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É uma marca da superficialidade brasileira interpretar qualquer obra de arte apenas nas suas implicações políticas ou econômicas mais simplórias. Se fosse depender da mídia nacional e dos comentários que ouvi, nunca me interessaria por “4 meses, 3 semanas, 2 dias”, um filme romeno, ambientado no regime comunista de Ceaucescu, sobre uma jovem grávida que, auxiliada pela amiga, pratica um aborto clandestino. A vida é curta demais para gastá-la com propagandas pela legalização do que considero, francamente, uma prática hedionda. Foram duas resenhas americanas que me fizeram mudar de ideia e aproveitar a oportunidade quando o filme passou na TV. E o que vi ia, de fato, muito além da cansada ladainha nacional sobre o drama feminino face ao conservadorismo malvado. Gabita é uma jovem tonta que engravidou e agora quer abortar. Incapaz de tomar conta de si mesma, depende de sua amiga Otilia para organizar tudo: da reserva do quarto de hotel e contratação do abortista a desaparecer com o feto. Como o aborto é tardio (mais um indício da falta de capacidade de Gabita em tomar conta de si mesma), e por isso altamente arriscado, Otilia tem que recorrer ao Sr. Bebe, um homem frio e duro, que explorará as duas de forma monstruosa. Um grande mérito do filme é não ser propagandístico - nada fácil quando se trata de um tema polêmico como o aborto - procurando, ao invés, ser real. O diretor não poupa a audiência de mostrar todos os lados do problema: o abortista inescrupuloso, os riscos do aborto clandestino, a mãe desesperada, a amiga solícita e, mais chocante de todos, o “produto final” do procedimento. Todos esses elementos concorrem para produzir uma experiência não só verdadeiramente perturbadora, como também formativa. Tomemos Gabita, a jovem grávida. Indefesa e vulnerável, ela usa suas óbvias fraquezas para manipular a amiga, que acaba arcando com os altos custos (não apenas financeiros) do procedimento. Mentira, auto-piedade e culpa são os meios normais pelos quais ela lida com a realidade, o que não quer dizer que seja fria ou calculista; sua condição de vítima impotente é real, assim como seu sofrimento e angústia; a manipulação é inconsciente e natural, não planejada, mas nem por isso menos detestável. Otilia é a personagem principal e aquela com quem se cria mais empatia, pois é ela que carrega o maior fardo psicológico desse dia, que se configura num verdadeiro pesadelo existencial. Mesmo sem nunca se perguntar sobre a moralidade do ato, transparece nela uma genuína preocupação com sua amiga e o desejo de ajudá-la. É só quando tudo já está terminado que ela sente o peso do que transcorreu. Tendo que lidar com pressões de diversos lados - o detestável abortista, as demandas crescentes de Gabita, o compromisso de ir ao aniversário da mãe de seu namorado, a mediocridade opressiva imposta pelo regime comunista - seu grande sonho é ser alguém na vida e transcender suas origens rurais. Essa busca por realização é o que a torna uma mulher ativa, capaz de aguentar uma barra à qual outros sucumbiriam. Contudo, é essa força de caráter que a deixará, no fim das contas, emocionalmente exausta e moralmente destroçada.
Como eu disse, o filme não omite nenhum lado da realidade. A culminação disso é uma tomada estática, que deve durar uns 5 segundos na tela, mas que ficará ainda um bom tempo na minha memória, do feto abortado no chão do banheiro do hotel. O foco excessivo sobre a mulher e os riscos do procedimento muitas vezes ofusca a outra parte envolvida, que o filme mostra cruamente. Ao literalmente dar um rosto ao feto, é como se dissesse ao espectador: “Você pode até ser a favor do aborto; só não se engane sobre ele. É isto aqui.”. Se fosse legalizado, o processo ficaria de fato mais limpo e seguro para a mãe. Mas o resultado final, escondido sob o branco da assepsia hospitalar e rumo a uma lata de lixo distante da nossa visão, seria o mesmo. Depois de se livrar do corpo (sua incumbência final), Otilia volta ao hotel e encontra Gabita no restaurante, comendo as sobras de um jantar de casamento que não ocorreu, o que imediatamente nos remete às sobras humanas de algumas cenas atrás. Concordam em nunca mais mencionar os eventos daquele dia; um silêncio culpado, mais eloquente do que qualquer manifesto sobre o horror ali vivenciado. Enfim o Serviço Social é uma profissão que trata de salva vida e procura os direitos dos humanos que mais precisam. Nesse sentido, se analisarmos o aborto como um direito, no equipamento internacional vemos que no serviço social nesta área procura reflexões e ações sobre os direitos reprodutivos das mulheres. No Brasil o aborto é permitido por lei, apenas em três situações de gestação: a
que promove risco de morte à gestante, resultante de estupro e a gestação com fetos
anencefálicos. Compreende-se por aborto clandestino, o procedimento feito de forma ilegal, não previsto por lei. Percebe-se, assim, que há dois tipos de abortamento clandestino: o inseguro e o seguro. O inseguro, é feito de qualquer forma, sem cuidados, podendo causar
sequelas físicas às mulheres. Já o seguro, é aquele feito em clínicas com assistência
adequada, condições de higiene e por médicos treinados, estes, atendem predominantemente
mulheres das classes abastadas, uma vez que, é necessário que se pague pelo serviço. Assim, a prática do aborto clandestino e inseguro é um grave problema de saúde pública e de justiça social

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