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Medicina A doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA ou NASH) é atualmente a hepatopatia mais comum, especialmente nos países ocidentais, com uma prevalência que acompanha os índices epidêmicos globais de obesidade, FISIOPATOLOGIA Pouco se sabe sobre os mecanismos fisiopatológicos da DHGNA, a despeito de sua alta prevalência e morbidade. Os fatores de risco, no entanto, são bem conhecidos e estão relacionados principalmente à síndrome metabólica. Dieta hipercalórica, excesso de gorduras saturadas, carboidratos refinados, bebidas açucaradas, ingestão elevada de frutose e uma dieta ocidental foram associados ao sobrepeso, à obesidade e, mais recentemente, à DHGNA. Dentre as hipóteses consideradas para explicar a fisiopatogênese da DHGNA e sua evolução para EHNA (esteatose hepática não gordurosa), destaca-se a teoria dos múltiplos hits, que confere à resistência insulínica (RI) papel central, levando à lipogênese hepática de novo e à subsequente redução da lipólise no tecido adiposo, com consequente aumento do afluxo hepático de ácidos graxos. Essas alterações, somadas a estímulos como estresse oxidativo, ativação de citocinas inflamatórias, estresse do retículo endotelial e disfunção mitocondrial, favorecem o desenvolvimento de inflamação e fibrose. FATORES DE RISCO Obesidade HAS Glicose elevada Triglicérides elevados Níveis baixos de HDL Aumento da circunferência abdominal APRESENTAÇÃO CLÍNICA Normalmente assintomático ou queixas inespecíficas: desconforto no quadrante superior direito do abdome, fadiga; sobrepeso (IMC > 25 kg/m2); HAS; Obesidade central/adiposidade visceral; hepatomegalia e esplenomegalia; sinais de insuficiência hepática crônica: ginecomastia, eritema palmar, “spider” Alterações laboratoriais: enzimas hepáticas normais ou elevação de transaminases (< 4 vezes o LSN) ALT > AST* Elevação de GGT (< 6 vezes o LSN) Glicemia de jejum alterada Alterações do perfil lipídico Sinais de insuficiência hepática crônica (hipoalbuminemia, hiperbilirrubinemia e RNI alargado) DIAGNÓSTICO Alguns pacientes podem apresentar achado incidental de esteatose ao exame de imagem, e este é um cenário bastante comum na rotina do médico gastroenterologista e hepatologista. Esses pacientes devem passar por avaliação dos antecedentes pessoais e familiares de doenças associadas à DHGNA, exames laboratoriais com enzimas hepáticas e testes de função hepática, exclusão de causas secundárias de hepatopatias e rastreio de fatores de risco metabólicos, como diabete e dislipidemia. A DHGNA é definida pela presença de esteatose hepática, seja por diagnóstico por imagem ou por histologia, na ausência de causas secundárias de hepatopatias (Quadro 1). O diagnóstico por imagem da esteatose hepática pode ser realizado por ultrassonografia (US) de abdome ou tomografia computadorizada (TC). Já a espectroscopia por ressonância magnética (RM) é considerada padrão-ouro e possui sensibilidade superior aos demais métodos. Histologicamente, a DHGNA pode ser categorizada em esteatose isolada ou EHNA. A esteatose isolada é caracterizada pela presença de esteatose, normalmente macrovesicular, em mais de 5% dos hepatócitos, na ausência de balonização e fibrose, podendo conter leve inflamação lobular. Já a EHNA é definida pela presença de esteatose, infiltrado inflamatório lobular misto e balonização hepatocelular, com ou sem fibrose perissinudoidal em zona 3. Apesar do seu valor prognóstico, a presença de fibrose não é obrigatória para o diagnóstico. O diagnóstico definitivo de EHNA só pode ser fornecido por meio da biópsia hepática e, uma vez que os achados histológicos são semelhantes aos da esteato-hepatite alcoólica (EHA), somente os dados clínicos podem excluir essa etiologia. - A decisão de se propor a biópsia deve ser discutida e individualizada com cada paciente, uma vez que traz custos adicionais e riscos de morbimortalidade. Um número de achados clínicos associados à EHNA e/ou à fibrose avançada em pacientes com DHGNA pode auxiliar na indicação de biópsia hepática, especialmente: idade acima de 45 anos, presença de obesidade ou de DM2 e a relação AST/ALT > 1. Além dos exames de imagem já citados anteriormente, escores clínicos para avaliação não invasiva da esteatose são alternativas quando não houver disponibilidade desses exames. Três deles têm ganhado relevância por já terem sido validados externamente, apesar de servirem apenas para estabelecer a presença, e não a gravidade: o índice de gordura hepática (FLI, do inglês fatty liver index); o SteatoTest®; e o escore de gordura hepática para DHGNA (em inglês, NAFLD liver fat score). TRATAMENTO O tratamento da DHGNA deve consistir não só no tratamento da hepatopatia, mas também das comorbidades metabólicas associadas, visando ao longo prazo: Reduzir a progressão da lesão hepática, principalmente para cirrose. Reduzir a incidência de carcinoma hepatocelular. Reduzir a mortalidade. Uma combinação de dieta de baixo teor calórico com o incentivo à prática de atividade física deve ser instituída para todos os pacientes. O principal objetivo consiste em perda ponderal sustentada, sendo esta a medida mais eficaz de controle da doença. Perda ponderal de pelo menos 5 a 7% do peso corporal já é capaz de promover melhora histológica na inflamação e na balonização. Uma perda mais significativa, de pelo menos 10%, é necessária para regressão do grau histológico da fibrose A terapia farmacológica específica pode ser utilizada somente em pacientes com EHNA comprovada por biópsia hepática e que têm risco para evoluir para formas mais graves. Vitamina E Entre as drogas que têm propriedade antioxidante, a vitamina E está entre as mais estudadas e utilizadas. Seu uso ganhou impulso após o estudo PIVENS25, no qual Sanyal et al. mostraram melhora do NAS com o uso de vitamina E, em uma dose de 800 UI/dia, em não cirróticos e não diabéticos. N-acetilcisteína (NAC) Precursor de glutationa, leva à redução das espécies reativas de oxigênio com menor lesão aos hepatócitos pela diminuição do estresse oxidativo. Metformina Atua inibindo a gliconeogênese hepática e reduzindo a absorção de glicose, o que leva a uma maior captação da glicose pelas células musculares. Apesar de o uso de metformina em pacientes com EHNA levar a perda de peso, diminuição da RI e melhora das aminotransferases6, não é capaz de promover melhora histológica. Pioglitazona É o agente da classe das tiazolinedionas mais estudado na EHNA. A pioglitazona é um agonista do receptor γ de peroxissomo proliferador-ativado (PPAR-γ), encontrado no tecido adiposo, no músculo esquelético e no fígado. Age reduzindo a RI na periferia, além de reduzir a produção de glicose pelo fígado. O estudo PIVENS25 comparou seu uso na dose de 30 mg/dia por 2 anos em pacientes não cirróticos e não diabéticos, com placebo e com vitamina E. Foi demonstrada melhora histológica da balonização, da inflamação e da esteatose, com diferença estatisticamente significativa em relação ao placebo, mas sem melhora no grau de fibrose hepática. Hipolipemiantes O uso das estatinas, de ômega-3 e de outras substâncias hipolipemiantes é permitido nos pacientes com DHGNA e deve ser estimulado nos pacientes portadores de dislipidemia. Até a presente data, entretanto, não há estudos que mostrem benefício direto desses fármacos na melhora histológica da EHNA Cirurgia bariátrica Para pacientes com obesidade grave (IMC > 35 kg/m2) e que têm EHNA, a cirurgia bariátrica é uma opção a ser considerada, visto que, para a maioria desses pacientes, dieta e atividade física não são eficazes, não sendo capazes de obter perda ponderal significativa e sustentada. COMPLICAÇÕES A doença cardiovascular é a causa mais comum de morte em pacientes com DHGNA, independentemente dos fatores metabólicos. Dessa maneira, modificação agressiva dos fatores de risco cardiovasculardeve ser considerada em todos os pacientes com DHGNA. A DHGNA é a terceira causa de CHC, o qual normalmente acomete pacientes de idade mais avançada, com cardiopatia associada, tendo, portanto, uma maior chance de mortalidade associada a essa neoplasia do que os demais pacientes com CHC relacionado a outras hepatopatias. O rastreio do CHC deve ser considerado em pacientes com fibrose avançada, de acordo com as recomendações dos atuais guidelines36,37. REFERÊNCIAS Quilici, Flávio, A. et al. A gastroenterologia no século XXI: manual do residente da Federação Brasileira de Gastroenterologia. Disponível em: Minha Biblioteca, Editora Manole, 2019.