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Unidade 3 Livro Didático Digital Leonardo Teixeira de Freitas Ribeiro Vilhagra Linguística Básica Diretor Executivo DAVID LIRA STEPHEN BARROS Gerente Editorial CRISTIANE SILVEIRA CESAR DE OLIVEIRA Projeto Gráfico TIAGO DA ROCHA Autor LEONARDO TEIXEIRA DE FREITAS RIBEIRO VILHAGRA O AUTOR Leonardo Teixeira de Freitas Ribeiro Vilhagra Olá. Meu nome é Leonardo Teixeira de Freitas Ribeiro Vilhagra. Sou formado em Letras Português pela Universidade Federal do Espírito Santo, tenho mestrado em Estudos Linguísticos pelo Programa de Pós- Graduação em Estudos Linguísticos pela mesma instituição e também MBA em Gestão de Projetos e Equipes E-Learning pela UNIFCV (em formação). Possuo experiência técnico-profissional na área de ensino de Língua Portuguesa a mais de dez anos. Passei por escolas de ensino fundamental e médio, como a rede Salesiano, o Centro Missionário Agostiniano, o Centro de Ensino União dos Professores, COC, de pré- vestibular, como o PUPT (Programa Universidade Para Todos), e no ensino superior, como a UFES e, atualmente, na Universidade Vila Velha no Espírito Santo. Sou apaixonado pelo que faço e adoro transmitir minha experiência de vida àqueles que estão iniciando em suas profissões. Fui convidado, por causa disso, pela Editora Telesapiens a integrar seu elenco de autores independentes. Estou muito feliz em poder ajudar você nesta fase de muito estudo e trabalho. Conte comigo, tá bem? Desde já, eu desejo bons estudos a todos! ICONOGRÁFICOS Olá. Esses ícones irão aparecer em sua trilha de aprendizagem toda vez que: INTRODUÇÃO: para o início do desenvolvimento de uma nova compe- tência; DEFINIÇÃO: houver necessidade de se apresentar um novo conceito; NOTA: quando forem necessários obser- vações ou comple- mentações para o seu conhecimento; IMPORTANTE: as observações escritas tiveram que ser priorizadas para você; EXPLICANDO MELHOR: algo precisa ser melhor explicado ou detalhado; VOCÊ SABIA? curiosidades e indagações lúdicas sobre o tema em estudo, se forem necessárias; SAIBA MAIS: textos, referências bibliográficas e links para aprofundamen- to do seu conheci- mento; REFLITA: se houver a neces- sidade de chamar a atenção sobre algo a ser refletido ou dis- cutido sobre; ACESSE: se for preciso aces- sar um ou mais sites para fazer download, assistir vídeos, ler textos, ouvir podcast; RESUMINDO: quando for preciso se fazer um resumo acumulativo das últi- mas abordagens; ATIVIDADES: quando alguma atividade de au- toaprendizagem for aplicada; TESTANDO: quando o desen- volvimento de uma competência for concluído e questões forem explicadas; SUMÁRIO Sintagma e paradigma .............................................................................. 12 Dupla articulação da linguagem ..........................................................23 Primeira articulação .......................................................................................................................27 A segunda articulação ................................................................................................................ 30 Relacionar a economia linguística à dinâmica das línguas ...........32 Relação entre a gramática e a linguística ........................................ 35 Abordagem da gramática tradicional nos estudos linguísticos ..................................................................................................... 41 9 UNIDADE 03 Linguística Básica 10 INTRODUÇÃO Você já se perguntou qual é a ligação entre gramática e a linguística? Será que são a mesma coisa? Quais são os conceitos e teorias envolvidas nessas duas áreas? Conforme você verá, compreender a relação entre os estudos gramaticais e os estudos linguísticos são essenciais, ainda mais se tratando dos profissionais de Letras. Diante disso, a fim de se atender aos objetivos estipulados, em um primeiro momento, veremos a última dicotomia formulada por Saussure. Depois, estudaremos as influências geradas por isso, sobretudo, no conceito de dupla articulação proposto pelo linguista francês André Martinet. Após conceituados as contribuições dos dois autores, teremos propriedades suficientes para refletir acerca da relação entre a gramática e a linguística, evidenciando as suas semelhanças e, principalmente, as diferenças. Em um último momento, vamos nos ater sobre a abordagem que a gramática tradicional possui no que diz respeito à linguística. Compreendeu? Então desejamos a você um bom estudo e que tenha um ótimo aproveitamento do material. Linguística Básica 11 OBJETIVOS Olá. Seja muito bem-vindo à Unidade 3. Nosso objetivo é auxiliar você no desenvolvimento das seguintes competências profissionais até o término desta etapa de estudos: 1. Conceituar o sintagma e o paradigma 2. Descrever a dupla articulação da linguagem 3. Refletir sobre a relação entre a gramática 4. Discutir a abordagem da gramática tradicional nos estudos linguísticos E aí? Ficou empolgado em relação ao que veremos nesta? Que bom, então vamos aos estudos! Linguística Básica 12 Sintagma e paradigma OBJETIVO: Ao término deste capítulo, você entenderá a última dicotomia de Saussure, o sintagma e o paradigma. Além disso, você compreenderá a dupla articulação da linguagem e, por fim, como isso se relaciona com os estudos gramaticais, sobretudo, no que diz respeito à gramática tradicional. Ter conhecimento sobre isso é relevante, uma vez que muito desses conceitos que serão tratados nesta unidade não só vão te ajudar no entendimento linguístico, mas também vão te fornecer um arcabouço teórico o qual impacta diretamente na sua vida profissional, principalmente, no ambiente escolar. E então? Motivado para desenvolver esta competência? Então vamos lá. Avante! Desta forma, nesta unidade, você verá a última dicotomia: o sintagma e o paradigma. Em função disso, também veremos os seus desdobramentos para os estudos linguísticos futuros. Sabendo disso, vamos, então, a essa última dicotomia. Para Saussure (2012, p. 148), as línguas naturais, objeto de estudo da linguística estruturalista, funcionam por meio [...] de duas espécies de comparações ; as aproximações são ora associativas, ora sintagmáticas; os grupamentos de uma e de outra espécie são, em grande medida, estabelecidos pela língua; é esse conjunto de relações usuais que a constitui e que lhe preside o funcionamento. Explicando de outra forma, recorremos a Souza e Crestani (2017, p. 3): A língua possui dois eixos de organização, o eixo sintagmático e o eixo paradigmático. O eixo sintagmático é definido como Linguística Básica 13 eixo da combinação e o paradigmático como o eixo das escolhas, ou seja, são as possibilidades de combinações escolhas disponíveis dentro do campo de alternativas. Esses eixos contribuem para o funcionamento da língua. EXPLICANDO MELHOR: Com o intuito de que você entenda melhor essa explicação de Saussure (2012) e de Souza e Crestani (2017), vamos utilizar a metáfora das roupas. Suponhamos que alguém queira sair de casa para ir a uma festa. Assim, el@ quer se vestir adequadamente. Para tal, há uma série de roupas que podem ser utilizadas: Figura - metáfora das roupas Fonte: Freepik Nesse contexto, a pessoa que vestirá essa peça de roupa tem, no seu armário, três tipos de camisas: cinzas, brancas e pretas: Linguística Básica 14 Figura - Tipo de camisas Fonte: Freepik Contudo, a pessoa que vai se vestir só pode optar por uma camisa, sendo que as outras duas ficam de lado. Isto é, el@ escolhe a camisa branca e, em decorrência disso, a cinza e a preta ficam guardadas. Além disso, essa mesma camisa branca pode ser usada com uma jaqueta preta e uma calça jeans, conforme você pode ver a seguir: Linguística Básica 15 Figura - Combinação de roupas. Fonte: Freepik Em outra situação, por exemplo, tal camisa branca pode ser utilizada comuma bermuda azul, ou ainda, com uma calça bege etc. IMPORTANTE: Agora, quero que você aplique a lógica dessa metáfora junto ao conceito de Sintagma e de Paradigma. Dentro de um guarda-roupa (a língua), existe uma série de peças que podem ser escolhidas (paradigma) e, a partir disso, também podem ser combinadas (sintagma). Desta forma, para Saussure (2012), uma língua natural se constitui na prática comunicativa do falante por meio das escolhas e combinações dos signos linguísticos. Linguística Básica 16 Agora que isso está mais evidente, vamos esmiuçar cada uma das partes dessa dicotomia. Como você viu antes, o paradigma é o eixo das escolhas, isto é, as possibilidades de seleção que o falante de uma língua tem ao se comunicar. Em relação a isso, Saussure afirma que (2012, p. 146) “[...] os termos de uma família associativa (paradigmática) não se apresentam nem em número definido nem numa ordem determinada”. Realmente, mesmo que um dicionário seja publicado, no dia seguinte a isso, ele se torna desatualizado, uma vez que a língua é viva e se transforma continuamente. VOCÊ SABIA? Sobre a questão da riqueza do vocabulário da língua portuguesa, veja este vídeo do professor Carlos Alberto Faraco: https://www.youtube.com/watch?v=iEm_1RfwZ7E. No entanto, conforme aponta Saussure (2012), mesmo que o número de escolhas não seja definido, isso não quer dizer que esses signos linguísticos usados não possam ser associados, agrupados, formando, assim, um paradigma (inclusive, é por causa disso que essa parte da dicotomia leva esse nome) nas mentes dos falantes. Um exemplo dessa associação, dessa formação de paradigma é o signo linguístico “empresária” da língua portuguesa: Linguística Básica https://www.youtube.com/watch?v=iEm_1RfwZ7E 17 Figura - Signo linguístico “empresária” Fonte: Freepik Esse signo linguístico pode ser agrupado em um paradigma: “gestora”, “administradora”, “mulher de negócios”, “dirigente” etc. Ainda seguindo esse raciocínio, diversos paradigmas distintos são formados, os quais unem termos “[...] in absentia numa série mnemônica virtual” (SAUSSURE, 2012, p. 143). Em outras palavras, ficam à disposição na memória para serem escolhidos pelo falante. Já a outra parte dessa dicotomia, o sintagma, dizem respeito às possíveis combinações dos signos linguísticos, de modo que “A relação sintagmática existe in praesentia; repousa em dois ou mais termos igualmente presentes numa série efetiva” (SAUSSURE, 2012, p. 143). É interessante frisar a questão da combinação ligada à “série efetiva”, uma vez que isso está associado ao ordenamento dos signos linguísticos nos enunciados expressos pelos falantes de uma língua. A fim de ilustrar isso, vamos utilizar o signo linguístico “empresária” novamente. Linguística Básica 18 Vamos supor que o falante da língua portuguesa quer dizer que uma mulher que é dona de um negócio foi bem sucedida em seu ramo de atuação. Para tal, ele não emprega os signos separadamente, mas sim em um enunciado, conforme abaixo: (1) Aquela empresária é próspera Porém, ele pode fazer outros tipos de combinação, como é o caso a seguir: (2) Aquela empresária bem-sucedida Desta forma, na comunicação verbal por meio de uma língua qualquer, não basta somente o falante selecionar qual signo linguístico quer usar. Além disso, deve-se formular um combinação sequenciada, de maneira que um signo linguísticos não se manifeste ao mesmo tempo que outro. Em relação a isso, Souza e Crestani (2017, p. 4), afirmam que: Na cadeia sintagmática um termo passa a ter valor quando se apresenta de forma distinta da outra, já que um termo não pode aparecer ao mesmo tempo que outros, por causa de seu caráter linear, onde os termos devem aparecer como uma linha, numa sequência. A partir da fala das autoras, somos levados a reconhecer outro conceito derivado desse: a linearidade do signo linguístico. Consoante a Saussure (2012, p. 70), a linearidade Linguística Básica 19 É aquilo que faz com que, em toda forma, haja um antes e um depois. Esse princípio é dado pela própria natureza das coisas: não posso representar a palavra a não ser por uma só linha formada de partes sucessivas. Ou seja, as redes sintagmáticas se efetuam, a partir da disposição sequenciada linearmente dos signos linguísticos dentro da cadeia da fala. Um exemplo disso é o seguinte enunciado: (3) ele estudou hoje Nesse caso, os três signos linguísticos não foram dispostos simultaneamente. Muito pelo contrário, foi posto primeiro “ele”, depois “estudou e, por fim, “hoje”. Isso se aplica também em unidades linguísticas menores, como, por exemplo, em “amor”. Se observarmos o nível fonético, temos os seguintes fonemas: (4) [ a.m.o.R] Da mesma forma, que no enunciado (3), em (4), os fonemas são dispostos em sequência, “[a]”, “[m]”, “[o]” e, por fim, “[R]”, comprovando, portanto, a linearidade. Após você ver separadamente o conceito de paradigma e sintagma, vamos, neste momento, observar a maneira pela qual ambos se comportam no momento da manifestação da língua pelo falante. Carvalho (1997), parafraseando e explicando a relação entre paradigma e sintagma de Saussure, afirma que essa dicotomia funciona por meio de eixos. O paradigma representa uma linha vertical, na qual os signos estão disponíveis para serem selecionados. Por sua vez, na linha horizontal, está o sintagma. Nela, os signos são ordenados, de acordo com o enunciado a ser feito. Linguística Básica 20 Acerca disso, Saussure comenta que [...] desse duplo ponto de vista, uma unidade linguística é comparável a uma parte determinada de um edifício, uma coluna, por exemplo; a coluna se acha, de um lado, numa certa relação com a arquitrave que a sustém; essa disposição de duas unidades igualmente presentes no espaço faz pensar na relação sintagmática; de outro lado, se a coluna é de ordem dórica, ela evoca a comparação mental com outras ordens (jônica, corintia, etc.), que são elementos não presentes no espaço: a relação é associativa [paradigma] (SAUSSURE, 2012, p.143). Para que você entenda melhor sobre o eixo paradigmático e eixo o sintagmático, vamos lançar mão do esquema a partir do seguinte enunciado: (5) Garota joga futebol Diante desse enunciado, o eixo paradigmático e o eixo sintagmático se relacionam da seguinte maneira. No eixo vertical do paradigma, cada signo linguístico se ordena em grupos específicos. Figura - Eixo vertical paradigmático Fonte: do autor. Linguística Básica 21 Já no eixo horizontal sintagmático, os signos linguísticos são combinados linearmente, formando uma cadeia estruturada específica, lembrando de que dois signos linguísticos não podem ser expressos simultaneamente, mas sim intercaladamente. Figura - Eixo horizontal sintagmático Fonte: Do autor. Desta forma, ao unir esses dois eixos, temos a seguinte relação: Figura - Eixo do paradigma e do sintagma Fonte: Do autor. Linguística Básica 22 Portanto, o paradigma representa o conjunto de palavras e expressões associadas, ou seja, assemelham-se em um grupo específico, as quais os falantes das línguas podem selecionar durante o ato comunicativo. Já o sintagma se refere à capacidade de combinação desses signos linguísticos conseguem estabelecer entre si e, por causa da linearidade, é possível formar enunciados variados, desde simples frases, até textos extensos e volumosos. SAIBA MAIS: Desta forma, para encerrarmos a discussão deste tópico, sugerimos a leitura de Souza e Crestani (2017) , o qual faz uma reflexão das contribuições de Saussure, principalmente, através da dicotomia em questão relacionada ao crescimento e o desenvolvimento da linguagem das crianças. Link: https://fasul.edu.br/projetos/app/webroot/ files/controle_eventos/ce_producao/20171024-201950_ arquivo.pdf Linguística Básica https://fasul.edu.br/projetos/app/webroot/files/controle_eventos/ce_producao/20171024-201950_arquivo.pdfhttps://fasul.edu.br/projetos/app/webroot/files/controle_eventos/ce_producao/20171024-201950_arquivo.pdf https://fasul.edu.br/projetos/app/webroot/files/controle_eventos/ce_producao/20171024-201950_arquivo.pdf 23 Dupla articulação da linguagem No tópico anterior, você viu o conceito da última dicotomia elaborada por Saussure. Desta forma, considerando as outras três dicotomias, bem como os seus conceitos correlatos, o mestre genebrino forneceu um amplo e consistente aparato teórico-metodológico, ainda que de viés Estruturalista, para analisar a linguagem verbal humana. Sobre esse fato, Costa (2014, p. 61) afirma que [...] o trabalho realizado por Saussure de delimitar um objeto e escolher uma metodologia adequada aos estudos linguísticos representou um processo de cientificização daquilo que há muito tempo vinha sendo realizado, mas de forma desordenada, ou seja, os estudos linguísticos eram realizados mesmo sem o caráter científico atribuído por Saussure. Em função disso, não só a Linguística se tornou uma ciência independente, como também outras teorias se desenvolveram a partir do Estruturalismo saussureano, conforme você pode ver em Heloisa (2016, p. 23, grifos nossos): O estruturalismo saussureano constitui um marco para os estudos linguísticos ao propor um método de análise e uma ontologia para definir a natureza do objeto da nova ciência. Sua importância se confirma pelas diferentes direções em que se desenvolveram os estudos linguísticos, ao propiciar questionamentos em relação à adequação e validade dos conceitos propostos. Nesse contexto, um dos vários teóricos influenciados por Saussure é o francês André Martinet: Linguística Básica 24 Figura - O linguista André Martinet Fonte: https://www.lamaurienne.fr/territoire-de-la-chambre/2019/07/25/le-villarin-andre- martinet-linguiste-international-et-pere-de-la-communication Nascido em 1908 em Saint-Alban-des-Villards, na França, Martinet foi um dos teóricos mais importantes da linguística, sendo que, na déc. de 40, chegou a lecionar na Universidade de Sorbone (França) e na Universidade de Columbia (EUA), publicando 25 livros e mais de 300 artigos em diversos periódicos acadêmicos de destaque mundial. Já em 1999, ele faleceu nos seus 91 anos de idade (HOYOS-ANDRADE, 2001). Grande nome da Linguística Funcionalista, corrente linguística iniciada na déc. de 20 do século passado e cujo objetivo era estudar a relação entre a estrutura gramatical das línguas e os diferentes contextos comunicativos em que elas são usadas (CUNHA, 2008, p. 157), Martinet desenvolveu um conceito que não só inspirou outros teóricos posteriores, mas, principalmente, trouxe um novo olhar sobre os estudos e as análises das línguas naturais. Esse conceito é o da dupla articulação da linguagem. Publicado em seu livro Elementos de Linguística Geral (Éléments de linguistique générale), Martinet atesta que Linguística Básica https://www.lamaurienne.fr/territoire-de-la-chambre/2019/07/25/le-villarin-andre-martinet-linguiste-international-et-pere-de-la-communication https://www.lamaurienne.fr/territoire-de-la-chambre/2019/07/25/le-villarin-andre-martinet-linguiste-international-et-pere-de-la-communication 25 Diz-se por vezes que a linguagem humana é articulada. Embora os que assim se exprimem nem sempre sejam capazes de defi nir exatamente o que pretendem dizer, não há dúvida de que aquela fórmula aluda a uma característica de todas as línguas. Mas convém explicar a noção de articulação linguística e observar que ela se manifesta em dois planos diferentes: com efeito, as unidades resultantes de uma primeira articulação articulam-se por sua vez em unidades doutro tipo (MARTINET, 1978, p. 10). Em relação a isso, Martelotta (2010, p. 37) explica um pouco mais sobre esse conceito: Afirmar que a linguagem humana é articulada significa dizer, portanto, que os enunciados produzidos em uma língua não se apresentam como um todo indivisível. Ao contrário: podem ser desmembrados em partes menores, já que constituem o resultado da união de elementos, que, por sua vez, podem ser encontrados em outros enunciados. Em função disso, vamos detalhar um pouco sobre tal conceito. Em primeiro lugar, vamos analisar etimologicamente o vocábulo “articular”, do qual “articulação” é derivado. Essa palavra é oriunda do verbo latino “articulare”, cujo significado é separar em partes. Isso pode ser associado, por exemplo, ao esqueleto do corpo humano. Linguística Básica 26 Figura - Esqueleto humano é articulado Fonte: Freepik Se o esqueleto humano é articulado, por sua vez, esse é formado por unidades menores, a exemplo dos ossos da coluna vertebral. Linguística Básica 27 Fonte: ossos da coluna vertebral Fonte: Freepik Considerando isso, será mais fácil para você entender o conceito de dupla articulação da linguagem proposta por Martinet (1978). No momento em que ele diz isso, o linguista afirma que todas as línguas naturais são formadas por unidades menores as quais podem ser agrupadas em dois grandes grupos: as de primeira articulação e de segunda articulação. Primeira articulação Os elementos pertencentes à primeira articulação da linguagem, segundo Martinet (1978, p. 12), são os morfemas, isto é, as unidades mínimas de significação, como se pode ver a seguir: Linguística Básica 28 [...] cada uma das unidades da primeira articulação tem um sentido e uma forma vocal (fônica). Não podemos analisá- las em unidades sucessivas menores dotadas de sentido: é o conjunto cabeça que significa “cabeça”, e não a soma de eventuais sentidos de cada um dos segmentos em que podemos dividi-lo – ca-, be- e -ça por exemplo. Observe que, no início da fala dele, Martinet (1978) disse que as unidades da primeira articulação possuem um sentido e uma forma vocal. Isso nada mais é do que a dicotomia significante e significado, um dos indícios da influência de Saussure. Aliás, acerca disso, Martinet (1978, p. 12-13, grifos do autor) nos mostra que Um enunciado como tenho uma dor de cabeça, ou uma parte desse enunciado que, como tenho uma dor ou dor ou cabeça, faz sentido, designa-se por SIGNO linguístico. Qualquer signo linguístico comporta um SIGNIFICADO, que constitui o seu sentido ou valor e que representamos entre aspas (“tenho uma dor de cabeça”, “dor”, “cabeça”), e um SIGNIFICANTE, graças ao qual se manifesta o signo e que transcrevemos entre barras oblíquas (...). É ao significante que a linguagem corrente costuma chamar de signo. Com os seus significado e significante, as unidades da primeira articulação são signos, e signos mínimos por não poderem analisar-se em sucessão de signos menores. Nesse contexto, a expressão “signo mínimo” diz respeito diretamente ao morfema. Tal denominação é justificável, uma vez que não é possível ter outra divisão que resulte em signos menores. A fim de ilustrar isso melhor, vamos utilizar o mesmo caso exemplificado por Martinet (1978). Observe a decomposição da palavra “cabeça”. Essa pode ter outras decomposições morfológicas: Linguística Básica 29 Cabeça “cabeç” morfema radical “a” morfema vogal temática Cabeção “cabeç” radical “ão” sufixo de flexão de grau aumentativo Cabecinha “Cabec” radical “inha” sufixo de flexão de grau diminutivo Assim, é possível perceber que os morfemas são “signos mínimos”, pois eles são o último nível de decomposição de alguma unidade linguística que ainda possui certa significação. Somado a isso, devemos frisar duas consequências advindas do conceito de primeira articulação proposta por Martinet (1978). A primeira diz respeito a questão da análise, ou seja, os morfemas não podem ser examinados sozinhos, mas sim em conjunto, de modo a formar uma unidade significativa própria. A segunda consequência está ligada à organização das estruturas significativas de uma língua. Acerca disso, Viegas (1988, p. 55) comenta que O domínio,portanto, da primeira articulação estabelece a organização específica de unidades significativas [...]. É através dessas estruturas que podemos estabelecer que, em língua portuguesa, o adjetivo se articula com o substantivo num sistema de concordância nominal fixo, por exemplo, o advérbio com o verbo permanecendo invariável, o sujeito com o predicado e assim por diante, domínio em suma das articulações sintáticas. Isto é, a partir desse conceito do linguista francês, foi possível conceber unidades de análise palpáveis para examinar fenômenos inerentes da língua. Linguística Básica 30 Um exemplo disso é o fenômeno da concordância nominal. Na Língua portuguesa, o adjetivo concorda em gênero e número com o substantivo ao qual ele se relaciona, conforme você pode ver abaixo: (6) Cabeça vazia (7) Cabeças vazias Em (7), ao o substantivo “cabeça” passar para o plural, o adjetivo “vazias” o acompanhou. Só que isso fica mais visível, uma vez que existe uma unidade linguística com o menor significado, o morfema “s”, o qual é responsável por tal fenômeno. Logo, retomando Viegas (1988), a primeira articulação proposta por Martinet (1978) determina a organização dos enunciados significativos das línguas naturais. A segunda articulação Já a segunda articulação formulada por Martinet (1978) está associada aos fonemas. Para Lopes (1995, p. 49) Os fonemas são unidades do nível linguístico inferior (unidades de segunda articulação) que não possuem outra função além da de poder ser combinadas para formar as unidades do nível linguístico que lhes é imediatamente superior (morfemas, unidades de primeira articulação). IMPORTANTE: É relevante que você não confunda a relação entre morfema e fonema. Segundo Martinet (1978), o morfema é a menor unidade significativa de uma língua. Ainda que o fonema seja uma subdivisão do morfema, logo, uma unidade ainda menor, o fonema não contém uma unidade significativa. Esse serve apenas para a representação gráfica de um som específico de uma língua. Linguística Básica 31 Assim, em relação à segunda articulação, veja a importância dada por Martinet (1978, p. 12) a ela: Graças à segunda articulação podem as línguas contentar-se com algumas dezenas de produtos fônicos distintos um dos outros, que se combinam para se obter a forma vocal das unidades de primeira articulação: assim em cabeça aparece duas vezes a unidade que representamos por a – a mesma que reencontramos em mesa, nos artigos, a e uma, etc. (1975, p. 12). A fim de exemplificar melhor o que o linguista francês disse, observe novamente a palavra “cabeça” a partir da segunda articulação: (8) [ k.a.b.e.s.a ] Note que o fonema [a] não só se repete na mesma palavra, mas também ele mesmo pode servir como base para a articulação de outras, como você pode ver no vocábulo “mesa”: (9) [ m.e.z.a] Desta forma, frisamos que, por meio de um conjunto fechado de fonemas, pode-se formar quase infinitas unidades maiores do que eles. Outro ponto interessante a ser ressaltado, o qual, inclusive, deriva do anterior, é que cada língua natural contém fonemas específicos, cuja origem se dá no sistema fonador humano. Linguística Básica 32 SAIBA MAIS: Caso não saiba, ou quer se aprofundar mais sobre o aparelho fonador que todos os seres humanos possuem, sugerimos o link a seguir: https://www.cefala.org/fonologia/aparelho_ fonador.php. Relacionar a economia linguística à dinâmica das línguas Depois de você compreender acerca do conceito da dupla articulação das línguas, detalharemos sobre um conceito que deriva do anterior: o princípio da economia linguística. REFLITA: Antes de abordá-lo, convidamos você a pensar sobre a seguinte questão: já se questionou sobre a quantidade palavras que sabemos? Além disso, já se perguntou como que, mesmo com as várias inovações e criações que ocorrem diariamente, ainda conseguimos reter todas em nossa mente? Pois bem, pense nisso, pois, daqui a pouco, vamos retomar isso. Segundo Martinet (1978, p. 14), [...] a economia resultante das articulações [primeira e segunda] permite obter um instrumento de comunicação de emprego geral, graças ao qual se pode transmitir tanta informação por tão baixo preço. Para o autor, a economia linguística está ligada à otimização entre a combinação da primeira e da segunda articulação da linguagem voltada Linguística Básica https://www.cefala.org/fonologia/aparelho_fonador.php https://www.cefala.org/fonologia/aparelho_fonador.php 33 à criação de inúmeras unidades linguísticas. Aprofundando esse conceito, podemos utilizar as palavras de Lopes (1995, p. 50), o qual diz que Podendo qualquer sentido associar-se, por convenção semiótica a qualquer combinação de elementos fônicos, a língua pode produzir mensagens sempre novas – ou seja, capazes de traduzir teoricamente qualquer tipo de experiência – valendo-se de um número muito reduzido de fonemas. Com não mais do que cinquenta fonemas, qualquer língua é capaz de formar um número elevadíssimo de monemas: com a sequência [‘teli-] formamos nos últimos tempos, em português, “telejornal”, “teleator”, “teledirigido”, “telenovela” etc. É a dupla articulação que é responsável por essa extraordinária economia do sistema linguístico”. Para que esse conceito seja mais palpável, observe a palavra engenheiro. Figura - Palavra engenheiro Fonte: Freepik Linguística Básica 34 Essa unidade linguística do português faz referência a um ser humano do gênero masculino graduado em engenharia. Porém, ao nos referimos a um ser humano do gênero feminino a qual também é formada nessa área, não precisamos criar outra palavra, com o intuito de desempenhar esse papel. Basta acrescentarmos o morfema “-a” no final do radical. figura - Engenheiro e Engenheira Fonte: Freepik Logo, esse é um caso de economia linguística. Por causa da primeira articulação (os morfemas), aliado à segunda articulação (os fonemas), permite que tenhamos uma quantidade significativa de unidades linguísticas a “baixo preço”, de modo a não sobrecarregar a nossa memória, muito menos comprometer a comunicação humana. Linguística Básica 35 Relação entre a gramática e a linguística Nos tópicos anteriores, você pode ver o quanto que as pesquisas de Martinet (1978) impactaram as ciências da linguagem, promovendo uma verdadeira transformação na área. Sobre isso, Hoyos-Andrade (2001, p. 5) comenta que: Também constitui uma inovação, em termos de Linguística Geral, a visão martinetiana dos diferentes níveis de descrição de uma língua qualquer. Esse quadro foi ampliando-se e modificando-se com os anos, a partir da própria reflexão do mestre e das contribuições dos seus seguidores. Consolidado o nível fonético-fonológico (não convém esquecer que Martinet foi, em primeiro lugar um fonólogo), vieram depois o nível do inventário (ou seja, o das classes de unidades significativas) e o da sintaxe, com o sentido específico que vimos antes. O nome de morfologia fica reservado para o estudo das irregularidades formais dos signos linguísticos. Quanto ao nível do significado, foi necessário distinguir entre dois diferentes sub-níveis: a axiologia, estudo dos valores linguísticos ou virtualidades significativas das unidades; e a semântica que constitui o estudo dos sentidos que assumem as unidades nos contextos e situações em que, de fato, acontecem. A axiologia está para a semântica assim como a fonologia está para a fonética. Nesse viés, Martinet (1978) desenvolveu (e outros, a partir dele, ampliaram) princípios teóricos que muito auxiliaram em uma análise mais técnica e operacional no que diz respeito ao funcionamento das línguas em diferentes níveis, indo desde a fonologia, até a semântica. Porém, é interessante frisar um ponto que o próprio autor nos revela. Ainda que todas as línguas sejam articuladas, cada uma“[...] ARTICULA A SEU MODO enunciados e significantes(1978, p. 15 – grifos do autor). Linguística Básica 36 Ou seja, embora todas elas tenham, como condição de funcionamento, a articulação de partes menores que estruturam unidades maiores e mais complexas, cada idioma faz isso de uma maneira distinta e particular. IMPORTANTE: E é nessa questão que desejamos uma atenção maior sua, pois, a seguir, promoveremos alguns questionamentos acerca da relação entre a gramática e a linguística. Desta forma, ao falarmos em maneiras distintas e particulares que cada língua possui, somos levados a uma série de reflexões, como as de Martelotta (2010, p. 43): Como se dá essa combinação? Os falantes combinam os elementos na frase do modo como bem entendem ou existem restrições impostas pelas línguas no que diz respeito a esse processo? Se existem restrições, qual a sua natureza? Elas provêm dos padrões de correção de uso da língua impostos pela comunidade? Desde já, podemos afirmar que tais combinações e articulações dos diferentes níveis de uma língua não são feitas de modo aleatório e individual pelos falantes, mas sim seguem “[...] tendências de colocação que parecem estar associadas ao conhecimento geral que possuem de sua própria língua” (MARTELOTTA, 2010, p. 43). Em relação a isso, ao longo da história, vários estudiosos almejaram estudar esse conhecimento geral que os falantes têm de suas respectivas línguas, formulando interpretações e descrições próprias. Sobre esse conjunto de interpretações e descrições, Martelotta (2010, p. 43) dá o nome de “gramática”. Linguística Básica 37 Como nós vimos nas unidades anteriores, os estudos gramaticais precederam a Linguística e, mesmo enquanto essa se tornou ciência, as gramáticas não foram deixadas de lado, inclusive, essas duas áreas do conhecimento estão presentes até hoje. Todavia, é importante questionarmos acerca de ambas, uma vez que elas não são a mesma coisa, embora tenham traços em comuns. E, como você será um futuro graduando de Letras, compreender tal distinção é fundamental tanto nas pesquisas acadêmicas, quanto nas práticas pedagógicas futuras. Sabendo disso, vamos começar a discussão com a fala de Orlandi (2009, p. 13). nas palavras dela, [...] há uma tendência em se identificar o estudo da linguagem como o estudo da gramática”. REFLITA: Aproveitando a contribuição de Orlandi (2009), queríamos instigar você a pensar sobre o que ela disse. Por acaso, você já parou para pensar acerca dessa diferenciação entre estudo da linguagem e o estudo da gramática? Então, após essa breve reflexão, vamos aprofundar um pouco sobre a diferença entre esses dois campos de estudo. Em relação aos estudos gramaticais, Garcia (2011, p. 224) nos mostra que: Com efeito, até o advento do Cours de Saussure e da Linguística Estrutural, as pesquisas empreendidas acerca da linguagem, além de motivadas por fatores outros que não a língua por ela mesma, pouco mais faziam além de apresentarem descrições ou notações do sistema de regras inerente a uma língua natural [...]. Em outras palavras: a Protolinguística [estudos sobre a linguagem feitas antes de Saussure] ia muito pouco além do que atualmente compete ao âmbito das gramáticas científicas ou descritivas. Linguística Básica 38 Logo, os estudos sobre a linguagem feitos antes de Saussure, inclusive, muitos apoiados em pesquisas envolvendo as gramáticas (por exemplo, os gregos da antiguidade, os comparativistas-históricos, os neogramáticos etc.), buscaram, sobretudo, descrever as línguas por meio das suas regularidades, objetivando evidenciar regras e preceitos. Agora, veja o que Bagno (2019, p. s.n.) nos diz acerca dos estudos linguísticos: Poucas pessoas têm ideia do que significa ser um linguista e, mesmo entre elas, muitas costumam achar que os linguistas “combatem” a tradição gramatical [...]. Ao linguista interessa todo e qualquer fenômeno de linguagem. Ou seja, não é descrever, mas sim analisar fenômenos em suas variadas formas, pois, conforme vimos nas unidades anteriores, a linguagem humana é complexa e multifacetada, não se restringindo apenas à língua por ela mesma. Em virtude disso, teorias linguísticas foram desenvolvidas, com o intuito de examinar e estudar tais fenômenos. Para que você entenda melhor essa diferenciação entre os estudos gramaticais e os estudos linguísticos, utilizaremos um exemplo simples, que é o caso dos pronomes demonstrativos da língua portuguesa. Na visão de Bechara (2009), os pronomes, basicamente, são a classe de palavras que acompanham e/ou substituem as palavras nominais, principalmente, os substantivos. Entre os vários tipos, existem os pronomes demonstrativos: • São os que indicam a posição dos seres em relação às três pessoas do discurso. Esta localização pode ser no tempo, no espaço, ou no discurso: 1ª pessoa: este, esta, isto 2ª pessoa: esse, essa, isso 3ª pessoa: aquele, aquela, aquilo (BECHARA, 2009, p. 167). Linguística Básica 39 Você pode observar que há uma descrição, isto é, um detalhamento das características principais acerca desse elemento da língua portuguesa, logo, o pronome demonstrativo é visto a partir do ponto de vista gramatical. Por um outro lado, veja o caso em que o pronome demonstrativo está associado em um fenômeno linguístico de ordem textual chamado encapsulamento. Segundo Koch (2006, p. 93), esse último [...] sumariza as informações-suporte contidas em segmentos precedentes do texto, sintetizam-nas sob a forma de um substantivo-predicativo, atribuindo-lhe o estatuto de objetos- de-discurso. Com o intuito de deixar mais palpável essa definição de Koch (2006), observe o trecho abaixo: (10) Trump ameaça taxar o aço brasileiro novamente. Essa retaliação, se deve à negociação com a China. No trecho (10), observe que o trecho “essa retaliação”, o qual é denominado de expressão nominal definida, retoma e encapsula um trecho maior, no caso, “Trump ameaça taxar o aço brasileiro novamente”. Contudo, ele não só retoma, mas também atribui um estatuto de objeto- de-discurso, isto é, há um posicionamento por parte do falante em relação ao o que foi dito, demonstrando um viés argumentativo dele. Isso se deve não só por ele ter usado o adjetivo “retaliação”, mas também o pronome demonstrativo “essa”, o qual direcionou a característica de retaliar a algo ao trecho anterior. Vale lembrar que, segundo Braganholo (2009, p. 1), As expressões nominais definidas são sintagmas nominais formados por um determinante (artigo definido ou pronome Linguística Básica 40 demonstrativo) e um nome, ou ainda por um determinante, um modificador e um nome (sendo os dois últimos não necessariamente nessa ordem). VOCÊ SABIA? As expressões nominais definidas são muito recorrentes em vários tipos de texto. Porém, elas estão aparecendo mais naqueles em que as interações entre os falantes são mais comuns, como em tuítes, postagens de facebook e blogs na internet. Se tiver interesse em saber mais sobre isso, sugerimos o artigo completo de Braganholo (2009), cujo título é “As expressões nominais nos comentários de blog”: http://nehte.com.br/hipertexto2009/anais/a/as- expressoes-nominais.pdf. Desta forma, observe que, diferentemente de descrever, esse caso anterior analisou um fato linguístico, um fenômeno que ocorre no dia a dia dos falantes. E, para tal, foi necessário se apoiar em uma teoria linguística (mais especificamente, na Linguística Textual). Além disso, é interessante frisar que os conhecimentos produzidos pelos estudos gramaticais podem ser utilizados pelos estudos linguísticos, como também esses podem empregar as contribuições daqueles, evidenciando uma troca enriquecedora entre esses dois campos do saber. Linguística Básica http://nehte.com.br/hipertexto2009/anais/a/as-expressoes-nominais.pdf http://nehte.com.br/hipertexto2009/anais/a/as-expressoes-nominais.pdf 41 Abordagem da gramática tradicionalnos estudos linguísticos Após refletirmos um pouco sobre a diferença entre estudos linguísticos e os estudos gramaticais, discutiremos agora sobre a abordagem da gramática tradicional e seus desdobramentos nos estudos linguísticos. Para isso, devemos relembrar da fala de Martelotta (2010). Conforme o autor nos diz, a gramática representa o conjunto de interpretações e descrições direcionadas a uma determinada língua. Nesse viés, ele ainda aprofunda um pouco, dizendo que o termo gramática “[...] é utilizado para designar os estudos que buscam descrever a natureza desses elementos [que compõem a língua] e suas restrições de combinação (MATERLOTTA, 2010, p. 44). No que diz respeito a isso, vale ressaltar que não existe a gramática, mas sim gramáticas, isto é, mais de um tipo delas. Inclusive, para (TRAVAGLIA, 2017, p. 12) “[...] a gramática não é um fato ou fenômeno singular, mas um fato ou fenômeno plural”. Só para você ter uma ideia, podemos elencar aqui, por exemplo, a gramática histórico-comparativa, a gramática gerativa, a gramática funcional e, aquela que iremos detalhar agora, a gramática tradicional. Linguística Básica 42 Figura - Exemplo de um tipo de gramática - Gramática Funcional Fonte: https://www.editoracontexto.com.br/produto/gramatica-funcional-interacao- discurso-e-texto/1496532 Assim, é importante frisar que focaremos e discutiremos a influência da abordagem da gramática tradicional no contexto brasileiro. Isso se justifica, pois não só ela é a mais conhecida popularmente, como também está mais presente tanto no ambiente acadêmico, quanto no na educação básica nacional. Inclusive, esse fato instiga pesquisas e questionamentos relevantes, e, de igual intensidade, causa confusões de entendimento, as quais impactam, principalmente, no dia a dia dos falantes brasileiros e também no cotidiano escolar dos estudantes de língua materna. Considerando isso, vamos começar por uma possível definição a partir de Martelotta (2010, p. 45) sobre a gramática tradicional: Linguística Básica https://www.editoracontexto.com.br/produto/gramatica-funcional-interacao-discurso-e-texto/1496532 https://www.editoracontexto.com.br/produto/gramatica-funcional-interacao-discurso-e-texto/1496532 43 A gramática tradicional, também chamada de gramática normativa ou gramática escolar, é aquela que estudamos na escola desde pequenos. Nossos professores de português nos ensinam a reconhecer os elementos constituintes formadores dos vocábulos (radicais, afixos, etc.), a fazer análise sintática, a utilizar a concordância adequada, sempre recomendado correção no uso que fazemos da nossa língua. Conforme vimos em unidades anteriores, ela teve seu berço na Grécia antiga. Inicialmente, os pensadores gregos objetivavam filosofar acerca da relação entre a linguagem e a lógica, estabelecendo leis e regras do pensamento. Em virtude disso, podemos destacar um desdobramento desses estudos, o qual produz ecos até hoje. Ao lado dessa preocupação de caráter filosófico, a gramática grega apresentava uma preocupação normativa, ou seja, assumia a incumbência de ditar padrões que refletissem o uso ideal da língua grega. Podemos ver a tendência normativa da gramática grega na atitude de impor o dialeto ático como o ideal (MARTELOTTA, 2010, p. 46). VOCÊ SABIA? O dialeto Ático era uma modalidade do Grego falado na região central de Atenas. Linguística Básica 44 Figura - Dialeto Ático falado na região de Atenas. Fonte: Wikimedia Commons | Renato de carvalho ferreira | CC BY-SA 3.0 https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Map_Peloponnesian_War_431_BC-pt.svg Observe que Martelotta (2010) não falou sobre o Grego antigo, mas sim de uma modalidade específica desse, o dialeto Ático. Assim, tal preocupação normativa acabou atravessando séculos posteriores. Depois do dialeto Ático do Grego antigo, foi a vez do Latim na época da Roma antiga até o fim da era Medieval e, em seguida, as línguas faladas na Europa durante o séc. XVI até o início da época contemporânea, período em que a gramática normativa começa a perder [...] força com o surgimento dos primeiros linguistas no século XIX, sendo apenas mais tarde retomada por Chomsky e pelos linguistas gerativistas (MARTELOTTA, 2010, p. 46). Linguística Básica 45 Logo, pode-se notar que a sua influência é grande até hoje, uma vez que ela se faz presente desde muito tempo atrás, ainda que com formas diferentes. Todavia, a questão central que pretendemos aprofundar e problematizar neste momento é a abordagem de natureza normativa que a gramática tradicional possui. A fim de detalhar isso, lançamos mão da citação de Görski e Coelho (2009, p. 78): Quando nos reportamos à gramática normativa, de imediato nos vem à mente a palavra “norma”. Em termos gerais, a noção de norma corresponde à regra. No caso da gramática normativa, trata-se de prescrição de regras a serem seguidas sob pena de se incorrer em erro. De uma outra forma e indo ao encontro aos autores anteriores, Travaglia (1996, p. 30) afirma que a gramática normativa é “[...] aquela que estuda apenas os fatos da língua padrão, da norma culta de uma língua, norma essa que se tornou oficial”. EXPLICANDO MELHOR: Em outras palavras, os autores afirmam que a abordagem da gramática tradicional gira em torno da descrição e da prescrição de uma forma ideal de se falar uma língua por parte dos falantes dela. Em relação a isso, vários autores questionam diretamente essa postura, como você pode ver em Martelotta (2010, p. 46), Não há como negar que existe uma influência dos padrões de correção impostos pela gramática [tradicional] sobre as Linguística Básica 46 restrições de combinação dos elementos linguísticos, que tende a crescer à medida que aumenta o nível de escolaridade do falante ou o grau de formalidade exigido pelo contexto de uso. Entretanto, propor que as restrições de combinação se explicam basicamente pelos ideias de correção não parece ser uma boa estratégia, já que todas as línguas do mundo apresentam, em número extremamente elevado, construções alternativas aos padrões gramaticais. E também em Görski e Coelho (2009, p. 78-79): [...] , no âmbito dos estudos linguísticos, a norma diz respeito à língua em funcionamento nas mais diferentes situações comunicativas. Entende-se a norma linguística como o conjunto de usos e atitudes (valores socioculturais agregados às formas) comuns a determinados grupos sociais, que funciona como um elemento de identificação de cada grupo (FARACO, 2002, p. 39). Em sociedades diversificadas como a nossa existem, então, várias normas: a norma linguística dos pescadores de determinada região, a norma linguística das comunidades rurais, a norma linguística dos moradores do morro, e assim por diante. Desta forma, você pode notar que a gramática tradicional, no caso da língua portuguesa, possui o objetivo de não só descrever uma modalidade do português falado no Brasil, mas também de prescrevê-la, isto é, determinar que tal forma ideal deve ser priorizada ao se falar e se escrever a nossa língua materna. Em virtude disso, as demais formas, uma vez que não existe só a que foi idealizada, são excluídas e desprezadas. A partir dessa postura é que nasce termos específicos, como “língua padrão” e/ou “língua culta”, o “certo a se falar”, “você fala errado” etc., Conforme Mendes (2012, p. 3) atesta, Linguística Básica 47 [...] o termo norma designa uma variedade de língua que, em determinado período, se impõe e é imposta por todo um aparato prescritivo como o modelo por meio do qual todos os comportamentos linguísticos devem ser medidos. Trata- se da língua “correta”, do “bom uso”, definições que levam à classificação de todas as outras formas possíveis como erros ou incorreções. Portanto, o que queremos frisar agora é a abordagem que a gramática tradicional tem nos estudos linguísticos,isto é, o seu caráter normativo e prescritivo, descrevendo não só uma forma de se falar/;escrever uma língua, mas também estabelecendo-a tal qual a maneira ideal e oficial a qual deve ser seguida pelos falantes de um idioma. Esse fato gera bastante discussão, principalmente, entre os cientistas da linguagem até hoje e também produz consequências não só no contexto acadêmico, mas também em inúmeros setores sociais. Mas, isso é um tema que veremos na próxima unidade. ACESSE: Assim, antes de encerrarmos esta parte do nosso material didático, convidamos você a ouvir a canção da banda “O Teatro Mágico” denominada “zaluzejo”: https://www. youtube.com/watch?v=6DZwgaXn0Qc. Linguística Básica https://www.youtube.com/watch?v=6DZwgaXn0Qc https://www.youtube.com/watch?v=6DZwgaXn0Qc 48 REFERÊNCIAS BECHARA, E. Moderna gramática portuguesa. 37. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009. BRAGANHOLO, Marcela. As expressões normais nos comentários de blog. In: III ENCONTRO NACIONAL SOBRE HIPERTEXTO, Belo Horizonte, MG – 29 a 31 de outubro de 2009 . CARVALHO, Castelar de. Para compreender Saussure. Petrópolis: Vozes, 1997. COSTA, Diego Lacerda. O diálogo teórico entre Saussure e Benveniste: língua, sistema e sujeito. 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