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1 O ENSINO DE HISTÓRIA ANTIGA - ALGUMAS CONSIDERAÇÕES Alexandre Claro Mendes1 Resumo O artigo tem como objetivo fornecer elementos ao professor para que ele possa introduzir em suas aulas de História Antiga o uso de documentos escritos ou iconográficos tendo como objeto uma discussão sobre o papel paradoxal da Mulher grega. Palavras-Chaves: História, História Antiga e Ensino de História. Abstract The article aims to provide elements to the teacher so that he can introduce in his classes of Ancient History the use of written or iconographic documents having as object a discussion about the paradoxical role of the Greek woman. Keywords: History, Ancient history and the teaching of history. O Ensino de História Antiga - algumas considerações O ensino de História Antiga no Brasil seja no Ensino Fundamental, Médio e também nas universidades têm sofrido uma série de mudanças nas últimas décadas. Entre os vários motivos dessas mudanças merecem serem destacados a diversidade de temas e objetos incorporados pela historiografia da Escola dos Annales; os novos processos técnicos e metodológicos da arqueologia, mas também ao aumento de especialistas brasileiros nesse período da História, vale destacar nomes como Pedro 1 Mestre em História da Ciência pela PUC-SP 2 Paulo Funari, Ciro Flamarion Cardoso, Margareth Bakos, Glaydson José da Silva, André Leonardo Chevitarese, Jaime Pinsky e tantos outros. A atual historiografia antiga escrita no Brasil deu um enorme salto qualitativo no que diz respeito ao ensino de História. Isso pode ser observado nas mudanças metodológicas de ensino, já que a interpretação de uma História positivista preocupada com os grandes temas, líderes e fatos tem sido substituída por uma História problema e interdisciplinar, pois as fronteiras com outras áreas do conhecimento têm sido rompidas; dando origem a uma História multifacetada e interdisciplinar. (PAIVA, 2002, p. 11) Nesse sentido, o objetivo desse artigo é poder contribuir para essa renovação do ensino de História Antiga no Brasil, tendo como premissa, um movimento dialético entre passado e presente cuja proposta seja um diálogo entre essas duas temporalidades históricas, porém é de fundamental importância que o professor de história tenha cuidado em não cometer anacronismo com a temática em questão. Apesar da renovação existente no ensino de História Antiga, muitos alunos ainda perguntam aos seus professores de história qual a finalidade de aprender aquele conteúdo que muitas vezes se mostra muito longe do cotidiano do escolar. Desse modo, muitos professores recorrem às diversas estratégias multimídias existentes em grande parte das escolas; acreditando que esses recursos teriam a capacidade de deixar os alunos mais próximos do 3 que está sendo proposto para o ensino-aprendizagem, porém não é isso que acontece. Vejamos o que diz Karnal sobre essa questão: “Que seja dito e repetido à exaustão: uma aula pode ser extremamente conservadora e ultrapassada contando com todos os mais modernos meios audiovisuais. Uma aula pode ser muito dinâmica e inovadora utilizando giz, professor e aluno. Em outras palavras, podemos utilizar meios novos, mas a própria concepção de História que deve ser repensada ” (KARNAL, 2003, p. 09). Como podemos observar o que faz uma aula de História Antiga ser interessante não é efetivamente o uso de recursos audiovisuais de última geração, mas sim o tipo de tema e recorte; cabe destacar que a escolha de qualquer professor é antes de tudo uma opção política, isto é, ele não é neutro, porém isso não significa ser militante de um partido ou causa política. Outro fator que merece destaque para que uma aula seja interessante é a formação do professor cultural. Mesmo não sendo um especialista de História Antiga é fundamental que esse profissional conheça os principais teóricos dessa área do conhecimento sejam eles brasileiros como os que foram citados no início do texto, mas também estrangeiros como Moses Finley, Paul Veyne, Jean Pierre Vernant, Jacqueline Romilly, Pierre Vidal-Naquet etc. O conhecimento de fontes primárias escritas é muito importante, já que possibilita ao professor ter conhecimento dos diferentes gêneros textuais; sejam eles literários, filosóficos ou mesmo da dramaturgia. 4 Autores como Homero, Platão, Aristóteles, Sófocles, Eurípedes, Aristófanes etc., devem ser conhecidos dos professores não apenas pelo cinema ou pelo teatro, mas especialmente pela leitura, pois a experiência da leitura de um texto clássico é sempre única. Além das fontes primárias escritas o professor de história pode aumentar seu reportório cultural conhecendo mesmo que ainda de forma superficial os vestígios materiais sejam das ruinas das cidades passando pelas esculturas até chegar aos mais variados objetos de uso cotidiano. Toda essa formação cultural pode ser adquirida pelo professor de história, já que o acesso a todas essas coisas podem ser feitas a partir de uma navegação pela internet em importantes sites de universidades brasileiras, estrangeiras, museus (muitos onde é possível realizar tour virtual), acesso a uma variedade imensa de periódicos e poder trocar experiências com diversos grupos de estudos existentes. O uso de documentos nas aulas de História Antiga O uso de documentos em sala de aula tem sido uma importante ferramenta pedagógica para a formação de uma consciência histórica que compreenda ações humanas ao longo das diversas temporalidades existentes. Essa consciência histórica constitui o processo de pensar sobre até que ponto o passado participa do presente na multiplicidade de interpretações existentes na História. Para a Bittencourt, os documentos são registros produzidos sem intenção didática e criados por intermédio de diferentes linguagens, que 5 expressam formas diversas de comunicação. Precisam ser analisados de acordo com suas características de linguagem e especificidade de comunicação (BITTENCOURT, 2009, p. 333). Entretanto para o historiador Jacques Le Goff , todo documento é produto da sociedade que o fabricou. Desta forma, é importante levar em consideração as condições de produção do documento/fonte. (LE GOFF, 2003, p. 525). A partir desses postulados o professor de História deve preparar sua aula tomando uma série de cuidados para a utilização de documentos sejam eles escritos ou iconográficos, além disso, é importante que o professor num primeiro momento procure ser um mediador na relação entre os alunos com o documento. O pensamento do historiador inglês Carr serve como um exemplo que pode ser seguido veja: “A história consiste num corpo de fatos verificados. Os fatos estão disponíveis para os historiadores nos documentos, nas inscrições, e assim por diante, como peixes na tábua do peixeiro. O historiador deve reuni- los, depois levá-los para casa, cozinhá-los, e então servi-los da maneira que o atrair mais.” (CARR, 1996, p. 59) Tendo o papel de mediador em relação as leituras e interpretações do documento o professor também precisa mostrar aos seus alunos que a história não pode ser reduzida simplesmente a uma opinião qualquer, isto é, o conhecimento é fruto de uma série de processos teóricos e metodológicos, porém é importante que o próprio aluno entenda que a história sempre continuará sendo reescrita a partir de problemáticas 6 existentes no seu presente. Mesmo sabendo que nossos alunos não historiadores é fundamental que ele construa determinadas competências da consciência histórica. Um historiador, como qualquer outro indivíduo, fala sempre sobre o passado no presente. Ele reconstitui os discursos e os atos do passado com linguagem, conceitos e preocupações que são as do seu tempo, e ele se dirige a seus contemporâneos.(...) seu trabalho se inscreve assim em uma dialética, uma tensão entre as palavras do passado e as do presente (ROUSSO, 1998, p. 50). Portanto, o trabalho com documentos históricos nas salas de aula do Ensino Fundamental ou Médio precisa passar por um processo de historicidade na qual o professor tem total responsabilidade em problematizar as tensões existentes entre história-memória/passado- presente. Uma breve proposta de aula de História Antiga – a questão de gênero no mundo grego A representação da mulher grega na história que aparece nos livros didáticos tem sido muitas vezes paradoxal, já que ela é apresentada de duas maneiras; como um sujeito sem efetivamente sem vontade própria e com uma participação pública geralmente opaca; seu espaço de ação social muitas vezes ocorre apenas no âmbito privado. Por outro lado, é também possível encontrar mulheres como a poetisa Safo que possivelmente teria coordenado uma escola destinada a educar as 7 mulheres para que se tornassem hetairas; outro nome importante que merece nossa atenção foi o de Aspásia, que teria sido a responsável em ter escrito grande parte dos discursos do legislador Péricles (SALIS, áudio livro, 2016). A partir dessas representações das mulheres no mundo grego (Atenas) seria importante que o professor procure trazer para sua aula uma variedade de documentos de sua temática que tivesse a capacidade de problematizar a reconstrução que é feita da mulher grega. O uso de fragmentos de textos filosóficos como à Ilíada e a Odisseia de Homero, a “República” de Platão, à Política de Aristóteles, o Econômico de Xenofonte, as Troianas e Medéia de Eurípedes, a Lisístrata de Aristófanes; são importantes fontes escritas de como as mulheres eram representadas na literatura, filosofia e no teatro grego. Ao lado desses textos, podemos introduzir as iconografias presentes nos vasos gregos, atualmente com advento da internet é possível encontrar uma variedade imensa de representações da mulher grega nesses objetos de uso cotidiano. Com esse material é possível fazer com que os alunos passem a ter mais interesse nas aulas de História Antiga, mas não como algo distante ou como simples curiosidade de determinadas ações da humanidade no tempo. O uso dessa multiplicidade de documentos possibilita aquilo que inerente do saber histórico, ou seja, perceber que não há história imóvel e 8 a história também não é pura mudança, mas sim o estudo das mudanças significativas (LE GOFF, 2003, p. 320). Desse modo, o ensino de História Antiga pode contribuir para formação dos aspectos vinculados ao processo de construção da cidadania no nosso país; uma vez que o papel da mulher na sociedade brasileira tem sido também paradoxal, seja pelas posições profissionais que elas atualmente eles ocupam, seja pelo fato de continuar existindo uma prática de violência física ou simbólica contra ela. Mediante esse diálogo entre passado-presente as aulas de História Antiga passam a ganhar sentido e tornam nossos alunos mais críticos e tolerantes com o mundo que os cerca. Bibliografia BITTENCOURT, Circe. Ensino de história: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2009. CARR, Edward Hallet. Que é História. São Paulo: Paz e Terra, 1996. FUNARI, Pedro Paulo. Antiguidade Clássica – a história e a cultura a partir dos documentos. São Paulo: UNICAMP, 2003. KARNAL, Leandro (org.). História na sala de aula – conceitos, práticas e propostas. São Paulo: Contexto, 2003. LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas: UNICAMP, 2003. LIMA, Alexandre Carneiro Cerqueira. História e imagem múltiplas leituras. Rio de Janeiro: Editora UFF, 2013. PAIVA, Eduardo França. História & Imagens. São Paulo: Autêntica, 2006. 9 PINSKY, Carla Bassanezi (org.). Novos Temas nas aulas de história. São Paulo: Contexto, 2009. ROUSSO, Henry. La hantisse du passé. Paris: Éditions Textuel, 1998. SALIS, Victor D. Projeto Paideia Parte I. Áudio Livro. São Paulo: 2012.
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