Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
SILVA, Rosa Virgínia Mattos e. O português são dois: variação, mudança, norma e a questão do ensino do português no Brasil. in: SILVA, Rosa Virgínia Mattos e. O PORTUGUÊS SÃO DOIS: NOVAS FRONTEIRAS, VELHOS PROBLEMAS. São Paulo: Parábola Editorial, 2004. p. 128-149. RESENHA “O PORTUGUÊS SÃO DOIS: VARIAÇÃO, MUDANÇA, NORMA E A QUESTÃO DO ENSINO DO PORTUGUÊS NO BRASIL” Gabrielly Marques dos Santos (UEAP)1 Rosa Silva começa destacando que há dois tipos de português, o falado pelos e o português normativo. O português normativo é que possui mais prestígio ao ser colocado em posição de comparação com o português que é falado no cotidiano, entretanto, é necessário considerar que o português normativo é o português menos utilizado e menos dominado por grande parte dos falantes. Esse acontecimento se dá devido um baixo número de pessoas que tem acesso a cultura e educação de qualidade, com profissionais formados e devidamente capacitados. Tal questão é um problema que tomou proporções gigantescas devidos fatores sócio-históricos e política educacional brasileira. A inadequação da escrita e fala dos estudantes ao fazer uso do português normativo são deficiências educacionais são barreiras crescentes, o que dificilmente possível de superar, devido a realidade linguística e política educacional brasileira. Tendo em vista que vários anos de escolarização não suficientes para ter “domínio da língua portuguesa”, algo que perpassou pelo passado e está presente nos dias atuais. A mesma deixa bem evidente a sua posição negativa aos esforços desperdiçados da escola brasileira para propagar a linguística padrão a partir da tradição gramatical normativa. Com a finalidade de dar continuidade aos seus argumentos, a autora usufrui do poema de Carlos Drummond de Andrade “Aula de português”, no qual Drummond relata que esqueceu da língua do cotidiano “Já esqueci a língua em que comia” e adquira o que ele descreve como “outro”, o português misterioso. Silviano Santiago o relato de Graciliano sobre ter reescrito o livro no qual o personagem principal utilizava a língua normativa, e nessas tentativas, o autor buscou traduzir para uma língua que o personagem seria compatível. Silviano afirma que o escritor brasileiro tem a obrigação de traduzir do português normativo (dominado por pessoas de classe social dominante) para o português falado por pessoas de diversas classes sociais que não obtiveram o aprendizado da língua elitizada e que pouco a obra chegaria no entendimento 1 Acadêmica do Curso de Licenciatura em Letras Inglês da Universidade do Estado do Amapá. E-mail: gabriellysantos.gs63@gmail.com da massa. Algumas obras de ambos os autores (Drummond e Graciliano Ramos) reforçam o êxito que ambos tiveram no quesito de aprendizagem do padrão normativo tradicional, isso pode significar que naquele período a escola conseguia que os alunos alcançassem com sucesso o domínio da “língua neutra”, mas somente para os que tivessem acesso ao que conhecemos como “boas escolas”. Mary Kato traz reflexões cirúrgicas sobre a língua dos textos escolares ser aparentemente tão estranha aos olhos de estudantes que vêm de pais iletrados, assim como o Brasil apresenta bilinguismos entre a fala do aluno que entra para a escola e a fala que o mesmo precisa adquirir. “O português são dois” de Drummond e a “tradução” das falas de Paulo Honório para o “brasileiro encrencado”, de Graciliano, assim como o termo “diglossia”, levantado por Mary Kato e que nos traz evidências sobre o português apresentar variações que vão além do padrão normativo. Wanderlei Geraldi expôs que na década de 60 a escolarização atingiu camadas da população antes marginalizada, a qual, ainda que fosse uma falsa democracia, alcançou diversas classes sociais e proporcionou o crescimento da população escolar. Porém, como a escola poderia dar continuidade a expansão do padrão normativo tradicional, quando o número de professores bem preparados não supria a demanda do número de alunos? Deste modo, política educacional brasileira ainda segue neste caminho, em que a quantidade de alunos matriculados é tida como prioridade, ao invés da qualificação das escolas e dos professores. O Brasil só começou a definir a língua portuguesa como dominante no fim do período colonial, devido a repressão de línguas indígenas. O país poderia ter tido uma base linguística prevalecentemente indígena, caso a política linguístico-cultural do Marquês de Pombal não fosse levada adiante. Na caminhada sócio-histórica, é evidente que o português brasileiro é derivado de diversas outras culturas, tais quais, da influência do tupi e de outras línguas faladas por indígenas, assim como as faladas pelos povos africanos, que por sua vez, trouxeram de herança no período escravocrata no Brasil. Então, os povos indígenas sofreram com a catequização portuguesa, além de abandonar alguns símbolos da identidade cultural, a língua tupi e outras variações. É válido ressaltar que todo esse processo só foi possível devido a cultura portuguesa ter sido, naquela época a cultura de valor incontestável para os colonizadores, enquanto as culturas indígenas e negra foram rotuladas como desprestigiadas. Assim como os indígenas, os povos negros tiveram a sua linguagem e identidade cultural adulteradas, evento histórico o qual no século XIX e XX surge a “diglossia”, que resulta na língua o que conhecemos como padrão normativo da gramática, e no outro lado, a língua falada pela massa iletrada. Com o decorrer dos anos, o número de letrados aumentara significativamente, mas o número de escolas e professores bem preparados não chega em todas as camadas sociais. Essa questão traz o problema a vista, a escola brasileira não consegue suprir a transmissão do padrão linguístico recomendado. A escola se agarra equivocadamente em divulgar um português idealizado, conhecido como português padrão culto, outrora conhecido como lusitanização nos primórdios da escola ainda no século XIX no Brasil. A experiência da educação minoritária da década de 1970 excluiu a maioria dos alunos do ensino fundamental do contato com a língua que até então era chamada de "língua da cultura", pois eles só lhes era permitido ter contato com a língua a partir da quinta série. Uma etapa que poucos alunos chegam, pois a evasão escolar aumentara nas escolas e muitos abandonavam antes da segunda série. Já na década de 1970, linguistas e professores bem fundamentados perceberam a necessidade de integrar as variações dos alunos aos padrões linguísticos considerados mais populares pela sociedade. Com a terrível situação socioeconômica e política do Brasil, não há como a educação vernacular ir além do cenário negativo, visto que ambos os cenários afetam rigorosamente o ensinamento escolar. Alguns pesquisadores da área, como Mattoso Câmara Jr., Miriam Lemle e Fernando Tarallo, têm se dedicado à pesquisa no campo da sociolinguística. Um grupo de sociolinguistas do Rio de Janeiro estudou fatos fônicos e morfologia gramatical, foi pioneiro em pesquisas sobre o ensino de português no contexto sociolinguístico local. Dessa pesquisa, surgiu o Relatório de Estruturas da fala do Rio de Janeiro e a aquisição da língua padrão, no qual foram analisados os aspectos gramaticais dos alunos. No final da década de 1980, começaram as pesquisas sociolinguísticas em outras partes do Brasil, como em Brasília e São Paulo. Os dados da pesquisa de Tarallo e Mary Kato enfocam o tempo real e a sincronicidade no português brasileiro, concluindo que a gramática brasileira passou por mudanças nos critérios desde o século XIX. Uma observação feita pela autora é que a sintaxe do português brasileiro vem se definindo desde o século XX, essas alterações podem ser percebidas na fala de pessoas de várias camadas sociais, como a classe de pessoas que possuem alta escolaridade, podendo usufruir do vocabulárioem momentos específicos, por exemplo, em situações que não requerem formalidades. Com tais fatos expostos, Mary Kato afirma que o Brasil apresenta um caso de ‘diglossia’ entre a fala que o aluno adquiriu fora da escola, por intermédio do seu meio social, e a que ele precisa adquirir. Devido a factos sócio-históricos passados e presentes, o futuro língua portuguesa pode ser diferente se os fatores mudarem ou se outros fatores se juntarem a este processo. Destaca-se três aspectos da sintaxe que estão se reestruturando e mudando as interrelações do que os sociolinguistas observam dos contextos sociais quando ensinam português nas escolas, levando em consideração o contexto social: a deflexionalização do verbo e a reestruturação do sistema pronominal sujeito, seus reflexos na concordância verbo-nominal; o objeto nulo e o desaparecimento do clítico acusativo, sobretudo o de terceira pessoa; as estratégias de relativização. A simplificação do paradigma flexional número-pessoal do verbo, é presente no Brasil desde o paradigma histórico pleno, alusivo às três pessoas do plural e singular, conteúdo que ainda permeia no ensinamento da gramática escolar. Para exemplificar, a autora utiliza como referência de pesquisa o dialeto mineiro, pois faz observações pertinentes, por exemplo, (eu canto, você, ele, a gente/nós, vocês, eles canta). Os paradigmas de quatro ou três pessoas ocorrem sem censura nas falas brasileiras escolarizados fazem. O portador do paradigma do intermediário escolhe a flexão de tu com o verbo correspondente ou concorda com a terceira pessoa do singular. Essa dificuldade se torna aparente quando se considera a concordância verbo-nominal exigida pelos regulamentos escolares e pelas normas sociais em geral. Os Pesquisadores M. Eugenia Duarte e F. Tarralo afirmam que a estrutura em que o clítico está presente é a estrutura utilizada com menos frequência, embora seja a estrutura que a escola continua propagando. Já as estruturas vazias, são as estruturas utilizadas quando se trata de alguns fatores, por exemplo, escolaridade e faixa etária. Os dois pesquisadores apontaram que a categoria vazia e o sintagma lexical são estratégias para contornar o uso do clítico, já que os clíticos são adquiridos na escola e a massa de camadas menos abastardas não tem contato devido os fatores socioeconômicos e políticos do Brasil. A partir dos dados resultados da pesquisa realizada em Minas Gerais, a autora apontou que todas as classes fazem uso de relativas não-padrão e alerta que essa classe é a mais estigmatizada, apesar que a variante cortadora é a mais utilizada. A autora discorre que há uma porcentagem relativamente alta de professores que consideram o uso da cortadora como erro e apenas uma pequena porcentagem considera como um lembrete. Apesar de haver três possibilidades, a cortadora é a mais empregada. Os dados utilizados no texto apontam para o surgimento de uma nova gramática, o que acarreta no crescente distanciamento do português tradicional. Para realizar uma aprendizagem equilibrada, além de se adequar às realidades sociais e linguísticas, é necessário adequar as ferramentas de ensino e os métodos de ensino do português brasileiro. A inclusão dessas variedades linguísticas é inevitável no ensino escolar, pois a identidade étnica define a linguagem.
Compartilhar