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COMO INTERAGEM OS CONHECIMENTOS IMPLÍCITO E EXPLÍCITO NA AQUISIÇÃO DE UMA L2? Carla de Aquino 1 1 Introdução Assim como existem tipos diferentes de instrução sobre aspectos de uma língua estrangeira (L2), o aprendizado pode ocorrer de diferentes formas, seja naturalmente, através da exposição ao input de uma língua, seja por meio de instrução explícita em um ambiente formal de aprendizagem. Pesquisadores na área de aquisição de L2 há muito discutem sobre a necessidade de que haja instrução explícita sobre aspectos de uma língua para que ela seja aprendida e as opiniões são as mais diversas no que concerne a possibilidade de interação entre os conhecimentos implícitos, adquiridos de forma natural, ou explícitos, aqueles adquiridos através de instrução. Enquanto para alguns autores essas modalidades interagem e podem se transformam uma na outra, para outros um conhecimento que é explícito jamais se tornará implícito e vice-versa. Esse artigo faz uma revisão de alguns dos principais estudos que discutem essa questão publicados entre os anos de 1982 e 2006 e busca verificar de que forma essas crenças refletem no papel do professor de língua estrangeira. 2 Os tipos de conhecimento O conhecimento implícito é, em geral, descrito como tipo de conhecimento adquirido inconscientemente, de forma natural. O indivíduo não se dá conta de que possui tal conhecimento. Normalmente ele está ligado a tarefas que se consegue realizar (conhecimentos procedurais), mas sobre as quais não sabemos falar, como andar de bicicleta, por exemplo. Uma das características desse tipo de conhecimento é, portanto, a dificuldade de verbalização. (ALVES, 2004, p. 29) Entretanto, o conhecimento implícito está muito mais sistematizado e é de acesso mais rápido do que um conhecimento explícito. A língua materna é adquirida de forma implícita, uma vez que desde muito cedo os indivíduos são expostos a dados da língua e, em determinado momento, começam a produzir nessa língua. Quando os sujeitos entram em idade escolar, já adquiriram grande parte do 1 Doutoranda em Letras (Linguística) na PUCRS, bolsista CNPq (processo n.140982/2010-8). carla.aquino@pucrs.br inventário da língua e já dominam diversas regras sintáticas, padrões morfológicos e, em geral, são pragmaticamente apropriados ao utilizar a língua. Por outro lado, o conhecimento explícito caracteriza-se por ser verbalizável. É um tipo de conhecimento sobre o qual normalmente se tem mais consciência e que se pode manipular. Segundo Alves (2004, p. 28), o conhecimento explícito é constituído de “informações declarativas a respeito da linguagem”. Esse tipo de conhecimento pode ser adquirido sem que seja aplicado à produção do sujeito no que concerne a aprendizagem de uma L2. O sujeito pode, por exemplo, aprender as regras de uso de alguma construção na língua, mas não produzir utilizando essa estrutura. Conforme Ellis (2004, 2005), no que diz respeito à aquisição de uma L2, esses dois tipos de conhecimento são representados e processados de maneiras diferentes. Relativas à representação são as diferenças em termos de consciência, tipo de conhecimento e sistematicidade. E as diferenças de acessibilidade, uso do conhecimento na L2, auto-relato e learnability estão relacionadas ao processamento. Enquanto o conhecimento implícito costuma ser inconsciente, o explícito é mais consciente. O primeiro é um tipo de conhecimento procedural e mais automatizado e o último configura um tipo de conhecimento enciclopédico, memórias de fatos, eventos. O conhecimento implícito, dessa forma, é bem mais sistemático e preciso do que o conhecimento explícito. Quanto à acessibilidade, o conhecimento implícito possui acesso automático enquanto o explícito implica um processamento mais controlado. O uso da L2 é determinado pelas situações/contextos de utilização da língua pelo falante. À facilidade de verbalização característica do conhecimento explícito o autor se refere como auto-relato e learnability está ligada ao fato de a aprendizagem de conhecimentos explícitos poderem ser adquiridos ao longo de toda a vida, segundo Ellis. 3 As hipóteses sobre a interação dos conhecimentos Teóricos acreditam que a interação entre tais conhecimentos ocorra de maneiras diferentes. Inicialmente se pensava que tal interação não era possível e que um tipo de conhecimento caracterizava o resultado da aquisição de uma língua enquanto o outro resultava da aprendizagem, sendo esses dois processos coisas diferentes. Os conhecimentos, dentro dessa perspectiva, não passavam por transformações. Em resposta a essa hipótese, com base em dados empíricos que apontavam para o fato de que um tipo de conhecimento poderia se transformar em outro, surge um grupo de autores que defende que através da prática, tudo o que é aprendido explicitamente se automatiza, passando a ser conhecimento implícito. E há um grupo que, com base em dados que demonstram que nem sempre a prática é suficiente para a automatização dos conhecimentos, propõe que a interação exista, mas nem sempre ocorra e leve em consideração outros fatores. 3.1 A hipótese de não interface Essa hipótese, cujo grande expoente é Krashen (1982), defende a dicotomia aquisição/aprendizagem e a diferença entre o tipo de conhecimento resultante de cada um desses processos. Segundo o autor, a fluência em uma língua estrangeira é resultado do processo de aquisição subconsciente, aquele que é natural e inconsciente, se dá por meio de contato com o input, e não da aprendizagem. A aprendizagem, que é um processo consciente e normalmente ocorre por meio de instrução explícita, resulta mais em conhecimento sobre a língua do que da língua. Dessa forma, para o autor, não há interação entre conhecimentos implícito e explícito, uma vez que o conteúdo do que é aprendido e do que é adquirido é diferente. A prática das estruturas aprendidas não transforma o conhecimento aprendido em adquirido. Apenas o que é adquirido se manifesta no uso automático da fala. A aquisição, mesmo no caso do adulto, se assemelha ao processo pelo qual passa a criança ao se apropriar de sua língua materna. É uma comunicação natural em que se busca o entendimento, o sentido, sem preocupação com a forma linguística. Pressupomos que a diferença entre aquisição e aprendizagem que refere à naturalidade ou consciência sobre o processo corresponde ao que hoje denominamos conhecimentos implícitos e explícitos. Hulstijn (2005,2007) define o conhecimento implícito como o que subjaz à fala fluente de falantes nativos, enquanto o conhecimento explícito é descrito como sendo formado por categorias e conceitos. Paradis (2004) defende que conhecimentos explícitos e implícitos sejam processados em áreas diferentes do cérebro. Por possuírem naturezas diferentes, o autor afirma que não é possível a conversão de um tipo de conhecimento em outro, em concordância com o que propunha Krashen. 3.2 A hipótese de interface forte Tendo como principais representantes Anderson (1982), Anderson e Lebiere (1998) e Sharwood Smith (1991), essa hipótese defende que conhecimentos explícitos sejam convertidos em conhecimentos implícitos por meio da prática, o que resulta em proceduralização. Isso permite que tais conhecimentos tenham acesso mais fácil e rápido na memória do aprendiz e que apareçam automatizados na sua produção. Sob essa perspectiva, aquisição, aprendizagem e desenvolvimento passam a ser tratados indistintamente (SHARWOOD SMITH, 1994). Aquisição ou aprendizagem parecem ser resultado do processo de desenvolvimento do aprendiz. O maior problema de tal hipótese é que, se a prática é suficiente para a automatização dos conhecimentos, é difícil explicar como aprendizes com alto grau de exposição formal e prática de conhecimentos, persistem em apresentaros mesmos erros. O fato é que essa hipótese não considera o estágio de aprendizagem em que se encontra o sujeito no momento da instrução. 3.3 A hipótese da interface fraca A hipótese da interface fraca (ELLIS, 1993; ALVES, 2004) reconhece que exista a necessidade de certo grau de consciência e atenção para que o aprendizado ocorra (SCHMIDT, 1990, 1994). Além disso, considera os estágios de desenvolvimento em que se encontram os aprendizes, de modo que devem haver condições cognitivas que permitam a aquisição do conhecimento. Dentro dessa abordagem, embora se reconheça que existe a possibilidade de aprendizado incidental/implícito, a instrução explícita chama a atenção do aluno para determinados aspectos do input da língua que serão alvo da aprendizagem. A prática é um aspecto importante e imprescindível para que o conhecimento explícito se automatize, mas não é suficiente. 4 Considerações As hipóteses de interação entre os tipos de conhecimento e a instrução que deve ser fornecida ao aluno para que a aprendizagem ocorra estão ligadas às crenças de como funciona o cérebro do aprendiz, como ele armazena e tem acesso ao conhecimento na mente/cérebro. Quando estes estudos começaram a ser feitos, havia a dificuldade de saber o que se passava na mente do indivíduo e que áreas do cérebro entravam em funcionamento quando ele realizava tarefas. Atualmente, com o avanço da neurociência, já é possível visualizar o que ocorre no cérebro do aprendiz quando ele realiza tarefas envolvendo uma língua estrangeira. Teorias como o conexionismo concebem o input como rico em características estatísticas que são percebidas pelo aluno. Este extrai as regularidades e soma conhecimento com o previamente adquirido, de forma estocástica. Nessa perspectiva, os sistemas de conhecimento implícito e explícito são tomados como dissociáveis, mas interativos. (ZIMMER e ALVES, 2006) Os dois tipos de conhecimentos são admitidos como complementares e há uma visão dinâmica da interação entre eles. Da mesma forma, modelos neurolinguísticos como o Declarativo-Procedural, de Michael Ullman (2001a, 2001b, 2004) e Ullman et al. (1997), que estabelece uma relação entre conhecimentos implícitos e memória procedural enquanto os conhecimentos explícitos estão ligados à memória declarativa, admite que os dois sistemas de memória estão em constante interação. Essa distinção corresponde a uma separação entre léxico e gramática da língua. O modelo defende que o aprendiz utilize o sistema procedural para aprender a gramática e o sistema declarativo para armazenar o léxico. Com a prática, podem-se visualizar regularidades nas informações armazenadas como léxico e elas podem ser automatizadas. A reflexão importante a que essa discussão nos leva é sobre o papel do professor, que muda drasticamente considerando cada hipótese mencionada. O que ensinamos pode se automatizar na fala do aluno ou devemos apenas proporcionar oportunidades de contato com o input? Como fornecer a ele condições de visualizar as regularidades e o funcionamento da língua a ser adquirida? Que tipo de prática é mais efetiva para a automatização de conhecimentos? Este artigo não buscou trazer respostas, mas sim questionamentos importantes para o profissional que atua no ensino de línguas estrangeiras. Referências ALVES, U. K. 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