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80 AR TV - R ev isã o: L uc as - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 5/ 04 /2 01 4 Unidade II Unidade II 5 A PSICOLOGIA NA REPRESENTAÇÃO PICTÓRICA Muitos já tentaram reproduzir fielmente um amigo ou um objeto. Quem já tentou fazer isso se deparou com as questões psicológicas que envolvem esse ato, pois nunca houve uma imagem que fosse igual à natureza. Todas as imagens são baseadas em linguagens e convenções. Imagens são sinais. Foi preciso muitos anos para conseguir atingir a meta do que os antigos gregos chamavam de mimese (imitação da natureza), e depois muitos outros anos para que os artistas do Renascimento conseguissem eliminar o que classificavam como “infidelidade” das pinturas. Mas essa interpretação difundida da história da arte ocidental foi atacada recentemente com base no argumento de que toda essa noção de mimese, de fidelidade à natureza, é uma miragem, um erro grosseiro (GOMBRICH, 2007, p. 34). Tentar entender essa relação entre o aprofundamento das teorias psicológicas relacionadas à arte e à experiência prática no desenho sempre foi e continua sendo de suma importância. A necessidade de querer reproduzir fidedignamente o real nos acompanha até hoje e muitas vezes foi motivo de frustração para muitas crianças ao iniciar sua trajetória no desenho. O cartum a seguir define admiravelmente a preocupação de muitos historiadores de arte por muitas gerações: Figura 172 – Desenho de Alain, The New Yorker Magazine, Inc., 1995 81 AR TV - R ev isã o: L uc as - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 5/ 04 /2 01 4 SISTEMAS DE REPRESENTAÇÃO Se analisarmos essa obra e a compararmos com o que ainda é feito na sala de aula de modelo vivo hoje em dia, iremos questionar o motivo de nem os egípcios desenharem com tal fidelidade e nós ainda tentarmos fazê-lo. Pessoas de lugares e idades diferentes retratam o mesmo objeto/ pessoa/local de maneiras bem distintas. O mesmo acontece com a fotografia: dois fotógrafos podem estar no mesmo local e no mesmo horário, fotografando a mesma cena, e o resultado será diferente, pois cada um fotografa também de acordo com a bagagem cultural e subjetividade que possui. Os cartunistas sugerem que os egípcios percebiam a Natureza de um modo diferente. Gombrich (2007, p. 284) complementa: “E essa variabilidade da visão artística não nos ajudaria a explicar também as desnorteadoras imagens criadas pelos artistas contemporâneos?”. Na primeira metade do século XX, com os efeitos da revolução artística, desvencilhou-se desse tipo de estética que se assemelhava com a exatidão fotográfica. Saiba mais Leia a obra a seguir: BRUNETTI, I. A arte de quadrinizar: filosofia e prática. São Paulo: Martins Fontes, 2013. 5.1 Verdade e estereótipo Algumas palavras são chaves quando falamos em verdade e estereótipo na pintura: estilo, temperamento e personalidade. Um mesmo tema pode ser retratado de maneiras bem diferentes, mesmo que os artistas pertençam a diversas sociedades e tenham a intenção de se manterem fiéis à imagem real. O objeto retratado passa por uma mutação a partir do momento que o artista coloca suas mãos e dá nova forma a ele. Quando nos referimos ao “estilo”, nesse caso, estamos falando do estilo da época, do artista – quando uma obra fica muito diferente da original, costumamos dizer que ficou estilizado. Outros fatores que estão intrinsecamente ligados à criação e à reprodução de uma obra de arte são o temperamento e a personalidade do artista, que não tem como se desprender ou ficar de fora nesse momento tão subjetivo do criar. Nas imagens a seguir, há um claro exemplo do estilo de pintor francês pós-impressionista Cézzane (1839-1906) ao apresentar uma obra estilizada, ou seja, representada no seu “estilo”. Veja a figura a seguir: 82 AR TV - R ev isã o: L uc as - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 5/ 04 /2 01 4 Unidade II Figura 173 – Mont Sainte-Victoire, de Cézanne, 1905 Figura 174 – Mont Sainte-Victoire, visto de Les Lauves, de John Rewald Muitos historiadores exploraram as regiões onde Cézanne e outros artistas pintaram ao ar livre, realizando pesquisas e fotografando lugares anteriormente pintados/retratados (figura 173). Não cabe aqui fazermos uma comparação direta entre pintura e fotografia e nem dizer que uma é mais real que a outra. Cabe pensar que a partir da nossa observação podemos nos transportar à época em que o pintor fincou seu cavalete defronte à cena registrada e a recriou à sua maneira, deixando sua veia artística aflorar. Gombrich nos auxilia nessa reflexão: É inútil indagar até onde o quadro formado em sua mente correspondia ou não à fotografia. O fato é que esses artistas saíram em busca de material para pintar e seu gênio os levou a organizar os elementos da paisagem em obras de arte de maravilhosa complexidade, tão semelhantes a um levantamento topográfico quanto um poema a um relatório policial (GOMBRICH, 2007, p. 58). 83 AR TV - R ev isã o: L uc as - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 5/ 04 /2 01 4 SISTEMAS DE REPRESENTAÇÃO A complexidade do artista está relacionada de forma direta à sua subjetividade. A representação naturalista é aquela que mais se aproxima do real, é aquela em que o artista deposita seu olhar e pinta aquilo que ele acredita ver ou que ele vê realmente. Já a representação convencionalista segue algumas regras que lhe foram ensinadas. O artista busca retratar aquilo que ele conhece. Podemos dizer que a fotografia, o cinema e o vídeo são técnicas de produção de imagens baseadas em modelos naturalistas, construídos desde o Renascimento. Já as antigas imagens do Egito antigo podem nos parecer distorcidas, pois foram produzidas em contextos convencionalistas e fogem da imagem tradicional de referência à natureza. O artista às vezes tem a ilusão de estar imitando o que ele vê, porém seu olhar não é desprovido da bagagem cultural que ele carrega, tendo sempre modelos que o acompanham e influenciam seu olhar. Na National Gallery, em Washington, existe uma obra que exemplifica a questão que acabamos de apresentar. O quadro do pintor paisagista norte-americano George Inness (1825-1984), de 1855, é intitulado The Lackawanna Valley. A pintura retrata uma paisagem com um trem se aproximando. Na cena aparecem três ou quatro linhas de trilhos que dão diferentes direções. Quando a pintura foi encomendada, existia apenas uma linha de trem, mas a solicitação foi para que Inness, ao pintar, acrescentasse no quadro outras linhas, pois seriam construídas posteriormente. Figura 175 – The Lackawanna Valley, de Innes, 1855 Saiba mais Para saber mais sobre a National Gallery, acesse o site: <http://www.nga.gov> 84 AR TV - R ev isã o: L uc as - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 5/ 04 /2 01 4 Unidade II No caso, não podemos afirmar que a pintura representa algo verdadeiro ou falso, pois a rigor a mentira não estava no quadro e, sim, no anúncio feito para a estrada de ferro. Não podemos também afirmar que a legenda do anúncio dava uma informação fiel sobre os recursos de reparo de locomotivas da estrada de ferro. Se não soubéssemos dessa história contada pelo filho de Inness, poderíamos pensar que o pintor participou de uma reunião de planejamento da estrada de ferro e que a sua obra seria uma espécie de croqui ou planta das melhorias que seriam feitas posteriormente e serviria até aos funcionários ou engenheiros que estavam encarregados da obra. A confusão é compreensível porque na nossa cultura os quadros têm, habitualmente, rótulos ou títulos, e esses podem ser entendidos como declaraçõesabreviadas. Quando alguém diz “a câmara não mente”, a confusão é manifesta. Em tempo de guerra, a propaganda muitas vezes faz uso de fotografias com legendas mentirosas para acusar ou desculpar um ou outro dos adversários. Mesmo nas ilustrações científicas, é a legenda que determina a verdade da pintura [...] (GOMBRICH, 2007, p. 59). O autor tem razão quando atribui a importância das legendas e rótulos de uma obra. Poderíamos até exemplificar aqui os títulos e chamadas que temos nos jornais impressos e revistas atuais, quando é dada maior ênfase do que o necessário a uma notícia. Os historiadores sabem que as encomendas pedidas aos pintores diferiam muito de um período para outro e que o que aparecia retratado nessas obras era muitas vezes a oportunidade que o público tinha de ter contato com a história ou de conhecer, por meio de imagens, pinturas ou fotografias, locais e situações em que não tiveram a oportunidade de estar. Muitas vezes o historiador da representação se debruça na análise de um local ou tema a partir de uma série de ilustrações e suas respectivas legendas sobre o mesmo enfoque – por exemplo, por meio de cartões postais. Quando ele retira da própria imagem informações que ele necessita, a comparação com uma fotografia da mesma cena é de rica importância. Segue uma série comparativa que exemplificará uma análise desse tipo. Figura 176 – Castelo Sant’Angelo, Roma. Xilogravura anônima, 1557 85 AR TV - R ev isã o: L uc as - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 5/ 04 /2 01 4 SISTEMAS DE REPRESENTAÇÃO Figura 177 – Castelo Sant’Angelo, Roma. Pena e tinta anônima, 1540 Figura 178 – Castelo Sant’Angelo, Roma. Fotografia moderna Gombrich (2007) faz uma análise riquíssima e excelente sobre essas três gravuras topográficas, que representam diferentes abordagens do cartão-postal perfeito. A primeira [figura 176] mostra um panorama de Roma tirado de um jornalzinho alemão do século XVI, que noticiou uma catastrófica inundação do Tibre: o rio cobriu as suas margens. Onde, em Roma, poderia ter o artista encontrado uma estrutura assim, de madeira, um castelo de paredes brancas e pretas, com um telhado pontiagudo como os de Nuremberg? Será essa também, uma vista de cidade alemã com legenda errada? Por estranho que pareça, não. O artista, quem quer que fosse, esforçou-se para pintar a cena, pois o curioso edifício pretende ser o castelo Sant’Angelo, em Roma, que guarda a ponte sobre o Tibre. A comparação com a fotografia [figura 178] mostra que ele reproduziu grande número de características que o castelo tem, ou tinha: o anjo no telhado, que lhe deu o nome, a massa central 86 AR TV - R ev isã o: L uc as - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 5/ 04 /2 01 4 Unidade II cilíndrica, assentada sobre o túmulo do imperador Adriano, e as fortificações externas com os bastiões, os quais sabemos que existiam na época [figura 177] (GOMBRICH, 2007, p. 60). Gombrich nos apresenta com essa série o quanto uma obra pode ser lida e analisada comparativamente e quantas representações psicológicas pode-se tirar de leituras de obras de artes dessa maneira. O artista anônimo que fez a xilogravura apresenta a sua verdade, que pode muito bem estar ligada aos estereótipos que ele possui. Pode ter estado um dia em Roma ou não, pode ter adaptado a vista da cidade com base numa notícia. Tantas são as possibilidades dentre seus estereótipos mentais e clichês existentes, que mesmo assim ainda se preocupou em acrescentar à obra algumas características reais que sabia fazer parte do edifício romano. Temos agora uma análise comparativa feita no século XVII (figuras 179 e 180): Figura 179 – Catedral de Notre-Dame, Paris, de Mathaus Merian, 1635 Figura 180 – Catedral de Notre-Dame, Paris. Fotografia moderna A linguagem das ilustrações apresentadas pelos pintores fala muito dos estereótipos que eles possuem e da maneira como isso fica plausível em suas obras. Se olharmos por esse viés, 87 AR TV - R ev isã o: L uc as - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 5/ 04 /2 01 4 SISTEMAS DE REPRESENTAÇÃO o entendimento e leitura ficam muito mais flexíveis. O artista nos apresenta uma Notre-Dame representada à sua maneira, ao seu estilo estético, convincente e reconhecível, se não a compararmos com a fotografia. Matthaus Merian, gravurista suíço (1593–1650), deu à obra características que não eram reais, como a quantidade de janelas existentes ao lado do transepto, a galeria transversal de uma igreja. Se essa pintura fosse um exemplo único da catedral de Notre-Dame, teríamos uma imagem distorcida da real. Apresentamos a seguir um último exemplo comparativo, ainda se referindo à catedral de Notre- Dame (figuras 181 e 182): Figura 181 – Catedral de Notre-Dame, Chartres, de Garland, 1836 Figura 182 – Catedral de Notre-Dame, Chartres. Fotografia moderna A obra foi feita no auge da arte topográfica inglesa. Possui detalhes mais exatos e fidedignos sobre o célebre edifício se comparado com os exemplos anteriores. Merian, como um romântico que é, retrata a catedral francesa como uma belíssima obra com influência gótica, que podemos observar a partir das formas que deu às janelas. Gombrich diz que não quer ser mal interpretado e nem colocar que toda obra é inexata ou que tudo o que foi feito antes da fotografia é enganoso ou desorientador, mas sim que todo esse processo é muito paulatino. O artista, quando começa a fazer uma representação do real, inicia com a ideia, ou o conceito que tem, mas inevitavelmente impõe ali toda sua subjetividade e bagagem cultural. A ação de copiar dá mesmo margem a muitas discussões psicológicas, como vimos anteriormente e no caso que apresentamos a seguir: 88 AR TV - R ev isã o: L uc as - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 5/ 04 /2 01 4 Unidade II Figura 183 – As transformações de um hieróglifo, de Bartlett Quando não há uma categoria preexistente, a distorção se instala. Seus efeitos são particularmente divertidos quando o psicólogo imita o jogo de salão conhecido como “disparate” (drawing consequence). O mesmo F. C. Bartlett fez copiar e recopiar um hieróglifo ate que ele assumiu, pouco a pouco, a forma familiar – e a fórmula – de um gato. (GOMBRICH, 2007, p. 63). Quando uma imagem é copiada, acaba por ser transformada consciente ou inconscientemente. 5.2 Caricatura Define-se como caricatura todo e qualquer desenho humorístico. A caricatura, conhecida também como retrato humorístico ou retrato cômico, apresenta de forma exagerada os traços de alguém. Nela é feita uma distorção da anatomia sem descaracterizar o caricaturado. Além de saber desenhar, o caricaturista tem que ser um bom investigador, tentando conhecer além das características como atitudes, tiques, gestos e, inclusive, os seus aspectos psicológicos. Uma boa caricatura identifica rapidamente o seu observado, podendo ser cômica ou não. O Brasil está entre os primeiros países a adotar a caricatura como humor gráfico nas Américas. Possui diversos salões e mostras tradicionais dedicadas ao humor gráfico. São destaques os seguintes caricaturistas: Cláudio Paiva, Chico Caruso, Glauco Villas Boas, Henfil, Laerte, os irmãos Paulo e Millôr Fernandes, Ziraldo e Nair de Teffé, que foi a primeira caricaturista do sexo feminino. Nair de Teffé (1886–1981) era rica e de família nobre, usava seus desenhos para satirizar pessoas da alta sociedade. Assinava como Rian. Casou-se com o Marechal e Presidente Hermes da Fonseca e colaborou com diversos jornais e revistas francesas. 89 AR TV - R ev isã o: L uc as - D ia gr am aç ão : Fab io - 1 5/ 04 /2 01 4 SISTEMAS DE REPRESENTAÇÃO Figura 184 – Nair de Teffé, primeira brasileira caricaturista mulher Gombrich (2007) abordou o tema em seu livro Arte e Ilusão, no qual aprofundou as pesquisas referentes ao aspecto psicológico da caricatura e suas interligações com seus referentes. Saiba mais Para saber mais sobre Nair Teffé, a primeira caricaturista mulher, acesse o site: CARICATURAS de Rian. Disponível em: <http://www.museuhistoriconacional. com.br/mh-g-7.htm>. Acesso em: 10 abr. 2014. A caricatura demorou a surgir na história da arte. A princípio, Gombrich (2007) diz que a caricatura nasceu apenas quando a magia desapareceu, vindo a substituir o uso da imagem dentro da magia. Mais tarde, o autor muda essa tese em favor de uma segunda abordagem/ideia, sendo que esta já seria do ponto de vista da inovação técnica a partir de um de seus conceitos centrais, a schemata. As mudanças aparecem na própria imagem, pois como “retratos” a similaridade com o retratado não é tão importante. Já quando se trata de caricatura, essa semelhança direta é de real importância; porém, apesar de distorcida, terá que ser reconhecível. Numa caricatura, o artista tem uma grande liberdade de criação, associando uma ligação direta com a aceitação do público no gosto e reconhecimento do retratado, sendo considerada uma conquista nas artes como uma linguagem que independe da observação e imitação da natureza ou do real. Fazendo uma análise comparativa, no retrato o pintor revela, muitas vezes, seu caráter e sua essência heroica. Em contrapartida, o caricaturista nos apresenta a essência verdadeira do homem – por exemplo, 90 AR TV - R ev isã o: L uc as - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 5/ 04 /2 01 4 Unidade II um homem pequeno e feio. Para o pintor de retratos, mesmo o retratado tendo essas características, tentará mostrar suas qualidades, como seu caráter e essência heroica. De uma maneira mais simplificada, podemos dizer que na caricatura é eleita alguma parte do corpo ou trejeitos para serem destacados e exagerados. O mais comum é se eleger um dos traços da fisionomia para se destacar. Na caricatura, um traço típico é a simplificação, que dá a possibilidade ao desenhista de reduzir os detalhes existentes, aproximando-se ao cartum, que é um desenho humorístico, podendo ser acompanhado ou não de legenda. O desenho a seguir mostra um exemplo de caricatura e simplificação feita pelo litógrafo, caricaturista e jornalista francês Charles Philipon (1800–1861). Trata-se de uma espécie de apresentação em câmera lenta do próprio processo de criação de uma caricatura. A imagem é muitas vezes tão simplificada que chega a ter outro formato, que não o humano; nesse caso, o grande homem retratado acaba por reduzir-se a uma fruta e consequentemente o ridicularizarão, principalmente se ele for alguém importante, como um nobre ou um político. Na figura 185, uma caricatura do rei Luís Felipe I de França, cujo nome completo era Luís Filipe de Orléans ou de Orleães, também conhecido como duque de Chartres, duque de Valois e duque de Orléans. Figura 185 – La Poire, publicado no jornal Le Charivari, de Philipon, 1834 91 AR TV - R ev isã o: L uc as - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 5/ 04 /2 01 4 SISTEMAS DE REPRESENTAÇÃO Essa obra, denominada La Poire, nos apresenta a representação do semelhante no dessemelhante, pois ao mesmo tempo a figura nos mostra o famoso rei e uma fruta – uma pêra. Quando a obra foi publicada nos jornais da época, o artista foi chamado para prestar esclarecimentos, pois estava expondo o rei ao ridículo, e foi obrigado a pagar uma pesada multa. 5.3 Ilusão pictórica Um dos efeitos mais difíceis de analisar na pintura é a impressão que a textura dá nas imagens. Porém, existe outro ainda mais difícil de analisar, que é o da expressão fisionômica. Na caricatura acontece um envolvimento maior com o espectador. A associação com as fisionomias é tão rápida que quase não compreendemos o que acontece, pois, quando percebemos, logo reagimos. Achamos um desenho caricato engraçado ao reconhecermos de imediato uma expressão familiar. Mesmo nas pinturas, a leitura das expressões fisionômicas não é tarefa fácil. A expressão facial na arte nunca foi uma questão fácil de representação. Já no antigo Trattato della Pittura, de Alberti, anuncia-se que mesmo para o pintor é difícil saber a expressão exata de um rosto (se está chorando ou rindo, por exemplo). A razão disso é simples. Reagimos a um rosto como um todo: vemos uma face como digna, ansiosa, triste ou sardônica muito antes de sermos capazes de explicar que traços ou relações são responsáveis por essa impressão intuitiva. Duvido de que jamais sejamos capazes de dizer exatamente que mudanças fazem com que um rosto se ilumine num sorriso ou se enevoe numa expressão pensativa simplesmente pela observação das pessoas que se agitam à nossa volta (GOMBRICH, 2007, p. 282). O Trattato della Pittura foi descrito por Leon Battista Alberti, mas foi desenvolvido, de fato, por Filippo Brunelleschi. Ambos eram escultores e arquitetos e tal técnica foi descrita a fim de sistematizar a construção da perspectiva. O impacto causado foi tão grande na pintura, que diversos artistas utilizaram- se desse método, como Masaccio, Piero della Francesca, Albrecht Dürer e Leonardo da Vinci. Diversos ilustradores e desenhistas de livros infantis buscaram a força da expressividade para realizar singelos e ricos trabalhos para as crianças. O escritor e ilustrador francês Jean de Brunhoff (1899–1937), com apenas poucos pingos e rabiscos, conseguiu criar um adorável elefante (figura 186). O cartunista norte-americano All Capp, pseudônimo do escritor e conferencista Alfred Gerald Chaplin (1909–1979), criou um personagem engraçado e estranho, o Shmoo (figura 187), que tinha praticamente só um grande corpanzil com uma expressão eloquente. Foi criador de diversos personagens dos Estúdios Disney. 92 AR TV - R ev isã o: L uc as - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 5/ 04 /2 01 4 Unidade II Figura 186 – A História de Babar, de Jean de Brunhoff, 1937 Figura 187 – O personagem Shmoo, de Al Capp 93 AR TV - R ev isã o: L uc as - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 5/ 04 /2 01 4 SISTEMAS DE REPRESENTAÇÃO Lembrete São três as formas básicas que constituem os elementos visuais: o quadrado, o círculo e o triângulo equilátero. “Cada uma das formas básicas tem suas características específicas, e a cada uma se atribui uma grande quantidade de significados, alguns por associação, outros por vinculação arbitrária, e outros, ainda, através de nossas próprias percepções psicológicas e fisiológicas” (DONDIS, 1997, p. 58). Disney, com toda sua genialidade e amparado por uma competente equipe, conseguiu encantar a todos, sendo que ele pesquisou os meandros secretos da fisionomia e suas expressões. Antes do advento dos desenhos em movimento, ele criou três incríveis personagens em formatos de animais que encantam a todos até os dias de hoje: um pato, um rato e um elefante – respectivamente, Donald (figura 188), Mickey (figura 189) e Dumbo (figura 190). Figura 188 – O personagem Pato Donald, de Walt Disney Figura 189 – O personagem Mickey, de Walt Disney Figura 190 – O personagem Dumbo, de Walt Disney 94 AR TV - R ev isã o: L uc as - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 5/ 04 /2 01 4 Unidade II Saiba mais Conheça o site oficial da Disney: <http://disney.com.br/>. Gombrich (2007) atribui essa magnanimidade que é criar “ilusão de vida”sem uma mínima ilusão da realidade aos personagens a dois fatores: o primeiro é a vasta experiência que é passada de geração a geração de artistas e pintores. O segundo é o respaldo, ou seja, a devolutiva positiva que o público dá quando se depara com esses personagens desenhados de formas simplistas e até grosseiras, porém encantadores. Dessa maneira, esses méritos são atribuídos a artistas como Al Capp, Brunhoff e Walt Disney, entre outros. Os artistas e escultores modernos têm liberdade de buscar uma forma fisionômica global que no fundo lembra as maternais de Al Capp e o personagem Schmoo. Alguns pintores modernos usam aquilo que se pode chamar de “pintura automática” ou “desenho automático”, o que podemos ver nas imagens do norte-americano William Steig (figura 191), cartunista, ilustrador e escritor de literatura infantil (1907–2003). Nessa nova linguagem, as velhas divisões do desenho tradicional caem por terra e não se discute se os desenhos de Steig são sérios ou humorísticos: eles são simplesmente aceitos, sem mais questionamentos. Lembrete Dentro da vasta gama de conhecimentos, a sintaxe visual pode ser estudada de diversas maneiras, por meio de técnicas, da psicologia, da natureza e até da compreensão do funcionamento fisiológico do nosso organismo. Figura 191 – Desenhos de William Steig 95 AR TV - R ev isã o: L uc as - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 5/ 04 /2 01 4 SISTEMAS DE REPRESENTAÇÃO Nenhum artista é mais característico dessa espécie de fusão suprema da experiência humorística e da pesquisa artística do que Paul Klee, que descreveu como o artista-criador começa por construir a imagem segundo leis puramente formais de equilíbrio e harmonia e depois saúda o ser que surge da sua mão, dando-lhe um nome, por vezes cômico, por vezes sério – ou as duas coisas ao mesmo tempo (GOMBRICH, 2007, p. 303). Observação Paul Klee (1879-1940) foi um pintor e poeta suíço naturalizado alemão que abriu caminhos para a exploração de novas ideias e estilos, sendo um dos fundadores da arte abstrata. Figura 192 – Warning of the Ships, de Paul Klee, 1917 Saiba mais Para melhor compreensão das obras do artista Paul Klee e sobre o Movimento da Arte Abstrata, pesquise imagens, conteúdo e bibliografia nos sites a seguir: PAUL Klee. Disponível em: <http://www.tate.org.uk/art/artists/paul- klee-1417>. Acesso em: 11 abr. 2014. ABSTRACIONISMO. Disponível em: <http://www.infoescola.com/artes/ abstracionismo/>. Acesso em: 11 abr. 2014. 96 AR TV - R ev isã o: L uc as - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 5/ 04 /2 01 4 Unidade II 6 A PRESENÇA DO IMPRINTING NA REPRESENTAÇÃO VISUAL 6.1 Conhecimento e cultura O pensamento pode ser inconscientemente influenciado pelo seu entorno: educação, linguagem, sociedade e tradições, fatores estes que formam um conjunto de componentes nucleares de uma cultura. Estamos representados visualmente e culturalmente de forma intrínseca. Morin nos auxilia: Se a cultura contém um saber coletivo acumulado em memória social, se é portadora de princípios, modelos, esquemas de conhecimento, se gera uma visão de mundo, se a linguagem e o mito são partes constitutivas da cultura, então a cultura não comporta somente uma dimensão cognitiva: é uma máquina cognitiva cuja práxis é cognitiva (MORIN, 2008, p. 19) (Grifos do autor). Entendemos, assim, que a cultura comporta um repertório cognitivo muito amplo, abrindo-se a diversas possibilidades de aquisição de conhecimento. O autor usa também o comparativo metafórico da cultura de uma sociedade como uma espécie de megacomputador complexo. Nos dias atuais, a presença de um computador no cotidiano é algo fundamental e ao mesmo tempo comum. Fundamental pelas funções que executamos por meio dessa ferramenta: serviços bancários, pesquisas, comunicação e até mesmo entretenimento. E é por intermédio do computador e da comunicação que acabamos com as barreiras físicas. É como se pudéssemos ter acesso a tudo e a todos, e temos – ao menos o que está publicado em sites ou aquilo que as ferramentas da tecnologia nos oferecem. Ao mesmo tempo o computador é simples, pois faz parte de um devir coletivo, está aí, praticamente em todos os lugares, e isso fica mais evidente nas grandes metrópoles. Agora, quanto ao seu uso e eficiência, podemos dizer que ainda é relativo, pois depende dos desempenhos individuais, mas já se tornou insubstituível na vida de milhões de pessoas, como visto na figura a seguir: Figura 193 – Pessoas navegando na internet 97 AR TV - R ev isã o: L uc as - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 5/ 04 /2 01 4 SISTEMAS DE REPRESENTAÇÃO E pensar que uma única unidade de computador já ocupou uma sala toda no passado. Atualmente, o seu tamanho foi tão reduzido que pode estar dentro de um minúsculo aparelho telefônico (figura 195). Chamava-se Eniac (Electrical Numerical Calculator and Integrator) e foi o primeiro computador fabricado no mundo (figura 194). Figura 194 – O Eniac Observação Desenvolvido pelos cientistas norte-americanos John Mauchly e J. P. Eckert, o Eniac ocupava 180 metros quadrados e pesava 30 toneladas, possuindo cerca de cem mil componentes. Figura 195 – Celular com computador – iPhone O megacomputador a que Morin se refere e compara à cultura de uma sociedade memoriza dados cognitivos, armazena e executa programas, prescreve normas. Dessa maneira, cada espírito cérebro/individual seria um terminal individual e um conjunto destes terminais comporia o Grande Computador, que é determinada cultura. O conhecimento estaria, então, ligado, por todos os lados, à estrutura da cultura (VIEIRA, 2012, p. 36). 98 AR TV - R ev isã o: L uc as - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 5/ 04 /2 01 4 Unidade II Cada terminal contribui para as inter-relações relativas ao conhecimento. Morin (2008) sugere que este processo tem início no período embrionário e desenvolve-se durante a primeira infância. Nasceriam, então, aí, as primeiras marcas de uma cultura que se encontra primeiro no entorno em que o embrião foi gerado, e se desenvolveu posteriormente, no início da vida. Essas marcas podem ser fatores com que ele se deparou, como tabus, normas, vivências, costumes, que “[...] incorporam em cada pessoa um imprinting cultural, frequentemente sem retorno” (MORIN, 2008, p. 25). 6.2 Imprinting Nenhuma ideia ou teoria nasce sem que haja influências sociais, culturais e históricas; portanto, ideias e teorias são geradas pelo determinismo do conhecimento, e cada sociedade impõe o conhecimento que é preciso ter. Segundo Morin (2008, p. 29): Todas as determinações propriamente sociais, econômicas, políticas (poder, hierarquia, divisão em classes, especialização e, nos tempos modernos, tecnoburocratização do trabalho) e todas as determinações propriamente culturais-noológicas convergem e se sinergizam para aprisionar o conhecimento em um multideterminismo de imperativos, normas, proibições, rigidez e bloqueios. Imprinting é o termo que Konrad Lorenz propôs para dar conta da marca incontornável imposta pelas primeiras experiências do animal recém-nascido, como ocorre com alguns filhotes, que ao nascerem seguem o ser vivo mais próximo e atribuem a ele a condição de mãe caso essa convivência persista. Temos como exemplo a experiência do austríaco Konrad Zacharias Lorenz (1903–1989), ganhador do Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina em 1973 por seus estudos sobre o comportamento animal, a Etologia. Lorenz privou gansos recém-nascidos do contato com suas mães e colocou objetos para que eles vissem e adotassem. Assim, provou que os filhotes ao saírem do ovoreconheciam e seguiam como “mãe” o primeiro ser vivo que tivessem contato ou com o qual passassem a conviver (figuras 196 e 197). Figura 196 – Lorenz com algumas gralhas em Altenburg, 1930 99 AR TV - R ev isã o: L uc as - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 5/ 04 /2 01 4 SISTEMAS DE REPRESENTAÇÃO Figura 197 – Lorenz sendo seguido por três gansos europeus Saiba mais Acesse o site a seguir para saber mais sobre Konrad Lorenz, suas pesquisas e seu instituto. O KLI dá apoio às pesquisas teóricas nas áreas de biologia evolutiva e ao desenvolvimento da ciência evolutiva. INTRODUCTION. Disponível em: <http://www.kli.ac.at/institute/ introduction>. Acesso em: 10 abr. 2014. Figura 198 – Desenhos feitos por Lorenz para ilustrar seu livro O Anel do Rei Salomão 6.3 Imprinting cultural Podemos conceituar o termo imprinting como uma marca inapagável imposta pelas primeiras experiências vividas: Ora há um imprinting cultural que marca os humanos, desde o nascimento, com o selo da cultura, primeiro familiar e depois escolar, e que prossegue 100 AR TV - R ev isã o: L uc as - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 5/ 04 /2 01 4 Unidade II na universidade ou no exercício da profissão. Ao contrário do que orgulhosamente pretendem os intelectuais e os sábios [...] os subcultivados são alvos de um imprinting e de uma normalização atenuados, e há mais opiniões pessoais diante de um balcão de uma taberna que num cocktail literário (MORIN, 1991, p. 25). O imprinting une-se à normalização, o que garante o conformismo e a transmissão de geração a geração. Para Morin (2008, p. 31): “O imprinting e a normalização asseguram a invariância das estruturas que governam e organizam o conhecimento”. Ele está presente e se manifesta também em nossa percepção e representação visual, pois desde a mais tenra infância somos altamente hipnotizados por tudo o que está ao nosso redor e que vivenciamos, direta ou indiretamente. Por todos os lados há a presença de uma “alucinação coletiva” que atinge diferentes classes e gêneros. Morin (2008, p. 30) corrobora essa ideia: “[...] A alucinação, que faz ver o inexistente, junta-se à cegueira, que oculta o existente. Os falsos testemunhos sinceros são numerosos”. Ficamos cegos diante de tanta informação. A cegueira banaliza a informação. Podemos passar todos os dias diante de uma mesma situação e não enxergá-la mais. Um exemplo é uma guerra noticiada tantas vezes pelos meios de comunicação a ponto de se tornar insustentável acompanhar uma tragédia como espetáculo de uma vida real. Isso porque esse tipo de comunicação está relacionado à cultura de massa. No âmago da leitura ou do espetáculo cinematográfico, a magia do livro ou do filme faz-nos compreender o que não compreendemos na vida comum. Nessa vida comum, percebemos os outros apenas de forma exterior, ao passo que na tela e nas páginas do livro eles nos surgem em todas as suas dimensões, subjetivas e objetivas (MORIN, 2003, p. 50). Assim, quando um artista revela a guerra com sua arte, o cineasta, a partir de um filme, ou o fotógrafo, por meio de seu olhar, trata-se de outra forma de nos apresentar a realidade. Voltamos a enxergar e, com o senso estético, voltamos a nos emocionar com aquela informação. Saiba mais O filme a seguir pode propiciar uma inter-relação com o conteúdo da unidade: O RESGATE do soldado Ryan. Dir. Steven Spielberg, 169 minutos. EUA: Amblin Entertainment/Mark Gordon Productions/Mutual Film Company, 1998. 101 AR TV - R ev isã o: L uc as - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 5/ 04 /2 01 4 SISTEMAS DE REPRESENTAÇÃO Apresentamos a seguir algumas obras que exemplificam o que acabamos de mencionar. Arte Figura 199 – Guernica, de Pablo Picasso, 1881–1974 Figura 200 – Guerra e Paz, de Cândido Portinari, 1952–1956 102 AR TV - R ev isã o: L uc as - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 5/ 04 /2 01 4 Unidade II Fotografia Figura 201 – September 11, New York, USA, 2001 Figura 202 – Manifestações em São Paulo, de Fernando Siqueira, 2013 Saiba mais PRONTOS para a guerra. Revista Fotografe Melhor, São Paulo, n. 210, mar. 2014. Ainda com relação à presença do imprinting, ele pode produzir diferentes modos de conhecimento, em que cada indivíduo é uma reprodução típica do entorno em que viveu e se modifica ao deparar com novas experiências. Nos textos de Kossoy sobre fotografia, é comum encontrarmos termos como “bagagem cultural” e “filtro cultural”, que se referem ao percurso pelo qual uma pessoa passou no decorrer da vida, e não 103 AR TV - R ev isã o: L uc as - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 5/ 04 /2 01 4 SISTEMAS DE REPRESENTAÇÃO exatamente o processo embrionário ou os primeiros anos da infância que deflagraram o surgimento do imprinting. Kossoy (1989, p. 85) diz: “Toda fotografia é um testemunho segundo um filtro cultural, ao mesmo tempo que é uma criação a partir de um visível fotográfico. Toda fotografia representa o testemunho de uma criação. Por outro lado, ela representará sempre a criação de um testemunho”. O autor compara o fotógrafo a um filtro cultural, pois o registro visual é consequência da sua própria atitude, ou seja, bagagem cultural, estado de espírito, ideologia, criatividade e sensibilidade, além do talento e do intelecto, que acabam transparecendo em suas imagens. Essa condição complexa testemunha a visão de mundo do fotógrafo, e seu respectivo registro testemunha a atividade criativa do autor, em que surge a manifestação artística. Para evidenciar um pouco mais o imprinting pela visão de Morin, apresentamos a seguir a abordagem do tema liberdade e suas relações, como dependência e autonomia: De fato, sofremos limitações do nosso meio natural; somos prisioneiros de nosso patrimônio genético, que produziu e determinou nossa anatomia, nossa fisiologia, nosso cérebro, logo nossa mente/espírito; estamos fechados em nossa cultura, que inscreve em nós, desde o nosso nascimento, normas, tabus, mitos, ideias, crenças; estamos submetidos à nossa sociedade que nos impõe leis, regras e interditos; somos mesmo possuídos por nossas ideias, que se apropriam de nós enquanto acreditamos dispor delas. Assim somos ecológica, genética, social, cultural e intelectualmente determinados. Como poderíamos dispor de liberdades? (MORIN, 2003, p. 268). O autor apresenta a ideia de que estamos fechados em nossa cultura – dessa maneira, não haveria como fugir do imprinting que nos é imposto desde os primeiros anos. E fato muito interessante é a questão da liberdade: mesmo em relação às ideias que acreditamos possuir, na verdade são elas que nos possuem. Por isso, toda autonomia é dependente. E, com relação ao nosso patrimônio genético, ele também nos dá autonomia, mas ao mesmo tempo nos mantém sob sua dependência. Morin (2003, p. 272) conclui: “E, como veremos agora, a inscrição do indivíduo numa cultura e numa sociedade faz-lhe submeter-se a uma nova dependência, que, com frequência, lhe tira a possibilidade de uma autonomia e de um acesso a novas liberdades”. Resumo Vimos nesta unidade a importância da psicologia na representação pictórica e também alguns itens como: verdade e estereótipo, caricatura, aproximação com a psicanálise e ilusão pictórica, itens esses embasados em Ernest Gombrich, na sua obra Arte e Ilusão, o que nos possibilita realizar belíssimas análises. 104 AR TV - R ev isã o: L uc as - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 5/ 04 /2 01 4 Unidade II Um item que aprofundamos foi a caricatura,conhecida também como retrato humorístico ou retrato cômico, que se define como todo e qualquer desenho humorístico. A caricatura apresenta de forma exagerada os traços de alguém, sendo feita uma distorção da anatomia sem descaracterizar o caricaturado. Abordamos também a necessidade da reprodução fidedigna nas obras de arte e desenhos e demos ênfase à imagem pictórica e suas possibilidades de representações. Mais adiante, estudamos como o pensamento pode ser inconscientemente influenciado pelo seu entorno: educação, linguagem, sociedade e tradições, fatores esses que formam um conjunto de componentes nucleares de uma cultura. Tivemos contato com o termo imprinting, que Konrad Lorenz propôs para dar conta da marca incontornável imposta pelas primeiras experiências do animal recém-nascido e seu comportamento quando lhe é negada a possibilidade de convívio com a mãe verdadeira. Para finalizar a unidade, nos embasamos em Edgar Morin, que nos traz o imprinting cultural e seus desmembramentos. Exercícios Questão 1. Levando-se em consideração as questões psicológicas na representação pictórica, considere as afirmativas abaixo: I − A imagem nunca é igual à natureza. II − Todas as imagens são baseadas em linguagens e convenções. III − Imagens são sinais. Está correto o que se afirma apenas em: A) I e III. B) II e III. C) I e II. D) II. E) I, II e III. Resposta correta: alternativa E. 105 AR TV - R ev isã o: L uc as - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 5/ 04 /2 01 4 SISTEMAS DE REPRESENTAÇÃO Análise das afirmativas I – Afirmativa correta. Justificativa: na história e na evolução da arte, muitos artistas já tentaram reproduzir fielmente uma pessoa ou um objeto. Quem já tentou fazer isso se deparou com as questões psicológicas que envolvem esse ato, pois nunca houve uma imagem que fosse igual à natureza. Foram precisos muitos anos para que se conseguisse se aproximar do ideal a que os antigos gregos chamavam de mimese (imitação da natureza), e depois muitos outros anos para que os artistas do Renascimento conseguissem eliminar o que classificavam como “infidelidade” das pinturas. Mesmo assim, do ponto de vista da psicologia pictórica, não é possível dizer que a imagem equivale – ipsis litteris – à natureza. II – Afirmativa correta. Justificativa: todas as imagens, conforme afirmado em II, são baseadas em linguagens e convenções. III – Afirmativa correta. Justificativa: as imagens são sinais e estão relacionadas a valores socio-históricos do ser humano. Questão 2. Quando falamos em verdade e estereótipo na pintura, alguns termos são considerados palavras-chave. Considere os seguintes termos: I − Estilo. II − Luz. III − Precisão. IV − Temperamento. V − Personalidade. Correspondem às palavras-chave da pintura apenas os termos: A) I, IV e V. B) I, II e III. C) II, III e IV. D) II, IV e V. E) III, IV e V. Resolução desta questão na plataforma.
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