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NUTRIÇÃO CLÍNICA Bianca Duarte Beck Identificação interna do documento A49QKX9UE4-4Z4V5R1 Patologia da nutrição e dietoterapia: obesidade, cirurgia de redução do estômago e distúrbios nutricionais Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Identificar os critérios de indicação e contraindicação para realização da cirurgia de redução do estômago. � Relacionar a evolução das técnicas cirúrgicas com suas implicações na fisiologia digestiva. � Definir a evolução dietoterápica no pós-operatório imediato e tardio, considerando os potenciais riscos e distúrbios nutricionais durante a evolução clínica. Introdução A obesidade é uma doença crônica que já é considerada epidemia mun- dial. É definida pelo acúmulo excessivo de gordura no corpo, causando prejuízos para a saúde e qualidade de vida. Neste capítulo, você vai estudar o tratamento cirúrgico da obesidade por meio da cirurgia de redução do estômago. Será capaz de identificar os critérios de indicação e contraindicação para esse tratamento. Também irá relacionar a evolução das técnicas cirúrgicas com suas implicações na fisiologia digestiva. Além disso, estará apto para definir as condutas dietoterápicas no pós-operatório imediato e tardio, considerando os potencias distúrbios nutricionais presentes na evolução desse tratamento. Identificação interna do documento A49QKX9UE4-4Z4V5R1 Indicações de tratamento cirúrgico para obesidade A organização mundial da saúde define obesidade como doença crônica não transmissível (DCNT), presente e crescente na população em nível mundial. É caracterizada pelo acúmulo excessivo de gordura corporal que acarreta prejuízos à saúde. Segundo a última Diretriz Brasileira de Obesidade (AS- SOCIAÇÃO BRASILEIRA PARA O ESTUDO DA OBESIDADE E DA SÍNDROME METABÓLICA, 2016), a etiologia da obesidade é complexa e multifatorial, resultando da interação de genes, ambiente, estilo de vida e fatores emocionais. Estudos destacam que a obesidade é uma das doenças que mais mata no mundo, principalmente por estar associada ao agravamento de outras doen- ças crônicas de grande impacto na mortalidade, tais como: diabetes tipo 2, hipertensão arterial sistêmica, insuficiência cardíaca congestiva, dislipidemia e aterosclerose, aumentando o risco de morbimortalidade por doenças car- diovasculares. Nesse cenário, a obesidade já é considerada um problema de saúde pública, causando grande impacto na mortalidade e gerando grandes gastos diretos com saúde. Diagnóstico O diagnóstico da obesidade é fundamental para que se possa planejar o tra- tamento, e para isso é necessário que haja uma avaliação especializada sobre a condição do peso do paciente. O diagnóstico é estabelecido por meio do índice de massa corporal (IMC). Seu cálculo é determinado pelo peso corporal em quilogramas dividindo pelo quadrado da altura em metros. A obtenção de um IMC igual ou superior ao valor de 30 kg/m² expressa o IMC de um indivíduo com obesidade. Valores maiores de 40 kg/m² classificam indivíduos com presença de obesidade grave. Devemos lembrar que o IMC não avalia a composição corporal, portanto a definição do estado nutricional do indivíduo não deve ser estabelecida apenas com essa ferramenta. O diagnóstico de obesidade deve evidenciar o acúmulo de gordura, sendo necessária a realização de outras medidas antropométricas para que se estabeleça um diagnóstico mais preciso e consistente. Patologia da nutrição e dietoterapia...2 Identificação interna do documento A49QKX9UE4-4Z4V5R1 Tratamento Por se tratar de uma doença multifatorial, seu tratamento também deve ser multifacetado e multidisciplinar. O objetivo em comum de todos os tratamentos consiste na redução da gordura corporal aliada a melhoria na qualidade de vida e condição de saúde. O tratamento convencional inclui redução na ingestão calórica e aumento do gasto energético. Além disso, conforme avaliação médica, também é possível a utilização de fármacos que auxiliam no processo de redução do peso. Infelizmente, a taxa de insucesso do tratamento convencional para obesos mórbidos é extremamente elevada, ocorrendo falha em mais de 90% dos casos. Atualmente, o tratamento cirúrgico é a alternativa com melhores resultados, porém com riscos de complicações a curto, médio e longo prazo, caso não seja realizado rigoroso acompanhamento clínico, nutricional e psicológico com equipe multidisciplinar experiente. Indicações para o tratamento cirúrgico O tratamento cirúrgico para obesidade é destinado para a população obesa que não atinge a redução da gordura corporal após tentativas falhas e documentadas com o tratamento clínico convencional. A indicação para realização da cirurgia de redução de estômago é realizada por uma equipe multidisciplinar especialista em obesidade composta por: endocrinologista, cirurgião, nutricionista ou nutrólogo, psiquiatra ou psicólogo, anestesista, enfermeiro e assistente social. A indicação cirúrgica deve levar em consideração três principais fatores: o grau de obesidade, medido pelo índice de massa corporal, a evolução da doença com as tentativas de tratamento clínico e a presença ou não de comorbidades causadas ou agravadas pela obesidade. Segundo a última Diretriz Brasileira de Obesidade (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA PARA O ESTUDO DA OBESIDADE E DA SÍNDROME METABÓLICA, 2016), as indicações formais para operações bariátricas são: idade de 18 a 65 anos, IMC maior a 40 kg/m2 ou 35 kg/m2 com uma ou mais comorbidades graves relacionadas com a obesidade (nas quais a perda de peso induzida cirurgicamente é capaz de melhorar a condição), e documentação de que o paciente não conseguiu perder ou manter a perda de peso apesar de cuidados médicos apropriados realizados regularmente há pelo menos dois anos (dietoterapia, psicoterapia, tratamento farmacológico e atividade física). 3Patologia da nutrição e dietoterapia... Identificação interna do documento A49QKX9UE4-4Z4V5R1 Idosos com mais de 65 anos passam por avaliação específica, considerando o risco cirúrgico e anestésico, a presença de comorbidades, expectativa de vida, benefícios da perda de peso e limitações da idade, por exemplo, dismotilidade esofágica, sarcopenia, risco de queda, e osteoporose. Já os adolescentes com 16 anos completos e menores de 18 anos poderão ser operados, respeitadas as indicações clínicas, além das exigências legais, de ter a concordância dos pais ou responsáveis legais, a presença de pediatra na equipe multiprofissional, a consolidação das cartilagens das epífises de crescimento dos punhos e outras precauções especiais, com o risco-benefício devendo ser muito bem analisado pela equipe. Em relação aos pacientes menores de 16 anos a cirurgia não é indicada, entretanto o Conselho Federal de Medicina autoriza a realização de cirurgia em menores de 16 anos quando realizadas em caráter experimental e dentro dos protocolos do sistema CEP/Conep (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa). Para os pacientes com IMC maior do que 35 kg/m2 foi determinado pelo Conselho Federal de Medicina a resolução 2.131/2015, que apresenta a relação de comorbidades, que associadas à obesidade seriam indicadoras de tratamento cirúrgico, incluindo: diabetes, apneia do sono, hipertensão arterial, dislipide- mia, doenças cardiovasculares incluindo doença arterial coronariana, infarto do miocárdio, angina, insuficiência cardíaca congestiva, acidente vascular cerebral, hipertensão e fibrilação atrial, cardiomiopatia dilatada, cor pulmonale, síndrome da hipoventilação da obesidade, asma grave não controlada, hérnias discais, osteoartroses, refluxo gastresofágico com indicação cirúrgica, cole- cistopatia calculosa, pancreatites agudas de repetição, incontinência urinária de esforço na mulher, infertilidade masculina e feminina, disfunção erétil, síndrome dos ovários policísticos, veias varicosas e doença hemorroidária, hipertensão intracraniana idiopática, estigmatização sociale depressão. Acrescenta como precauções para a indicação: a ausência de uso de drogas ilícitas ou alcoolismo, a ausência de quadros psicóticos ou demenciais graves ou moderados, além da compreensão, por parte do paciente e dos familiares, dos riscos e das mudanças de hábitos inerentes a uma cirurgia de grande porte sobre o tubo digestivo e da necessidade de acompanhamento pós-operatório com a equipe multidisciplinar em longo prazo. Contraindicações A cirurgia será contraindicada quando o paciente não atender aos critérios de indicação. Além disso, durante a avaliação pré-operatória multidisciplinar outros fatores são determinantes para contraindicação da cirurgia, tais como: Patologia da nutrição e dietoterapia...4 Identificação interna do documento A49QKX9UE4-4Z4V5R1 dependência atual de álcool ou drogas ilícitas; doenças psiquiátricas graves e sem controle; risco anestésico classificado como ASA IV; dificuldade de com- preender riscos, benefícios, resultados esperados, alternativas de tratamento e mudanças no estilo de vida requeridas após o procedimento. Evolução das técnicas cirúrgicas A possibilidade de tratamento cirúrgico para obesidade vem sendo empregada desde 1950, e a partir disso, suas técnicas e procedimentos estiveram em constante evolução e aprimoramento. Segundo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica ([2017]), o Brasil é o segundo país no mundo que mais realiza cirurgias de redução de estômago, com 80 mil registros por ano, e fica atrás apenas dos EUA. O crescimento nos últimos dez anos foi de 300% e a taxa de mortalidade de pacientes que optam pelo tratamento não ultrapassa 0,15%. Posteriormente à indicação para o tratamento cirúrgico, a equipe multi- disciplinar deve avaliar qual procedimento é o mais indicado para cada caso. Cada procedimento cirúrgico possui indicações e contraindicações específicas conforme a singularidade de cada paciente. Dessa forma, a técnica cirúrgica utilizada deve ser fundamentada na avaliação do estado clínico do paciente, nas causas da obesidade e nos objetivos planejados para sua perda de peso, tais como velocidade e forma de perda de peso. Em relação às técnicas cirúrgicas, existem algumas diferenciações, sendo os procedimentos subdivididos em três categorias: técnicas disabsortivas, restritivas e mistas (restritivas e disabortivas). Técnicas disabsortivas Os procedimentos cirúrgicos exclusivamente disabsortivos têm como principal representante a derivação jejunoileal, realizada mediante a técnica de Payne na década de 1960. Nessa técnica, realizavam a exclusão de quase todo o intestino delgado, permanecendo no trânsito alimentar apenas 35 cm de jejuno proximal e 10 cm do íleo distal. A derivação jejunoileal foi abandonada em decorrência das frequentes e não raramente graves alterações nutricionais e metabólicas secundárias à má absorção, sendo substituída pelas gastroplastias e derivações bíliopancreáticas. Na história das cirurgias da obesidade no Brasil, a técnica do tipo Payne foi experimentada em 1970, pelo cirurgião Salomão Chaib. Apesar de no início os 5Patologia da nutrição e dietoterapia... Identificação interna do documento A49QKX9UE4-4Z4V5R1 resultados terem sido desanimadores, com problemas metabólicos relacionados à técnica, os médicos e cirurgiões mantiveram as pesquisas e acompanharam as principais tendências internacionais que vinham surgindo na época. Técnicas restritivas As técnicas cirúrgicas restritivas visam, mediante saciedade precoce favorecida por redução da capacidade gástrica, diminuir o volume de alimentos ingeridos. Na década de 1980, Edward Mason, cirurgião americano considerado um dos pais da cirurgia de redução do estômago e um dos fundadores da Sociedade Americana de Cirurgia Bariátrica e Metabólica, foi o primeiro a introduzir o conceito de restrição gástrica, que levou ao desenvolvimento de técnicas, como o bypass gástrico, gastroplastia horizontal e gastroplastia vertical com anel de polipropileno. Em 1982, Nieben e Harbol apresentaram um tratamento alternativo à cirurgia para obesidade mórbida. A técnica se baseava na utilização de uma prótese para preenchimento e restrição física da cavidade gástrica, provocando sensação de saciedade e diminuindo o volume residual disponível para o alimento. As gastroplastias, principalmente a gastroplastia vertical bandada introdu- zida pelo cirurgião Edward Manson, foi o início de uma nova era nas cirurgias de obesidade. A técnica se dava através de uma restrição mecânica à ingestão de alimentos e retardamento do esvaziamento gástrico, causando a sensação de saciedade por meio de pequenas ingestões alimentares. As técnicas restritivas não possuem indicação para pacientes não compulsi- vos. Existem achados na literatura que associam essa cirurgia com resultados ineficientes na redução do peso, principalmente quando os pacientes possuem hábito de consumir doces e líquidos hipercalóricos. Alguns estudos mostram que os pacientes chegam a reduzir cerca de 30% do peso nos primeiros anos após a cirurgia, porém outros pacientes que adquiriam estratégias para burlar a restrição mecânica gástrica por meio do consumo de alimentos e líquidos hipercalóricos, não atingem a perda de peso esperada. A recuperação do peso e sua perda insuficiente nas técnicas unicamente restritivas é uma questão que deve ser avaliada antes de sua indicação, pois acaba sendo uma técnica que apresenta resultados inferiores aos resultados ponderais e metabólicos das técnicas disabsortivas e mistas. Patologia da nutrição e dietoterapia...6 Identificação interna do documento A49QKX9UE4-4Z4V5R1 Técnicas mistas Foi no início da década de 1990, que surgiu então a compilação das técni- cas restritivas e disabortivas, sendo o resultado aprimorado das técnicas já testadas. Surgindo técnicas mistas predominantemente restritivas (cirurgia de Fobi-Capella), e técnicas mistas predominantemente disabsortivas (pela técnica de Scopinaro). Cirurgia mista com maior componente restritivo Nessa modalidade técnica, observamos maior restrição da capacidade gástrica com menor componente disabsortivo. As técnicas mais empregadas são a de Fobi e Capella, e de Wittgrove e Clark. Em geral, as técnicas utilizam redução no volume do estômago a não mais do que 50 mL e sua ligação ao intestino. A velocidade do esvaziamento gástrico também é reduzida com a utilização de um anel de contenção. Somados à restrição mecânica para ingestão de alimentos, também sucede a restrição alimentar por meio de um mecanismo fisiológico do tipo Dumping (náusea e vômito provocados pela ingestão de alimentos líquidos ou pastosos hipercalóricos), e ainda pela exclusão do trânsito alimentar de grande parte do estômago, causando diminuição na produção de grelina, hormônio gástrico, produzido sob estímulo da chegada do alimento, e que provoca aumento no apetite. Na utilização dessa técnica, é esperado que a redução de peso ocorra de forma progressiva. Em longo prazo, a redução é de aproximadamente 35%, com melhora das comorbidades, qualidade de vida e autoestima dos pacientes. Cirurgia mista com maior componente disabsortivo Trata-se de um procedimento estabelecido na derivação gastroileal e a gas- trectomia, responsável pela redução do volume do recipiente gástrico, agindo como fator restritivo e acessório. Scopinaro foi o primeiro a descrever a derivação biliopancreática, em que ocorre menor restrição da capacidade gástrica, com predomínio do componente disabsortivo, permitindo maior ingestão alimentar. Estima-se que a perda de peso seja aproximadamente 64% do peso excessivo. Apesar desse tipo de técnica oferecer algumas vantagens, tais como a não restrição na ingestão de alimentos; eficácia em relação à perda de peso e manutenção em longo prazo; e reservatório gástrico completamente acessível 7Patologia da nutrição e dietoterapia... Identificação interna do documento A49QKX9UE4-4Z4V5R1 aos métodos de investigação.Possui a contrapartida de expor o paciente a complicações nutricionais e metabólicas de difícil controle. Devendo ser indicada para um grupo seleto de pacientes que estejam conscientes sobre as implicações e cuidados pós-operatórios. É indicada para pacientes que desejam ter acentuada e sustentável perda de peso, comer maiores volumes de alimentos ou quando o estômago operado tiver doenças que devem ser monitorizadas. Técnicas por videolaparoscopia Foi no ano de 1991, que teve início a videolaparoscopia em cirurgia bariá- trica. Sendo um procedimento mais seguro, menos invasivo e proporcionando recuperação e retomada de vida mais rápida, além de diminuir o número de cicatrizes. Com o passar dos anos, novas técnicas cirúrgicas começaram a ser realizadas por métodos menos invasivos. Em 1993, Belachew realizou o primeiro procedimento com banda gástrica ajustável de silicone em humanos por via laparoscópica. São muitos os benefícios conquistados com as técnicas cirúrgicas mini- mamente invasivas. Os procedimentos tendem a ser mais rápidos, tendo em média 60 minutos quando o cirurgião é experiente, uma redução de tempo significativa quando comparada à cirurgia aberta com média de 3 horas. Também são técnicas que cursam com menor índice de hérnias incisionais, menor elevação da pressão intra-abdominal (PIA), menor expressividade das alterações sistêmicas com pico de intensidade e duração menores de catecolaminas, cortisol, GH, citocinas (proteína C reativa e IL-6) e menor resistência periférica à insulina. Além disso, a videolaparoscopia causa menor comprometimento pulmonar com ventilação preservada, menor intensidade de dor e melhor oxigenação, levando a incidência menor de atelectasias. Por fim, se observa menor consumo de opioides no pós-operatório, demonstrando causar menos desconforto e dor. Dessa forma, a cirurgia para o tratamento da obesidade vem se mostrando uma forma efetiva de perda sustentada de peso. A evolução das técnicas ci- rúrgicas e a indicação da técnica é individual, e deve ser avaliada pela equipe multidisciplinar que irá acompanhar o paciente. É preciso sempre lembrar que os pacientes são diferentes, com perfis nutricionais, psicológicos e estilo de vida, e todos os aspectos influenciam na decisão da técnica mais adequada para cada caso. Patologia da nutrição e dietoterapia...8 Identificação interna do documento A49QKX9UE4-4Z4V5R1 Para saber mais sobre as principais técnicas cirúrgicas, leia mais no livro NUNES, M. A. et al. (Org.). Transtornos alimentares e obesidade. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2006. Dietoterapia na cirurgia de redução de estômago Realizada a cirurgia de redução do estômago, o paciente segue em acompa- nhamento multidisciplinar nas fases de pós-operatório imediato e tardio. A equipe clínica atuará na evolução do paciente, reintroduzindo medicamentos necessários, ajustando a sedação e analgesia e iniciando a terapia nutricional prevista. A recomendação é de realimentação precoce, tendo como objetivos otimi- zar a recuperação do paciente, reduzir as complicações cirúrgicas, o tempo de internação e os custos hospitalares (WENDLER et al., 2021). Assim, já nas primeiras 24 horas de pós-operatório, caso o paciente esteja bem e não apresente complicações, a alimentação deverá ser reintroduzida. Inicialmente, recomenda-se a oferta de dieta líquida restrita, com volume reduzido e maior frequência, e jejum para sólidos. Conforme a aceitação, já no segundo dia após a cirurgia, a dieta poderá evoluída para líquida completa, mantendo volumes reduzidos e com aumento da frequência (DE AGUILAR et al., 2017). O paciente receberá alta hospitalar com dieta líquida, e deve retornar para consulta clínica com médico e nutricionista até o 15° dia do pós-operatório. As consultas de revisão clínica devem ser realizadas seguindo uma rotina e sempre que houver necessidade. Preconiza-se que as consultas clínicas e os exames de controle sejam feitos no primeiro, terceiro, sexto, nono, 12°, 15° e 18° meses. Posteriormente, devem ser realizados semestralmente até o quinto ano pós-operatório e anualmente pelo resto da vida. Antes da realização da alta hospitalar o paciente deve ser orientado pelo nutricionista sobre o seguimento da dieta líquida clara. É indicado que pelos primeiros dez dias o paciente siga a dieta restrita a fim de garantir a recuperação e repouso gástrico e intestinal. Após esse momento inicial da dietoterapia, a dieta será progressivamente evoluída para a consistência líquida completa. A orientação nutricional nesse momento é fundamental e auxiliará na melhor 9Patologia da nutrição e dietoterapia... Identificação interna do documento A49QKX9UE4-4Z4V5R1 tolerância ao pós-operatório e uma perda de peso progressiva e adequada. Além disso, a orientação em relação à progressão dos volumes conforme a tolerância gástrica do paciente também é muito importante. Nessa fase do tratamento dietoterápico, é esperado que o paciente já esteja tolerando cerca de 200 mL por refeição. No entanto, a tolerância é muito individual e depende da capacidade do novo reservatório e da sensação de saciedade de cada um. A introdução da dieta pastosa ocorre após boa adaptação à dieta líquida completa. A dieta pastosa deve ser seguida por no mínimo 30 dias. Sua orien- tação nutricional será traçada visando a necessidade de estimular a digestão adequada dos alimentos. Também é orientado o consumo mínimo de 2 litros de líquidos fracionados em 10 copos de 200 mL/dia. Você deverá aconselhar sobre o impedimento da ingestão de líquidos durante as refeições, pois isto contribuiria para a plenitude precoce e reduziria a ingestão alimentar. Da mesma forma, também deve orientar a prática da mastigação adequada dos alimentos para evitar as complicações digestivas, tais como: vômito, dor, diarreia, e plenitude gástrica precoce. Após a dieta pastosa, a orientação é a introdução da dieta semissólida, com alimentos bem cozidos ou abrandados. A dieta de consistência normal é estabelecida aproximadamente 50 dias do pós-operatório, conforme a to- lerância do paciente com as fases dietoterápicas anteriores. É neste período que ocorrem as principais queixas em relação a dificuldades em tolerar a dieta alimento-específico, sendo necessário realizar manejos e substituições, evitando restrições de nutrientes. Passando o período de adaptação com a dieta normal, é importante a rea- lização de nova avaliação nutricional clínica, a fim de avaliar detalhadamente a capacidade de ingestão de grupos de alimentos e prevenir as deficiências nutricionais que estão descritas na literatura como associadas à cirurgia bariá- trica, entre elas, as mais comuns são: proteica, ferro, cálcio, zinco, vitamina D, vitamina A e complexo B. A suplementação vitamínica e mineral nesse grupo de pacientes é muito prevalente, e você deverá orientar de forma profilática a fim de evitar distúrbios nutricionais graves. Complicações tardias mais frequentes e manejo recomendado Vômito Frequente nos primeiros meses pós-operatórios, principalmente nas técnicas restritivas e mistas, e raro nas derivações disabortivas. Está associado com mas- Patologia da nutrição e dietoterapia...10 Identificação interna do documento A49QKX9UE4-4Z4V5R1 tigação insuficiente ou excesso de alimento. Entretanto, quando o surgimento é tardio, ocorrendo após seis meses do pós-operatório, associado à disfagia para alimentos na consistência sólida, pode ser decorrente de problemas anatômicos da técnica cirúrgica, e o paciente deve ser avaliado por endoscopia digestiva. A conduta recomendada é baseada na orientação ao paciente sobre as quantidades das porções de alimentos ingeridos nas refeições, na melhora da mastigação e na escolha correta dos alimentos que serão consumidos. Caso não se identifique o fator causador do vômito, outras medidas de diagnóstico devem ser optadas. Síndrome de Dumping Trata-se de uma síndrome geradora de um mal-estar generalizado, causando:sudorese, tremor, náuseas e palpitações, que ocorrem logo após a ingestão de alimentos de alta osmolaridade. É mais frequente nas técnicas mistas e de derivação disabsortivas. Na presença dessas síndromes, a conduta recomendada se baseia na orientação de se evitar doces e alimentos gordurosos. Também é recomendada a ingestão de alimentos ricos em fibras, pois costumam evitar a sensação de Dumping. Hipoglicemias reacionais Trata-se de episódios de hipoglicemias não associados a jejum prolongado, e sim à ingestão de alimentos com alto índice glicêmico. Esse consumo gera a liberação excessiva de insulina e leva à queda da glicose causando a hi- poglicemia e seus sintomas relacionados. Nessas situações, é aconselhada a conduta semelhante à recomendada na síndrome de Dumping. Deve-se estimular refeições mistas, sempre com algum tipo de proteína e acréscimo de fibras na dieta. Queda de cabelo A queda de cabelo é bastante frequente na evolução pós-operatória. É rela- cionada aos componentes disabsortivos que envolvem o processo de perda de peso e desnutrição proteica. Não existe tratamento específico para a queda de cabelo, sendo um processo que irá melhorar conforme a adaptação e evo- lução dietoterápica. O reforço do conteúdo proteico da dieta e a reposição de polivitamínicos podem amenizar o quadro. 11Patologia da nutrição e dietoterapia... Identificação interna do documento A49QKX9UE4-4Z4V5R1 Desnutrição proteica Com a evolução das técnicas cirúrgicas, os quadros de desnutrição proteica foram reduzidos e se tornando menos graves, contudo ainda ocorrem e são ex- tremamente importantes no cenário pós-operatório. Decorrem principalmente da maior dificuldade em ingerir carnes e derivados proteicos nos primeiros meses de pós-operatório e da má́ absorção intestinal. É recomendado o reforço do consumo de proteínas na dieta, e até mesmo a suplementação hiperproteica, sendo recursos bem tolerados, não necessitando de grandes volumes de inges- tão. Casos graves devem ser internados para reposição parenteral/enteral, e caso não se tenha resposta satisfatória, cogitar redução da alça de desabsorção. Deficiência de vitaminas � Deficiência de vitamina B12: em geral, tem início após o terceiro mês pós-operatório. Recomenda-se dosagem trimestral de vitamina B12 e folato sérico para o diagnóstico. A prevalência observada é de 30 a 70%. É importante atentar para o fato de que, pela área de desabsorção e pela redução de fator intrínseco, a reposição oral do complexo B não é efetiva. Portanto, é recomendada a reposição de complexo B intramuscular, sendo essa manutenção monitorada através de dosagens séricas seriadas. � Deficiência de cálcio, vitamina D e hiperparatireoidismo secundário: de forma tardia após um ano do pós-operatório, podem ocorrer alterações do metabolismo ósseo por deficiências relacionadas a vitamina D e o cálcio. Pode ocorrer desmineralização óssea, níveis baixos de 25(OH) D, cálcio e níveis elevados de paratormônio (PTH). Nesse contexto, o uso profilático de cálcio e vitamina D é recomendado em todos os pacientes submetidos a cirurgias disabsortivas. Por fim, devemos reforçar que a cirurgia da obesidade é uma efetiva fer- ramenta terapêutica para redução sustentada de peso e melhora das comor- bidades associadas à obesidade mórbida. Entretanto, a adesão ao tratamento pelo paciente é a condição fundamental para bons resultados. Os distúrbios nutricionais e as complicações crônicas podem ser evitadas ou amenizadas se o paciente seguir o acompanhamento clínico e nutricional indicado e realizado por equipe multidisciplinar especializada. Patologia da nutrição e dietoterapia...12 Identificação interna do documento A49QKX9UE4-4Z4V5R1 Entre no link ou no código a seguir e entenda melhor as fases de progressão da dietoterapia da redução do estômago. https://goo.gl/ZtA8od ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA PARA O ESTUDO DA OBESIDADE E DA SÍNDROME META- BÓLICA (ABESO). Diretrizes Brasileiras de Obesidade 2016. 4. ed. São Paulo: ABESO, 2016. Disponível em: <http://www.abeso.org.br/uploads/downloads/92/57fccc403e5da. pdf>. Acesso em: 14 dez. 2017. 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