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1UNIDADE 1Ciências Criminais e Criminologia: Conceito e campo de atuação Objetivos de aprendizagem � Compreender a importância da disciplina “Criminologia” para as Ciências Criminais e conhecer a Criminologia enquanto ciência do âmbito criminal nos seus aspectos históricos. � Entender a criminologia como fundamento para a compreensão do Sistema Penal e das Estruturas de Controle Dominantes. � Conhecer a evolução do pensamento criminológico e suas principais correntes. � Conhecer as tendências da criminologia na contemporaneidade. Seções de estudo Seção 1 As Ciências Criminais Seção 2 A Criminologia Seção 3 Criminologia e Segurança Pública ciencia_criminal.indb 15 28/02/11 08:49 16 Universidade do Sul de Santa Catarina Para início de estudo Liberdade, segurança e democracia são temas que cada vez mais têm dominado a pauta dos debates nas sociedades contemporâneas. Com as transformações sociais e tecnológicas, a contemporaneidade trouxe também como herança a necessidade de um conjunto de atuações capazes de fazer frente às mais variadas expressões de violência que afligem a todos - do contexto local ao global - o que exige novas análises e estudos que permitam a compreensão teórico-empírica dos fenômenos, com destaque para os conflitos, as ameaças e os riscos comprometedores da construção da paz social e da convivência cidadã. Nesse sentido, iremos abordar, nessa primeira unidade de estudos, a conjuntura das ciências criminais e sua importância para dar suporte para ações no âmbito da segurança num Estado Democrático de Direito. Conheceremos o pensamento criminal a partir do movimento iluminista (cujas correntes foram denominadas de “Escolas Criminais”), destacando o surgimento da Criminologia enquanto ciência, seus conceitos, evolução e perspectivas na busca de desvendar a questão do “crime” e seus múltiplos aspectos. Por fim, estabeleceremos as correlações existentes entre os estudos da Criminologia e o Sistema de Justiça Criminal, de forma que se perceba o papel do Sistema Penal e das Estruturas de Controle Dominantes, do legal ao real, em nossa sociedade. Bom início de jornada, de novas reflexões e de estudos! ciencia_criminal.indb 16 28/02/11 08:49 17 Ciência Criminal Unidade 1 Seção 1 – A Ciência Criminal “Conhecer os crimes, refletir sobre eles, refletir sobre a ordem jurídica, eis como se pode construir uma ordem pública, construir uma convivência social boa, facilitando o trabalho da polícia e concorrendo eficazmente para a prevenção da criminalidade.” Carlos Magno Nazareth Cerqueira As ciências criminais abrangem estudos que visam a compreensão da violência - com destaque para o fenômeno do crime e sua complexidade - e das respostas que a sociedade e o Estado vêm buscando no sentido de preveni-la ou reduzir seus efeitos para a convivência pacífica e cidadã entre as pessoas. Possui um caráter interdisciplinar e multifacetado na medida em que recorre e interage com as ciências, destacadamente a criminologia, envolvendo ainda o direito penal e processual penal, a psiquiatria, a antropologia, a sociologia, a ciência política e a filosofia, cujas problemáticas convergem para o interesse comum de compreensão dos conflitos em nossa sociedade. O desenvolvimento nas mais variadas áreas das ciências - com novas formas de “pensar”, de “conhecer”, e de “agir” - aliado às novas tecnologias se incorporam ao cotidiano das pessoas, e ensejam a necessidade de adequação dos instrumentos do Estado no sentido de que novas formas de governança possam assegurar o exercício da liberdade, da igualdade e da cidadania, num cenário do local ao global de integração e paz social. A ciência criminal tem um papel relevante nesse contexto, de análise, pesquisas e estudos sobre a violência, pois se trata de um problema mundial e que vem acompanhando a trajetória histórica da humanidade em busca da “civilização” e do ideário utópico da “paz social” - razão pela qual auxilia na compreensão da vida em sociedade e dos conflitos em seus aspectos mais fundamentais. As exigências por mais segurança têm dominado os debates, num momento em que os instrumentos jurídicos de regulação ciencia_criminal.indb 17 28/02/11 08:49 18 Universidade do Sul de Santa Catarina social no âmbito penal não têm surtido os necessários efeitos de manutenção da ordem pública, o que tem levado à necessidade de revisão das políticas criminais que não fiquem somente no plano punitivo, mas que permitam outras formas de intervenção nos conflitos em que predominem valores constitucionais na proteção dos bens jurídicos individuais e supra-individuais. Cabe elucidar que “ordem pública” compreende o seguinte: [...] conjunto de regras formais, que emanam do ordenamento jurídico da Nação, tendo por escopo regular as relações sociais de todos os níveis, do interesse público, estabelecendo um clima de convivência harmoniosa e pacífica, fiscalizado pelo Poder de Polícia, e constituindo uma situação ou condição que conduza ao bem comum. (Art. 2°, inciso 21 do Dec. Fed. Nº 88777/83) Estudos apontam que a insuficiência da atuação do Estado em outras áreas de atendimento às necessidades humanas (como educação, saúde, lazer, promoção social, infraestrutura urbana), tem levado à busca de mediação pela judicialização dos conflitos, em que a ciência criminal e a via punitiva têm servido como maior esteio. O campo de atuação da ciência criminal abrange a dogmática penal, a política criminal e a criminologia, que tem como objetivo a defesa do Estado, da sociedade e do cidadão, visando prevenir a prática de atos que impliquem em violência. A Dogmática Penal compreende o Direito Penal e o Direito Processual Penal, que apresentam limitações ao exercício das liberdades individuais e coletivas em nome da convivência pacífica e manutenção da ordem pública. O Direito Penal, segundo Fernando Capez, É o segmento do ordenamento jurídico que detém a função de selecionar os comportamentos humanos mais graves e perniciosos à coletividade, capazes de colocar em Por mediação entende-se toda a intervenção que vise a composição de conflitos entre partes que possuem interesses antagônicos, buscando soluções possíveis construídas pelos envolvidos, de maneira que ocorra um acordo consensual e pacífico. Na judicialização, o Estado se apropria dos conflitos e dita as regras, havendo, via de regra, sempre um ganhador e um perdedor, sendo que na esfera criminal, a resposta tem sido a criminalização. ciencia_criminal.indb 18 28/02/11 08:49 19 Ciência Criminal Unidade 1 risco valores fundamentais para a convivência social, e descrevê-los como infrações penais, cominando-lhes, em consequência, as respectivas sanções, além de estabelecer todas as regras complementares e gerais necessárias à sua correta e justa aplicação. (CAPEZ, 2008, p. 1) Assim, sempre que houver um ato atentatório contra os bens mais importantes da vida em sociedade, o Direito Penal se apresenta como o instrumento do Estado para a segurança das relações sociais pela via da aplicação de sanções, em que a pena é o meio de satisfação da justiça para aquele que transgride, visando não apenas a punição pelo mal causado, mas sua recuperação social. Ocorre que, muito embora haja a necessidade do Direito Penal como recurso para a preservação do bem comum, atualmente o sistema de direito penal está em crise. Conforme Heleno Claúdio Fragoso: Põe-se em dúvida o efeito preventivo do sistema punitivo, e sabe-se que não é possível emendar o criminoso através da pena. Verifica-se que a prisão necessariamente avilta, deforma a personalidade e corrompe o condenado. O exame da administração da justiça criminal revelou que o sistema funciona de forma seletiva, profundamente injusta e opressiva. Há evidente incongruência entre as aparências do magistério punitivo e suas dramáticas realidades. (FRAGOSO, 2008, p. 5) Muito embora o sistemapenal esteja em crise, ainda assim ele se apresenta como um meio de justiça em razão de sua função ético-social de não apenas punir quem transgride, mas também de proteger os bens e valores necessários à vida em sociedade (tais como a vida, a saúde, a propriedade, a liberdade, a dignidade e o meio ambiente). O Código Penal e as leis penais esparsas, como a Lei de Tóxicos, Lei de Proteção Ambiental, Lei Maria da Penha, Estatuto da Criança e do Adolescente, dentre outras, dão os contornos do Direito Penal em nosso país. Desse modo, o Direito Penal deve refletir os anseios sociais em torno do que é justo, refreando condutas que apresentem perigo ao convívio, e não um instrumento opressor em defesa do Estado, razão pela qual ampara-se em alguns princípios: ciencia_criminal.indb 19 28/02/11 08:49 20 Universidade do Sul de Santa Catarina 1. Legalidade – só é crime o que previamente for concebido como tal. 2. Insignificância – tutela de bens jurídicos relevantes e que merecem proteção. 3. Alteridade – leva em consideração a especificidade da pessoa humana. 4. Confiança – instrumento capaz de fazer frente à violência. 5. Adequação social – regular condutas que comprometam realmente o convívio social. 6. Intervenção mínima – aplicação somente em casos em que não se tenha outra medida possível. 7. Fragmentariedade – concorre com outras medidas. 8. Proporcionalidade – a pena deve ser aplicada na justa medida, sem excessos. 9. Humanidade – o sistema penal deve possuir um ambiente que permita a reinserção social do apenado. 10. Necessidade – a pena deve ser medida extrema a ser aplicada a quem transgride. 11. Ofensividade – a violação ao direito deve ser relevante. Deve se perceber que muito embora o Direito Penal ainda seja uma estrutura necessária ao Estado e à sociedade, o crime não é apenas fenômeno jurídico, mas sócio-político, em que a estrutura social e outros fatores como o econômico favorecem sua intercorrência, devendo-se ter a consciência de que a judicialização penal dos conflitos não basta para se evitá-los. O Processo Penal nasce no contexto histórico e social como forma de composição e solução de conflitos visando eliminar a força e a autodefesa, em que o Estado interfere visando a conciliação entre os envolvidos. ciencia_criminal.indb 20 28/02/11 08:49 21 Ciência Criminal Unidade 1 Nesse sentido, cabe destacar que: (...) Nos seus primeiros anos, todos os poderes se enfeixavam nas mãos de uma só pessoa, como no regime tribal, ou na família de tipo patriarcal. Depois, com o crescimento do agrupamento humano, por certo houve necessidade de distribuição de funções, e, finalmente, num estágio mais avançado, os órgãos que desempenhavam as funções mais importantes, as funções básicas, atingiram a posição de Poderes. (...) Para atingir a seus fins, as funções básicas do Estado – legislativa, administrativa e jurisdicional – foram entregues a órgãos distintos: Legislativo, Executivo e Judiciário. Três, pois, os órgãos que se altearam a Poderes. (TOURINHO FILHO, 2009, p.1) Ao Estado atribuiu-se a função de intervir nos conflitos e intermediar a composição por meio do Poder Judiciário. No âmbito penal, somente o Estado poderá responsabilizar alguém pela prática de um fato crime, ou seja, punir, impingindo ao infrator a pena após confirmar-se sua responsabilidade, o que se fará mediante um processo, o “processo penal”. “O processo penal é um caminho para se chegar, legitimamente, à pena.” (LOPES JÚNIOR, 2008, p. 9) Desse modo, quando alguém comete um fato que é considerado crime, as estruturas do Estado se mobilizam. Inicialmente o Poder Executivo, com a ação de suas polícias, realizando a prisão do infrator (se couber) e apurando, mediante uma investigação criminal, a comprovação da autoria do ilícito e examinando as provas necessárias para a responsabilização do autor do fato. A seguir, o Ministério Público promove a ação penal e esclarece sua pretensão com base nas provas obtidas pela polícia. Feito isso, o processo é encaminhado para o Juiz que ouve as partes – Ministério Público e acusado (MP) - e analisa o material produzido para aplicar, se for o caso, a pena ou então absolver o acusado. Em síntese, este é o processo. Cabe observar que existem também outras situações como, por exemplo, a prevista na Lei 8099/95 (que trata dos crimes de menor gravidade), em que se dá a opção ao particular a legitimidade para demonstrar o interesse na execução penal, Órgão independente, essencial à função jurisdicional incumbido da “defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”. ciencia_criminal.indb 21 28/02/11 08:49 22 Universidade do Sul de Santa Catarina podendo o ofendido conceder o perdão a quem o agrediu ou violou um direito seu tutelado penalmente. Pode-se citar também alguns exemplos do Código Penal, como o caso de estupro, previsto no artigo 225, em que o Ministério Público somente atua se houver representação da vítima (salvo se for menor de 18 anos, em que a ação será pública incondicionada, ou seja, não exigirá representação). Não obstante, manifestado o interesse do particular em começar a ação, o Ministério Público dará seguimento ao processo, mas o direito de punir, em qualquer caso, sempre caberá ao Estado. Outra situação de excepcionalidade é aquela em que a pessoa pode decidir ou não pela proposta da ação penal, conforme seu juízo e avaliação, nos crimes chamados de ação privada, em que pesam outros interesses do ofendido, como, por exemplo, nos seguintes casos: � Crimes contra a honra: calúnia, injúria e difamação previstos nos artigos 138 a 140 do Código Penal; � Violação de direito autoral - artigo 184 do Código Penal; � Induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento – artigo 236 do Código Penal. Nos crimes de ação penal privada, a peça inicial se chama de “queixa”, e na ação penal pública, quando o MP a impulsiona, se chama “denúncia”. Por fim, tem-se o caso em que o particular pode também entrar com a ação penal quando houver incapacidade do MP, ou seja, quando ele não começa a ação nos prazos fixados em lei. Neste caso, o particular pode oferecer a queixa substitutiva da denúncia, muito embora o MP deva tomar ciência dos autos e retomar a titularidade da ação. O processo penal é garantidor não apenas das medidas necessárias por parte do Estado, como apurar, prevenir, reprimir e, eventualmente, responsabilizar quem tenha praticado uma conduta criminosa, mas também das garantias formais aos acusados pela prática destes atos definidos como crimes em nosso ordenamento jurídico. ciencia_criminal.indb 22 28/02/11 08:49 23 Ciência Criminal Unidade 1 Cabe destacar que a constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – CRFB 1988 – no seu título II, artigo 5°, que trata “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, prevê algumas regras que visam preservar o respeito à dignidade da pessoa humana e o direito à liberdade dos acusados, conforme se depreende dos seguintes enunciados: � não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal; � a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; � a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu; � ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente; � ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; � aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; � são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos; � ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória; (CRFB, 1988) A persecução penal é uma obrigação do Estado e visa, portanto, investigar e apurar o ato considerado criminoso e imputar, ou isentar,alguém de responsabilidade - observadas as formalidades legais - a fim de que a segurança e o respeito ao Estado de Direito sejam preservados. A política criminal se insere no contexto das ciências criminais tendo como objeto de estudo a questão dos meios e recursos para fazer frente à criminalidade, buscando suporte teórico nos estudos criminológicos e fazendo análises sobre os sistemas punitivos vigentes. ciencia_criminal.indb 23 28/02/11 08:49 24 Universidade do Sul de Santa Catarina Para Zaffaroni: A Política Criminal é a ciência ou a arte de selecionar os bens (ou direitos) que devem ser tutelados jurídica e penalmente e escolher os caminhos para efetivar tal tutela, o que iniludivelmente implica a crítica dos valores e caminhos já eleitos. (ZAFFARONI, 1999:132) Ocorre que o sistema de justiça criminal tem se apresentado como um instrumento de exclusão, em que, de forma recorrente, a mediação dá lugar à judicialização dos conflitos pela criminalização e pela crescente geração de novos estereótipos de “criminosos”. A política criminal tem um importante papel no sentido de proposição de alternativas ao que “está posto” como verdade, pois a concepção pautada apenas no controle social pela via da punição tem reproduzido a violência, ao invés de preveni-la. Sérgio Adorno nos elucida essa questão ao afirmar que: Não são poucos os estudos que reconhecem a incapacidade do sistema de justiça criminal, no Brasil – agências policiais, ministério público, tribunais de Justiça e sistema penitenciário–, em conter o crime e a violência respeitados os marcos do Estado democrático de Direito. O crime cresceu e mudou de qualidade, porém, o sistema de Justiça permaneceu operando como há três ou quatro décadas. Em outras palavras, aumentou sobremodo o fosso entre a evolução da criminalidade e da violência e a capacidade do Estado de impor lei e ordem. (ADORNO, 2002) Cabe destacar ainda que: A política criminal, enquanto programa de controle do crime e da criminalidade, no Brasil, influenciada pelo modelo norte-americano, se configura como mera política penal, pois ”exclui políticas públicas de emprego, salário, escolarização, moradia, saúde e outras medidas complementares, como programas oficiais capazes de alterar ou reduzir as condições sociais adversas da população marginalizada do mercado de trabalho e dos direitos de cidadania, definíveis como determinações estruturais do crime e da criminalidade“. (SILVEIRA FILHO, 2007, p. 346) ciencia_criminal.indb 24 28/02/11 08:49 25 Ciência Criminal Unidade 1 Desse modo, a política criminal, enquanto ciência, precisa promover a revisão dos paradigmas vigentes que permeiam as ações do sistema de justiça criminal, em que predomina a expansão do controle punitivo e o aumento dos índices de encarceramento, o que tem redundado na reprodução das violências, quer no plano macrossocial como resultante de um modelo de sociedade desigual, como na esfera das individualidades, o que traz também como consequência a deslegitimação e desestruturação do chamado “Estado Democrático de Direito”. A criminologia, enquanto ciência criminal, é a ciência surgida no século XIX, segundo alguns autores, pela fusão da Antropologia com o pensamento sociológico, e se ocupa do estudo das teorias do direito criminal, das causas do fenômeno criminal (e de suas características), da sua prevenção e do controle de sua incidência, tendo um caráter interdisciplinar e abrangente de outras disciplinas e ciências, tais como o Direito, a Psicologia, a Psiquiatria, a Medicina, a Sociologia e a Antropologia. O campo de estudo e atuação da criminologia tem tido definições que, apesar de convergirem para um mesmo objeto – o homem, o crime, o criminoso, os fatores criminógenos e os mecanismos de controle social – conceitualmente apresentam suas variáveis, como se percebe nos conceitos apontados por João Antônio Medeiros Vieira, tais como: ciencia_criminal.indb 25 28/02/11 08:49 26 Universidade do Sul de Santa Catarina Amaral Fontoura: “a Criminologia estuda todos os fenômenos referentes ao crime - causas, efeitos, constituição mórbida dos criminosos, estatística de crimes etc., sendo a Sociologia Criminal parte integrante da mesma.” Paulo Dourado Gusmão: “entende que a Criminologia estuda o homem criminoso, o delinquente e o crime em seu aspecto psíquico-social, fundada exclusivamente em métodos científicos, alheada das definições e das categorias jurídico-penais.” Basileu Garcia: “a criminologia engloba o objeto da Biologia Criminal (compreendidas a Antropologia Criminal propriamente dita, a Psicologia Criminal e a Psiquiatria Criminal) e a Sociologia Criminal. ‘Estudando a incidência da fenomenologia psíquica da criminalidade; o elemento subjetivo do delito, que decide da culpabilidade, os motivos que dirigem o comportamento anti- social etc., a Psicologia marca os necessários rumos à avaliação da personalidade, indagação culminante no Direito Penal do nosso tempo. O material das suas conclusões alargou-se com a Psicanálise, que tenta penetrar nos mistérios do inconsciente. ” Magalhães Noronha: entende a Criminologia como ciência causal- explicativa que estuda as leis e fatores da criminalidade e abrange as áreas da Antropologia e da Sociologia Criminal. Augusto Thomson: “a criminologia é uma ciência natural que não dispõe de um objeto de estudo precisamente definido; o crime não é um fenômeno natural; a Criminologia considera como objeto específico de seu estudo o criminoso designado como tal pela máquina da repressão.” Pablos de Molina: “Cabe definir a Criminologia como ciência empírica e interdisciplinar, que se ocupa do estudo do crime, da pessoa do infrator, da vítima e do controle social do comportamento delitivo, e que trata de subministrar uma informação válida, contrastada, sobre a gênese, dinâmica e variáveis principais do crime – contemplado este como problema individual e como problema social –, assim como sobre os programas de prevenção eficaz do mesmo e técnicas de intervenção positiva no homem delinquente.” (VIEIRA, 1997, p. 33 – 37) A Criminologia, enquanto ciência do âmbito criminal, contribui para a percepção do fenômeno da violência e da criminalidade de forma multifacetada, indo das expressões criminológicas típicas do Estado Absolutista, até a concepção crítica que aponta para a necessidade de reformulação do paradigma punitivo sob bases que considerem a realidade da estrutura social e de novas ações necessárias para a incessante resolução de conflitos e promoção da paz social. Na próxima seção aprofundaremos nossos estudos sobre a Criminologia e sua importância e contribuição para a Ciência Criminal. ciencia_criminal.indb 26 28/02/11 08:49 27 Ciência Criminal Unidade 1 Seção 2 – A Criminologia O “Crime” e a “Violência” são temas que sempre fizeram parte dos diferentes estágios de civilização das sociedades, desde os tempos primitivos ou arcaicos (com registros obtidos das inscrições rupestres sugestivas das formas de interação humana daquela época), passando pela Antiguidade Clássica (em que as obras poéticas da época como a Ilíada e a Odisseia retratavam a forma de organização social e seus problemas ou ainda a obra “Antígona” de Sófocles que nos demonstra a crise histórica estabelecida entre o Direito Natural e o Direito Positivo); a Idade Média com o Estado Absolutista que passou a ser chamado por alguns historiadores e criminólogos também de “Estado de terror penal ”; a Idade Moderna com o positivismo jurídico irradiante de dogmas e postulados (que, com base principalmente na razão, contribuíram para elaborar instrumentos jurídicos de controle social que também desaguaram em expressões de violência); e a época Contemporânea, que nos confronta com um modelo político, econômico e social que tem contribuído para fomentar a cultura do medo e da violência. Você sabia? Na tragédiaAntígona, de Sófocles, o conflito se estabelece entre Antígona — que representa a família — e Creonte — que representa a cidade. Os irmãos de Antígona lutam em partidos contrários; um deles, acusado por Creonte de traição política, é vencido e morto em combate pelo outro irmão. Como traidor político, a lei da cidade não lhe dá o direito ao funeral e à sepultura; portanto, não tem direito à outra vida, pois, sem o ritual fúnebre e o sepultamento, o corpo é destruído pelos animais e não forma a sombra inteira, necessária à outra vida. Antígona, contra a lei da cidade, realiza o ritual fúnebre, por piedade fraternal. Assim, a tragédia, além de narrar a diferença entre o passado e o presente, também narra os conflitos entre as leis do costume (o passado familiar) e as leis escritas da cidade. (Marilena Chaui. Introdução à história da filosofia, p. 114) Portanto, é importante que se compreenda que a história da humanidade esteve sempre atravessada pela violência. Muitos ciencia_criminal.indb 27 28/02/11 08:49 28 Universidade do Sul de Santa Catarina são os registros de guerras, perseguições, disputas, questões de gênero, preconceitos, desigualdades, terrorismos, explorações e por aquela modalidade de violência que muitas vezes é entendida e definida por valores de determinados grupos sociais organizados: os fatos considerados criminosos, da criminalidade e dos processos de criminalização. Os saberes produzidos sobre essas “violências”, as relações dessas violências com as estruturas de poder e as instituições, notadamente as da segurança pública, apontando as contradições do sistema penal (entre as funções declaradas, simbólicas e as reais), são contribuições que a Criminologia, enquanto ciência, nos oferece, permitindo que se perceba um modelo de política criminal equivocado, onde a reação e punição é quem dá sustentação e legitima o discurso repressivo e do controle como única forma de proteção social e manutenção da ordem pública. A Criminologia busca a compreensão das múltiplas dimensões dos atos de violência, principalmente os que são considerados de transgressão humana e por que o são assim considerados, tendo como premissa os mecanismos de controle social e os processos de criminalização, e não o “fato-crime” como uma realidade ontológica. Os saberes teóricos no campo da criminologia servem de base e tornam mais elucidativos alguns aspectos sobre os conceitos e dogmas equivocadamente construídos sobre o sistema penal e a chamada “criminalidade” na sociedade contemporânea, permitindo uma análise mais detalhada sobre as características dessa “criminalidade” no Brasil (a questão das drogas, da violência de gênero, da criança e do adolescente, a análise de dados estatísticos e do Plano Nacional de Combate à Violência), e as relações de interligação que essas questões estabelecem com as instituições integrantes do sistema de justiça criminal. A base teórica do pensamento criminológico permite que se questione o discurso de fortalecimento do sistema penal e as crenças equivocadas de que isto representa o interesse geral, ou seja, a erradicação dos problemas sociais com a articulação e operacionalização do sistema punitivo - “braço armado do Estado” compreendendo a Polícia, o Ministério Público, o Judiciário e o Sistema Penitenciário. ciencia_criminal.indb 28 28/02/11 08:49 29 Ciência Criminal Unidade 1 são os registros de guerras, perseguições, disputas, questões de gênero, preconceitos, desigualdades, terrorismos, explorações e por aquela modalidade de violência que muitas vezes é entendida e definida por valores de determinados grupos sociais organizados: os fatos considerados criminosos, da criminalidade e dos processos de criminalização. Os saberes produzidos sobre essas “violências”, as relações dessas violências com as estruturas de poder e as instituições, notadamente as da segurança pública, apontando as contradições do sistema penal (entre as funções declaradas, simbólicas e as reais), são contribuições que a Criminologia, enquanto ciência, nos oferece, permitindo que se perceba um modelo de política criminal equivocado, onde a reação e punição é quem dá sustentação e legitima o discurso repressivo e do controle como única forma de proteção social e manutenção da ordem pública. A Criminologia busca a compreensão das múltiplas dimensões dos atos de violência, principalmente os que são considerados de transgressão humana e por que o são assim considerados, tendo como premissa os mecanismos de controle social e os processos de criminalização, e não o “fato-crime” como uma realidade ontológica. Os saberes teóricos no campo da criminologia servem de base e tornam mais elucidativos alguns aspectos sobre os conceitos e dogmas equivocadamente construídos sobre o sistema penal e a chamada “criminalidade” na sociedade contemporânea, permitindo uma análise mais detalhada sobre as características dessa “criminalidade” no Brasil (a questão das drogas, da violência de gênero, da criança e do adolescente, a análise de dados estatísticos e do Plano Nacional de Combate à Violência), e as relações de interligação que essas questões estabelecem com as instituições integrantes do sistema de justiça criminal. A base teórica do pensamento criminológico permite que se questione o discurso de fortalecimento do sistema penal e as crenças equivocadas de que isto representa o interesse geral, ou seja, a erradicação dos problemas sociais com a articulação e operacionalização do sistema punitivo - “braço armado do Estado” compreendendo a Polícia, o Ministério Público, o Judiciário e o Sistema Penitenciário. Figura 1. Quadro pintado por van Gogh a partir de uma gravura mostrando a prisão de Newgate. Fonte: http://www.serazul.com.br/Van.htm Desse modo, o pensamento criminológico auxilia na desconstrução da visão estigmatizante sobre a realidade social, de concepção maniqueísta e excludente. E contrapondo ao discurso oficial com novas possibilidades de resolução pacífica dos conflitos, possibilitando a substituição das políticas criminais pelas políticas públicas. A preocupação com o crime, o castigo, a punição fazem parte do processo civilizatório, desde o Código de Hammurabi na região mesopotâmica, passando pela legislação Mosaica constante nos livros da Bíblia; as reflexões de Confúcio (551 – 478) - “tem cuidado de evitar os crimes para depois não ver-te obrigado a castigá-los”; os gregos que com Esopo afirmou que “os crimes são proporcionais a capacidade dos que os cometem”, dentre outros pensadores da antiguidade clássica como Isocrates (436 – 38 a.C) – “ocultar o crime é tomar parte nele” -, Protágoras (485 – 415 a.C.) que sustentou o caráter preventivo da pena; Sócrates (470 – 399 a.C.) através de Platão afirmando “que se devia ensinar aos indivíduos que se tornavam criminosos como não reincidirem no crime, dando a eles a instrução e a formação de caráter de que precisavam”; Platão (427 – 347) dizendo que “o ouro do homem sempre foi motivo de seus males” (A República); Aristóteles (384 – 322) sugerindo que “a miséria engendra rebelião e delito” e Sêneca, em Roma ( 4 a.C. – 65 d.C), com sua análise sobre a ira, que considerava a mola propulsora do crime, argumentando ser a razão da sociedade viver em constante luta fratricida. (FERNANDES; FERNANDES, 2002. p.62) Código de Hammurabi: monumento jurídico mais importante da Antiguidade antes de Roma. Continha 282 artigos, sendo muito desenvolvido para a época, sobretudo no domínio do Direito Privado. Hammurabi foi rei da Babilônia, provavelmente entre 1726 – 1686 a.C. (Maior aprofundamento ver: GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito. Trad. de A. M. Hespanha e L. M. Macaísta Malheiros. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001. ciencia_criminal.indb 29 28/02/11 08:49 30 Universidade do Sul de Santa Catarina Muito embora a preocupação com a questão da violênciatenha origem em tempos remotos, em que os que exerciam o poder tendiam a manter a ordem e buscar a paz pelo controle e o desenvolvimento da sua polícia e da sua justiça, é no marco histórico do Iluminismo que ocorrem transformações que conduzem a uma verdadeira revolução na concepção jurídica e também política, econômica e social com reflexos diretos no campo do direito penal. Na base das inquietações do marco histórico do Iluminismo, surge uma corrente do pensamento chamada Escola Clássica, com uma unidade ideológica comum, com um significado político, liberal e humanitário e se contrapondo ao estado da legislação penal vigente à época, e do excesso no ato de “punir” com castigos corporais e penas de morte, também uma arbitrária e desigual aplicação da lei conforme a condição social do acusado. (ANDRADE, 2003) O pensamento e a obra do italiano Cesare Beccaria (1738 – 1794) o torna percussor desse momento. Segundo Gilissen: Beccaria teve uma grande influência na modernização do direito penal. Escreveu o seu livro Dei delitti e delle pene (Dos delitos e das penas, 1764) com a idade de 25 anos e publicou-o como um panfleto anônimo. Novamente publicado pouco depois com um comentário de Voltaire, a obra rapidamente conheceu o sucesso e foi traduzida na maior parte das línguas europeias. Sob a influência do Contrat Social de Rousseau, Beccaria imagina um sistema jurídico no qual cada um deve ceder uma parcela da sua liberdade – tão mínima quanto possível – ao soberano, em troca da manutenção da ordem por este último. O soberano não pode abusar do seu direito de punir; os fatos são apenas puníveis se a lei os considerar como infração; é a proclamação da legalidade dos delitos e das penas; é o adágio nullun crimen, nulla poena sine lege que, embora expresso em latim, nada tem de romano. A pena deve ser proporcional ao mal a reprimir; a tortura e a pena de morte não podem ser toleradas. (GILISSEN, 2001, p. 368) Não obstante a importância de Beccaria, é com Cesare Lombroso que se tem o marco histórico da fundação da criminologia com sua obra “L’Uomo delinqüente”, em 1876, que acaba criando a Este movimento surgiu na França do século XVII e defendia o domínio da razão sobre a visão teocêntrica que dominava a Europa desde a Idade Média. Segundo os filósofos iluministas, esta forma de pensamento tinha o propósito de iluminar as trevas em que se encontrava a sociedade. Os ideais iluministas acreditavam que o pensamento racional deveria ser levado adiante substituindo as crenças religiosas e o misticismo, que, segundo os pensadores da época, bloqueavam a evolução do homem. O homem deveria ser o centro e passar a buscar respostas para as questões que, até então, eram justificadas somente pela fé. Fonte: http://www.suapesquisa. com/historia/iluminismo/ ciencia_criminal.indb 30 28/02/11 08:49 31 Ciência Criminal Unidade 1 Antropologia Criminal. Essa obra estabeleceu uma relação entre o homem que pratica crimes e as suas características bio- psíquicas. Segundo a professora Vera Regina Pereira de Andrade: A primeira e célebre resposta sobre as causas do crime foi dada pelo médico italiano Lombroso, que sustenta, inicialmente, a tese do criminoso nato: a causa do crime é identificada no próprio criminoso. Partindo do determinismo biológico (anatômico-fisiológico) e psíquico do crime e valendo-se do método de investigação e análise próprio das ciências naturais (observação e experimentação), procurou comprovar sua hipótese através da confrontação de grupos não-criminosos com criminosos dos hospitais psiquiátricos e prisões sobretudo do sul da Itália, pesquisa na qual contou com o auxílio de Ferri, quem sugeriu, inclusive, a denominação “criminoso nato”. Procurou desta forma individualizar nos criminosos e doentes apenados anomalias sobretudo anatômicas e fisiológicas vistas como constantes naturalísticas que denunciavam, a seu ver, o tipo antropológico delinquente, uma espécie à parte do gênero humano, predestinada, por seu tipo, a cometer crimes. (ANDRADE, 2003, p 35 – 36) Portanto, foi Lombroso quem iniciou os primeiros estudos em Criminologia, colocando no centro da discussão sobre a questão da criminalidade a pessoa humana “incomum”, cujo objeto central da discussão é o “homem criminoso” (aquele ser antropologicamente diferente das demais pessoas). Lombroso, prosseguindo em suas pesquisas, acrescentou como causas da criminalidade, ao lado do atavismo, a epilepsia e a loucura moral, ou seja, o atavismo, epilepsia e loucura moral constituem o que Vonnacke denominou de “tríptico lombrosiano”. (ANDRADE, 2003, p. 36) O chamado “criminoso nato” para Lombroso, além dos estigmas físicos, possuía sintomas psíquicos - como insensibilidade à dor, preguiça, crueldade, instabilidade emocional, superstição, precocidade sexual - sobre o qual a sociedade teria o direito de defender-se condenando-o a prisão perpétua e excepcionalmente à morte, mas sem expiações morais ou punições infamantes. (FERNANDES, 2002) ciencia_criminal.indb 31 28/02/11 08:49 32 Universidade do Sul de Santa Catarina Van Hamel chegou a afirmar que “César Beccaria, nos dias de arbí- trio, disse ao homem: conhece a justiça; César Lombroso, na época em que se está aferrado às fórmulas clássicas do Direito Penal, disse à justi- ça: conhece o homem.” (2001, p. 3.) Esse momento histórico propiciou discussões que deram origem ao surgimento do paradigma conceitual em Criminologia, sofrendo também influências de correntes do pensamento chamadas Escolas Penais. Dessas, iremos destacar as duas que consideramos mais importantes para esta disciplina e é o assunto que passaremos a tratar a seguir. As discussões sobre a questão do Direito Penal, do crime e da criminalidade - com suas respectivas teorias sobre o assunto - passaram a ser designadas Escolas Penais. Essas “escolas” passaram a (re)analisar os fundamentos do Sistema Penal buscando ampliar a compreensão da chamada “criminalidade” e de suas teorias. Veja, a seguir, as principais escolas de criminologia : Escola Clássica A Escola Clássica surge no contexto do movimento Iluminista, tendo como consequência os postulados da humanização da pena. Beccaria (que já vimos anteriormente) foi o expoente e representante máximo da Escola Clássica em decorrência de sua valiosa contribuição. Teve a preocupação em estabelecer as bases do Sistema Penal com fundamentos inspirados na humanização dos meios punitivos, legalidade do Direito Penal e Processual Penal - garantia e segurança jurídica - e finalidade da pena, opondo-se aos arbítrios e lutando pela segurança individual em contraposição à Justiça Penal ingente da época, cujas penas, estabelecidas “no duplo pilar da expiação moral e da intimidação coletiva, eram excessivamente arbitrárias e bárbaras, prodigando os castigos corporais e a pena de morte”. (ANDRADE, 2003, p. 49) Sustentou-se num sistema dogmático e se baseou em conceitos racionalistas, considerando a imputabilidade penal diretamente Figura 2. Tipos lombrosianos Fonte: DEPAULA, Giovani. A Importância do ensino de Criminologia na Formação Policial. Dissertação de Mestrado. Florianópolis: UFSC, 2007. ciencia_criminal.indb 32 28/02/11 08:49 33 Ciência Criminal Unidade 1 vinculada ao livre arbítrio e à culpabilidade moral, tratando o delito como algo de natureza jurídica e a pena como um mal necessário à segurança jurídica. (OLIVEIRA, 1996). Deixou como herança um legado que, baseado em concepções liberais, contribuiu para a consolidação da dogmática jurídico-penal, na produção de uma ideologia especificamente penal, a “ideologia da `defesa social ,́ que sintetiza a sua percepção básica sobre a problemática da criminalidade e da reação social”. (ANDRADE, 2003) Escola Penal Positiva A Escola Positiva, na base do pensamento positivista de Ciência, incorpora em suas análises um novo método: o indutivo e de observação dos fatos, em substituiçãoao Método dedutivo e de lógica abstrata da Escola Clássica, “deslocando-se da investigação racional para a factual – e do fato para o homem delinquente – deslocarão o território classicamente colonizado pelos juristas(...)”. (ANDRADE, 2003, p. 63) A obra “O homem delinquente”, de Lombroso, é outro item, como vimos anteriormente, que contribuiu com o paradigma conceitual da Criminologia, constituindo, segundo a professora Vera Andrade, junto com a Sociologia Criminal de Ferri, uma das matrizes fundamentais desse paradigma, que interpretava o delito como uma realidade biológico-social, constituída de fatores antropológicos e materiais, realçando como objeto do seu estudo o homem “criminoso” e suas características anatômico- fisiológicas. Essa Escola Penal, a Positiva, teve como característica a questão da responsabilidade social baseada no determinismo e na “periculosidade” do delinquente, bem como na sua compleição física e biotipo, considerando o crime como um fenômeno natural e social produzido pelo homem e a pena não mais apenas como um meio de castigo, mas de defesa social, negando o livre arbítrio e a liberdade social. (OLIVEIRA,1996, p. 61) Os seguidores da Escola Positiva defendiam as teorias relativas, ou da prevenção, em que a pena tinha um fim prático e imediato, o da prevenção geral ou especial do crime, ou seja, servia Distendeu o entendimento lombrosiano sobre a criminalidade admitindo uma tríplice série de causas ligadas à etiologia do crime – individuais (orgânicas e psíquicas), físicas (ambiente telúrico) e sociais (ambiente social) ciencia_criminal.indb 33 28/02/11 08:49 34 Universidade do Sul de Santa Catarina como um instrumento de “defesa social” com o objetivo de “reajustar” ou tornar sem efeito o “homem delinquente” Figura 3. Ambiente/local de estudos de Lombroso Fonte: http://www.museounito.it/lombroso/storia/storia_2.html As medidas de segurança, como a de internação em hospital de custódia, tratamento psiquiátrico e os institutos jurídicos ( o livramento condicional e a suspensão condicional da pena) têm sua origem nesse período. A Mudança do Paradigma conceitual para o Labelling Aproach (abordagem por etiquetamento) ou Paradigma da Reação Social O paradigma conceitual, de base positivista e derivado das ciências naturais, considerava que algumas características distinguiam o homem normal do homem criminoso. Daí a tese fundamental de que ser delinquente constituía uma propriedade da pessoa que a distinguia por completo dos indivíduos normais sem que se fizesse uma análise crítica do Direito Penal Positivo enquanto definidor do crime e das penas. (ANDRADE, 2003) ciencia_criminal.indb 34 28/02/11 08:49 35 Ciência Criminal Unidade 1 É nesse contexto que os pressupostos e postulados das Escolas Penais e do paradigma conceitual passam a ser questionados, que o surgimento de novos saberes criminológicos começam a se contrapor à ideologia da defesa social indagando sobre outras causas para o crime e a criminalidade, voltadas para além daquelas obtidas pela Antropologia, Sociologia e outras ciências e teorias da época. O labelling aproach e o paradigma da reação social representam essa mudança de paradigma em criminologia, passando-se a conceber o crime, a criminalidade e o sistema penal segundo novos pressupostos, fundados, principalmente, nos processos de criminalização, o que ensejará um caminho para a construção de uma nova criminologia, a criminologia crítica. O labelling tem como fundamento e tese central [...] de que o desvio e a criminalidade não são uma qualidade intrínseca da conduta ou uma entidade ontológica pré-constituída à reação social e penal, mas uma qualidade (etiqueta) atribuída a determinados sujeitos através de complexos processos de interação social, isto é, de processos formais e informais de definição e seleção. (ANDRADE, 2003, p. 41) Muda-se o foco, indo-se além do estudo do crime e do criminoso para a questão dos processos de criminalização, para os que são criminalizados e para a reação social da conduta desviada, passando-se a questionar a legitimação do sistema penal. (ANDRADE, 2003) Segundo essa corrente do pensamento, os processos de criminalização têm início não apenas no aparato político-jurídico do Estado encarregado pelo controle social formal, que engloba a Poder Legislativo (criminalização primária), Polícia, Ministério Público, Judiciário (criminalização secundária), mas também os mecanismos de controle social informal, como a escola, a família, a religião ou a mídia. (ANDRADE, 2003, p. 43) A mesma parcela social sobre a qual recai a mobilização do aparato do Sistema Penal, também acaba sendo a mais atingida pelos efeitos da violência, distribuindo-se de forma desigual ciencia_criminal.indb 35 28/02/11 08:49 36 Universidade do Sul de Santa Catarina os riscos reais de vitimização. E isso é atual e muito presente na sociedade brasileira, conforme Cláudio Beato “o risco de vitimização por homicídio nas grandes cidades, hoje, é cerca de 300 vezes maior para um jovem de periferia se comparado com o risco para o mesmo crime que corre um senhor de meia idade de um bairro típico de classe média”. (BEATO, 2004). Dessas inquietações decorrem necessidades de novas discussões surgindo um movimento criminológico intitulado “Criminologia Crítica” cujas teorias, segundo Ian Taylor, Paul Walton e Jock Young, são caracterizadas (...) pela orientação questionadora da ordem social que produz o fenômeno do crime (definição do comportamento criminoso e dos métodos de controle e de repressão da criminalidade) e pelo compromisso com uma prática social transformadora das condições estruturais da desigualdade material e da marginalidade econômica, nas sociedades fundadas na divisão e na exploração de classes. O esquema teórico desse questionamento é definido pelas categorias fundamentais do pensamento marxista (modo de produção, classes sociais, luta de classes, hegemonia ideológica, etc.). E por isso, está comprometido com o processo histórico de emancipação das massas, exploradas como força de trabalho e oprimidas pelos mecanismos de poder da ordem social, que seleciona não só os comportamentos, os sujeitos que devem ser incriminados. (TAYLOR; YOUNG, p. 7) A Criminologia Crítica se apresenta, assim, com um discurso que passa a se concentrar em desconstruir o discurso da guerra contra o crime, do combate à criminalidade, tentando evidenciar que os processos de criminalização e a inflação jurídico-penal nada mais fazem do que agravar os problemas sociais, destacando-se a superlotação das prisões e outras formas de violência institucional, como a pobreza, o desemprego, o estado de abandono, a fome, o estado de terror penal em que se desconhece todo o entrelaçamento de leis e armadilhas do sistema, mas tudo, enfim, buscando criar no imaginário coletivo uma falsa sensação de segurança jurídica. ciencia_criminal.indb 36 28/02/11 08:49 37 Ciência Criminal Unidade 1 (1) (2) (3) Figura 4. Falsa sensação de segurança jurídica Fonte: Revista Consulex - Ano VI - Nº 131 - 30 de junho de 2002 (Fig.1); Ano VIII - Nº 176 - 15 de maio de 2004 (Fig. 2); Ano VI - Nº 127 - 30 de abril de 2002. (Fig.3) Assim, a Criminologia sofreu um processo de evolução em sua concepção que foi influenciado pelas correntes do pensamento das Escolas Penais, culminando na Criminologia Crítica que redefine seus conceitos e que aponta para a necessidade de um sistema de justiça que leve em consideração todos os valores e necessidades dos seres humanos, premissa maior para o enfrentamento de todas as formas de violência. Seção 3 – Criminologia e Segurança Pública A Criminologia nos permite compreender a questão da segurança pública sobnovas bases e fundamentos teóricos. As estruturas de segurança pública no país são as responsáveis pela intervenção mais direta e imediata nos problemas que dizem respeito à criminalidade e à criminalização - muito embora se saiba que uma atuação efetuada de forma cooperativa, envolvendo não apenas o poder público, mas também ações do empresariado, da sociedade civil organizada e de comunidades locais, tenha efeitos bem mais úteis sob o aspecto da solução integrada dos conflitos sociais. Ocorre que o Estado e a Sociedade têm demonstrado insuficiência na compreensão e no trato das questões que envolvem a ordem social, percebendo-se que as amostragens estatísticas oficiais apontam para um crescimento desproporcional ciencia_criminal.indb 37 28/02/11 08:49 38 Universidade do Sul de Santa Catarina da incidência criminal no país, isso sem falar nas cifras ocultas, daqueles crimes que não são contabilizados, os quais, para Zafarroni, correspondem a maioria das práticas delitivas. Segundo este autor, Praticamente não existe conduta - nem mesmo as ações mais privadas – que não seja objeto de vigilância por parte dos órgãos do sistema penal ou daqueles que se valem de sua executividade para realizar ou reforçar seu controle, embora se mostrem mais vulneráveis as ações realizadas em público, o que acentua a seletividade da vigilância em razão da divisão do espaço urbano que confere menores oportunidades de privacidade aos segmentos mais carentes. [...] Se todos os furtos, todos os adultérios, todos os abortos, todas as defraudações, todas as falsidades, todos os subornos, todas as lesões, todas as ameaças, etc. fossem concretamente criminalizados, praticamente não haveria habitante que não fosse, por diversas vezes, criminalizado. (ZAFFARONI, 1991, p. 25-26) As estruturas de polícia, assim como as demais instâncias de poder, historicamente acabaram servindo às elites de nosso país como mecanismo de controle social, e até há pouco tempo foram extensão dos Estados, de uma ideologia voltada para a segurança nacional. Não obstante, com a abertura política e a democratização, nosso país tem procurado se adequar às novas realidades e contingências sociais, muito embora a incorporação de novos postulados inerentes aos direitos de cidadania encontre resistências individuais e institucionais. Aliado a esse problema de “função das polícias”, percebe-se que, muito embora haja uma tentativa de articulação e mobilização no sentido de proporcionar segurança à sociedade e às pessoas, seus esforços têm sido muitas vezes em vão, decorrente também dos problemas crônicos de nossa sociedade, que é atravessada pelas desigualdades sociais (falta de saúde pública, infraestrutura urbana deficiente, desvalorização da educação e do sistema de ensino) e pelas mais variadas expressões de violência já citadas, como a pobreza, o desemprego, os preconceitos, o tráfico de drogas, a exploração sexual, a exploração do trabalho infantil (e adulto), a falta de assistência familiar, a falta de acesso aos meios de cultura, a violência (intrafamiliar, contra a mulher, contra os animais), dentre outras questões para as quais não estão ciencia_criminal.indb 38 28/02/11 08:49 39 Ciência Criminal Unidade 1 plenamente preparadas para agir. Tanto é assim que o chamado Guia para a Prevenção do Crime e da Violência nos Municípios, elaborado pelo Governo Federal, catalisa e prioriza ações nesses aspectos. Some-se a isso a cultura punitiva disseminada no contexto social e com terreno fértil na esfera policial, que dificultam os espaços para a mediação preventiva dos conflitos, e, ao contrário, pune-se e violenta-se como resposta da macroestrutura social. Assim, sob a proteção da função declarada do Direito Penal, a da prevenção “da violência e da criminalidade”, as polícias acabam contribuindo para o agravamento desse quadro auxiliando na construção dos chamados “processos de criminalização”, exercendo influência significativa com a mobilização de seu aparato, principalmente quando vira moda falar-se em “movimentos de lei e ordem” como solução para os problemas de natureza social em momentos de crise. Na realidade, é preciso evitar, cada vez mais, que as polícias sejam órgãos a serviço de um poder (principalmente o poder econômico e o poder político) e sobre isso a afirmação de Jean- Claude Monet, estudioso de polícia, em seu livro “Polícias e Sociedades na Europa” é esclarecedora: [...] é certo que o desenvolvimento das formas modernas de polícia na Europa resultou de uma demanda crescente em matéria de segurança, emanada, no essencial, das camadas dominantes urbanas. Mas nas modalidades de sua organização, tanto quanto nas prioridades operacionais que são as suas, transparece, no mais das vezes, mais a vontade dos governantes de se dotar de instrumentos politicamente confiáveis, do que uma verdadeira preocupação de responder à demanda social de segurança. É, pelo menos, o que sugere uma observação atenta das formas e dos ritmos que escandiram o desenvolvimento dos aparelhos policiais desde sua emergência histórica. É igualmente o que revela a análise de suas estruturas atuais. (2001, p. 100) Entende-se que se deve instrumentalizar as polícias segundo políticas públicas que lhe permitam atuar também num cenário político - o que é diferente de ser “usada” politicamente - ou Para mais informações veja: MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Secretaria Nacional de Segurança Pública. Guia para a Prevenção do Crime e da Violência nos Municípios. Brasília: SENASP, 2006. ciencia_criminal.indb 39 28/02/11 08:49 40 Universidade do Sul de Santa Catarina seja, lutar por uma atuação voltada para o atendimento às demandas sociais, legitimando suas ações mediante processos de interação e participação popular, em sintonia com o que prescreve a nossa Constituição em seu artigo 144, ao afirmar que Segurança Pública é responsabilidade de todos, não podendo ainda se esquecer que segurança, desde os tempos remotos, é preocupação dos povos e trata-se de uma necessidade básica, de bem viver, ter tranquilidade, de buscar a felicidade! Alguns autores chegam a afirmar que há sociedade sem “ justiça”, mas não há sociedade sem polícia! Obviamente que não se pode esquecer as muitas vezes em que a atuação das estruturas policiais exigem uma atuação eminentemente repressiva, como, por exemplo, naqueles casos em que ocorrem inevitáveis enfrentamentos diretos, contato físico, troca de tiros, situações essas em que não se torna possível o exercício de práticas de mediação, ao menos num primeiro momento, devido aos riscos e situação de perigo eminente. Há também que se ressaltar que essas situações constituem uma pequena parte dentro das múltiplas possibilidades da atuação policial e ainda assim um eficiente serviço de inteligência policial poderia minimizar em muito a condição de enfrentamentos. Por outro lado, é importante também perceber que o papel da polícia muitas vezes apresenta algumas ambiguidades, como, por exemplo, as citadas por Adriana Loche et all ao apontar que na ação da polícia, revela-se uma das faces de nossa sociedade, a saber: Entrar no cotidiano da polícia descortina uma outra sociedade, funcionando sob regras e valores diferentes dos preceitos fundamentados no direito. Pode-se falar de uma lógica ocupacional, mas também de uma lógica societária que interferem no julgamento e na prática que os policiais têm de suas funções. Lógicas que exigem soluções rápidas e proporcionais aos crimes; que colocam o criminoso como estando fora do pacto social, portanto, sem poder beneficiar-se das garantias constitucionais que foram feitas para pessoas de bem; que separam o universo em categorias polarizadas de bom x mau, delinquente x pessoa de bem etc. Mas, ao mesmo tempo, lógicas que permitem uma flexibilidade enorme no tratamento das pessoas em função de suas relações. Assim, alguns Segundo Álvaro Lazzarini: “Atribui-sea Honoré de Balzac a afirmação de que `os governos passam, as sociedades morrem, a polícia é eterná . Ela o é porque, na realidade, as nações podem deixar de ter as suas forças armadas. Nunca, porém, podem prescindir de suas polícias, da sua força pública.” (LAZZARINI, Álvaro. Estudos de Direito Administrativo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p.49.) Por eficiente serviço de inteligência entenda-se aquele voltado à produção de informações e dados para a proteção social e dos direitos inerentes ao exercício de cidadania. ciencia_criminal.indb 40 28/02/11 08:49 41 Ciência Criminal Unidade 1 indivíduos teriam mais direitos que os demais porque, afinal, são parentes, amigos, protegidos, bem–vestidos, estudados tem conhecimento, etc. que aqueles outros que não teriam. (1999, p. 172) Essa realidade precisa ser percebida, pois trata-se de ponto de partida para delimitação dos espaços de atuação das polícias numa sociedade de classes e em que as estruturas policiais têm se mobilizado amparadas por uma ideologia liberal (burguesa), que insiste em hierarquizar suas ações desconsiderando os mais vulneráveis socialmente, atuando de forma, muitas vezes, pouco isenta. O sistema penitenciário brasileiro, onde a maioria dos presos são pessoas pobres, retrata a realidade essa situação. Tal reflexão serve para demonstrar a necessidade de construção de uma nova filosofia com relação à forma de atuação policial, rompendo com o senso comum e com a hegemonia do pensamento (ideologias dominantes) no sentido de rever “velhos” paradigmas inadequados para uma sociedade que se deseja livre e igualitária. Parafraseando o professor Alessandro Baratta: que permita o controle social não-autoritário do desvio e que abra espaço à diversidade, o que é garantido pela “ igualdade” e expressão da individualidade do homem como portador de capacidades e de necessidades positivas. (BARATTA, 1999, p. 20) A amplitude das políticas públicas necessárias para fazer frente ao problema da (in)segurança pública pressupõe o rompimento de paradigmas, em que se perceba não apenas a necessidade de novas tecnologias e modalidades de gestão, mas também a mudança de concepção sobre o papel da polícia; em que se inclua tanto na dimensão da prevenção como na repressão, a participação democrática nas ações de segurança pública. Isso porque os indicativos, e algumas experiências sobre o enfrentamento à violência e à criminalidade, têm demonstrado que programas e estratégias de segurança baseados numa articulação que envolva várias organizações - ou seja, entre estado, sociedade e cidadão - tem sido muito mais efetivos como resposta ao problema. Há que se ter a consciência de que a questão não está restrita à segurança pública, mas compreende a necessidade de atuação em outras áreas, como a saúde, lazer, educação, assistência social, planejamento urbano e questões sistêmicas como o problema da desigualdade e da má distribuição de renda. ciencia_criminal.indb 41 28/02/11 08:49 42 Universidade do Sul de Santa Catarina Síntese Nesta unidade de estudos, nós vimos a contextualização da Ciência Criminal e seus principais aportes cujas bases se assentam no Direito Penal e no Direito Processual Penal e seus fundamentos, do Estado absolutista ao Estado Liberal e Democrático de Direito. Conhecemos a Criminologia enquanto ciência do âmbito criminal nos seus aspectos históricos e seus fundamentos no sentido de uma compreensão do Sistema Penal e das Estruturas de Controle Dominantes. A evolução conceitual da criminologia a coloca como ciência empírica e interdisciplinar, que se ocupa do estudo do crime como construção social, da pessoa do infrator, da vítima e do controle social do comportamento considerado delitivo, entendido como um problema não apenas individual, mas também social, assim como os programas de prevenção eficaz do mesmo e técnicas de intervenção positiva nas mais variadas expressões de violência que culminam em criminalidade e criminalização. Apresentamos as tendências da Criminologia na contemporaneidade, percebendo-se que a corrente chamada de “Criminologia Crítica” tem exercido influências que mostram a necessidade de modificação do sistema de justiça criminal, destacando-se que a “terapia punitiva” faliu já há muito tempo. A importância da disciplina “Criminologia” para as Ciências Criminais e para a Segurança Pública implica na percepção da necessidade de adequação da polícia às novas realidades políticas e sociais e numa nova compreensão sobre o estudo do chamado “fenômeno criminal” em todas as suas nuances. A Criminologia aponta que o atual modelo de política criminal - na medida em que prioriza ações de regulação e repressão – somente tem servido para validar a lógica da exclusão. ciencia_criminal.indb 42 28/02/11 08:49 43 Ciência Criminal Unidade 1 Assim, a Criminologia contribui com seus fundamentos para que haja uma perspectiva de solidariedade e cumplicidade na resolução dos problemas, dos individuais aos comunitários e, mesmo que haja a necessidade de uma intervenção repressiva, que esta aconteça na exata medida do restabelecimento dos vínculos para uma convivência segura e cidadã. Atividades de autoavaliação Ao final de cada unidade, você realizará atividades de autoavaliação. O gabarito está disponível no final do livro didático. Mas, esforce-se para resolver as atividades sem ajuda do gabarito, pois, assim, você estará estimulando a sua aprendizagem. 1. “O projeto político da Modernidade, onde se insere o discurso das ciências criminais, tem como objetivo a busca da felicidade através da negação da barbárie e da afirmação da civilização.” (Salo de Carvalho) Com base no enunciado acima é correto afirmar sobre as ciências criminais e a criminologia: a. As ciências criminais abrangem estudos que visam a compreensão da violência - com destaque para o fenômeno do crime e sua complexidade. b. A Criminologia se ocupa do estudo do homem delinquente e das causas que o levam a praticar atos de violência. c. As ciências criminais são integradas pelas normas penais e processuais penais, bem como pela criminologia e pelos postulados da política criminal, tendo por objetivo controlar a violência e assegurar os ideais de paz social, muito embora isso incorra na realidade social, pois ao invés de contê-la, o Estado acaba por reproduzi-la. d. Historicamente o campo de investigação da criminologia esteve reduzido à concepção voltada à intervenção punitiva, no espaço da pena e dos cárceres e só recentemente se ampliou a perspectiva multifacetada do fenômeno criminal. e. A Política Criminal é a ciência ou a arte de selecionar os bens (ou direitos) que devem ser tutelados jurídica e penalmente e escolher os caminhos para efetivar tal tutela. ciencia_criminal.indb 43 28/02/11 08:49 44 Universidade do Sul de Santa Catarina 2. “A história das penas é seguramente mais horrenda e infame para a humanidade que a própria história dos delitos”. (Luigi Ferrajoli) Escreva, entre 10 e 15 linhas, com uma perspectiva criminológica, sobre os fundamentos do Direito Penal em nossa sociedade e seus objetivos, dos declarados aos reais! 3. Um governo comprometido com a justiça e o exercício da ética na política, determinado a aprofundar a democracia, incorporando os brasileiros mais pobres à cidadania plena, estendendo a todos os homens e mulheres de nosso país os direitos civis e os benefícios do Estado de Direito Democrático, terá de dedicar-se com prioridade ao combate à violência, em todas as suas formas. Da fome à tortura, do desemprego à corrupção, da desigualdade injusta à criminalidade. (Plano Nacional de Segurança Pública) Com base no enunciado acima, aponte os principais aspectos do Plano Nacional de Segurança Pública, disponibilizado em nosso ambiente virtual de aprendizagem (MIDIATECA), que se alinham com uma política criminal de basecriminológica! 4. Apresente uma charge que tenha alguma relação com o perfil do “homem delinquente” descrito por Cesare Lombroso! Faça uma pesquisa na internet, revistas, livros ou jornais. ciencia_criminal.indb 44 28/02/11 08:49 45 Ciência Criminal Unidade 1 Saiba mais BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas: texto integral. 2. ed. São Paulo: M. Claret, 2000. ALVAREZ, Marcos César. A Criminologia no Brasil ou como tratar desigualmente os desiguais. Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, Vol. 45, n° 4, 2002, pp 677 – 704.. Disponível em: http://www.nevusp.org/portugues/index.php?option=com_ content&task= view&id=1082&Itemid=96 Se você desejar, aprofunde os conteúdos estudados nesta unidade ao consultar as seguintes referências: FERNANDES, Newton; FERNANDES, Valter. Criminologia integrada. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. HULSMAN, Louk; CELIS, Jacqueline Bernat de. Penas perdidas. O sistema penal em questão. Trad. de Maria Lúcia Karam. Rio de Janeiro: LUAM Editora Ltda., 1993. ciencia_criminal.indb 45 28/02/11 08:49
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