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Lara Santos – Medicina FTC → Doença Hepática Metabólica: • Um grupo distinto de doença hepática é atribuível a distúrbios do metabolismo, tanto adquiridos quanto hereditários. O distúrbio metabólico adquirido mais comum é a doença hepática gordurosa não alcoólica. → Doença Hepática Gordurosa não Alcoólica (DHGNA): • A DHGNA representa um espectro de distúrbios que têm em comum a presença de esteatose hepática (fígado gorduroso), em indivíduos que não consomem álcool ou o fazem em quantidades muito pequenas (menos de 20 g de etanol/semana). • O espectro de DHGNA inclui esteatose hepática simples, que com o passar do tempo, pode progredir para EHNA, com desenvolvimento subsequente de fibrose e cirrose. ➔ Epidemiologia: • A doença hepática gordurosa não alcoólica é a hepatopatia crônica mais comum do mundo. • O termo “esteato-hepatite não alcoólica” (ou sua sigla comum EHNA) é muitas vezes utilizado para designar as características clínicas evidentes de lesão hepática, tais como as transaminases séricas elevadas, porém, a designação DHGNA é preferida, com o termo esteato- hepatite ficando reservado para as características histológicas de lesão do hepatócito. As características histológicas da DHGNA são mais consistentemente associadas à síndrome metabólica. • A DHGNA contribui para a progressão de outras doenças hepáticas, como a infecção por hepatite B e C. Cada vez mais, a DHGNA contribui para aumentar o risco de carcinoma hepatocelular, embora, ao contrário da hepatite viral crônica e doença hepática alcoólica, ela possa muitas vezes fazer isso na ausência de formação de cicatrizes significativa. ➔ Morfologia: • A esteatose patológica é definida como envolvendo mais do que 5% de hepatócitos. Gotas pequenas, médias e grandes de gordura, predominantemente os triglicerídeos, acumulam-se dentro dos hepatócitos, assim como fazem na esteatose alcoólica. Lara Santos – Medicina FTC • Na extremidade mais clinicamente benigna do espectro, não há inflamação hepática apreciável, morte de hepatócitos ou cicatrização, apesar da elevação persistente das enzimas hepáticas no soro. • A EHNA quase que completamente se sobrepõe, em suas características histológicas, à hepatite alcoólica. Na EHNA, em comparação com a hepatite alcoólica, as células mononucleares podem ser mais proeminentes do que os neutrófilos, e os corpos de Mallory-Denk são frequentemente menos proeminentes. • A esteatofibrose na DHGNA mostra precisamente as mesmas características e progressão, como na doença hepática alcoólica, embora a fibrose portal possa ser mais proeminente. • A cirrose pode se desenvolver, sendo muitas vezes subclínica por anos, e, quando estabelecida, a esteatose ou a esteato-hepatite podem ser reduzidas ou mesmo estar ausentes. • Atualmente, considera-se que mais de 90% da “cirrose criptogênica” descrita anteriormente represente a DHGNA “escondida”. • ADHGNA pediátrica difere significativamente da DHGNA observada em adultos. Normalmente as crianças apresentam uma esteatose mais difusa, mais fibrose portal do que fibrose central, e infiltração mononuclear portal e parenquimal, mais do que neutrófilos no parênquima. ➔ Patogenia: • Os dados disponíveis sugerem um modelo de dois eventos para a DHGNA. → Resistência à insulina que dá origem à esteatose hepática. → Lesão oxidativa hepatocelular resultando em necrose celular hepática e as reações inflamatórias secundárias. • Em geral, a esteatose hepática, assim como a obesidade, resulta de um excesso de alimentação rica em calorias, diminuição de exercícios e mecanismos genéticos/epigenéticos. Os dados indicam que os indivíduos com DHGNA comem mais refeições rápidas (fast food) e fazem menos exercícios. • O xarope de milho rico em frutose, um adoçante barato quase onipresente em alimentos industrializados, também parece promover a resistência à insulina. • Em indivíduos com resistência à insulina e síndrome metabólica estabelecidas, o tecido adiposo visceral não só aumenta, como também se torna disfuncional, com redução da produção do hormônio lipídico, a adiponectina, e aumento da produção de citocinas inflamatórias, tais como o TNF-α e a IL-6. Essas mudanças, por sua vez, provocam a apoptose do hepatócito. As células carregadas de gordura são Lara Santos – Medicina FTC altamente sensíveis aos produtos de peroxidação lipídica gerados por estresse oxidativo, o que pode danificar as membranas mitocondriais e plasmáticas, causando a apoptose. • A diminuição da autofagia também contribui para a lesão mitocondrial e formação de corpos de MalloryDenk. A produção, pelas células de Kupffer, de TNF-α e TGF-β ativa as células estreladas, o que leva diretamente à deposição de tecido cicatricial. A ativação de células estreladas também ocorre através da via de sinalização hedgehog, em parte, através da ativação de células T natural killer. De fato, o nível de atividade da via de sinalização de hedgehog está correlacionado com o estágio de fibrose na DHGNA. ➔ Fisiopatologia: • Esteatose é o resultado de um desequilíbrio entre a ENTRADA e a SAÍDA de lipídios no fígado. A preponderância da ENTRADA em relação à SAÍDA poderia ser explicada somente pela Resistência Insulínica (RI), pois: → A RI induz aumento da lipólise periférica; → A RI induz aumento da captação hepática de lipídios; → A RI induz uma diminuição na beta-oxidação mitocondrial; → A RI induz aumento na biossíntese de triglicerídeos. • A grande causa da resistência insulínica é um desequilíbrio entre o TNF-ALFA e a ADIPONECTINA. A preponderância do TNF-alfa sobre a Adiponectina também é capaz de atuar diretamente no fígado, promovendo: → Aumento na captação hepática de lipídios; → Diminuição da beta-oxidação. • Então, tanto a causa (desbalanço entre TNF-alfa e adiponectina) quanto a consequência (resistência insulínica) concorrem para o desenvolvimento do acúmulo hepatocelular de lipídios, a Esteatose Hepática. ➔ Desenvolvimento da inflamação: • Ácidos graxos em excesso são verdadeiras toxinas! A sobrecarga do citoplasma hepatocitário é capaz de ativar alguns sistemas enzimáticos, como a via da IKK- beta, que fosforila e ativa o fator de transcrição NFkB, que por sua vez se dirige ao núcleo e induz a célula a sintetizar TNF-alfa e Interleucina-6. • O TNF-alfa em altos níveis dentro do fígado exerce uma série de efeitos locais... O mais importante deles é a disfunção da mitocôndria, que em vez de oxidar os ácidos graxos (beta-oxidação), começa a fazer a peroxidação destas substâncias. Ácidos graxos peroxidados são poderosas Espécies Reativas de Oxigênio (ERO)!!! São estas ERO que promovem o estresse oxidativo responsável pelo desenvolvimento de Esteato-Hepatite. ➔ Aspectos Clínicos: • A esteato-hepatite pode justificar queixas vagas e inespecíficas, como fraqueza e mal-estar. Os pacientes que descobrem a doença na fase cirrótica, apesar de ainda poderem ser assintomáticos, com frequência referem os sinais e sintomas inerentes a esta síndrome. Lara Santos – Medicina FTC • Ao exame físico, o achado mais frequente (75%) é uma hepatomegalia firme, indolor (fígado gorduroso). Obviamente, quando um paciente já cirrótico procura o médico, é comum encontrarmos estigmas de hipertensão portal e insuficiência hepática crônica. • Aqueles com esteatose simples geralmente são assintomáticos. A apresentação clínica é frequentemente relacionada com outros sinais e sintomas da síndrome metabólica, (hipertensão, DM, obesidade e hiperlipidemia). • Estudos demonstraram que praticamente todos os pacientes com EHNA têm resistência à insulina. Valores anormais de ferritina são observados em cerca de 50% dos pacientes com EHNA, e um nível elevado de ferritina pode ser um marcador de resistência à insulina da EHNA. • Doenças virais, autoimunes e outras doençasmetabólicas do fígado devem ser excluídas antes que o diagnóstico possa ser realizado. • Outros apresentam sintomas gerais, como fadiga ou desconforto abdominal do lado direito causado pela hepatomegalia. • Pela associação entre EHNA e a síndrome metabólica, a doença cardiovascular é uma causa de morte frequente em pacientes com EHNA. • O objetivo do tratamento de indivíduos com EHNA é reverter a esteatose e prevenir a cirrose, corrigindo os fatores de risco subjacentes, tais como a obesidade e a hiperlipidemia, e também tratar a resistência à insulina. • A EHNA também aumenta o risco de carcinoma hepatocelular, assim como outras doenças metabólicas. ➔ Exames laboratoriais: • Quando elevadas, as aminotransferases (AST e ALT) e a gama-GT não costumam ultrapassar 4 vezes o limite superior da normalidade. Quando seus níveis estiverem acima de 10 vezes o normal, devemos considerar outros diagnósticos. • Vale lembrar que um hepatograma normal não descarta a existência de DHGNA. Inclusive, a ausência de alterações laboratoriais também não descarta a existência de EHNA (que pode ser grave e já apresentar algum grau de cirrose). • AST e ALT estão elevadas no soro em aproximadamente 90% dos pacientes com EHNA. Apesar das elevações enzimáticas, os pacientes podem ser assintomáticos. Lara Santos – Medicina FTC Em geral, a ALT está mais elevada do que a AST e as aminotransferases estão apenas levemente alteradas. • A relação AST/ALT costuma ser normal na DHGNA (isto é, < 1). Valores > 1 (e, principalmente, > 2) são sugestivos de doença hepática alcoólica. Não obstante, é importante ter em mente que, quando a DHGNA evolui para cirrose, a relação AST/ALT pode se inverter e ficar > 2. ➔ Exames de Imagem: • Três métodos de imagem têm capacidade para detectar a Esteatose, mas nenhum consegue dizer se existe ou não esteato-hepatite (inflamação do parênquima hepático). Exames de imagem podem revelar acúmulo de gordura no fígado. No entanto, a biópsia hepática é o método diagnóstico mais confiável para DHGNA e EHNA, e para avaliar a cicatrização. • A tomografia computadorizada de abdome é considerada o método menos sensível. Neste exame, o melhor indicador da presença de esteatose hepática é uma diferença entre os coeficientes de atenuação do fígado e do baço. • A ultrassonografia é sem dúvida o exame de imagem mais realizado na prática. É barato, disponível, e tem uma boa especificidade para o reconhecimento de um fígado gorduroso. • A ressonância nuclear magnética é o exame mais acurado na avaliação não invasiva da esteatose hepática! É menos disponível e mais caro que os demais, porém, o emprego da espectroscopia no estudo do tecido hepático ajuda a identificar e quantificar a fibrose. ➔ Biópsia: • A biópsia hepática representa o método de escolha para solucionar dúvidas diagnósticas, confirmar a presença de esteato-hepatite e estratificar com precisão o grau de cirrose. • A biópsia não apenas confirma o diagnóstico, mas também fornece importantes dados prognósticos. • Devemos indicar biópsia, por outro lado, nas circunstâncias em que o risco de evolução desfavorável (pela existência de fibrose/cirrose) for comprovadamente mais alto. As principais são: (1) Idade > 45 anos, principalmente se houver obesidade e/ou diabetes mellitus; (2) Estigmas de cirrose hepática (ex.: sinais e sintomas de falência hepatocelular e/ ou hipertensão porta); (3) AST/ ALT > 1. Lara Santos – Medicina FTC ➔ Tratamento: • A base do tratamento da doença hepática gordurosa é a perda de peso e o exercício, o que costuma ser difícil obter nessa população. • Como auxiliar para perda de peso, foi constatado que o orlistate, que é um inibidor reversível da lipase gástrica e pancreática, resulta em uma pequena redução do peso corporal e, em geral, é bem tolerado. Seu principal efeito adverso é a diarreia, que acomete os pacientes que não seguem à risca a dieta • A cirurgia bariátrica tem sido usada e demonstra um notável sucesso; todavia, trata-se obviamente de uma manobra bastante drástica para a indução da perda de peso. • Os estudos recentes concentraram-se na presença de resistência à insulina no centro dos mecanismos fisiopatológicos da DHGNA. As tiazolidinedionas como fármacos são inibidores do PPAR gama, que melhoram a sensibilidade à insulina no adipócito e no músculo esquelético, por meio da suprarregulação de proteino- quinases específicas envolvidas na redução da síntese de ácidos graxos. Lara Santos – Medicina FTC Referências: • Bases patológicas das doenças – Robbins e Cotran 9ª edição • Medcurso 2018 – Hepato volume 1 • Medicina Interna de Harrison – 18ª edição
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