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1 TERAPIA COGNITIVO - COMPORTAMENTAL EM FOBIAS ESPECÍFICAS 1 NOSSA HISTÓRIA A nossa história inicia com a realização do sonho de um grupo de empresários, em atender à crescente demanda de alunos para cursos de Graduação e Pós-Graduação. Com isso foi criado a nossa instituição, como entidade oferecendo serviços educacionais em nível superior. A instituição tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação. A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica, excelência no atendimento e valor do serviço oferecido. 2 Sumário NOSSA HISTÓRIA .................................................................................. 1 Introdução ................................................................................................ 3 Fobias específicas................................................................................ 4 Diagnóstico e comorbidades ............................................................ 8 Etiologia .......................................................................................... 12 Modelo cognitivo-comportamental...................................................... 17 Estratégias de tratamento ............................................................... 21 Dessensibilização sistemática ao vivo ............................................ 21 Dessensibilização sistemática por imagem .................................... 26 Exposição em realidade virtual ....................................................... 27 Hiperexposição ............................................................................... 28 Intervenções cognitivas .................................................................. 28 Modelação ...................................................................................... 29 REFERÊNCIAS ..................................................................................... 30 3 Introdução A fobia é definida como um medo persistente, desproporcional e irracional de um estímulo que não oferece perigo real ao indivíduo (Organização Mundial da Saúde, 1993). Ela envolve ansiedade antecipatória, medo dos sintomas físicos e esquiva e fuga. Quando o medo excessivo apresenta estímulo definido, denomina-se fobia específica (Lotufo Neto, 2011). Teóricos da abordagem cognitivo-comportamental consideram esse medo aprendido e o explicam com base na teoria do condicionamento clássico de Pavlov, do operante de Skinner e da modelação de Bandura (Piccoloto, Pergher, & Wainer, 2004). O sujeito fóbico tem um pensar distorcido ao considerar algumas situações mais ameaçadoras do que realmente são. Essa forma de pensar leva o fóbico a frequentemente adotar os mecanismos de evitação e esquiva por acreditar ser incapaz de enfrentar e superar a situação (Piccoloto et al., 2004). A constante evitação impossibilita que ele cheque a validade de suas crenças e essas são cada vez mais reforçadas. Além disso, por ter consciência de que seu medo é irreal, o portador desse transtorno passa a escondê-lo, por vergonha e por temer a exposição pública (Roso, 1998). Com o objetivo de promover a reestruturação cognitiva, estudos indicam a psicoeducação, a dessensibilização sistemática e a exposição ao vivo como 4 as melhores estratégias para o sucesso no tratamento da fobia (Lotufo Neto, 2011). A psicoeducação inclui o ensino sobre a terapia, seus pressupostos e sobre o transtorno (Knapp, 2004). A dessensibilização sistemática, baseada na extinção, no contracondicionamento e na habituação visa eliminar os comportamentos de medo e evitação com emissão de respostas assertivas (Turner, 2002). Nela, o cliente é levado à exposição gradativa ao objeto fóbico, precedida pelo relaxamento (Vera & Vila, 2002). Wright, Basco e Thase (2008) destacam que, para promover respostas contrárias à ansiedade, inicialmente é necessário aprender as técnicas de relaxamento e a respiração diafragmática. A exposição ao vivo, normalmente usada após a dessensibilização, objetiva expor o cliente à situação temida direta e gradualmente, associada à respiração diafragmática para reduzir a ansiedade. Turner (2002) salienta que essa redução é favorecida quando o cliente sente segurança e confiança em relação ao terapeuta. O tratamento visa a reestruturação cognitiva a partir da identificação por parte do cliente de seus pensamentos e crenças distorcidas que provocam falha na avaliação da situação, substituindo-os por cognições realistas e assertivas. Fobias específicas A fobia é uma espécie particular de medo. Palavra que vem do grego “phobia”, e por sua vez derivada da palavra “phobos”, nome de um deus grego, que significa “pânico, terror”. Este deus segundo lendas provocava medo intenso em seus inimigos por possuir a face terrivelmente feia (MESTRE e CORASSA, 2000). Segundo Castillo (2000) fobias específicas são definidas pela presença de medo excessivo e persistente relacionado a um determinado objeto ou situação, que não seja situação de exposição pública ou medo de ter um ataque de pânico. Obviamente, as fobias específicas podem desencadear no sujeito a 5 chamada ansiedade antecipatória. Na afirmação de Wauke e outros autores (2004): O contato com o estímulo fóbico para Rangé (2011) causa ansiedade, surgindo sintomas físicos que podem ser do sistema nervoso autônomo (cardiorrespiratório), muscular, cinestésico e outros: • Autonômicos: taquicardia (cardiorrespiratório), sudorese quente ou fria, taquipneia, vasoconstrição (extremidades frias, palidez) midríase, piloereção, aumento do peristaltismo (diarreia); • Musculares: dores, contraturas, tremores, trepidação; • Cinestésico: parestesias, calafrios, adormecimentos; • Outros: Urgência de ir urinar, vazio no estômago, dor e aperto no peito. Sintomas psíquicos também são característicos em pessoas com fobia, como por exemplo: tensão, nervosismo, apreensão, insegurança, dificuldade de concentração, sensação de estranheza, sensação de morte iminente etc. (RANGÉ, 2011).De acordo o DSM-V uma característica do transtorno de fobia específica é que o medo ou a ansiedade está circunscrito na presença de uma situação ou objeto particular, denominado estímulo fóbico. Silva (2011) classifica por tipo as fobias existentes mais comuns, entre elas estão: fobia do tipo animal (p. ex., aranhas, cães, cobras), fobia do tipo ambiente natural (p. ex., altura, tempestade, ruídos altos) fobia do tipo sangue, injeção, tipo de ferimento (p. ex., sangue, dor, procedimentos médicos invasivos), fobia do tipo situacional (p. ex., lugares fechados, lugares abertos, elevadores, aviões) e do tipo outros (p. ex., vômitos, engasgar, doenças). O 6 medo e a ansiedade são quase sempre evocados quando o indivíduo entra em contato com o estímulo fóbico. A fobia específica segundo o DSM – V é ocasionalmente desenvolvida após um evento traumático, por observação de outras pessoas, passando pelo evento traumático, por um ataque de pânico na situação temida, entre outros fatores. No entanto, muitas pessoas que possuem fobia específica não lembram o evento desencadeadorda fobia. As fobias específicas são influenciadas por nossas crenças. Se interpretarmos uma situação como ameaçadora, tendemos a ter reações emocionais de acordo com essa interpretação e não de acordo com o perigo real. É um dos transtornos ansiosos mais comuns com prevalências de até 16% em indivíduos com mais de 65 anos (RANGÉ, 2011). Algumas características diagnósticas deste transtorno segundo o DSM – V são apresentados por critérios, como demonstra o Quadro 1 As fobias específicas são caracterizadas por um medo acentuado e persistente, ativado por uma situação ou objeto específicos, acompanhado por um forte desejo de evitar tal objeto ou situação. Anteriormente referido como 7 neurose fóbica e, posteriormente, como fobia simples, a fobia específica foi classificada no DSM-IV em um grupo distinto denominado fobias específicas (Hamm, 2009; Kaplan & Sadock, 1999). Presentemente se tem conhecimento da alta prevalência desse transtorno na população como um todo, estando sua taxa de prevalência anual entre 4% e 8%. Ao longo de toda a vida, suas estimativas de ocorrência na população em geral variam de 7,2% all ,3%, segundo referências do DSM-IV-TR (American Psychiatric Association [APA], 2002), ou ainda em torno de 12,5%, conforme outros estudos mais recentes (Kessler et al., 2005; Trumpf, Becker, Vriends, Meyer, & Margraf, 2009; Wolitzky-Taylor, Horowitz, & Telch, 2008). Considerando que estas estimativas se modificam de acordo com os diferentes tipos de fobias específicas, algumas pesquisas evidenciam, em contextos clínicos, uma maior frequência dos subtipos situacional e de ambiente natural de fobia (APA, 2002; Mager, Bullinger, Mueller-Spahn, Kuntze, & Stoermer, 2001; Muschalla & Linden, 2009), ao passo que outros autores salientam os subtipos de animal e de ambiente natural como sendo mais constantes (Wolitzky- Taylor et al., 2008). Conforme a maioria dos transtornos de ansiedade, a fobia específica apresenta um curso crônico, com baixos índices de remissão espontânea. Apesar de sua natureza circunscrita, está associada a prejuízo significativo (Wolitzky-Taylor et al., 2008), o que não apenas justifica, como também impulsiona a investigação de estratégias de tratamento eficazes no combate aos danos resultantes desta perturbação. Em termos de tratamento, tem-se hoje evidência suficiente de que pacientes que sofrem de fobia específica são resistentes à busca de ajuda (Fyer, 1998; Muschalla &: Linden, 2009; Wolitzky-Taylor et al., 2008). Dentre os motivos, perceber sua fobia como intratável, desconhecer as abordagens de tratamento disponíveis, ter receio pelo tratamento envolver confronto direto com o objeto temido e a natureza circunscrita do transtorno estão entre os principais. Ademais, alguns pacientes podem ter experimentado fracasso ao tentar enfrentar seus medos por conta própria, inferindo que os tratamentos à disposição não são eficazes para o seu caso. 8 A despeito da baixa proporção de pacientes que sofrem de fobia específica e que buscam tratamento, este transtorno acha-se entre um dos mais tratáveis. De todos os tratamentos disponíveis, a terapia de exposição é a mais largamente estudada, e frequentemente considerada a primeira escolha no manejo da fobia específica. Todavia, muitos autores observaram que outras modalidades que não incluem apenas as técnicas de exposição, como é o caso da terapia cognitiva, podem ser úteis no tratamento de certos subtipos de fobia específica (Choy, Fyer, & Lipsitz, 2007). Pretende-se revisar, neste capítulo, aspectos referentes ao diagnóstico das fobias específicas, discriminando transtornos que se assemelham às características clínicas das fobias específicas, bem como salientando as perturbações que comumente as acompanham. Em seguida, será realizada uma atualização das teorias que abordam a etiologia deste transtorno, proporcionando a apresentação de um modelo cognitivo-comportamental deste. Posteriormente, as abordagens de tratamento disponíveis e sugestões de manejo clínico no esbatimento dos sintomas serão exploradas. Em função da diversidade constituinte dos diferentes subtipos de fobia específica, os dados apresentados não almejam um caráter conclusivo, uma vez que acabam por priorizar aspectos de um subtipo, em detrimento de outros. Diagnóstico e comorbidades Realizar o diagnóstico de uma fobia específica não consiste em uma tarefa simples, na medida em que a maior parte dos indivíduos acometidos por este transtorno apresenta mais de um tipo de fobia, assim como outros diagnósticos comórbidos. Por conseguinte, é fundamental analisar se a fobia é uma dificuldade independente ou associada a outro transtorno (Kaplan &C Sadock, 1999). Além disso, verificar o grau de comprometimento gerado pela perturbação é um aspecto igualmente essencial. Embora os temores a situações ou objetos específicos sejam comuns entre os indivíduos, o diagnóstico de fobia específica depende da magnitude do dano causado (APA, 2002; Bourne, 2001a; Muschalla & Linden, 2009). 9 O DSM-IV-TR (APA, 2002), a partir de sua quarta edição, define que os seguintes critérios diagnósticos são necessários para que a fobia específica seja diagnosticada: (1) medo significativo e duradouro do estímulo fóbico; (2) resposta de ansiedade diante da exposição ao estímulo fóbico (pode ocorrer um ataque de pânico relacionado à situação específica e, em crianças, pode ser expressa por choros, ataque de raiva, imobilidade ou comportamento aderente); (3) reconhecimento da irracionalidade do temor (crianças podem não considerar seu medo excessivo); (4) evitação do estímulo fóbico ou resistência a este com profunda ansiedade; (5) interferência da esquiva, do medo ou da antecipação ansiosa da situação temida no funcionamento diário dos indivíduos ou acentuado sofrimento relacionado à fobia; (6) permanência dos sintomas por pelo menos seis meses, em caso de indivíduos com menos de dezoito anos; e (7) impossibilidade de explicar os sintomas pela presença de algum outro transtorno. É possível identificar alguns subtipos de fobias específicas, conforme o foco do medo experimentado. De acordo com DSM-IV-TR, as fobias específicas podem ser: (1) de tipo animal, incluindo temor de aranhas, cobras, ratos, vermes, e uma resposta de medo caracterizada por um forte padrão fisiológico autonômico, provavelmente preparando o organismo para o escape; (2) de tipo sangue-injeção-ferimento, abrangendo medo de ver sangue, ou receber injeção, por exemplo, tendo uma resposta de medo de duas fases: inicialmente ativando o sistema nervoso simpático, aumentando o ritmo cardíaco e a pressão sanguínea e, posteriormente, uma hipotensão que pode levar à síncope; 10 (3) de tipo situacional, compreendendo um medo decorrente de uma situação específica, como utilizar transportes coletivos, túneis, elevadores etc.; e (4) de tipo ambiente natural, envolvendo apreensão relacionada a objetos ou situações do ambiente natural, como é o caso de altura e temporais. Conforme Hamm (2009), a última edição do DSM esforçou-se para abandonar a classificação anterior, de acordo com os objetos e situações temidas, focando, ao invés disso, a resposta de medo. Focar a diferenciação dos padrões de resposta de medo, ao invés da primazia normalmente atribuída às situações temidas, tem importante implicação no delineamento das abordagens de tratamento (APA, 2002). As fobias específicas podem ocorrer concomitantemente a outros transtornos de ansiedade, transtornos de humor e transtornos relacionados a substâncias. Em um estudo brasileiro conduzido por Terra, Garcez e Noll (2007), no qual 103 pacientes foram avaliados com relação à presença de fobia específica, observou-se maior ocorrência comórbida dedepressão (16,5% da amostra estudada). Em similar direção, Choy, Fyer e Goodwin (2007) verificaram uma associação alta entre estes dois transtornos, a partir da condução de análises estatísticas específicas na Amostra Nacional de Comorbidade {Comorbidity National Survey). Análises adicionais demonstraram, inclusive, que esta relação é observável em pacientes com medo de altura, animais e espaços fechados. Os autores salientaram a importância de um processo diagnóstico bem executado, principalmente devido à negligência dos aspectos associados à fobia específica, em detrimento do foco dado às comorbidades. Neste sentido, considera-se indispensável determinar os diagnósticos primário e secundário por meio da obtenção da história clínica completa e detalhada do indivíduo. Além disso, um aspecto não menos importante diz respeito à sobreposição existente entre alguns sintomas presentes na fobia específica e características que fazem parte de outros transtornos. Tratando-se da fobia específica, que normalmente vem acompanhada de diagnósticos comórbidos, esclarecer as fronteiras entre esta e outros quadros psiquiátricos pode não ser um processo tão imediato como se suporia. Em função disso, um cuidadoso 11 diagnóstico diferencial deve ser levado em consideração, no intuito de se evitar avaliações equivocadas. Entre os distúrbios com sintomas similares aos da fobia específica, destacam-se o transtorno do pânico com agorafobia, a fobia social, o transtorno de estresse pós-traumático, o transtorno obsessivo-compulsivo, a hipocondria, a esquizofrenia e outros transtornos psicóticos. Geralmente, o diagnóstico de fobia específica pode ser diferenciado dos demais transtornos de ansiedade em função da restrição do seu temor a objetos ou situações específicos. Muitas vezes é difícil, entretanto, diferenciar a fobia específica, de tipo situacional, de transtorno do pânico com agorafobia. Apesar de ambos os diagnósticos poderem incluir ataques de pânico e esquiva de situações similares, indivíduos com fobia específica, ao contrário de indivíduos com transtorno de pânico com agorafobia, não mostram ansiedade permanente. Na fobia específica ocorre a esquiva de situações na ausência de ataques de pânico recorrentes e inesperados. Em situações ambíguas se devem levar em consideração quatro fatores: o foco do medo, o tipo e o número de ataques de pânico, o número de situações evitadas e o nível de ansiedade intercorrente. Por vezes, contudo, ambos os diagnósticos, fobia específica e transtorno de pânico com agorafobia, são atribuídos. Outro ponto a ser considerado na avaliação da fobia específica relaciona- se à sua caracterização na infância. Isso porque a maioria das crianças apresenta medos típicos do desenvolvimento, não sendo estes necessariamente disfuncionais (Pelisoli, Bellé, & Caminha, 2007). O medo de animais e temores específicos ao ambiente natural, por exemplo, são comuns e geralmente transitórios em crianças. Por outro lado, estudos explorando a relação entre idade e fobias mostram que crianças, ao contrário dos adultos e adolescentes, muitas vezes não relatam sentimentos de angústia em relação às suas fobias (Bourne, 2001b). Algumas investigações indicam também uma ligação entre gênero e fobia específica. Em sua maioria, reforçam achados anteriores de que as mulheres são mais vulneráveis a sofrerem de fobia específica que os homens (Bourne, 2001a; Fyer, 1998; Kessler et al.y 2005). Outra importante diferenciação entre gêneros se associa à busca por auxílio, sendo as mulheres mais propensas a relatar as fobias específicas e procurar o tratamento. 12 A partir do exposto, observa-se que a avaliação da presença de um diagnóstico de fobia específica pode ser desafiadora. O fato de este transtorno dificilmente vir desacompanhado de outros diagnósticos reforça a necessidade de um processo avaliativo meticuloso e habilidoso. Um procedimento diagnóstico estruturado, envolvendo entrevistas clínicas, observação comportamental e o preenchimento de escalas que avaliem a presença de sintomas de ansiedade, pode reduzir a possibilidade de erros, aumentando a confiabilidade do processo. Etiologia São muitos os modelos dos fatores etiológicos envolvidos na aquisição do medo. Tal fato reflete, em parte, tanto a complexidade das fobias específicas quanto a falta de consenso teórico no campo (Armfield, 2006). Em termos gerais, a maior parte desses modelos associa o desenvolvimento de uma fobia específica a uma variedade de fatores biológicos, comportamentais, cognitivos e sociais. Optou-se por utilizar como referência a teoria de aquisição de medos proposta por Rachman, que defende que medos e fobias podem ser adquiridos por meio de três principais caminhos: condicionamento direto, aprendizagem vicária e instrução e informação (Rachman, 1977). Dados advindos dos avanços das neurociências (e da psicologia cognitiva em específico) serão igualmente integrados, direcionando e embasando a posterior apresentação do modelo cognitivo-comportamental da fobia específica. O condicionamento direto ocorre pela associação entre dois estímulos, na qual o estímulo, que era inicialmente neutro, começa a eliciar uma resposta de ansiedade ao ser associado com um estímulo que provoque ansiedade ou dor, tornando-se um estímulo de medo condicionado. Por exemplo, se um indivíduo, ao dirigir, experimenta uma forte resposta de ansiedade ao enfrentar um acidente, pode formar uma associação entre o ato de dirigir e o acidente. Neste caso, uma fobia específica poderia ser adquirida por meio desta experiência aversiva direta em que o estímulo anteriormente neutro (ato de dirigir) foi emparelhado com um estímulo aversivo (acidente). 13 A intensidade do medo aprendido está relacionada ao número de repetições desta associação entre os referidos estímulos, bem como à força do medo ou dor experimentados na presença do estímulo (Rachman, 2002). Como resultado desta experiência de condicionamento de medo, resíduos do evento ameaçador ficam marcados no indivíduo como componentes das memórias de medo. Estes podem ser ativados por estímulos associados ou semelhantes aos eventos aversivos, que também adquirem propriedades de gerar a resposta de ansiedade, ampliando o alcance da aprendizagem aversiva. Outro aspecto indispensável na compreensão da etiologia e da manutenção de uma fobia diz respeito aos mecanismos de evitação. Já que a exposição a estímulos fóbicos está associada a uma reação de ansiedade severa e aguda, muitos indivíduos ajustam seu estilo de vida de forma a evitar, ou ao menos minimizar, o contato com estes, sendo recompensados com o alívio da ansiedade (Fyer, 1998; Muschalla & Linden, 2009). Este processo reflete pressupostos da teoria do condicionamento operante (Skinner, 1981), segundo a qual comportamentos consequenciados por estímulos reforçadores têm sua frequência de ocorrência aumentada. No exemplo acima mencionado, o indivíduo passaria a evitar o ato de dirigir, reduzindo, assim, a ansiedade provocada por este (ou pela simples antecipação deste). A resposta de evitação (também chamada de fuga) envolveria uma consequência reforçadora negativa, uma vez que retira o estímulo aversivo de ansiedade (Catania, 1999). Como efeito disto, eliminaria sua exposição ao estímulo condicionado, inviabilizando a possibilidade de modificar a relação de contingência aprendida e de extinguir o medo. Isso porque, durante o processo de exposição, o organismo aprende que um estímulo inicialmente associado a uma experiência ameaçadora não está mais relacionado ao evento doloroso e aversivo. Em um nível cognitivo, assimila novas relações de contingências entre estímulos (por exemplo, a informação de que o objeto temido não mais prediz a experiência de um evento aversivo), e, em um nível emocional, experimentasentimentos de alívio (Hamm, 2009). A aprendizagem vicária, apontada como o segundo caminho de desenvolvimento da fobia na teoria de Rachman (1977), já foi extensivamente referida nos trabalhos de Albert Bandura (1969) sobre a aprendizagem social. 14 De acordo com este princípio teórico, não é necessária uma experiência direta do estímulo aversivo para o desenvolvimento do medo aprendido, uma vez que a mera observação da interação de outras pessoas com este pode levar a aprendizagem de uma resposta de medo. A aprendizagem vicária ocorre, neste caso, em situações que o indivíduo testemunha um evento traumático ou vê outra pessoa comportar-se com medo ao confrontar um estímulo fóbico. Piccoloto, Wainer, Pergher e Piccoloto (2003) advertem quanto a duas questões importantes do condicionamento vicário: (1) a intensidade da resposta aprendida, a qual se relaciona com a intensidade da resposta fóbica vivenciada pelo modelo; e (2) a semelhança entre modelo e observador, que constitui um grande facilitador do processo de aprendizagem. Elementos informativos e instrutivos também podem resultar na formação de medos, caracterizando- se no terceiro item da teoria de Rachman (1977). Tendo em vista que o ser humano está constantemente exposto a informações de naturezas diversas, e que estas moldam sua estruturação cognitiva, não surpreende que os medos aprendidos sejam também adquiridos por esta via. Por exemplo, a frequente exposição a diálogos e notícias sobre acidentes de avião pode levar uma pessoa a desenvolver um intenso medo de voar. Cabe ressaltar, entretanto, que diferenças de personalidade interagem com este processo de aprendizagem, moderando a percepção individual dos estímulos em questão (Armfield, 2006). O modelo de condicionamento clássico das fobias específicas procede dos trabalhos de John Watson e outros behavioristas. Os behavioristas já sugeriam que estas fobias eram medos condicionados, nos quais um estímulo anteriormente neutro tornava-se condicionado ao ser repetidamente associado a um estímulo ameaçador. Embora tenha indiscutivelmente certa validade, algumas inconsistências colocam este modelo em questionamento: (1) nem todos os indivíduos recordam um evento de condicionamento; (2) um pequeno número de estímulos, não aleatoriamente distribuídos, respondem pela maioria das fobias em humanos; (3) nem todos os indivíduos que têm uma experiência aversiva com estes estímulos desenvolvem a fobia; e 15 (4) as fobias não se extinguem da mesma maneira que os medos condicionados em laboratório. Inúmeras pesquisas têm sido promovidas para determinar se tais inconsistências refletem um erro básico ou uma falha ao levar em conta variáveis moduladoras adicionais, como a genética e a experiência passada, que poderiam promover ou inibir o desenvolvimento de uma fobia (Fyer, 1998). LeDoux (1996, citado em Fyer, 1998) fornece algumas justificativas para o fato de a resposta emocional de medo poder ser lembrada mesmo quando o contexto no qual ela surge é esquecido. Com base em pesquisas de condicionamento do medo em ratos, ressaltam-se dados mostrando a existência de dois caminhos separados direcionados à amígdala, cada um ativado por estímulos condicionados: um rápido, que se dá diretamente do tálamo sensório para a amígdala, e uma rota mais longa, que através do cortex sensorial. O circuito subcortical estabelece a memória emocional na amígdala, ao passo que o circuito cortical acessa o hipocampo, para a formação de memórias explícitas. Com base nisto, duas situações nas quais a memória emocional poderia ser formada na ausência de uma função hipocampal podem ser descritas: (1) a maturação desenvolvimental mais rápida de estruturas envolvidas na memória emocional; e (2) a associação de respostas neuroendócrinas ao estresse, gerando a deterioração da função hipocampal. Resumidamente, as teorias de condicionamento propõem que estas possíveis inconsistências estão associadas a fatores distintos, tais como predisposição genética, características do ambiente de desenvolvimento individual e experiências prévias do estímulo em questão. Sobre a extinção, dados atuais referem que ela representa um novo aprendizado, que substitui o antigo, porém não destrói a informação de condicionamento original (Fyer, 1998; Sotres-Bayon, Cain, & LeDoux, 2006). Fyer (1998) sugere, ainda, que modelos de aprendizagem não associativos também devem exercer um papel na etiologia de pelo menos algumas fobias. Sua hipótese deriva da observação de que cada espécie inclui alguns medos que são parte de seu desenvolvimento, e que podem ocorrer 16 mesmo na ausência de experiência prévia direta ou indireta do estímulo fóbico. A principal diferença entre as abordagens não associativas e o condicionamento é que, nas primeiras, o desenvolvimento de uma fobia não necessariamente requer uma experiência anterior aversiva ao estímulo fóbico. Duas diferentes teorias não associativas são atualmente propostas na literatura. Uma se refere à dificuldade de habituação aos medos intrínsecos ao desenvolvimento (o não aprendizado de perder o medo), enquanto a outra defende uma operação imprópria dos próprios sistemas de detecção de perigo. Como reflexo dos avanços no campo da genética, os modelos etiológicos atuais, em sua maioria, fazem menção às diferenças genéticas individuais como um fator de predisposição ou proteção no desenvolvimento de fobias específicas (Fyer, 1998). Em geral, estudos nesta área sugerem um risco aumentado para fobia específica no caso de um parente de primeiro grau ser diagnosticado com o transtorno. Semelhantemente, resultados de estudos com gêmeos também sugerem uma predisposição genética para o desenvolvimento de fobia específica (Hamm, 2009). Isto não significa dizer que existe uma barreira impenetrável entre genes e ambiente, mas sim uma relação mais dinâmica, na qual na qual a ação dos genes é mediada por variáveis ambientais. Um estudo recentemente conduzido por Lonsdorf et al. (2009) mostrou que o condicionamento de medo é facilitado naqueles indivíduos que carregam o alelo curto do gene transportador da serotonina (5HTTLPR), reforçando a hipótese interativa entre predisposição genética e experiência de aprendizado durante a vida no desenvolvimento de uma fobia específica. No que concerne às redes neurais envolvidas no processamento do medo, dados de estudos com animais e de neuroimagem em humanos têm evidenciado que a amígdala é a estrutura central envolvida em seu aprendizado e evocação. Uma vez que ela orquestra a organização das respostas de medo - tais como aumento na pressão sanguínea, taquicardia, atenção e vigilância aumentadas, freezing e ativação do eixo Hipotálamo-Hipófise-Adrenal (HPA) -, lesões nesta estrutura bloqueiam muitas medidas de respostas de medo condicionadas e incondicionadas (Hamm, 2009). O entendimento do desenvolvimento das fobias específicas é fundamental para a compreensão da lógica que alicerça as técnicas de tratamento propostas 17 na literatura. Os aspectos acima discutidos possibilitam outro olhar sobre as estratégias de mudança na medida em que as hipóteses sobre a origem e manutenção dos sintomas são examinadas. Considerando que o processo terapêutico envolve modificações de aprendizado, é extremamente válida uma maior apropriação dos caminhos que conduzem a ele. Modelo cognitivo-comportamental Até recentemente, os fatores cognitivos não eram tidos como importantes no tratamento das fobias específicas. Isto se deve, em parte, à influente afirmação de Selligman quanto às fobias específicas serem “não cognitivas” e aprendidas através de uma predisposição evolutiva (Thorpe & Salkovskis, 1995). No intuito de suprir tal carência, Armfield (2006) defende a necessidade de levar em consideração os aspectoscognitivos ao se ponderar sobre a ontogênese das fobias específicas. Para tanto, propõe um modelo cognitivo das fobias específicas que não se pretende incompatível aos modelos 18 comportamentais anteriormente aludidos, mas sim dar conta de características cognitivas comumente negligenciadas associadas às fobias específicas. O autor parte do princípio de que um esquema de vulnerabilidade é central ao funcionamento cognitivo de indivíduos ansiosos, organizando suas percepções na interação com estímulos ou situações particulares. O esquema consiste em ideias, as crenças, negativas associadas à incontrolabilidade, imprevisibilidade, perigo e nojo. Em combinação com os pressupostos da terapia cognitiva de Aaron Beck (1976), afirma que o esquema é automaticamente ativado na percepção de estímulos ou objetos potencialmente ameaçadores. Como este processo é normalmente inconsciente, não é necessário o acesso consciente a nenhuma informação relacionada ao objeto ou estímulo para que uma resposta de enfrentamento seja organizada. Dois principais determinantes são propostos para a formação deste esquema de vulnerabilidade, sendo eles: traços de personalidade (ou disposições biológicas) e experiências de aprendizagem. Neste ponto, o modelo proposto integra preceitos das teorias comportamentais e cognitivas, ao salientar que o aprendizado desenvolvido através de um (ou mais de um) caminho da teoria de Rachman embasou a formação de representações cognitivas destas experiências (Armfield, 2006). Além disso, incorpora a noção de vulnerabilidade biológica, mencionando a presença de disposições biológicas. Uma vez que o esquema é ativado, dois processos cognitivos podem ser verificados: (1) uma reação afetiva automática, que reflete um mecanismo pré- atencional inconsciente; e (2) um processamento cognitivo controlado do estímulo e de seu significado para o indivíduo. Esta avaliação cognitiva geral representa o final do processo a partir do qual um conjunto de respostas é iniciado. Já que ambos os processos são decorrentes do esquema de vulnerabilidade, é provável que a avaliação controlada seja congruente com a reação automática anterior. Juntamente com estes processos, outros fatores cognitivos (como vieses de memória, autofoco 19 negativo etc.) entram em cena influenciando e, por vezes, distorcendo a informação disponível (Armfield, 2006). Embora algumas cognições sejam associadas diretamente a uma patologia específica, existe um número significativo de cognições comuns à maioria dos transtornos de ansiedade (Hofmann, 2008). Em geral, as cognições desadaptativas relacionadas à ansiedade são orientadas para o futuro e envolvem percepções de perigo ou ameaça (Beck, 1976). Neste sentido, distorções cognitivas, como catastrofização, hipergeneralizaçáo, abstração seletiva e pensamento irracional, frequentemente filtram as informações ambientais auxiliando a perpetuação das crenças irracionais. Thorpe e Salkovskis (1995), ao avaliarem as crenças sobre dano, perda de controle e catástrofe em uma amostra de pacientes com fobias específicas, mostraram que estas são cruciais na manutenção dos sintomas. Verificaram, ainda, que a intensidade do medo experimentado se associa à força das crenças negativas sobre os danos vinculados ao objeto fóbico e à capacidade individual de enfrentamento. Já a conduta geral de evitação parece estar ligada apenas à força da crença negativa da capacidade de enfrentamento. Isso significa dizer que, quanto mais forte a ideia de dano associada ao objeto (como a ideia de perigo ligada a um local), mais intensa será a ansiedade vivenciada. O pensamento sobre a incapacidade de enfrentamento (por exemplo, a ideia de não ser capaz de escapar de um local), por sua vez, definirá o grau de fuga adotado pelo paciente. Em um estudo recente, Thorpe, Slakovskis e Dittner (2008) investigaram o papel das cognições em pacientes que experimentaram claustrofobia quando submetidos a um exame de ressonância magnética. Os principais pensamentos verificados incluíram ideias de sufocação, dano causado pelo aparelho e perda de controle. Em uma revisão de literatura sobre a fobia específica, Piccoloto et al. (2003) apresentam um esquema dos fatores etiológicos associados às fobias específicas que também abarca a vulnerabilidade biológica, a aprendizagem por meio de condicionamentos, a transmissão de informações e a consequente formação de uma estrutura cognitiva prejudicada. Dados oriundos desta esquematização, em conjunto com o modelo proposto por Armfield (2006) são sintetizados na Figura 21.1, no intuito de representar um modelo cognitivo- 20 comportamental do processamento do medo, adaptável à compreensão da origem e manutenção da fobia específica. De acordo com o quadro ilustrado na Figura 21.1, o processamento do medo em um paciente com fobia específica poderia ocorrer da seguinte forma: (1) um estímulo potencialmente ameaçador ativaria o esquema de vulnerabilidade (o qual, por sua vez, formou-se pelas influências biológicas e experiências de aprendizagem); (2) a ativação do esquema de vulnerabilidade motivaria avaliações cognitivas (tanto automáticas quanto controladas); e (3) tais avaliações cognitivas (que sofrem influências de distorções cognitivas) originariam respostas fisiológicas, comportamentais e cognitivas. Tratando-se de um sistema autoperpetuador, entende-se que o padrão de enfrentamento (respostas) fornece informações que retroalimentam o esquema central, fortalecendo-o. 21 Estratégias de tratamento A fobia específica encontra-se em uma posiçáo única entre os transtornos de ansiedade, uma vez que indivíduos com esta dificuldade não buscam tratamento tão facilmente como em outros transtornos de ansiedade (Muschalla & Linden, 2009). Em linhas gerais, a despeito dos tratamentos efetivos disponíveis, menos de 20% dos pacientes afetados procuram por ajuda (Fyer, 1998). Quando o fazem, raramente se queixam de uma fobia específica isolada, apresentando uma variedade de transtornos de ansiedade ou do humor adicionais, tornando difícil diferenciar se a fobia é o problema principal, mesmo que ela seja relativamente severa (Kaplan & Sadock, 1999). Os pacientes com este diagnóstico, contudo, mostram uma quantidade significativa de angústia, e podem levar uma vida limitada, dependendo do tipo de fobia em questão. Nesta seção, as principais estratégias terapêuticas utilizadas no manejo da fobia específica serão descritas. Algumas serão ilustradas com vinhetas clínicas, no intuito de facilitar a compreensão de sua aplicabilidade. Para isto, será utilizado como base um caso clínico fictício de uma paciente, mulher, 27 anos, diagnosticada com fobia específica de baratas. Dessensibilização sistemática ao vivo A dessensibilização sistemática ao vivo, técnica extensivamente estudada para o tratamento de fobias específicas, envolve uma exposição direta e graduada aos estímulos temidos (Wolitzky-Taylor et al., 2008). Foi inicialmente desenvolvida por Wolpe (1958 citado em Hamm, 2009), no intuito de reduzir reações de ansiedade. Envolve dois principais componentes: ensinar ao paciente uma resposta contrária à ansiedade (relaxamento ou algum outro procedimento) e propiciar uma exposição graduada ao estímulo ameaçador (Turner, 2002). Diferentemente da dessensibilização por imagem, normalmente 22 não emprega uma técnica de relaxamento, utilizando, neste caso, a relação terapêutica para reduzir a ansiedade nas sessões. Hamm (2009) sugere que três momentos sejam respeitados para uma efetiva utilização deste recurso terapêutico: (1) a fase de introdução, na qual se explica ao paciente um modelo plausível para sua fobia e os motivos de sua manutenção; (2) a exposição direta ao vivo, naqual durante a sessão o terapeuta pode anunciar o exercício, modelá-lo quando possível e, posteriormente, pedir ao paciente que o pratique; e (3) a manutenção dos resultados do tratamento, em que o paciente é informado da necessidade de continuar sua prática em casa, utilizando técnicas de autoexposição. A seguinte vinheta clínica exemplifica o primeiro momento, no qual o terapeuta prepara o paciente para o uso desta técnica: 23 Em seguida, terapeuta e paciente vão construir uma lista hierárquica, conforme as situações temidas. O primeiro passo do paciente implica a produção de uma lista abrangendo seus principais medos. Ela pode ser elaborada na consulta, com a ajuda do terapeuta, ou como tarefa de casa. Após esta 24 construção, é importante auxiliar o paciente a mensurar seus temores, o que nem sempre se constitui em uma tarefa fácil. Para isso, pode-se direcioná-lo a considerar situações nas quais se sente absolutamente calmo e sem estímulos ameaçadores por perto (parâmetro de ansiedade “zero”) e situações nas quais se encontra intensamente exposto ao estímulo e experimentando grande ansiedade (parâmetro de ansiedade “dez”). Este exercício pode ser realizado através do relaxamento e da geração de imagens mentais, facilitando a percepção subjetiva do medo. A seguir, com base nesta prática, os medos podem ser mais facilmente classificados conforme sua intensidade, normalmente variando entre zero e dez. Quando finalizada esta construção, a exposição é iniciada pelo item que ocasiona menor ansiedade. Conforme a demanda do paciente, o terapeuta poderá participar mais ou menos ativamente do processo de aproximação gradativa. Seu papel será de suportar empaticamente a experiência do paciente, oferecendo apoio constante. Durante o experimento, o terapeuta poderá servir como modelo no enfrentamento de alguma etapa, bem como desafiar cognições distorcidas proeminentes. Cabe ressaltar que não é indicado passar para o próximo item da lista hierárquica enquanto a ansiedade do paciente não tiver reduzido significativamente (usualmente 50% da ansiedade inicial). Em muitos casos, a duração da sessão pode não respeitar a estrutura padrão de uma sessão, estendendo-se um pouco mais. A vinheta clínica a seguir explicita a classificação dos medos, conforme a escala de quantificação numérica: 25 A partir disto, o terapeuta auxilia a paciente a selecionar, dentre os medos relacionados, aquele que mais se aproxima deste sentimento experimentado. Um exemplo de uma hierarquia de medos é apresentado na Figura 21.2. Visando a finalização do processo, é fundamental que, depois de repetidas exposições na companhia do terapeuta, o paciente consiga realizar o enfrentamento sozinho. Muitas vezes são necessários vários passos até se atingir tal resultado. Da mesma forma, a manutenção dos ganhos obtidos deve ser trabalhada, por meio da sustentação das exposições em situações da vida cotidiana. 26 Dessensibilização sistemática por imagem A dessensibilização sistemática por imagem compreende a imaginação da confrontação com o estímulo temido. Consiste em ensinar o paciente a relaxar os músculos voluntários durante o confronto imaginário com as situações ou objetos ameaçadores (Wolitzky-Taylor et al., 2008). Habitualmente, utiliza-se este recurso em situações em que o acesso a estes objetos ou situações é custoso ou mesmo inviável. O tratamento consiste em três componentes distintos: (1) treino em relaxamento muscular progressivo; (2) construção de uma hierarquia de medo; e (3) a dessensibilização propriamente dita, que consiste na exposição à situação temida na imaginação, de forma graduada. O primeiro componente proporciona ao paciente um meio de lidar com sua ansiedade. Será um recurso disponível para se opor ao medo experimentado na exposição. O relaxamento envolve a redução da tensão muscular pela contração e relaxamento de grupos de musculares (Turner, 2002). A cognição desempenha um importante papel neste processo, já que a atenção às diferenças entre o estado de tensão e o de relaxamento é um aspecto crítico da técnica. Por vezes, contudo, o paciente considera árduo o emprego desta técnica, não obtendo uma resposta satisfatória de relaxamento. Neste caso, algumas alternativas podem ser consideradas, como é o caso do relaxamento por imagem. A vinheta abaixo ilustra a aplicação da dessensibilização propriamente dita: 27 O terapeuta segue o procedimento reapresentando a mesma cena, até que a paciente experimente, por duas vezes consecutivas, um nível zero de ansiedade (ou significativamente baixo). Exposição em realidade virtual A exposição em realidade virtual a uma situação temida foi desenvolvida principalmente para tratar a fobia de voar e a fobia de altura, nas quais muitas vezes se torna difícil concretizar um ambiente para exposição ao vivo. Esta abordagem permite que o paciente confronte representações do estímulo fóbico geradas por computador (Wolitzky-Taylor et al., 2008). As duas variações desta abordagem são a exposição em realidade virtual e exposição vicária auxiliada por computador. Na realidade virtual, os pacientes interagem com uma representação virtual do estímulo fóbico, equipados com fone de ouvido e um aparelho que controla o movimento da cabeça (no intuito de garantir a exposição). Na exposição vicária menos suporte tecnológico é necessário, sendo que o paciente interage igualmente com um computador, porém, desta vez, guiando uma pessoa virtual em interações com o objeto fóbico. 28 Hiperexposição Em algumas situações, após o paciente passar por todos os itens estipulados na lista hierárquica, ele pode ser exposto a níveis mais intensos de contato com o objeto de temor. Normalmente, exposições desta natureza transpõem a relação que as pessoas geralmente estabelecem com o mesmo objeto ou situação. Tomando como exemplo a paciente apresentada, a hiperexposição poderia envolver contato físico com baratas. Esta técnica pode funcionar como uma estratégia de prevenção à recaída, uma vez que excede os níveis de contato com o objeto que possam ser experimentados em um momento futuro, permitindo que a paciente esteja mais bem preparada para tal enfrentamento. Entretanto, por se tratar de uma proposta que extrapola os níveis de contato comumente estabelecidos entre as pessoas e os objetos em questão, sua aplicação deve envolver cuidado. Intervenções cognitivas Os fatores cognitivos representam um componente importante da ansiedade. As crenças de paciente com fobia, como é o caso do medo irracional motivado pela visão do estímulo como sendo potencialmente ameaçador, tem um papel fundamental na manutenção dos quadros fóbicos (Thorpe & Salkovskis, 1995). Ao utilizar técnicas cognitivas, o terapeuta procura auxiliar o paciente a identificar e modificar suas percepções disfuncionais a respeito do estímulo fóbico, uma vez que elas acabam por manter a reação evitativa. Exemplos de técnicas cognitivas incluem a reestruturação cognitiva e a descoberta guiada por meio do questionamento socrático, pelas quais o terapeuta auxilia o paciente na identificação dos significados idiossincráticos dados às situações. Considerando o caso exposto, o terapeuta poderia explorar a irracionalidade do medo associado ao objeto fóbico ou à própria capacidade de enfrentamento, conforme elucidado na vinheta a seguir 29 Neste caso, o terapeuta teria uma série de caminhos possíveis a serem percorridos, a depender do momento da terapia e do que já foi trabalhado. Assim como foram abordadas as crenças da paciente quanto ao seu enfrentamento de uma ansiedade extrema, o foco poderia ter sido na irracionalidade da ameaça atribuída ao objeto fóbico. Modelação A modelação inclui a aprendizagempela observação do comportamento de outras pessoas (Bandura, 1969). Na fobia específica, o terapeuta pode servir de modelo para o paciente ao demonstrar maneiras de interagir com o objeto fóbico. Semelhantemente, o terapeuta pode estimular o paciente a observar pessoas de seu convívio em contato com o seu objeto de temor. Por exemplo, no caso ilustrado, o terapeuta pode instruir a paciente a observar como seu marido se comporta nos ambientes por ela temidos. É importante direcionar a atenção da paciente não apenas para a atitude do parceiro, como também para as consequências que a seguem. Isso porque a observação das consequências vivenciadas pelo modelo afetam diretamente o desempenho do observador. 30 REFERÊNCIAS American Psychiatric Association. (2002). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (4a. cd. rev.). Porto Alegre: Artmed. Armfield, J. M. (2006). Cognitive vulnerability: a model of the etiology of fear. 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