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A BATALHA PELA VACINACAO A TERAPIA ANIMAL O valor de cães, cavalos e outros bichos na reabilitação de pacientes COM QUE TÊNIS EU VOU? O que levar em conta na hora de escolher o calçado esportivo RONCOS DE TIRAR O FÔLEGO Um terço da população tem apneia, doença que abala o sono e o bem-estar FRUTA: SÓ SE FOR DE ÉPOCA Por que respeitar a sazonalidade virou mandamento alimentar Nunca o Brasil ficou tão mal nas coberturas das vacinas. Saiba o que começa a ser feito para reverter a ameaça e a volta de doenças evitáveis e como será o esquema de imunização contra Covid, gripe, pólio... R$ 25,00 nº 489 Br as il R ev ist as Br as il R ev ist as SEÇÕES 50 TÊNIS ESPORTIVO: COMO ESCOLHER O SEU? Não é só moda! Tem critérios para definir o calçado ideal em cada modalidade 44 RONCO DE TIRAR O FÔLEGO A apneia do sono é mais prevalente do que a gente sonha e pode abalar o descanso, a cabeça e o coração 56 TERAPIA ANIMAL Cães, cavalos e demais bichos provam seu valor na recuperação de pacientes brasileiros 38 COMIDA DE ÉPOCA O respeito à sazonalidade foi alçado a novo mandamento alimentar devido às vantagens à saúde e ao ambiente 6 CONEXÃO 8 RADAR DA SAÚDE 10 ALIMENTAÇÃO 14 MEDICINA 18 MENTE SAUDÁVEL 20 ATIVIDADE FÍSICA 22 ALIMENTE-SE 62 SEMPRE QUIS SABER 64 AUTOESTIMA 66 ENVELHECER 68 FILHOS 70 BICHOS 72 ZOOM 74 COM A PALAVRA A BATALHA PELA VACINAÇÃO As taxas de imunização despencaram no país nos últimos anos. O que está por trás disso e como reverter a ameaça de tantas doenças evitáveis 24 março 2023 NESTA EDIÇÃO SA489_sumário.indd 3 3/3/23 22:26 Br as il R ev ist as AO LEITOR Agente pode tentar ser o mais racional possível, mas tem muita coisa nessa vida que só é movida a paixão. Beira o clichê. E talvez seja, porque tem um fundão de verdade nisso. o cientista cético que se dedica incansavelmente a decifrar enigmas ou descobrir curas é mobilizado por uma paixão, assim como o cozinheiro que quer encantar os convidados, o atleta que se esforça para quebrar um recorde e o profissional de saúde que se empenha em salvar o paciente. Paixão também move jornalistas. E, longe de tentar fazer apologia ou autopropaganda, constato isso no dia a dia com nossas e nossos repórteres. Especialmente Chloé Pinheiro, a autora da matéria de capa desta edição. Tem gente que tem tesão pelo que faz... Tanta vontade de fazer a diferença — na apuração, no texto, no mundo... — que parece entrar numa fissura. Fissura que só abranda quando a reportagem é publicada. Chloé é dessas apaixonadas pela causa. Tornou-se uma das principais jornalistas a cobrir a Covid-19 no Brasil e se juntou à missão de defender a ciência e as medidas em prol da saúde coletiva desde então. Chegou a ser xingada e criticada por isso — assim como criticou e xingou quem espalhou absurdos ou fake news em meio à pandemia. Se indispôs com gente próxima porque imaginou que Diogo Sponchiato redator-Chefe TIME ENTROSADO Jornalismo depende de trabalho em equipe. Para fazer um texto chegar às páginas ou às telas, e gráficos e ilustrações virarem realidade, há muita conversa nos bastidores. Troca de ideias, vai e vem de sugestões, pitacos e retoques. Exemplo disso se concretiza na reportagem de capa, um jogo entrosadíssimo entre a designer Letícia Raposo (Estúdio Coral), o ilustrador Rodrigo Damatti e a repórter Chloé Pinheiro. Para ler, ver e mergulhar. DEVER, CIÊNCIA & UMA DOSE DE PAIXÃO seu dever profissional e cívico era algo maior. Escolhas. a escolha de se aprofundar num fenômeno que se disseminou pelo Brasil feito o vírus — o tratamento precoce, descartado por estudos — a fez escrever, junto ao farmacêutico Flavio Emery, o livro Cloroquination (Paraquedas). a dedicação traz recompensas. Chloé foi convidada a participar de um projeto internacional do prestigiado Pulitzer Center, nos Estados Unidos, que somou subsídios ao trabalho que ela agora apresenta aos nossos leitores: uma investigação sobre por que as taxas de vacinação despencaram no Brasil nos últimos anos. Essa história tem a ver com ciência, política, economia, cultura, comportamento, crença e informação. a jornalista percorreu de São Paulo a João Pessoa, passando por Brasília e ouvindo mais de 25 pessoas, para entender por que um país antes referência em imunização amarga derrotas e desafios nesse mesmíssimo campo. E aproveita o novo movimento do ministério da Saúde para reatingir as metas de cobertura vacinal e o cinquentenário do Programa Nacional de Imunizações (PNI) para mostrar o que precisa mudar se quisermos continuar salvando vidas e o bem-estar social. Como deixa evidente o empenho de Chloé Pinheiro, essa é uma batalha movida por ciência e paixão. Também podemos fazer parte dela. Ilustração: Rodrigo Damati Direção de arte: Estúdio Coral Tratamento de imagem: Marisa Tomas AO LEITOR Br as il R ev ist as Publisher: Fabio Carvalho www.grupoabril.com.br Fundada em 1950 VICTOR CIVITA (1907-1990) ROBERTO CIVITA (1936-2013) SEDE ADMINISTRATIVA Rua Cerro Corá, nº 2175, lojas 101 a 105, 1º e 2º andares, Vila Romana, São Paulo, SP, CEP 05061-450 SERVIÇO DE ATENDIMENTO AO CLIENTE (SAC) minhaabril.com.br VEJA SAÚDE, edição 489, março de 2023 (ISSN 0104-1568), é uma publicação mensal da Editora Abril. VEJA SAÚDE não admite publicidade redacional. IMPRESSA NA PLURAL INDÚSTRIA GRÁFICA LTDA Av. Marcos Penteado de Ulhôa Rodrigues, 700 - CEP: 06543-001 Tamboré – Santana de Parnaíba – SP Redator-Chefe: Diogo Sponchiato Texto: Thaís Manarini, Chloé Pinheiro, Ingrid Luisa e Fabiana Schiavon Arte: Laura Luduvig Colaboração: Estúdio Coral (direção de arte) e Ronaldo Barbosa (revisão ) DIRETORIA EXECUTIVA DE DESENVOLVIMENTO EDITORIAL E AUDIÊNCIA Andrea Abelleira DIRETORIA EXECUTIVA DE OPERAÇÕES Guilherme Valente DIRETORIA DE MONETIZAÇÃO E RELACIONAMENTO COM CLIENTES Erik Carvalho “Inspirada pelo livro de Nilton Bonder, a atriz Clarice Niskier dá nova versão a parábolas e usa o próprio corpo para questionar se há realmente mal em toda transgressão na peça alma Imoral, em cartaz.” “Estou adorando a série The Last of Us, da HBO. Nela, um fungo (que existe mesmo!) se alastra pelo mundo e a humanidade. Impossível não se lembrar do que aconteceu com a Covid-19.” PRESCRIÇÕES DO EDITOR Ciência, imaginação, reflexão e autocuidado em suas próximas leituras Como o ópio da papoula, a cafeína do chá e do café e a mescalina de certos cactos mexeram com o mundo e a cabeça das pessoas. Um romance brasileiro sobre a panela de pressão mental e as válvulas de escape em tempos (sur)reais de pandemia. Um caderno de atividades guiadas para quem quer botar a mão no lápis e na massa e domar melhor sua ansiedade. SOB EFEITO DE PLANTAS autor: Michael Pollan Tradução: Rogério W. Galindo Editora: Intrínseca Páginas: 320 PANDORA autora: Ana Paula Pacheco Editora: Fósforo Páginas: 136 CALMA. WORKBOOK autor: Christopher Hutcheson Tradução: Luciane Gomide Editora: Latitude Páginas: 192 Br as il R ev ist as Fo to : D eb or ah M ax x PALAVRA DO LEITOR a reportagem de capa sobre obesidade [da última edição] ficou muito completa! a gordofobia e a cultura da dieta afastam as pessoas das práticas corporais. É preciso repensar o conceito de saúde. Parabéns, Ingrid Luisa! Paula Costa Morais, via Instagram matéria absurda, Ingrid! acho que você abordou do melhor jeito possível. Incrível como conjugou a parte científica e social da coisa! Parabéns! Juan Simões, via Instagram Trabalho com comunicação em obesidade há sete anos, e nunca vi uma reportagem tão completa, bem estruturada e que reúne, realmente e de forma imparcial, diferentes áreas e visões. Ceres Battistelli, via WhatsApp Parabéns pelo excelente trabalho. Uma pesquisa abrangente que possibilita uma visão completa da complexidade queestá em volta da obesidade e da pessoa que vive com a doença. Paulo Miranda, presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem), via Instagram SEGUE A GENTE >> veja_saude vejasaude Veja Saúde Veja Saude Ocrescimento dos índices de obesidade e da busca por soluções para emagrecer espelha o resultado da última pesquisa que fizemos com a nossa audiência. Sete em cada dez participantes relataram já ter tomado um remédio para perder peso. o dado nos remete à matéria de capa da edição de fevereiro de VEJa SaÚDE, que discutiu a chegada de novos medicamentos, ainda mais potentes, para tratar a obesidade, e a permanência de velhos dilemas que dificultam e sabotam o controle efetivo do problema. Um dos recados dados pelos especialistas entrevistados é: jamais faça uso de uma medicação para reduzir medidas sem orientação médica. outro ponto de atenção: comprimidos e injeções não operam milagres; é fundamental mudar hábitos e persistir no novo estilo de vida para que a gordura e os quilos perdidos não retornem. VOCÊ JÁ TOMOU REMÉDIOS PARA EMAGRECER? Mais de 70% dos respondentes da enquete do mês utilizaram medicamentos com o objetivo de perder peso Sim Não 71% 29% Agora a gente quer saber: a sua caderneta de vacinação está realmente atualizada? V E J A S AÚ D E m a r ç o 2 0 2 36 CONEXÃO SA489_conexão.indd 6 03/03/23 19:04 Br as il R ev ist as Em primeira pessoa Como sugere o nome do blog, ele abrigará relatos e reflexões de pessoas que vivenciam, na própria pele, desafios e vitórias no diagnóstico e no tratamento de doenças crônicas — das mais prevalentes às mais raras. o espaço será coordenado pelo CDD (Crônicos do Dia a Dia), uma entidade que nasceu para disseminar informação e debater melhores saídas e políticas públicas para o diagnóstico e o tratamento dos diversos problemas crônicos de saúde no Brasil. Boca livre a jornalista Patrícia Julianelli, que se especializou na cobertura de temas ligados a um estilo de vida saudável e tem passagens por emissoras de TV e revistas como a Runner's World, passa a assinar uma coluna mensal no portal para falar sobre alimentação balanceada, atividade física, bem-estar e outros itens prescritos para vivermos mais e melhor. autora do livro Boca Livre (arquipélago), Patrícia se une ao time para mostrar que uma rotina ativa e equilibrada é possível — e nem tão complicada. Todo santo dia tem posts e stories novos no perfil de VEJa SaÚDE no Instagram. além de divulgarmos as matérias da revista e do site, publicamos dicas e informações exclusivas ali, além de vídeos de especialistas trazendo explicações didáticas sobre prevenção, detecção e tratamento de doenças, conselhos de alimentação e atividade física e sacadas para cuidar da saúde mental. ACOMPANHE NOSSO INSTAGRAM Nosso canal traz conteúdos exclusivos Whatsapp: (11) 3584-9200 Escaneie o QrCode com seu celular Comentários ou sugestões sobre conteúdos, é só falar com a gente: www.saude.abril.com.br/fale-conosco E-mail: saude.abril@atleitor.com.br rua Cerro Corá, 2175, lojas 101 a 105, 1º e 2º andares, Vila romana, São Paulo, SP, CEP 05061-450 Serviço de atendimento ao cliente Abril (SAC) minhaabril.com.br Whatsapp: (11) 3584-9200 Telefones: SaC (11) 3584-9200 renovação: 0800 7752112 (de segunda a sexta-feira, das 9 às 17h30) E-mail: atendimento@abril.com.br Vendas www.assineabril.com.br Whatsapp: (11) 3584-9200 Telefones: SaC (11) 3584-9200 De segunda a sexta-feira, das 9 às 17h30 Vendas Corporativas, Projetos Especiais e Vendas em Lote pelo e-mail assinaturacorporativa@abril.com.br Para baixar sua revista digital www.revistasdigitaisabril.com.br Licenciamento de conteúdo Para adquirir os direitos de reprodução de textos e imagens, envie um e-mail para: licenciamentodeconteudo@abril.com.br Para anunciar publicidade@abril.com.br Trabalhe conosco trabalheconosco.vagas.com.br/grupo-abril DUAS NOVAS COLUNAS NO SITE Ampliando e enriquecendo a área de blogs e colunas, passamos a contar com a jornalista Patrícia Julianelli e com um espaço que dá voz a pacientes V E J A S AÚ D E m a r ç o 2 0 2 3 7 W W W. S AU D E . A B R I L .C O M . B R SA489_conexão.indd 7 03/03/23 19:05 Br as il R ev ist as PRESENTE As cenas de crianças e idosos em pele e osso na Terra Indígena Yanomami, no Norte do país, chocaram o planeta, expondo a necessidade de proteger e assistir esses cidadãos brasileiros. o episódio recente tem relação estreita com a exploração da região pelo garimpo ilegal e a ausência de fiscalização e resguardo pelas forças do Estado, o que tornou os ianomâmis reféns de desnutrição, intoxicação por mercúrio (usado pelos garimpeiros) e complicações causadas por malária e outras moléstias infecciosas. Infelizmente, a legião de males a que essa e outras etnias estão expostas não se encerra aí. Estudos indicam que elas estão mais vulneráveis a dores crônicas e doenças provocadas pela ingestão de alimentos industrializados calóricos e pobres em nutrientes, por exemplo. Há muito trabalho pela frente, ainda mais se considerarmos que a verba prevista para a assistência à saúde dessas pessoas atualmente é a menor desde 2014. UM OLHAR URGENTE PARA A SAÚDE DOS POVOS INDÍGENAS Tragédia humanitária dos ianomâmis escancara situação crítica vivida por essas populações, expostas a problemas crônicos e falta de assistência RADAR DA SAÚDE V E J A S AÚ D E m a r ç o 2 0 2 38 SA489_radar da saúde.indd 8 Br as il R ev ist as PASSADO FUTURO UMA FRASE UM LUGAR UM DADO 40 anos da identificação do HIV como causa da aids Em 1983, cientistas do Instituto Pasteur capitaneados por Luc montagnier descobriram o vírus da imunodeficiência humana e estabeleceram sua conexão com a síndrome que matava um número crescente de pessoas. outros pesquisadores chegaram à mesma conclusão de forma independente pouco tempo depois, mas o crédito e o Nobel ficaram com os franceses. Robô-cobra entra no corpo para ajudar em cirurgias Inspirado no formato e na flexibilidade das serpentes, um dispositivo médico criado pela Universidade de Nottingham, na Inglaterra, consegue penetrar e vasculhar, com sua câmera, cantos difíceis de acessar dentro do organismo. A expectativa é que a invenção possa melhorar a precisão de cirurgias daqui a dez anos. Estado de São Paulo vê alta em envenenamentos por escorpião Os casos quintuplicaram entre 2008 e 2018, com maior concentração no oeste e no norte do estado, segundo análise da USP. Temperaturas mais elevadas e devastação da vegetação natural estariam entre os fatores por trás do crescimento. No Brasil, só em 2021 foram notificados 159 mil ataques por escorpião. Eles exigem atendimento imediato para evitar danos críticos. 1 933 casos de câncer de pênis e 459 amputações do órgão Os números, contabilizados até novembro de 2022 pelo Ministério da Saúde, dão uma ideia do impacto dessa doença mutilante, que afeta sobretudo a Região Nordeste e está associada à falta de higiene do pênis. Por essa razão, a Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) estreia nova campanha para conscientizar os homens e mitigar a incidência e as consequências do tumor. “A roupa que você está vestindo, o ar que está respirando, a página para a qual está olhando neste momento são todos substâncias químicas. Se você não quer substâncias químicas na sua comida, receio que seja tarde demais. Os alimentos são substâncias químicas (...) Portanto, se você ouvir alguém dizendo que desconfia de substâncias químicas, sinta-se livre para tranquilizá- -lo. Ele é uma substância química. A química não é um assunto abstrato que acontece em laboratórios lúgubres: ela está acontecendo em toda parte à nossa volta e em toda parte dentro de nós.” Tim James, professor de química britânico, no livro Elementar (Zahar) por DIOGO SPONCHIATOi lustração RAPHAELA SIQUEIRA V E J A S AÚ D E M A R Ç O 2 0 2 3 9 SA489_radar da saúde.indd 9 Br as il R ev ist as RAIO X DO PEIXE Conheça algumas características do pirarucu Tamanho Trata-se de um dos maiores peixes de água doce do mundo, podendo chegar a 3 metros e cerca de 200 quilos. Espinhas O pescado não possui espinhas intramusculares, um ponto bastante festejado pelos consumidores. Gordura Embora seja gigante, o pirarucu é um peixe magro: concentra em torno de 1,5% de gorduras. Por isso, é pouco calórico. Proteína Como outros pescados, a espécie é uma boa fonte proteica. O nutriente dá saciedade e alimenta os músculos. E O SABOR? De acordo com Alessandra, a carne do pirarucu apresenta coloração clara, textura firme e sabor suave. “A cor e o sabor se mantiveram na conserva. No entanto, houve uma pequena perda de textura, como já era esperado, em função da cocção da carne durante o processo de esterilização”, descreve a pesquisadora. Mas nada que tenha abalado a aceitação da conserva nos testes sensoriais — tanto é que foi relatada uma intenção positiva de compra do produto. Vale lembrar que a categoria dos enlatados também agrada pela praticidade na hora do consumo. PIRARUCU EM CONSERVA O peixe amazônico é alvo de pesquisas por ter atributos que o tornam ótima opção ao mercado de enlatados Espécie nativa da Amazônia, o pirarucu se distingue por algumas características: rápida taxa de crescimento, boa adaptação às condições de cultivo, excelente rendimento muscular e uma carne de qualidade. Devido a esse conjunto da obra, pesquisadores da Embrapa Amazônia Oriental, no Pará, e da Embrapa Agroindústria de Alimentos, no Rio de Janeiro, decidiram criar uma conserva com o filé do pescado. Dessa maneira, é possível estender a vida útil do alimento fresco, além de oferecer ao consumidor uma maior variedade de peixes enlatados. “Agora é necessário que haja um parceiro interessado em adotar a tecnologia desenvolvida, buscando validá-la e ajustá-la em ambiente de escala industrial”, relata a engenheira de alimentos Alessandra Ferraiolo de Freitas, da Embrapa Amazônia Oriental. ALIMENTAÇÃO V E J A S AÚ D E M A R Ç O 2 0 2 31 0 SA489_alimentação.indd 10 03/03/23 21:31 Br as il R ev ist as Abuse das especiarias Orégano, páprica, noz-moscada, tomilho, entre outras, dão sabor e favorecem a saúde. Fuja da fritura Ela faz a gente consumir um tipo de gordura péssimo e dispara as calorias em uma pequena porção do alimento. Tenha moderação — sempre! Pode misturar fontes de carboidratos, como arroz e batata. Só não é indicado extrapolar as doses. Cozinhe em água Isso evita a quebra do amido, deixando-o mais resistente. Aí, altera menos a glicemia — boa escolha se houver diabetes. Preste atenção ao purê Pouca manteiga, sal, leite e temperos naturais bastam. Evite queijos, margarina e temperos prontos. Pode assar Embora o amido seja quebrado no processo, é outro modo de preparo recomendado por Gisele Haiek. UM VIVA ÀS BATATAS! Alimento é reduto de carboidratos — e isso não é nenhum problema Fontes de carboidratos como as batatas andam com a reputação meio abalada. Mas, segundo nova pesquisa da Universidade Edith Cowan, na Austrália, não merecem a má fama. Ao avaliarem questionários respondidos por mais de 50 mil pessoas, os cientistas perceberam que, embora o alimento não apresente os mesmos benefícios de outros vegetais, não pode ser culpado por problemas de saúde, como o diabetes tipo 2. A nutricionista Gisele Haiek, de São Paulo, não se surpreende com a constatação. Segundo ela, a doença não tem a ver com o consumo isolado de um item. Além disso, avisa que batata, arroz e banana não podem ser comparados a alimentos industrializados como biscoitos recheados e refrigerantes. “Devemos ter mais cuidado com os produtos ultraprocessados”, defende. PARA COMER NUMA BOA Dicas da nutricionista ao colocar as batatas na rotina Fo to s: C ar lo s A nd re s - G et ty Im ag es (p ei xe ), A nd re y El ki n - G et ty Im ag es (b at at as ) / Il us tr aç õe s: T hi ag o A lm ei da (b at at as ) Além de carboidratos, a batata reúne vitaminas A e do complexo B, cálcio, ferro, fósforo e magnésio. Só não é bacana abusar! 1 4 2 5 3 6 por THAÍS MANARINI V E J A S AÚ D E M A R Ç O 2 0 2 3 1 1 SA489_alimentação.indd 11 03/03/23 21:32 Br as il R ev ist as 0,8 g 1,2 g 1,6 g IOGURTE PROTEICO VIRA HIT ENTRE QUEM TREINA A categoria ganha fãs especialmente na turma que se exercita. Vale apostar? De olho nos Jogos Olímpicos de Paris, em 2024, a Danone anunciou o lançamento de um iogurte formulado em parceria com atletas. Trata-se de uma edição especial da linha HiPRO, que no Brasil é encontrada como YoPRO. Um dos diferenciais é a alta concentração de proteínas: são 15 gramas em um pote. Há outros iogurtes com essa pegada nas prateleiras. Para o professor Antonio Lancha Jr., expert em atividade física e nutrição da Universidade de São Paulo (USP), esses itens são bacanas porque facilitam a ingestão proteica a qualquer momento — o que não é positivo só para atletas. “Um idoso, por exemplo, deve consumir esse nutriente de forma fracionada ao longo do dia”, diz Lancha Jr. O iogurte facilita que isso ocorra fora das refeições principais. Algo indispensável para quem treina e deseja ampliar o leque de opções com o ingrediente. NUTRIENTE VALIOSO As proteínas são cruciais na formação de músculos — daí por que é associada ao pessoal das academias. Mas a verdade é que todo mundo precisa investir no nutriente e na prática de exercícios. Afinal, com o tempo, perdemos massa e força muscular — o que abre caminho à sarcopenia e aumenta o risco de quedas e fraturas. O segredo é não exagerar, adequando a ingestão de acordo com as demandas individuais. A NECESSIDADE DIÁRIA VARIA Os números abaixo são uma média por perfil População normal 0,8g por quilo de peso Esportistas 1,2g por quilo de peso Atletas de alto nível 1,6g por quilo de peso ALIMENTAÇÃO V E J A S AÚ D E M A R Ç O 2 0 2 31 2 SA489_alimentação.indd 12 03/03/23 21:32 Br as il R ev ist as ! TRANSTORNO ALIMENTAR GRAVE É ALTAMENTE GENÉTICO Estudo avaliou quase 17 mil pares de gêmeos para entender a origem da rejeição à comida Reconhecido oficialmente em 2013, o transtorno alimentar restritivo evitativo, conhecido como Tare, é marcado por uma redução drástica na ingestão de comida. Isso pode ter a ver com uma aversão a certas características dos alimentos — como textura, cor e aparência — ou medo de reações como engasgo. Pois uma equipe do Instituto Karolinska, na Suécia, notou, em estudo com gêmeos, que 79% do risco de desenvolver o distúrbio tem a ver com a genética. “A herdabilidade do Tare é maior do que a de outros transtornos muito conhecidos, como anorexia e bulimia”, conta a psiquiatra Christina Almeida Santos, membro da Academy for Eating Disorders. “Essa descoberta permite a implantação de protocolos de rastreio de parentes próximos de quem tem Tare”, vislumbra a médica. SINAIS DE ATENÇÃO Segundo Christina Santos, que também é coordenadora da ATA — Atenção aos Transtornos Alimentares, em São José dos Pinhais (PR), o diagnóstico do Tare ocorre diante da incapacidade de a criança ou o adulto terem um padrão alimentar mínimo para garantir ganho de peso e altura compatíveis com sexo e idade. Além disso, há fraqueza, dificuldade de concentração e ausência de menstruação. “Também se percebe um prejuízo na socialização”, alerta a psiquiatra. Fo to s: lu si a8 3 - G et ty Im ag es (i og ur te ) e D av id M al an - G et ty Im ag es (D N A ) O diagnóstico do Tare costumaacontecer na infância, e o quadro é mais prevalente no sexo masculino É normal que, entre 2 e 5 anos, crianças evitem provar alimentos novos. Isso não significa que elas terão Tare Se o transtorno não for diagnosticado e tratado, tende a persistir na vida adulta por THAÍS MANARINI V E J A S AÚ D E M A R Ç O 2 0 2 3 1 3 SA489_alimentação.indd 13 03/03/23 21:32 Br as il R ev ist as Trypanosoma cruzi Último caso de Chagas no estado de SP ocorreu em 2006 Existem mais de 100 espécies de triatomíneos, os insetos que transmitem o Trypanosoma cruzi INSETO TRANSMISSOR DA DOENÇA DE CHAGAS É ENCONTRADO EM SÃO PAULO Presença do barbeiro na metrópole indica processo de urbanização decorrente de desequilíbrios no meio ambiente, alerta especialista No início do ano, um barbeiro foi identificado em São Paulo, em uma área próxima ao Parque do Estado, na zona sul da capital paulista. A descoberta gerou um alerta porque os triatomíneos que se alimentam de sangue, popularmente conhecidos como barbeiros, costumam viver em zonas rurais. E o espécime estava infectado com o Trypanosoma cruzi, parasita que causa a doença de Chagas. “A infecção é uma zoonose negligenciada, que merece mais atenção pois acomete uma parcela significativa da população, e, com o desequilíbrio ecológico, os triatomíneos estão se urbanizando”, explica a veterinária Simone Baldini Lucheis, professora da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Botucatu. “É preciso conduzir buscas ativas nesses locais e orientar a população sobre a doença e a necessidade de comunicar as autoridades para capturar esses insetos”, completa. Falando em maior risco de zoonoses nas cidades, um estudo aponta que a leishmaniose tegumentar, doença que provoca úlceras na pele, também está em processo de urbanização. O trabalho, conduzido pelo infectologista Rodrigo Sala Ferro, da Universidade do Oeste Paulista (Unoeste), revela que, em Teodoro Sampaio, município do interior de São Paulo que reúne mais casos no estado, já circulam os mosquitos que transmitem a infecção. Os flebotomíneos, vetores dos protozoários Leishmania, que causam tanto a versão tegumentar quanto a visceral da doença, aproveitam o crescimento desordenado das cidades e a aproximação dos animais silvestres e domésticos para desbravar novos territórios. Um tipo de leishmaniose virou doença urbana O PAPEL DO PLANEJAMENTO URBANO NA TRANSMISSÃO DE DOENÇAS As zoonoses tendem a se tornar mais comuns, com a introdução de doenças que antes ficavam restritas às zonas de mata. A combinação de desmatamento e expansão desenfreada das fronteiras urbanas faz com que seus transmissores acabem se aproximando em busca de comida e abrigo. As mudanças climáticas e a falta de infraestrutura e de saneamento básico nas regiões periféricas só pioram a situação. SP Fo to : A le x Si lv a (ó cu lo s) / Ilu st ra çõ es : b gb lu e - G et ty Im ag es (m ap a) e E rik a O no de ra (b ar be iro e m os qu ito ) MEDICINA V E J A S AÚ D E M A R Ç O 2 0 2 31 4 Br as il R ev ist as ÓCULOS ESPECIAIS PARA BLOQUEAR A ENXAQUECA Produto à venda no exterior filtra raios de luz envolvidos com o surgimento da dor de cabeça Há anos pesquisadores investigam o uso de certas lentes coloridas na redução de crises de enxaqueca. Isso porque os raios luminosos podem disparar ou intensificar os episódios dolorosos. Pois uma empresa americana, a Avulux, criou óculos especiais para essa finalidade e traz novos achados a respeito. Numa análise comparando 78 voluntários que utilizaram seu produto ou uma versão similar, só que sem o filtro de luz, observou-se que aqueles que utilizaram o dispositivo de verdade nos primeiros sinais de uma crise relataram menos incômodos com a dor e a luminosidade. Os resultados do experimento ainda precisam ser revisados e publicados em periódicos científicos. De qualquer forma, o trabalho soma pontos à estratégia de controlar o problema, intimamente conectado com fotofobia e alterações visuais, por meio de lentes ou óculos especiais. O produto da Avulux já foi aprovado e está à venda nos EUA — mas ainda não há previsão de chegar ao Brasil. Raios luminosos Em muitos casos, a enxaqueca começa ou é agravada por uma sensibilidade excessiva a diversos estímulos sensoriais, como cheiros, sons e luzes. Óculos com filtro A lente protetora barra as ondas de luz que mais estimulam a retina, no fundo dos olhos, gerando o impulso que vai ao cérebro e liga a chave da dor. Efeito nas crises Com menos raios de luz chegando ao olho, parte da hiperexcitação desencadeada pelos sentidos é controlada, diminuindo frequência e intensidade das dores. O ELO ENTRE A LUZ E A DOR Por que a luminosidade precipita crises — e como atuam os óculos Médicos testam cannabis contra dor de cabeça Já se fala por aí que ativos da planta ajudam a frear quadros de enxaqueca, mas o Hospital Israelita Albert Einstein (SP) iniciou uma pesquisa pioneira para avaliar seu real impacto na doença crônica e resistente. Mais de 100 pacientes, divididos em dois grupos, participam da experiência, um tomando placebo (“remédio” sem princípio ativo), outro recebendo extrato com três compostos da cannabis — tetra-hidrocanabinol (THC), canabidiol (CBD) e canabigerol. “Existem evidências preliminares do envolvimento de receptores de canabinoides no cérebro com a dor, assim como relatos de melhora. Porém, só um estudo desse tipo permite respostas mais conclusivas”, diz o neurologista Alexandre Kraup, coordenador do projeto. menos raios de luz raios de luz lente protetora 1 2 3 por CHLOÉ PINHEIRO V E J A S AÚ D E M A R Ç O 2 0 2 3 1 5 Br as il R ev ist as APOIO CONTRA A INCONTINÊNCIA NO CELULAR Brasileiras criam aplicativo que ajuda a domar os escapes involuntários de urina Aincontinência urinária é um problema frequente e desgastante que acomete até 50% das mulheres com mais de 40 anos. O tratamento não é um bicho de sete cabeças, e envolve, na maioria das vezes, exercícios de fortalecimento pélvico. Só que exige adesão e continuidade — como um treino na academia. Pensando em facilitar a vida de quem tem o problema, pesquisadoras da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) desenvolveram um app que orienta a realização desses movimentos em casa. “Ele envia lembretes diários e oferece um biofeedback visual. Um gráfico animado e uma música que varia de intensidade guiam a usuária durante os momentos de contrair e relaxar a musculatura pélvica”, explica a ginecologista Cássia Raquel Teatin Juliato, responsável pelos testes com a tecnologia. Em um dos estudos com o aplicativo, mais de 60% das participantes relataram melhora nos sintomas ou mesmo o fim dos escapes. A ferramenta está pronta para ser adotada por clínicas e hospitais. Diferencial do app Ele toca uma música que indica a intensidade a ser colocada na contração, e um gráfico acompanha o tempo do exercício. Quatro apoios Fique na posição e inspire enquanto puxa as costas para cima. Aperte por mais cinco segundos e relaxe. Dobre os joelhos Inspire, contraia os músculos e erga o bumbum sem tirar os pés do chão. Segure por cinco segundos. Deitada no chão Abra as pernas até a largura dos ombros. Contraia a musculatura do assoalho pélvico por cinco segundos e relaxe. ELAS NÃO FALAM SOBRE O ASSUNTO Uma pesquisa realizada pela marca de absorventes Intimus indica que 80% das mulheres brasileiras nunca falaram sobre perda involuntária de xixi com os médicos. E boa parte também não menciona o assunto com as amigas. Vergonha e medo atrapalham a busca por ajuda e dão uma ideia equivocada de que se trata de uma fragilidade normal do corpo feminino. Não é — e tem solução. TREINO NA TELA App orienta série de exercícios. Veja exemplos Fo to : F áb io Cas te lo (l up a) , d iv ul ga çã o (c el ul ar ) / Il us tr aç ão : J on at an S ar m en to (v íru s) MEDICINA V E J A S AÚ D E M A R Ç O 2 0 2 31 6 Br as il R ev ist as UM DETETIVE NO RASTRO DAS ORIGENS DA COVID-19 Livro faz a melhor síntese até agora da busca para entender de onde veio a pandemia Não haveria melhor escritor para investigar e nos contar o que a ciência sabe sobre o surgimento do vírus que mudou nossa história recente. E ele é David Quammen, que, em 2012, já havia publicado um livro alertando para o risco iminente de micróbios saltarem de hospedeiros animais para o ser humano, gerando uma pandemia. Pois a crônica de uma catástrofe anunciada e as teorias e provas que documentam como o coronavírus chegou à nossa espécie e se espalhou são o mote de Sem Fôlego, a nova obra do autor. Nela, Quammen persegue, após entrevistar dezenas de cientistas e digerir uma pilha de artigos sobre genética, microbiologia e epidemiologia, os prováveis caminhos e a evolução desse patógeno de origem zoonótica até ele virar nossa vida de pernas para o ar. Um trabalho repleto de mistérios, pistas, descobertas e perguntas que ainda precisam ser respondidas. PERGUNTAS QUE EXIGEM RESPOSTAS Questões que o escritor David Quammen elucida e debate no livro SEM FÔLEGO Autor: David Quammen Tradução: Laura Teixeira Motta e Pedro Maia Soares Editora: Companhia das Letras Páginas: 432 1 2 3 4 5 Onde e como surgiu o vírus Sars-CoV-2? A explicação mais aceita remete a morcegos no Sudeste Asiático. O vírus evoluiu e se adaptou ao homem após anos de contato interespécies. Ele teria escapado de um laboratório? Embora a origem zoonótica seja bem mais provável, a OMS começou (e não concluiu) uma apuração na China para descartar essa hipótese. Podemos imaginar que será erradicado? Pelo padrão de disseminação e o fato de o vírus já ter infectado outros animais silvestres e domésticos, Quammen acredita que não. As vacinas serão sempre eficazes? O patógeno da Covid-19 sofre mutações que podem lhe dar a capacidade de escapar de imunizantes. Então eles terão de ser atualizados. Outros vírus podem ter trajetória parecida? Sem dúvida, e o escritor alerta para possíveis novas pandemias detonadas por vírus respiratórios, como os da família influenza e Sars. por CHLOÉ PINHEIRO e DIOGO SPONCHIATO V E J A S AÚ D E M A R Ç O 2 0 2 3 1 7 Br as il R ev ist as O IMPACTO EM NÚMEROS Levantamento ouviu pacientes, ex-pacientes e familiares das pessoas que encaram ou encararam um câncer veem o momento do diagnóstico da doença como o que mais requer suporte social dos pacientes tiveram apoio da família e acreditam que isso faz diferença ao enfrentar a doença e os efeitos colaterais do tratamento dos familiares e amigos se sentiram seguros e bem informados para dar assistência ao paciente durante o processo terapêutico dos entrevistados que se tratam ou trataram de um tumor colocam a aceitação do problema após a descoberta como seu principal desafio dos pacientes e dos familiares ouvidos pensam que nada deve ser omitido nas consultas médicas e durante o tratamento do câncer dos respondentes que têm ou tiveram a doença deixaram de fazer uma pergunta ao especialista — a maioria sobre as chances de cura e a própria terapia O PESO EMOCIONAL DO CÂNCER Pesquisa apura repercussão da doença logo após descoberta Odiagnóstico do câncer costuma ser um baque para qualquer um, mas entender como se manifesta o impacto psicológico da doença e do tratamento é essencial para aprimorar o suporte e a qualidade de vida dos pacientes. Foi com isso em mente que o Instituto Vencer o Câncer realizou, junto à IQVIA, um estudo sobre as percepções de pacientes, ex-pacientes, familiares e população em geral sobre o tema. Ao todo, foram entrevistados pela internet 2 027 brasileiros, com predominância do Sudeste. “A sondagem mostra que há espaço para melhorar a qualidade da informação oferecida aos pacientes. Informação mais clara, transparente e acessível”, avalia o oncologista Fernando Maluf, do instituto. “Também indica uma necessidade de melhoria na relação médico- -paciente para que a pessoa que recebeu o diagnóstico se sinta mais à vontade de questionar o profissional durante o tratamento”, completa. 56% 69% 62% 40% 41% 33% MENTE SAUDÁVEL V E J A S AÚ D E M A R Ç O 2 0 2 31 8 SA489_mente saudável.indd 18 03/03/23 15:51 Br as il R ev ist as SOCORRISTAS PARA A SAÚDE MENTAL Hospital paulistano cria primeiro curso que treina profissionais de várias áreas para lidar com o sofrimento alheio Oboom de transtornos psíquicos que vieram na esteira da pandemia deu o estalo para o Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo, estruturar um curso pioneiro de formação de socorristas em saúde mental. Ele capacita profissionais com diferentes atuações a identificar pessoas em situação de risco e dá um panorama sobre as doenças que afetam o bem-estar dos funcionários e das companhias. “As empresas precisam olhar para a saúde mental de forma cada vez mais estratégica. Hoje as pessoas buscam organizações alinhadas aos seus valores, onde possam se realizar no trabalho sendo felizes e saudáveis. Temos recebido feedbacks interessantes sobre o curso, como melhora do clima organizacional e implantação de uma cultura de segurança psicológica”, conta Leonardo Piovesan Mendonça, gerente de Saúde Populacional e Atenção Primária do hospital. Para quem é? Profissionais com diversas formações e atuações, e em qualquer nível organizacional. Empresas podem indicar quem serão essas pessoas. O que contempla? Os alunos são instruídos sobre transtornos mentais e suas manifestações e treinados a identificar situações de sofrimento. Qual a carga horária? O curso é totalmente online e dura 18 semanas. São 60 horas de aulas divididas em atividades ao vivo, fóruns e projetos. Quem se formou? Já completaram o curso 200 socorristas em todo o Brasil. E, dentro do próprio hospital, 40 profissionais possuem essa formação. POR DENTRO DO PROGRAMA Como funciona o curso de socorrista em saúde mental Fo to s: A nd re aO bz er ov a - G et ty Im ag es (c ân ce r) , s til lli fe ph ot og ra ph er (m ão ) e B er itK - G et ty Im ag es (c ab eç a em p ap el ) CAPACITAÇÃO PARA OS LÍDERES Ciente de que a visão e o posicionamento dos gestores influenciam demais a harmonia e o equilíbrio psicológico dos colaboradores, o Hospital Alemão Oswaldo Cruz acaba de criar outro curso, o de Saúde Mental para Liderança. Ele é voltado a gerentes e diretores e se baseia na desmitificação do sofrimento emocional, na elaboração de ações voltadas ao cuidado e ao acolhimento e na análise dos fatores dentro da organização que favorecem ou previnem o adoecimento. O treinamento tem 12 horas de duração, com aulas práticas e teóricas presenciais. Já foi administrado a 80 líderes de uma empresa do setor siderúrgico. por DIOGO SPONCHIATO V E J A S AÚ D E M A R Ç O 2 0 2 3 1 9 SA489_mente saudável.indd 19 03/03/23 15:51 Br as il R ev ist as Envelhecimento Estudos sugerem que o sedentarismo favorece mudanças nos cromossomos por trás de uma velhice precoce. Trombose Inchaço e dores nas pernas são as consequências mais comuns, mas isso pode agravar até para uma trombose. Dor nas costas Postura errada por muito tempo pode causar problemas irreversíveis à coluna. A atividade física ajuda a evitá-los. Obesidade Se a pessoa não se mexe, há pouco gasto calórico. Assim, quase tudo que ingere acaba se acumulando. Doenças crônicas Falta de movimento e ganho de peso contribuem para o surgimento de hipertensão e diabetes tipo 2. CRIAR INTERVALOS PARA CAMINHAR EM MEIOÀ ROTINA FAZ BEM À SAÚDE Novo estudo quantifica o tamanho das pausas que você deve fazer ao longo do dia para não ficar refém de perigos Todo mundo sabe que ficar muito tempo sentado traz prejuízos ao organismo. Só que agora, em um experimento publicado na revista Medicine & Science in Sports & Exercise, os cientistas mediram o tamanho das pausas necessárias para a redução dos malefícios. “A gente sempre recomendou isso, mas não tinha uma indicação precisa de tempo”, afirma a médica Aline Lamaita, membro da Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular (SBACV). A pesquisa testou caminhadas de 1 minuto, após 30 e 60 minutos sentado, e de 5 minutos, após meia ou 1 hora parado. E descobriu que o ideal, para a saúde do coração, é se mexer pelo menos 5 minutos a cada meia hora — só 1 minuto por hora não fez diferença. Segundo Aline, ainda que o estudo seja pequeno, traz bons indícios da importância de superar o comportamento sedentário. O PERIGO DE FICAR MUITO TEMPO SENTADO Comportamento sedentário nos expõe a uma série de encrencas Fo to s: S un ny V M D - G et ty Im ag es (p es so a) , W es te nd 61 - G et ty Im ag es (c ad ei ra ) e E du ar do S ve zia (b ra ço c om p es in ho ) ATIVIDADE FÍSICA V E J A S AÚ D E M A R Ç O 2 0 2 32 0 SA489_atividade física.indd 20 03/03/23 21:38 Br as il R ev ist as ! BENEFÍCIOS COMPROVADOS Consenso internacional aponta uma lista de vantagens do exercício Faça exercícios de fortalecimento De duas a três vezes por semana! Ter músculos fortes ajuda a resguardar os ossos e a evitar as temidas quedas. Peça orientação se já houve fratura Acompanhamento profissional é bom sempre. Nesse caso, carga leve e exercícios de menor impacto são fundamentais. Fortalece os ossos Controla os sintomas de fraturas vertebrais Reduz bastante o risco de quedas Melhora a postura Traz bem-estar físico e mental Ganhe fôlego e equilíbrio Nos dias não dedicados à musculação, opte por atividades que trabalhem o condicionamento ou o equilíbrio. Evite o que exige demais da coluna Nada de tentar tocar os dedos dos pés, fazer flexões ou pegar objetos pesados sem dobrar os joelhos e os quadris. PESSOAS COM OSTEOPOROSE PODEM (E DEVEM) FAZER EXERCÍCIOS O medo de se machucar e provocar um problema ainda pior paralisa muita gente com a doença, mas a atividade física tem efeito protetor A osteoporose, condição marcada pela perda progressiva de massa óssea, afeta ao redor de 10 milhões de brasileiros, principalmente mulheres. O avançar da idade e a predisposição genética estão por trás da doença, que deixa as pessoas mais sujeitas a fraturas. Devido a essa vulnerabilidade, não é incomum ver gente com medo de treinar ou se isentar dos exercícios para prevenir pioras. Mas, como atesta um novo consenso médico internacional, divulgado pelo British Journal of Sports Medicine, a atividade física deve ser encorajada pelo seu papel protetor aos ossos. “Todas as pessoas com osteoporose podem se beneficiar dela. Existem poucas evidências de que o exercício esteja associado a danos, e os benefícios, em geral, superam os riscos”, crava o documento. O guia detalha que a prática correta de modalidades aeróbicas e resistidas reduz o risco de queda e fratura, otimiza a resistência óssea e melhora a postura — um combo especialmente bem-vindo a quem foi diagnosticado com o problema. A diretriz ainda pontua que o exercício é importante não só no tratamento mas também na prevenção da osteoporose. O QUE SABER ANTES DE TREINAR Incluir exercícios na agenda é vital — mas há detalhes a respeitar por INGRID LUISA V E J A S AÚ D E M A R Ç O 2 0 2 3 2 1 SA489_atividade física.indd 21 03/03/23 21:38 Br as il R ev ist as COGNIÇÃO À MESA: A ALIMENTAÇÃO TURBINA E DEFENDE NOSSO CÉREBRO? acognição e a memória abrangem processos centrais no desempenho do nosso cérebro e nas atividades do dia a dia, envolvendo redes de neurônios e mecanismos complexos — nem todos ainda compreendidos pela ciência. Sabe-se que uma região vital nessa história é o hipocampo, área do cérebro que regula a aprendizagem, a formação das lembranças e o humor. Mais recentemente, descobriu-se que é um dos locais em que surgem novos neurônios. Está cada vez mais claro que as sinapses, a comunicação entre as células nervosas, e a plasticidade cerebral (a capacidade de elas se moldarem diante de novas demandas e desafios) estão intimamente ligadas ao desempenho cognitivo. E já existem evidências de que podemos interferir nesse processo por meio de estímulos intelectuais, aprendizados, exercícios físicos e mudanças na alimentação. No capítulo da dieta, podemos começar falando do glutamato, o principal neurotransmissor que excita os neurônios nos domínios da cognição. Sua atuação é modulada pelo magnésio, mineral presente em vegetais verde-escuros e cereais integrais. Pesquisas já mostraram que a suplementação desse nutriente melhora o aprendizado e a memória. O mesmo vale para o zinco, mineral encontrado em carnes, frutos do mar, leguminosas e castanhas. O cérebro também precisa de combustível. E aqui falamos do suprimento de glicose, sua principal fonte de energia — por isso não dá para abrir mão do carboidrato na rotina. Nos últimos anos, outros nutrientes e substâncias caíram na mira dos neurocientistas. Entre os mais famosos estão o DHA e o EPA, dois tipos de ácido graxo ômega-3 (dos pescados e sementes), a colina (da gema de ovo), o ácido fólico (das verduras), o selênio (da castanha-do-pará) e as vitaminas B12 (carnes), C (frutas cítricas) e E (oleaginosas). Outro componente destacado nas pesquisas é o ácido retinoico, derivado da vitamina A, que participa da neurogênese, da sobrevivência neuronal e da plasticidade cerebral. A suplementação de algumas vitaminas, após avaliação profissional, pode ajudar a suprir carências que repercutem na cabeça. Um estudo constatou que repor as vitaminas do complexo B reduziu a perda de volume cerebral ao longo de dois anos em idosos com maior risco de desenvolver demência. Nesse contexto, algumas análises já demonstraram associação entre baixos níveis de vitamina D e déficits de memória e demência, enquanto a alta ingestão de vitamina E estaria relacionada a menos chances de problemas cognitivos — contudo, suplementos dessas substâncias só devem ser receitados para essa finalidade com acompanhamento de um especialista. Aumentar o aporte de vegetais na dieta é um conselho repetido à exaustão para preservar a saúde, inclusive a da cabeça. É que vários compostos fenólicos de frutas e hortaliças protegem as células nervosas do envelhecimento e auxiliam a modular as funções cognitivas. O grupo inclui os polifenóis, como o resveratrol ALIMENTE-SE V E J A S AÚ D E M A R Ç O 2 0 2 32 2 Br as il R ev ist as Lara Natacci é nutricionista, Ph.D. pela Universidade de São Paulo (USP) e diretora da Dietnet, na capital paulista presente na casca da uva, e agentes encontrados no chá- -verde. Numa revisão de estudos, também foi observado que a ingestão moderada de café (ou bebidas ricas em cafeína) reduz o declínio cognitivo. No vasto reino da bioquímica vegetal, ainda dá para citar como protetores da cognição a luteína e a zeaxantina (fornecidas pelo milho) e o ácido ursólico (da maçã e do alecrim), que já mostraram efeitos positivos na capacidade de raciocionar e guardar as coisas e em testes de inteligência. Outra fonte exuberante de compostos fenólicos já associados à boa saúde cerebral são as berries, as frutas vermelhas ou arroxeadas. Cientistas perceberam que o consumo de mirtilo, rico em flavonoides e antocianinas, aprimora aspectos da cognição e da memória espacial, por exemplo. Essas frutinhas estão entre os alimentos preconizados pela dieta Mind (do inglês Mediterranean-DashIntervention for Neurodegenerative Delay). Trata-se de uma junção da dieta mediterrânea clássica e de um cardápio para controlar a hipertensão que, em estudos, mostrou vocação para nos resguardar de males como o Alzheimer. Uma pesquisa aponta que o risco da doença foi reduzido em 53% nos voluntários que aderiram à dieta rigorosamente e em 35% naqueles que a seguiram moderadamente. Tanto a Dash como a dieta mediterrânea são consideradas aliadas na prevenção de problemas cardiovasculares. Mas, fora ajudar a evitar ataques cardíacos e AVCs, esses programas alimentares, que incluem a Mind, têm repercussões pra lá de vantajosas na saúde cerebral. Nesse sentido, análises já concluíram que a dieta Mind é superior às outras isoladas na diminuição do declínio cognitivo e do risco de Alzheimer. O que a dieta Mind contempla, afinal? Aqui vai um resumo: • 3 porções diárias de grãos integrais (vitaminas do complexo B) • 1 unidade de ovo por dia ou a cada dois dias (colina) • 1 porção de 100 g de peixes de águas frias (sardinha, salmão, cavalinha...) pelo menos duas vezes por semana (ômega-3) • 1 porção de ave com pouca gordura (100 g) no dia a dia (fonte de proteína menos gordurosa) • 1/2 xícara de castanhas, nozes, amêndoas e afins diariamente ou a cada dois dias (selênio e vitamina E) • 3/4 de xícara de frutas vermelhas e roxas no mínimo duas vezes por semana (antioxidantes) • 1 xícara de vegetais verde- -escuros ou leguminosas por dia (ácido fólico, magnésio...) Além dessas prescrições, a dieta Mind orienta limites rígidos para a ingestão de manteiga (menos de 1 colher de sopa por dia), queijos amarelos, frituras e fast-food (menos de uma porção por semana para qualquer um dos três). Se você parar pra pensar, dá para encaixar todas (ou quase todas) essas recomendações no seu cotidiano, inclusive com opções tipicamente nacionais. O mais peculiar e chamativo nesse cardápio são as tais berries, potentes protetoras cerebrais. Então não se esqueça de levar para casa mirtilos, morangos, cerejas ou, dependendo da época, a brasileiríssima jabuticaba. por LARA NATACCI i lustração RAPHAELA SIQUEIRA V E J A S AÚ D E M A R Ç O 2 0 2 3 2 3 Br as il R ev ist as A BATALHA PEL Medos plantados, percepções equivocadas, notícias falsas e o desgoverno no Plano Nacional de Imunizações (PNI) voltam a expor um número crescente de brasileiros a doenças perigosas e evitáveis. Como vencer esse cabo de guerra na saúde pública A gente só sobrevive e vive bem nos dias de hoje graças a vacinas. Mas nunca antes na história deste país elas prota- gonizaram tanto debate, tanta briga e tanta publicação em redes sociais. Du- rante décadas, vacinas fizeram parte natural da paisa- gem e do cotidiano: havia campanha, pegava-se a ca- derneta, tomava-se a picada e pronto! Ninguém ficava discutindo eficácia, efeitos colaterais, teorias conspi- ratórias ou planos de dominação mundial. Sem alarde ou polêmica, bilhões de doses aplicadas por aí — an- tes e depois da pandemia — salvaram crianças, ado- lescentes, adultos e idosos. Menos mortes, menos se- quelas, menos dias perdidos de escola e trabalho. Só a taxa de mortalidade infantil no país despencou de mais de 100 óbitos a cada mil nascidos vivos para cer- ca de dez. Em alguns anos, porém, o outrora robusto Plano Nacional de Imunizações (PNI), formulado em 1973, ficou em frangalhos. E, no boca a boca e de post em post, fake news encobriram a defesa das vacinas. “Havia uma tendência de queda nas coberturas vacinais desde 2016, mas ela começou a ser reverti- da em 2017. Porém, a partir de 2019, as ações deixa- ram de ser intensificadas e houve um retorno brusco para uma média de coberturas similar à dos anos 1980”, contextualiza a epidemiologista Carla V E J A S AÚ D E M A R Ç O 2 0 2 32 4 Br as il R ev ist as ELA VACINAÇÃO texto CHLOÉ PINHEIRO* design ESTÚDIO CORAL foto JONATHAN GELBER, ANDRIY ONUFRIYENKO e EWERTON MANZOTTE - GETTY IMAGES ilustração RODRIGO DAMATI * A reportagem foi produzida em parceria com o Pulitzer Center (EUA) Domingues, que foi coordenadora do programa quando ele era referência global. Era! Hoje, o Brasil está entre os dez países com mais crianças pequenas sem nenhuma dose das vacinas de rotina, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), ao lado de nações com históricas dificuldades, como Congo, Índia e Paquistão. “Fomos de orgulho a pária”, la- menta a infectologista Cristiana Toscano, da Uni- versidade Federal de Goiás (UFG), que integra o grupo de experts em imunização da OMS. O que explica isso? Problemas estruturais? Sim, e muitos. Hesitação vacinal? Sem dúvida, ela cresceu e pegou carona nas falas antivacina que perseguem ainda hoje as doses contra a Covid e abalam a con- fiança nos imunizantes como um todo. É irônico: a mesma pandemia que mostrou, na prática, como essa estratégia poupa vidas também atiçou o movi- mento negacionista. Mas a mudança de governo marca um novo discurso — e, se espera, um novo rumo para o PNI. “Quero fazer um apelo a cada um para tomar as vacinas, porque elas são uma garantia de vida”, afirmou o presidente Lula no lançamento do Movimento Nacional de Vacinação, em feverei- ro, ao receber a recém-chegada vacina bivalente contra o coronavírus. Palavras ajudam, mas precisa- remos de muito mais para reverter a situação. V E J A S AÚ D E M A R Ç O 2 0 2 3 2 5 Br as il R ev ist as Desde que comecei a trabalhar nesta reportagem, no fim de 2022, martelava na minha cabeça a dúvi- da: será que estou exagerando em me preocupar tan- to assim? Depois de ouvir mais de 25 pessoas, de au- toridades internacionais no assunto a pessoas que caem em notícias falsas, posso afirmar que não. A queda nas coberturas é uma tendência mundial e re- presenta um perigo real. “O Brasil é um dos países em maior risco para o retorno de doenças já contro- ladas”, afirma a epidemiologista Ana Brito, da Asso- ciação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). Perde- mos o certificado de país livre do sarampo em 2019 e, entre 2018 e 2021, já notificamos 40 mil casos da infecção. Casos de difteria foram registrados aqui e nos arredores, e a poliomielite pode voltar a dar as caras no nosso território. A mortalidade infantil vol- tou a subir, com cerca de 20 mil óbitos evitáveis ao ano por quadros como diarreia e pneumonia. A desi- gualdade social tem culpa no cartório, com o agrava- mento da fome e da desnutrição, mas a falta ou o atraso na vacinação dão sua contribuição. Acredite: a aplicação de todos os imunizantes para o público infantil está abaixo da meta no Brasil. No caso da Covid, então... De acordo com a Fiocruz, a cobertura entre os 4 e 5 anos de idade estava em tor- no de 5% até novembro do ano passado, e a adesão à dose para bebês engatinha. Não faz sentido: com ex- ceção dos idosos, eles são o grupo de maior risco para a infecção do ponto de vista etário. O coronavírus matou uma criança por dia em 2022. “Fora os efeitos neurológicos e cardiovasculares de longo prazo, que ainda estão sendo estudados”, aponta a imunologista Cristina Bonorino, professora da Universidade Fede- ral de Ciências da Saúde de Porto Alegre. Os adultos não fogem ao que se tornou a regra. A dose que nos protege da gripe encalhou nos postos de saúde ano passado. E, depois de um engajamento invejável nas primeiras doses contra a Covid, os reforços patinam. A última edição do inquérito de cobertura vaci- nal, que checou as carteirinhas de 38 mil crianças de todas as regiões brasileiras, escancara a comple- xidade da coisa. Inclusive no quesito socioeconô- mico. Apesar de desfrutar de um sistema de saúde privilegiado, o estrato A, o mais rico, teve a maior queda na imunização: de 76 para 30%. “Mas essa diferença é heterogênea. Em alguns locais, o estrato D tem níveis mais baixos, e vice-versa”, pondera o médico José Cassio de Moraes, da Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo, um dos auto- resdo levantamento. Os motivos por trás da não vacinação variam entre as camadas da sociedade. Mas antes havia homogeneidade no ritual da vaci- nação — e ela foi corroída nos últimos anos. Adultos Cerca de 50% da população está com o esquema de 3 doses completo Crianças Cerca de 5% das crianças com idade entre 4 e 5 anos tomaram a vacina Indígenas A aplicação do imunizante em alguns territórios indígenas está abaixo dos 40% Hepatite B em crianças até 30 dias Poliomielite 1a ref Tríplice viral d2 DTpa gestante Pneumocócica 1a ref 100% 80% 60% 40% 20% 0% 42,91% 61,22% 64,76% 59,19% 51,14% 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021 UM RETRATO DA COBERTURA VACINAL Os números dão ideia do tamanho do problema no Brasil COBERTURA CONTRA COVID AS VACINAS COM MENORES COBERTURAS* Hoje, o índice de vacinação em menores de 2 anos está em torno de 50% Meta: 95% * Porcentagem de cobertura por ano V E J A S AÚ D E M A R Ç O 2 0 2 32 6 Br as il R ev ist as sobreviventes desprotegidos <60% 60-69% 70-79% 80-89% 90-94% ≥95% Índia 2,7 milhões Nigéria 2,2 milhões Etiópia 1,1 milhão Congo 734 mil Paquistão 711 mil Mianmar 492 mil Indonésia 1,1 milhão Filipinas 1 milhão Brasil 710 mil Angola 553 mil Capitais com cobertura acima de 70% Capitais com cobertura menor do que 50% Macapá Curitiba Teresina Natal João Pessoa Brasília Sarampo Foram 40mil casos entre 2018 e 2021 no Brasil Pólio 29 casos de infecção pelo vírus selvagem no mundo em 2022 Covid Mais de 3,5mil crianças e adolescentes morreram de Covid no país Meningite Tivemos mais de 10mil casos em 2022 por aqui* Norte 59% Nordeste 55% Sudeste 59% Sul 63% Centro-Oeste 62% COBERTURAS SEGUNDO O INQUÉRITO VACINALPAÍSES COM MAIS CRIANÇAS DESPROTEGIDAS** O Brasil é um dos países com mais crianças sem as doses básicas da infância, ao lado de Congo, Índia, Paquistão e Etiópia FUTURO INCERTO ** Porcentagens referentes às coberturas vacinais * At é ou tu br o Br as il R ev ist as Quando as coberturas vacinais começaram a cair, em 2016, a explicação era clara para os especia- listas: fora a baixa percepção de risco pela popula- ção, o subfinanciamento do Sistema Único de Saúde (SUS), intensificado a partir da emenda constitucio- nal 95, aprovada nesse mesmo ano, que estabeleceu um teto de gastos públicos. “Essa fragilização afetou o funcionamento das salas de vacinação e o forneci- mento de imunizantes”, conta o epidemiologista e sanitarista Eliseu Waldman, professor da Universi- dade de São Paulo (USP). A escassez de investimen- tos tem efeitos diretos e indiretos. Vamos tomar como exemplo as vacinas BCG, que protege contra a tuberculose, e contra a hepatite B, que deveriam ser administradas em recém-nascidos. Com a crise nas contas, as maternidades redirecionaram recur- sos e profissionais para manter a assistência e, as- sim, foram parando de ofertar o serviço. Não à toa, a cobertura dessas doses está baixa, na casa dos 60%. No inquérito vacinal, quase 30% dos pais res- ponderam que não conseguiram vacinar os filhos quando foram aos postos. Nem sempre eles vol- tam, e a oportunidade, quando existe, é perdida. “Aumentamos as vacinas no calendário, mas não oferecemos alternativas para as novas configura- ções sociais da população, com pais e mães traba- lhando fora e cada vez menos disponíveis para le- var seus filhos às unidades de saúde”, avalia o infectologista Julio Croda, professor da Universi- dade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). A sala de vacinação é responsabilidade dos municí- pios, mas o Ministério da Saúde pode (e deve) fo- mentar esses espaços, dando orientação, capacita- ção e até incentivo financeiro a cidades que batem as metas. Por falar em governo federal... No olho do furacão A pandemia virou o sistema de saúde de pernas para o ar. Exigiu mais e mais verbas, direcionou a assistên- cia médica às vítimas da Covid, drenou esforços do PNI e afastou o povo de consultas, exames e, num pri- meiro momento, vacinas. Mas ela não carrega a res- ponsabilidade pela bagunça sozinha. Países como Uruguai, Chile e Costa Rica conseguiram manter ní- veis de imunização próximos ao ideal. No Brasil, po- rém, o governo federal marcou gol contra — e antes só fosse com as frases do ex-presidente Jair Bolsonaro alertando que quem tomasse a vacina da Covid vira- ria jacaré. “Apesar dos problemas orçamentários, no começo havia uma equipe preparada no Ministério da Saúde. Quando o governante passa a trocar minis- tros e outros cargos-chave, em especial na pandemia, nomeia pessoas despreparadas para essa função pri- mordial que é vacinar. Aí passamos a ver uma incom- petência administrativa, com doses estragando, pro- blemas na distribuição e ausência de campanhas de comunicação”, critica o jurista Fernando Aith, docen- te da Faculdade de Saúde Pública da USP. A atual secretária de Vigilância e Saúde (departa- mento ao qual ficava subordinado o PNI), a epidemio- logista Ethel Maciel, diz ter deparado com um cenário caótico ao assumir a pasta, em janeiro de 2023. Con- versamos no final de fevereiro, depois de seus primei- ros 45 dias de gestão tentando arrumar a casa. “Fo- ram bilhões de reais perdidos em vacinas vencidas, e não tínhamos doses contra a Covid-19 o suficiente nem para as crianças nem a vacina bivalente para os grupos prioritários”, descreve. “Além disso, havia falta de estoque das vacinas contra tuberculose, poliomieli- te, hepatite B e tantas outras”, continua. A falta de co- municação sobre a importância das vacinas, um dos pontos mais críticos para a manutenção das cobertu- ras, também começa a ser decifrada ao abrir essa cai- xa-preta. “Não havia mais contratos com agências de publicidade. Precisamos refazer tudo para lançar as ações deste ano”, relata Ethel. Durante a pandemia, campanhas nacionais para restabelecer os níveis de proteção contra poliomielite, sarampo e outras doen- ças foram tímidas, para dizer o mínimo, e beiraram a inexistência em se tratando de Covid. Outubro de 2020 Com a perspectiva da chegada das vacinas da Covid, membros do governo federal iniciam o discurso antivacina, que decola na internet. 2019 Suspensão das câmaras técnicas de especialistas que aconselhavam o SUS, incluindo em questões relativas às vacinas. 2016 Recursos exclusivos para vacinas enviados aos municípios são incorporados aos gastos gerais com ações de vigilância. 2016 Aprovação da Emenda Constitucional 95, que estabelece o teto de gastos e, desde então, subfinancia o SUS, com impacto no PNI. OS ATAQUES ÀS VACINAS E O DESMONTE DO PNI Nove atos e omissões que ilustram o descaso * D ad os n ão in cl ue m a v ac in a da C ov id V E J A S AÚ D E M A R Ç O 2 0 2 32 8 Br as il R ev ist as Julho de 2021 Depois de muito desgaste, a coordenadora do PNI pede para sair e o programa passa cinco meses sem gestor. Agosto de 2021 Cria-se a câmara técnica para assessorar a imunização da Covid-19, subordinada a uma secretaria politizada. Setembro de 2021 Governo suspende vacinação de adolescentes contra a Covid-19, alegando que não havia benefícios suficientes a eles. Janeiro de 2022 O Ministério da Saúde convoca profissionais negadores da ciência e não especialistas em vacinas para discutir a imunização infantil. Dezembro de 2021 A pasta abre uma consulta pública sobre as doses pediátricas, movimento incomum que só levantou mais dúvidas na população. BARREIRAS DE ACESSO Levantamento revela o que sabota a vacinação Entre os pais que decidiram não aplicar alguma das vacinas ou todas (2,6%): 97% decidem por aplicar todas as vacinas nas crianças* 24% não o fizeram por medo de reações 44% por falta de vacina 10% porque a sala de vacina estava fechada 7% porque o profissional não recomendou 9% porque o médico dissepara não vacinar 9% porque não acreditam nas vacinas 25% acreditam que as vacinas produzem reações graves 20% pensam que vacinas para doenças que não circulam mais são desnecessárias 7,6% tiveram dificuldades para levar a criança ao posto 28% não conseguiram vacinar mesmo levando a criança ao posto CONFIABILIDADE TEMORES E RESTRIÇÕES 94% confiam nas vacinas distribuídas pelo governo V E J A S AÚ D E M A R Ç O 2 0 2 3 2 9 Br as il R ev ist as Para quase metade da população brasileira, a vacina contra a Covid-19 não deve ser obrigatória 850 crianças e adolescentes morreram de Covid em 2022, quando a Anvisa já havia liberado os imunizantes para esse público Levam a mal súbito Vídeos que mostram desmaios por motivos diversos estão sendo tirados de contexto, mas não há evidências de ligação entre mortes súbitas e vacinas. Causam miocardite A inflamação cardíaca é considerada uma reação adversa muito rara, e o risco de desenvolvê-la chega a ser dez vezes maior ao contrair Covid. Vacinados se infectam Sim, é verdade, mas a intenção da vacina não é barrar todo o contato com o vírus, e sim treinar o corpo para conter seu avanço e não ter doença grave. Provocam reações De novo, isso até acontece, mas as redes usam casos raríssimos como se fossem a regra. O benefício é maior que o risco, atestam dados. Plano de dominação Bill Gates, OMS, Pfizer e companhia teriam um plano de extermínio e/ ou controle em massa. Mas os fatos mostram que as vacinas salvaram milhões de vidas. A DESINFORMAÇÃO ESTÁ NO AR Notícias falsas ou fora de contexto têm reflexos maiores do que se imagina O IMPACTO DA HESITAÇÃO E DA DESCONFIANÇA O que dizem as pesquisas sobre a percepção e os riscos que corre a população RISCO DE MORRER* Como espalham Em um ecossistema complexo, formado por redes cada vez mais ocultas e mal fiscalizadas, como o Telegram e o Gettr. Por que espalham Os profissionais de saúde o fazem para obter influência onde antes eram irrelevantes ou vender soluções alternativas. Quem espalha Médicos, outros profissionais de saúde, políticos e pessoas “comuns”, com medo ou por questões ideológicas e religiosas. Para os idosos, o risco é 24 vezes maior não vacinado - 1,79 vacinado sem o booster da bivalente - 0,35 vacinado com o booster da bivalente - 0,16 20 15 10 5 0 9-out-21 9-fev-22 20-mai-22 3-dez-22 • N úm er o de m or te s p or 10 0 m il p es so as V E J A S AÚ D E M A R Ç O 2 0 2 33 0 Br as il R ev ist as QUESTÕES DE GÊNERO… ...E DE CLASSE O ex-ministro da Saúde e general Eduardo Pa- zuello ficou famoso pela tragédia de Manaus e pela celeuma da cloroquina — droga que não se mostrou eficaz contra a Covid —, mas foi a partir da entrada do médico Marcelo Queiroga, em março de 2021, que a vacinação desgovernou de vez, culminando na extinção de grupos técnicos e de pesquisa e na au- sência por quase um semestre de um coordenador para o PNI após a saída da enfermeira Franciele Fantinato em julho de 2021, no auge da pandemia. Um funcionário do órgão que prefere não se identifi- car relata sensação de mãos atadas à época: “Elabo- rávamos recomendações que nem sempre eram se- guidas, e o cúmulo de tudo foi a questão da vacinação infantil da Covid”. Em janeiro de 2022, o governo convocou especialistas para “ouvir os dois lados” sobre o tema. Favoráveis à vacinação muni- dos de uma pilha de estudos comprovando seus be- nefícios, estavam infectologistas, pediatras e socie- dades médicas. Contrário à medida, um corpo de profissionais sem experiência na área, amparando- -se em informações distorcidas ou mentiras para sugerir que as vacinas eram perigosas. Todo mundo é capaz de citar um boato, alguns até surreais, sobre a vacina da Covid, mas os ru- mores não afetaram tanto a população adulta, que aderiu a ela em peso, apesar de agora andar meio devagar com os reforços. Só que as crianças estão amplamente desprotegidas por causa de medos plantados na cabeça dos pais, inclusive por alguns médicos. Fato: as vacinas foram testa- das, são seguras, eficazes e diminuem o risco de morte e hospitalizações pela doença. Há evidên- cias sólidas disso, como uma revisão de 17 pes- quisas envolvendo mais de 10 milhões de crianças e adolescentes, recém-publicada no Journal of the American Medical Association (JAMA). Mas ainda se espalha por aí que as picadas cau- sam miocardite — inflamação do coração conside- rada uma reação muito rara e associada com mais frequência à própria Covid — ou mesmo que crian- ças estão morrendo “do nada” por causa delas. “A desinformação e a desconfiança atingem a classe médica, deixando as famílias inseguras”, diz o infec- tologista Renato Kfouri, da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). E ai de quem falar a favor das vaci- nas. Kfouri e outros médicos presentes na audiência tiveram seus dados pessoais vazados por políticos alinhados ao discurso antivacina e sofreram uma sé- rie de ameaças. Os pais que imploraram pela chega- da das vacinas pediátricas também foram persegui- dos. Na esteira da polarização ideológica, as vacinas viraram munição nas trincheiras da internet. Em 2021, a hesitação vacinal em relação à Covid era baixa, cerca de 10%, mas entre os homens era maior, 14% No último inquérito vacinal, a cobertura das vacinas infantis na classe A caiu de 76% em 2007 para 30% em 2021 Feitas rápido demais Nenhuma etapa dos testes clínicos foi pulada e as tecnologias por trás das vacinas — incluindo a de mRNA — já eram estudadas há anos. O que espalham São várias categorias de desinformação, mas em geral elas se apoiam em fatos distorcidos, tirados do contexto ou mentiras deslavadas mesmo. Fo nt es : G us ta vo C ab ra l, im un ol og is ta d o In st itu to d e Ci ên ci as B io m éd ic as d a U SP ; A dr ia na Il ha d a Si lv a, e x- co or de na do ra d o La bo ra tó rio d e In te rn et e C ul tu ra (L ab ic ) d a U ni ve rs id ad e Fe de ra l d o Es pí rit o Sa nt o e at ua l c he fe d e ga bi ne te d a Se cr et ar ia d e V ig ilâ nc ia e m S aú de e A m bi en te d o M in is té rio d a Sa úd e V E J A S AÚ D E M A R Ç O 2 0 2 3 3 1 Br as il R ev ist as O PLANO DE RETOMADA O que contempla o novo movimento de vacinação encabeçado pelo governo Vacinação Um programa capitaneado pela Fiocruz atua em três eixos, sendo o primeiro o apoio técnico a municípios na infraestrutura e no treino de profissionais. A volta do Zé Gotinha O icônico personagem foi resgatado pelo Ministério da Saúde para mobilizar a população. Políticos e celebridades se vacinando devem voltar a aparecer por aí. Sistemas de informação A ideia é integrar, otimizar e disponibilizar bases de dados dos municípios, pois o registro das doses aplicadas é hoje um dos desafios do PNI. Busca ativa A iniciativa de ir até a casa das famílias com atrasos no preenchimento da carteirinha está sendo apoiada pela Unicef em 2 mil municípios. Comunicação e educação O governo propõe ações para mobilizar diferentes setores da sociedade em prol da vacinação e produz conteúdos próprios esclarecendo dúvidas sobre o tema. Postos de vacinação em shoppings Durante a pandemia, eles se tornaram comuns. Agora, essa iniciativa pode ser expandida para outras vacinas infantis em baixa, por que não? PNI agora é departamento O Departamento Nacional de Imunizações promete uma estrutura que permitirá mais autonomia e recursos para atuar nas múltiplas necessidades atuais. PELA RECONQUISTA DAS ALTAS COBERTURAS VACINAIS OUTRAS TÁTICAS Br as il R ev ist as O pediatra americano Peter Hotez, codiretor do centro de desenvolvimento de vacinas do Texas Chil- dren Hospital, acompanha há décadas o movimento antivacina, desde que sua filhafoi diagnosticada com autismo nos anos 1990. A condição é frequentemen- te associada aos imunizantes devido a um estudo fraudulento, conduzido por um médico cassado que lucrou com processos e queria vender suas próprias vacinas contra o sarampo — tudo bancado por famí- lias em busca de indenizações da indústria farmacêu- tica. Hotez, que participou do desenvolvimento e da distribuição de 100 milhões de frascos contra a Co- vid-19 nos EUA sem receber nenhum centavo da “big pharma”, vê um aumento sem precedentes de mensagens levantando dúvidas e falácias a respeito. “Há dez anos, a pauta passou a ser usada por mo- vimentos de extrema direita, se apoiando no concei- to de ‘liberdade individual’ ou ‘liberdade médica’”, comenta o especialista. Ele conta que, nos Estados Unidos, mais de 200 mil pessoas morreram mesmo depois que as vacinas da Covid chegaram, a maioria em estados com governos e populações reticentes à vacinação. “O movimento anticiência hoje mata mais do que as armas e os acidentes de carro por aqui, mas ainda não o olhamos como uma ferra- menta letal. E isso tem se expandido para o resto do mundo, inclusive no Brasil”, alerta Hotez. Eu sei, estamos cansados de falar de política, e esse nem é o foco desta publicação. Mas ela é um ponto nevrálgico para melhorar a confiança dos brasileiros nas vacinas. “Como médico, é a coisa mais difícil me posicionar politicamente, pois fomos treinados para a neutralidade, mas isso é um resquí- cio da mentalidade de que a ciência está em uma torre de marfim. Precisamos demolir essa torre para salvar vidas”, acredita Hotez. Ao que tudo indica, os porta-vozes nacionais do movimento antivacina são poucos e estão perdendo engajamento com o fim do apoio federal. Mas ainda fazem barulho e estão or- ganizados, atestam os cientistas que pesquisam es- sas redes. “É mais fácil combater o problema agora, na raiz, do que esperá-lo crescer como em outros países”, diz a epidemiologista Denise Garrett, vice- -presidente do Sabin Vaccine Institute, nos EUA. A desinformação se alastrou em cima das doses de Covid, porém as narrativas assustadoras e desco- ladas da realidade se espraiaram para outros imuni- zantes — às vezes para a classe inteira. “Minha preo- cupação é que o que começou com o coronavírus contamine a visão sobre outras vacinas”, desabafa Hotez. Nos grupos que atuam contra a vacinação, pi- pocam desde a velha história da relação com o autis- mo a mentiras sobre a picada contra a gripe. E, quan- do não vemos mais as doenças combatidas pelos imunizantes, como no caso da pólio, o risco de um evento adverso da vacina pesa mais do que o benefí- cio na hora de levar o filho ao postinho. Podemos di- zer, nesse caso, que a desinformação é um mercado que segue a lei da oferta e da demanda. “A população tem demanda por esclarecimentos que nem sempre chegam a ela, e há uma oferta sistemática de infor- mações falsas propositalmente espalhadas para ge- rar desconfiança”, interpreta o cientista de dados João Guilherme, pesquisador no Instituto Nacional de Ciência & Tecnologia em Democracia Digital, que participou de análises sobre o assunto. As mensagens são transmitidas feito vírus e cria- das sob medida. Para quem tem religião, a vacina en- trega o “chip da besta”; para os mais céticos, a isca são textos cheios de termos técnicos; para os afeitos às te- orias da conspiração, existe um plano de dominação mundial. Na tela do celular, pessoas comuns, que nem sequer são antivacina, se assustam com o perigo iminente. Por trás disso tudo, há um balaio que inclui atores políticos e profissionais de saúde vendendo “cursos” e “terapias de desintoxicação”. Nesse univer- so paralelo, tem até uma falsa síndrome pós-vacinal, muito parecida com o pós-Covid — esse sim, um pro- blema real e evitável com a vacina. E essas coisas acontecem debaixo dos olhos do próprio Conselho Federal de Medicina (CFM), que, em pleno 2023, ain- da realiza audiências para questionar a obrigatorieda- de da imunização contra Covid e nada faz para punir quem dissemina esse tipo de conteúdo. Procurado pela reportagem, o órgão não se manifestou. Mobilização “antiantivacina” A OMS coloca a hesitação vacinal, a demora ou relu- tância em se imunizar, como uma das maiores amea- ças à saúde da humanidade e a explica por meio de três Cs. Primeiro, a complacência, quando não há a percepção do risco de deixar de se imunizar; depois, a conveniência do acesso; e, por fim, a confiança, abalada durante a pandemia. “Agora estamos falan- do em mais 2 Cs, a comunicação, que deve ser mais empática, e o contexto cultural e socieconômico em que a hesitação ocorre”, revela Kfouri. Diante do ta- manho do desafio, as ações do Ministério da Saúde não bastarão para resgatar o senso de importância e urgência das vacinas. Será preciso formar e capacitar melhor médicos e outros profissionais de saúde — que nem sempre estudam o tema a contento nas fa- culdades ou se atualizam a respeito — e mobilizar as big techs (Google, Facebook, Twitter...) e a imprensa, que também virou alvo de uma crise de confiança nos últimos tempos. V E J A S AÚ D E M A R Ç O 2 0 2 3 3 3 Br as il R ev ist as Quando fatos não mudam opiniões, talvez seja preciso reconquistar a confiança por outras vias. Por exemplo: e se a jornalista não fosse eu, um ente mis- terioso, mas seu neto, vizinho ou colega da igreja? Essa é uma das apostas da Fiocruz dentro do projeto Pela Reconquista das Altas Coberturas Vacinais (PRCV). Realizado em parceria com a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), ele envolve, em primeiro lugar, a atuação na própria vacinação, apoiando municípios para resolver problemas de in- fraestrutura e capacitação profissional. As ações co- meçaram a ser executadas no ano passado em dois estados piloto, Amapá e Paraíba, que estavam com as coberturas em níveis preocupantes. E consegui- ram elevar em poucos meses o nível de proteção da população. “Os dois foram os únicos estados que ba- teram a meta da poliomielite”, celebra a médica Lur- dinha Maia, a coordenadora do projeto da Fiocruz. Agora, o PRCV parte para outro eixo importante, a comunicação, por meio de ações inovadoras que fu- rem a “bolha”, termo usado para descrever as redes digitais e sociais em que as pessoas compartilham in- formações. Fui à Paraíba em fevereiro para acompa- nhar uma dessas frentes, a ação Jovens Repórteres. A ideia é treinar adolescentes de comunidades carentes de João Pessoa para produzir conteúdo sobre a im- portância da imunização e disseminá-lo entre seus próprios círculos. Ou seja, furar a bolha com alguém que já está na bolha. “Queremos chegar aos grupos das famílias, dos bairros, das igrejas e do trabalho”, vislumbra Isabel Cristina Alencar de Azevedo, líder do eixo de comunicação e educação do projeto. Em parceria com a Central Única das Favelas (CUFA), a equipe montou um workshop de três dias com 30 jovens de nove comunidades da cidade. Uma turma diversa: evangélicos, mães adolescen- tes, calouros de faculdade, meninos tímidos, meni- nas com ares de influenciadoras digitais... Eles aprenderam conceitos como imunidade coletiva e responsabilidade social, as raízes da desinformação e como produzir conteúdo audiovisual com o celu- lar. Também conversaram com autoridades de saú- de na cidade e, findo o treinamento, vão elaborar conteúdos regulares com o auxílio de uma bolsa e um smartphone. Acompanhei de perto uma dessas turmas, da comunidade Muçumagro, composta de cinco jovens, criativos e inspiradores, cuja história é apresentada em um vídeo que acompanha esta re- portagem no site de VEJA SAÚDE. Assim que os conheci, eles já quiseram sair pelas ruas conosco para ouvir a opinião dos vizinhos de Muçumagro sobre os imunizantes. De câmera e gra- vador na mão, escutamos de tudo: do homem que infartou e atribuiu aquilo à vacina ao sujeito que não precisa se proteger porque “tem Deus no coração”, passando pela mãe que não consegue vacinar
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