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A relação jurídica de consumo A relação jurídica, em sentido amplo, consiste em um vínculo entre pessoas, em razão da qual uma pode pretender um bem que a outra parte é obrigada. Só há relação jurídica se o vínculo entre as pessoas estiver regulado por norma jurídica com o objetivo de proteção. Quando adaptados esses conceitos à relação jurídica de consumo, se verifica a existência de uma relação entre um sujeito ativo, titular do direito, e um sujeito passivo, que tem um dever jurídico e se coaduna com os elementos que concebem o fornecedor de produtos e/ou prestador de serviços de um lado e o consumidor do outro. Na maioria das vezes, entre os elementos estão direitos e deveres recíprocos, posto que as hipóteses em que há proporcionalidade das prestações prevalecem nas relações de consumo. Quanto aos elementos objetivos que formam a prestação na relação de consumo, nos termos do art. 3° do Código de Defesa do Consumidor, eles são definidos como o produto e o serviço. O fato capaz de gerar consequências para o plano jurídico, ou seja, aquele ao qual a norma jurídica dá a função de criar, modificar ou extinguir direitos, tem o condão de vincular os sujeitos e de submeter o objeto ao poder da pessoa concretizando a relação, com o negócio jurídico guiado pela autonomia privada, consoante com o dito nas páginas 515 a 517 do Compêndio de introdução à ciência do Direito, escrito por Diniz e cuja 21ª edição foi lançada em 2010. Normas de defesa do consumidor frente ao consumidor por equiparação O caput do art. 2° da Lei 8078/90 estabelece que “consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. A noção subjetiva de consumidor é aquela em que a proteção ao consumidor é pensada na proteção do não profissional que se relaciona com um profissional, comerciante, industrial ou profissional liberal. Sob essa noção estariam excluídos da proteção normativa os contratos concluídos entre dois profissionais. No entanto, o Código de Defesa do Consumidor preferiu a adoção da definição objetiva em que a expressão “destinatário final” deve ser compreendida como aquele que retira o bem do mercado ao adquirir ou simplesmente utilizá-lo, isto é, aquele que encerra a cadeia de produção ou não adquire o produto ou serviço para revenda, mas para uso pessoal, “porque o bem seria novamente um instrumento de produção cujo preço será incluído no preço final do profissional que o adquiriu”, de acordo com o relatado no livro Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações contratuais, escrito por Marques e cuja 8ª edição foi lançada em 2016. Nesse contexto, o destinatário final é aquele destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja uma pessoa física ou jurídica. Para os finalistas, o consumidor adquire ou utiliza um produto ou serviço para uso próprio e de sua família. A restrição à aplicação das normas de defesa do consumidor é justificada, da mesma forma, pela maior necessidade de proteção à parte mais fraca da relação de consumo. A essa inicial interpretação, mais restritiva, os finalistas acabaram por evoluir a uma posição mais branda reconhecendo a aplicação das normas do Código de Defesa do Consumidor às pequenas empresas e profissionais que adquirem produtos e serviços fora de seu campo de especialidade. Diferente da teoria finalista, a teoria maximalista amplia o conceito de consumidor e a própria construção da relação de consumo. Para os maximalistas, as normas do Código de Defesa do Consumidor devem ser aplicadas a um número cada vez maior de relações de consumo. Portanto, o destinatário final seria o destinatário fático, que retira o produto ou serviço do mercado e o consome. Esses embates tornaram necessária a construção de uma nova linha de interpretação. A teoria finalista aprofundada se concentra na figura do destinatário final imediato e da vulnerabilidade, descrita no art. 4°, I, da Lei 8078/90. Trata-se de uma “teoria finalista mais aprofundada e madura”, segundo Marques. Com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, a visão maximalista perde força e a tendência acentuada na jurisprudência é de reconhecimento do finalismo aprofundado. Na sistemática do Código de Defesa do Consumidor, a definição de consumidor se inicia no individual mais concreto – art. 2°, caput – e termina no art. 29, que indica o consumidor do tipo ideal, um ente abstrato e indeterminado. Entre as previsões, encontra-se o consumidor equiparado, que é, em verdade, uma “extensão do campo de aplicação”, de acordo com Marques, do Código de Defesa do Consumidor. Pessoas que mesmo não sendo consumidores stricto sensu podem “ser atingidas pelas atividades dos fornecedores no mercado”. Ausentes as características do consumidor, a posição preponderante do fornecedor e a existência de vulnerabilidade sensibilizaram o legislador. São equiparados ao consumidor a coletividade de pessoas que, mesmo que não sejam identificadas, tenham participado de alguma maneira da relação de consumo e sejam por ela afetadas. A esses potenciais consumidores, o legislador conferiu os instrumentos jurídicos necessários, inclusive processuais, para reparação dos danos pelos responsáveis. O parágrafo único do art. 2° da Lei 8078/90 não trata daqueles que sofreram danos, previsão contida no art. 17, que equipara a consumidores todas as vítimas do evento danoso. Nesta seção, é regulada a responsabilidade do fornecedor por fato do produto ou serviço e ainda por danos à saúde, à integridade ou ao patrimônio do consumidor, os chamados acidentes de consumo. O conceito de fornecedor O conceito de fornecedor está descrito no art. 3° da Lei 8078/90. O Código de Defesa do Consumidor não exclui nenhum tipo de pessoa jurídica, pois “busca todo e qualquer modelo”, de acordo com o exposto das páginas 93 a 95 do livro de Nunes, convencionando como fornecedores as pessoas jurídicas públicas ou privadas, nacionais e estrangeiras, com sede no País ou não, as sociedades anônimas, as por quota de responsabilidade limitada, as sociedades civis com ou sem fins lucrativos, as autarquias, as empresas públicas etc. O legislador optou por considerar todos que atuam nas diversas etapas do processo produtivo, mesmo os desprovidos de personalidade jurídica, como fornecedores, de maneira que é reconhecido como fornecedor qualquer um que ofereça produtos ou serviços no mercado de consumo e atenda às necessidades dos consumidores, sem se indagar a que título. EXPLICANDO Entes despersonalizados são aqueles que não são dotados de personalidade jurídica. Um dos exemplos é a Itaipu Binacional, um consórcio entre o Brasil e o Paraguai para a produção de energia elétrica e que tem regime jurídico sui generis. Outro exemplo é a massa falida, autorizada a continuar com as atividades de uma empresa sob o regime de falência. O Código de Defesa do Consumidor não exige de maneira expressa que o fornecedor seja um profissional, mas a possibilidade de vincular o conceito descrito no art. 3° a uma certa habitualidade está presente. No entanto, ser fornecedor de determinado produto ou serviço com habitualidade tem conotação profissional, levando a concluir que a ausência desse conceito não significa sua dispensa. Ser profissional está vinculado a uma especialidade, um conhecimento especial que abrange a atividade que se exerce ao mesmo tempo que denota a natureza econômica da atividade. Por ser atividade profissional, também é econômica, visto que o fornecedor a desenvolve com objetivo de obter vantagem econômica que não se confunde com lucro. É possível, mesmo a entidades sem fins lucrativos, apresentarem o requisito da contraprestação de remuneração. Outro elemento descrito na norma é o mercado de consumo, em consonância com § 2° do art. 3°. O conceito de mercado de consumo é fluido e pode ser descrito comoo ato de colocar em circulação produto ou serviço mediante o oferecimento a outrem. Na verdade, mercado é o lugar de desenvolvimento das atividades de trocas de produtos ou serviços mediante a oferta aos interessados, com objetivo de obtenção de vantagem econômica, bem como a satisfação de necessidades pela aquisição e utilização dos produtos e serviços pelos consumidores. O CONCEITO DE SERVIÇOS SERVIÇOS PÚBLICOS Aos prestadores de serviços, a definição do Código de Defesa do Consumidor é aberta para uma maior interpretação. O critério é o desenvolvimento de atividades de prestação de serviços, o próprio § 2°, do art. 3°, que determina que serviço é “qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração”, sem qualquer menção à habitualidade ou à necessidade de se tratar de um profissional. A possibilidade de enquadrar algumas universalidades, como associações desportivas e condomínios em edificações, desperta algumas indagações nos fornecedores de serviço, em especial se tais entes despersonalizados são enquadrados como fornecedores de serviços aos associados e condôminos. A questão se coloca frente ao disposto no § 1° do art. 52 da Lei 8078/90, que declara que a multa nos casos de mora passa a ser de 2%. Em relação às entidades associativas e aos condomínios em edificações, é preciso relembrar que seu fim e objetivo social é deliberado pelos próprios interessados, ou seja, sejam representados ou não por conselhos deliberativos, são órgãos deliberativos soberanos nas “sociedades contingentes”, relatadas por Grinover, de maneira que quem determina os destinos dessas https://sereduc.blackboard.com/courses/1/10.5798.159524/content/_8267146_1/scormcontent/index.html https://sereduc.blackboard.com/courses/1/10.5798.159524/content/_8267146_1/scormcontent/index.html sociedades são os próprios interessados, excluindo essas entidades da designação de fornecedor de serviços. Se as despesas ou contribuições sociais são decididas pelos órgãos deliberativos das sociedades em geral, ou pelos condôminos, não se caracteriza a prestação de serviços por terceiros no caso de inadimplência, uma vez que é a própria entidade que os presta. O mesmo não se pode considerar nos casos de entidade associativa que tem como fim a prestação de serviços de assistência médica, e, por isso, cobra mensalidades ou contribuições. Nesse caso, trata-se de fornecedor de serviços porque suas atividades não são de gestão da coisa comum, se revestem da mesma natureza das relações de consumo. Portanto, de um lado está a universalidade dos consumidores, cujo objeto é a prestação de serviço determinado por si ou por outrem e, do outro lado, aparece o fornecedor de serviços. OS SERVIÇOS PÚBLICOS O Código de Defesa de Consumidor faz menção expressa aos serviços públicos como objeto de relação jurídica de consumo, e, portanto, sob a égide da lei consumerista. No entanto, é preciso identificar, entre os serviços públicos, os que se encontram sob as normas de proteção ao consumidor. Qual recordado por Hely Lopes Meirelles na página 294 de Direito administrativo brasileiro, editado em 1995, embora tal conceito não seja unânime na doutrina nacional, serviço público pode ser conceituado como: todo aquele prestado pela Administração Pública ou por seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer necessidade essenciais ou secundárias da coletividade ou simples conveniências do Estado (MEIRELLES, 1995). Serviço público é a atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas usufruído singularmente pelos administrados. O Estado as assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça as vezes. O Brasil, a partir de 1990, passou por uma reforma com programas de desestatização e a delegação de serviços públicos a pessoas jurídicas privadas, o que modificou a relação existente entre os usuários dos serviços e os prestadores. Alguns foram objeto de delegação em regime de monopólio, como a energia elétrica. Outros, do regime da concorrência, como a telefonia. De certo, não são todos os serviços públicos que se subordinam às regras do Código de Defesa do Consumidor, sendo ele aplicado aos serviços públicos em que haja a presença do consumidor e do agente de uma relação de aquisição remunerada do serviço, individualmente e de modo mensurável – uti singuli. EXPLICANDO Segundo Hely Lopes Meirelles, serviços públicos uti universi são aqueles que a administração presta sem ter usuários determinados, para atender à coletividade no seu todo, como os de polícia, iluminação pública, calçamento e outros dessa espécie. Serviços públicos uti singuli são os que têm usuários determinados e utilização particular e mensurável para cada destinatário, como ocorre com o telefone, a água e a energia elétrica domiciliares. https://sereduc.blackboard.com/courses/1/10.5798.159524/content/_8267146_1/scormcontent/index.html A relação jurídica de consumo No Código de Defesa do Consumidor, não há qualquer definição de relação jurídica de consumo. Apesar da opção do legislador pelo conceito de consumidor e fornecedor como partes da relação jurídica, é preciso salientar que não há consumidor sem fornecedor, assim como não há fornecedor sem consumidor. Diagrama 2. Relação jurídica de consumo. Definidas as figuras do consumidor e fornecedor, para caracterizar a relação jurídica de consumo falta analisar o objeto da relação, em especial o produto. É comum que algumas empresas afastem a incidência do Código de Defesa do Consumidor sob a alegação de que sua atividade econômica não se adequa nem ao conceito de serviço, nem ao conceito de produto. Esse é o caso das instituições bancárias que, mesmo com previsão expressa de aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor às suas relações, propuseram ação direta de inconstitucionalidade, com vistas a declarar inconstitucional o art. 3°, § 2°. Produto é definido pela Lei 8078/90 como bem móvel ou imóvel, material ou imaterial, de modo que é aplicável o Código de Defesa do Consumidor a contratos imobiliários e a eles conexos – financiamento ou empréstimos para a aquisição de imóveis. Nesses contratos, aplicam-se as normas do Código Civil quanto às solenidades, às regras de transmissão da propriedade e as concernentes ao direito das coisas ligado ao conjunto normativo do Código de Defesa do Consumidor.