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Colecqào Currículo, Políticas e Práticas 
I 'I 
ducação 
Poder 
Michael W. Apple 
Michael W. Apple é "John Bascom Professor" de Currículo e Instrução e de Estudos e Política 
Educativa na Universidade de Wisconsin em Madison. 
Educação 
e Poder - 4&mju, Q-?, 42 4 Ií e u - 7 
?lichael W. Apple c-s\-mc 8 
0 
PORTO EDITORR 
T í tu l o Educação e Poder 
Autor Michael W. Apple 
Tradutor João Menelau Paraskeva 
Edi tora Porto Editoia 
Titulo da ediçáo original: E d u c a t i o n and P o w e r 
E d i ç á o original: ISBN 0-41 5-91310-1 
O 1995 by R o u t l e d g e 
"Portuquese langiiage edition pubhshed by arrangement with Routledge, Inc." 
29 West 35 Street 
New York. NY 10001 
0 P O R T O EDITORA. L ~ A . - 2001 
R u a d a Res tau raçao . 3 6 5 
4 0 9 9 - 0 2 3 P O R T O - P O R T U G A L 
Reservados todos os direitos. 
Esta publicaçao iiao pode ser reproduzida nem transmitida, no todo ou e m parte. por qualquer 
processo electrónico, mecânico, fotocopia. gravaçáo ou outros, s e m previa autorização 
escrita da Editora / 
NOVI2001 I S B N 9 7 2 - 0 - 3 4 8 0 6 - 2 
g 
PORTO EDITORR. LDn. , , 
AdmlEscritiArm. Rua da Restauração, 365 - 4099-023 PORTO 8 226088300 Fax 226088301 
Livrarias Rua da Fabrica, 90 - 4050-246 PORTO 8 22 200 76 69 
Pr. de D. Filipa de Lencastre. 42 - 4050-259 PORTO 8 22200 7681 
e na internet em: www.webboom.pt 
D I S T R I B U I D O R E S 
ZONA CENTRO LIVRARIA ARNADO, LDA. 
EscritiArm Rua de Manuel Madeira. 20 (a Pedruhal-3020303 COIMBRA 8 239497090 Fax 239497091 
Livraria Rua de João Machado, 9 - 11 3000-226 COIMBRA 8 239833528 
ZONA SUL EMPRESA LITERARIA FLUMINENSE, LDA. 
EscrtlArni Av. Alniirante Gago Coutinho, 59 - A - 1700 027 LISBOA 8 21 8430900 Fax 21 8430901 
Ltvrar!a Av. Almirante Gago Coutinho. 59 - D - 1700-027 LISBOA 8 21 W0900 
Execuçao gráfica de: BLOCO GRÁFICO, LDA. - R da Restauraçáo, 387 - 4050506 PORTO - PORTUGAL 
. . . . . Prefacio a ediçao de 1995 .......................................................................... 
. . . - Prefácio a ediçao ....................................................................................... 
Agradecimentos ............................................................................................... 
1 Reprodução, constestação e currículo ................................................ 
................................................................................................ A sombra da crise 
.............................................................................................. Crítica educacional 
A circulação do conhecimento técnico-administrativo .............................. 
2 Conhecimento técnico, desajustamento e o Estado 
A mercantilizaçáo da cultura ...................................................................... 
3 O outro lado do currículo oculto 
A cultura como experiência vivida - I ..................................................... 
4 Resistência e contradições na classe, cultura e Estado 
A cultura como experiência vivida - I1 ................................................... 
Introdução ............................................................................................................ 
........................................................................................ I Reprodução e reforma Conclusões ............................................................................................................ 
5 A forma curricular e a lógica do controlo técnico 
O regresso da mercantilização ................................................................... 
6 Trabalho educativo e político 
Será possível o êxito? ..................................................................................... 
Bibliografia ........................................................................................................ 
Todas as pessoas olharam pasmadas para a directora de departa- 
mento. Estavam estupefactas. Rapidamente o ambiente na sala tradu- 
ziu uma mistura caótica de sons, fúria e descrédito. Não era a primeira 
vez que ela nos informava sobre as "directrizes emanadas superior- 
mente". Cenas semelhantes haviam já acontecido no passado. Além do 
mais, isto era apenas a remoção de mais uma pedra. No entanto, para 
cada u m dos presentes naquela sala era claro que, a partir daquele 
momento, e apesar das nossas lutas para proteger a educação de ser 
totalmente integrada no projecto de racionalização e competitividade 
económica da direita, estávamos a perder terreno. 
Foi muito difícil impor ordem naquela reunião. Contudo, lenta- 
mente, conseguimos controlar as nossas emoções o tempo suficiente 
para ouvir o que o Departamento de Educação do Estado e a Legisla- 
tura haviam determinado como sendo o melhor para todos os alunos 
do estado de Wisconsin - desde o pré-escolar a Universidade. A partir 
do próximo ano lectivo, todos os alunos que pretendessem ser professo- 
res deveriam tirar um curso de Educação para o Emprego, em essên- 
cia, u m curso apoiado nos "benefrcios de u m sistema de livre mercado". 
Paralelamente, todos os curricula escolares dos ensinos básico e secun- 
dário - a partir dos cinco anos - deveriam integrar igualmente um pro- 
grama coerente de educação para o emprego. Além do mais, não pode- 
mos começar tão cedo, não é verdade? A educação fornece apenas 
?apita1 humano", não é verdade? 
1C 
Começo com esta história porque em meu entender é preferível a7 
maior parte das vezes partirmos do nosso íntimo, isto é, partir das nos- O, 
sas próprias experiências como professores e alunos nesta época de 
conservadorismo. Entendi ainda iniciar o livro deste modo uma vez que, 
os termos do debate e as condições sociais e económicas existentes têm 
sido claramente orientados numa direcção conservadora', embora a 
actual administração democrática e m Washington possa tentar 
I 
' Apple. Michael (1 993). Official Knowledge: Democrafic Educafion in a Conservafive Age. New York: Routledge. 
tmboru de u m modo frágil e ineficaz) impor-se em alguns dos exces- 
sas da ugenda social da direita. Não deveríamos ser românticos sobre o 
que irá acontecer nas nossas escolas e universidades, especialmente 
tendo em conta a crise fiscal do Estado e a aceitação da maior parte 
dos aspectos sociais e económicos que constituem a agenda conserva- 
dora nos dois maiores partidos políticos. A história, descrita anterior- 
mente, funciona como uma metáfora para aquilo que se está passar na 
maior parte do espectro educacional. 
Contextualizemos estas questões com as amplas transformações 
levadas a cabo pela aliança conservadora na sociedade, em geral, e na 
educação, em particular. r O conservadorismo, como o próprio nome sugere, anuncia uma 
interpretação única da sua agenda. Conserva. Com certeza que há 
outras interpretações possíveis. Podemos afirmar, de algum modo mais 
incipiente, que o conservadorismo acredita que nada deve ser realizado 
: pela primeira vez2. No entanto, e perante a situação actual, isto e a 
muitos níveis enganador. Com a direita em ascensão em muitos países, 
testemunhamos u m projecto muito mais activista. Actualmente, as 
políticas conservadoras são mais políticas de alteração - nem sempre, 
mas claramente a ideia 'hão faças nada pela primeira vez" não explica 
totalmente o que se passa na educação ou noutra área qualquer' 
De facto, o conservadorismo assume significados diferentes, em tem- 
pos e espaços diferentes. Umas vezes, envolve acções defensivas; outras, 
implica a tomada de iniciativa contra o status quo4. Hoje em dia teste- 
munhamos ambas. 
Por esta razão, é importante estabelecer o amplo contexto em que 
operam as actuais políticas educativas. Tal como analisei de u m 
modo mais detalhado e m Official Knowledge e em Cultural Politics 
and Education', houve uma ruptura no acordo social-democrata que 
orientou grande parte da política educativa depois da Segunda 
Guerra Mundial. 
Honderich. Ted (1 990) Consewantism Boulder Westwew.p 1 
' W . p 4 
' W . p 15 
' Apple. Michael (1993) Official knowledge Democratic Education rn a Conservative Age New York Routledge. Michael 
W Apple (1996) Cultural Pobtrcs and Education New York Teachers College Press 
Prefácio a edição de 1995 - 
Grupos poderosos no seio do governo, da economia e dos movimentos 
sociais "populistas autoritários" foram capazes de redefinir - frequen- 
temente de formas retrógradas - os termos do debate em educação, 
segurança social e outras áreas do bem comum. A educação já não era 
vista como parte integrante de u m aliança social que congregava mui- 
tos professores, grupos minoritarios, activistas da comunidade, legisla- 
dores progressistas, entidades governamentais e outros que actuavam 
conjuntamente no sentido de propor [limitadas] políticas sociais demo- 
cráticas para as escolas (por exemplo, expansão das oportunidades 
educativas, tentativa de igualar os resultados, desenvolvimento de pro- 
gramas especiais em educação multicultural e bilíngue, etc.). Formou- 
-se uma nova aliança com u m poder cada vez maior nas políticas 
sociais e educativas. Esfe bloco de poder combina negócios com ã\ 
nova direita. com intelectuais neoconseruadores e com uma facção 1 
particular da nova classe média orientada para a gestão. Os seus inte- 
resses são cada vez menores em relação as oportunidades das mulhe- 
res, pessoas de cor ou trabalho. Obviamente que estes grupos não se 
excluem mutuamente. Pelo contrário, procuram providenciar as con- 
dições educativas tidas como necessárias, quer para o aumento da 
nossa competitividade internacional, lucro e disciplina, quer para nos 
fazer regressar a u m passado "ideal" e romantizado da casa, família e 
escola. 
Essencialmente, a nova aliança a fauor da restauração conservadora 
integrou a educação numa rede de compromissos ideológicos muito 
mais amplos. Esfe grupo de objectivos na educação são os mesmos que 
serviram de orientação aos objectivos da segurança social e económica. 
Incluem a expansão da dita ficção eloquente, do "livre mercado" - a 
redução drástica da responsabilidade do governo quanto as necessida- 
des sociais, o reforço de estruturas de mobilidade profundamente com- 
petitivas, a redução das expectativas das pessoas em relação a segu- 
rança económica e a popularização daquilo que é explicitamente uma 
forma de pensamento darwinista, como sugere explicitamente a 
recente popularidade do livro de H e m t e i n e Murray The Bell C u r ~ e . ~ 
Apple Michael(1993) Off~cia/ knowledge Democratic Education m a Conservative Age New York Routledge 
Herrnstein, Richard e Murray, Charles (1994) The Bell Curve New York Free Press O financiamento desta obra efectuado 
por fundações de direita necessita de muito maior atenção Foram disponibilizados consideraveis recursos financeiros para a 
oublicidade da obra e para que o autor (Herrnstein 16 faleceu) pudesse difundi-la viajando pelo pais aparecendo nas 
cadeias de rddio televisáo e imprensa escrita 
A direita política nos Estados Unidos da América do Norte tem tido 
enorme sucesso na mobilização de apoios contra o sistema educativo e 
seus empregados, exportando frequentemente a crise da economia para 
as escolas. Assim, uma das suas grandes conquistas tem sido desviar as 
culpas - do desemprego e subemprego, da perda de competitividade 
económica, da suposta ruptura dos valores e padrões "tradicionais" na 
escola, na família e nos locais de trabalho assalariado e não assala- 
riado - dos efeitos das políticas económicas, culturais e sociais dos gru- 
pos dominantes para a escola e outras agências públicas. O '>público" é 
agora o cenfro de todos os males; o "privado" é o cenfro de tudo aquilo 
que é bom.8 1 
Infelizmente, os elementos significativos desta reestruturação rara- 
mente constam na discussão das agendas das comunidades críticas e 
"progressistas" no seio da própria educação, especialmente entre 
alguns (nem todos) daqueles que se viraram para o pós-modernismo e 
pós-estruturalismo de um modo acrítico. Esta viragem torna importan- 
tes a maior parte dos argumentos de educação e poder acerca do con- 
texto social e político da educação. 
O que poderei dizer neste novo prefácio é ainda uma hipótese, mas 
responde a algumas das minhas intuições que o que está em questão 
não é propriamente a significativa fúria e tormenta relacionada com as 
políticas de uma forma de análise textual sobre outra, ou mesmo se 
deveríamos ou não ver o mundo como um "texto" - construído discur- 
sivamente. 
"Nós" podemos estar a perder alguns dos argumentos mais importan- 
tes gerados pela tradição crítica, quer no campo da educação, quer 
noutras áreas. 
Espero que o que acabei de dizer anteriormente não soe como se se 
tratasse de u m desreconstruído s talinoid (tanto mais que passei muito 
tempo da minha vida a escrever e a falar sobre as tendências redutoras 
no seio das tradições marxistas). Simplesmente quero que nos relem- 
bremos da imperiosa necessidade de compreensão - não essencialista - 
das relações (admitidas como muito complexas) entre a educação e 
algumas das relações de poder que urge considerar e que, no entanto, 
I 
parecem estar u m tanto ou quanto esquecidas. 
Este assunto 6 discutido com muito mais detalhe em Apple, Michael (1996). Cultural Politics and Education. New York: 
Teachers College Press I 
Prefacio a edição de 1995 s 
i O crescimento das múltiplas posições associadas ao pós-modernismo 
, e pós-estruturalismo é poderoso e importante. É indicador da transfor- 
mação do nosso discurso e das nossas compreensões sobre a relação 
entre cultura e poder. A rejeição da cómoda ilusão de que pode (e deve) 
haver uma grande narrativa sob a qual todas as relações de dominação 
devem ser subassumidas; a focalização no "micronível" como parte do 
político; o relevo das totais complexidades do nexo poder-conheci- 
mento; a extensão das nossas preocupações políticas para além da 
"santíssima trindade" de classe, género e raça; a ideia de um sujeito 
descentrado onde a identidade é simultaneamente móvel e o local de 
lutas políticas; a focalização na política e práticas de consumo e não 
apenas de produção - tudo isto tem sido importante, muito embora, 
para dizer o quanto baste, extremamente problemático. 
Todavia, com o crescimento da literatura pós-moderna e pós-estrutu- 
ral na educação crítica e estudos culturais tendemos a afastar-nos com 
alguma celeridade das tradições que continuam a encher-se de vitali- 
dade e que fornecem contributos pertinentes a natureza do currículo e 
da pedagogia que dominam as escolas a todos os níveis. Assim, por 
exemplo, o simples facto de que a classe social não consegue explicar 
tudo pode ser utilizado para negar o seu poder. Isto é um erro crasso. 
Claro que a classe é uma construção analítica, bem como uma série de 
relações que existem fora das nossas mentes. Deste modo, o que enten- 
demos por classe e o modo como é mobilizada como categoria necessi- 
tam de ser continuamente desconstruídas e repensadas. Assim, devemos 
ser extremamente cuidadosos sobre quando e como a utilizamos, reco- 
nhecer devidamente as múltiplas formas em que as pessoas se formam. 
Todavia, e mesmo perante isto, será errado assumir que isso signifigue 
que a classe se dissipou devido ao facto de muitas pessoas nüo se identi- 
ficarem ou não actuarem de acordo com teorias que relacionam, diga- 
mos, identidade e ideologia com a posição de classe de cada um." 
Tal como referi anteriormente, estou perfeitamente consciente do 
facto de existirem múltiplas relações de poder e não apenas a "antís- 
sima trindade" formada pela raça, classe e género. Reconheci também 
a pertinência dos conflitos, não apenas entre estas relações, mas tam- 
' Vrde Clarke John (1991) New T,mes, Old Enemres London Harper Collins and Steven Best and Douglas Kellner 
(1991) Postrnodern theory London MacMillan 
'%ronowitz Stanley (1 992) The Poht~cs of ldentiry New York Routledge 
11 
bém no seu próprio seio. Em outros livros abordoestas questões de um 
modo consideravelmente mais pormenorizado. Educação e Poder tende 
a colocar maior ênfase na complicada dinâmica de classe. Muito 
embora não esteja totalmente de acordo com Philip Wexler, que afirma 
que nas escolas e na sociedade em geral a diferença de classe é o código 
supremo de organização da vida social," encontro-me profundamente 
preocupado pelo facto de as questões de classe se encontrarem margi- 
nalizadas do trabalho crítico na educação. Levou muito tempo para 
que questões relacionadas com classe e economia política se impuses- 
sem no foro da nossa compreensão sobre as políticas e práticas educa- 
tivas que seria uma circunstância trágica se as mesmas fossem agora 
marginalizadas, ainda por cima numa altura em que urge uma com- 
preensão integral destas dinâmicas. A ofensiva económica e ideológica 
neoliberal que se espalha por todo o mundo demonstra o quão impor- 
tante é termos em consideração estas dinâmicas. 
O mesmo se deve af imar sobre a economia. O capitalismo pode 
encontrar-se em transformação, mas continua a existir como uma 
força massiva estruturante. Muitas pessoas podem não pensar e actuar 
de acordo com teorias essencialmente classistas, contudo, tal não signi- 
fica que as divisões de raça, sexo e classe sobre o trabalho assalariado e 
não assalariado tenham desaparecido; nem tão-pouco significa que 
relações de produção (quer económicas quer culturais, uma vez que o 
modo como as pensamos pode ser diferente) possam ser ignoradas se 
nos debruçarmos em relação a elas de modos não essen~ialistas.'~ 
Tenho vindo a afirmar tudo isto porque há perigos reais nos estudos 
educa tivos críticos. Enquanto assistimos a uma grande e necessária 
vitalidade ao "nível" da teoria, uma considerável parte da investigação 
crítica tem sido frequentemente passageira. Desloca-se rapidamente de 
teoria em teoria assumindo, aparente e habitualmente, que quanto 
mais difícil se toma compreender algo, ou quanto mais se apoiar sobre 
a teoria cultural europeia (preferencialmente a francesa), melhor será. 
A rapidez deste movimento e a sua apropriação parcial por uma frac- 
ção móbil e em ascensão da nova classe média no seio da academia - 
tão predisposta a mobilizar os seus recursos culturais no interior do 
" Wexler. Philip (1992) Becorn/ng Sornebody New York Falmer Press. p 8 
" Para urna discussao mais aprofundada sobre estas questões. wde Apple. Michael (1996) Cultural Pobtics and Educa- 
m n New York Teachers College Press 
7 
Prefacio a edição de 1995 
s tatus hierárquico da universidade, que perdeu fudo excepto a relação 
. retórica com as lutas contra a dominação e subordinação das universi- 
I , dades, escolas e outros locais - têm como um dos seus efeitos a nega- 
1 ' ção das conquistas conseguidas noutras tradições ou o recomeço des- 
sas conquistas numa nova linguagem. Ou pode, na verdade, retroceder, 
1 I 
como numa reapropriação, digamos, de Foucault, em apenas outro (de 
algum modo mais elegante) teórico do controlo social que e um con- 
ceito a-histórico e descredibilizado que nega o poder dos movimentos 
' 4 sociais e agentes históricos." Infelizmente, na corrida ao pós-moder- nismo e pós-estruturalismo, muitos de nós esquecemo-nos como são 
extremamente importantes as dinâmicas estruturais em que participa- 
mos. No decorrer do processo um desapego cínico pode ter substituído 
a nossa capacidade de nos revoltarmos. 
Pretendo sublinhar novamente que partes significativas daquilo que 
por vezes e designado por abordagens "pós" são pertinentes e merecem 
uma atenção cuidada, particularmente as que se debruçam sobre as 
I políticas de identidade, nas múltiplas relações contraditórias de poder, 
1 
nas análises não redutoras e no local como espaço importante de luta. 
Estas posições não só me ensinaram como continuam ainda a ensinar- 
-me bastante.14 Todavia, algumas destas posições, tal como têm vindo a 
ser introduzidas na educação, fazem-me simplesmente pasmar face ò 
sua arrogância estilistica, ao estereótipo que efectuam de outras abor- 
dagens, a sua certeza concomitante de que têm "a" solução, as suas 
propostas cínicas divorciadas de qualquer acção por parte das escolas, 
a sua aparente problematização de que qualquer focalização séria na 
economia é de certo modo redutora, as suas confusões conceptuais e 
finalmente a sua tendência retórica que quando descodificada revela 
questões, certa forma do domínio do senso comum que os educadores 
reflexivos já sabiam e realizam há anos. Pretendo antecipar-me e 
acrescentar que fudo isto que tenho vindo a referir e valido apenas 
para uma parte das abordagens pós-modernas; no entanto, fudo isto 
dá-me razões para preo~upação.'~ 
l 3 Wde Zipin Lew (1 995) Emphasizing 'Dixourse' and Bracketing 'Foundations' The Ouesnon of Agencyin Critical Theories 
and School Research unpiibished paper, Department of Educational Policy Studies, University of Wisconsin Madison 
'V ide Apple Michael (1996) Cultural Pohtics and Education New York Teachers College Press 
Wde Apple Michael (1994) Cultural Capital and Official Knowledge In Carey Nelson and Michael Berube (eds ), Higher 
Educanon Under Fire New York Routledge pp 91 97 Digo abordagens porque 6 muito facil estereotipar as teorias 
p6s-modernas e pos-estruturais E infeliz faze-10. uma vez que as diferenças politicas. por exemplo. entre as varias ten- 
dências associadas a cada um são frequentemente substanciais 
13 
A 
Desta forma, existe uma linha muito ténue entre as transformações 
políticas e conceptuais necessárias e as tendências. Infelizmente, a 
última aparece por vezes como uma apropriação relativamente acrítica 
do pós-modernismo por parte de alguns teóricos da educação. Por 
exemplo, existem certamente planos (demasiados) para transformar as 
escolas em forças de mercado, para diversificar tipos de escolas e facili- 
tar aos "consumidores" uma maior escolha. Alguns podem argumentar 
que isto é o "equivalente educacional do ... emergir da especialização 
flexível em detrimento da velha linha de montagem de produção mun- 
dial massiva conduzida pelos imperativos da diferenciação de consumo 
em vez da produção massi~a".'~ Certamente que isto envolve em si uma 
perspectiva pós-modema. 
Ainda, tal como muitas das novas reformas que têm vindo a ser pro- 
postas, nesses planos existe menos "pós-modernismo" do que é óbvio. 
Muitas delas têm uma imagem "muito requintada". Como salientam 
Whitty, Edwards e Gewirtz, são habitualmente orientadas por "uma 
acentuada crença na racionalidade técnica como plataforma para a 
resolução dos problemas sociais, económicos e educativos". A especiali- 
zação é tão poderosa, ou provavelmente mais poderosa, como qualquer 
preocupação com a diversidade." Em vez de uma exposição da "hetero- 
geneidade, pluralismo e do local"- embora estas questões possam ser as 
formas teóricas através das quais algumas destas reformas se encon- 
tram envolvidas - podemos eventualmente vir a assistir a uma revivifi- 
cação de hierarquias mais tradicionais de classe e género e especial- 
mente de raça. Um compromisso inquestionável com a noção de que 
"nós" nos encontramos actualmente completamente envolvidos num 
mundo pós-modemo pode facilitur a visão de transformações superfi- 
ciais (algumas delas encontram-se, sem dúvida, a suceder), embora 
possa dificultar também o reconhecimento de que tais transformações 
se podem constituir em novas formas de reorganizar e reproduzir velhas 
hierarquias.'" facto de o pós-modemismo, como teoria e como con- 
junto de experiências, poder não ser aplicado a esmagadora maioria da 
população mundial deve também fazer-nos reflectir u m pouco mais .I9 
Ib Whitty. Geoff; Edwards. Tony; Gewirtz, Sharon (1994). Specialfzation and Choice in Urban Education. New York: Rou- 
tledge, pp. 168-169. 
" lbid., pp. 173-174. 
"Ibid., pp 180-181 
l g Vide discussão crucial sobre esta questão em Said, Edward (1993). Culture and Imperialism. New York. Vintage. 
14 I 
Prefacio à edição de1995 
Educação e Poder baseia-se em grande parte numa crítica (e autocrí- - fica) estrutural a compreensão da educação. Embora não seja econo- 
1 micamente redutor, implica que reconheçamos que vivemos debaixo de relações capitalistas. Milton Friedman e todo o vasto espectro de priva- 
tizadores com influência nos media e nos corredores do poder - salas 
de reuniões da direcção, fundações e o nosso governo, a quase todos os 
I níveis - despendem quantidades consideráveis de tempo na manuten- ção destas relações. Se eles podem falar sobre elas por que razão nós não podemos? Estas relações não determinam tudo. Elas são constituí- 
das e reconstituídas a margem das relações de raça, classe e género, no 
entanto, parece um tanto ou quanto estranho ignorá-las. Existe uma 
enorme diferença entre levar a sério as lógicas e as dinâmicas econó- 
micas e do Estado e reduzir tudo a uma ténue reflexão sobre elas. 
Tal como refiro em Cultural Politics and Education, estou profunda- 
mente consciente de que existem muitos perigos numa abordagem 
estrutural deste género, independentemente do grau de flexibilidade 
que se consiga estabelecer. Como parte das suas tentativas históricas 
para a criação de uma "enorme narrativa", tem uma teoria que tudo 
explica baseada numa causa unitária. Pode também esquecer que não 
existem apenas relações de poder múltiplas e contraditórias, tanto ao 
nível "macro" como ao nível "micro" em quase todas as situações, 
como também se esquece que o investigador ou a investigadora parti- 
cipa nessas mesmas relações.20 Finalmente, as abordagens estruturais 
podem negligenciar as formas a partir das quais os nossos discursos 
são construídos, e elas próprios ajudam-nos a construir as nossas 
acções e, inclusive, as próprias relações de poder que estão a ser inves- 
tigadas. Estas questões devem ser encaradas seriamente. As críticas 
pós-estruturais e pós-modernas das análises estruturais da educação 
têm sido frutíferas neste pormenor, especialmente as que provêm das 
várias comunidades feministas e pós-c01oniai.s.~' Todavia, deve ser 
salientado que algumas destas críticas criaram caricaturas ampla- 
mente inadequadas das tradições neomarxistas. 
" Vide: Lesley. Roman; Apple. Michael (1990). "1s Naturalism a Move Away from Positivism?". In Elliot Eisner and Allan 
Peskin (eds.), Quahtative Enquiry in Education. New York: Teachers' College Press, pp. 38-73; e Andrew Gitlin (ed ) 
(1994). Power and Mthod . New York: Routledge. 
" McCarthy, Cameron; Chrichlow, Warren (eds.) (1993) Race, Identity, and Representation in Education. New York: 
Routledge 
Embora a "viragem linguística': tal como tem sido denominada em 
Sociologia, Educação e Estudos Culturais, tenha sido profundamente 
produtiva, é importante não esquecer que o mundo dentro e fora da 
educação não é apenas u m texto. Existem realidades poderosas, reali- 
dades essas cujo poder se baseia frequentemente em relações estrutu- 
rais que não são apenas construções sociais criadas pelos significados 
transmitidos por u m obserttador. Parece-me que parte da nossa tarefa é 
evitar perdermos a perspectiva destas realidades profundas na econo- 
mia e no Estado (e, tal como terão oportunidade de verificar mais 
adiante neste livro, nas práticas culturais) e, ao mesmo tempo, reco- 
nhecermos os perigos de análises redutoras e essencialistas. 
O meu objectivo não é negar a existência de muitos elementos da 
')os-modernidade", nem tão-pouco negar a perspicácia da teoria pós- 
-moderna. Pelo contrário, é precisamente para evitar o exagero, evitar 
a substituição de uma grande narratiua por outra. (Uma grande narra- 
tiva baseada na classe nunca existiu nos Estados Unidos da América, 
uma vez que classe, Estado e economia política só muito recentemente 
surgiram no saber educativo crítico e muito raramente tem sido uista 
nas formas encontradas na Europa, onde foram desenvolvidas a maior 
parte das críticas pós-modernas e pós-estruturais destas ferramentas 
explanatórias. Será útil recordar que as histórias intelectuais e políti- 
cas dos Estados Unidos da América eram muito diferentes daquelas 
que eram punidas por alguns críticos pós-modernos.) As análises redu- 
toras tornam-se fáceis e não há nenhuma garantia de que as posições 
pós-modernas, tal como têm vindo a ser utilizadas por alguns na 
educação, não são mais imunes a este perigo do que qualquer outra 
posição. 
Para tornar esta questão mais polémica, e tal como Green e Whitty, 
poderíamos dizer que u m dos grandes problemas sobre o qual a análise 
crítica da educação se deveria debruçar não é apenas "a significação e 
as suas [supostas] fundamentações não existentes, tal como, pelo con- 
trário, pretenderiam os pós-estruturalistas, mas a acção e suas conse- 
quências, particularmente a estruturação de oportunidades de actua- 
çüo, incluindo significar e construir significados, como acção.22 
=úreen. Tony: Whitiy. Geoff (1994). "The Legacy of the New Sociology of Education'. ARigo n a publicado apresen- 
iado na Amercan Educational Research Associaton. New Orleans, April 4, p. 21 
Prefácio a edicão de 1995 " 
Neste pormenor estou de acordo com as intuições subjacentes a afir- 
mação de Green e Whitty de que 'hs condições estruturais não podem 
ser pensadas apenas de modo 'linear e simples: antes devem ser pensa- 
das com 'profundidade' de modo a serem 'postas em acção', e o nosso 
pensamento jamais será adequado a tarefa em causa'tZ3 Esta é uma 
das razões que me levaram a escrever Educação e Poder - pensar "com 
profundidade" sobre as complicadas condições estruturais e culturais 
que envolvem as escolas, descobrindo as fraquezas destas condições e, 
desta forma, encontrar espaços para a acção crífica. 
Em parte, o que me leva a fazer isto é uma questão autobiográfica, 
uma vez que nenhum autor é imune a sua própria história e contex- 
tualização social. Como alguém que cresceu num meio familiar de 
uma classe trabalhadora numa cidade extremamente pobre, foi u m 
activista na luta pelos direitos humanos, frequentou a escola nocturna 
para ser professor em escolas do centro da cidade e, for fim, tomou-se 
presidente de u m sindicato de professores, tenho u m determinado tipo 
de revolta dentro de mim. Fico revoltado quando vejo deteriorarem-se, 
ano após ano (mês, semana, dia, minuto?), as condições de tantas pes- 
soas identificáveis nesta sociedade. Fico revoltado quando vou as esco- 
las e vejo os meus amigos a darem aulas em "halls" de entrada, em 
quartos de arrumos, e, inclusive, em casas de banho. Que género de 
sociedade pode fazer isto as suas crianças? E fico também furioso 
quando grupos poderosos culpabilizam totalmente as escolas, educado- 
res e activistas da comunidade que tanto se esforçam ou, como acon- 
tece actualmente, a herança genética dos pais e das crianças2* - ou 
seja, todos menos eles próprios - pelos resultados desastrosos das suas 
políticas mal delineadas e ambiciosas. 
Todavia, as pessoas normais não são "esmagadas". São actores, indi- 
vidual e colectivamente, histórica e correntemente. Isto é parte da 
mensagem que se encontra subjacente ao que tenho para dizer neste 
livro. A nossa própria língua e perspectivas podem levar-nos a ignorar 
estas questões, especialmente a linguagem da eficiência, as análises 
custo-benefício, e o capital humano a direita e a linguagem que con- 
cebe as pessoas como marionetas de forças estruturais ou como sendo 
- 
l3 Ibid. p. 26 
" Herrnstein and Murray. The Bell Curve 
completamente formadas a partir dos "discursos" e, uma vez que não 
têm qualquer tipo de agência própria, no seio de comunidades acadé- 
micas mais "progressistas''. 
De certo, é a linguagem anterior - a da burocracia, da colonização de 
todas as nossas vidas pelas metáforas dos mercados, lucro, veredicto 
dos contabilistas, etc. - a que mais amplamente circula. Conduz ao que 
pode ser denominado como perda da memória, uma assunção de que 
abordagens deste género foram e são instrumentalidades técnicas neu- 
tras que,se entregues a si próprias, resolverão, e m última análise, 
todos os nossos problemas nas escolas e na sociedade em geral (em ter- 
mos de grupos dominantes, claro). 
I 
Tomemos como exemplo o fascínio actual com os sistemas de gestão 
e redução de custos de forma a tomar-nos "mais eficientes e produti- 
vos". Estas técnicas não são neutras. A eficiência, gestão burocrática, 
modelos económicos aplicados a tudo - tudo isto são constructos éti- I 
cos. Adoptá-los envolve escolhas morais e políticas. A sua instituciona- 
lização necessita de ser compreendida como uma instância de relações IIi 
culturais de poder. "Onde a origem dos acordos sociais em escolhas 
políticas, culturais e morais desapareceu ou tende a aparecer como 
uma questão técnica neutra, ... somos confrontados com uma situação 
de hegemonia cultural e p~lítica."'~ 
Para estas formas de compreensão e organização se tomarem domi- 
nantes, os que detêm o poder necessitaram de se empenhar num traba- 
lho duro (e é e tem de ser trabalho duro, como este livro o demonstra) 
de eliminação e marginalização de qualquer alternativa séria." É exac- 
tamente isto que está a acontecer actualmente e é uma das razões que 
me levam a desvendar as origens e o actual funcionamento das formas 
predominantes de realizar a educação. 
Bruce Curtis recorda-nos que: 
"Nenhuma burocracia pode funcionar a não ser que aqueles que se lhe 
encontram sujeitos adoptem atitudes, hábitos, crenças e orientações 
específicas; atitudes em relação a autoridade, hábitos de pontualidade, 
regularidade e consistência, crenças sobre a natureza abstracta e a legi- 
I 
b 
timidade de autoridade e de especialidade: orientações quanto a regras 
25 Curt~s, Bruce (1992). True Governrnent by Choice Men?. Toronto: University of Toronto Press, p. 175 
'' Ibid. 
Prefácio a edição de 1995 ' 
e procedimentos. Estas atitudes, hábitos, crenças e orientações não 
emergem de uma necessidade técnica; são o produto de conflitos com- - 
I 
plexos e prolongados." '' 
Estas considerações são centrais aos argumentos encontrados em 
Educação e Poder. A obra foca um determinado número de realidades 
que simultaneamente geram e são geradas por estes conflitos. 
Assim, as relações de domínio e as lutas necessárias contra essas 
relações não são abstracções teóricas, algures numa esfera irreal desli- 
gada da vida do dia-a-dia. Pelo contrário, baseiam-se e constroem-se a 
partir de uma abrangente cadeia de relações e práticas culturais e 
sociais do dia-a-dia.'* O domínio depende tanto da liderança como da 
legitimação. Não é simplesmente uma imposição, e este facto e uma 
parte crucial da minha análise aqui. Segundo as palavras de Curtis, o 
domínio repousa também parcialmente num "elemento de obrigação 
moral entre líderes e liderados, através do qual ambos interiorizam e 
compreendem as relações de domínio ". Tal obrigação "não implica 
uma simples aceitação mas, pelo contrário, oferece um conjunto de 
justificações para relações políticas e define os limites de domínio legí- 
timo". Por esta razão, e para que uma liderança política, económica e 
cultural tenha sucesso, os que representam os grupos mais poderosos 
da sociedade devem envolver-se num "trabalho intelectual" sério. Um 
trabalho intelectual do genero implica a tentativa quer do relaciona- 
mento de compreensões dominantes de uma determinada leitura da 
história, quer da orientação de um "futuro melhor", caso o caminho 
seguido a partir desta compreensão seja ad~ptado.'~ 
A título de exemplo, observemos os poderosos movimentos de hoje 
relacionados com a "reforma" educativa, tais como os testes nacionais 
e a mercantilização. As formas de compreensão subjacentes a estas 
tentativas baseiam-se no discurso económico, como sendo a forma pri- 
mária (única?) de agir no mundo. O caminho para um futuro melhor, 
segundo nos é constantemente afirmado, implica a realização de cone- 
xões mais restritas entre todas as nossas instituições sociais e culturais 
e uma economia em crise, de forma a que "nos" tomemos mais compe- 
titivos a nível nacional e internacional. Uma união contraditória e 
parodoxal de políticas como as que existem na educação para o 
emprego (com as quais iniciei este prefácio), controlo rígido sobre o 
conhecimento oficial ou legítimo, e a "escolha" é tudo o que precisa- 
mos para "avançar rumo ao século XXI". Todavia, quem é este "nós" 
que será auxiliado por esta união de políticas neoliberais e neoconserva- 
doras? Esta é das questões mais importantes u fazer, pois, como o 
demonstro noutro local, tais políticas são largamente destrutivas, 
tanto a nível nacional como a nível infemacional. Contudo, a ideia de 
alterar o nosso senso comum para que a liberdade se equipare ao mer- 
cado, para que o fracasso seja somente o resultado de erros individuais 
e para que a democracia garanta pura e simplesmente ao indivíduo a 
escolha entre produtos de consumo, tem tido bastante sucesso.30 
Tudo isto ocorre claramente no seio de u m contexto económico. Con- 
tudo, ao afirmar isto, quero ser cauteloso para não exagerar. De modo 
algum, as condições causadas por este contexto são lineares ou unidi- 
mensionais, uma questão que sublinho ao longo deste livro. Mas, igno- 
rar este contexto como u m conjunto poderoso de forças que movem as 
sociedades em determinadas direcções é viver num mundo divorciado 
da realidade. 
De acordo com as palavras do ex-primeiro-ministro britânico John 
Major, vivemos numa sociedade que espera que "condenemos u m 
pouco mais e que compreendamos u m pouco menos".31 Soltar o "livre 
mercado" parece ser a solução. Se os pobres continuam pobres depois 
de a sociedade ter sido radicalmente transformada em tomo "do pri- 
vado", então, acreditamos que os pobres se tomaram pobres a maneira 
antiga, isto é, porque o merecem. Caso não se tratasse de u m conjunto 
de políticas deveras desastrosas, estas afirmações seriam hilariantes. 
Ao abordar a extensão dos princípios do mercado na educação, 
Stephen Ball salienta: 
"O mercado oferece uma resposta poderosa a todo um conjunto de pro- 
blemas técnicos, ideológicos e de gestão. Aparentemente confere poder 
a todos os pais, embora sistematicamente favoreça uns em detrimento 
de outros, reproduzindo efectivamente as linhas clássicas da divisão 
Apple. Michael, Cultural Politics and Education. 
'' Ball. Stephen J. (1994) Education Policy: A Criticaland PosPstruauralApproach Philadelphia: Open University Press. p. 13. 
Prefácio a ed i~ão de 1995 
social e técnica do trabalho. Desempenha o seu papel na reformulação 
da cidadania, a medida que o meio de consumo se generaliza.. . E serve 
para generalizar a forma de mercadoria, um alicerce básico na constru- 
ção da cultura e subjectividade ~apitalista.""~ 
No processo de mercantilização, revivifica-se a compreensão da 
sociedade como um colectivo de posses individuais, sendo marginali- 
zado qualquer sentido de bem comum. A nossa concepção de democra- 
cia foi alterada de tal forma que a democracia jamais será vista como 
um conceito político, mas sim como um conceito económico. A demo- 
cracia reduz-se ao estímulo das condições de "escolha livre do consu- 
midor" num mercado posto em liberdade.33 O mundo torna-se num 
vasto supermercado. A metáfora do mercado tem um sentido inverso, 
uma vez que no mundo real do supermercado algumas pessoas têm 
posses para irem ao supermercado comprar aquilo que pretendem 
enquanto muitas, muitas outras pessoas permanecem fora do super- 
mercado a olhar para as vitrinas e consumindo apenas com os olhos. A 
medida que nos encaminhamos para uma economia bipolarizada, em 
que cada vez mais se acentua o fosso entre ricos e pobres e em que as 
paupérrimas condições nas cidades e zonas rurais deveriam ser motivo 
de vergonha nacionaP4, assistimos a reinstalação da crença assente na 
posse individual - o "consumidor" - como sendo a solução. O bem 
comum de algum modo resolverá o problema. 
Perante este quadro, deverá ser claro que em relação a estas questõesexiste um projecto tanto cultural como económico. Um dos objectivos 
da coligação de direita é separar a identidade nacional da origem e 
etnicidade, dividir a história das políticas, e libertar a consciência 
social da experiência social. Utilizando a linguagem do pluralismo e 
invocando o leque integral das "escolhas do consumidor" num mer- 
cado, na verdade, tem paradoxalmente como objectivo aquilo que 
poderemos denominar por "despluralização': uma vez que articula 
uma determinada visão de uma sociedade de consumidores sem clas- 
ses, homogénea numa cultura comum e tran~cendente.~~ 
I 
Ib~d.. p. 1 O 
33 Vide Apple, Michael. Officlal Knowledge, especialmente o capitulo 2. 
"Analiso o quadro cruel dos benefícios diferenciadores da nossa economia em Apple. Michael. Cultural Politics and 
Educat~on. capitulo 4 
Ball. Education Reforrn, pp 6-7. 
Esta última parte relacionada com o projecto cultural da direita é 
importante. Não pretendo sublinhar a economia a custa das dinâmi- 
cas e processos culturais e políticos, especialmente na discussão sobre 
educação - u m campo que se encontra profundamente implicado nas 
relações políticas e culturais de poder. De facto, Educação e Poder foi 
escrito expressamente e m parte para contrariar as tendências econó- 
micas e redutoras no seio de determinadas análises críticas sobre edu- 
cação. Numa altura em que as relações capitalistas parecem tomar-se 
cada vez mais poderosas, é fácil ser redutor. Deste modo, é cada vez 
mais importante recordar que não podemos tentar atrofiar tudo numa 
mera reflexão das relações económicas por razões conceptuais e poli- 
ticas. 
A educação possui na verdade u m grau significativo de "autonomia 
relativa". Um dos perigos com que nos deparamos tem sido a tendência 
de ignorar o espaço de manobra que a educação tem "no seio das com- 
plexas formas institucionais do Estado, [economia] e cultura".36 Isto é 
particularmente verdadeiro para as teorias profundamente estruturais 
que ignoram o papel do local, o contingente e as propensões indivi- 
duais no respeitante ao que a escola faz. 
A influência de tais circunstâncias contingentes podem ser verifica- 
das, por exemplo, no tipo de pessoas que tendem a ser recrutadas na 
administração escolar quando a centralização e burocratização emer- 
giram inicialmente como projecto no século passado. Deixem-me dar 
como exemplo a vida de u m antigo administrador escolar que se 
encontrava profundamente envolvido na racionalização da educação, 
colocando-a 'kob controlo". 
Alguns dos que se encontravam profundamente comprometidos com 
a "melhoria" das escolas através do recurso a u m rigoroso controlo de 
prestação de contas (nas palavras de Foucault, o Estado como u m 
todo) eram capazes de empregar o mesmo critério de eficiência, inclu- 
sive, nas suas próprias vidas. 
Dexter D'Euerado, u m apologista da autoridade centralizadora esco- 
lar no Canadá, nomeado Inspector de Educação para a Região de Niá- 
gara, em 1846, era u m verdadeiro modelo de eficiência. Sempre que se 
sentava para comer uma refeição "colocava o seu relógio diante de si 
'"reen and Whitty. Legacy of the New Sociology of Education, p 22 
22 
Prefácio à edição de 1995 & 
para que pudesse controlar o tempo despendido a mastigar cada gar- 
4 fada de comida".37 (Se isto aumentava ou não o seu prazer culinário 
não se sabe!) 
Na verdade, Dexter D'Everado comia as suas refeições numa época 
muito específica dentro e num contexto económico particular. No 
entanto, a sua necessidade de aplicar as normas de eficiência inclusive 
aos elementos mais mundanos do seu dia-a-dia - para não falar das 
escolas - não pode ser completamente compreendida (se é que tal é 
possível) reduzindo totalmente Dexter D'Everado a uma imagem refle- 
xiva das realidades estruturais do seu contexto. 
Há aqui uma tensão - se me permitem o uso de algumas expressões 
da teoria social que estão fora de moda - entre estrutura e agência. 
Relaciona-se com a necessidade de tentar compreender quer o contexto 
social mais abrangente quer o contingente e as circunstâncias locais 
do dia-a-dia dentro e fora das escolas. Neste livro tento estabelecer este 
equilíbrio. Tal como tantos escritores, torno-me cada vez melhor ao 
( fazê-lo ao longo dos anos; mas a tensão - e a minha intenção em lidar 
escolaridade na sociedade. Desafia a imagem da escola como espelho 
passivo, que se limita a reflectir as necessidades supostamente homo- 
géneas dos grupos dominantes, fornecendo simultaneamente um qua- 
dro honesto e nada romântico do poder de tais grupos. Também refuta 
veementemente a visão das pessoas como marionetas cujas cordas são 
puxadas fora do seu controlo possuindo sobre elas uma compreensão 
muito pálida. O meu conceito operatório que atravessa todo o livro é a 
com ela - encontra-se muito bem visível neste volume. 
I 
" Curtis. True Government by Choice Men. p. 3. 
38Apple, Michael (1979). Ideology and Curriculum. (2nd. ed. in 1990). New York. Routledge; Educat~on and Power 
(1985 - Ark edition). Boston: Routledge. te ache^ and Texts (1988). New York Routledge; Offic~al Knowledge (1993). 
New York: Routledge; e CulturalPolrtics and Education (1996) New York: Teachers College Press. 
I 
Educação e Poder faz parte de uma série de livros escritos pela 
seguinte ordem: Ideology and Curriculum, Education and Power, Tea- 
chers and Texts, Official Knowledge e Cultural Politics and Education? 
Constroem-se uns nos outros. Contudo, cada um tem a sua própria 
existência como uma declaração do género de análises que entendo ser 
crucial para a compreensão dos limites e das possibilidades de uma 
educação crítica num mundo desigual. 
Educação e Poder representa um corte com as abordagens profunda- 
mente estruturais para a compreensão do papel social e cultural da 
palavra-chave - contradição. As coisas são simultaneamente 3im" e 1 
"não". De u m modo geral, esta foi uma das tematicas orientadoras de 
todo o meu trabalho subsequente. Com efeito, a compreensão daquilo 
com que me digladio em Educação e Poder coloca as obras seguintes 
num contexto que faz com que as justificações das suas fundamenta- 
ções individuais se tomem ainda mais claras. 
Podem encontrar alguns paralelismos intrigantes entre aquilo que 
argumento neste livro e as ênfases pós-modemas e pós-estruturais dos 
discursos indicadores do nexo poder-conhecimento. Tais paralelismos 
não devem constituir surpresa, uma vez que u m dos maiores elementos 
da minha abordagem assenta na circulação e efeitos de uma determi- 
nada forma de conhecimento e de discurso - aquilo que denomino por 
conhecimento técnicoladministrativo. Isto é apenas u m exemplo atra- 
vés do qual se intersectam a minha abordagem neogramsciana e algu- 
mas teorias pós-estruturais. Assim, tal como mencionei anteriormente, 
embora tenha um misto de preocupações e respeito em relação a muitos 
atributos de algumas teorias pós-estruturais, penso que a minha análise 
neste livro permite uma investigação mais situada de muitas das raízes 
e efeitos deste discurso mantendo-o no seu contexto estrutural. 
Outros paralelismos podem ser também óbvios. A minha focalização 
quer no contexto técnico-administrativo quer no Estado numa época de 
crise ilustra uma semelhança importante com o trabalho de Habermas, 
tanto nas relações entre comunicação e poder como na legitimação da 
I 
crise do Estado. Além do mais, os leitores envolvidos com os estudos cul- 
turais reconhecerão como grande parte da analise efectuada nesta obre se 
relaciona também com essa área. Finalmente, os leitores familiarizados 
com a história do trabalho e com a história do profissionalismo encontra- 
rão correlações entre a minha análise de ensino como um processo de 
trabalho complexo e a questão que se relaciona com o que se esta a pas- 
sar com o trabalho assalariado e com o profissionalismo, em geral. 
Claramente, deu-se uma viragem no ensino passando-se do que Roger 
1 
Dale denominou por "autonomia 1icenciada"para uma"autonomia regu- 
lada':39 Na anterior conferiam-se credenciais as pessoas, gozando estas de 
uma determinada liberdade face ao controlo burocrático ou do Estado. 
I I 
Na última, o controlo e a interuenção estão presentes e tomam-se visíveis , 
39 Dale, Roger (!989). The State and Education Policy. Phiiadelphta- Open University Press 
24 
I Prefacio a edição de 1995 
ao longo da vida quotidiana e práticas individuais mesmo que possuam 
I credenciais apropriadas. A anterior baseia-se na confiança e na auto- 
-regulação; a última apoio-se na desconfirmça e no discurso de monitori- 
zação e orientação. Poderia ter abordado esta questão em termos foucaul- 
tianos (embora quando este livro foi escrito Foulcault fosse pouco visível); 
contudo, reflectindo mais sobre esta questão, a.9ora perderia muito do que 
é importante acerca de como os professores trabalham. 
Qualquer autor ou autora coloca um ponto final na última frase do 
livro que acabou de escrever não apenas com alívio mas tremendo. 
Todos os livros são - ou deveriam ser - rotulados com a seguinte frase 
"te uma próxima ocasião " ou "temporariamente" com letras garrafais 
nas capas. Há sempre mais para ser dito. Há sempre silêncios que só se 
tomam visíveis mais tarde ou são empurrados para notas de rodape. 
De u m maneira geral, os livros escrevem os autores tal como os auto- 
res escrevem os livros. É, certamente, o caso deste livro. É necessário 
dizer muito mais acerca de tantos tópicos - acerca do facto de o Estado 
se rever no genero, raça e classe, acerca das dinâmicas do poder que 
envolvem a sexualidade e "capacidade': acerca das lutas dentro e fora 
da cultura popular, acerca das realidades complicadas que envolvem a 
vida dos professores e alunos, e muito mais. Formei-me e reformei-me 
no processo de escrita deste livro, e formei-me e reformei-me com os 
comentários críticos e de apoio que continua a gerar. 
Como afirmo numa entrevista publicada em anexo no livro Official 
Knowledge, escrever Educação e Poder foi um acto político que exigiu 
que me envolvesse ainda mais nas lutas políticas e educativas que se 
iam clarificando a medida que escrevia o livro. Devo confessar que des- 
, confio dos escritores no campo dos estudos críticos cuja maior acção 
política é colocarem a caneta no papel ou o dedo no teclado. As pala- 
vras são clarificadas por actos. Participar numa vasta gama de activi- 
dades políticas nas escolas e na sociedade, em geral (onde a escrita é 
apenas uma), é um forma maravilhosa de clarificar a mente de cada 
um, mantendo-se honesto em relação ao trabalho. 
Reconhecer a qualidade "temporária" do nosso trabalho e saber que 
poderá não ser possível ter certezas acerca das políticas correctas não 
deve (nem pode) afastar-nos de actividades deste género. O cinismo 
i 
pós-modemo em nosso redor é mais do que suficiente e, ao mesmo 
tempo, o triunfalismo conservador suja o campo com a consequência 
trágica das suas tendências arrogantes. 
2 5 
-- 
Decidi manter o texto da edição de 1985, com o seu prefácio original, 
- não propriamente por ser perfeito (certamente não é), ou porque as 
condições então descritas permanecem estáticas (certamente que não). 
Pelo contrário, as questões básicas da análise parecem-me poderosas. 
De facto, dadas as condições degradantes em que vivem (a palavra exis- 
tir é aqui melhor aplicada) tantas pessoas por esse mundo fora, dado 
um poder cada vez maior a ênfase nas ~oluções" orientadas pelo mer- 
cado e modelos industriais, não só na educação, como também em 
todas as instituições da sociedade e, ainda, dadas as propostas radicais 
de uma reestruturação educacional e social provenientes da direita, a 
análise aqui apresentada continua a providenciar contributos impor- 
tantes nas dinâmicas sociais do trabalho, seus perigos e sobre aquilo 
que poderá ser feito acerca destas questões. 
Na verdade, determinadas tendências pioraram. O controlo da con- 
duta dos professores na sala de aulas atingiu tais extremos que em 
alguns estados [dos Estados Unidos da América] modelos específicos de 
instrução - por exemplo, a abordagem racionalista de Madeline Hunter 
- tomaram-se compulsivos. Ao mesmo tempo, a influência do capital e 
a sua lógica transformadora de conforto atingiram, de um modo ainda 
mais agressivo, a sala de aulas. O Canal I, u m canal de produção e 
difusão de notícias que inclui dois minutos de anúncios, é actualmente 
visto por cerca de 40% de todos os alunos das escolas preparatórias e 
secundárias nos Estados Unidos da América do Norte. Assim, os distri- 
tos escolares que se encontram debaixo de uma grande pressão fazem 
uma espécie de "pacto com o diabo". Como compensação pelo equipa- 
mento de vídeo que de outro modo apenas com muitas dificuldades 
teriam acesso, vendem os alunos as estações de televisão como sendo 
uma audiência fiel.$' 
De modo semelhante, a ênfase neoliberal e m fazer do mundo u m 
vasto supermercado para que tudo - mesmo os nossos estudantes - 
possa ser comprado e vendido com fins lucrativos gerou u m movi- 
mento crescente pelos planos "voucher" e "choice". Embora critique 
este movimento em Educação e Poder, tomou-se cada vez mais claro, 
durante os últimos 10 anos, que o efeito final de reformas educacionais 
" Vide esta discussão em Apple, Michael. Off~cral Knowledge. capítulo 5 
26 
Prefácio a edição de 1995 ' 
deste género consistirá na criação de uma espécie de "apartheid " edu- 
cativo, desastroso para os filhos dos pobres e desfavore~idos.~' Além do 
mais, a pressão para estabelecer um controlo ainda mais centralizado 
sobre os fins e meios da educação através de um currículo e testes 
nacionais - sob o pretexto da eficiência e da prestação de contas - irá 
de cerfa forma enfraquecer as conquistas de mulheres, indivíduos de 
cor e tantos outros que construíram os seus currículos e escolas mais 
adequados com as suas culturas, hisfórias e dia-a-dia." ''O conheci- 
mento oficial" recuará a medida que a restauração conservadora 
aumenta a sua velocidade. 
Finalmenfe Educação e Poder presta atenção especial ao modo como 
o conhecimento nos nossos dias é utilizado como mercadoria por parte 
da nossa economia. É cada vez mais óbvia a integração da vida univer- 
sitária no projecto industrial, com tudo um conjunto de efeifos profun- 
dos. O que conta como conhecimento importante é cada vez mais defi- 
nido como apenas o conhecimento que é técnica e economicamente 
'~rodutivo". Tudo o resfo constituirá um bom trabalho se o conseguires 
atingir, mas "não é relevanfe". Todas estas questões precisam de ser 
colocadas num contexto político e ideológico emergente das conquistas 
/ da direita e da direita radical a muitos níveis do governo dos Estados 
Unidos da América e de outros países. 
Não digo tudo isfo com qualquer tipo de alegria. Muito embora alguns 
aufores tenham algum prazer (talvez perverso) quando determinados 
, acontecimentos que haviam previsto se concretizam de um modo tão ou 
quase catastrófico como perspectiuaram, o facto de tais acontecimentos 
terem realmente acontecido deve alertar-nos para a imporfância das 
relações complexas entre educação, cultura, economia e Estado. 
No enfanto, e não obstante todas estas questões, é ainda claro que 
mesmo nestas condições administradores e professores progressistas, 
activistas da comunidade e outros têm sido capazes de construir 
importantes coligações para desafiar as políticas e práticas educafivas 
dominantes. Tal como James Beane e eu mesmo demonstrámos no 
livro Democratic Schools~, não só existe um grande número de indiuí- 
4' Vide: Apple. Michael. Cultural bl i t ics and Education. capltulo 2 . 
Para um exemplo desta pedagogia nde: Ladson-Billings, Gloria (1994) The Drearnkeepers. San Francisco: Jossey-Bass. 
4 3 Apple. Michael; Beane. James (eds.) (1995). Dernocratic Schools. Washington Association for Supewision and Curricu- 
lum Development. 
duos comprometidos que não se encontram "esmagados" com o que se 
está a passar, como aindarededicam - e com muito sucesso - as suas 
vidas a construção e defesa de uma educação digna do nome, social- 
mente justa e providente. A s suas hisfórias transcritas no livro Demo- I 
cratic Schools revelam-se como testemunhos eloquentes de que não só 
existe espaço para um trabalho crítico e criativo, como também tal fra- 
balho pode ser imediatamente iniciado e expandido em escolas e comu- 
nidades verdadeiras. 44 
O que é espantoso acerca das histórias reveladas em Democratic 
Schools é a coragem inabitual que tais educadores demonstram no seu 
dia-a-dia. Da mesma forma que são retratadas professoras acfivistas na 
obra I Answer With My Lifed5 de Kathleen Case.y, professores, adminis- 
tradores, alunos e membros da comunidade dessas escolas recusam-se 
a permitir que as difíceis restrições financeiras, a natureza burocrática, 
frequentemente inflexível, de muitos sistemas educativos, as inúmeras 
pressões e exigências sociais sejam instituídas nas escolas ou os inten- 
sos ataques ideológicos provenientes da aliança conservadora se intro- 
metam no caminho para a construção de uma educação apoiada numa 
ética de assistência, de comunidade, de justiça social e de alfabetização 
crítica. 
Muito embora não devamos ser românticos sobre estas possibilida- 
des, elas mantêm-se todavia como poderosos mecanismos para nos 
chamar a atenção sobre aquilo que pode ser conseguido mesmo 
durante um período de crise. 
É aqui que se inicia Educação e Poder. Na crise. 
MichaeI W. Apple 
Mde também Smith. Gregory (ed.) (1994). Public Schools that Work. New York Routledge 
Casey, Kathleen (1993) IAnswer Wfth My Lffe New York Routledge 
Tendo em vista o enorme destaque dado ao sistema educativo por 
parte dos "media", das comissões nacionais, na política e no nosso 
dia-a-dia, seria mesmo uma pena se nos deixássemos envolver de tal 
maneira na corrida desenfreada pela "excelência" (um slogan com 
múltiplos significados e afiliações ideológicas) que negligenciássemos a 
necessidade de continuar a formular questões cruciais sobre o que 
fezem as escolas. Qual é a relação entre a educação e a sociedade mais 
riasta? Quem mais beneficia em última instância das formas através 
das quais as escolas e as práticas curriculares e de ensino no seu seio se 
encontram organizadas? Estas questões são fáceis de formular, con- 
tudo, dificeis de responder. Educação e Poder e mais um passo no meu 
próprio objectivo de considerar o mais seriamente possível quer as ques- 
tões quer as respostas. 
Educação e Poder e uma continuação autoconsciente da obra Ideolo- 
gia e Currículo1. Inicia-se no ponto em que esta última termina, procu- 
rando explorar as estruturas e as relações na educação, na economia, 
na política e na cultura que não só controlam como também permitem 
o desenvolvimento de uma actividade mais frutífera e mais democrá- 
tica. Sob vários aspectos, Educação e Poder e um livro mais optimista 
que Ideologia e Currículo. Não é que não pense que as condições não 
sejam mas em muitas escolas, nos postos de trabalho remunerados e 
não remunerados de tantos homens e mulheres, etc. Tal como o 
demonstra o capítulo 1, subjacente aos dados estatísticos optimistas 
provenientes de Washington, há, na realidade, uma outra realidade 
caracterizada por uma desigualdade crescente, por níveis assustadores 
de pobreza e por uma crise emergente. 
Convem recordar, por exemplo, que mais do que u m em cada sete 
norte-americanos vivem na pobreza, bem como uma em cada cinco 
crianças. Estes números não têm diminuído: têm aumentado inexoravel- 
mente dadas as políticas no plano económico, social, militar, da saúde, 
- - 
I Apple, Michael W. (1979). Ideology and Curriculum. New York: Routledge & Kegan Paul. 
da educação conduzidas pelo Governo actual. Com efeito, dirigimo-nos 
para aquilo que se denomina por "pico duplo" da economia a medida que 
os números nos extremos vão aumentando2. Isto é comprovado através 
da suposta "recuperafão" económica actual. Marginalizou milhões de 
pessoas. Implicou que muitos daqueles que encontraram emprego, e à 
medida que se reduzia a taxa de desemprego para "níveis mais aceitá- 
veis" (aceitáveis para quem? Naturalmente que são inadmissíveis para 
milhões de desempregados e subempregados) fossem obrigados a aceitar 
salários e condições de trabalho significativamente menos seguros que 
os anteriores. De igual modo se constatou uma tentativa continuada de 
desmantelar programas vitais para as áreas da educação, da saúde e 
bem-estar social de muitos cidadãos norte-americanos. 
No entanto, e mesmo perante estas condifões, é claro que existem mui- 
tas maneiras através das quais se pode actuar de uma forma progressista 
e muitos locais onde tais actividades têm sérias hipóteses de sucesso. A 
tensão que existe entre optimismo e pessimismo orienta este livro. 
António Gramsci tinha uma maneira de colocar directamente esta 
questão as pessoas (porventura, tal como muitos de vós que terão opor- 
tunidade de ler este livro) que, tendo analisado detalhadamente as 
estruturas de dominação na sociedade, com muita frequência se deses- 
peravam perante a possibilidade de u m verdadeiro progresso em ordem 
a uma sociedade mais humana e mais justa. Grarnsci colocava a ques- 
tão desta forma: "pessimismo do intelecto, optimismo da vontade". l? 
uma frase bem conseguida. Todavia, pretendo aprofundá-Ia mais. Uma 
investigação sobre as forfas estruturais e as experiências vividas das 
pessoas nesta sociedade não revela uma vitória monolítica das ideolo- 
gias dos que detêm mais poder. (Por agora podemos denominá-las por 
capital, patriarcado e racismo). Uma análise mais cuidada revela algo 
mais ténue, mais contraditório, mais permeável a ser transformado 
num momento positivo em educafão, no trabalho, no "estado" e ainda 
nas relações de género, classe e rafa. Tal como afirmarei mais adiante, 
não devemos ser ingenuamente românticos relativamente a esta ques- 
tão; contudo, não existem apenas aspectos retrógrados a acontecerem. 
Assim, o primeiro passo a ser dado é descobrir, na verdade, o que é que 
acontece nos momentos positivos e negativos. 
-- 
'Para uma abordagem mais detalhada sobre estas tendências econornicas. wde Cohen, loshua. and Rogers. Joel (1983). 
On Democracy New York Penguin Books, e Carnoy, Martin, Shearer. Drek. and Rumberger. Russell (1983). A New 
Social Confracf New York Harper & Row 
Prefacio a 1 " ediçio a 
Em muitos aspectos, o problema da análise que percorre este livro 
depende de uma atitude de "reposicionamen to". Propõe uma maneira 
diferente de "ler" a vida social e as instituições da que é sugerida pelos 
grupos dominantes na sociedade7. O leitor, em vez de interpretar a 
sociedade como relativamente pluralista, agindo contudo pelo bem 
comum, questiona as instituições culturais, económicas e políticas 
como corporizando relações de domínio e subordinação. Estas relações 
existem inseridas nas esferas da classe, raça e género. No entanto, não 
são predeterminadas. O domínio tem que ser construído de forma que 
as desigualdades chocantes que vão sendo erguidas e reerguidas pare- 
çam, de algum modo, legítimas. 
Este acto de ler a formação social de uma forma diferente é criativo. 
Requer que, de uma forma consciente, contextualizemos aquilo que 
entendemos ser u m dado adquirido acerca do modo como operam as 
instituições escolares, dos "media", governamentais e económicas. 
Paralelamente, implica que reconheçamos como e de que formas se 
manifestam as próprias formas desiguais de poder. Quem beneficia das 
actualmente existentes nessas instituições e entre elas? De que forma? 
Para compreendermos esta questão, temos de nos colocar na posição 
daqueles que se encontram cultural, política ou economicamente des- 
favorecidos ou oprimidos, ou que durante o período de restauração 
conservadora vão perdendo aquilo que lhes levou tantos anos a tentar 
ganhar. Mulheres, pessoas de cor, trabalhadores (estes grupos não são, 
naturalmente, mutuamente exclusivos) são asperspectivas que utiliza- 
mos para nos reposicionarmos de forma a vermos como funciona, na 
verdade, a sociedade. 
Elizabeth Ellsworth resume parte deste argumento na sua análise 
sobre estratégias de leitura feministas. Muito embora se refira especifi- 
camente as leituras feministas das legendas dos filmes, os pontos que 
apresenta revelam-se também preponderantes para outras áreas. Tal 
como adianta, tal estratégia oferece as "leitoras os instrumentos atra- 
vés dos quais podem activa e vigorosamente reposicionar-se em relação 
ao texto, recusarem o ponto de vista [dos grupos dominantes] ... e ler o 
texto de uma outra perspectiva, a partir da posição política dos oprimi- 
dos...". No entanto, dado existir sempre uma uma pessoa que faz uma 
Ellsworth, Elizabeth (1984) "lncorporation of Ferninist Meanings in Media Texts" in Hurnan~bes and5oc;ety. p. 69 
' Ibid., p. 67 
determinada leitura de u m texto ou de u m conjunto de estruturas 
sociais, optei por construir um texto pessoal, sobretudo no capítulo 1, 
para que o leitor deste "texto" possa ver mais claramente como e por 
que razão faço a leitura que aqui se apresenta. 
Este acto de leitura pode ser criativo, todavia uma coisa ele não é: 
não é fácil. O modo como se constroem e contestam as relações de 
classe, género e raça nem sempre é facilmente visível, em parte porque 
muitos aspectos das instituições dominantes não possuem apenas um 
efeito singular. Podem, pelo contrário, ser fundamentalmente contradi- 
tórias. Esta questão é crucial ao longo de todo o livro, uma vez que 
devemos ser sensíveis ao modo como as escolas e outras instituições 
são influenciadas por uma variedade de forças e necessidades conflituo- 
sas. O mesmo deve e deverá ser afirmado sobre os professores e alunos 
que se encontram nas salas de aula daquelas escolas. Por este motivo, 
a minha própria leitura de como funciona a educação não se limitará a 
tentar reposicionar-nos com o intuito de clarificar as relações que as 
escolas mantêm com uma formação social mais ampla. Realçarei tam- 
bém que aquilo que registamos não é apenas uma imposição dos gru- 
pos dominantes de classe, raça e género, mas o resultado contraditório 
de verdadeiros conflitos culturais, políticos e económicos no interior e 
no exterior do sistema educativo. 
Uma das vantagens das edições posteriores de um determinado livro 
é a de permitirem repensar, ampliar e mesmo realçar determinados 
argumentos. Destacarei algumas questões que podem necessitar de 
uma ou outra abordagem. 
Mesmo a curto prazo, desde que este livro foi publicado, foram-se 
desenvolvendo determinadas tendências. De entre as preponderantes para 
a abordagem que pretendo efectuar ao longo deste trabalho encontra-se a 
influência crescente das grandes empresas (e militares) junto das escolas, 
a todos os níveis. Assistimos a uma notável investida empresarial, na qual 
o sistema educativo paulatinamente se vai desviando para a órbita ideoló- 
gica empresarial e respectivas necessidades. "O que é bom para a empresa 
é bom para o país e para as pessoas", podendo mesmo não ser uma 
política educativa muito boa, tem-se tomado, no entanto, num retrato 
muito bem conseguido daquilo que realmente se está a passar. É um 
quadro cada vez mais preciso não só da escolarização em geral, como 
também do currículo e investigação em muitas universidades, em 
particular. Confère mais substância a denuncia que faço de que uma das 
1 Prefacio a 1 "dição ' 
I 
funções do sistema educativo é a produção de conhecimento témico- 
-administrativo que, em última analise, é acumulado por grupos domi- 
nantes e utilizado no controlo económico, político e cultural. Existem 
profundas cli~iagens neste processo e em muitas escolas e universida- 
des, no entanto, julgo que nüo podemos perceber, por completo, a edu- 
cação, o apoio a determinados tipos de alunos e o favorecimento de for- 
mas específicas de conhecimento sem uma analise profunda do papel 
do sistema educativo, tanto na produção de tal conhecimento, como 
nas relações emergentes que estabelece com os interesses empresariais. 
Por exemplo, e nesta conformidade, seria interessante examinar a 
informatização de muitos aspectos da educação5. 
Com a reeleição de Reagan e com a direita provavelmente mais vigo- 
rosa, outros argumentos adquirem ênfase na obra Educação e Poder. 
A título de exemplo, no capítulo 4, analiso as propostas de planos de 
subsídios educativos e benefícios fiscais, questionando por que razão 
süo propostos numa época de crise ideológica e quais serão, em última 
instância, os seus efeitos. A agenda social da direita tem como uma das 
suas plataformas a privatização do maior número possí~iel de institui- 
ções públicas, crendo que a "mão invisível" (na verdade, fictícia) do 
mercado regulara todas as necessidades e providenciará o bem comum. 
Isto não só é conceptual e politicamente ingénuoh, como também é 
uma ética social perigosa. Substitui o bem público (encoberto na retó- 
rica da "democracia" e da "escolha pessoal'? pelo ganho privado. 
Necessitamos de ser muito prudentes para não sermos levados por esta 
ladainha. A democracia significa muito mais do que uma escolha rela- 
tiva de praticas de consumo. Reduzi-la a sua essência económica, como 
algo totalmente determinado pela escolha de produtos, é como que 
divorcia-la do seu papel nos debates públicos sobre a ordem social, 
actualmente mais necessários do que nunca. 
Os perigos da privatização existem e podem eventualmente complicar-se 
ainda mais caso prossigam tais planos de mercantilização da educação. 
Grande parte do destaque deste livro recai sobre o processo de trabalho, 
tanto nas fábricas, armazéns e escritórios, por um lado, como nas esco- 
las, por outro. Em particular, as últimas partes deste livro despendem um 
--- 
' Vde. por exemplo, Noble. Douglas (1384). 'The Underside of Computer Literacy in Rarltan. 4. pp 37-64 
' Levine Andrew (1 984) Argu~ng for Sooal~sm Boston Routledge & Kegan Paul 
CCPP-EP-03 3 3 
d 
espaço significativo sobre a forma como o ensino tem vindo a ser trans- 
formado como processo de trabalho. Esta questão é uma das que gosta- 
ria agora de aprofundar na minha abordagem. 
Para mim, é cada vez mais claro que a discussão sobre o processo de 
trabalho do ensino necessita de ser desenvolvida de acordo com uma 
variedade de aspectos. É um facto que o trabalho docente tem sofrido 
mudanças substanciais. Tem-se verificado um processo complexo de 
desqualificação e requalificação, em que a maior parte dos professores 
têm vindo a perder o controlo de partes significativas do currículo e da 
pedagogia, a medida que as ideologias e práticas empresariais pene- 
tram no núcleo da maior parte das salas de aula. No entanto, muito 
embora os professores, na sua generalidade, enfrentem aquilo que 
denominarei neste livro por procedimentos de "controlo técnico", nem 
todos os professores enfrentam tais pressões de forma idêntica. 
Sobretudo ao nível da escola básica, os professores encontram-se 
mais expostos aquilo que os sociólogos críticos rotularam de degrada- 
ção do trabalho. Não julgo que possamos compreender completamente 
a razão pela qual os professores da escola básica se encontram sujeitos 
a um maior controlo e a uma maior intervenção por parte do Estado 
no currículo, a não ser que formulemos a seguinte questão. Quem está 
a ensinar? Na sua vasta maioria, o ensino ao nível do ensino básico 
tem sido historicamente construído como "trabalho feminino". 
Numa investigação iniciada onde termina Educação e Poder dedico 
especial atenção a relação entre o ensino e o trabalho feminino7. É crí- 
tico, julgo eu, que se reconheça que a educação está construída com 
base não apenas nas dinâmicas de classe, como também nas dinâmicas 
de género e de raça8. E quando se fa!a do ensino em particular, na ver- 
dade é muito difícil ignorar que são as mulheres que se encontram na 
maioria das salas de aula do ensino básico, na maior parte dos países. 
Historicamente, o trabalhoremunerado das mulheres tem sido sujeito 
a enormes pressões para um controlo externo. 
Na verdade, gostaria de salientar que muitas das actuais tentativas 
levadas a cabo pelos legisladores do Estado, departamentos da educação 
' Apple, Michael W (1983) "Work, Gender and Teaching" in Teachers College Record, 84. pp 61 1-628; e Apple 
Michael (1985) Teaching and Wornens Work: A Comparative Historical and Ideological Analysis Teachers Coilege 
Record, 86. 
Esta questáo 6 analisada de uma forma mais detalhada, sobretudo no primeiro capítulo. em Apple, Michael W., and 
Weis, Lois (eds), Ideology and Pract~ce in Schooling Philadelphia Ternple University Press. 
Prefácio a l "ddição ' 
do Estado e "gestores educativos" para racionalizar e estandardizar o 
processo e o produto de ensino, para prescrever objectivos e conteúdos 
curriculares muito específicos, para definir todo o ensino como uma 
colecção mensurável de "compet&cias, etc., encontram-se relacionadas 
com uma longa história de tentativas de controlo das professoras, em 
particular, e das trabalhadoras, em geral. Esta questão é realmente com- 
plicada e eu limito-me apenas a fazer uma pequena alusão dado que a 
retomarei mais detalhadamente no meu livro Teachers and Textsg. 
Parte da tarefa que m e propus cumprir em Educação e Poder não 
consistia apenas em reposicionarmo-nos de forma a podermos conse- 
guir uma melhor compreensão sobre os papéis contraditórios da edu- 
cação, muito embora esta compreensão crítica seja muito importante 
nos dias de hoje. Consistia também em detectar a existência ou não de 
oportunidades, numa variedade de campos, para uma efectiva acção 
educativa e, especialmente, colectiva. Dada a localização estrutural das 
escolas, o tipo de conhecimento que parecem descobrir como o mais 
legítimo, a cultura vivida dos estudantes, de homens e mulheres no seu 
trabalho remunerado ou não remunerado e dadas as condições em que 
o professores cada vez mais se vêem obrigados a trabalhar, as estraté- 
gias para a implementação com êxito de políticas mais democráticas 
nas escolas e em outras instituições serão uma utopia? Muitas pessoas, 
inclusivamente muitas pessoas de esquerda, ignorando a importância 
da educação como condição prévia para qualquer actividade política, 
têm ignorado também o muito que as lutas pelo conteúdo, forma e 
objectivos educativos fizeram e podem, na verdade, vir a fazer". Para 
eles, as escolas são simplesmente mecanismos de dominação. Não 
devemos aceitar esta posição. Apontei uma série de áreas onde se pode 
desenvolver uma actividade progressista. 
Naturalmente, muito mais se poderia ter desenvolvido sobre a acção 
política, económica e cultural e sobre o que acontece nas escolas. Toda- 
uia, existem alguns riscos em fazê-lo, dado que os objectivos e as estra- 
tégias nas escolas e em outros locais devem ser construídos a partir das 
bases. Assim, muito embora as minhas respostas ao longo deste livro 
possam ser parciais, pretendem não só remeter para áreas que se 
'Apple, Michael W (no prelo). Teachers and Texts. Boston: Routledge & Kegan Paul. 
'O Vide Hogan, David (1982). "Education and Class Forrnation" in Michael W. Apple (ed ). Cultural and Econornic Repro- 
duction in Education. Bonston: Rouledge & Kegan Paul, pp. 32-78. 
afiguram mais importantes, como também integrar-se num diálogo 
crítico contínuo entre nós, relacionado com os significados e os fins das 
instituições sociais e culturais e ainda sobre como podem tais institui- 
ções ser reconstruídas de forma mais democrática. Se o livro Educação 
e Poder conseguir desempenhar um pequeno papel nesse diálogo 
crítico abrangente, ultrapassará os seus propósitos. 
Michael W. Apple 
University of Wisconsin, Madison 1984 
Agradecimentos 
Independentemente da sua "originalidade", todos os livros são um 
acto colectivo. Certamente que também isto se aplica a Educação e 
Poder, todavia, de dois modos distintos. O primeiro, habitualmente. nào 
é mencionado no espaço destinado aos agradecimentos. No entanto, 
neste caso concreto, julgo ser necessário dizê-lo. Este livro não poderia 
ter sido escrito sem as lutas diárias de trabalhadores e trabalhadoras de 
esquerda, que têm procurado construir e manter um movimento que é 
emancipatório e democrático tanto nas intenções como nas práticas. 
Nem tão-pouco poderia ter sido escrito sem os esforços criativos de 
todos os autores que participaram e teorizaram sobre o referido movi- 
mento nas últimas décadas. Aqueles que procuram reestabelecer e man- 
ter uma tradição crítica não redutora e não mecanicista de estudos de 
esquerda tiveram em mim uma enorme influência. Apesar de a sua 
influência se ter registado através de um debate interno entre o que 
escreviam e as minhas próprias reacções, admirações, acordos e desa- 
cordos, e mesmo que não consigam compreender o significado actual 
das suas ideias, agradeço-lhes. Encontramo-nos todos em débito para 
com eles. 
Naturalmente, nem sempre os débitos são anónimos. Tenho a felici- 
dade de ter amigos e colegas em Wisconsin e por esse mundo fora que 
não deixam que a amizade interfira com a crítica, semnre indispensável. 
Um determinado número destas pessoas merecem ser conhecidas: Ron 
Aminzade, Jean Anyon, Madeleine Arnot, Stanley Aronowitz, Ann Bec- 
ker, Basil Bernstein, Jean Brenkman, John Brenkman, Roger Dale, 
Henry Giroux, Andrew Gitlin, Herbert Kliebard, Henry Levin, Alan 
Lockwood, Vandra Masemann, Linda McNeil, Fred Newmann, Gary 
Price, Fran Schrag, Richard Smith, Joel Taxel, Andrew Urevbu, Gary 
Wehlage, Lois Weis, Paul Willis, Erik Olin Wright e Michael F. D. Young. 
Outros quatro necessitam de uma menção especial pela sua contribui- 
ção contínua ao meu pensar e repensar: Michael Olneck, Steven Selden, 
Philip Wexler e Geoff Whitty. 
Nos livros anteriores atribuo uma importância especial aos alunos de 
pós-graduação que trabalham comigo e que se reúnem no agora famoso 
(ou não) seminário de sexta-feira. Esta questão é ainda mais verdadeira 
para o caso deste livro. Os capítulos deste livro são o resultado de dis- 
cussões e intensos debates que mantive com os meus alunos. Também 
eles me ensinaram muitas coisas, bem como os professores dos ensinos 
básico e secundário com quem tenho interagido ao longo da última 
década e ainda os trabalhadores e trabalhadoras com quem tenho traba- 
lhado na criação de materiais de educação política nas fábricas e nos 
escritórios. 
David Goldwin, da Routledge & Kegan Paul, continua a comprovar 
como excelência e apoio editoriais podem ser combinados. Bonnie 
Garski e Barbara Seffrood são muito mais que secretárias e dactilógra- 
fas, muito embora muito boas nisso. Os comentários e sugestões que 
fizeram foram sempre pertinentes. Agradeço-lhes a amizade, competên- 
cia e compreensão. 
A incontornável habilidade de Rima Apple em ajudar-me a clarificar 
aquilo que pretendo efectuar, as suas sugestões cruciais e editoriais, o 
seu apoio constante, para não mencionar o quanto continua a ensinar- 
I 
-me no que respeita as histórias da mulher, ciência e medicina, tudo isto 
aumenta a dívida de gratidão que nenhum marido pode integralmente 
retribuir. 
Finalmente, quero dedicar este livro a Mimi Russak Apple que, apesar 
de não ter vivido para o ver concluído, teria compreendido a ênfase 
colocada nas lutas contra a exploração. Foi com base na forma que tanto 
ela como meu pai, Harry Apple. viveram as suas vidas que eu, pela pri- 
meira vez, aprendi a importância dessa luta. 
Partes deste livro são abordadas de uma forma diferente em Curricu- 
lum Inquiry; Interchange; The Journal of Education; "The Journal of 
Economic and Industrial Democracy; e Roberty Everhart (ed.), The 
Public School Monopoly. 
i 
Reprodução, contestação e currículo 
A sombra da crise 
A medida que escrevo vêm-me à cabeça as palavras do conhecido soció- 
logo Manuel Castells: "A sombra da crise estende-se pelo mundo." 
.As imagens que traz a mente constituem algumas das linhas condutoras 
subjacentes a

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