cordás (1995), o progra- ma demonstrou eficácia ao final e após um ano do tratamento. Inclui atendimento nutricional, técnicas de automonitoração (diário alimen- tar), informações, técnicas de reestruturação cognitiva e prevenção de resposta. Esse pro- grama necessita de cooperação e participação do paciente nas tarefas de casa, podendo ser feito individualmente ou em grupo. A prática clínica, quando utiliza-se de psicoterapias como a TCC, baseia-se na cons- trução de uma relação terapêutica entre o pa- ciente e o terapeuta, constituída de confiança, respeito mútuo e colaboração. Os tratamentos que utilizam as técnicas cognitivas tradicional- mente dão maior liberdade de ação ao tera- peuta, que funciona como catalisador e gran- de reforçador das mudanças na paciente � prin- cipais metas do tratamento. A paciente tam- bém adquire, com o tempo, uma autonomia cada vez maior para elaborar e aplicar tais mudanças em situações de sua vida, desenvol- vendo novas formas de pensar e resolver seus problemas, percebidas e postas em prática no processo de terapia. No caso da bulimia nervo- sa, observam-se transformações visíveis no modo como a paciente encara a questão do comportamento alimentar, na sua relação com a forma e o peso corporal e na educação nutricional. No entanto, podem acontecer diversos problemas ao longo do tratamento que, se não forem considerados, comprometem a sua efi- ciência na prática clínica cotidiana. Guimarães e Ades (1997) discutem essa questão, apon- tando no decurso do tratamento que utiliza TCC quais os problemas mais freqüentemente encontrados e passíveis de serem generaliza- dos para todos os modelos psicoterápicos de tratamento em bulímicas. Os autores propõem uma distinção desses problemas de acordo com o momento do tratamento em que ocorrem. No início do tratamento, é muito comum o não- engajamento de algumas pacientes que são incapazes de cumprir quaisquer preceitos bá- sicos da TCC, o que impede que um tratamen- to formal desse tipo possa sequer ser iniciado. Coker e colaboradores (1993) verificaram nas pacientes que não se engajam no tratamento (non-engagers) uma história prévia de depen- dência química, episódios de auto-agressão, abuso de laxativos, maior tempo de duração da doença e maiores escores na Escala Hamil- ton para Depressão, quando comparadas às pacientes que se engajam no tratamento, in- dependentemente do resultado deste. Um achado importante foi a freqüência 10 vezes maior de transtorno de personalidade border- line nas pacientes non-engagers. Por isso, Wil- son (1996) cita alternativas mais baratas e sim- ples que podem ser tentadas antes de se inici- ar um programa psicoterápico formal para pa- cientes bulímicas, tais como: auto-ajuda ori- entada, mas não-supervisionada (unsupervised guide-help), programas psicoeducacionais bre- ves em grupo e versões abreviadas de um pro- grama cognitivo-comportamental administra- do por leigos. A TCC, por exemplo, poderia ser reservada para casos nos quais essas modali- dades fossem contra-indicadas ou fracassas- sem. Uma vez iniciado o tratamento, a pacien- te pode apresentar uma resistência à terapia, também chamada de reactância ou não-ade- são. O terapeuta percebe esse problema atra- vés dos mais diversos comportamentos da pa- ciente, como atrasos, não-realização de tare- fas, adiamentos, solicitação de favores pessoais, Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:57117 118 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols. sedução, recusa explícita em cooperar. A resis- tência pode ser fruto de reações do terapeuta: críticas a opiniões da paciente, formalismo, interrupções, hesitação, insegurança, não-pre- enchimento de expectativas, pressão por tare- fas não-cumpridas na TCC (Rangé, 1995). A resistência também pode ocorrer por receio, tanto da paciente quanto da família, em aban- donar comportamentos e modos de pensar ha- bituais, ou por necessidade de interagir de for- ma diferente entre si e mudar suas atitudes. Um outro problema importante que sur- ge no decorrer do tratamento é a desmotivação da paciente. Sabe-se que os graus de motiva- ção para psicoterapia são variados e mudam conforme a etapa de tratamento, podendo va- riar de animosidade explícita até negativismo, resistência passiva, neutralidade ou pleno re- conhecimento das dificuldades (Guimarães e Ades, 1997). Rangé (1995) apresenta como va- riáveis importantes para a motivação na psico- terapia o grau de sofrimento e a crença no tra- tamento por parte da paciente; quando em baixos níveis, esses dois fatores podem provo- car desmotivação, resistência ao tratamento e maior possibilidade de abandono. O abando- no pode ser definido como o fato de uma pes- soa deliberadamente se retirar da terapia em algum momento, seja explicitamente contra a posição do terapeuta, seja implicitamente pelo cancelamento de sessões ou sua não-renova- ção. De modo geral, o paciente que abandona o tratamento ainda precisa deste, mesmo após a última sessão à qual compareceu. Rangé (1995) aponta freqüências de 20 a 57% de abandonos, após a primeira sessão em atendi- mento psiquiátrico, e de 32 a 79%, após al- guns meses de psicoterapia de grupo, o que indica um número significativo de abandonos em todas as formas de práticas psiquiátricas e psicoterápicas. Os abandonos � ou drop-outs � também ocorrem ao ser aplicada a TCC em si- tuações de pesquisa, sendo raro alcançar 100% de conclusão do tratamento pelas pacientes. O principal problema que ocorre, uma vez que a paciente tenha adesão e complete o tra- tamento, é a não-resposta. As pacientes �não- respondendoras� podem ser de três tipos: a) totalmente refratárias (sem nenhuma respos- ta ao tratamento); b) parcialmente responsivas (persistem bulímicas, mas com menor grau de sintomas) e c) subclínicas (não apresentam sin- tomas suficientes para caracterizar a bulimia nervosa, porém persistem com problemas es- pecíficos). Pacientes que apresentam baixo peso ou peso em excesso, que apresentam baixa auto-estima e, principalmente, transtornos de personalidade (mais comumente os do tipo borderline) têm sido definidas como de pior prognóstico, pois a TCC alcança piores resul- tados (Wilson, 1996). Famílias controladoras, superorganizadas e conflituosas são preditores de menor redução na freqüência de binges e cognições distorcidas (Blouin et al., 1994). Asprincipais alternativas terapêuticas nesses ca- sos refratários à TCC são o uso associado ou em substituição de medicações como fluoxe- tina, as psicoterapias psicodinâmicas orienta- das para conflitos e dificuldades interpessoais (terapia interpessoal e psicanálise) ou mesmo a realização de um programa de TCC em regi- me hospitalar (Wilson, 1996; Guimarães e Ades, 1997). Embora o papel da TCC no tratamento da bulimia nervosa seja fundamental, são ne- cessários mais pesquisa e critérios de avalia- ção dos resultados de programas de atendimen- to para ampliar o alcance e a importância des- sa modalidade de tratamento. A ANOREXIA NERVOSA E A ABORDAGEM COGNITIVO-COMPORTAMENTAL Uma paciente com anorexia nervosa ca- racteriza-se por apresentar manutenção volun- tária de um peso abaixo de 85% do mínimo esperado para sua estatura e idade; portanto, em geral, apresenta-se em precário estado clí- nico e nutricional. Nosso caso ilustrativo é o de uma jovem, com idade em torno de 20 anos e uma história crônica de prática de dietas (muitas vezes motivada por familiares e ami- gas). Realiza jejuns constantes quando se per- cebe �mais gorda que o habitual� ou quando está �inchada�, além de recusar deliberadamen- te a alimentação, esquivando-se inclusive do contato social, sobretudo nos horários de re- feição. No decorrer da história, percebe-se além de sinais de desnutrição, uma ausência prolon- Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:57118 Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 119 gada dos ciclos menstruais (amenorréia). A paciente parece não se incomodar com tais in- dícios e, apesar do físico frágil, parece bastan- te ativa, chegando a fazer longas caminhadas ou ginástica, sempre com a intenção de se sen- tir �leve�. A partir desse caso típico, podemos pres- supor algumas características importantes para a abordagem clínica. Trata-se de uma paciente que mantém um comportamento alimentar anômalo (prática de dietas e jejum) com um prejuízo físico (perda de peso), mas cujo perfil não corresponde ao de um indivíduo em sofri- mento. A paciente parece inclusive ter a cren- ça de que a manutenção de seus hábitos ali- mentares possa trazer-lhe algum benefício. Um modelo de compreensão da manutenção da anorexia nervosa é esboçado na Figura 8.2. Do ponto de vista do tratamento, é fun- damental que a paciente compreenda que seu comportamento cíclico mantém e pode agra- var os sintomas. O elemento-chave para lidar com esse tipo de paciente é a sua percepção dos reais danos envolvidos e a sua colabora- ção (e não por simples coação, como já se ten- tou nos moldes originais de tratamentos de re- cuperação) para se obter a meta principal: a restauração de um peso compatível com a nor- malidade e de hábitos alimentares mais sau- dáveis. De acordo com Kleifield e colaborado- res (1996), para se obter uma relação terapêu- tica, é necessário demonstrar respeito pela de- pendência do paciente a seus comportamen- tos, pelo desespero com o qual se apega a eles e pelo medo de abandoná-los; recordar ao pa- ciente como a doença prejudicou-o; ajudar o paciente a adotar uma expectativa de que po- derá lidar de forma nova, segura e efetiva com sérios problemas vitais. Lidar com pacientes anoréxicos significa saber que, por conta da restrição dos seus conteúdos vivenciais e da supervalorização da obtenção de um corpo magro, o terapeuta oscilará entre o papel de um apoio e colaborador (para a mudança) ou um grande obstáculo (para se manter magro). Uma parte considerável dos pacientes comporta-se de um modo que dificulta ou im- possibilita a manutenção do tratamento em regime ambulatorial. Perda de peso, distúrbi- os metabólicos, sintomas depressivos, risco de suicídio e disfunção do ambiente familiar são causas freqüentes de internação hospitalar. Nesse sentido, existem locais com equipes multiprofissionais capacitadas, que contam com psiquiatras, psicoterapeutas individuais, grupais e familiares, nutricionista e pessoal de enfermagem. Porém, as pacientes também são problemáticas nesse espaço: mesmo em um local onde exista vigilância contínua a fim de evitar a perda de peso que a paciente possa provocar com seus comportamentos, haverá uma dificuldade para evitar que, por força de seus hábitos anteriores, ela resista a ser reali- mentada e retornar a um peso maior. Por mo- tivos fisiológicos, a realimentação não pode ser muito rápida, o que de certa foma pode ser aproveitado para a paciente adaptar-se às mu- danças corporais e reinterpretá-las não como Figura 8.2 Modelo cognitivo da manutenção da anorexia nervosa (adaptada de Kleifield et al. ,1996). Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:57119 120 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols. uma engorda, mas como uma reabilitação com efeitos físicos, cognitivos e emocionais. De modo geral, os pacientes anoréxicos beneficiam-se de técnicas mais comportamen- tais no início do tratamento, como restrição do uso dos comportamentos para redução de peso ou mesmo purgação, através de vômitos auto- induzidos e uso de laxantes e diuréticos. As re- feições devem ser monitoradas e o consumo deverá obedecer ao cardápio prescrito pela nutricionista. Caso o paciente alimente-se de forma inadequada ou bizarra (separação de tipos de alimento, extrema lentidão ou simples recusa), um auxiliar ou familiar deverá estar presente e servir como modelo, discutindo com o paciente as suas dificuldades. O contato do paciente com os alimentos e o aprendizado sobre o conteúdo e o valor nutricional deles é um fator que auxilia a derrubar algumas distorções e preconceitos, como dividir os ali- mentos em �pesados� e �leves� e contar desne- cessariamente as calorias das refeições. Uma nutricionista ou profissional de enfermagem podem ajudar o paciente no processo de pesa- gem para discutir seus temores e seus pensa- mentos logo após. Em um tratamento de internação total ou parcial, o critério principal de alta é alcançar um peso dentro de um limi- ar saudável e ser capaz de manter esse peso através das mudanças recém-aprendidas, como a necessidade de rotinas e horários, a adequa- ção do conteúdo alimentar, o uso de técnicas de solução de problemas e a redução de es- tresse. Na manutenção ambulatorial e no trata- mento com pacientes crônicos, as técnicas cog- nitivas ganham importância, pois ajudam a identificar pensamentos problemáticos que de- sencadeiem uma preocupação com o peso ou a imagem corporais, auxiliam no questiona- mento e no uso de recursos para lidar com esse pensamento e, em seguida, apresentam uma alternativa a comportamentos adequados que não inclua práticas de jejum e restrição de die- ta. A monitoração através do diário alimentar é uma tática importante para checagem do padrão alimentar e seguimento no domicílio das estratégias aprendidas. Os dados de literatura sobre programas exclusivamente cognitivo-comportamentais para anorexia nervosa são restritos e, por isso, esse modelo é um acessório em um programa de recuperação de peso que, muitas vezes, ne- cessitará do espaço de internação parcial ou total. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGRAS, W.S. et al. Cognitive-behavioural and response prevention treatments for bulimia nervo- sa. 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New York: Guilford Press, 1985. p.431-57. GUIMARÃES, D.B.S.; ADES, L. The effectiveness of cognitive-behavioral therapy for bulimia nervosa: the clinical point of view. Apresentado como palestra no �Simposio Internacional de Anorexia Nerviosa y Bulimia�, Mendoza, Setembro, 1997. GUIMARÃES, D.B.S. et al. Tratamentos psicote- rápicos. In: CORDÁS, T. A. Bulimia Nervosa: diag- nóstico e propostas de tratamento. São Paulo: Le- mos, 1998. p. 67-80. KLEIFIELD, E.I.; WAGNER, S.; HALMI, K.A. Cognitive-behavioral treatment of anorexia nervo- sa. In: YAGER, J. (Org.). The Psychiatric Clinics of North America � Eating Disorders, v.19, n.4, p. 755- 60, 1996. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. Classifica- ção de transtornos mentais e de comportamento da CID-10. Porto Alegre: Artes Médicas (Artmed), 1993. p. 175-6. RANGÉ, B. Relação terapêutica. In: RANGÉ, B. (Org.). Psicoterapia comportamental e cognitiva de transtornos psiquiátricos. São Paulo: Psy, 1995. RUSSELL, G.F.M. Bulimia nervosa: an ominous variant of anorexia nervosa. Psychological medicine, v. 9, p. 428-48, 1979. WILSON, G.T. Treatment of bulimia nervosa: when CBT fails. Behaviour Research Therapy, v.34, p. 197- 212, 1996. Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:57121 122 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols. ANEXO I PROGRAMA DE ATENDIMENTO COGNITIVO-COMPORTAMENTAL PARA BULIMIA NERVOSA DO AMBULATÓRIO DE BULIMIA E TRANSTORNOS ALIMENTARES (AMBULIM) DO INSTITUTO DE PSIQUIATRIA DO HC / FMUSP SEMANA 0 � A avaliação pelo médico, exame físico, exames complementares. O paciente recebe o guia de orientação (ANEXO II) e lhe é solicitado o preenchimento do diário alimentar de avaliação semanal. O contrato terapêutico é realizado. SEMANA 1 � Tema proposto para discussão: �O que é a doença e suas causas (teoria do �set point�), suas complicações psicológicas e físicas�, incluindo a exibição de slides ilustrativos. Discussão do diário alimentar. Orientação para suspensão de laxantes, diuréticos e outros recursos direcionados para evitar o ganho de peso. Tarefa solicitada para a próxima semana: �trazer por escrito o que entendeu a respeito de seu problema e que sentido faz em sua vida o que foi dito. SEMANA 2 � Discussão do diário alimentar. Discussão da tarefa proposta na semana anterior, retomando a discussão sobre o que é a doença e suas possíveis causas. Relembrados os tópicos do guia de orientação. (Anexo) SEMANA 3 � Discussão do diário alimentar. Orientação sobre ansiedade, propondo a discussão sobre o que é, como a ansiedade pode estar ligada ao seu comportamento alimentar e como é possível lidar com as sensações ansiosas. Treino de relaxamento. Tarefa solicitada para a próxima semana: �deverá trazer por escrito alternativas sobre o que fazer quando sentir-se ansioso ou irritado, em vez de comer�. SEMANA 4 � Discussão do diário alimentar. Discussão da tarefa proposta para a semana anterior. Discussão de dois temas: �O corpo é tão elástico como se quer (os limites orgânicos, o corpo idealizado)� e as fantasias de que o emagrecimento pode trazer felicidade�. Tarefa solicitada para a próxima semana �trazer por escrito �O que eu vou ganhar se emagrecer?� SEMANA 5 � Discussão do diário alimentar. Discussão da tarefa proposta na semana anterior. Discussão sobre os vômitos (se ainda presentes), com tentativa de introduzir procedimentos para prevenção de resposta. Tarefa solicitada para a próxima semana: �trazer por escrito uma lista de dez qualidades que julga ter�. SEMANA 6 � Discussão do diário alimentar. Discussão da estruturação do tempo livre e da tarefa proposta na semana anterior. Tarefa solicitada para a próxima semana: deverá trazer por escrito um texto com duas colunas, a primeira citando razões para continuar bulímico e a segunda com razões para abandonar esse comportamento. SEMANA 8 � Orientação familiar. Discussão do diário alimentar. Discussão da tarefa proposta na semana anterior. Solicita-se a vinda da família ou cônjuge para a próxima semana. SEMANA 9 � Orientação familiar. SEMANA 10 � Discussão do diário alimentar. Discussão com o paciente da reunião familiar. SEMANA 11 � Discussão do diário alimentar. Discussão do tema trazido pelo paciente (tema livre). SEMANA 12 � Discussão a respeito da evolução e das possibilidades de recaída. Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:57122 Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 123 Orientação nutricional SEMANA 0 � (Pré-Tratamento): Peso. Anamnese alimentar � alimentos que evita, e por que razão. Dietas já realizadas, crenças e tabus alimentares. Orientação reforçando a solicitação médica para a feitura do diário alimentar. SEMANA 1 � Peso Por meio do diário alimentar, discutir os hábitos e as principais crenças. Orientação dos horários adequados para as refeições, tentando introduzir um padrão alimentar regular. Conceito de fome e saciedade. SEMANA 2 � Peso Avaliação do diário alimentar, reforçando os horários corretos para as refeições e a reintrodução paulatina de alimentos considerados perigosos. ABC da nutrição, explanando a respeito dos constituintes básicos de uma boa alimentação. SEMANA 4 � Peso Avaliação do diário alimentar, rediscutindo não apenas os horários, mas enfatizando quantidades. Como fazer compras alimentares. SEMANA 6 � Peso Avaliação do diário alimentar discutindo as possibilidades de substituição de alimentos. SEMANA 8 � Peso Avaliação do diário alimentar e da lista de substituições, restaurantes e lanchonetes. SEMANA 12 � Peso diário alimentar Discussão de uma dieta trazida pelo paciente. Material impresso explicativo sobre princípios nutricionais serão dados no decorrer das sessões. Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:57123 124 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols. ANEXO II GUIA DE ORIENTAÇÃO PARA PACIENTES COM BULIMIA NERVOSA ATENDIDAS NO AMBULATÓRIO DE BULIMIA E TRANSTORNOS ALIMENTARES (AMBULIM) DO INSTITUTO DE PSIQUIATRIA DO HC / FMUSP Lembre-se de que isso é muito importante Planeje antecipadamente o que e quanto você vai comer 1. Pare para pensar durante alguns períodos do dia como você está lidando com seu problema. Algumas das suas técnicas podem estar funcionando bem. Outras não. É necessário discutir isso com seu médico. 2. Planeje os seus dias antes, logo pela manhã ou na véspera evite longos períodos do comportamento não planejado ou sem atividade definida. 3. Use o diário de comportamento alimentar de maneira mais completa possível, levando-o a todos os lugares. 4. Tente comer sempre acompanhado, nunca só. 5. Não faça nada enquanto estiver comendo, exceto conversar com quem está comendo com você. Não veja televisão, não leia; ouvir música é possível, desde que isso não atrapalhe a sua concentração. Concentre-se no que come, mastigue lentamente e degluta seu alimento. 6. Planeje diariamente suas refeições e horários. O esquema usual é de três refeições: café da manhã, almoço e jantar.Dois lanches entre as refeições podem ser feitos com conteúdo e horários planejados. Lembre-se: jejuar estimula os episódios de bulimia. 7. Combine com sua família, ou se você mesmo faz as compras em sua casa, não acumule um grande estoque e não compre alimentos que você identifica como �perigosos�. 8. Carregue menos dinheiro possível se você costuma comer �demais� fora de casa. 9. Identifique os períodos de maior risco e planeje atividades não-compatíveis com o comer, como encontrar amigos, fazer ginástica ou tomar um banho, ler, etc. 10. Evite o mais possível áreas �perigosas� como cozinha, entre as refeições. Se necessário, quando sentir dificul- dades de controle, saia de casa imediatamente. 11. Não se pese mais do que uma vez por semana, se necessário pare de se pesar indefinidamente. Não pense em perder peso nesse momento do tratamento. 12. Se você está pensando muito a respeito de seu peso e de seu corpo, pode ser que você esteja ansiosa (o) ou deprimida (o). Você se sente gorda (o), feia(o) quando encontra dificuldades? Discuta isso com seu médico. 13. Faça exercícios regularmente. Exercícios regulares aumentam o metabolismo basal e ajudam a diminuir o apetite, particularmente, por doces. Exercícios não são para perder peso. 14. Em mulheres, é muito importante estar atenta ao período pré-menstrual e da menstruação. 15. Não beba álcool, pode aumentar seu apetite e diminuir seu controle. 16. Reveja sempre os problemas físicos que a doença causou ou pode lhe causar. Você se lembra como pode ficar seu rosto? 17. O controle que você está tentando não é fácil, é necessário trabalhar hora após hora, mais do que dia a dia. Uma falha não justifica desistir e entregar-se a uma sucessão de falhas. Você perceberá com o tempo que cada tempo conseguido com alimentação normal reforçará seus hábitos de alimentação saudável. Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:57124 Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 125 Transtorno de Pânico Lígia Montenegro Ito A Figura 9.1 apresenta esquematicamente o modelo cognitivo-comportamental do TP. O modelo cognitivo-comportamental do transtorno de pânico (TP) procura integrar as abordagens biológica e sociopsicológica em seus procedimentos terapêuticos. O ataque de pânico, elemento central desse transtorno, é considerado uma reação de alerta do organis- mo que pode ocorrer devido a situações exter- nas, percebidas pelo indivíduo como ameaça- doras, ou sem causa aparente, por influência de fatores biológicos. Possuir história pessoal ou familiar de algum transtorno ansioso e sub- meter-se a um período de estresse são fatores que contribuem para o aumento da ansiedade geral e facilitam o desencadeamento do pri- meiro ataque. Com a repetição, esses ataques ficam con- dicionados a desencadeantes externos (locais ou situações) ou internos (pensamentos ou sensações corporais) que, avaliados negativa- mente pelo indivíduo, representam sinal de perigo iminente, de morte, de estar enlouque- cendo ou perdendo o controle. Essas sensações levam a um aumento da ansiedade subjetiva, dos sintomas físicos e das antecipações catas- tróficas, e a pessoa torna-se apreensiva, em vi- gia constante, antecipando os sinais de um novo ataque. Ela pode apresentar comportamentos de esquiva e fobias de situações nas quais pen- se que um ataque ocorrerá, de lugares de onde seja difícil fugir ou escapar, de condições em que não possa receber ajuda imediata em caso de necessidade, de sair ou ficar sozinha. 99 Pessoa com predisposição a ter uma reação ansiosa ! Período de estresse ! Ataque de pânico em situação de perigo de origem biológica ! Ataques de pânico condicionados a ! Estímulos ou Cognições ou situações externas sensações corporais ! Aumento da vigia Cognições catastróficas ! Ansiedade antecipatória Sintomas físicos ! Transtorno de pânico ! Ansiedade Esquiva fóbica Depressão generalizada Farmacodependências Outras complicações Figura 9.1 Modelo cognitivo-comportamental do transtorno de pânico (Clark, 1986; Barlow, 1988). Abreu e Roso 2011.p65 29/11/2011, 09:57125 126 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols. A terapia cognitivo-comportamental (TCC) do TP é composta por um conjunto de procedimentos que são utilizados de forma in- tegrada e podem, para fins didáticos, ser sub- divididos entre aqueles que auxiliam o pacien- te a lidar com os sintomas físicos da ansieda- de, como o relaxamento e as técnicas cogniti- vas; e aqueles que visam à redução da esquiva fóbica, como a terapia de exposição aos estí- mulos desencadeantes dos ataques de pânico, e à modificação dos pensamentos disfuncionais, como a reestruturação cognitiva (Craske e Barlow, 1993; Lotufo-Neto e Ito, 1997). O tratamento é breve quando focaliza a redução da ansiedade geral, dos ataques de pânico e da esquiva fóbica, com duração em torno de 15 a 20 sessões. As metas da terapia são decididas em comum acordo, ou seja, te- rapeuta e paciente trabalham juntos em cola- boração, planejando estratégias para lidar com as dificuldades enfocadas. A auto-aplicação, entre as consultas, das técnicas aprendidas é essencial para o sucesso do tratamento e fun- damental para a manutenção da melhora clí- nica a longo prazo. As sessões são planejadas através de uma agenda que contém os alvos e as metas a serem alcançados no dia, os proce- dimentos que serão apresentados, a revisão de diários com as respectivas tarefas de casa, os acontecimentos importantes relacionados ao tratamento e o planejamento dos próximos passos. As tarefas de casa são fundamentais para que o paciente possa praticar os procedi- mentos aprendidos em consulta e verificar o grau de seu aprendizado no manejo da ansie- dade e dos desencadeantes dos ataques de pâ- nico. A utilização de diários que contêm a co- leta acurada e consistente de dados durante todo o programa de tratamento permite iden- tificar problemas e dificuldades na realização dos exercícios, adaptar as estratégias usadas e avaliar o progresso alcançado. A primeira etapa da terapia é avaliar to- dos os componentes do transtorno de pânico, como duração, freqüência e principalmente os desencadeantes do quadro, como fatores de estresse, dificuldades interpessoais, pensa- mentos ansiogênicos, sensações corporais, an- siedade antecipatória, esquiva fóbica, ataques de pânico limitados, situacionais e espontâ- neos. Fatores como presença de depressão ou outras patologias associadas, necessidade de medicação antidepressiva e manejo adequa- do de tranqüilizantes devem ser avaliados e tratados adequadamente. Problemas decor- rentes de complicações desse transtorno, como os de origem familiar e conjugal, devem ser identificados e enfocados na fase inicial da terapia. Dificuldades de ordem diversa podem ser abordadas rapidamente; porém, se reque- rerem maior tempo e atenção, os pacientes deverão ser encaminhados para uma psicote- rapia mais abrangente no momento apropri- ado. Concluída a avaliação, inicia-se a fase de informação ao paciente de todos os aspectos da doença. O modelo cognitivo-comportamen- tal do TP é apresentado, destacando-se o pa- pel dos pensamentos e dos comportamentos disfuncionais no desencadeamento de um ata- que de pânico e o papel das técnicas da terapia na modificação dos padrões adquiridos e con- dicionados. Essas explicações são repetidas ao longo do tratamento, sempre que necessário. A repetição é útil para o aprendizado do paci- ente, pois a ansiedade presente no início do tratamento pode prejudicar a atenção e a con- centração. Nas primeira etapa da terapia, o paciente é informado sobre a hiperventilação, sua rela- ção com os sintomas físicos do TP, e é treinado em exercícios de relaxamento muscular (Jacobson, 1938) e de controle da respiração (Barlow e Craske, 1988) para a redução e o alívio da tensão e da ansiedade geral. É impor- tante ressaltar que, para um bom resultado terapêutico, esses exercícios devem ser prati- cados diariamente, nas mais diversas situações, até que o paciente esteja apto a utilizá-los nas situações desencadeantes