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Práticas abusivas As práticas abusivas são interpretadas de maneira genérica para que nada escape, englobando as condutas que afrontem a principiologia e a finalidade do sistema protetivo do Código de Defesa do Consumidor, bem como aquelas que se enquadrem na figura do abuso de direito disposto no art. 187 do Código Civil de 2002, o que é lembrado na página 88 do livro de Cavalieri Filho. É preciso ressaltar que os comportamentos, pela sua simples existência no mundo das coisas, são considerados como atos ilícitos. Portanto, é dispensada a necessidade de lesão ao consumidor para sua caracterização. As práticas abusivas são uma desconformidade com os padrões de boa conduta em relação ao consumidor. A concorrência desleal, mesmo que tenha reflexos indiretos na proteção ao consumidor, não é considerada prática abusiva pelo Código de Defesa do Consumidor, que apenas considera aquelas que, de modo direto, afetam o bem-estar do consumidor, segundo exposto nas páginas 515 e 516 do livro de Grinover. O Código de Defesa do Consumidor de forma ilustrativa descreve, nos artigos 39, 40 e 41, algumas dessas práticas abusivas que podem ter natureza contratual ou extracontratual, antes, durante o processo de formação, na execução do contrato ou mesmo após o seu término. Contudo, Cavalieri Filho salienta que tal entendimento está pacificado após alteração no art. 39 da Lei 8078/90 pela Lei 8.884/98, que incluiu na redação do artigo em comento a expressão “dentre outras”. As práticas abusivas são objetos de sanções administrativas, de acordo com o disposto no Decreto 2181/97, que organiza o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor e estabelece as normas gerais para aplicação dessas sanções de natureza administrativa. A publicidade é a forma para chamar o consumidor a participar do mercado de consumo e acompanhar a evolução da tecnologia. Figura 2. Ilustração do processo de compra, com a publicidade no início do processo. Fonte: Shutterstock. Acesso em: 28/09/2020. (Adaptado). O Código de Defesa do Consumidor disciplina a publicidade com princípios norteadores que visam evitar a exposição do consumidor a lesões. O princípio da identificação da publicidade está previsto no art. 36, caput, da Lei 8078/90, e seu objetivo é garantir que o consumidor saiba ser alvo de um evento publicitário. Toda publicidade deve ser notória e, dentre os princípios da publicidade, estão os princípios da vinculação contratual da publicidade, da transparência da fundamentação, da correção do desvio publicitário e da boa-fé objetiva que, mesmo não sendo específico da publicidade, norteia todo o sistema de defesa do consumidor. Proteção contra publicidade enganosa ou abusiva O princípio da veracidade da publicidade é consagrado pela proibição da veiculação de informações não verdadeiras ou que levem o consumidor a erro, conforme disposto no art. 37, §1°, da Lei 8078/90. Ligado ao princípio da veracidade, está o princípio da não abusividade da publicidade, já que, enquanto a propaganda enganosa não é verdadeira e induz o consumidor a erro, a propaganda abusiva viola os valores da sociedade, como a moral e os costumes, conforme o art. 37, §2°. Proibição de cláusulas abusivas Nos termos do art. 51, as cláusulas abusivas são nulas de pleno direito. A equidade presente no art. 4° impõe o equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores, com uma função integradora e corretiva. Em sua primeira função, ela é usada para que o juiz use a equidade para solucionar o caso, na presença de lacuna na lei. Nesse caso, a solução do caso corresponde a uma ideia de justiça na consciência média. Já a função corretiva permite uma relação de igualdade e equilíbrio entre as partes Princípio da conservação Não se nega a importância da relação contratual. Em alguns casos, é possível conservá-lo mesmo com vícios, defeitos, ineficácia, descumprimento ou alteração econômica que prejudique o contrato estabelecido. Parte da doutrina identifica o princípio da conservação como uma maneira de concretizar a função social do contrato, enquanto outros o correlacionam ao princípio da boa-fé e seus deveres correlatos. A eficácia atribuída a certos contratos, apesar das irregularidades, demonstra que o direito procura evitar a declaração de nulidade quando possível. Não se ignora o respeito aos limites impostos à autonomia privada, porém, se aproveita o negócio jurídico celebrado e se atenta à intenção negocial manifestada pelas partes. Assim, o princípio da conservação é a consequência necessária do fato do ordenamento jurídico, pois, ao admitir a categoria de negócio jurídico, está implicitamente reconhecendo a utilidade de cada negócio concreto, segundo Azevedo escreveu na página 65 do livro Negócio jurídico: existência, validade e eficácia, de 2000. A intenção manifestada pelas partes é elemento central, todavia, deve estar aliada à ideia de que a manutenção do vínculo contratual é socialmente útil e atende aos critérios de função social do contrato, bem como aos princípios e garantias constitucionais correlatos. A aplicação prática desse princípio perpassa por tornar mais difícil a anulação do negócio ou até a própria adaptação e revisão do contrato. A intepretação clássica do princípio da conservação é como uma construção interpretativa, vista como alternativa à anulação do negócio, como quando os contratantes confirmam um negócio jurídico expressa ou tacitamente anulável, a chamada ratificação. Outra hipótese é a redução, em que a nulidade ou anulabilidade de parte do negócio jurídico não desvirtua as demais. A garantia, descrita no art. 6°, inciso V, da Lei 8078/90, inclui o princípio da conservação do contrato, ainda que implícito. É o que se depreende de uma interpretação sistemática do Código, posto que há permissão, no art. 51, §2°, para a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais e do direito de revisão de cláusulas em virtude de fatos supervenientes que as tornem onerosas. Ambas as previsões corroboram o intuito na conservação do negócio jurídico firmado entre as partes. Outro ponto importante é a reflexão sobre os termos escolhidos pelo legislador. A opção pela palavra “modificar”, no inciso V, art. 6°, parece adequada à ideia de “salvar”, “sanar”, reconstruir o que pode ser sanado. A desproporção do contrato não é presumida de maneira absoluta como abusiva. É, porém, de acordo com registrado na página 1052 do livro de Marques: imperativamente e presumidamente controlável pelo magistrado, que a pedido do consumidor ou de um de seus legitimados, e a critério do magistrado, se houver exagero ou vantagem exagerada, a controlará (MARQUES, 2016). A declaração de nulidade guarda conexão ao direito básico da efetiva e integral reparação dos danos na sociedade de consumo. Modificação das cláusulas com prestações desproporcionais A modificação das cláusulas previstas no art. 6°, Inciso V, é uma exceção ao sistema de nulidade absoluta de cláusulas e permite ao juiz a modificação ou revisão das cláusulas que estabeleçam prestações desproporcionais ou que sejam excessivamente onerosas em razão de fatos supervenientes nos negócios jurídicos a pedido do consumidor. Ao Poder Judiciário é facultada a modificação de cláusulas, inclusive as alusivas aos preços ou qualquer outra que se caracterize pela desproporcionalidade, isto é, que acarretem algum desequilíbrio de direitos e obrigações entre as partes do negócio jurídico. Essa modificação significa uma interferência na vontade das partes pelo Estado com o objetivo de impor um equilíbrio contratual, de acordo com a página 1053 do livro de Marques. Modificar uma cláusula contratual por considerá-la abusiva ou substituir o seu conteúdo pelo previsto no texto legal é integrá-lo aos princípios da boa-fé e equilíbrio contratual. É interessante ressaltar que o Código de Defesado Consumidor permite a alteração mesmo nas cláusulas relacionadas ao preço. A sanção da nulidade absoluta em relação ao preço torna necessário que o juiz atue de maneira excepcional, porque não há nenhuma regra supletiva apta a preencher essa lacuna. A revisão do preço se dá em razão de fato superveniente, quando uma cláusula que era equitativa se torna onerosa. A revisão é unilateral porque é admitida somente para o consumidor, tendo em vista que está disposta em artigo que disciplina os direitos básicos do consumidor. O art. 6°, inciso V, da Lei 8078/90, não exige que o fato superveniente seja imprevisível ou irresistível, exigindo somente a quebra da base objetiva do negócio jurídico. Ou seja, conforme relatado por Marques, “a quebra de seu equilíbrio intrínseco, a destruição da relação de equivalência, o desparecimento do fim social do contrato”. Não se trata da cláusula rebus sic stantibus, cujo pressuposto consiste no fato de que as partes não tinham condições de prever, no momento da assinatura do negócio jurídico, os acontecimentos que causaram o desequilíbrio. A alteração do contrato no futuro tem como base a impossibilidade de, no passado, prever tais acontecimentos. As características da relação de consumo e de contratos demandam a inexigibilidade de que o fato superveniente é imprevisível ou irresistível. O fornecedor assume o risco de seu negócio e detém o conhecimento técnico para ofertá-lo ao mercado. Nas páginas 131 e 132 de seu livro, Nunes acrescenta que os contratos nas relações de consumo são de adesão. A aplicação da teoria da quebra da base objetiva do negócio foi e é objeto de muitas demandas judiciais. Em 1999, com a liberação do câmbio, muitos contratos antes corrigidos por moeda estrangeira sofreram acréscimos que tornaram as prestações onerosas aos consumidores, acarretando na necessidade de revisão. Os contratos bancários são outro exemplo em que a revisão das cláusulas contratuais passa pelo crivo judicial. Prevenção e reparação de danos materiais e morais O Código de Defesa do Consumidor prevê como regra fundamental a reparação integral dos danos, assegurando aos consumidores a efetiva prevenção e reparação dos danos suportados, sejam materiais, morais, individuais ou coletivos. A efetividade do Código de Defesa do Consumidor consubstanciada no art. 6°, inciso VI, encontra em primeiro lugar a prevenção. A prevenção aos danos é realizada por políticas de conscientização e medidas para evitar propagação de lesões e prejuízos aos consumidores, se iniciando com atitudes próprias dos fornecedores, como o recall. O poder público exerce papel fundamental na prevenção aos danos, conforme demonstra o art. 55 da Lei 8078/90. A prevenção depende também de educação, orientação e informação aos consumidores e fornecedores. Também podem ter esse papel a criação de deveres aos fornecedores, a restrição à autonomia da vontade ou a intervenção, sempre que necessária, para restabelecer o equilíbrio da relação jurídica, sem esquecer da reponsabilidade dos fornecedores pelo descumprimento dos preceitos legais. A prevenção é mais eficaz se realizada através de tutela administrativa, mas as medidas judiciais não estão de todo excluídas. A garantia da plena reparação dos danos perpassa pela impossibilidade de indenização tarifada. A rigor, o enunciado n. 550 do CJF/STJ, aprovado na IV Jornada de Direito Civil em 2013, prevê que “a quantificação da reparação dos danos extrapatrimoniais não deve estar sujeita a tabelamento ou a valores fixos”. Cláusulas contratuais que estabeleçam limites para as indenizações por danos morais ou materiais são consideradas nulas, como determina o art. 6°, VI, bem como o art. 51, I, da Lei 8078/90. A reparação pelos danos materiais é tarefa relativamente fácil, de acordo com a página 92 do livro de Cavalieri Filho. Basta a comprovação da ocorrência e extensão, o que não se pode afirmar quanto à reparação pelos danos morais. Porém, o Código de Defesa do Consumidor, no intuito de tornar seus preceitos eficazes, dota os consumidores, sobretudo os organizados, com os instrumentos processuais modernos para que se dê a prevenção e a reparação dos danos, segundo Grinover. A existência das tutelas dos chamados “interesses difusos” dos consumidores, dos “interesses coletivos” propriamente ditos e dos “individuais homogêneos de origem comum” são um exemplo dessa modernidade e preocupação com a eficácia. Adequada e eficaz prestação de serviços públicos O poder público, quando produtor de bens ou prestador de serviços remunerados – não mediante atividade tributária – por tarifas ou preços públicos, está sob o âmbito de incidência do Código de Defesa do Consumidor, conforme determina o art. 22 da Lei 8078/90. O regime de concessão ou permissão, previstos no art. 175 da Constituição, é disciplinado pela Lei 8987/95, que em seu capítulo II trata dos “serviços adequados”. O art. 6° da Lei 8987/95 estabelece que toda a concessão ou permissão pressupõe o atendimento adequado do usuário e caracteriza o serviço adequado como aquele que satisfaça as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas. A atualidade é a modernidade das técnicas, do equipamento e das instalações, sua conservação, bem como a melhoria e expansão do serviço. A lei traz ainda a previsão de que não se caracteriza como descontinuidade do serviço a interrupção em situação de emergência, após prévio aviso nos casos de razões de ordem técnica ou de segurança das instalações ou por inadimplência do usuário, considerado o interesse da coletividade. O capítulo III da Lei 8987/95 orienta os direitos e deveres dos usuários, dentre os quais destaca-se o de receber serviço adequado. A eficiência na prestação do serviço não é um adicional, mas sim um dever. Além de adequado aos fins que se destina, deve ser de fato eficiente e funcionar a contento. A doutrina e a jurisprudência têm enfrentado o tema de corte de fornecimento de serviços essenciais em caso de inadimplência com alguma frequência. O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.270.339, entendeu ser legítima a interrupção do fornecimento de energia elétrica por questões de ordem técnica, de segurança das instalações ou por falta de pagamento por parte do usuário, desde que o devido aviso prévio tenha sido realizado. A jurisprudência do Tribunal prevê três cenários para o corte de energia por falta de pagamento: O consumo regular, a simples mora do consumidor; A recuperação de consumo por responsabilidade atribuível à concessionária; A recuperação de consumo por responsabilidade atribuível ao consumidor, fraude no medidor de energia. Em relação à última hipótese, o Superior Tribunal de Justiça veda o corte no fornecimento de energia se a fraude for detectada unilateralmente pela concessionária, mas se o débito anterior decorrente da fraude for apurado, com o respeito ao contraditório e à ampla defesa, é possível a suspensão. Responsabilidade solidária O § único do art. 7° da Lei 8078/90 estabeleceu o princípio da solidariedade legal quanto à responsabilidade pelos danos causados ao consumidor, que é de todos os partícipes pelos danos causados. A consequência prática dessa previsão legal é que o consumidor que sofre dano moral ou material pode escolher a quem acionar, se a um ou a todos. A solidariedade impõe a qualquer um dos responsáveis o pagamento pelo todo do dano. A regra da responsabilidade solidária é objeto de disciplina expressa do Código de Defesa do Consumidor nos art. 18 no caput do art. 19, nos § 1° e § 2° do art. 25, no § 3° do art. 28 e ainda no art. 34, o que denota que a responsabilidade solidária, seja por vício ou por defeitos, sempre se dá no sistema do Código de Defesa do Consumidor.
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