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IDÁL/0 VALADARES BAHIA FERNANDO TEIXEIRA GROSSI OSCAR A de ALMEIDA GIRINO Organizadores P/ICÓTICO/ E ADOLE/CENTE/: POR QUE /E DROGAM TANT01 CENTRO MINEIRO DE TOXICOMANIA BELO HORIZONTE 2000 facebook.com/lacanempdf Capa Wagner Alves Jr. (ACS/ fHEMIG) R!!vfsão dé _Port�gÚes Ficha catalográfica Impressão e Acabamento Gráfica.e Editora Cultura Lida Rué! Mag11óli<:1., 505 - Ped_ràU ºCc '·Oep 31230-060 �. El.�lo Horizonte - MG . . Télefax: (Oxx31) 411-?Ô?O _.r -:·.. . ., ·-\ .:·_:·· .• . . . "' Psicóticos e adolescentes: por que se drogam tanto? /ldálio Valadares Bahia - org .... [ et alJ._Belo Horizonte:Centro Mineiro de Toxicomania, 2000. 147 p. Bibliografia 1- Toxicomania 2. Psicanálise e adolescência 3. Psicoses. 1. Titulo. 11. Bahia, ldálio Valadares, org. f' 111. Grossi, Fernando Teixeira - org. IV. Girino, Oscar A. de Almeida - org. NWL WM270 WM200 Proibida a reprodução total ou parcial. Direitos reservados AGRADECIMENTO/ A todos os colegas do CMT que, de diferentes maneiras, contribuíram para a realização deste livro. Em especial, a Adelina Vieira Torres, Denise Aparecida T. Ramos, E/se Marques Moreira, Raquel Martins Pinheiro e Roney Pinto da Silva. JUMÁRIO Apresentação Capítulo 1 - Psicóticos e adolescentes: por que se drogam tanto? Abertura ...................................................................... 13 Oscar Cirino Intervenção ................................................................. 14 Sônia Alberti Intervenção ................ :.� .............................................. 20 Fernando Grossi Debate ........................................................................ 37 Capítulo 2 - Oficina clínica: Adolescência e Toxicomania O imaginário e a adolescência .................................... 45 Maria Wilma S. de Faria Comentário sobre o caso ............................................ 49 Vanilda Castro Debate ........................................................................ 50 Mais que uma simples indiferença .............................. 56 Cleyton Sidney de Andrade Debate ........................................................................ 60 Capítulo 3 - Oficina clínica: Psicose e Toxicomania Caso Alberto ............................................................... 69 ldálio Valadares Bahia Caso José ................................................................... 73 Eloísa H.de Lima Comentário sobre o caso Alberto ................................ 76 Fernando T. Grossi Comentário sobre o caso José .................................... 79 Simone Pereira Figueiredo Debate ............. : .......................................................... 80 O uso de drogas em um caso de psicose ................... 85 Ana Regina Machado PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- 7 -r-�,.::·:\r Comentário sobre o caso ............................................ 90 Eloísa H. de Lima Comentário sobre o caso ............................................ 91 Fernando T. Grossi Debate ........................................................................ 94 Um exibicionista que quer saber sobre seu gozo ........ 95 Sandra Mara Pereira Debate ...................................................................... 100 Capítulo 4 - Toxicomania & Adolescência A propósito da toxicomania .......................................... 106 Guy Clastres Os novos sint.omas e a segregação do inconscierite ........................................................ 108 Maurício Tarrab O adolesce_nte, a droga e o laço social do capitalismo .......................................................... 111 Oscar Girino Toxicomania: uma saída para os impasses da adolescência? ............................ : ......................... 117 Sandra Mara Pereira A adolescência e a toxicomania ............................... 121 Vicente Corrêa Júnior Sobre a entrada em tratamento dos adolescentes no CMT ............................................... 127 Ana Machado, Cleide Barcelos, Fabiana Teixeira, Mariana Caiaffa, Raquel dei Guídice Perfil epidemiológico dos adolescentes atendidos no CMT - período de janeiro de 1997 a abril de 1998 ............. 132 Carla Silveira Sobre os autores .......................................................................... 147 PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- APRE/ENTAÇÃO Este livro resulta, em grande parte, do trabalho realizado duran te a XII Jornada do Centro Mineiro de Toxicomania- CMT-, nos dias 25 e 26 de novembro de 1999. O tema dessa Jornada foi estabelecido a partir de uma constatação produzida pelo cotidiano de nossa clínica nos últimos anos: recebemos, cada vez mais, adolescentes e psicóticos para tratamento. De uma pergunta inicial - Psicóticos e adolescentes: por que se drogam tanto?- várias outras se desdobraram em nossas reuniões clínicas, ao longo de 1999. Os casos de psicose suscitaram questões relacionadas à função da droga articulada à estrutura: a droga como fator de desencadeamento e a droga como fator de moderação do gozo. Nos casos de sujeitos adolescentes foi possível pensar o uso da droga articu lado a uma exacerbação do imaginário, a um apelo à função paterna e, ainda, como modo de estabelecer um laço social. O segundo e terceiro capítulos do livro reproduzem o eixo de trabalho da Jornada, constituído pelas duas Oficinas Clínicas: Adoles cência e Toxicomania e Psicose e Toxicomania. Momento de discussão e construção dos casos conduzidos por colegas no CMT. Discussão e construção que pretenderam colocar em tensão a teoria e a prática ana líticas, numa dinâmica que permitisse a formalização e transmissão de uma experiência. Contamos, nos debates que foram integralmente trans critos, com as importantes contribuições de nossos convidados: Guy Clastres {Paris) e Sônia Alberti {Rio de Janeiro). Já o primeiro capítulo retoma a Mesa de Abertura da Jornada com as intervenções de Sônia Alberti, Fernando Grossi e o debate subseqüente. O último capítulo reune artigos que, apesar de não terem sidos produzidos para a Jornada, elaboram questões relacionadas à toxicoma nia e à adolescência. Esperamos que o livro consiga transmitir o clima de trabalho da Jornada, uma vez que buscamos, na posição de analisantes, circunscre ver o real da clínica, cernindo-o em termos de saber, a fim de que - parti cularmente diante de sujeitos adolescentes e psicóticos toxicômanos - não sejamos levados pela impotência, a considerá-los como objetos co nhecidos ou como objetos de conhecimento. Oscar Cirino 1 :, , .. : .. �-1�- · ... ·-�· P/ICÓTICO/ 'E ADOLE/CENTE/: POR QUE /E DROGA_M TANT07 . . ,,. MESA DE ABERTURA Convidados: Sôni? Albeiti e Fernando Gfossí Góordenação: Oscar Girino PJICÓTICOJ E ADOLEJCENTEJ: POR QUE JE DROGAM TANTO? ABERTURA Oscar Cirino É com satisfação que coordenarei essa mesa de abertura da XII Jornada do Centro Mineiro de Toxicomania (CMT). Enquanto as Jor nadas anteriores estabeleciam temas - como, por exemplo: A Entrada no Tratamento; A inibição, o Sintoma e a Angústia na Clínica das Toxico manias ou As Saídas Possíveis para a Toxicomania - e esses temas funcionavam como causa de trabalho para os colegas e convidados, a XII Jornada traz uma pergunta em seu título: Psicóticos e adolescentes: por que se drogam tanto? Poderíamos indagar se esse título, por ser uma questão, explicita, de forma ainda mais contundente, nossas dúvidas, incertezas e hesita ções com relação à clínica das toxicomanias. No entanto, ao formulá-la nossa resposta não é a inércia, a paralisia, mas o desejo de saber. Por outro lado, essa única pergunta poderia, perfeitamente, des dobrar-se em duas, uma vez que a conjunção aditiva "e" une uma estru tura clínica - a psicose - com uma noção, não especificamente psicana lítica, mas produto do discurso da ciência - a adolescência.Uma primeira resposta para o fato de termos unido, em uma mesma pergunta, essas duas noções, é que a equipe do CMT demons trou interesse em trabalhar esses dois eixos. Uma outra resposta possí vel é que constatamos, na clínica, que a adolescência é um momento privilegiado de desencadeamento das psicoses, especialmente da esquizofrenia. A pergunta-título da Jornada aponta também para algo da ordem do excesso, do gozo, com o tanto que a finaliza. À primeira vista, dizer que a adolescência é um momento privilegiado para o uso e abuso de drogas, não causa muita surpresa, pois tanto as pesquisas epidemiológicas quan to a fala dos nossos pacientes adultos confirmam essa idéia. Talvez o que cause maior estranheza esteja em formular essa pergunta para a psicose, apesar de sabermos dos efeitos e da aderência dos psicóticos a determi nados medicamentos, como os neurolépticos. Por outro lado, pensar a droga como algo que facilita o desencadeamento também já é algo corri queiro, mas e pensá-la como contribuindo para a estabilização? Ps,côTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- 13 :; �' .�.:'.t,�'.,� Por fim, retomando nossa pergunta-título, destaco que não uti lizamos "psicose" ou "adolescência", mas "psicóticos e adolescentes". Isso porque, apesar desses significantes continuarem funcionando como traços identificatórios, o privilégio do enfoque encontra-se no caso a caso, no um a um da clínica. Assim, nos interessa o Alberto, o José, o Jorge ou o Ricardo, cujos casos serão apresentados nas Oficinas clínicas. Diria também que esse é um traço identificatório das Jornadas do CMT - o privilégio da clínica, que nessa Jornada encontra nas Oficinas, uma nova modalidade de trabalho. INTERVENÇÃO Sônia Alberti Gostaria de iniciar esse trabalho com uma frase do texto "O surto esquizofrênico na adolescência" do livro Autismo e esquizofrenia na clínica da esquize, em que afirmava - a partir de um caso clínico de um sujeito que se encontra numa idade onde normalmente os sujeitos de nossa cultura estão passando pela adolescência - o seguinte: "Medicar a depressão na esquizofrenia é desconhecer o fato de estrutura de que nada remedeia a foraclusão" (p.120) 1 Tomo emprestado essa frase porque, de saída, levanta a questão da diferença entre fenômeno e estrutura. Além disso, não podemos deixar de observar que a medicação também é um meio possível de drogadição. É espantosa a freqüência cada vez maior da utilização da psicose em jovens pelo tráfico. Exemplos disso podem ser lidos nos jornais de grande circulação; como o noticiário sobre o recente crime no cinema em São Paulo, o assassinato do médico carioca há um ano - exemplos que são somente pontas de icbergs-para voltar a uma metáfora freudiana sobre o inconsciente. Fenomenologicamente, esses jovens podem ser ditos "drogaditos", mas de forma alguma esta fenomenologia é passível de dar conta da real questão desses sujeitos, pelo menos do ponto de vista da psicanálise. Na realidade, trata-se de sujeitos psicóticos, ou seja, sujei tos que têm - nas palavras de Freud - uma outra relação com a realida de; já que aquela que nós, normalmente, compartilhamos mais ou menos se quebrou para eles. Nas palavras de Lacan, são sujeitos que, ao se estruturarem como tais, prescindiram de uma das mais importantes refe- ' Alberti, S. (org.) Autismo e esquizofrenia na clínica da esquize. Rio de Janeiro, Marca d'Água Livraria, 1999. PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- rências que os neuróticos prezam sobremaneira: o significante do Nome do-Pai. Esta estaca - baliza simbólica - sustenta o sujeito; mesmo se em sua v!da vier a encontrar situações de enorme violentação. E porque eles não têm essa referência, é porque - como dizemos numa linguagem lacaniana-o Nome-do-Pai está foracluído na psicose; que esses sujeitos estão sempre na dependência de outra referência concreta, ficando assim impossibilitados de fazerem o trabalho da adolescência, que novamente conforme Freud-é o desligamento da autoridade dos pais. Na ausência destes, quer seja por falta de investimento, quer seja por excesso de trabalho, ou mesmo por abandono ( e há várias formas dele, como sabe mos), o jovem psicótico poderá encontr9r quem queira fazer de conta de substituí-los e que sempre terá suas intenções das quais sabemos também que elas dizem respeito aos interesses os mais diversos. Dentre eles, o lucro do tráfico -certamente não é o único (voltaremos a isso). A ADOLEJCÊNCIA. Digo que a adolescência é uma escolha do sujeito. Ele pode esco lher atravessá-la, mas pode também não escolhê-la. A única forma de con cebermos o sujeito como responsável na contramão que a psicanálise im põe à ideologia psico-jurídica do século XIX, é a de lhe atribuirmos a respon sabilidade pela escolha de sua doença, responsabilidade que, por exemplo, Althusser tanto pleiteou. Na mais perfeita tradição freudiana, o sujeito faz essa escolha subjetiva sem se dar conta de suas conseqüências - escolhe mos a doença, seja ela a neurose ou a psicose, sem contabilizarmos o preço que iremos pagar por essa escolha; aliás o sujeito se ilude, normal mente, de que não terá de pagar preço algum. Na realidade, a única forma de escolher sem ter que vir a pagar um preço depois, é a de pagá-lo de saída. A adolescência como escolha do sujeito implica pagar o preço do desligamen to dos pais, assumir que o Outro é barrado, castrado. Assim, não é possível pensar a adolescência sem referência à castração, porque o trabalho que adolescência representa é o da tentati va de elaborá-la de alguma forma: 1) Temos, por exemplo, os ritos iniciáticos dos primitivos ao pearcing passando pelo grafite: inscrições culturais -no corpo do sujeito e em seu mundo -que convertem a castra ção de maneira a procurar dar conta da angústia intrínseca .. a ela; PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- ii,;fi'6 . l��� 2) Temos o incremento das identifi cações ao outro, nos fenô menos que vão desde a moda, o maior ou menor cuidado com o corpo, até às disputas grupais: nos esportes, nos grupos minoritários, nos jogos, nas salas de chatda Internet; permitindo, às vezes mais, às vezes menos, velar a questão de que falta um significante no Outro. Se o neurótico teme realmente alguma coisa, explica Freud, essa "coisa" diz respeito à castração do Outro, ou seja, que há uma falha no Outro de forma que o sujeito não possa ser por ele sustentado. Objeto de estudo de vários de seus textos, a castração do Outro aparece sob a noção de "nostalgia do pai" em seu texto "Futuro de uma ilusão"(1 927) 2 , em que Freud mostra como é importante para o sujeito acreditar que há algo que o sustente, · importância que seria a razão de exist i r, por exem plo, da religião - a que atribui uma consistência ao pai. Como digo em meu texto "A vacilação do parceiro na adoles cência" ( 1 999)3 - originalmente apresentado em Toulouse (França) - a castração do Outro implica que, no fundo, é o simbólico o único que pode sustentar a existência do sujeito no Outro. Mas, como o simbólico não dá conta de tudo, como falta sempre um significante, falta algo que sus tenta o sujeito. O sujeito só é sustentado pelo simbólico, de resto falta sustentação Quando falta essa sustentação simbólica, temos a psicose - voltaremos a isso. A adolescência é um trabalho de elaboração da falta no Outro e muitas vezes, apesar de ter escolhido fazer esse trabalho, o sujei to en contra muitas dificuldades e pode acabar escolhendo a preguiça. Duas vicissitudes imediatas: a covardia - e com ela a depres são - e a inibição, que é, normalmente, acompanhada pela covardia; ou então, o sujeito, com a inibição, acaba por meter os pés pelas mãos. O adolescente pode ser assistido: - na relação com oS"mestres, - pelo psicanalista. No primeiro caso, o que vemos? Normalmente um sujetto que, de parando-se com a inconsistência do Outro, desespera-se e buscareafirmá-la 2 Freud, S. (1 927) "Die Zukunft einer ll lusion" in Studienausgabe. Frankfurt, S. Fischer, v. 9. 3 Alb e rti , S . "La vaci l lation du partenaire à l 'adolescence" in Trefle - Bulletin de l'Association Freud avec Lacan Toulouse, nº 2, pp. 63-79. P SICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- a qualquer preço. Já tive a ocasião de exemplificá-lo na relação com os pais: o adolescente precisa dos pais. Para separar-se deles - e lembre mos que Freud já dizia que este é o maior trabalho da adolescência - é fundamental que os pais não se separem do adolescente antes. Ou seja, que os pais não duvidem de sua função junto a seus filhos adolescentes pois, por mais que estes os contradigam, eles só estão se exercitando nesse novo lugar de filhos que poderão prescindir dos pais porque já os internalizaram. Se os pais crêem que o filho já não os ouve e por isso largam mão dele, se eles cessam de ainda tentar afirmar seu filho com o desejo que sempre os fez sustentá-lo, então o filho já não poderá exerci tar-se aí e o primeiro movimento é o de buscar, a q ualquer preço, a pre sença desses pais, normalmente num movimento que se convencionou identificar como o de "chamar a atenção" . O caso de Sérgio (17 anos), publicado em O brilho da infelici dade, é um claro exemplo disso, só que neste caso o pai não pode, justamente, ouvir (Alberti, 1998, pp. 125-133)4 • PnCOJE Dentro da psicose, a posição mais radical que o sujeito pode assumir é, certamente, a que Eugen Bleuler batizou de esquizofrenia, em · . . }.·.·�·®·YJ�:.: que, como disse Lacan, "o sujeito é sem o socorro de nenhum discurso . . estabelecido". Donde também falta a dimensão do apelo, tão comum nas multifacetárias "atuações" de nossos adolescentes. O sujeito psicótico, que tem crises na idade em que normal mente os sujeitos são adolescentes, está tão submetido ao Outro que não tem a menor idéia de como poderá se separar dele um dia. As tenta tivas são tão variadas . . . e jamais desembocam em qualquer pista para uma possível saída. No livro Autismo e esquizofrenia na clínica da esquize, no texto "O surto esquizofrênico na adolescência" observo: "Normalmente são os próprios pais que já não suportam mais o estado em que seu filho se encontra e por isso procuram um analista. É mesmo surpreendente o quanto suportam até procurá-lo ou até se perguntarem se não há algo ali que transcende os conflitos familiares normais da adolescência"(op.cit, p. 1 19). Se o adolescente faz um trabalho frente à perda da autoridade dos pais, o sujeito psicótico não pode fazer esse trabalho por causa da 4 Alberti , Sonia. "Adolescência e droga : um caso", in: O brilho da (in)felicidade. Rio de Janeiro, Contra Capa Livraria, 1 998. PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- ;;)\;1.ª �� foraclusão do significante do Nome-do-Pai que sustenta aquela autorida de. Enquanto que o adolescente, ancorado no significante, elabora aos poucos a fragil idade daquela autoridade, o psicótico não pode elaborá- la. "Na impossibilidade de lançar mão do Nome-do-Pai, nesse mo mento tão decisivo que é a adolescência, o sujeito procura reconstituir a consistência imaginária da autoridade dos pais, razão pela qual , na cl íni ca da esquizofrenia na adolescência, observamos que o sujeito se sub mete com extrema facilidade à autoridade dos pais - ou de quem os substitui - q uando já não sabe o que fazer''(idem, p.1 23 ). É uma tentativa de restabelecer algum investimento e alguma consistência que faz o sujeito psicótico atribuir ao outro uma proximida de. Esta, no máximo, se dará nos moldes narcísicos, e no melhor dos casos. Há outros casos em que o investimento só tem uma final idade: a de incrementar o gozo do corpo que, no entanto, estará sempre à mer cê do gozo do Outro. A DROC,A Entendo que a proposta dessa Jornada faz uma l igação muito pertinente ao associar a psicose ao uso de drogas . . Mas para cernir seu tema é fundamental que, a priori, partamos da idéia de que não nos deixaremos aqui fascinar pelos fenômenos. Ambos são espetaculares: tanto a psicose qua�to a droga. Mas quando nos mantemos no espetácuio, não vamos a lugar nenhum! Como entendo a questão a nós colocada pelos organizadores desta Jornada, a pergunta que se impõe é simplesmente a seguinte: em que medida o sujeito psicótico, que faz uso de drogas, pode se imiscuir no tráfico e pode, até mesmo, ser traficante? A psicose não é uma doença da capacidade. Donde, nada im pede que um sujeito psicótico se torne um traficante - é possível conce ber um grande paranóico como dono das maiores fazendas de cocal Não que ele, necessariamente, o seja, mas quero dizer que isso não é impos sível. De qualquer maneira, numa entrevista recente Archie Shepp, jazzista americano, evoca várias vezes a paranóia como medida de proteção em que o sujeito pode sempre estar alerta a qualquer ataque possível... I sso para um traficante é fundamental ! ... (cf. Barca!, n.13) Entendo que, para dar início a esta Jornada, poderíamos nos perguntar, de cara, a que serve a droga na psicose? D_i_sse, no início do meu texto, que uma das drogas possíveis é PSICÔTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- a medicação. Do jeito que anda a psiquiatria, às vezes nos perguntamos se não há aí um tráfico, desta feita não tan to para os fazendeiros de coca, mas para os laboratórios farmacêuticos mul tinacionais. Na realidade, o que vemos na experiência, é que o sujeito psicótico não é drogadito no domínio da medicação. Mais comummente sua famíl ia o é, e também o seu psiquiatra. São eles que insistem que o sujeito esteja medicado. A coisa é bem diferente no caso das neuroses, quando o sujeito escolhe tomar antidepressivos, remédios para dormir ou até mesmo para transar. I sso causa espécie, em um primeiro momento, a meu ver. Mas isso poderia ser estendido ao campo das drogas "ilícitas" . Ou seja, até que ponto o sujeito psicótico escolhe !�mar drogas porque quer tomar drogas? Ou se ele, assim como com as drogas l ícitas, é objeto de ven da, capitalização e lucro? Situação em que ele usaria drogas porque interessa ao chefe do grupo de traficantes, o que vai fazer com que ele participe do tráfico, ou que seja, no mínimo, um consumidor. Então, o que eu estou propondo pensar é que, diferentemente do sujei to neurótico que escolhe escolher a droga, no caso do sujeito psicótico estamos no contexto de uma conjuntura em que o sujeito é submetido, o tempo todo, ao Outro que, por não ser barrado, se impõe ao sujei to. Mas, evidentemente, isso também aponta um gozo; o gozo que surge com o fato do Outro não ser barrado - diferente do gozo do neuróti co que, por definição é referido ao gozo fálico ou gozo sexual do qual Freud pôde d izer, em 1920 , em "Para além do princípio do prazer'', tratar se do maior prazer que um homem pode ter (cf capítulo 75 ). E como a droga promove um gozo que justamente não tem significação - sempre fálica -, é possível que o sujeito psicótico tenha acesso ao gozo da droga. A droga é dita tão prazerosa, que ela efetivamente pode dar ao sujeito psicótico um gozo, já que, por mais Viagra que tome, jamais terá o gozo no campo da referência fálica. O sujei to psicótico pode encontrar aí sua experiência de g ozo, no nível do corpo como Outro. Na experiência invasora do corpo, seja ela da ordem de uma hipocondria melancólica - d o tipo descrito por Cotard-, seja ela da ordem do despedaçamento esquizofrênico, o corpo próprio deixa de ser próprio, ele é Outro. Na esquizofrenia "o Outro toma corpo" , presentificando uma alteridade que goza na economia pulsional do sujei to, onde a pulsão, sem passar por outro objeto, retorna diretamente sobre esse corpo. 5- -Freud, S. ( 1920) "Jenseits des Lustprinzips" in Studienausgabe, op. cit., v. 3. P s,cóTICOS E ADOLESC ENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- 19 . ..:.· -��: 20 Preso nessa economia, cujaexperiência vai se tornando a cada dia mais invasora e mais terrível, a premência por um ponto de basta é também cada vez mais insuportável. Creio que podemos aqui introduzir a noção de passagem ao ato como separação, à qual já aludia Serge Cottet, em seu texto "A bela inércia", em 1 9856 • I sso talvez nos ajudaria a aprofundar aquelas passagens ao ato ,de que falei no início, citando o exemplo dos crimes no cinema de São Paulo e o do assassinato do Dr. Rocco. INTERVENÇÃO Fernando Teixeira Grossi "Assim como as neuroses de transferências nos permitiram tr:açar as pulsões instintuais libídinais, também a demência preco ce e a paranóià nos forneceram uma compreensão interna da psi cologia do eu" Freud - Introdução · ao Narcisismo -.,..,._.. INTRODU�O O tema de nossa 1 2ª jornada parte da consta tação epidemiológica, trazida da clínica, de que um número cada vez crescen te de adolescentes e psicóticos vêm se drogando e de uma forma abusiva. Podemos nos perguntar se esse crescimento não está relacio nado com os tempos atuais: com o mundo global izado, onde as pessoas se encontram sob a égide de um consumo exacerbado que se estende às drogas, à lei do mercado e gera efeitos nos costumes e nos hábitos das pessoas. Assim, o fenômeno do)uso crescente de droga deve ser consi derado sob um novo ângulo, onde se cruzam lógicas discursivas diversas que deixam o sujeito adolescente ao sabor dessa polissemia discursiva que gerando efeitos devastadores no laço social. Quanto aos sujeitos psicótícos; percebemos que a temática delirante, que, classicamente, se articula ao redor de temas místicos, persecutórios e de grandeza, enlaça-se com as drogas e nos interroga 6 Cottet, S. ( 1 985) "La bel le inertie" in Ornicar ?, n. 32. Ps1cóTICOS E ADOLE:SCENTES POR OUE SE DROGAM TANTO? --------- sobre um novo papel do uso dessas substâncias ; tanto para regular um excesso que invade a estrutu ra psicótica, quanto para reafi rmar o papel, já estabelecido, de empuxo a uma desagregação da subjetividade. Será que os psicóticos atuais não amam seus delírios como os de antigamente?. Haveria uma insuficiência dos delírios ou novas possibilidades são ofertadas para os pré-psicóticos ou mesmo para os psicóticos se arranjarem com a estrutura? A epígrafe do texto é para retomarmos a questão aberta por Freud: do tema da perda da realidade na psicose, a constituição do eu. Não será que uso de drogas pelos psicóticos não nos autorizaria reabrir esse debate? AI DROGA/ E A CONTEMPORANEIDADE O uso de drogas na sociedade tem sido tratado de manei ra alarmista e, por vezes, hipócrita, por importantes seguimentos sociais; tendo como referência um discurso que se fundamenta em argumentos preconceituosos e insuficientes , na medida em que são excluídos de suas análises os determinantes sócio - econômicos , culturais, como também a escolha do sujeito. Esse enfoque, na verdade, contribui para a marginalização e segregação social dos usuários de dr9gas e toxicômanos. A análise da evolução da nossa conjuntura sócioeconômica de nossa sociedade nos aponta profundas e constantes mudanças , onde a família e a sociedade confrontam-se com a confluência de novos valo res , implicando na rejeição de valores que, até então, coexistiam. Em toda história da Humanidade o homem conviveu e experi mentou substâncias com as quais buscava interagi r. Essa interação se dava sob controle social, através de rituais, com medidas de proteção dos desprotegidos: as mulheres grávidas e as crianças. Nestes rituais, o uso de substâncias se relacionavam com a transformação de um estado de consciência que visava atingir um saber que levasse esclarecimentos aos indivíduos sobre sua origem. I nseridos num laço simbólico; estes indivíduos mantinham um elo com sua origem, num laço social. Assim, buscar o saber, no lugar onde se situam os ancestrais, foi uma saída simbólica que o sujeito encontrou para se situar na socie dade. Saber quem foi seu ancestral permitia ao sujeito ·se situar rio PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- laço social , comparando-se com os rituais observados nas sociedades totêmicas. Como verdadeiros ordenadores simból icos, os rituais primitivos permaneceram por longo período de tempo na história da humanidade, quando foram substitu ídos pela família nuclear. Assim, podemos verificar que o contexto do uso dessas subs tâncias, hoje denominadas como drogas, se modificara ao longo dos tem pos. Em "Sobre la Segregación", Colette Soler7 ressalta que, nas sociedades regidas pelo direito divino ou mesmo nas escravistas, havia discriminação como modo de tratamento da diferença do modo das pes soas serem, de se satisfazerem, mas não se observava a segregação como modalidade de tratamento dessas diferenças. Essa mudança é identificada, pela autora, como resultado da falência desses ordenadores simból icos em nossa sociedade. O pessi mismo e a intolerância frente às diferenças no modo de ser; a depressão e a solidão presentes de forma cada vez mais radical deixam marcas indeléveis nas famílias e na sociedade. Mediante o impacto do avanço da sociedade científica e do consumismo, trilha-se um retorno à cruel realidade da competição simul tânea entre os sujeitos como modo de se encontrar um lugar na vida em sociedade. A lóg ica do mercado, com sua face moderna a, chamada de g lobalização, cria e reforça o subdesenvolvimento abrindo espaço para uma constante insatisfação e segregação das diferenças; é na medida em que essa lógica implica em ter bens /objetos; em ter um determinado lugar social. Como parte deste contexto, o estatuto da droga se modifica e está cada vez mais distante da realidade das sociedades primitivas. Atualmente, a droga faz parte de u ma infindável lista de objetos de consu mo postos para o sujeito: é u m produ to a ser dige rido, consumido. O estabelecimento de uma sociedade de consumo; organizada de acordo com as leis do mercado, onde o importante é possuir objetos, ao mesmo tempo que os universaliza, apaga as singularidades subjetivas. Os ideais perdem terreno para os objetos de consumo e insta lam uma crise de identidade econômica cultural. 7 Soler C. Sobre la segregación, Pharmakon 3, , Buenos Aires, adiciones Amatista, 1 995. P SICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------- F reudª , j á em 1 930 , p rev ia que o su je i to , f rente a sua "incompletude fundante" , e na busca da fel ic idade perd ida , encontraria nas d rogas o método mais eficiente de evitar o sofrimento. Esse al ívio , propiciado pelas drogas, traz a esperança de el iminar a d ivisão subjetiva, a " incompletude " do sujeito frente a sua falta de ser fe l iz , que é o motor do desejo humano. A busca de respostas a esse mal - estar constitutivo do suje i to faz com que as d rogas surjam impregnadas de um novo estatuto , frente à falência dos valores tradicionais até então o rdenadores para o sujeito. O paradoxo desse modelo é produzir uma horizontal idade de acesso aos bens para alguns e seg reg�ndo os demais . A s ingu laridade é desconsiderada e o suje ito é reduzido a consumidor. Somos todos consumidores. Uma sociedade estruturada a parti r dessa lógica perversa , al ia da ao avanço da tecnologia, rapidamente reduziu a força da inserção sim ból ica, pela perda da força desses ordenadores na cultura . Podemos falar de declín io da Fam íl ia, Pai, Mãe, Escola, P rofessor, Trabalho etc . . . Vivemos n o tempo d o decl ínio da palavra c o m crescente al ie nação do desejo . Na medida em que a sociedade vem sofrendo esses abalos , criam-se profícuas condições para o aparecimento do fenômeno das toxi comanias. Essa genera l ização da toxicomania não afetaria o suje ito psicótico? A PnCO/E, /EU MECANI/MO FUNDANTE E /UAI RE/OLUÇÕE/ Lacan s itua a verwerfung f reud iana e m contrapos ição a verdeangung para demarcar dois campos d istintos9: Neurose e Psicose. Daí, o primei ro sentido de forac lusão como abol ição s imból i ca1 0 . O que não ve io à luz do simbólico aparece no rea l : uma modal ida de de retorno d istinta daquela do recalcado. A part i r do texto de Freud, e da pontuaçãq de Lacan, podemos localizar a Verwerfung no mesmo ponto do recalque o rig inário , que coinci de com o tempo lóg ico da Bejahung, como um sim pr imord ia l , do con sentimento do suje ito à s imbol ização fundante. 8 Freud S. O mal-estar na civil ização, ESB, vol . XXI , p.96. 9 Lacan, J . Seminário I l i , p . 98. 10 Lacan, J. Resposta ao comentário de Jean Hyppolite, Escritos , Rio:JZE, p. 388. PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR OUE SE DROGAM TANTQ? ---------- y,.24 :·l�� Apoiando na Die Verneinung de Freud, Lacan busca seu inte resse pela localização subjetiva no universo discu rsivo do sujeito, dando portanto um novo sentido ao termo foraclusão. Essa nova dimensão da incidência clínica do retorno do foracluido no faz interrogar sobre a partição dentro e fora, introduzido pelo conceito de inconsciente, como retorno do recalcado. O fundamental é que Lacan, com a teoria do significante pode situar a questão da psicose coisa que Freud não pôde fazer 1 1 e assim interrogar a relação de dentro fora, na questão do inconsciente na psico- se. A psicose trata-se, fundamentalmente, de um impasse, de uma perturbação concernente ao significante, de um buraco, de uma falha ao nível do significante e Lacan via, nessa presença do significante no real como consequência da foraclusão, um caráter devastador: "Encaremos o mínimo que seja essa presença do significante no real. A saída de um significante novo, com toda a repercussão que isso pode comportar até o mais íntimo das condutas e dos pensamentos a aparição de um registro, como aquele de uma nova religião, por exem plo, não é algo que possamos manipular facilmente; a experiência o pro va. Há virada das significações, mudanças do sentimento comum e das relações sociais. Mas há, também, todas as espécies de fenômenos, ditos reveladores, que podem parecer, sob certa forma, bastante perturbadores para que os termos de que nos servimos nas psicoses não sejam absolutamente impróprios. A aparição de uma nova estrutura nas relações entre os significantes de base e a criação de um novo termo na ordem do significante tem um caráter devastador 1 2 " Hoje, quem sabe, não podemos trazer essa advertência de Lacan para outros campos? Pois, nem toda presença no real do significante está sob a égide de uma psicose. Ou mesmo pensar que os nomes das várias drogas não poderiam estar situados n.a mesma lógica para o sujeito? Podemos até pensar nos efettos devastadores que podem ocorrer com a introdução de determinad@s significantes; inclusive em nome da religião, etc, etc. Eis nossa segunda hipótese de por que os psicóticos se drogam tanto. 11 Comentário de Lacan, Seminário I l i , p. 1 67: A promoção, a valorização na psicose dos fundamentos de linguagem é para nós o mais fecundo dos ensinamentos. 12 Lacan , J. Seminário I l i , p.229. PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- A FORACLU/ÃO ALÉM DA P/ICO/E O U/0 DE DROC,A.f A foraclusão além da psicose é a questão que me fez engajar no trabalho de pesquisa sobre a correlação entre a foraclusão do Nome do Pai e o falo, para resituar a questão da toxicomania; detendo-me na possibilidade de se encontrar a foraclusão, sem haver necessariamente uma estrutura psicótica, em que o uso de drogas cumpriria uma função de prótese fálica, corroborando a hipótese de alguns autores 1 3• Nessa hipótese, não, necessariamente, estaremos no campo da Psicose, abrindo caminho para pesquisarmos o lugar que a droga ocuparia na economia psíquica do sujeito. Para fundamentar esta hipótese, faremos, inicialmente, um es tudo na obra de Lacan para buscarmos elementos para a pesquisa e assim construir os primeiros argumentos em nosso favor . A primeira parte do estudo corresponde a um determinado momento do ensino de Lacan, em que o Nome do Pai e o falo eram articulados em bloco, como dois conceitos conectados e intimamente inseparáveis. Esse momento corresponde à teorização da unicidade do Nome do Pai. A seg unda pa rte do t ra balho pretende invest ig a r as consequências da pluralização do Nome do Pai e sua incidência na arti culação com o significante fálico. PRIMEIRA PARTE: A EXlflÊNCIA DO OUTRO E A CON/lflÊNCIA DO NOME DO PAI Encontramos a articulação entre os termos Nome do Pai e Falo na fórmula da metáfora paterna, proposta por Lacan nos anos de 1958, por ocasião do texto: "A Questão Preliminar a Todo Tratamento Possível da Psicose" : NP DM DM X � NP ( : ) 13 Bittencourt, L. Algumas considerações sobre a neurose e a psicose nas toxicoma nias, Drogas: Uma visão contemporânea, Rio, Imago, 1993. PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- . . • � - J . .. : ,; ' .t:+:.:::�.· Estes dois termos, estão articu lados de forma que a operação real izada, pelo significante do Nome do Pai (NP) , sobre o Desejo Materno (DM) engendra a inscrição do falo no campo do Outro . Lacan uti l izou o termo cunhagem- empregado no processo an tigo de impressão em moedas- para destacar que na operação de subs titu ição s ign ificante real izada pelo Nome do Pai , se impr ima o falo a de t ítulo de uma cunhagem na constitu ição do sujeito . Essa engrenagem demonstra a transmissão do Nome do Pai e , consequentemente , a castração; de forma que o NP � ci, , ou, que sua foraclusão impl icará na e l isão do falo , ci,0• Portanto, o que está em jogo nessa transmissão NP � ci, é o proces so de constitu ição do sujeito. Em outros termos, é uma das modal idades de falarmof' d;, constituição do sujeito distinto do materna do discurso do mestre: S1 � S2 $ a Nome do Pai e Falo são dois te rmos bem art icu lados entre s i que remetem à operação de constituição do sujeito articulando os tem pos do Édipo e da castração. NP DM DM X (Édipo) (Castração) A saber que a mãe, como pr imeiro grande Outro do s ujeito, já é marcada pela barra da castração, assim Lacan ut i l iza o materna DM para designar essa função de transformar uma natureza-anatômica e fisi ológica de um recém nascido em cultura, isto é, o DM opera na constitui ção de um sujeito antes mesmo da determinação social da criança, numa linha de ficção, para sempre irredutível aos fatos de sua determina ção pelo significante 14 • É o que podemos deduzir da fórmula: o: Essa operação de transformação da natureza e m cultu ra é a mesma real izada pelo s ign ificante; de que um gozo seja desnatu ral izado e , ass im , metaforizado. 1• Referência ao texto de Lacan, O Estádio do Espelho como formador da função do Eu, Escritos, Rio: JZE, , p . 98. PSICÔTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- Se jogarmos com a parte da fórmula da metáfora paterna, NP/DM, deduzi remos que, para o desejo materno cumprir com essa função de in terpretação, deve consentir com o Nome do Pai. Há varias passagens no texto de Lacan sobre o papel do Dese jo da Mãe na transmissão do Nome do Pai e da castração. Propositadamente, recorto uma passagem dos anos 73/74 - Seminário Les Non - Dupes Errent - momento em que Lacan consagrava suas elaborações em termos da plu ral ização desse sign ificante funda mental que é o Nome do Pai . "Para levar esse nome ( Nome do Pai ), senão aquela em quem se encarna o Outro, o Oúlro como tal, o Outro ( A ), com um grande A, aquela de quem o Outro se encarna, como eu digo, só faz se encarnar, além do mais, encarna a voz, a saber, a mãe. A mãe fala, a mãe pela qual a palavra se transmite, a mãe , é preciso dizer, o nome se reduz ai, a traduzi-lo por um nome, justamente, o nome que diz o pai . . . esse nome do pai que não é "Non" que a nível do dizer e que se amoeda, que se cunha pela voz da mãe'115 • O operador fundamental,que media o Desejo da Mãe na cons tituição do sujeito, é o falo. (O que nos abre u ma discussão: se nesta transmissão mãe/ criança não tivermos o falo mediando essa transmis são, qual seriam seus efeitos?). Remeto, nesse ponto a uma outra passagem de Lacan a res peito dessa questão: "O papel da mãe é o desejo da mãe. É capital. O desejo da mãe não é algo que se possa suportar assim, que lhes seja indiferente. Carreia sempre estragos. Um grande crocodilo em cuja boca vocês estão - a mãe é isso. Não se sabe o que lhe pode dar na telha, de estalo fechar sua bocarra. O desejo da mãe é isso. Então, tentei explicar que havia algo de tranquilizador. Digo-lhes coisas simples, estou improvisando, devo dizer. Há um rolo, de pe dra, é claro, que está em potência, no nível da bocarra, e isso re tém, isso emperra. É o que se chama falo. É o rolo que põe a salvo se, de repente, aquilo se fecha'"6• Portanto, temos dois campos indexados: Do lado materno na articu lação com a constituição do sujeito, temos o falo como referente e 15 Lacan,J., Seminário 21 - Les Non-dupes errent, conf. 19 de março de 1974. 16 Lacan,J. , Seminário t7/ Rio:JZE, p . 105.- PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROG AM TANTO? --------- 27 ;��8 do lado paterno, na transmissão de seu significante, temos a transmis são de um nome-o Nome do Pai. Podemos, então, construir um primeiro argumento a partir dos reg ist ros RS I , que do lado paterno temos o campo da nomeação, correspondendo a passagem do real para o simbólico - via metafórica; e do lado materno a indexação ao falo correspondendo a articulação entre os registros do simbólico ao imaginário pela via da metonímia. I O Nome do Pai como atribuição primária, aquela que promulga o "cachorro faz miau , o gato au-au com que a criança, de um só golpe, desvinculando a coisa de seu grito, eleva à função significante e eleva a realidade à sofistica da significação". Essa elevação da realidade à sofística da significação não po deria nos remeter à função do falo 1 7 e a conseqüente extração do objeto a na constituição do campo da realidade para o Sujeito? I sto é , ( a 1-cp ) de forma tal que os objetos fantasmáticos estão marcados pela castração, sofrem de sua significação, o que nos autori zaria a escrever a seguinte fórmula do fantasma : $ O «l><•i - Nesse momento do ensino de Lacan, no qual constrói a metá fora paterna, há um lugar central do significante no Nome do Pai em sua teoria na caracterização das estruturas clínicas: NP presente: Neurose li falo: confusão da fal ta fálica com a Demanda do Outro. NP foracluido: Psicose li falo: elisão. NP recusado: Perversão " · li falo: existência do falo matemo. Esse é o privilégio do Nome do Pai como um significante que, de partida, joga na constituição do campo do Outro, Outro esse dado como lugar da lei. 17 Lacan define o falo como um significante destinado a designar , no conjunto dos significantes, o papel de ·designar os efeitos de significado. Isto é, um significante que condiciona os efeitos do significado, por sua presença mesma de significante. P SICÔTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- Um significante, apriori, já incluído no Outro, ou rechaçado ou não afirmado. Para corroborar essa articulação de um bloco composto de duas peças Nome do Pai e Falo, cito uma passagem do texto de Lacan "Ques tão Preliminar a Todo Tratamento Possível da Psicose", onde essa lógica está estabelecida: "Termo em que culmina o processo pelo qual o significante "desatrelou-se" no real , depois de declarada a falência do nome do pai - isto é, do significante que, no Outro como lugar do significante, é o significante do Outro como lugar da lei". Há, podemos dizer, um privilégio do significante do Nome do Pai no campo do Outro, definido como tesouro do significante, sendo o significante que dá consistência a esse Outro, enquanto marcado pela Lei paterna. O Nome do Pai passa à condição de um cristal provocador, que, adicionado, dará uma neurose, não adicionado, uma psicose etc . . . . Enf im, um significante a mais , privilegiado, tanto para parametrizar o Outro, quanto detém uma ascendência sobre S1 � S2, articulando a cadeia significante, eqüivalendo-se à própria seta ( � ) ; além de engendrar o falo como significante da castração1 8 (NP � �). 18 No ensino de Lacan, mais especificamente no texto " A significação do falo". o falo é situado como regulador do desenvolvimento. Esta função lhe permite desde a estruturação dos sintomas, à instalação, no sujeito, de uma posição inconsciente, sem a qual não poderia identificar-se com o tipo ideal de seu sexo nem tão pouco responder sem graves vicissitudes às necessidades de seu partainer na relação sexual , acolher, com justeza, as crianças que nela se procrie. Portanto, nesse contexto de seu ensino, o falo, como o significante privilegiado, a marca da captura do corpo pela linguagem, é marca universal e simboliza "o mais saliente do que se pode apreender no real da copulação sexual e também o mais simbólico no sentido literal (tipográfico) desse termo, visto que que ele equivale à cópula (lógica). Pode-se dizer, também, que ele é, pela sua turgidez, a imagem do fluxo vital na medida em que se transmite na geração. PSICÔTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------- 29::J:l � JEGU NDA PARTE: A FALTA DO OUTRO E A PLURALIZAÇÃO DO NOME DO PAI No percurso da p rimeira parte do trabalho, que se refere a um determinado momento do ensino de Lacan, algumas conclusões pode mos extrai r e que se mostrarão não menos problemáticas: A � ,. I sto é, trata-se de uma passagem a ser feita de um Outro com pleto, absoluto , a um Outro fal tante. Esse percurso, o vemos no g rafo do desejo, no p rimeiro andar, onde o sujei to é confrontado com um Outro sem barra, e que somente a partir da introdução do Che voi? , é que será confrontado com esse ponto de inconsistência do Outro, que se si tua no segundo andar do grafo, ao redor do qual constrói seu fantasma, como p rimeira resposta, a questão que o ser coloca para o sujeito19• Esse percurso de A � 1. também pode ser pensado de um trajeto da alienação à separação. Podemos nos perguntar se há uma correlação nessa travessia de A a 1/. com a mudanças dos termos fál icos da trajetória: s Essa passagem de falo i mag inário a simbó l i co, enquanto signifi cante da fal ta, foi a p rimeira visada de Lacan, de encontro com a inconsistência do Outro, ;.. Esse ponto de encontro com e!> - o rochedo da castração freudiana - corresponde a uma assunção subjetiva pelo sujei to da castra ção ao se defrontar com a castração do Outro. É, também, interessante observar que este esquema serviu a Lacan, para pensar a estrutura perversa; acrescentando que na perversão tratava-se da recuperação do falo, através de sua positivação, dando-lhe consistência de um fetiche. 19 Lacan , J A instâni:1áda ietra no inconsciente . . . , Escritos, Rio, JZE, p.524. PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------- É importante notar que há uma suficiência do falo, nesse mo mento do ensino de Lacan, para pensar a perversão, destacando, é claro, a persp icácia do autor, ao perceber que no campo das perversões o Outro está concernido de um modo particular. 20 s - cp � ci, <p .J ,{, Podemos depreender que a perversão foi o primei ro obstáculo encontrado por Lacan na articulação NP � cjl, isto é, a perversão impôs obstáculo à incidência da efetividade do significante fál ico. O caso G ide, por exemplo, interessou a Lacan de sobremanei ra, a lhe permitir interrogar das razões da clandestinidade de seu desejo , como fruto de uma subtração simbó/ica21 , deixando o sujeito com uma incidência negativa do desejo , por permanecer preso a um erotismo masturbatório em sua vida sexual . Lacan chega a se perguntar se, devido a ausência do falo em cumpri r o seu papel como signif icante do desejo, não se abria ocaminho para a transmissão de uma outra modal idade, que a mediada pelo falo , e considera a poss ibi l idade da passagem do fantasma da mãe para o fi lho ; e que talvez fosse essa transmissão fantasmática a responsável pelos acidentes do desejo, em G ide. 22 A virada promovida por Lacan a parti r da postulação de que há uma falta no campo do Outro- que falta-lhe um significante-se traduz atra vés do materna de S( lt ). Nessa mudança opera-se a troca de lugar, do Nome do Pai para S( ,t ). As estruturas c l ín icas passam a ser consideradas a part ir des se ponto : 71 Neurose S(Ã) 7 Perversão � Psicose ai Lacan , J. Subversão do Sujeito . . . , , Escritos, Rio: JZE. P. 838 . 21 Lacan,J . Juventude de Gide ou a letra e o desejo, Escritos, Rio, JZE. P.765. - ··�"'- - ' ,2·"iéiem,'p'.76C· PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- 31 O primeiro efeito observado dessa descentralização já corrobo rado pela clínica, é que a transmissão do Nome do Pai abre um campo de contingência, e toda uma lógica se joga em nome dos avatares de sua transmissão. O segundo aspecto a ser considerado, a partir do descentramento do lugar do Nome do Pai, e que começou a ganhar clareza teórica a partir da teoria dos nós borromeanos, foi a de que os registros RSI não fazem conjunto (amarração) , e que é preciso uma ação suplementar23 • Vamos encontrar uma referência em RSI sobre essa função de amarração dos registros RSI , de que necessitaria de um toro a mais, e cuja consistência Lacan alude ao Nome do Pai, antes de situar, essa função de amarração, no sinthoma24 . O Nome do Pai passa então a ser pensado no registro do su plementar e não mais contido no Campo do Outro, esvaziado do gozo. Pelo contrário essa função de nomear aportado pelo Nome do Pai inclui a dimensão do gozo. Há aqui indicativos mais do que suficiente para se pensar numa aproximação do sinthoma como um dos Nomes do Pai. O terceiro aspecto a ser considerado a partir de S (J(), da plurai idade e suplementariedade do Nome do Pai é o lugar do significante fálico. A primeira consequência é disjunção dos termos Nome do Pai e falo , isto é, podemos encontrar a inscrição do Nome do Pai e a ausên cia da incidência do significante fálico. O caráter da contingência é apontado por Lacan para se pensar o falo25 portando uma certa "autonomia", não estando necessariamente atrelado ao significante do Nome do Pai. A dimensão da contingência nos abre a possibilidade de inves tigação das incidências clínicas>de possíveis acidentes da transmissão do falo. A segunda consequência foi oriunda da constatação de que há um gozo fálico. 21 Lacan, J. RSI, conferência de 1 1 de fevereiro de 1 975, inédito. 24 Idem, 1f32. · · 3 Lacan, J. Seminário 20, JZE. , p . 1 26. Ps1có11cos E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------- Se no inicio o falo era considerado como significante do dese jo, articulado a meton ímia do deslocamento dos significante do Outro; o s egundo passo foi de pensá-lo enquanto significante do gozo, mais no sentido metafórico, com o seu papel determinante no complexo de cas tração inconsciente, de uma função de nó26 ; para em seguida, concluir na existência do gozo fálico. Essa inscrição de gozo no falo obrigou Lacan a ressituar a fobia, para marcar que o sujeito captura em seu corpo, num tempo lógico privilegiado de sua constituição, um excedente de gozo, insuportável para ele mesmo. Isto é, se num determinado momento lógico, o gozo fál ico se apoia no corpo, gerando em algumas situações quadros fóbicos, num tempo lógico seguinte se destaca do corpo para se alojar no significante, o que é responsável pelo seu caráter fora - corpo27 • A prevalência de uma dessas duas dimensões do gozo fálico não trariam consequências para o sujeito, nos possibilitando interrogar a noção de consentimento? Hans, por exemplo, consentiu com o gozo fálico mas ao preço da formação de um sin toma, a saber, de sua fobia por cavalos. Lacan, por exemplo, utilizou o significante ruptura para falar de 33;;: � duas respostas distintas do s ujeito frente ao gozo fálico: A homossexua- "'" .� u: lidade feminina e o recurso da droga. Sobre a h omossexual diz: "Elas não tomam o falo como um significante q>. Então significa: Não é mais que ao romper o significante em sua letra que se chega em seu termo final. É incomodo pensar não obstante que isto ampute para ela, a homossexual, o discurso analítico. Pois esse discurso ( discurso sexual), é um fato, as põe, em uma cegueira total sobre o que há aqui do gozo feminino. A homossexual não está de todo ausente do que fica do gozo. O repito, isto lhe facilita o discurso do amor, porém é claro que isto a exclui do discurso analítico que não pode senão balbuciar''28 • 31 Lacan, J. A significação do falo, Escritos, JZE. p. 692 , · · , ·"li·· Lacan. J. A Terceira, Che Voi n.O, Cooperativa Cultural Jacques Lacan, 1 986,p.39. 31 Lacan, J . . . Ou Pire, conferência de 8 de dezembro de 1971 . PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- Quanto às drogas temos a seguinte referência de Lacan: "Mas se há alguma coisa nas Cinco Psicanálise feita para mostrar-nos a relação da angústia com a descoberta do peruzinho, chamemos isso assim também, de qualquer maneira é claro , é concebível que para a menina como se diz, isso se estende mais e é por isto que é mais feliz; isso se estende porque é preciso que ela leve um certo tempo para perceber que não tem peruzinho; isso lhe produz uma angústia também, mas uma angústia por referência à aquele que está aflito: digo "aflito", porque falei de casamento e tudo o que permite escapar desse casamento é evidentemente bem vindo, daí o êxito da droga, por exemplo; não há nenhuma outra definição da droga que não seja esta: o que permite romper o casa mento com o peruzinho''29• Eis nossa terceira hipótese. A FORACLUJÃO E O IAÇO JOCIAL CONTEMPORÂNEO Aqui sigo uma indicação de Lacan no ano de 74, de que o discurso capitalista realiza uma foraclusão da castração; e se tomarmos o discurso capitalista como paradigma do laço social contemporâneo , em que o gozo e os vínculos sociais se fazem sem o comando do S1 ou dos ideais, isso nos obriga a uma investigação, atual e não menos pro blemática, pelas suas incidências clínicas. Isto é, o modo como o Outro intervém gera conseqüências no laço social. Freud mesmo observou esse fato, no exemplo das guerras, que engendrava um tipo de neurose, sendo o fator traumático vinculado pela contingência do encontro com o real, absorvia toda a economia libidinial do sujeito, impedindo-lhe de esquecer; isto é, de recalcar, impedindo o caminho para a formação dos sintomas. Podemos de certa forma, fazer uma homologia entre a estrutu ra do trauma e da foraclusão, para remetermos a uma lógica, em que o encontro com o real, nos tempos atuais, está cada vez mas longe da estrutura da fobia e mais próxima do trauma, do pânico, não sendo à toa que as drogas { lícitas e ilícitas) têm sido um dos meio que o sujeito lança mão para tratar esse mal estar, provocado pelo desamparo. 29 Lacan, J. Sessão de encerramento da jornada de cartéis da EFP, abril de 1 975. PSICÔTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- A saber: de um encontro com o real que não ascendendo ao simból ico; pelas formações do inconsciente, impondo uma estrutu ra de retorno no rea l ; nos moldes de retorno dos trau mas, abrindo cam inhos para outras modal idades de formações "s intomáticas": uso de drogas , produção de escritos, pintu ras; sol uções mais s íntones, que atende à lógica da p rópria forclusão etc . . . O discu rso d o capital ista nos d i z q u e o sujeito acende ao gozo sem passar pelo campo do Outro , que poss ib i l ita a fi ltragem do gozo3º . O suje ito na contemporaneidade está, por u m lado, mais ex posto aos efeitos do real - promovido pelos d iscu rsos da ciência e do capital ismo,gerando efeitos de retorno no laço social, no corpo, do rechaço de uma atribu ição subjetiva, pela foraclusão da castração . Eis nossa tercei ra h ipótese. AI DROC,Af COMO OBJETO/ DE UM INVEJTIMENTO PARADOXAL DO JUJ EITO PJICÓTICO 1 ) Função das d rogas, de contenção de u m surto, de equi l íbrio do sujeito: Drogas Psi cos e Ass im como Joyce com seu s intoma - sua obra, alcança uma estabi l ização e como assinala Lacan a constitu i seu eu , o uso de drogas para a lguns psicóticos não se constitu iriam nessa s imi laridade, na cons titu ição de um eu? 2) As Drogas , o Idea l do Eu e a Psicose O esquema R foi constru ído por Lacan, em "Uma questão prel i minar . . . " , e serviu- lhe para demonstrar que a constitu ição do sujeito e o campo da real idade jogam-se na articulação entre os registro S imbólico e I maginário , reafirmando , o que fora estabelecido, anteriormente, no texto 3) Lacan,J. Televisão, JZE, p. 58 PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- 35 < "O Estádio do Espelho", que o momento da consti tuição do sujeito, os registros Simbólico e Imaginário se articulam3 1 • O traço unário se s i tua no mesmo lugar do I deal do Eu ( 1 ), sendo que I M forma forma uma l inha divisória entre os triângulos dos regi stros Simbólico e I maginário. Esquema A : cp-·-··-···�!; M I S m 1 • 'S A p O sujeito está, portanto, conformado pelos dois triângulos, sen do que na relação imaginária aparece identi ficado ao falo imaginário ( <p ), e que as ident i ficações imaginárias que formam o eu, se colocam no e ixo mi . Is to é, o I deal do Eu, é a raiz s imbólica das i denti ficações imaginárias, que funda a URBILD do sujeito, desempenhando o papel de regulagem das identificações que sustentam o Eu i deal. m <= 1 Por sua natureza s igni fi cante, 1 desempenha papel relevante na constituição do sujei to. O I deal do Eu, como garantia do narcis ismo como bem situa o mito de Narciso- desempenha também um papel de regulagem de um gozo mortífero, expresso na tendência suicida: l (A) G (a) O I sendo um dos vértices do triângulo s imbólico, se articula com M (lugar da Mãe, por sua vez objeto real e lugar de desejo - DM32) e o Nome do Pai , (P), no lugar do Outro (A), em posição tercei ra . Portanto I deal do EU e Nome do Pai , no lugar do Outro se articulam, como dobradiça . 31 Lacan, J. De nossos antecedentes, Escritos, JZE, p.73. 3! Por isso, Lacan situa M, a título de significante do objeto primordial . Ver De um Q1,1estão Preliminar .. , Escritos, JZE, p. 559. PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- 1 (= p No esquema 1, que Lacan produziu para explicar o sujeito psicótico, tendo como referência o caso Schreber, ocorre um descentramento dos termos que compunha a estrutura quartenária do esquema R, em função da foraclusão do Nome do Pai - P 0 , produzindo um furo na significação fálica, (<1>0) e na localização do sujeito. A sequência Saa'A, se modifica para iaa' I , a saber que o eu delirante substitui o sujeito e o I ocupa o lugar de P em A. O Ideal do Eu não cumpre mais a função de matriz simbólica, de natureza identificatória, em relação com o grande Outro, como lugar da lei. Este desenvolvimento é para interrogar o lugar que a droga pode ocupar para o sujeito psicótico. E como esse arranjo é precário! Podemos nos perguntar; havendo na psicose, uma outra moda lidade de arranjo entre o eu e o ideal, não poderiam as drogas desempe nhar esse papel de "ideal do Eu" para a constituição de um eu para o sujeito? . Eis nossa quarta hipótese. DEBATE Pergunta: Como pensar nesse trabalho de separação na ado lescência associado a um processo de separação efetiva dos pais, en quanto casal? O adolescente teria, então, que lidar com duas separa ções? Essa pergunta parte de um caso que estou atendendo. Sônia Alberti : Nem sempre uma separação dos pais é muito traumática para os filhos. Há separações e separações: De todo modo, PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROG AM TANTO? ---------- ;fü1f� '�� em psicanálise, qualquer coisa sempre vai estar associada a outras. Nesse caso, da maneira como você está trazendo, há uma associação de separações: a separação do casal e a própria separação que esse adolescen te deve ter começado a fazer em relação aos pais. As conse qüências dessa associação só podem ser pensadas caso a caso. Em psicanálise não dá para fazer uma generalização. Você está dizendo que essa situação está trazendo mui tas questões para esse sujeito. Acho ótimo, porque o fato de colocar ques tões mostra que o sujeito está trabalhando ! A preguiça, a meu ver, é que é chata. Se há questões, está havendo a possibilidade do sujeito estar falando dessas coisas e o trabalho é então feito. Agora, como é que ele vai elaborar isso, e quais as vicissitudes, nós teríamos que ver no caso a caso. Cada sujeito é um sujeito. Pergunta : Você é contra a medicação? Sônia Albert i : Não sou contra a medicação na psicose, des de que bem feita. No caso ao qual aludi , não tinha nada a ver o rapaz ter sido medicado com antidepressivo. Na minha clínica há casos em que eu mesma, quando faço o d iagnóstico e constato a si tuação, encaminho para um psiquiatra para que ele possa acompanhá-lo tanto na medicação quanto em uma possível internação, que, às vezes, é necessária. Fernando Grossi : Vou retomar algumas das minhas h ipóte ses. A primeira é a de que há um consumo generalizado, que produz efeitos desastrosos também para os psicóticos. A segunda h ipótese re toma a tese de Lacan, mais conhecida de todos nós, de que o êxi to da droga refere-se à possibil idade de romper o casamento com o petit pipi. A droga seria um tipo de resposta a um momento lógico do sujeito, o mo mento da castração, da angústia. Ao invés de haver o caminho da forma ção do sintoma que faria um laço, vamos chamar, simból i co, através, por exemplo, de uma fobia - como no caso Hans -, o sujei to faz o curto circui to da droga. A outra h ipótese parte dos casos cl ínicos que serão apresentados, nos quais os colegas consideram as drogas como uma tentativa de equi l íbrio, uma busca de uma estabi l ização para alguns su jeitos. T rata-se de uma estabi l ização mui to precária, pois veremos que, ao mesmo tempo que estabi l iza, a droga empurra o sujei to à desagrega ção. A última h ipótese que proponho, relaciona-se aos i deais, que sem pre foram um ponto fundante e pacificador do sujeito, urri ponto que regu la algo do gozo. Pensando a mudança que Lacan realizou no esquema 1 , no lugar dos ideais, para pensar a psicose, eu estou propondo se nós não poderíamos pensar a d roga como ocupando, para alguns sujeitos, espaços desses ideais. O caso Ricardo parece-me que pode ser entendi do nessa d ireção. PSJCÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- Cleyton Andrade: Uma questão para a Sônia Alberti. A droga é um objeto , um produto que é colocado em oferta seja para neuróticos, psicóticos ou perversos. Acho muito interessante, quando você propõe que, na psicose, a droga não é uma escolha como na neurose. Minha pergunta é se não há uma escolha na psicose pela droga, ou se estamos diante de uma escolha diferente da do neurótico? Sônia Alberti : Cleyton, acho uma pergunta excelente! Tenho alguma experiência com sujeitos psicóticos. Não é o dia-a-dia da minha clínica, ainda bem, mas tenho alguma experiência. Quando um sujeito psicótico insiste em alguma coisa é dif ícil ! É muito dif ícil de você intervir, sem correr o risco , por exemplo, de pr.qduzir uma transferência negativa ou erótica, do tipo erotomaníaco. Como, então, não dizer que há uma escolha? Se ele resolve que vai usar cocaína, que tá usando crack, e que não tem ninguém que vai fazer ele mudar de idéia, então , você, pri meiro, vai ter que dizer: - "Mas que é isso? Quem falou que você vai mudar de idéia? Nada disso , fique tranqüilo" . Mas eu achoque a questão dele não é essa: que ele tem que usar o crack, que tem que usar cocaí na, porque algo aí faz função de significante, de traço unário para ele. Na neurose, a coisa insiste de uma forma, que o sujeito pode até já ter percebido que não é bem por aí, que esse negócio não vai dar certo, que ele vai acabar se prejudicando. Ou seja, na neurose, a divisão do sujeito se dá em cima desse objeto. De um lado , ele sacou que esse 39 . negócio não vai ser legal, mas, de outro, ele não consegue largar a coisa. · · ,. ,./; · Já o psicótico larga quando resolve largar, quando tiver uma ordem do Outro, por exemplo. Quando ele ouvir uma voz , dizendo para ele - "você não vai mais usar o cracl<' - ele pára na hora! Por isso, acho interessante a sua pergunta, porque , de certo ponto de vista, não se pode dizer que não há escolha! Primeiro, não se pode dizer que não há escolha, porque em qualquer situação, se você quiser responsabilizar o sujeito por sua própria subjetividade, você tem que dizer que há escolha. E segundo, não se pode dizer que não há escolha, na medida em que tem que ser respei- tada aquela escolha que ele está fazendo naquele momento, naquele minuto , de que ele é um grande drogadicto. Ele pode, no minuto seguin- te, ter horror à droga, aliás, na esquizofrenia isso é muito comum, lem- bremos da ambivalência afetiva. Uma hora o sujeito está apaixonado pela mãe, a agarra e a beija, e na outra, minutos depois, ele pega uma faca e a mata. Então, eu acho possível essa mesma relação com a droga. Por isso, responderia a você que são escolhas diferentes! Eu dissera que na neurose o sujeito escolhe escolher, na psicose, poderíamos d izer, a es- colha da doença já é uma escolha que o submete muito mais como objeto de gozo do Outro. PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROG AM TANTO? --------- ;:(40 ;:*-����.�-:: ::,� . . Pergunta : Como é que f ica a questão da abstinência no caso do ps icótico ? Você falou que ele pode largar a droga em um segundo, mas e depois? Sônia Alberti : Não tenho a menor idéia, mas acho que ele não deve estar nem aí para a abstinência. Se ele encasquetar que não tem abstinência, ele não vai ter abstinência, está entendendo? Ou seja, os fenômenos que eles apresentam ao nível do corpo são tão variados, tão múltiplos e tão estranhos para a gente, que a abstinência se torna até uma bobagem! O que acontece com o corpo deles a gente nem imagina, nem mesmo se fizermos uma super-viagem de L.S.D ! Por exemplo, o coração sai de dentro e fica voando do lado do sujeito, o cérebro começa a sair pelo ouvido, é esse tipo de experiência que eles têm. Por isso, é que eu acho que a experiência de abstinência para eles pode ser uma bobagem! Os fenômenos elementares são de tal ordem terríveis que o corpo do suje,ito já é tão massacrado .. . Femando Grossi : As oficinas clínicas amanhã vão abrir uma beleza de discussão com a apresentação dos casos. Por exemplo, no caso Alberto podemos dizer que para esse sujeito a separação dos pais é um desastre. Já o caso José pode trazer a discussão da questão da abstinência, mostrar como os sintomas corporais, que a abstinência pro duz, podem entrar na associação" ou interpretação delirante do sujeito. A abstinência é o Outro que fala - "você está abstinente"- ou o sujei to que a elabora, dependendo do grau de sofrimento e da relação de proximidade com a questão das drogas. É lógico que existe um certo nível de absti nência em que o sujeito entra e nem sabe o que se passou, ele só vai acordar, no outro dia, já internado. Mas, em outros casos, o sujeito per cebe a abstinência, tanto que ele se automedica, voltando a beber ou a drogar-se. Há uma causalidade associada pelo sujei to. Sônia Alberti : A realidade do corpo na psicose, como a reali dade de tudo, aliás, é completamente diferente em relação a um sujeito neurótico. O modo como o sujeito psicótico representa o próprio corpo não tem nada a ver com o mod0;,como o neurótico o representa. Por exemplo, o presidente Schreber morre toda noite, e poucas horas depois, vêm nervos para refazer o seu corpo e gozar dele novamente, fazendo-o reviver, para que possa depois morrer de novo. A crise de abstinência é bobagem diante disso! É isso que eu quero dizer, a realidade é outra! Pergunta: Sou estudante e tenho uma curiosidade: por que quase não se cita o tabagismo, quando se fala em tratamento de drogas? Fernando Grossi : As coisas estão mudando, porque a ciência está destacando que a nicotina é droga. Então, já ocorre de pacientes PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- vi rem ao CMT pedi r tratamento por causa do problema da droga do cigar ro. Esse é um bom exemplo de como o Outro intervém, e isso tem conse qüências no modo como o sujei to percebe sua relação de dependência com o fumo. Existe um estudo clássico que mostra como o surto de dependên cia da heroína, ocorrido duran te a guerra do Vietnã, foi mui to mais fáci l de se tratar do que no contexto atual. Con forme o Outro vai i n tervindo, vão sendo produzidas di ferentes conseqüências , i nclusive na demanda de tratamento. Antônio Quinet: Queria participar dessa discussão sobre a abs tinência, já que, a meu ver, nós temos de tentar formalizá-la. Porque a abstinência existe! Acho que não podemos negar que ela existe, ela é uma vivência subjetiva e, com determinadas drogas, acompanha-se de uma reação fís ica. O que a gente pode dizer é que sempre há uma vivência subjetiva de uma abstinência, até·com o cigarro. Talvez um cri tério, que pudesse servi r de orien tação, seria a possibi lidade ou não, de poder fazer vi r coincidi r aquela falta com a simbolização daquilo que estruturalmente falta, por exem plo, no neurótico. Fazer coincidi r aquele objeto, que ,de uma certa forma, é um objeto tamponador, que faz falta, com o - q> da castração, que faz parte da subjetividade do neurótico e que ele tenta negar o tempo todo. Temos , então, a falt_a da droga e a falta estrutural da castração. Porque a questão da abstinência não é apenas uma questão do luto, ou seja, uma questão de fazer coincidi r as duas faltas, uma vez que ela aponta também para a difi culdade de se abandonar uma satis fação, um gozo que já se experimentou. Freud mostra que diante da di ficuldade de abri r mão desse gozo, a gente geralmente acrescenta outros ! Para o psicótico, acho que a questão não é tan to a de fazer coincidir as duas faltas, mas refere-se àquilo que condensava ou poderia condensar um gozo para ele, a droga. Se na abstinência a droga não está presente, ou seja, se o psicótico n ão tem mais aquele objeto que poderia vi r condensar o gozo para ele, pode ocorrer um retorno desse gozo sobre o próprio corpo. E é claro que também a falta da droga, não no âmbito do gozo, mas no âmbi to do s imbólico, faz levantar a questão sobre a queda de um suplência, que, às vezes, aquilo pode ter s ido uti li zado pelo sujeito. De qualquer forma, uma clínica da abstinência, a parti r da ps icanálise, seria algo importante de se pensar. Sônia Alberti : É interessante, a parti r da fala do Quinet, a gente pensar de n ovo a qu�stão na ps icose, porque realmente não há esse luto da perda na psicose, u ma vez que efetivamente o objeto não se PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------- 41 . . ,-·�� �:::'���f� i i}J2 �j; c;: . . ·, �� separa na psicose. Portanto, não vai haver nunca o l uto da perda que ocorre na neurose. Por isso , na psicose, a crise de abst inência, neces sariamente, não vai ser percebida, sentida e vivenciada como na neurose. Fernando Grossi : Queria entrar nesse debate. A teoria da abs t inência ,que a ciência tomou como modelo, é , fu ndamentalmente, uma teoria produzida pelos pacientes, que se transformou em uma certa téc n ica de como tratar. Então , a pr imeira conseqüência, a partir do interesse da ps icanál ise, é de que a questão da abstinência tem que ser um con sentimento do sujeito,fruto de alguma impl icação ou elaboração subjetiva. I sso é fundamental ! Prescrever, impor uma absti nência para o suje ito é jogá-lo ao encontro das forças que o empurram a se d rogar. A c l ínica tem demonstrado os desastres e as passagens violentas ao ato, segu idas de morte, a partir desse fato. O exemplo c l ínico mais famoso é o Kurt Cobain33 , que foi internado em uma c l ínica para desintoxicação, em Los Angeles, a partir de toda uma p ressão do grupo, da famíl ia . E le diz ia que i njetava heroína, porque sent ia , por dentro , uma profunda dor e que a heroína o acalmava. Foi internado, forçou-se a abst inência e quando e le saiu , a overdose fo i fatal . Ocorre, mesmo no campo da neurose, um rechaço fundamen tal do sujeito em produzir alguma questão a partir do seu sofrimento f ísico ou dos fenômenos de abst inência. Não é à toa que a cl ín ica da abstinên cia remonta à toda uma propedêutica médica, curativa, de tratar isso sem nenhuma elaboração. Não é à toa que também há pessoas que estão alcool izadas, sentindo uma série de fenômenos e que falam: "não, eu não bebo, eu não tô fazendo nada". Deveríamos então pensar qual é o papel da abstinência na eco nomia subjetiva? Ou melhor, qua l é o papel desse corpo que sofre na economia subjetiva? Sabemos que, às vezes, uma intervenção ou mes mo um tratamento um pouco precipitados - onde o suje ito não produz nenhuma elaboração subjetiva - levam rapidamente o sujeito a dizer que "está bem", que "não tem mais nada para falar'' . Com isso, perde-se a oportun idade de uma construção com o suje ito , quando e le ir ia u m pouquinho além desse momento cl ínico. Transcrição: Maria Wilma S.de Faria Estabelecimento: Oscar Girino. 31 Kurt Cobain ( 1 967-1 994) . Guitarrista e vocal ista da banda norte-americana Nirvana, que ingeriu grandes qtfantidades de heroína e se deu um tiro na boca. PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------- 2 - � . ::..�- . . ·,. · �·· OFICINA CLÍNICA: ADO.LEfÇ.�NCIA E TOXICOMANIA f' Casos clínicos: Maria Wílma S.de Faria e Cleyton S.Andrade Debijtedora: Sônia Afbertí Coordenàção: Oscar Girino OFICINA CLÍNICA: ADOLE/CÊNCIA E TOXICOMANIA O IMAGINÁRIO E A ADOLEJCÊNCIA Maria Wilma S. de Faria Trago para discussão o caso de um adolescente de 17 anos, que vem encaminhado por um Centro de Saúde, com história de uso de bebida e depressão. Na primeira entrevista, o que surge, e persiste ao longo do tra tamento, é a constante queixa de estar deprimido, desanimado, sem conseguir ver sentido na vida e nas coisas que o cercam. Queixa-se mu ito do pai, que não o entende, que o controla e exige demais. A mãe, segundo relata, desistiu dele. Diz que encontra na bebida uma forma de se sentir bem, alegre, feliz, e que seu maior desejo é ter uma vida normal, onde se sinta com algum valor. Fala ainda da vontade que tem de morrer e chama a atenção a seguinte frase: "Às vezes dá vontade de fazer uma besteira, como matar toda minha família". 45. 1'. São recorrentes também as dores no corpo, na barriga, no lado �;;-,f direito do peito. Insiste muito que precisa se tratar, tirar um raio X, e queixa-se de que ninguém liga para suas dores. Apelo esse que, escuta- do pela analista, traz como conseqüência um encaminhamento para a clínica médica (é medicado com Benerva, Complexo B e Psicosedin). Coloca também a grande dificuldade de se relacionar. Na esco la achava os colegas arrogantes, ninguém ligava ou gostava dele. Acabou se aliando a um colega que tinha problemas, começaram a beber e a aprontar. Ao levarem bebida para dentro da escola, foram expulsos. Na escola atual, costumava beber antes de ir à aula e, para "aparecer'' frente aos colegas que o desafiavam, agarrava as meninas na porta, subia um muro de 20 metros e ficava deitado olhando o céu . Tais atos faziam com que se sentisse o máximo. Uma semana após o início do tratamento, chega contando es tar muito mal, "queimei a Bíblia, invoquei o diabo e o satanás, matei um coelho . . . " Ao responder mal à supervisora, foi suspenso por 15 dias da escola. A diretora marca uma reunião com os pais, e ele acha que será sugerida uma internação. Nesse momento é indicado o Núcleo de Aten çãÕ-Ps1ê:'ossocial (NAPSfpor 15 dias e solicitada a presença dos pais. PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- Quem se apresenta é o pai , magro , f ranzino , de aparência f rag i l izada. Revela que seu casamento é um fracasso e que ainda não havia se separado por causa do paciente. Coloca haver uma grande riva l idade da esposa em relação a uma i rmã paterna. Tal fato é confi rmado pelo paciente, sob nova versão : "Minha mãe gosta de meu pai, mas morre de c iúmes dele com uma i rmã. Minha tia é doente, deprimida, já tentou su icídio e sempre atrapalhou a nossa vida, chamando meu pai para ajudá-la ou para afastá-lo dos problemas lá de casa. Meu pai é o g rande culpado pelos nossos problemas, eu acho que meu pai não gosta da minha mãe. A minha mãe é boa. Eu tenho dó dela". A dinâmica fami l iar é , no mínimo, curiosa. O pai com grande difi culdade adquiriu dois aptos de 3 quartos. Em um dos apartamentos mora com a esposa, o paciente e a irmã de 1 9 anos dividem um quarto e o terceiro quarto é alugado. No outro apto, o i rmão e a i rmã mais velhos dormem juntos e os outros 2 quartos são alugados. O paciente gosta muito do irmão mais velho: "Antes eu queria ser amigo dele, queria que me notasse, hoje eu gosto de provocá-lo, de deixá-lo com raiva. Ele não me convida para nada . . . " Toda a famíl ia do paciente é crente, leva a rel ig ião muit íssimo a sério . Isso traz um grande confl ito para o paciente, pois sente-se confuso e angustiado, com grande culpa pelo que fez no passado: q ueimar B íb l ia, pactos com diabo, morte e tortura de pequenos animais, bem como be- 46 ber o sangue desses para consegu i r, em troca, força, d inhe i ro , mulheres, ·-�e,:;;,,- saúde. Fala que isso é uma g rande confusão, pois caso acred ite no infer no, frente a tudo o que fez, a l i seria seu lugar. A bebida e o cigarro são colocados como instrumentos de aces so a um g rande prazer e como forma de des in ibição f rente aos outros . Durante sua permanência no NAPS, comenta que a mãe o está tratando melhor e é observado que a atenção que lhe é dispensada refere se a cuidados em relação ao corpo: oferta de le ite, chá, vaporização quando gripado, etc. Quanto ao pai , d iz que tem horas que não g osta dele , da cara de tristeza que o pai tem, de sua acomodação e de que tudo está ru im em sua vida. "O p ior é que me acho igualzinho a ele . . . " Na medida em que se aproxima o seu retorno à escola, as quei xas somáticas acentuam o desânimo, a depressão e a dif iculdade de en frentar todos. Pensa em adiar seu retorno, pede para f icar mais tempo no NAPS, o que não é autorizado. Acaba freqüentando a escola por pouco tempo, pois, um dia, ingere vários comprimidos do pai , vai à escola e chuta cadeiras. Afi rma: "quando faço coisas erradas me sinto bem . . . " Comunica me que o pai achou melhor ele não retomar os estudos nesse ano. "O . . . . ç9.légio nãQ presta, .só tem maus alunos, os bons não l igam para mim". PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- É sempre assim que se coloca frente ao Outro, como vítima, infeliz, desprovido de qualquer valor, tentando de qualquer maneira ser re conhecido. "Só eu fazendo alguma coisa errada para ter alguma atenção . . . " Cabe ressaltar a sua relação com o corpo. Morre de vergonha de ser tão magro, embora coma bem, não engorda uma grama. Sente-se feio, se isola. Chega a pedir ao pai para entrar em uma academia de musculação, mas não consegue levar adiante seu propósito. Quanto às mulheres, não consegue se aproximar delas, sente se envergonhado e inibido, embora tenha desejos de fazê-lo. Dois episó dios chamam atenção. Após ser encaminhado para uma cirurgiade f imose, torna isso público aos pacientes do NA PS. Rapidamente trans forma-se em objeto de chacota e ao ser ridicularizado frente a uma paci ente linda e que admira, cai doente, dois dias de febre. Outra situação semelhante acontece ao tomar conhecimento que Roberto, o único ami go doidão que tem, está namorando. Esquiva-se de ser apresentado à moça e novamente cai doente. Esse grande amigo, três meses antes, havia feito um pacto de amizade com ele, quando beberam sangue de coelho, saíram, passearam e tomaram cerveja. Esses episódios, envolvendo pactos e sacrifícios, são descritos com certa indiferença. Parece querer causar um certo horror na analista e não trazem muita implicação por parte do paciente. O paciente faz uma passagem ao ato também. Em um domingo relata estar tão mal, 47 sem ter o que fazer, deprimido, que resolveu fumar um cigarro atrás do outro. ·-,-,,,,· , ,. Depois se queimou duas vezes com cigarro, bem como a pata de seu gato. Há no mínimo uma certa estranheza em tais atos. De que or dem seriam? Ao fazer 1 8 anos, chega contando que tudo melhorou, ficou mais alegre e animado, pois foi levado por um paciente do NAPS a uma casa de prostituição. Diz que foi só entrar na zona e olhar as mulheres que tudo se modificou. Relata que passou a pensar no sexo como aconteceu com o beijo. Antes, achava que se beijasse uma garota, o mundo seria diferente, deu o primeiro beijo e continuou o mesmo. Imaginava que com o sexo isso também poderia ocorrer. Dessa forma, adia sua primeira experiência sexual. Mas as coisas continuam no mesmo lugar, ou seja, queixas de que nada muda em sua vida, tudo continua ruim. Relata interrogar a mãe sobre por quê ela não escolheu um homem rico para ser seu pai, por quê foi nascer e qual o sentido de sua vida. Questiona também a Deus, o sentido de sua existência, pois acha que nacfa é normal: além de ter maus pensamen tos, apresenta um corpo fraco e doente, acha até que terá cirrose. Em uma discussão em casa, após ter se apresentado bêbado na casa do outro amigo que tem (e que é careta), se desentende_,Ç,Q.,m. .Q...., , , -,., .,.�_ · . . _., , PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- pai , que sai de casa e troca de lugar com a i rmã mais velha do paciente, que tem grande ascensão junto a ele. A partir daí começa a ter constan tes discussões com a mãe, a reivindicar atenção por parte dela, o que leva a i rmã a chamar a pol ícia para e le . O paciente mostra-se perplexo, sem entender o motivo desse apelo da i rmã à polícia. Após um ano de tratamento, aparece algo da ordem do afeto por parte do paciente. Nas últimas sessões ele tem chorado. Horroriza a famí lia dizendo querer comprar uma jaqueta preta, uma bota, um crucifixo para o pescoço e dormir em um caixão. Traz lembranças de ter sido depreciado pelo pai que o chamava de bastardo, cabeça de abóbora e burro. T raz uma pergunta di rig ida a esse pai: "Ele nunca abraçou nem beijou a minha mãe, como é que eu posso não ter vergonha de uma mulher?" E diz que aos 13 anos passou a ter interesse por tudo que o diabo gosta: Pink Floyd, Black Sabbath, Ozzy. I sso o levou a decidi r que, em sua vida, se não fosse por bem, ia ser pelo mal P beber, fumar, fazer pacto com o diabo, sacrifícios, para consegui r o que queria. Traz ainda uma lembrança. Na 4" série, ao fazerem o estudo do corpo humano, o professor pediu para que ele fosse à frente da turma e levan tasse a camisa para verem o que era um esqueleto, uma caveira, de verdade. PERCiUNTAf QUE JE ABREM O que à primeira vista nos fez pensar em um caso de neurose h istérica, ao longo do percurso, foi trazendo questões que nos remetem a uma ordem outra. Vejamos pontos a serem discutidos que se, por um momento, nos fazem pensar em fenômenos típicos da adolescência, em outros nos trazem perguntas quanto à estrutura: 1) Houve pouquíssima mudança de posição desse paciente em um ano de tratamento. 2) Trata-se de um sujeito que não consegue fazer laço social fora da família. ,; · 3) A mãe só aparece para cuidar de um corpo doente - não f ica claro o lugar que o paciente ocupa no desejo da mãe. 4) Há um hiper i nvestimento no corpo, próximo à h ipocondria. 5) Frente ao outro sexo, o paciente apaga, f ica de cama. 6) Parece tratar-se de um sujeito apragmático, onde o Outro, a família é quem cuida. A impressão que dá é que se não fosse a família para cuidar, esse sujeito cairia. Ele não acredita que possa qualquer coisa, não há um ideal, nada que o leve para . , . frente. PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------- 7) Em relação ao pai, há uma identificação imaginária : corpo magro, apático, desanimado, cara de triste. Trata-se de um pai que se demite de sua função, não intervém no real. A lei do desejo estaria mais do lado do diabo com quem o sujeito pactua, bebendo sangue e fazendo sacrifícios, o que apon taria em direção a um gozo solitário. 8) Poderíamos pensar, então, que deitar no caixão, como um esqueleto, seria da ordem de uma identificação ao morto? COME NTÁRIO /OBRE O CAIO Vanilda Castro "A droga como função separadora do outro parental" Segundo Freud, "a afeição infantil pelos pais é, sem dúvida, o mais importante dos vestígios que, reavivados na puberdade, apontam o caminho para a escolha do objeto . . . " 1 É notável o percurso do adolescente tendo a droga como parcei ra em condutas transgressoras da lei, nas quais busca incessantemente o "olhar do outro". Dessa forma, põe à prova a lei, chegando a interrogar, em atos, os próprios fundamentos da lei. Até onde se pode ir, sem morrer? Nessa travessia, nos seus atos, busca "provocar'' o outro, ob tendo assim a satisfação do reconhecimento de sua existência. É claro, que há uma "negação psíquica" de assumir-se enquanto sujeito, de arcar consigo mesmo, de fazer finalmente o corte edipiano. Para tanto, o álcool lhe propicia isentar-se desse compromisso, já que lhe oferece subsídios de prazer e felicidade. O adolescente, em questão, mostra-se fragilizado, com auto-es tima arruinada. Pode-se identificar que houve em seu processo de desenvol vimento infantil uma inscrição negativa da figura paterna. Explicando a forma como se vê, constata-se que no processo identificatório infantil houve falhas, que agora vêm desencadear esse processo mortífero no qual se encontra. Em meio a conflitos revividos pelo adolescente: separação/ per da do objeto, e não tendo condições psíquicas remotas de vivenciar posi tivamente esse processo, a droga cumpre esse papel de ponte de passa gem, anestesiando quando do surgimento da angústia. V ive-se assim o paradoxo: prazer X dor. 1 s. Freud, Três ensaios sobre a sexualidade , p .21 5. Ps1côncos E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- 49 _ .'. ' "A droga é o instrumento que suporta a metaforização do outro paren tal a partir da eleição de novos ideais . .. "2 Concluindo, a droga tem a função de se constitu ir como recur so, como suplência ao Nome-do-Pai que não funciona. Bibliografia ALBERT! , S. Adolescência e d roga: um caso, in : BENTES,L. e GOMES, R. (orgs) O bri lho da ( in)fel icidade. Rio de Janeiro: Contracapa, 1 998. FREUD,S. Romances Familiares. l n : ESB. Rio de Janeiro: Imago, vol . IX ___ . Três Ensaios sobre a Sexualidade. l n : ESB . R io de Janei ro : Imago, vol . V I I LECOEUR, B. O homem embriagado. Belo Horizonte : CMT-FHEMIG , 1992 OLIEVENSTE IN ,C . A clín ica do toxicômano. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989 DEBATE Sônia Alberti : Trata-se de um caso riquíssimo, que vem sendo atendido há dois anos. Se entendi bem, esta é a segunda vez que você, Maria Wilma, o apresenta. Enfim, tem todo u m contexto. Uma questão já apontada sobre a droga no comentário da Vanilda, o qual -deveríamos relativizar um pouco, tal como você o fez, quando disse que, na realidade, é u m sujeito que não é um drogadicto, pois ele, ao contrário, lança mão da cerveja, buscandoum auxílio, para fazer determinadas coisas. A questão do diagnóstico na adolescência é complicadíssima, porque a psicose na adolescência - psicose mesmo - só fica clara, na minha experiência, quando se trata de esquizofrenia. Esta, historicamen te, como sabemos, foi designada como demência precoce, ou seja, algo que aparece precocemente, na adolescência. Inicialmente, inclusive dita hebefrenia, ou seja, doença da juventude .. . da adolescência. Bem, não me parece tratar-se de um caso de esquizofrenia ... de jeito nenhum. Acho que daí sua questão: no início parecia u ma histe ria, mas e agora depois de tantas coisas que eu escutei, como é que a gente pode pensar este caso? Concordo com a aposta na hipótese de histeria, mas vamos aos poucos. Esse paciente vem encaminhado pelo Centro de Saúde, como um caso de alcoolismo e depressão? Eu não sei bem como vocês aqui diag nosticam alcoolismo, mas beber três cervejas ... isto é alcoolismo? 2 Sônia Alberti . Adolescência e droga : um caso, p . 1 32 Ps1cóncos E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------- Maria Wilma: Acho que na verdade o encaminharam porque não sabiam muito bem o que fazer com ele, e já que ele bebia um pouco, enca minharam-no para cá, um centro com especialistas em álcool e drogas. Sônia Albert i : A primeira co isa que aparece é essa questão que ele traz dos pais. Está no primeiro parágrafo e acho que é algo que permeia todo seu texto , o que é bastante interessante porque volta à questão dos pais na adolescência. Está claro no primeiro parágrafo: "quei xa-se mu ito do pai , que não o entende, que o controla e exige demais. A mãe, segundo relata , desisti u dele" . Quer d izer, da maneira como inicial mente é colocado, há um pai bastante exigente e uma mãe que o largou . É interessante que seu primeiro movim<�nto então é de mandá-lo para ter um cuidado materno - encaminhando-o para o clínico geral - e ele o amamenta com Benerva, Psicosedin e Complexo B. Depois, há outras queixas - gripe - e a mãe oferece a ele leite, chás, vaporização. Enfim, há aí alguma coisa desta idéia que a gente tem da função de mãe, que é a de ficar dando leit inho e coisinhas na boca. E ele, efetivamente, passa a receber as coisinhas na boca. Ou seja, há alguma coisa que responde imediatamente à demanda dele. Por outro lado, aparece muito claramente no seu relato - mu ito bem constru ído -a questão do pai dele. Esse pai é alguém que não o entende, o controla e exige demais, ou seja , ele exerce , mal ou bem, uma função de pai na história. Surgem, então, duas questões. A primeira 5 1 . ' diz respeito ao lugar da mãe em relação a esse pai e a segunda refere-se ao lugar da irmã paterna queixosa e doente, que, segundo relato do paci- ente, interessa mais ao pai do que o que está acontecendo em sua casa. É mu ito impressionante a gente ler, ao longo do texto, como ele se coloca neste lugar de doente, de vítima, de deprimido . . . de "Zé do Caixão". É o Zé do Caixão. Será que poderíamos pensar que esse sujeito está, de alguma forma, tentando ocupar esse lugar tão investido pelo pai? Ou seja, ele se identifica com o pai s im, mas se i dentifica, sobretudo, com esse lugar de vít ima, de deprimido, de doente , de esquelético . . . de Zé do Caixão. Lugar que ele acha que é onde o pai quer que ele esteja, objeto de interesse desse pai . Acho que estamos diante de um contexto absolutamente edípico. Tá certo que é um Édipo negativo, mas um Édipo com todas as letras, como entendido por Freud, ou seja, algo que tem a ver com o lugar que o sujeito ocupa na fantasia edípica . Assim, na relação com o pai ele se identifica com o lugar das pessqas vitimizadas. Maria Wilma traz uma questão bastante importante, quando comenta no final de seu texto, na questão 7: "em relação ao pai há uma identificação imaginária: corpo magro, apáti�?! desanimado, cara tri�!e. PSICÓTICOS E ADOLESCENTES P O R QUE S E DROGAM TANTO? --------- Trata-se de um pai que se demiti de sua função e não intervém no real" . Diria que ele até "ti ra o corpo fora", li teralmente, vai para um outro aparta mento. Aliás esta constituição familiar é mui to engraçada. Não sei se você, Maria Wilma, chegou a tentar investigar isto um pouco melhor: por que cargas d'água essa família tem dois apartamentos, cada um com três q uartos, que são, na realidade, ocupados, só que em duas casas di ferentes? Quero dizer, a família ocupa exatamente três quartos, mas em dois apartamentos e os quartos que ela não ocupa são alugados. É mui to esquisito! Eu investigaria isso um pouco . . . sei lá o que se passa na cabeça desse pessoal. .. mas que é engraçado, isto é. Estou de acordo, quando você diz que há uma i denti ficação imaginária com o pai , com esse pai que tem a gestão dessa coisa engra çada. Mas você também faz referência ao diabo e eu me lembrei do pintor Haizmann, citado por Freud3 . Trata-se de um texto fundamental para pen sarmos a questão da função do diabo na economia desejante do sujei to. Nele, Freud mostra, com todas as letras, como o diabo assume a função de pai . O diabo é o pai . Você diz que ele faz pactos - "toda a família do paciente é crente, leva a religião mui tíssimo a sério" . Bem o que vemos: uma família, que provavelmente tem Bíblias em casa, mas que não faz uma série de coisas. Ele, ao contrário, vai e faz o q ue a família não faz, mas no mesmo diapasão, não tem nada de di ferente: ele está, absoluta mente, dentro das referências dessa família. Só que ele é a coroa e não a cara da família. Então se essa crença toda da família não é suficiente para sustentar a função simbólica do pai - que é o que a gente pode pensar, pois a vida em conjunto dessas pessoas deve ser bastante com plicada - o que o sujeito faz? Ele vai buscar outra face dessa mesma moeda .. . vai buscar o diabo: "quem sabe se eu, fazendo um pacto com o diabo, não consigo, por exemplo, conquistar e beijar uma mulher? Por que nem beijar uma mulher meu pai consegue". Então, até que ponto que esse pacto que ele faz com o diabo - e para o qual,às vezes, lança mão até de amigos, pois deve ser m ui to difíci l para ele beber sangue de coelho e coisas assim - não diz da busca de uma força para inquiri r esse pai diabo? Estamos diante de um Fausto brasi leiro, que busca fazer um pacto que lhe permita chegar a ter mulhe res, dinheiro, saúde, ou seja, passar a ser alguém a quem ele ideal iza. Esse é o ideal dele: um cara que tenha força, dinhei ro, mulheres e saúde. Bom, acho que todos os homens que são homens querem isso. 3 Sônia refere-se ao estudo feito por Freud da história do pir.itor Christoph Haizmann ,no texto "Uma neurose demoníaca do século XVI I" ( 1 923) , publ icado no vai .XIX da ESB. PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- Parece-me então que estamos em um contexto evidente de referência ao pai. Fica a pergunta, no entanto, será que ele pode dele se servir? É muito interessante a gente pensar nessa relação, coelhos mulheres, alg uma coisa do Lanzer - ''tantos coelhos (ratos) que torturo por tantos beijos"-, vemos aí uma metaforização da equivalência sintomá tica clássica, tal como Freud a propõe em seu texto4 • Realmente, concordo que estamos no campo das tentativas das neuroses. Uma coisa que chamou a atenção da Maria Wilma foi o fato de ele se queimar. De vez em quando, isso aparece na clínica das neuroses. Espantamo-nos com isso, mas existe aí uma tentativa de condensar algo da ordem de uma autodestru ição, e isso não é estranho às neuroses, aparecendo, por vezes, como esses pequenos atos. Mas, mais uma vez, quero lembrar que um ato não indica a estrutura do sujeito. Uma conduta não determina se estamos no campo das neuroses ou das psicoses. Na realidade, o que determina é o que o sujeito fala disso, qual a relação do sujeito com isso q ue ele faz. Sônia Albert i : Maria Wilma, você pediu a ele para dizer por que naquela hora e le resolveu matar o coelho?Era algum pacto novo? si/{t Maria Wilma: Era o mesmo pacto: para ele conseguir mulhe- , ;;, ;,, :h� res e saúde. Agora.o que é curioso é que quando perguntei - "mas você acredita mesmo que vai conseguir, mulheres e saúde, matando um coe- lho?" - , e le respondeu que acreditava, mas mostrando esse horror que você apontou. Sônia Alberti : Talvez, uma pergunta um pouco mais eficaz seria: "E aí, você conseguiu?" Maria Wilma: Eu já fiz e ele respondeu que não. Sônia Albert i : Ele deve duvidar de que consiga, mas,em al gum lugar, existe a necessidade de acreditar, de atribuir a crença ao diabo de que isto possa acontecer um dia. Porque como todo sujeito - adolescente, adulto ou criança -, enquanto ele não puder se deparar com a castração do Outro, ele vai fazer um esforço sobre-humano para atribuir um poder ao Outro. É isso que ele está fazendo com o diabo - ele está • Sônia refere-se ao caso do Homem dos . . �atos .(. Ernst Lanzer), _que estabelecia uma associação entre o dinheiro e os ratos: "tantos florins, tantos ratos". Ver vol.X da ESB. P s1cóTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------- tentando se servir de le. Então, enquanto ele não puder assumir que o Outro é castrado, e le vai buscar atribuir uma completude ao Outro . Acho que a única forma de abalar esta crença "inacreditada", é a de poder, aos poucos, por outras vias, que não essas que são sintomáticas, começar a ajudá-lo a se deparar com esta castração do Outro . A partir daí, ele pode chegar um dia a dizer: "eu sou um tapado em acreditar que o diabo vai me ajudar a ganhar uma mulher'' . Fernando Grossi : Pelo pai estar no centro da questão desse sujeito, ele exemplifica muito bem a tese lacaniana de que um pai é merecedor de sua função, quando toma uma mulher como causa de de sejo. Esse sujeito vai lá e marca, precisamente, que esse pai não é merecedor de sua função, que é a de transmitir a castração . Um pai, para ser merecedor da função de transmissão da castração, deve tomar uma mulher como causa de desejo. Um segundo aspecto que me parece interessante, é que ele queixa que tudo está no mesmo lugar, que nada muda, que sua vida está ruim. Isso me faz pensar que esse sujeito não toma o falo como medida da felicidade. Isto é, os objetos que ele investe na vida - mulheres, dinheiro e carro - são investimentos fálicos da vida. E para ele ter acesso a isso, como Sônia disse, é necessário que ele faça um pacto. É necessária uma suplência para ele tomar a vida como uma medida fál ica. Daí, parece-me que esse sujeito oscila entre consentir com o falo, ao preço de um pacto, ou cai doente, deprimido . . . cai na bebida. A verdade é que o lugar para o sujeito cair é no significante. Isso é consentir com a castração, com o significante em ú ltima instância. Sônia Alberti: Acho ótimo isso que você lembrou de Lacan. Esse caso também exemplifica isso de uma outra forma. Pois no fundo, minha interpretação é que o que esse menino faz é colocar-se nesse lugar de objeto do desejo do pai; que é a mulher que interessa ao pai - a irmã do pai, a tia. Essa é a mulher que interessa ao pai, na fantasia do rapaz. Não sei nada do que acontece com esse pai, mas, efetivamente, há uma coisa incestuosa, que.em parte, observamos na conjunção geográfica da família, onde irmão mora com irmã, pai com irmão. Ele, o paciente, procura ocupar esse lugar do desejo que permeia esse caso. Quero dizer que o tempo todo ele, nessa história, está procurando fazer valer o desejo, o desejo do pai por uma mulher deprimida, suicida . .. Zé do Caixão. Marcos Baptista (NEPAD/RJ): Com relação à primeira pergun ta da Sônia: estaríamos mesmo diante de um caso de toxicomania? Eu PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- acho que s im . Acho que estamos d iante de um caso t ípico de toxicoma nia , por uma série de aspectos , que observamos na c l ínica. P rime i ro : é mu ito f reqüente observarmos, inclus ive graças ao g rupo mine i ro , essa d ificu ldade da transmissão do Nome-do-Pai , que percebemos na toxico mania. Segundo : nessa recorrência à toxicomania, pr incipa lmente no adolescente, é dif íc i l sabermos onde está o rito de passagem ou onde está a intrusão do Outro. Tercei ro : uma coisa t ípica que vemos nessas famí l ias , é justamente um certo pacto perverso, onde notamos que o pai não paga o imposto de renda, que os pais têm pouca mobi l idade social , que as fam íl ias não se dispõem ou �çstram g randes d ificu ldades em efet ivar uma modificação efetiva , quando entram em t ratamento. Essa confusão, que observamos mu ito nas toxicomanias, sobre qual é o lugar que o toxicômano ocupa, é muito destacada por terapeutas de famíl ia , particularmente da l inha s istêmica. Ass im , esses toxicômanos , às ve zes, se colocam no lugar do avó, do pai do pai do pai . Eu teria mais preocupação com esse menino, inclus ive porque podemos ver um certo tratamento que é dado a e le . Escutamos das mães de toxicômanos: "quando ele tá sem d roga doutor . . . e le é uma moça". Essa é uma frase mu ito comum; quer dizer, ele só é homem se se d rogar. Se pensarmos no retorno do recalcado, ele só será homem se d rogando. Eu teria bastante cu idado com esse menino . Estaríamos d iante, não sei se posso considerar ass im, de uma i ntrusão do Outro, via coelho . A gen te observa, especialmente nas crianças e adolescentes, esses peque nos fenômenos elementares, que eles contam como se fosse q uase um fenômeno pré-psicótico . Teria cuidado com essa toxicomania, no sentido de que e le já sabe que essa intrusão do Outro permite a ele gozar auto eroticamente . Sônia Alberti : Quando diagnostico neu rose, nesse caso, não quero dizer que não se deva ter cuidado com o caso . Ao contrár io , todo psicanal ista sabe como a neurose pode ser uma coisa muita g rave. O fato de ser neurose não é menos grave do que ser psicose. Eu também não ouvi ele falar de um gozo auto-erót ico, pode ser até que ele tenha, mas não o ouvi dizer sobre isso no que me foi apresentado. ' Transcrição: Carla Silveira Estabelecimento: Oscar Girino PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- 55 < . . -·: ·-:�i-'l.. . , • _ __ ;.;;,.;,cl MAi/ QUE U MA JIM PLEJ INDIFERE NÇA C/eyton Sidney de Andrade Um adolescente de 1 3 anos é trazido para o CMT pela sua mãe; já bastante abalada pelas inúmeras "aprontações" do filho. Neste caso, o acompanhamento ou o atendimento da mãe foi realizado durante todo o tratamento do filho, sendo considerado como algo imprescind ível para o desenvolvimento do caso. O filho, segundo ela, faz uso de maconha e,ocasionalmente,de cocaína. Não sabe se faz uso de outra droga. Vem observando uma mudança nele há, aproximadamente, 6 meses, principalmente uma "indiferença". Já foi preso com drogas, leva do para casa pela polícia; ocasião em que revelou aos pais o consumo antes velado. Foi ameaçado de ser levado para um reformatório; não obstante, permaneceu sem se importar. Vale ressaltar que não é uma apatia, mas sim uma "indiferença". A mãe relata que o ex-marido faz uso de cocaína e só então fala que ela usa maconha moderadamente. Configura-se um ponto de angústia: ela que é de uma geração que fazia apologia às drogas - tanto que na faculdade tentou "apl icar" sua mãe no uso da maconha para que esta pudesse ver que "não era aquilo que pintavam" -, depara-se com o real da forma que seu fi lho relaciona-se com esse objeto . . . a diferença é nítida, se para ela a droga era apenas mais um entre vários objetos, para ele não! Algo claramente havia mudado: ou os jovens ou a droga . . . Apesar do filho ter crescido em torno de pessoas que usavam drogas, aposta que não houve uma influência direta. Uma segunda prisão do filho, por uso e porte de drogas, teve como resposta imediata uma atitude dos pais, e principalmente dela, que não mediram esforços para tirá- lo de lá o mais breve possível. Algumaimplicação dele, ou um susto? Absolutamente nada! Era como se tudo estivesse sob controle! Um acord'ó que fizeram com a Justiça precipitou os a procurar uma ajuda. O adolescente, na sua primeira consulta, procurou logo dizer a que veio: não dizer nada e nada querer saber ... Sem qualquer demanda de tratamento faz da frase "não tô nem aí!" seu principal emblema - como se fosse uma estampa de camiseta, uma marca de roupa ou a capa do ú l timo disco de sua banda de rock predi leta. Extremamente cínico; por pouco não tenciona o analista nos meandros da irri taçãÕ-ábsurda. "Não tê" nem aí!" não só é uma frase - PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- utilizada todo o tempo - como também o significante que ordena sua posição e regula sua relação com o Outro. Convido a mãe a entrar na sala, até mesmo para que presencie a atitude do filho, deixando de lado o furor curandis nutrido pelas falcatru as do "instinto materno", e depare-se com o fato da droga talvez não ser o principal elemento desta equação. A "indiferença" que ela mesma apon tara, rogava por ser lida de outro lugar. Enquanto a mãe procurava sensibilizá-lo, ele se ocupava de tentar ser ainda mais cínico e i rritante. I mpaciente com a demora da mãe no consultório, ameaça ir embora sem ela, joga o cartão de consultas no chão, saindo da sala. Constrangida, talvez por ter-me como espectador dessa cena, abaixa-se para pegar o cartão. Impeço-a de fazê-lo. Vou até o paciente na recepção e convido-o para marcarmos retorno. Já no consultório, para finalizar a marcação do novo horário seria necessário o cartão e é quando solicito-o naturalmente. Exatamente uma semana depois, recebo uma l igação da mãe que.paradoxalmente, justifica a ausência do filho nesta sessão, dizendo que ele foi preso novamente; dessa vez com uma arma de fogo do pai. Com o filho já na cadeia, endereça-me uma demanda: " o que que eu faço?" Preso pela terceira vez! A anterior com um espaço de uma 57 ; semana . .. quando será a próxima? ·,,.,,......;.� Procura saber quais argumentos e propostas poderia usar a fim de garantir que o filho não fosse transferido para uma espécie de "presídio de menores" em outra cidade. Frente à essa demanda, respondo: deixe-o preso! O que se pode esperar de um sujeito que tem a fé de que não precisa responder pelos seus atos? E que não há um Outro suficiente para desorientá-lo numa interdição? Naturalmente reluta. Mas vem a segunda surpresa: aceita a intervenção e decide bancá-la! Pouco depois o ex-marido telefona: "ele é um menino, se faz de forte, mas é muito frágil! " Tendo o conhecimento de uma cena que provocou horror na mãe: a permanência do sorriso e do cinismo mesmo atrás das grades; retorno-a ao pai com uma pergunta: como um menino de 1 3 anos pode ter a tranqüilidade de fingir que está bem e sorrir até atrás das grades? O silêncio do pai talvez revelasse sua surpresa diante daquilo que até então não havia escutado. Ficou por 3 ou 5 dias preso . Depois disso retornam ao CMT. PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- Um fascínio pela marg inal idade foi desvelado logo no início. Isso somado à indife rença exagerada fez-me i ndicá-lo para um acompanha mento paralelo com a psiquiatria. Antes do tratamento, incomodava-se ao ouvir dos amigos que o pai usava cocaína, mas insistia em considerar que isso não passava de uma menti ra. Naquela ocasião, o consumo intensificou-se. Uma outra coisa que o incomodava era a loucura de uma i rmã por parte do pai. Ela ficava a maior parte de tempo internada e, ocasio nalmente, passava alguns dias com eles . Sobre os pais, diz em uma sessão: "minha mãe é uma idiota, fala mas não faz". Pergunto sobre o pai - "ele nem fala nem faz" -, mas logo tenta curiosamente corrig i r (sua afi rmação ou o próprio pai?): " tem vezes que ele fala e faz!" . A mãe não economiza esforços no sentido de reenviá-lo à rede das relações sociais - cursos, práticas de esportes,etc -, mesmo que,por vezes, parecesse uma "internação cultural". Começou a trabalhar como ajudante de marcenaria em uma oficina na casa do pai. Em pouco tempo, ele que, inicialmente, era repre endido por sua mãe pela forma como vinha vestido às sessões, passa a vesti r-se melhor e traz algumas de suas novas conquistas: um relógio, depois um tênis que comprou com seu próprio dinheiro. Em outra oca sião, vem com um embrulho - uma calça dada de presente pela mãe - trazendo, ao seu modo, alguns adereços da transferência ! Em meio à calmaria, um acting: com um dinheiro dado pelo pai, compra uma pedra de crack e é preso novamente . . . Ao contrário da ou tras vezes, demonstrou preocupação tanto com a reação dos pais quanto com seu futuro: "se quiser ter um emprego terei que ter a ficha limpa!". O horror, dantes sentido pela mãe, dá lugar a uma agradável surpresa ao ver o fi lho chorando. Lágrimas que rompem o silêncio da indiferença. O que poderia ser uma recaída opera como um momento de concluir. Volta a estudar e assume suas novas e antigas atividades até sua alt_a. Dando liberdade ao pensamento, alcemos vôo no tempo. Imagi nemos agora que estamos novamente no momento inicial do tratamento para só então acompanharmos algumas evoluções do caso da mãe. Ela e o ex-marido viviam numa disputa constante, mesmo após a separação. Quando ela colocava alguma proibição para o filho, logo o pai aparecia para contrapor, anulando seu ato. Uma boa conduta para a criação do filho ocupava um lugar secundário no "ringue" particular desse casal. PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ------- -- Apesar de ser uma mulher forte , esse enfrentamento deixava-a impotente, inoperante. Sob transferência, esse quadro se altera. As bri gas entre mãe e filho eram freqüentes e ela passou a intervir, mesmo que com violência, para conter o filho sem limites . Coloca-se uma pergunta, quando o enfrentamento com o filho torna-se uma luta corporal: seria uma intervenção ou agressão? "Ele precisa agora é de um pai e de uma mãe" , diz o analista tendo como efeito uma interpretação. Na sessão seguinte, chega falando que essa intervenção fez com que ficasse deprimida durante toda a semana. Algumas sessões depois dirá que chegou a sentir-se ofeJJdida e teve ódio. Mesmo com essa "depressão" produziu dois sonhos: a) Numa fazenda antiga, estava dentro de uma casa - também antiga - vê um cadáver que era um fantasma. Ela zomba, daí ele levanta e a persegue. Mas mesmo assim ela enfrenta-o. Faz uma associação, dizendo que é uma mulher forte que não tem medo de macho. Se for mais forte que ela, pega um porrete, se for preciso! b) Corria por uma estrada e um homem "que a queria" corria atrás dela em um carro. Ressalta que não corria dele, ape nas corria. Um amigo, que a chama pelo aumentativo de seu nome, disse que aquele homem era rico e que poderia fazer algo por ela. Com isso, volta-se à procura dele, mas não o encontra. Pergunta-se se ser mãe é ter dinheiro para poder comprar outra casa e mudar de cidade. O que é ser mãe? Era ou não uma mãe? Para o marido a relação nunca foi "Pai- Fêmea-Filhos", mas sim "Pai - Filhos e abaixo a Fêmea". Tentava interceder nessa relação, que chamou de edipiana, mas nada conseguiu. Começa a perceber que havia uma diferença entre ser mãe e ser "uma fêmea com um porrete na mão" , mesmo na ausência do "ma- cho". Suas atitudes tornam-se atos cada vez mais precisos na con dução do filho. O ex-marido passa a ser interpelado com a mesma preci- são. Ela mesma fala da transferência que a possibilitou descobrir que não poderia mais encobrir a falta do Outro. Ps1cóncos E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- 59 .· · . ·, , .. �!!"-�._... · A relação com o filho , assim como a relação deste com as drogas, passa por uma mudança surpreendente, com uma rapidez que nem ela - muito menos eu - esperávamos. Estando o filho afastado das drogas e sem os velhosou os novos amigos , ela passou a observar um certo isolamento, que começou a preocupá-la. Imediatamente prontificou-se a posicionar-se como uma suplência para esse lugar que ficara vazio. Foi importante a observação de uma diferença: as conversas, que vinha tendo com o filho, não teriam que vir como suplência das amizades, que ora faltavam a ele, mas sim como um facilitador de algumas elaborações. Algumas significações, que passaram a ser dadas por ele na "construção" de seus novos conceitos, obtiveram das palavras da mãe uma importante referência. O abandono do uso de drogas pelo adolescente, assim como o retorno dos seus investimentos para outras práticas sociais; demons trando os novos termos da sua relação com o Outro, puderam ser consi derados plausíveis para a autorizá-los a não mais freqüentarem as sessões. A mãe, que iniciara um trabalho de análise, por algum motivo concluiu que o percurso feito até ali havia sido suficiente. DEBATE Sandra M. Pereira : Temos um outro caso riquíssimo, que sus cita uma série de perguntas. Uma delas refere-se à questão da "alta", da cura. No CMT, somos, muitas vezes, chamados a falar sobre o que é a cura na toxicomania e na psicanálise. Por isso, seria interessante que o Cleyton desenvolvesse mais esse ponto. Este caso nos traz também alguns elementos típicos da ado lescência atual: é um jovem que usa drogas; que encontra na mãe uma mulher de fibra, forte; que cresce em torno de pessoas que usam drogas, inclusive os pais; que já foi preso agindo de forma grave, notoriamente na busca de uma direção, de um encontro com o pai. Diante de uma propost� de tratamento, este jovem, cínico e indiferente, atualiza sua posição subjetiva - "não tô nem aí" . Paralelamen te, surge a mãe; situação característica dos atendimentos de adolescen tes. Uma mãe que não sabe o que é ser mãe; que não sabe o quê a diferencia de uma fêmea ou de uma amiga. Uma mãe que endereça uma pergunta ao analista e a partir daí tudo muda: "o que eu faço?" Um analis ta que escuta, que intervém no sentido de apontar algo que nunca tinha sido escutado. Esses dois últimos pontos me parecem fundamentais para cons- PSICÔT ICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- truirmos o pe rcurso dessa cura. Localizar o quê d a fêmea ofusca a mãe , para que esta possa viabil izar os significantes da refe rência paterna como modu ladores do gozo. Determinaram-se destinos dife rentes para dois su jeitos. Um sujeito adolescente ind iferente e cínico é, facilmente, excluído d as escolas , dos tratamen tos , dos programas .. . . Faz-se necessário, en tão, acolhê- lo da forma como se apresenta, por mais que seja d if ícil ; só ass im se rá possíve l faze r ope rar uma mudança de posição subjetiva. I nd iferente a quê? I nd ife rente a que m? A u ma mãe que não sabia o que falava; que falava, mas nunca fazia;que é "uma idiota"? A um pai que l he de u uma irmã louca; que cheira cocaína; que ne m fala, nem faz? A indife rença vinha configu rando-se , neste caso, como uma covard ia deste sujeito adol escente frente a seus impasses e decisões. Esse aspecto me fez lembrar da in tervenção bril han te de Sônia Alberti, na mesa de abertura, quando e l a indicava esta covardia no sentido de uma p reguiça. Fernando Gross i : O primeiro ponto d o meu comen tário d iz respe ito à questão de como retificar a satisfação pulsional , antes de advir a formação de um s intoma. Trata-se do debate freud iano no texto "Anál i se Te rmináve l e I n te rmináve l " . Parece-me que esse caso propõe isso d a segu i n te forma: há u m sujeito que se satisfaz decid idamente - "não tô �:�;�:;: ��: ��� e ;�:! z ;u��t:� º d!���� �:��.ª�:a á v�� :U� d �ã� e ��� d � '"�1��[ apelo, não há uma demanda de tratamento. Como bem d iz o Cleyton , ele se re laciona com o Outro, regula o Outro, através dessa ind iferença, apon tando algo sobre a questão de seu desejo no campo do desafio. Lacan , de certa forma, marcou a p ropósito desse desejo, que sustenta um de safio na relação com o Outro, como um certo traço de perversão. Lembre mos do modo como a jovem homossexual5 relacionava-se com seu pai. Não estou dizendo que o caso, relatado pe lo Cleyton, seja um caso de perversão. Essa modalidade é d ecidida e põe um problema. Daí, poder mos pe rgun tar: será que as inte rvenções pol iciais dão conta de re tificar algo dessa natureza? Um segundo aspecto, que gostaria de destacar, é o de que algo se modifica na relação desse sujeito com o social . H á u ma mudança e talvez possamos nos pe rguntar se essa mudança, na relação com o so cial , aponta para a passagem de uma posição de desafio a um ce rto s Fernando refere-se ao caso relatado por Freud em " A psicogênese de um.caso de homossexual ismo numa mulher'' ( 1 920). Ver vai .XVI I I da ESB. PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- consentimento. Esse suje ito consente em trabalhar, consente em com prar algumas coisas com o próprio d inheiro . Sua mãe parece, então, ter a lguma razão em querer oferecer a ele um certo campo de cu ltura, de inserção na cultura . Isso talvez nos mostre que, para a lguns segmentos sociais - por exemplo, o caso dos menores infrato res que, geralmente, não fazem uma demanda de tratamento - , deveríamos, antes de se ofere cer a lgum d ispositivo cl ínico, oferecer algo que viabi l izasse alguma troca do sujeito com o social . Ass im, no tratamento desse sujeito também está em jogo o manejo dos pais e a relação com o trabalho. Parece-me que essas três d imensões é que poss ib i l itaram a passagem do desafio ao consentimento com o social . Meu terce i ro comentário aponta para os incômodos desse su jeito . Onde e les se local izam? Seus incômodos são mu ito p recisos: " eu tenho um pai que usa cocaína; eu tenho um pai que fez uma fi l ha louca". Os incômodos desse suje ito passam, então, por essa relação com o pai . Gostaria ainda de destacar a função das recaídas. Ele começa o tratamento e na primeira recaída é preso. Na segunda recaída, ele é, de novo, preso. Daí, podermos perguntar: qual é o nosso papel no manejo das recaídas? Penso que a segunda recaída mostra que devemos inte grar as recaídas na cura . Por isso, a segunda recaída, nesse caso, é completamente d iferente da primeira. Meu últ imo comentário refere-se aos dois n íveis de intervenção do Cleyton . Talvez possamos caracterizar a relação do Cleyton com esse suje ito e , no in íc io, com a mãe, como entrevistas pre l iminares para que essa mãe consentisse com algo do anal ítico. Porque, de fato , a i nterven ção analítica que o Cleyton fez foi com essa mãe, que começou a produ z ir formações do inconsciente, começou a produzir sonhos, endereçados a ele. Certamente, essa mãe esteve atenta às i ntervenções do Cleyton : por exemplo, na questão do cartão ou na pontuação "deixa o menino preso". Tudo isso parece ter servido para que ela construísse algo da suposição de saber. Sônia Alberti : Acho esse ú l t im.o ponto , destacado pe lo Fernando, fundamental. Como é importante, sendo possível, integrar um trabalho com os pais no p róprio trabalho com o adolescente. Efetivamente essa senhora fez um in íc io de anál ise. Minha primei ra pergunta, que também já foi sugerida, tem rela ção com a "alta". Isso é p raxe aqui : que vocês dêem alta? Que h istória de alta é essa? Cleyton: A questão toda é a seguinte: ao ter abandonado a d roga, ao voltar a estudar e a fazer todas as suas atividades, e le não se PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------- mostrou muito mais interessado em vir. Como eles moram em u ma cida de do interior e a organização familiar t inha, de uma certa forma, se mo dificado, eles é que pediram, já que ele estava bem. Não fui eu quem disse: " você está de alta" Sônia: E não haveria a possibil idade da mãe, por exemplo, continuar a vir - nessa relação transferencial que ela fez com você - ,mesmo se o fi lho não viesse mais? Cleyton : Haveria s im, essa possibil idade existia, contei com isso e até esperava que ela fizesse essa demanda, mas sua decisão foi a de retornar para continuar as coisas que ficaram interrompidas em sua cidade, du rante o tratamento. ,r, Sônia: Gostaria de saber sobre o momento em que esse meni no começou a se drogar. Tem alguma relação com a separação dos pais? Cleyton: Não, os pais se separaram muito antes dele começar a se drogar. A separação não foi o que precipitou o uso em termos de tempo cronológico. Quando ele chegou aqui já usava há.aproximadamente, 2 anos. Por que ele começou, eu não sei. Como eu disse, ele falava muito pouco e quando ele passou a falar mais - período que coincide com o momento de seu retorno de alguns dias na prisão - suas falas eram sem iníc io e sem fim. Eram colocações um pouco isoladas. Por exem plo, ele falou do incômodo de ficar sabendo que o pai usava cocaína e que ele não acreditava nisso ; falou da irmã que ·apareceu para passar férias 63 . . com eles e que isso o incomodou. Mas ele não falava muito mais, não '-��: desenvolvia quase nada a respeito desses pontos. De toda forma, já era bem mais do que o "não tô nem ar', do início. Sônia: Já comentei um pouco a questão da indiferença no caso da Maria Wilma. Este caso é um exemplo de como esta indiferença é uma "bela indiferença". A gente vê que, na realidade, a questão está toda ali; e é quando ele se dá conta dela e pode subjetivá-la. O paciente pode se implicar tão completamente na questão, a ponto de, realmente, haver uma importante mudança de posição subjetiva neste caso. Trata-se de um caso onde aparece a questão de uma mãe fálica: dita "forte", com "fibra" . Ela, no entanto , se queixa, como toda boa histé rica, de que as pessoas não dão a ela toda a importância que merece: o pai olha primeiro para os filhos; ela fica em último lugar. Ela não tem lugar j unto ao pai - o que é uma queixa típica da histeria - "eu não tenho lugar, ninguém me dá lugar'' . Evidentemente, para retomar a intervenção do Fernando no caso anterior, essà mãe é um objeto de investimento desse pai , a ponto de que, quando você escreveu que há brigas entre os pais com relação ao que o menino deve ou não fazer, V?.Cê escreveu que nesse ringue particular do casal acaba a criação do filho - que·fica em segundo PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- plano -, porque o que in teressa mesmo é o bate-boca entre um e outro. Temos o pai tentando barrar essa mãe, dar um limite para ela, mas como ela é 'forte", de "fibra", não deixa esse pai in tervir e dizer basta. Provavel mente esse pai, até hoje, deve ter uma "quedinha" por essa senhora, apesar dessa senhora achar que ele não liga para ela. I sso é muito co mum. Como disse no caso an terior, na adolescência é difícil fazer diagnóstico, porque a fenomenologia é, muitas vezes, espetacular, fan tástica, com milhões de fenômenos e realmente corremos o risco de ficar fascinados pelos fenômenos. A gente vê, nesse caso particular, que esse menino pôde fazer um trabalho, talvez não o trabalho todo da adolescên cia, mas ele pôde fazer um trabalho e por isso eu teria dificuldade - estou quase pedindo desculpas - em, novamente, diagnosticar uma psicose. Por mais que a gente veja que existem aí questões que, normal mente, na h istória da psicanálise, foram tratadas como da perversão - essa mãe fálica, essas coisas de atos sem limite -, acho que esse caso pode, sobretudo, nos servir para perceber que, por mais fantástica que seja a fenomenologia, não é isso que deve nortear o diagnóstico de um caso. É ouvindo o sujeito e dando lugar para que ele falar, que surge, no fim das contas, a posição dele, que era, como disse o Fernando, uma. posição de desafio. Isso é claro: ele passa a usar mais drogas, quando descobre, por exemplo, que o pai era usuário de drogas. Isso tem tudo a ver com o que eu falei, na mesa de abertura, sobre o sujeito tentar se separar dos pais. Temos uns pais muito liberais, que têm droga à vontade em casa - até a mãe fez a avó fumar -, é uma liberdade geral, pode tudo! Então, como é que esse menino vai ter uma posição sobre o que ele quer, diferente desses pais, se para esses pais pode tudo? Na verdade, ele tem que forçar a barra para se contrapor a isso de alguma maneira, e a maneira que ele encontrou foi chegar nisso e, inclusive, fazer a mãe se dar conta de que ela é uma mulher e não uma fêmea com um porrete na mão. Oscar Cirino: Sônia, �1ª0 precisa se desculpar de diagnosticar neurose, porque de fato nossa preocupação com essa oficina clín ica - Adolescência e Toxicomania - não era discutir casos de psicose. A preo cupação era discutir a relação da adolescência com a toxicomania, i nde pendente da estrutura. Sônia: Mas eu acho importante a gente discutir a questão da estrutura. Oscar: Claro! Mas não precisa pedir desculpas porque você encontrou dois casos de neurose, como se houve.sse que ser diferente, em função do título da jornada - "Psicóticos e adolescentes: por que se PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------- drogam tanto? " Como eu disse na mesa de abertura, temos dois campos de investigação, que não têm, necessariamente, que sempre se encon trar. Cleyton: É interessante quando a Sônia afirma que a mãe é uma mãe sem limi tes , que precisa ser barrada. Você propõe uma nova lei tura dessa relação dos dois , desse par, porque, em relação ao f i l ho, quem estava completamente des l igado do que se passava era o pai. Quando a mãe colocava um limite, por exemplo - não pode andar de bici cleta - ela trancava a bic icleta, pai chegava, abria e liberava. Então, de repente, essa mulher que precisava de limi te na relação com esse h omem, era a que tentava se encarregar de colocar algum limi te para o fi lho. São curiosas essas duas pos ições, que, a princípio, são parado- xais . Sônia: N a realidade ela bancava o homem, ela achava que ti nha u m porrete bem maior do que o do marido. Pergunta: Com relação às medidas que a justiça determinou , você fala que ele foi p reso, já era a terceira vez. Você investigou se houve, nas outras duas prisões, alguma medida sócio-educativa? Por que parece, pelo que você descreve, que ele recebeu u ma medida de liberdade assistida, e parece que para ele teria que ser u ma medida de liberdade vig iada, não é? Mas não quero me ater a isso. -Quero te pergun- tar se você investi gou , em outro momento, se havia tido alguma medida "'"� . . -.S .... -;i_\. 1 do ju izado com relação a essas ações qele. Trabalho com adolescente infrator e a gente percebe que, em alguns casos, há o início de uma pequena reti ficação subjetiva no mo mento da apreensão. Mu ito trabalho é preciso ser fei to depois disso, mas é possível notarmos pelo menos algum espanto e começarmos a trabalhar a questão da relação com a justiça e com a própria drogadicção. Cleyton: Gostaria de lembrar que as duas primeiras vezes , que ele foi preso, foram anteriores à chegada dele ao CMT. A mãe já chega dizendo que tinha s ido preso duas vezes. Pela força que a família possu ía na cidade, na primeira vez, a prisão foi contornada - ficou aquela coisa de jog o de interesses, de troca de favores. Na segunda vez, houve uma ame aça - "bom se isso acontecer outra vez, vamos ter que tomar uma medi da oficial" . E não houve nenhum início de qualquer possibilidade de retificação nessas duas vezes , porque ele mesmo ficou na indi ferença. Algo começa, realmente, a acontecer é depois da tercei ra vez, quando dig o - "deixe-o preso" - , talvez já demarcando um início de uma transfe- rência. Com relação à medida adotada, eu, de fato, não me preocupei em procurar saber qual tipo de medida era, ·se liberdade assistidáou Vigiada. PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- Comentário : Parece-me que, diante da situação de uma mãe que limita e não limita, deum pai ausente, que contradiz o que a mãe tenta barrar, esse sujeito faz o apelo de um pai. A partir de minha experi ência de trabalho.dos relatos, que escuto no juizado, parece-me que ele faz o apelo a um juiz-pai, a um pai-juiz, algo da ordem da justiça, que consiga dar uma dimensão aos seus atos. Podemos pensar também no apelo ao pai-analista. Cleyton : É interessante notar que é onde os pais se fariam mais presentes no sentido do senso comum, ou seja, ir lá, não deixar que o filho fique preso, fazer toda força para liberá-lo - porque isso é coisa de pai e de mãe -, é onde eles menos inscrevem ou fazem algo operar. Essas medidas, que eles tomavam, passavam em branco para o sujeito: não havia então um pai e uma mãe. Temos uma contradição aparente. Sônia: Antes de encerrar, queria aproveitar para chamar a aten ção para essa pequena frase, quando ele diz que a mãe é "uma idiota" - ela fala, mas não faz - e que o pai também não faz, mas que," às vezes" , fala e faz. Penso que esse "às vezes" é que faz toda a diferença, pois aí é onde, efetivamente, há o exercício desse pai para esse menino. Transcrição: Eloísa Helena de Lima Estabelecimento: /dália Valadares Bahia e Oscar Girino PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- 3 · ·· · OFICINA CLÍNICA: P/J.COIE- E TOXICOMANIA ,. Casos clínicos: /dália Valadares Bahia; Eloísa rle/ena de Lima, · Ana Regina Machado, Sandrçi Mara Pereira · l)ebatedór: Guy C/astres . Coordenàçãõ': 'Péfflando Gróssi OFICI NA CLÍ N I CA: PJICOJE E TOXICOMAN IA CAJO ALB ERTO ldálio Valadares Bahia Os problemas desse paciente, que atualmente está com 23 anos, começam a se revelar no início de sua puberdade, por volta dos 12 anos. Apesar da seriedade deles, só no ano passado os pais conse guem trazê-lo para iniciar um tratamento. Até a idade de 12 anos, portanto, durante sua infância, tudo se passava como se vivesse um conto de fadas, num mar de rosas. É a constatação que faço ao ouvir o relato de sua história por sua mãe. Era uma família perfeita. Os pais nunca brigavam, se entendi am maravilhosamente e esbanjavam carinho e atenção com os três fi lhos, sendo Alberto o mais novo. Os pais eram professores, profissionais competentes e respei- 69' J tados em sua cidade. A família era elogiada por sua harmonia e apontada ..,.,.,, ;;�, ; como exemplo pelos amigos . Os filhos não manifestavam nenhum tipo de dificuldade e viviam rodeados de bons amigos. A mãe era diretora de uma escola importante, muito dedicada ao trabalho, procurando sempre manter-se atualizada em sua profissão, freqüentando sempre um novo curso. Dizendo-se muito dinâmica, estava sempre executando alguma outra atividade, além da sua profissão. O pai era dentista e professor na f acuidade de odontologia. Certo dia o pai adoeceu e precisou ser submetido a uma cirur gia. Às vésperas dessa cirurgia, ao conversarem sobre decisões a serem tomadas em função da hospitalização, o pai responde de forma brusca a alguma pergunta da esposa. Ela se surpreende porque isso nunca havia acontecido antes. Fala da sua surpresa e diz que conversariam, quando ele se restabelecesse da operação. Brota uma suspeita de que o marido estivesse com outra mu- lher. Quando voltam a conversar sobre isso a suspeita se confirma. Então, nesse momento. uma incisão cirúrgica se fez nessa redomaifhigfnária. Ps1cóncos E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- Dessa operação Alberto se colocou como resto . São fe itas algumas tentativas de sutura dessa ferida, mas e la não se curaria jamais. A palavra do pai, à qual se tentou dar a função de fio que pudes se amarrar esse buraco, se mostrou frág i l e sem valor. As mentiras eram freqüentes, a palavra do pai não sustentava mais nada. Faz-se outra tentativa de reparação, um outro lugar, outra cida de, afastando o pai do objeto de seu desejo. I nút i l , nada mais dá conta disso. A mãe se deprime, abandona todas as suas atividades, se dei xa f icar pelos cantos da casa - conforme suas palavras . Alberto, in icialmente , a acompanha n isso, identificando-se com a sua dor, mostrando-se s i lencioso e tr iste. Abandona os amigos, come çam as d if icu ldades escolares, não se interessa por mais nada. Em rela ção ao pai , demonstra ódio e o deprecia. Num momento seguinte procura outros relacionamentos, apro x ima-se de pessoas marg inais - segundo a mãe. Passa a sair mu ito de casa; com freqüência passa noites fora, sem dizer a n inguém onde va i ou com quem vai . A mãe está às voltas com sua dor ou , num outro momento, longe dos f i l hos , que deixara ao se mudar com o pai para outra cidade . Nesse momento, Alberto começa também a usar d rogas. Ma conha e cocaína, pri ncipalmente. Diante d isso, a mãe o leva para sua companhia . Medida que não traz nenhuma mudança. O uso de drogas e as amizades com garo tos que usam drogas continuam. Não escuta os pedidos e os conselhos da mãe. Não escuta nada. A mãe se sente perdida e sozinha para l idar com este proble ma. Ao entender que o problema são os amigos , e la decide pelo afasta mento , a lugando um apartamento em outra cidade - na capital - onde Alberto vai morar sozinho. Durante os três meses em que permaneceu lá não freqüentou a escola como e ra esperado. É levado de volta para sua companhia. Quando j ustifica a dif iculdade de i r à escola pela d istância de sua casa, sugeri ndo que um carro resolveria o problema, a mãe o com pra . Medida que também é ineficaz. Alberto continua taciturno quando está em casa, não fala com a mãe, fecha-se no quarto , não toma banho e q uase não se a l imenta. Não aceita nem pensar em tratamento e a mãe fica a espera d� �u,� ��ci�ão ou de seu .acordo quanto a isso . PstCÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- Em certo momento Alberto fala em matá-la e em se matar. E la, temerosa, decide mandá-lo para a companhia do pai que vol tara para sua cidade e morava com a outra mulher. Ele fica hospedado em um hotel , já que os i rmãos mais velhos trabalhavam em outras cidades. Fecha-se no seu quarto e as tentativas do pai de levá- lo à escola quase sempre são inúteis. No final do ano é aprovado pelos professores, que atendem um pedido do pai, do qual eram amigos. Assim termina o colegial , depois de inúmeras reprovações. O ódio pelo pai continua intenso. Mesmo assim acei ta fazer uma viagem a S. Paulo, na companhié! dele e de um i rmão. Vão visi tar uma feira de automóveis. Ao mostrar, à mãe, uma foto tirada nessa via gem, comenta: "olha a cara de assassino de meu pai". É este o quadro relatado na primeira entrevista, no in ício do ano passado, aqui no CMT. Nesse momento, Alberto quase não consegue falar. As pala vras saem arrastadas, os significantes não fluem, as pausas são longas, dando a impressão de que está perdendo o fio de seu pensamento, que ele,no entanto, retoma. Fala vagamente de suas dificuldades escolares, do uso de dro gas, da preocupação que vem dando a sua mãe. Mas, somente alguns meses depois desta primeira entrevista é ·· que retorna para tratamento. Nesse segundo momento me p rocuram no consultório. Aval iando as dificuldades desse paciente e levando em conta o fato de morarem em uma cidade distante, proponho um período de internação, logo no início do tratamento. Todos concordam. Fica então internado, durante, aproximadamente, 1 5 dias, numa cl ínica em Belo Horizonte. É medicado com antipsicóticos. Torna-se mais comunicativo; com certa desenvol tura para se relacionar com os outros internos, as palavras já fluem com menos difi culdade. Entra em contato telefônico com antigos amigos e com os ir- mãos, coisa que há anos não fazia. Participa das reuniões em grupo, oferecidas na cl ínica, e escu ta com interesse as palestras sobre drogas. Demonstra que credita a causa de seus problemas ao uso de drogas. Procura compreender isso, fazer l igações entre o uso de drogas eos problemas da adolescência - a droga como fuga. Surge uma construção significante que vem se repetindo como um estribilho - a idéia de tirar o atraso - recuperar o tempo perdido . ..:.:_ . ....;. . . , :.e. Talvez se refira, como sugeriu um colega, ao tempo de sua .. PSICÔTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- 71 . _ _ _ -.�. ;.;."';::..- infância, ao recuperar, à maneira de Proust, aquela redoma imaginária, mui to mais que ao preparar-se para a vida adulta, ou a uma construção simbólica para se haver com ela, ou para reparar essa ferida narcísica pela via do simbólico. Possibilidade que, ao modo fálico, não lhe seria poss ível, supondo uma foraclusão do Nome do Pai. Assim, todas as suas tentativas de começar uma construção nesse sentido têm fracassado. Não conseguiu dar continuidade ao curso de violão, ao curso pré-vestibular, onde só foi a uma aula , à ginástica na academia, etc. Após a internação permanece morando em Belo Horizonte, com sua mãe. A continuidade do tratamento tem sido difícil, se recusa a vir na maioria das vezes. Certo dia se perde a caminho do consultório e só consegue chegar duas horas depois do horário. Ern outro, atendendo a meu chamado, vem ao consultório como saiu da cama, de chinelos , não penteou os cabelos nem lavou o rosto. Às vezes aceita usar a medicação, outras vezes não aceita. Tem-se mostrado menos hostil ao pai, e o relacionamento soci al, em alguns momentos, não é tão difícil. Consegue receber visitas em sua casa e conversar com elas. Continua o uso de drogas e fazendo novos amigos entre os usuários de seu bairro. Há alguns dias viajou para sua cidade, onde deve permanecer por mais de dois meses, não atendendo meu pedido para que adiasse, alguns dias, a fim de não interromper o tratamento agora. A mãe se mostra vacilante quanto ao tratamento. Decepciona se com o fato de não ter acontecido a mudança que esperava e não tem colaborado no sentido de fazê-lo respeitar os horários combinados ou quanto ao uso da medicação que vem se fazendo de forma irregular. Sua decepção tem feito ela pensar em desistir do tratamento e retornar ao interior. '/ · Mostra-se agarrada à idéia de que os problemas são decorren tes do uso de drogas e que seria suficiente afastá-lo delas. Motivo pelo qual, suponho agora, ela teria aceito a internação tão prontamente. Drogas que, no meu ponto de vista, vêm dando, a esse sujeito, a ilusão momentânea da recuperação da estabilidade imaginária perdida, na impossibilidade de uma construção delirante, numa aliança a seu re traimento libidinal em direção ao auto-erotismo. Retraimento indicado por Freud em seus estudos sobre o que chamou de Demência Precoce. PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- CA/0 JO/É Eloisa H. de Lima José compareceu para entrevistas no CMT em 1 993 . Nessa oca sião, encontrava-se com 26 anos. Queixava-se de problemas de saúde - pulmão e coração - (hipocondria?) e da ocorrência de pensamentos ruins: doenças e morte. Dizia não conseguir ver nada de bom na vida. I n iciou o uso de bebida aos 13 anos de idade, tendo, também, usado, nessa oca sião, maconha e cocaína (inalada e injetável) . Substituiu as drogas pelo álcool , pois a bebida o aliviava dos seus problemas. O uso de medicamen tos, tais como Valium, Diazepam e Olcadil , também era uma constante - "sempre fiz uso". Dizia não poder ficar sem remédio, pois ficava muito ner voso, pensando sem parar nos problemas, saindo correndo desesperado. Retornou ao CMT, em agosto de1998, relatando que havia mu dado de cidade há 3 anos; havia retornado para a cidade onde nasceu - Pirapora - e lá continuou tratamento psicoterápico e psiquiátrico. O terapeuta, que o recebeu no CMT, encaminhou-o para avaliação psiquiá trica e para a psicoterapia. A avaliação psiquiátrica enfatiza a desorienta ção do paciente, suspeitando de um quadro delirante. Foi medicado com ·Haldol , Tryptanol e Tegretol . Recebi José, para primeira entrevista, em setembro de 1 998. Apresentava-se muito confuso, com relatos de cunho, notadamente, persecutórios. José sugeria que não queríamos recebê-lo para tratamen to e que as pessoas na rua o estavam perseguindo. Nessa ocasião rela tava sintomas corporais sugestivos de percepção delirante:" o estômago se abrindo, se misturando com os outros órgãos". Falava em se matar e en fatizava seu hábito de planejar tudo antecipadamente (em pensamen to). Queixa-se de ser importunado por estes pensamentos. Estava be bendo muito; o que dificultava o esclarecimento do quadro cl ínico. Retornou, em uma semana, relatando a ocorrência de novas crises -" fiquei escutando vozes saindo do motor do ônibus". Estas crises têm ocorrido quando José está em trânsito."O meu problema é que eu não sou bonzinho, todo mundo pensa que sou bonzinho, aprendi que tenho de ser bonzinho, mas, na verdade, eu sou mau, tenho pensamen tos muito ruins". Convido-o a falar sobre isso e proponho atendê-lo duas vezes por semana. E le n ão se dispõe. Na semana seguinte relata uma melhora: ficou sem beber e voltou a trabalhar. I nterrogado sobre os episódios de embriaguez e fenô menos apresentados, apon ta uma repetição - "já são conheciçlos meus";"vendia tudo o que tinha para beber, vivia caído pelas ruas". · · · PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- : . . '74 :� .. . , , . . . -� · Nas semanas subsequentes o trabalho passa a ser o seu tema predi leto. Muito incomodado com a patroa -"é muito autoritária, é um sargento, uma mulher de barba e bigode". Não sabe o que ela quer dele; fica pensando em estratég ias para l idar com ela; teme não suportar a pressão e fazer alguma besteira . Voltou a beber, andando mu ito tenso e acordando à noite . Este quadro se agravou e José dizia da sua vontade de sair correndo, pôr uma corda no pescoço. Estava com muito medo de morrer. I ntervenho, encaminhando-o ao"leito-crise", mas ele não aceitou essa intervenção e foi embora. Retornou, dizendo que passou mu ito mal e fo i internado no Hosp ital das Cl ín icas . I nterpelo-o sobre a sua impl ica ção com o tratamento . Após esta intervenção o paciente manteve-se abstêmio. Relata sonhos f reqüentes com bebida; queixa um vazio muito grande; não sabe o que quer; sente uma necessidade constante de ficar mudando de c ida de, mas acaba sempre repetindo as mesmas coisas . Quer voltar a traba lhar, mas não quer ser exp lorado , tratado como um escravo. Relata ocor rência de outra crise de pânico -"estava caminhando e começou a me faltar ar, a respiração ficou dif íci l , a cabeça começou a pesar, fu i me sentindo pressionado". Diz que melhorou após ter conversado com a mãe pelo te lefone. I ntroduz sua questão com a paternidade: d iz que é o últ imo espécime da famíl ia e o desejo do seu pai é que e le desse cont inu idade -"meu pai gostaria mu ito, mas eu não tenho condição" (alega dif iculdade f inanceira) . Pergunta-se se um f i lho resolveria seus p roblemas . I ntroduz outra questão : está casado há 1 2 anos e sua esposa tem dificu ldade para engravidar, já teve 2 abortos. Nessa ocasião, ele demanda um enca minhamento ao cl ín ico , pois está apresentando um problema q ue não pode conversar comigo - uma inflamação no pênis. Foi ao c l ínico pergun tar por que não consegue engravidar sua esposa. Nas semanas seguintes continua"estabi l izado", mas queixan do-se, freqüentemente , da falta de d inhe i ro e do d ia-a-d ia da sua vida : " todo d ia é a mesma coisa, trabalho, como, du rmo . . . gostaria de fazer outras coisas, estudar, passear, mas isso não está ao meu a lcance e eu não vejo muita chance de melhorar'' . Por outro lado, d iz que está dando para fazer algumas coisas, que não fazia antes:"está dando pra comer as coisas que gosto e pra transar com minha mu lher todo d ia". Na transferência, o tempo de intervalo entre uma sessão e ou t ra , sempre meticu losamente del imitado pelo paciente,a cautela e o cuidado nas intervenções colocam-se como fundamentais para o prosse gu imento do tratamento. Su rge um sonho de extrema riqueza: dois sobrinhos. rn.e]Lªl:!1 - PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- num computador e previram que o mundo iria acabar em 2028. Nesse momento abriu um buraco no céu, começaram a cai r pedras e Deus surgiu de uma dessas pedras. Através do buraco não se via nada, era um buraco escuro. A voz de Deus ecoava forte e poderosa; falava para as pessoas seguirem-no. Várias pessoas vestidas de preto iam caindo pelo chão. Andava perto de Deus com medo do que pudesse acontecer com ele: cai r morto no chão como os outros. Sua posição era a de especta dor, via o que acontecia com as pessoas e temia o que pudesse aconte cer com ele. Deus começou a distribui r pinhas (fruta do conde) para os que ainda restavam. Para os que t inham fome, ele dizia que era preciso ter fé e estender a mão, pois ele os atenderia. José e uma mulher.que estava ao seu lado, estenderam a mão, mas o pão se transfo rmou numa borra. Acordou sufocado, se sentindo culpado, como se não tivesse tido fé o bastante. Acordou sem ver o que i ria acontecer com ele. A partir desse sonho, passa a falar das suas alterações de humor: está otimista, andando na rua, indo pra casa e pensando muitas coisas. O sorriso de um transeunte o faz pensar que estão rindo dele. Se lê, num jornal, a palavra"morte", logo pergunta se é ele quem i rá morrer. "Começo a ver tudo, me dá vontade de sair correndo, como naquele dia da placa 6898 ( 68 o ano em que nasci/ 98 o ano em que vou morrer?)". A sua casa surge como um lugar para onde tem de i r correndo, onde conse gue ficar mais tranqüilo, protegido do olhar, do sorriso e das palavras dos outros. Pergunta se isto que acontece com ele é uma psicose - faz referência ao filme de Hi tchcok. Nas sessões segu i n tes , José d i z i a esta r bem e s u a vida"desenrolando". Comprou um lote para constru i r uma casa e sair do aluguel (fez uma dívida). Elege a sexualidade como tema de sua escolha. Diz de um desejo muito g rande de transar com outra mulher, mas de continuar casado com a sua. Acha que isso engrandeceria muito o seu ego. Transa todos os dias com sua mulher, mas sempre pensando que está com outras mulheres (que vê na rua - mulheres bonitas). Vive com a sensação de que se f izesse isso, sua vida seria melhor. Questiona se sua esposa"aproveita" mais do que ele: "fico em dúvida, enquanto eu fico só fantas iando e ela?". Queixa-se de nunca ter conquistado uma mulher:" Mulher aparece na minha vida igual vento, será que sou feio, que sou esquisito?". No final do mês de junho, um novo fato clín ico mudou a paisa gem do caso. José compareceu à instituição sem agendar a consulta. Estava transtornado, muito embriagado, de posse de um resultado de exame - um espermograma. Este exame revelou quaapresentava as Ps,cóTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- 75 . ii{t'� condições físicas necessárias para ser pai. Este episódio lançou o sujei to nu m quadro de extrema angústia, apontando a morte como saída. O que se passou aí? O encontro com o enigma da geração teria revelado a esse sujeito uma ausência de significação fál ica? Esse fato tem sido muito marcante na evolução do caso, ocasi onando episódios al ternados de embriaguez e negativismo. Chama aten ção o quadro de desvario em que o sujeito é lançado frente às l imitações que a vida impõe. No momento atual , José tem falado mui to de sua difi culdade com a vida e da sensação de não ter uma saída -" vou tentando viver minha vida, trabalhando, tentando adquirir as coisas, mas cada pro blema que encontro pela frente parece que não vou suportar .. . " Este caso c l ínico tem susci tado várias questões , especialmen te no que diz respei to ao diagnóstico. Alguns elementos sugerem tratar se de uma psicose - presença de fenômenos corporais, delírio persecutório, relatos de fenômenos e lementares após episódio de sonho - mas, ao longo do tratamento, a presença de outros elementos, tais como a cul pa, a mortificação, a ocorrência de pensamentos ruins e até mesmo a tentativa de local izar-se no desejo do Outro - presença do desejo do pai - põem em dúvida tal diagnóstico. Quanto aos episódios de embriaguez, estes parecem indicar um modo particular de gozo desse sujeito. Seria esta uma forma do sujei to tentar tratar o retorno do gozo, numa tentativa de conter a d issolução subjetiva? Com relação à direção do tratamento, poderíamos pensar numa perspectiva clínica para além da oposição binária - presença ou ausência da metáfora paterna? Poderíamos pensar num"fracasso" do simból ico, sem necessariamente haver uma foraclusão do Nome-do-Pai? COMENTÁRIO /OBRE O CAIO ALBERTO Fernando Teixeira Grossi a) Fator desencadeante/traumático: Desentendimento dos pais. O Outro evidencia algo que é insuportável para o sujei- to, impedindo uma elaboração. · · - - - - -: �� '.. ·· PSICÔTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- b) Respostas do sujeito: afastamento familiar, uso de drogas etc . . . Observações preliminares: Um dado interessante é a dificuldade do sujeito em consentir com os seus "sintomas" - uso de substâncias, dificuldades escolares, afastamento social e familiar e desleixo pessoal - e,consequentemente, com a demanda de t ratamento. Questão: A resposta do sujeito, apontando para um rechaço do Outro, abriria a questão do diagnóstico diferencial, onde a evidência da estrutura poderia estar em suspenso 1 . Há alguns elementos, notados por ldálio, que a Psiquiatria de nomina de indiferença afetiva, alterações do curso de pensamento, que são sintomas presentes na Psicose, sobretudo na Esquizofrenia:"Se ex pressa de forma lenta, pausas muito longas" ."Parece alheio a tudo", algo"espantado". Alheamento que se revela também na sua aparência descuidada. Mas, como bem marcou, não há evidências de atividade deli rante e, presumivelmente, alucinatória. Pareceu-me, então, serem esses os sintomas que denotaram a"gravidade do caso",que desembocou na indicação de internação. e) Efeitos da internação Uma t ransformação do caso clínico? O fato é que há uma mudança no estado do humor e no interes se do sujeito pelo mundo. O significativo da mudança, como assinala o autor, é que o sujeito busca uma"explicação" sobre a causalidade de suas desordens, objetivando"tirar o atraso", que sua posição anterior parecia lhe conferir na vida. d) História Até os 12 anos era uma criança alegre, bom aluno, com vários amigos. O casal parental era muito idealizado pelo sujeito. O fator traumático se relaciona, poderíamos dizer, com os pe cados do pai. O pai tem uma amante e os conflitos do casal se relacionam com esse fato. As mudanças observadas, de início, no sujeito, foram de"não 1 Lacan, J. De nossos antecedentes, in : Escritos, p.73. PSICÔTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- 7lífi ·'"' º :;.;;;:.;; ·,1a ���� - olhar mais para o pai, evitar de conversar com a mãe" , a indisciplina escolar e mudança do grupo de amigos. As dificuldades de local para morarem me parecem apontar para algo mais estrutural do que contingente. Nessas mudanças se evidencia que o sujeito é mais um objeto de um Outro materno (destemperado), na busca de um significante para se situar, do que de um sujeito solidário e responsável às vicissitudes da vida. A cena de mãe e fi lho vendo fotos de um passeio, que fizeram com o pai, a São Paulo, parece-me revelar a figura de um Outro feroz, assassino; figura primeva de um Outro sem lei. Interrogo se esse modo de apresentar um gozo estampado numa foto não traduziria o ódio do sujeito. Haveria uma correlação com sua tendência de matar e se matar, demonstrando um imaginário prevalente na organização da subjetividade? O lugar que as drogas ocupam, nesse caso, é importante; e sua importância é dada pelo próprio sujeito,que passou a maior parte de sua juventude sob efeito delas. Teriam as drogas uma função de estabilização para o sujeito? - . .. . e) O que esse caso nos ensina? Esse caso nos parece demonstrar que a t ravessia do Outro parental não deve ser um desastre para o sujeito. A noção de desastre abre a possibilidade para interrogarmos uma série de casos graves, sobretudo de adolescentes; antes mesmo de cotejarmos a questão da psicose, que, em muito casos, tem seu fator de desestabilização in iciado na adolescência. Assim, muito antes de s igni ficar uma crise do sujeito, seria uma crise do Outro. t) A favor da neurose ou da estabilização? A evolução do tratamento tem possibilitado a esse sujeito um processo de subjetivação, sendo a culpa índ ice estrutural da relação do sujeito com o Outro, mais do que modalidade de relação com o desejo. Isto é, o tratamento possibilitou ao sujeito localizar-se na estrutura. Perguntaria se a i nternação não teria s ido da ordem de um ato que possibilitou ao sujeito uma ouJ�-ª �esposta. PSICÔTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- COM ENTÁRIO /OBRE O CAIO JOJÉ Simone Pereira Figueiredo No primeiro atendimento do paciente, no CMT, questiona-se um quadro de hipocondria. Segundo a CID 1 O, o transtorno hipocondríaco possui, como característica essencial, uma preocupação persistente com a presença eventual de um ou de vários transtornos somáticos graves e progressivos. Além disso, sensações e sinais físicos normais ou triviais são freqüentemente interpretados, pelo paciente, como anormais ou perturbadores. Ocorrem, freqüentemei'ite, depressão e ansiedade asso ciadas. O diagnóstico diferencial deve ser feito com o t ranstorno delirante. O paciente, neste primeiro atendimento, relata a ocorrência de pensamentos de doença e morte, assim como abuso de bebidas e medi camentos. Este abuso aponta para uma tentativa de assegurar uma esta bilidade, tratando o sintoma.ou já coloca a questão da dependência ao álcool e aos benzodiazepínicos? Quanto à ocorrência de pensamentos de doença e morte, eles indicam um diagnóstico de hipocondria? O diag nóstico diferencial com um transtorno deli rante se coloca? Cinco anos depois, o paciente retorna, apresentando quadro de pensamento delirante de cunho persecutório, alucinações auditivas e ai- 79 terações da sensopercepção relacionadas ao corpo. Apresenta-se, po- e,..�· rém, confuso e desorientado, o que indica a presença de alterações de nível de consciência. As alterações da sensopercepção são secundárias às alterações de consciência ou há elementos sugestivos de um quadro psicótico funcional? Em atendimento posterior, o paciente relata uma repetição dos episódios de embriaguez e dos fenômenos apresentados. Há uma sobreposição dos mesmos? Ou seja, só, quando intoxicado, é que ocor rem as alterações do pensamento e da sensopercepção? Quando abstinente, o paciente apresenta queixas relacionadas ao cotidiano de sua vida, a"um vazio muito grande" e a"não saber o que quer". Daí, a"necessidade constante de ficar mudando de cidade". Ele está nos dizendo que o álcool funciona como estabilizador? A "errância" do sujeito aponta para uma dificuldade na relação com o Outro? A falta de satisfação com o cotidiano da vida nos diria da impossibilidade do desejo na neurose obsessiva ou nos falaria da perda da relação fálica na psico se? Foram estas as questões que o caso, apresentado pela Eloisa, me suscitou. . . . PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE S E DROGAM TANTO? ---------- : }8.9 ;:�\i' - DE BAT E Guy Clastres : Vou me apresentar, pois vocês não me conhe cem. Eu me chamo Guy Clastres, sou psiquiat ra e psicanal ista em Pa ris , faço parte do Fórum do Campo Lacaniano com meu amigo Fernando Grossi e com minha amiga, Sônia Albe'rti do Rio de Janeiro. Fernando, gentilmente, me convidou para trabalhar com vocês sobre a questão da psicose, da droga e da adolescência. Vou imediatamente dizer que vocês terão, talvez, mais experi ência do que eu sobre o tratamento dos adolescentes , dos drogados e dos psicóticos , mas isso não me impede de ter idéias, principalmente depois de ter l ido, com muito interesse, os dois casos que acabaram de ser apresentados pelos colegas . Sei , por experiência, que trabalhar com toxicômanos é extre mamente difícil ; é uma experiência que, freqüentemente, nos decepciona e que é preciso ter coragem, muito mais do que o paciente. Quando trabalhamos com neuróticos , temos sempre - ou quase sempre - um al iado. O que quero dizer, é que o sintoma do neurótico " demanda » ser decifrado, enquanto que a toxicomania ou o psicótico toxicômano faz obstáculo, na estrutura, a este deciframento. Penso que estes dois casos que nos foram expostos são duas versões da mesma psicose - pode-se chamar de demência precoce, ou se vocês quiserem, de esquizofrenia. O caso, apresentado por E loisa , é uma versão, onde há uma dimensão delirante. Is to é, há um esforço do sujeito em construir alguma coisa do lado imaginário. Penso que a con cepção de Lacan da foraclusão do Nome-do-Pai aplica-se inteiramente aos dois casos. Ou seja, tanto um quanto o outro não dispõem de qual quer apoio da função s imbólica, o que torna muito difícil a função da palavra, a função do sujeito suposto saber para sustentar a transferência. Permito-me dirigir ao Fernando para lhe dizer que não estou completamente de acordo com o que ele chamou de desencadeamento traumático. Ele pensa que o sujeito já era psicótico, antes que tenha acontecido o desentendimento dos pais, que simplesmente o corte no imaginário - na relação familiar - seria uma espécie de tela que se rasga e então aparece a psicose. Mas o desentendimento dos pais não é a causa da psicose. Uma psicose, no meu ponto de vista - posso estar enganado se articula sempre em três gerações: a geração dos avós , dos pais e dos filhos . Há alguma coisa que não chega a se transmitir do ponto de vis ta do Nome-do-Pai, podemo� di�er, da funçãosln:ibólica entre os avós, os pais e os filhos. É freqüente-que 'éipsÍcótico invente uma filiação delirante. PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------- Esta filiação substitui, no imaginário, o que não é transmitido na função simbólica entre as três gerações. Não se pode prever, antecipadamente, o desencadeamento de uma psicose, enquanto que se pode prever que algumas crianças vão se tornar histéricas ou obsessivas, isto é , neuróti cas. As crianças pequenas podem já apresentar traços sintomáticos que iremos encontrar na idade adulta, no momento da escolha do sexo, do amor, do desejo etc .. . O que Lacan sublinhou - e continua verdadeiro - é que não há mani festação pré-psicótica naquele que vai se tornar esquizofrênico. O sujeito pode ir mui to bem na escola, sair-se bem, até o momento em que o menino vai encontrar a menina, e a menina vai encontrar o menino, ou seja, o momento do encontro com a d iferença sexual e com o desejo. É , freqüentemente, neste momento que a esquizofrenia começa. O sujeito não pode mais trabalhar nem estudar, começa a se drogar ou droga-se cada vez mais, corta os laços sociais, volta-se para si mesmo de um modo autístico, ou, então, começa a construir um delírio imaginário - mais ou menos paranóide - onde ele se sente vigiado, olhado pelos outros, como no caso « José » . A grande dificuldade é que nada pode mudar a foraclusão. So mos, então, obrigados a ajudar o sujeito a achar outros apoios. O que é mais _difícil, pois supõe.-se que. o sujeito psicótico queira achá-los, pelo menos um pouco. Ou seja, que ele queira dirigir sua palavra, sua deman da a alguém pelo tempo mais longo possível. De uma certa maneira, pode-se dizer que alguns psicóticos têm a necessidade - por toda a vida - de di rigir a palavra a alguém ou a algumas pessoas. O que não é, de jeito nenhum, o caso do sujeito neurótico. Gostaria, ainda, de lembrar de um princípio na psicanálise - que é um princípiopara a vida: é necessário ter sempre em mente, que não devemos jamais ter medo de fazer perguntas. Aguardo, portanto, as opiniões e perguntas. Sônia Alberti : Gostaria de solicitar que Guy Clastres comen tasse um pouco mais cada caso. Marcos Baptista : Tenho uma pergunta a fazer aos apresenta dores dos casos. Existem certos fenômenos que a gente não pode cha mar de fenômenos elementares, mas que, por muitas vezes, estão pre sentes nas psicoses, e que nos deixam em dúvida sobre que fenômeno é esse. Lembro-me que em um Congresso, em 1 986, em Curitiba, tive mos uma discussão com Jacques-Alain Miller sobre o que e le chamava de pré-psicos�. sobre a função do « shifter » nesses pacientes. Recordo me de uma pãciente· ·psicótica que dizia que·, desde pequena, alguma Ps1cóTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- coisa acontecia com ela e que eu só posso traduzir como algo da ordem da despersonalização. Ela tinha que gritar a mãe para que aquilo ( se posso dizer, experiência fecunda) acabasse. Então, ela só precisava per guntar a alguém, que estivesse ao seu lado: "que horas são?" Depois, para que aquilo acabasse, ela só precisava fumar um baseado. A gente constata, em certos momentos, que a droga funciona como medicação e que os psicóticos têm um certo saber em se automedicar para se livra rem um pouco da função do « shifter » . Eu gostaria d e perguntar se isso foi observado nas histórias clinicas relatadas. Já que histórias como estas - da ordem da hipocondria, da ordem de um olhar da mãe ( que é muito mais uma intrusão do que um olhar verdadeiro) podem, por vezes, nos fazer pensar na possibilidade de mais adiante a gente encontrar uma psicose. Minha questão é se algo foi percebido então, porque acho evidente que a droga, em nenhum dos dois casos, deslancha a psicose. Parece-me claro que a d roga entra como mais um elemento da psicose, senão como uma automedicação. ldálio Bahia: Não sei se posso responder a esta pergunta do Marcos. A hipótese que faço - que também coloco como questão - é em relação ao uso de drogas por este paciente; no sentido de que a droga vem possibilitar a recuperação do tempo perdido, que ele tanto sonha, possibilitando assim um remendo imaginário . . Eloisa Lima: Neste caso específico tenho pensado que o re curso ao álcool vem funcionando como uma forma do sujeito tentar tratar o excesso de gozo sobre o corpo. Então, de certa maneira, viria funcionar como um regulador e até como um fator de uma certa estabilização. Em alguns outros casos que tenho atendido, aqui no CMT, é mais evidente esse recurso à d roga como fator de estabilização. Estou lembrando do caso de um adolescente, que estava em franco surto psicótico. Um caso de esquizofrenia, que tinha uma história de uso e de dependência de cola, e que, no momento do surto, tinha muitos delírios, nos quais me dizia que pensava em voltar a cheirar colá, porque achava que ia melho rar, que ia sair desta situação. Acho este caso paradigmático para pen sarmos nisso. Um outro caso que atendo e que, atualmente, freqüenta o NA PS do CMT, já teve história de internações psiquiátricas por surtos psicóticos relacionados ao alcoolismo, e uso diário de maconha. Para o sujeito, isto é um ponto claro e nem entra em questão no tratamento: ele fica mais consciente fumando maconha. Ele se dá conta que assim elabora melhor sua vida; fica mais quieto em casa cuidando de sua coisas, sem se envolver em confusões. Então, constato que ele coloca a droga como fator de uma certa normalização para sua vida. Ps1cóncos E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- Guy Clastres: Será que ele não pensa, nesse ponto ai? Ele conta vários sonhos com a bebida, ele se queixa de um g rande vazio, neste momento do caso. Será que esse vazio, essa impressão do vazio - é o que ele diz e é prec iso acreditar - não é o encontro , não com a falta da angústia, mas com alguma coisa que seria o buraco? Lacan escreveu % e P 0 , isto é, de um lado, o Nome-do-Pai está absolutamente ausente e a conseqüência do lado do falo , do gozo fál ico, é <i>o· Será que não poderíamos pensar que, nos dois casos, a droga vem como substituto da função do gozo fál ico, porque o gozo fálico colo ca o sujeito em relação com o Nome-do;:Pai, e o Nome-do-Pai eles não receberam em suas h istórias? É a primêira questão. Eloisa Lima: Agradeço a pontuação. Este vazio é uma queixa constante do paciente. Ele se que ixa do cotid iano da vida, como se não houvesse uma forma adequada para ele se relacionar ou mesmo se colo car. Penso que quando ele fala e se queixa pode ser uma forma dele estar estruturando este vazio. Realmente, não é como o vazio de que se queixa um neurótico - que vai recorrer à droga para tamponar isso; como se fosse uma prótese - como temos falado. Penso ser esse vazio de uma outra ordem: do vazio de seu próprio ser. Guy Clastres: . Gostaria de dizer algo a propósito da droga. Ela a3 -y ... : pode ser pensada como um medicamento que o sujeito se dá - que ele ,. . .,.,,....,..;..; compra para tratar sua angústia - mas é um medicamento que não implica nenhum sujeito suposto saber. Expl ico melhor: quando um médico pres- creve um medicamento ; é em nome do saber que este detém, que o sujeito toma o medicamento. O drogado exclui o sujeito suposto saber, pois ele uti l iza os medicamentos como d rogas, o que, no meu ponto de vista, é uma expressão cl ínica da recusa de se situar sob a lei do Nome-do-Pai . Marcos Baptista : Eu perguntaria a você o seguinte: o efeito da droga, para o sujeito, tem um suposto saber fazer gozar'? Guy Clastres : Sim, mas não só. Há também um real do gozo que é encontrado; em que o sujeito paga na al i!3nação, na submissão ao mercado, na falta de lei do comércio da: droga. A lei do mercado da droga, não é a lei do Nome-do-Pai , que é a lei do Pai articu lada à lei do desejo . E isto é válido para todos nós. Sônia Alberti : G uy Clastres: você acha que o drogad ito é um sujeito ps icótico? . Claudia Coser: Fiquei 'um pouco atrapalhada com a afi rmação de que não há traços pré-ps icóticos . Então , por que se afirma que o encontro com o anal ista pode - entre outras coisas - desencadear uma psicose? Por que o cuidado que se tem ao fazer um d iagnóstico? PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- -i,4 ·-��- Guy Clastres: Uma vez que a psicanálise pode desencadear uma psicose, isto não significa que já havia traços ou s intomas no sujei to. O encontro com o psicanalista, isto é, com o sujeito suposto saber na medida em que ele o representa simbolicamente- é que produz o efei to de desencadeamento. Ou seja, a psicose já.O estava lá, mas masca rada. Ela não se traduzia subjetivamente. Fernando Grossi : No caso de l dálio está escrito: « o sujeito culpa-se pelo sofrimento que vem causando a mãe, que ele se sente responsável pela infelicidade dela e isso pesa, que a separação dos pais é um problema seu, que ele volta a se relacionar com os pais, as vezes se mostra impaciente com a mãe, principalmente aos pedidos dela, para que e le venha ao NAPS, para receber melhor os parentes, para que se alimente melhor e tome banho »2 . No caso de Eloisa está escrito o seguinte: « ao longo do trata mento, a presença de outros e lementos, tais como a culpa, a mortifica ção, a ocorrência de pensamentos ruins - e até mesmo a tentativa de localizar-se no desejo do Outro (presença do desejo do pai) - põem em dúvida tal diagnóstico. " · Em nossas reuniões clínicas, apareceram questões sobre o diagnóstico de psicose a partir da culpabilidade, que aparece no relato dos casos. Queria, então, perguntar o seguinte: a culpa - que apareceu · nós dois casos - - refere-se a um certo processo de elaboração, de « subjetivação » , que, no decorrer do tratamento, alguns pacientes vão fazendo? Qual é a natureza da culpabilidade, uma vez que Lacan assina lou que a culpa é um índice de assentimentodo sujeito? Nesses momentos , quando está em curso a elaboração de um sujeito psicótico, não haveria uma dificuldade em se afirmar que se trata mesmo de uma psicose? Eloisa Lima: Em vários momentos houve debates ferrenhos nas nossas reuniões clinicas, com alguns colegas defendendo o diagnóstico de neurose para o caso « José » . Mas, desde o início, vim conduzindo o caso como um caso de psicose. Achei mais coerente conduzir assim, até mesmo por cautela. Os últimos atendimentos foram decisivos para afirmar mos tratar-se de uma psicose, mesmo sem aqueles fenômenos floridos. Às vezes, acho que pode haver um certo equívoco de se pen sar que algum sinal ou algum fenômeno elementar ou de uma pré-psico se, vai fazer com que se desencadeie uma psicose. Penso que a clín ica é que vai colocando as coisas no seu devido lugar. E é durante o seu 2 Esta referência não se encontra no relato do caso apresentado por ldálio neste l ivro. · · · · · Trata-se de uma citação da versão do caso exposto durante a 1 2ª Jornada do CMT. PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------- percurso, que ela vai nos possibilitando esclarecer o diagnóstico. ldál io Bahia: Houve mesmo, inicialmente, uma dúvida quanto ao diagnóstico, embora ele estivesse bastante claro. Então, para dizer a verdade, acho que esta dúvida, eu posso atribuí-la à neurose do psicana lista. Guy Clastres: Para responder ao Fernando, vou dizer: Há um sujeito na psicose e é preciso se lembrar que nela a questão do sujeito manifesta-se de uma maneira particular, uma vez que não se refere à castração. Transcrição: Adelina Vieira Torres e Eloísa H. de Lima Estabelecimento: ldálio Bahia, Fernando Grossi e Oscar Girino O UJO DE DROGM EM UM CMO DE PJICOJE Ana Regina Machado O REIATO DO CAIO . . Ricardo chegou ao Centro Mineiro de Toxicomania (CMT) enca minhado pelo Hospital Galba Velloso (HGV), onde já havia permanecido por três dias. Na época, tinha vinte anos e não mais usava droga. Havia interrompido de maneira abrupta o uso de cocaína, droga que, na maioria das vezes, injetava-se juntamente com colegas. Tanto o início quanto o fim do uso de drogas só foram melhor delimitados ao longo do tratamen to, que durou , aproximadamente, dois anos. Durante quase todo o tratamento, o paciente apresentou uma "dificuldade" para falar. Iniciava frases, as interrompia, silenciava-se. Mui tas vezes perguntava: "para que falar?". Com o passar do tempo, R icardo conseguiu falar mais e de maneira mais articulada, revelando elementos que permitiram situar o desencadeamento de sua psicose e a reparação proporcionada por suas construções delirantes. O uso de drogas é con temporâneo ao desencadeamento e se interrompe com o aparecimento do delírio. As minhas intervenções foram poucas. Na maioria das vezes, silenciava-me diante da sua fala truncada. Já nas primeiras sessões, o paciente falou de "coisas estra nhas" que estava vivendo: trocava de identidade com os outros, via seu corpo em outros corpos, achava que suas mãos iriam roubar alguma coisa. Acreditava que tudo isso era conseqüência da leitura de um livro - PSICÔTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- 85 ··· · i H *\! ,t::1�-� "A Arte de Amar" -, que um ex-amigo havia lhe emprestado. Foi também este ex-amigo, Paulo, que havia lhe apresentado a cocaína. A princípio, Paulo encanta Ricardo; já que aquele "era muito carismático, meio psicó logo" e também o líder do grupo que se reun ia para drogar. O encontro com Paulo e com o significante "A Arte de Amar" foi, a meu ver, o que proporcionou o desencadeamento da psicose. A significação que Ricardo encontrou para este significante, em suas leitu ras , passou a dar o tom delirante para sua vida: o mundo dividido entre o bem e o mal . Paulo passou a representar o mal, era o "diabo encarnado". Suspeitava que ele mantinha relações sexuais com outros membros do grupo, "aquela coisa de submissão e masoquismo, de sexo" . Isto o as sustava. Começou a perceber que era "uma cobaia" no grupo. Rompeu com Paulo, quando este lhe mandou comprar drogas. Paulo havia lhe prometido dar "um pau" se não fosse. Neste momento, lembrou do livro que havia lido, em que havia um sádico que mandava, explorava e humilhava e um masoquista, que era mandado, explorado e humilhado. Começou a pensar que Paulo traria a sua desgraça e a de toda a sua família. Ao se aproximar de Paulo, Ricardo pretendia saber algo disso que lhe parecia sem registro - a arte de amar. Chegou a falar de como isto lhe aparecia como enigma: "acho um mistério a conquista de uma mulher''. t86 Teve .uma namorada, o namoro durou uma semana, e não .s.oube dizer- ''(.< .. , - porque começou, nem porque terminou. Queria ser menos tímido com as mulheres, foi por isso que leu o l ivro "A Arte de Amar''. Porém, o que mais apreendeu neste l ivro foi a luta, o jogo existente entre o bem e o mal. Não gostava de ler, porque ia muito fundo em suas leituras, vivia o que l ia. Repetia, em várias sessões, que dividia o mundo entre o bem e o mal . "Não sou eu quem vejo o mundo assim, são as pessoas que entram neste jogo" . Atormentado por visões e pensamentos em torno deste "jogo", R icardo só conseguiu um apaziguamento na rel ig ião. Aos poucos, vai falando de "um milagre", que aconteceu em sua vida. Em um atendimento, relatou o "milagre" - ainda de maneira pou co compreensível - em que a avó fez uma oração; ele sentiu a barriga crescer e uma certa calma tomou conta de seu corpo. Em outras ses sões, voltou a falar desse acontecimento: "Deus entrou na minha barriga e atingiu minha consciência, me curou". Sent iu-se mais aliviado depois de relatar o mi lagre. Q ueria esquecer do que t inha vivido antes do mo mento em que Deus entrara em sua vida. Fala do dia em que comungou e sentiu uma mudança intensa em sua vida - "é como se eu tivesse voltado ao estado de natureza". Afi rmava que não tinha mais o quê falar, pediu para v i r apenas PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- uma vez por mês ao CMT. Atendi o seu pedido. Retornou dizendo que tentava rejeitar a idéia de ter tido um problema, uma doença. Achava que o que viveu não tinha a ver com dro gas, mas s im com alguma força mal ígna. Mu ito confuso, pediu para voltar mais vezes ao CMT; propus que viesse quinzenalmente (a princípio, freqüentava a instituição semanalmente). Retornou de maneira diferente , falando com mais f l uência. Di zia que estava tranqüi lo. Antes, só se preocupava em melhorar para não mais vir ao tratamento. Cansava-se tentando esquecer o que havia vivido: "Eu olhava no espelho e percebia que não estava bem, aí eu só ficava tentando melhorar; outro dia olhei no e,ªpelho e vi o meu exterior, aí parei de pensar em melhorar, eu já estava bem" . Perguntei se relacionava isto a alguma outra coisa que tivesse lhe acontecido. "Não foi só isso mes mo" . Disse que, pela primei ra vez , tinha vindo ao CMT por vontade pró pria. Disse que começava a ter a dimensão do futu ro em sua vida, pois antes vivia apegado a seus pensamentos . A princípio, pensei que alguma situação ou fato da vida do paciente pudesse justif icar tal modificação. Diante de sua resposta, voltei-me para o que acontecia no tra tamento. Acredito que as propos ições em torno do número de sessões podem ter relação com o que se passou. Na tentativa de "rejeitar a doen ça" pediu para vir menos vezes; concordei, mas o paciente percebeu que isto não fazia com que melhorasse. Pediu para voltar mais vezes,· e nova- . 87 - mente concordei, pedindo que viesse menos vezes do que vinha a princí- --....... """ pio - duas sessões por mês, ao invés de quatro. Percebi que recebeu tal proposição com uma certa surpresa. Vir ao CMT era a confirmação de sua doença. Se pudermos considerar tal hipótese como plausível, como formalizar tal acontecimento; uma melhora a partir de s inais advindos da relação especular com a anal ista? Na sessão seguinte,mais a vontade, falou de sua cura: "a mão de Deus passou pela minha carne e me tranqüi l izou". A partir deste dia em que foi curado, percebeu que para viver na sociedade precisava se apegar à confiança de Deus. Se tinha certeza desta confiança, não preci sava falar deste acontecimento para ninguém. "Hoje de manhã, tive a impressão de que poderia dizer isto a você, disse e, pela primeira vez.consegui falar o que queria". Começou a fazer planos para o futuro; queria ser dentista, psi quiatra ou padre . Queria comprar l ivros de primeiro grau e estudá-los, já que fazia supletivo e o supletivo,não é completo. Neste momento, já havia retornado aos estudos. Freqüentava também um grupo de jovens na Igre ja. Queria namorar. Em uma das últ imas sessões, Ricardo disse que , na verdade, - . . . :" . . PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- i;:�f� . . já chegou ao HGV e ao CMT "curado". Sentiu a presença de Deus em sua vida, ao sair do HGV, onde esteve, a princípio, para uma consu l ta . V iu a cruz de uma igreja e teve a certeza de que a relig ião seria seu caminho. Começou a ir à igreja diariamente ; ao ler a frase - "o Mestre está aqui e te chama" -, teve a certeza de que era chamado por Deus. Sabia que, desde então, estava curado, não precisava de tratamento. Mesmo assim, foi levado novamente ao HGV pela família, onde ficou em observação por três dias. Aceitou freqüentar o CMT para não ter que dar provas de sua cura a sua mãe e a sua avó. Na úl tima sessão, disse que não tinha mais nada a dizer. Já havia dito tudo. Enquanto me perguntava pelo fim do tratamento - o que foi fei to em uma reun ião clínica, com a apresentação do caso - Ricardo começou a se ausen tar da insti tu ição. Marcou duas sessões e não mais compare ceu. ALGU NJ COMENTÁRIOJ /OBRE O CAIO A função da droga e o desencadeamento Diferentemente do que alguns autores sug�re.!'!1, a droga, neste caso, não consti tu i uma suplência qu ímica (1 ). Está mais próxima do desencadeamento, não consti tu i n do-se , cont u do, em u m fator desencadeante - como algumas referências psiqu iátricas definem - mas faz parte da conjuntura do desencadeamento. O paciente se drogava para pertencer a um grupo, cujo líder ocupava, para o paciente, uma posição privi leg iada - era meio psicólogo, mu ito carismático e culto. Queria ser como ele, lia os l ivros dele, conver sava mu i to com ele, drogava-se como ele. N ão demorou mui to para que surg issem alguns fenômenos elementares e para que o paciente se per cebesse como "cobaia do grupo" , como objeto do gozo do Outro. Pau lo deixou de ser digno de admiração e passou a ser o mal, o diabo encarna do. No momento em que rompeu com Paulo, Ricardo rompeu também com as drogas. D delírio e a estabilização O paciente fala de dois momentos bastantes diferenciados marcados por suas construções.del irantes. Em um primeiro momento, "a luta entre o bem e o mal" permeava todas as relações de significação que o paciente estabelecia . Momento atormentador para ele, que se sen tia PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ----------'- ameaçado pelo Outro . O segundo momento foi o momento do "mi lag re" , da cura, do apaziguamento. A estabi li zação do paciente, "sua cura", como ele mesmo no meou, se deu de maneira solitária, sem a ajuda de profissionais ou de medicamentos. É sobre i sso que o paciente veio me falar em suas ses sões. Demorou para falar, pois não via motivos para isto. Diante desta constatação, como poderíamos formalizar a função do tratamento para este paciente? Penso que foi possível a construção de uma metáfora deli rante; algo em torno da relig ião: ele fo i chamado por Deus, foi o escolhido para receber um mi lag re divino. Trata-se de uma estabili zação pela via do signi fi cante - "una especie de remiendo de la malla simbóli ca rota, operación que log ra cuando se alcance el nivel en que signi ficante y sig ni ficado se estabi licen" (2). A princípio inte rroguei -me sobre esta estabi lização p roduzida pelo paciente, pois sabemos que a metáfora deli rante é um "modo de construción arti ficial dei nombre-del-padre ( . . . ) puesto .que , de todas maneras, continua faltando el elemento que ordena ai conjunto signi ficante y en tanto e l goce escapa a la organização de lo simbólico" (3). Seria prudente interromper o tratamento, depois de constatar q ue o paciente havia construído uma "s'olução" para sua psicose? Cabe ao analista tentar produzi r outras formas de estabi lização? É possível produzir saídas, para o psicótico, di ferentes das que e le e lege? Esta última questão me parece pert inente na clínica das toxi comani as, quan do consideramos os casos nos quais a saída pela droga é um modo de estabi lização . Em casos assim, como se dará a direção do tratamento? Referências Bibliográficas ( 1 ) Ver BENETI , A. Toxicomania e Suplência. ln : O bri lho da ( in)fe l icidade. Rio de Janeiro: Contra Capa, 1 998, p .21 9-226 (2) KIZER, M. et alii. EI Otro en las Psicosis. ln: Cl in ica diferencial de las psicosis. Relatos dei Quinto Encuentro Internacional . Buenos Aires , Fundación dei Cam po Freudiano, 1 988, p . 1 20 . (3 ) Idem, p . 1 20. PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- 89 \) . ��-'\ .. , ... �: COM E NTÁRI O .fO B R E O CAIO Eloisa H. de Lima Trago, não propriamente, um comentário, mas algumas ques tões que, acredito, poderão contribuir com as discussões e com o avan ço da formalização da experiência cl ínica. Gostaria de destacar, especi almente, a passagem em que o paciente diz à analista que já chegou "curado" ao HGV e ao CMT. "Sentiu a presença de Deus em sua vida, ao sair do HG V, onde esteve, a princípio, para uma consulta. Viu a cruz de uma igreja e teve a certeza de que a religião seria seu caminho. Começou a ir à igreja diaria mente; ao ler a frase - "o Mestre está aqui e te chama" -, teve a certeza de que era chamado por Deus. Sabia que, desde então, estava curado, não precisava de tratamento". Apesar do paciente dizer que estava curado, o relato da analista faz crer que ele se encontrava em franco delírio. Pois bem, este caso não faz senão atualizar a tese freudiana do delírio como uma tentativa de cura. O que, de todo modo, não nos isenta de levar adiante algumas reflexões. De acordo com as anotações da anal ista, o uso de drogas é contemporâneo ao desencadeamento e se in terrompe com o apareci mento do delírio. Poderíamos, então, pêrgunta-r sõbre as coordenadas deste desencadeamento e sobre sua articulação com o uso de drogas. A experiência - em Centros de Convivência e Hospitais-Dia - tem demonstrado que as atividades em oficinas possibilitam aos pacien tes psicóticos uma diminuição das passagens ao ato, possivelmen te atra vés de uma moderação de gozo.Com bastante freqüência, a toxicomania é pensada, nesse campo, como um modo de suplência para os pacien tes psicóticos. Distintamente, no caso relatado por Ana Regina, pode mos perguntar se o recurso à droga representou um excesso de gozo que não possibilitou, a esse sujeito, inscrever uma separação do Outro, empurrando-o assim para a psicose? Por outro lado, a via do delírio também pode se colocar como um modo de estabilização. Inicialmente, o relato do caso sugere um Outro que " traria a sua desgraça e de toda a sua família ( . . .) havia um sádico que mandava, explorava e humilhava e um masoquista que era mandado, explorado e humilhado". Na evolução do caso, a analista indica um apazi guamento pela via da religião - "Deus entrou na minha barriga e atingiu minha consciência, me curou". Neste caso, o aparecimento do del írio teria proporcionado a este sujeito uma estabilização, ao encontrar o seu ser de gozo, sem tomar o gozo do Outro como perseguidor? PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- COM E NTÁRIO JO B R E O CAJO Fernando Teixeira Grossi Ana Regina apresentao relato de um caso de psicose em um jovem de 20 anos, que chega ao CMT, após curto período de inte rnacão em hospital psiquiátrico, quando já não mais usava drogas . Chama-nos a atenção o fato de que , durante quase todo seu tratamento, apresentava fenômenos de alteração da linguagem, caracte rizados por interrupção de frases, dificuldades de articulação e constru ção de frases e silêncios como que denotando um vazio da significação fálica. O tratamento possibilitou ao sujeito uma me lhor articulação do campo da fala e da linguagem, assim como a articulação/reconstrução dos e lementos que concorreram para o desencadeamento de sua psico se que , certamente, lhe possibilitou uma estabilização. Seriam o livro e as drogas objetos de um investimento parado xal do sujeito? O primeiro aspecto, a ser cons iderado, é o de que o uso de drogas pelo sujeito é contemporâneo ao desencadeamento do surto psicótico; corroborando a experiência clínica de que, em alguns casos, as drogas fazem um espéé:íÊfdê em"i:>"üxô ào desencadeàmento da psico se-fato observado, sobretudo, nos jovens. DROGAS � DELÍRIOS No relato , falta-nos precisar se o uso de drogas por Ricardo foi, antes do desencadeamento, de uma forma regular; para que possamos pesquisar sobre uma outra função das drogas : a de contenção do surto e de equilíbrio do sujeito: Drogas De líri o O segundo aspecto é o de que o uso das drogas se interrompe com o aparecimento do delírio, não integrando-se à elaboração delirante do sujeito , contrastando-se com a função desempenhada pelo livro "A arte de amar'' , que fornece elementos significantes para a reconstrução deli rante do sujeito. Ele atribui ao livro uma s13.r!��9_e _sintomas de estranheza, que PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- podemos agrupar em torno dos temas dos distúrbios da identidade do Eu e do corpo; temas estes que a psiquiatria clássica distinguia como sinto mas de primeira e segunda ordem; sendo a lguns destes sintomas patognomônicos dos quadros de esquizofrenia. O I DEAL DO EU E OUTRO GOZADOR' O esquema R foi construído por Lacan, em "Uma questão preli minar . . . " , e serviu-lhe para demonstrar que a constitu ição do sujeito e o campo da realidade jogam-se na articulação entre o registro do Simbólico e do Imaginário, reafirmando, o que fora estabelecido, anteriormente, no texto " O estádio do espelho" , momento de constitu ição do sujeito, em que os registros Simbólico e Imag inário se articulam3 • cpr--·-i M : S m • • 'S A p O traço unário se situa no mesmo lugar do Ideal do Eu ( 1 } , sendo que I M forma uma linha divisória entre os triângulos dos registros Simbólico e Imaginário. O sujeito está, portanto, conformado pelos dois triângulos , sen do que na relação imaginária aparece identificado ao falo imaginário ( <p ), e que as identificações imaginárias que formam o eu, se colocam no eixo mi . I sto é, o Ideal do Eu é a raiz simbólica das identificações imagi nárias, e ele funda a URBILD do suje ito e desempenha o papel de regu lagem das identificações que sustentam o Eu ideal. y · m <= 1 O Ideal do Eu , por sua natureza significante, desempenha pa pel relevante na const itu ição do sujeito. O I deal do Eu-garantia do 3 Por isso, Lacan situa M, a título de significante do objeto primordial. Ver De um Questão Preliminar .. , in: Escritos, p.559. Ps,côTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------- narcis ismo - como bem s itua o mi to desempenha, também, um papel de regulagem de um gozo mort ífero, expresso na tendência suicida: l (A) a O I sendo um dos vértices do triângulo s imból ico, se articula com M ( l ugar da Mãe - objeto real e lugar de desejo - DM) e o Nome do Pai ( P ) no l ugar do Outro ( A) , em posição terceira. Portanto, Ideal do Eu e Nome do Pai, no lugar do Outro, se articulam, como dobradiça. No esquema 1 - que Lacan produziu para expl icar o sujeito ps icótico, tendo como referência o caso Sch reber - ocorre um descentramento dos termos que compunham a estrutura quartenária do esquema R, em função da foraclusão do Nome do Pai - Po, produzindo um furo na significação fál ica, ( <I> ,) e na localização do sujeito. A seqüência Sa a'A, se modifica para iaa' I , a saber que o eu del irante substitui o sujeito e o I ocupa o l ugar de P em A. O Ideal do Eu não cumpre mais a função de matriz simbólica de natureza identificatória em relação ao grande Outro. Este desenvolvimento é para interrogar o lugar que Paulo ocupa para nosso sujeito. Por um lado, Paulo desempenha papel de l íder - "era muito carismático, meio psicólogo" -; já, durante o desencadeamento do surto psicótico, ele ocupa um outro lugar, sendo localizado como " O d iabo encarnado", figura do Outro gozador. Como contrapartida, resta ao sujeito se identificar como objeto de seu gozo: "uma cobaia". Podemos nos perguntar: há, na psicose, uma outra modal idade de arranjo entre o eu e õiitéal? PSICÔTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- 93 \1�4 . //j/.'._,_�' -�"r : Retomo o caso, pois o paciente, após a cura milagrosa, come çou a fazer planos para o futuro : ser dentista, psiquiatra ou padre.Este novo arranjo, entre o eu do psicótico e os ideais, seria como uma espécie de pharmakon para o sujeito , ou seja, ao mesmo tempo remédio e vene no? O lugar do terapeuta na condução do caso sofreria dessa mes ma vicissitude, em função de uma instabilidade causada pela falta de um ponto de estofo (point de capiton) na cadeia significante causada pela foraclusão do Nome do Pai? D E BATE Marcos Baptista: Acho que estes casos nos colocam duas questões. A primeira é que a droga desencadeia a psicose. Não sei como responder, mas tenho tendência a pensar que não. Não posso equiparar a droga a um fenômeno de intrusão nem a um fenômeno elementar tão típico do desencadeamento da psicose. A segunda questão refere-se à função de suplência da droga. Oscar Cirino: Parece-me que a função do tratamento, no caso da Ana, foi a de ofereeer-um lugar onde o paciente pudesse testemunhar algo do trabalho da psicose. Ana Regina: Eu só coloquei a pergunta sobre a função do tratamento, porque o paciente sempre dizia: " para que falar: " eu não preciso falai' . E foram quase dois anos para ele dizer isso ! Guy Clastres : Li este caso (muito interessante) como uma pequena observação,de um caso de paranóia schreberiana. Com efeito, encontramos uma regressão tópica ao estádio do espelho: quando ele fala, por exemplo, do seu corpo, ele o vê no corpo dos outros. Esta é uma manifestação do que Lacan chamou de regressão tópica ao estádio do espelho. O termo desencadeamento significa, para mim, revelação. É de alguma forma a revelação da psicose para um sujeito, isto é, ela estava latente e só esperava manifestar-se. Também considero que o final do caso é uma cura. Trata-se de uma cura freudiana, mas, no meu ponto de vista, é o que se pode fazer de melhor. Em outras palavras, este paciente tomou você (Ana) como testemunha e você funcionou, de alguma manei ra, como secretário do alienado: você o escutou , não o tomou como um louco, já que o que você escreveu mostra que há, no que ele diz, um sentido. ,-,�. · - · PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- Considero .ainda, que a alienação ao sign ificante divino do final do relato é, de alguma maneira, a conclusão momentânea de sua metá fora delirante ; ele se torna sujeito, alienado ao sign ificante divino. Este é o seu novo estado de sujeito, mas pode ser provisório, porque a foraclusão não pode ser apagada. Creio que não se pode empurrar um suje ito mais longe do que ele que i ra, ou seja, é preciso respeitar seu tempo, seu momento e considerar a transferência. Transcrição: Adelina V. Torres e Eloísa H.de Lima Estabelec imento: ldá/io Bahia e Fernando Grossi U M EXIBICIONIJTA Q UE Q U ER .fABER /OB RE /EU GOZO Sandra Mara PereiraCaso Clín ico-"Jorge", 37 anos. I n ício do tratamento: 20/06/97. Escolaridade : 2º grau incompleto. Pr.ofissão: construção civil-"responsável pela obra" I nício do uso do álcool: adolescência, por volta dos 15 anos. Pais : pai falecido, também trabalhava na construção civil - "Um homem que não mudava de idéia nunca. Mais do que eu". Mãe : - "Controladora, policial, queria que eu fosse igual ao meu irmão que era o mais inteligente na escola - ela me sufoca". Trago este caso para uma discussão clínica com alguns objetivos e hipóteses: 1 . H ipótese de diagnóstico: Neurose Obsessiva; 2. A di reção do tratamento em uma I nstituição Pública - onde as questões compatíveis com o alcoolismo apontam para a implicação de um sujeito que não sabe porque bebe, mas que quer saber-demonstra, clin icamente, que a referência psicanalítica é a possib ilidade deste sujeito encontrar sua saída para seu mat-estar; 3. A posição fantasmática, entrelaçada às alucinoses e aos delírios na fase de abstinência, revela a possibilidade de uma . . ---entrada,em análise; PSICÔTICOS E ADOLESCENTES POR QUE S E DROGAM TANTO? ---------- 95 . - .j · �..j-l;, ''.�!:6 �- 4. A transferência: a posição do analista e seu desejo vêm delineando a construção, por parte do paciente, de seu sin toma; 5. O álcool aparece como recurso e manobra para evitar a cas tração, fortalecendo o fantasma. FAIE 1 - DAI ENTREVlflAI PREUMINAREJ "Bebo por beber. " ''Quero parar de beber porque atrapalha meu rendimento no trabalho". Este paciente chegou ao ambulatório, encaminhado pelo Hos- pital Alberto Cavalcanti, após ser atendido em uma crise de abstinência alcóolica, com quadro de alucinose e delírio. Foi medicado e liberado. Jorge revelou uma pos ição de desconfiança, mas, já na primei ra sessão, informou que mora com a mãe em um bairro "familiar", onde conhece e é conhecido por todos. Seus irmãos e irmãs são casados e moram no mesmo bairro. O pai faleceu, em maio daquele ano e, após 12 dias, encontrou um irmão enforcado no quarto. Naquele período estava abstinente, tentando controlar a bebida. Depois que enterrou o irmão, relata que foi para o bar beber. Em junho apresentou a primeira crise - :'Percebi que meu irmão estava triste, mas não fui capaz de perceber q ue ele estava muito mal, não consegui controlar, me senti culpado". Na segunda sessão, o pc. começou a revelar qual seria o lugar do analista na transferência: "você não sabe o quanto foi importante você não ter se sentado numa mesa" . Sentar à mesa - Posição de mestre. Jorge trazia sempre uma pergunta para as sessões, tentando encontrar as respostas, pensando, ruminando, avançando, recobrindo qualquer possibilidade de divisão subjetiva. Apresentou-se como "um cara desconfiado", "radical", "que gosta de estar sozinho", "esperto", "inteligente". Sempre fazia um "pré-julga mento das pessoas", onde o imaginário delineava suas relações. O álco ol vinha para reafirmar seu pensamento de superioridade, colocando-o como "diferente". Questões trazidas - "Se eu sempre quis ser independente, por que eu me deixei viciar em bebida?" "Será que eu posso retomar o contro- 1ª.da bebida?" "Quero aprender a ouvir as pessoas. Por que será que eu sempre achava que sabia e não aceitava discussão?" "Não aceito falhas dos outros no trabalho, porque sou o responsável , então prefiro pegar o peso todo, mas já está me sufocando. Por que isso agora, se antes eu até gostavâ9" · · - PSICÔTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- Em abril de i 998, voltou a beber, exatamente quando trabalha va a dificuldade em aceitar as diferenças entre as pessoas - "O que une as pessoas, apesar das diferenças?". I nterrompeu o tratamento por 5 meses. FAfE l i - DAf ENTREVlfTAf PRELIM INAREJ "Perdi o controle totalmente". Retornou ao tratamento, em se tembro de ·1998. Um dia antes de vol tar ao CMT, reapareceram as alucinações e os del írios. Nesta fase do tratamento, surgiu uma dúvida diagnóstica de psicose, devido à gravidade do quadro. Ouvia vozes acusatórias e amea çadoras. O paciente pensou em se matar, mas não teve coragem. Partiu então para um ato de auto-ag ressão violenta. - "Me dei uma surra com um pedaço de pau no meio do mato". "Sou radical comigo mesmo, agora estou aliviado". Jorge cometeu "algo" que o angustiou, provocando arrependi mento e culpa, passou ao ato no real do corpo, sentiu-se aliviado, foi parar no Pronto Socorro. "Foi alucinação, mas teve um ponto de verdade" . "Foi alucinação . . . " e Delírio: T inha traído o amigo, porque tinha transado com a vizinha, que é mãe dele. Os vizinhos queriam matá-lo. Além disso, sentia que tinha traído a si mesmo, quando abandonou o tratamento: "Achei que conseguia sozinho, foi difícil voltar, porque estaria admitindo para mim mesmo que não podia resolver tudo sozinho" . Volta ao mesmo ponto em que estava quando interrompeu o tratamento, ou seja, a dificuldade de aceitar as diferenças: "Eu não acei tava que tinha limitações". Retomou sua vida, seu trabalho, sua família e suas amizades. Voltou a beber. Em dezembro - período de férias da analista -, o paciente decidiu interromper a bebida no réveillon. Nova crise; foi medicado no Hospital Alberto Cavalcante; retornando para o CMT, acompanhado por sua mãe, que queria interná-lo. Medicado pela psiquiatria no CMT, não conseguia livrar-se das vozes. O paciente foi introduzido no Núcleo de Atenção Psicossocial do CMT, visando um acolhimento, nesta fase de sofrimento mental e pres são familiar para internação. Questionou multo tal encaminhamento, mas permaneceu por? dias. No quadro delirante, o conteúdo se repetia: a perseguição da vizinha. Logo depois, veio a decisão de revelar o que estava acontecendo; --as·alucinações auditivas já não eram acusatórias e sim amigáveis, che- PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POH QUE SE DROGAM TANTO? --------- 97··· : i:\ \.-... : 1""'""'�-- ; ,:93 . :-: ,.; , . ):!.�::_,, :·.à : . . gando até mesmo a manter um diálogo com elas . Dizia que esta crise estava demorando mais a passar - "será que é porque eu estou gostando de me sentir superior?" . "Eu até levei um tiro do vizinho e não morri, me senti inatingível". Estava sendo medicado com Haldol 3mg/d e Tegretol 400 mg/d. Apesar das alucinoses, estava evidente uma escolha do paci ente pela posição de "superioridade". Uma pergunta foi introduzida para o paciente - "você já avaliou os efeitos disso?" Nas sessões seguintes, queria descobrir as implicações e m sua vida e concluiu que não conseguia diferenciar realidade da fantasia . " . . . mas teve um ponto de verdade". O segredo foi revelado. Aos 1 2 anos de idade, seus pais transferiram-no para o turno noturno da escola, para que ele começasse a trabalhar e fizeram isso sem consultá-lo. Revoltado, decidiu que não precisaria de ninguém para resolver seus problemas. Sua sexualidade aflorava intensamente, pas sando a masturbar-se de maneira ins istente e rotine ira. Um dia, a vizinha - que tem uma janela de frente para o quarto dele - estava olhando e o surpreendeu praticando tal ato . Jorge ficou de sesperado, com medo dela contar para sua mãe. - " Isso não aconteceu e continuo aJé hoje". Passou a se exibir para a vizinha, depois se exibia para outras mulheres em vários locais públicos: c inemas, supermercados , ôn ibus, rua etc. O álcool facilitava o exibicionismo: "eu perdia o temor da proibi ção". "Sentia um prazer absoluto, me sentia completo". Teve a primeira relação sexual aos 23 anos e concluiu que não era poss ível sentir-se "completo", tal qual no exibicionismo. O exibicionismo era composto por uma cena: "tinha que estar alcoolizado, t inha que ter uma mulher olhando; se ela não olhasse eu não conseguia ereção". Com a abstinência do álcool, Jorge começou a se exibir e con cluiu que isso não era provocado pela ingestão de bebida: "sei que isso é meu mesmo, que sai de dentro" . A sua vida adquiriuuma novo enquadramento, com uma res ponsabilidade do sujeito em relação aos laços sociais , passando a valo rizar a vida familiar, os amigos e a respeitar os colegas de trabalho. Não conseguia mais conciliar o exibicion ismo com seu novo modo de vida, s�m vivenciar uma culpa e um "incômodo". - "Se eu continuar com o PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- exibicionismo, posso ser pego e perder tudo o que conquistei, sei que sou capaz de abrir mão disso, só não sei se quero. " O objeto do fantasma, o olhar, apontava para um assujeitamento ao Outro, desvelando uma modalidade de satisfação pulsional. "Exibicionismo em local público para a sociedade é impróprio, mas na minha cabeça não é. I mpróprio prá mim é que eu sempre estava alcoolizado, se fosse natural, sem álcool, não seria impróprio" . O /ABER P/ICANALÍTICO CON/TRUÍDO A PARTIR DA PARTICULA RI DADE DO /UJEITO Apesar de elaborar um conhecimento sobre sua questão com o álcool, o sujeito tentava recobrir a falta através do álcool e, mais, conse g uia um gozo absoluto, prescindindo do corpo do Outro no exibicionismo. Poderíamos propor a hipótese da reafirmação de sua posição fantasmática? Os temas, relacionados à trama neurótica do envolvimento se xual com a vizinha, retornaram no período de abstinência alcóolica atra vés dos delírios e das alucinações auditivas . O mal-estar deflagrado pro piciou a decisão dar significado a um gozo absoluto. . A relação transferencial - sustentada pela suspensão de uma· .. . . 99: . . , solução prévia de seu alcoolismo, fora da lógica da mestria - promoveu um questionamento, por parte do sujeito, de seu modo de gozar. O significante "impróprio" surge como uma possibilidade de entrada em análise, uma vez que possibilita relacionar o gozo absoluto e a perda de gozo. Jorge apresenta-se como um sujeito rigoroso e moral, com um desejo de tudo controlar, tudo dominar. No campo da sexualidade, obses sivamente, luta por um gozo sem falta. O "Eu" está numa relação estreita com o que dá prazer e o "sujeito" está mergulhado no que está para além do prazer. E o exibicionismo pode ser configurado como um traço perver so, intenso, entrelaçado à culpa neurótica, na tentativa de evitar o con fronto com a castração? A direção do tratamento vem delineando uma mudança das re lações do sujeito com o gozo, a fim de propiciar uma perda que opere uma entrada em análise. · · ·��----'· PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- � ... '.tlºº ' ��·- Bibliografia LACAN, J . O Seminár io , Livro 4, A Relação de Objeto . R io de Janeiro :J . Zahar ed , 1 994. LEGUIL , F. A entrada em anál ise e sua articu lação com a saída. Salvador: Fórum I niciativa Escola, 1 993. DOR, J. Estruturas e Cl inica Psicanalítica. Rio de Janeiro: Timbre-Taurus, 1 99 1 . DEBATE Fernando Grossi : Queria agradecer a apresentação de Sandra Mara Pereira e convidar Fernanda Medina para fazer seu comentário. Em seguida, abriremos o debate_ Fernanda Medina: Vou destacar três pontos que cons idere i importantes no caso. O relato deste caso deixa alguns pontos para discussão, entre eles, o da dúvida diagnóstica. Na descrição dos fenômenos vividos pelo paciente foi usada a palavra alucinose e não alucinação. I sto chamou minha atenção de imediato. Teria sido um uso equivocado do termo ou uma indicação da opção diagnóstica da terapeuta? O paciente faz um relato de alucinações (alucinose?) auditivas, sentimento persecutório e um pensamento delirante (deliróide?) com al guma sistematização. Caberia determinarmos em que momentos isto se deu, no intuito de se fazer uma separação entre aquilo que resulta do efeito da substância e aquilo que se constitui como um fenômeno ele mentar próprio da psicose. Mas estes fenômenos bastariam para deter minar a estrutura deste sujeito? Também é relevante, parece-me, que certas partes do relato deste paciente podem indicar a função que o álcool desempenha em sua vida. E le diz, de várias formas, que é atormentado por um supereu feroz, sempre exigente, que lhe impõe a necessidade permanente de punição: " Me dei uma surra com um peqaço de pau no meio do mato "· " Sou radical comigo mesmo, agora estou aliviado "· Num outro momento, te mos a confirmação do papel facilitador do gozo, desempenhado pelo ál cool: " Eu perdia o temor da proibição "· Sem o álcool vinha o incômodo e a culpa. Finalmente, um breve comentário em relação ao posicionamento do sujeito diante do Outro. Ele se dá ao olhar do Outro, mas não numa posição de objeto do gozo do Outro - posição própria do psicótico. Eu me pergunto sobre a vivência do psicótico em relação ao olh�r do Outr_Q, j;;_m geral, esse olhar é ameaçador e invasivo. Este caso não fala de imi súJei- PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE OROGAM TANTO? --------- to atormen tado pelo olhar do Outro, mas de um sujei to que goza com este olhar. Sandra Mara: É o olhar da mesma vizinha. São dados da rea l idade, digamos assim, Ao en trar nessa fase de abstinência é que. logo depois, vem a crise da alucinose. Quero só destacar que essa úl tima crise - em que ele vai parar no Pron to Socorro, depois no NAPS, e que acaba na revelação do exibicionismo - se manteve por mais tempo que as outras. Oscar Cir ino: O fragmento - "exibicionismo em local públ ico para a sociedade é impróprio, mas na minha cabeça não é" - me fez lembrar do filósofo grego Diógenes, o Cínico, que, em sua suposta auto suficiência, se masturbava publ icamente, contestando as normas e re gras sociais. Trata-se de um tipo de gozo auto-erótico, preso ao próprio corpo, em recusa ao corpo do Outro. Foi uma lembrança que parece caracterizar bem a posição desse sujeito. Guy Clastres: Como dizer, estou embaraçado. Creio que ele seja um psicótico assim mesmo. É um psicótico complicado, pois é também um perverso. Eu nunca vi um obsessivo, por exemplo, passar ao ato de exibicionismo e fazer desta passagem ao ato uma conduta moral. Neste caso, é preciso interrogar a clin ica do próprio sujeito e o efeito que o álcool tem sobre esta cl inica. O álcool é considerado p_elos a lcoól icos como uma droga afrodisíaca. Considera-se - os alcoól icos dizem - que o vinho é sempre, de alguma maneira, associado ao falo, ao gozo fál ico. En tão, neste caso, é muito difícil saber o" que é da estrutura fundamental do sujeito - que me parece psicótica - e o efeito cl in ico secundário do álcool como droga que retira as inibições do sujeito e o autoriza a colocar em ato suas fan tasias perversas. Mas, de toda maneira, é sempre complicado associar uma dessubjetivação psicótica, como parece ser o caso, com uma estrutura perversa, onde, necessariamente, a fan tasia se mantém. Fernando Grossi : Atendi este caso como psiquiatra, e pareceu me, inicialmente, tratar-se de um caso que a psiquiatria qualifica de alucinose alcoólica, onde há uma prol iferação de vozes acusatórias ao sujeito que, em alguns momentos, cursa ou não com alguma alteração do estado de consciência. Assim, o tratei como um quadro de alucinose alcoól ica. O que me chamou a atenção foi que o delírio se articulava com a questão fantasmática do sujeito. Foi este o ponto que me fez levé;in tar a possibilidade da perversão. Constatei, após a melhora do quadro psiquiá trico, que o que emergiu no primeiro plano foi a questão fan tasmática - o modo do sujeito gozar - no exibicionismo. Então, o debate, nas nossas reuniões clínicas, girou em torno da neurose obsessiva e da.perversão. PSICÔTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- 1 01.;l �� Guy Clastres: E le bebe todos os dias? Fernando Gross i : Digamos que é um caso de alcool ismo crôn ico , já com compl icações psiqu iátricas . Guy Clastres: É um caso de Korsakov4? Fernando Grossi : E le fez um quadro de alucinose alcoól ica, mas não de demência alcoól ica. O t ratamento tem lhe possibi l itado, in c lus ive, sa i r desse caminho. SandraMara : Acho que poderíamos tomar vários pontos re la tivos à h ipótese da neurose e vários outros que apontam para a ps icose e os traços de perversão. Apesar de alguns colegas defenderem o diagnós tico de psicose, venho sustentado o d iagnóstico de neurose durante nos sas discussões . Penso que é um caso compl icado quanto ao d iagnósti co estrutural e também quanto ao manejo do tratamento. Fica bem evidente o que você fala sobre o efeito de caráter afrod is íaco do álcool neste caso. O álcool dá uma s ustentação ao exibic ionismo desse suje ito, d i rig ido ao Outro sexo. Atualmente, ele se pergu nta pelo lugar dessa mu lher que, até então , só participava, nessa parceria, com o o lhar. Se antes ele se sentia muito bem, atua lmente a sol idão é causa de mal-estar. Po r isso, e le passa a querer, de fato , se envolver com uma mulher. Ao mesmo tempo em que vem constru indo esse outro lugar , JC:,2 , para uma mulher, ocorreu um episódio, em que bebeu excessivamente, ·. : ,_�;-: :�-- - teve uma nova crise de a lucinose. Conclu iu que era preciso abandonar o álcoo l , o que o deixa num impasse, já que acreditava que poderia contro lar tanto a bebida quanto o exibic ionismo. Almeja um contro le do gozo que , até agora, tem sido imposs íve l . M inha questão é : Como o sujeito d iante de uma real idade des favorável- proximidade com a vizinha e amizade com seus f i lhos- conse gue abri r mão do exib ic ionismo e do álcool , sem se posicionar na trama fantasmática? Guy Clastres: Estou tendendo a pensar que esse sujeito bebe como um barri l , para tapar o buraco . Um suje ito que tem experiência subjetiva psicótica é u m psicótico. Compreendo a lguma coisa de psico se, mas não tenho certeza. Se o suje ito encontrou o bu raco, ele não esquecerá jamais. É a lguma coisa que estará inscrita em seu ser. Seu • Sergei Korsakov ( 1 854-1 900). Psiquiatra russo que, em 1 887, publ icou uma monografia sobre "Os distúrbios da esfera psíquica na paral isia alcoólica e suas relações com as perturbações psíquicas da polineurite não-alcoólica", que imortalizaria seu nome . Em 1 897, foi proposto que se chamasse de "doença de Korsakov" a entidade clínica que ele descreveu. PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------- ser de psicótico está no buraco . Já o sujeito neurót ico com seu s intoma fica em tomo e não dentro do buraco . Sandra Mara: Nesse comentário , você me traz um dado muito precioso. Esse sujeito se depara com o vazio, traz esse vazio como questão, se angustia, sofre . . Agora, ele está nesse buraco. Essa seria a experiência psicótica? Fernando Grossi : Compreendo a metáfora ut ilizada por Guy Clastres: a do psicótico dentro do buraco e a do neurótico com seu sinto ma, se arranjando em tomo do buraco, mas não estou muito convencido disso. O episód io de alucinose é algo psicótico , do ponto de vista da fenomenologia psiquiátrica, mas não pude constatar, do ponto de vista da psicanálise, o suficiente para afirmar o�diagnóstico de psicose. São, s im, estados temporários de intoxicação. Guy Clastres: É preciso saber qual é o estatuto das aluci na ções. Quando se trata de um retorno do real - que visa o sujeito, que o mesmo d ialoga com essas alucinações e com suas vozes - i sto é psico se. Porque nem todos os alcoolistas que bebem muito apresentam fenô menos semelhantes. Estamos de acordo? Rosana Baccarini : Sandra, você d izia que esse segundo epi sódio de alucinose acontece exatamente no momento em que alguma coisa da relação com a mulher se modifica. Ou seja, quando não dá mais para ele ficar na posição exibicionist!:l ! r�ssa relação _com o olhar da 1 O� · mulher. Não seria este um pontó para clarear o diagnóstíco? Enquanto -.., ..... ,,..., ele se exibe fica estabilizado, mas quando ele é chamado a se haver com a questão da mulher surge o episódio da alucinação. Pergunta: Percebi que você está bem convicta do diagnóstico de neurose obsessiva. Não tenho muitos conhecimentos sobre a obses são, mas não percebi dúvidas, rituais etc. Cleyton Andrade: Fui estimulado pelo comentél.r io de Oscar, sobre Diógenes, e por um trecho do caso clínico quando o paciente diz: "Me dei uma surra com um pedaço de pau, no meio do mato. Sou radical comigo mesmo, agora estou aliviado". Lembrei -me do filme Clube da Luta, onde há um personagem psicótico, que faz exatamente esse ato de se surrar, para se al iviar. Ele repetia esses atos para evitar o confronto com a luta. Sandra Mara: O fato de acred itar no diagnóstico de neurose não torna o caso menos grave nem me desresponsabiliza no cu idado do manejo. Esse buraco - e seu· em torno - é uma ind icação clín ica impor tante. Essa crise, quando reaparece a alucinose, é num momento do tratamento, em que já existem novos laços, em que o sujeito já permane- .•-. _:....; ;�_; PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- eia estabil izado há algum tempo. Estou apostando na e laboração do su jeito. Com relação à neurose obsessiva, um dos indicadores nesse caso é a culpa e a angústia dessa escolha do exibicionismo. Em mo mento algum ele se define como alcoólatra, viciado. Admite ter proble mas com a bebida, mas diz: " Sou exibi6:ionista" . É a forma de apresen tação do ser do sujeito que deve ser considerada. Há, por outro lado, uma identificação com o pai, que bebia e também trabalhava na construção civil. Guy Clastres: Continuo embaraçado para comentar este caso, mas q uero dizer algumas coisas. O diagnóstico de neurose se faz sem pre positivamente a partir da re lação que u m sujeito manifesta entre o desejo e seu sintoma. Na neurose obsessiva há a dívida, a angústia por detrás e os pensamentos obsessivos. A neurose obsessiva é um doença do pensamento e e la se manifesta por sintomas precisos. Não vi e não l i neste caso, esses sintomas. Em todas as neuroses obsessivas, que encontramos em análise, há sempre uma neurose infantil . Não posso dizer o mesmo deste caso. Penso que não se deve tratar este sujeito como neurótico, mas tentar escutá- lo sem pré-ju lgamento para saber o que a 1ransferência vai revelar e permitir construir. Transcrição: Adelina \l Torres e ldálio V.Bahia Estabelecimento: ldálio Bahia, Fernando Grossi e Oscar Girino PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------- 4 TOXI COMAN IA & ADOLEJCÊNCIA TOX ICOMANIA & ADOLEJCÊNCIA A PROPÓJITO DA TOXICOMANIA Guy C/astres A questão da toxicomania, ou melhor, das toxicomanias - ques tão esta que o discurso médico-psiquiátrico atual faz referência sob o termo de « adição » - tornou-se um dos mais graves problemas de nossa sociedade industrial: um sintoma do mal-estar na civilização, com suas conseqüências médico-legais, policiais e judiciárias. Uma vez que a toxicomania tem o valor de um sin toma social, não sign ifica que ela seja estruturada como os sintomas analisados por Freud na neurose ou na psicose. Na realidade, não é possível esquecer a natureza do produto tóxico: o álcool, os produtos industriais, as drogas farmacológicas - que entram no circuito comercial legalmente - e as dro gas proibidas (como, por exemplo, a heroína, a cocaína e o crack). O efeito particular destas drogas sobre a fisiolog ia do corpo con tribui para complicar a clín ica do sintoma propriamente dito. Se os sintomas neuróticos se prqduzem como efeito de preci pitação em conseqüência de um encontro com um real não subjetivado; se eles tomam a forma de uma fobia, de uma obsessão, de uma conver são ou uma psicose; as toxicomanias são consecutivas ao uso voluntário de um produto, que visa esquivar, fazer curto-circuito do que para todo sujeito, para todo ser falante, é a conseqüência de que ele seja sujeito ao sexo e à morte, ou seja, sujeito ao que Freud chamou de « angústia de castração » . A pulsão é o conceito inventado por Freud para designar, no inconsciente, o traço psíquico da sexualidade, que ela (a pulsão)só re presenta parcialmente. <p é o materna pelo qual Lacan simboliza o falo - o signi ficante da vida -, mas também a marca que lembra ao sujei to sua dívida, sua inscrição na estrutura e na ordem dos discursos. É esta marca que o toxicômano quer apagar, rejeitar. E le se recusa, totalmente, a saber (foraclusão). Ele institui a droga - não importa qual seja - como seu objeto, esperando que o fará gozar à vontade, ou seja, gozar segundo seu bem entender, seu bem-querer (um bem-querer que ele imagina domin ar com mestria). · Este fantasma sé exprim�. in icialmente, como uma vontade de P SICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- gozo que rejeita a perda e seu efeito subjetivo de falta. Desta forma, o toxicômano torna-se subseNiente a essa vonta de de gozar pela droga. Droga esta que passa a ser uma condição abso luta, pela qual o sujeito estaria d isposto a matar um outro; pela qual ele é capaz de esquecer a Dívida, a lei, os laços familiares e os laços sociais fundamentais. Rapidamente, o que era um fantasma de mestria, de domínio do gozo, retorna ao sujeito na busca desesperada e catastrófica, de ou mais produtos com os efeitos de degradação fisiológica e social que se seguem. O laço social, assim institu ído, é mínimo, regrado unicamente por um mercado, que se organiza fora dê toda ética comercial - clandes tinamente - o que acrescenta à droga um valor particular. O amor pelo outro e o desejo desaparecem em proveito de uma pulsão de morte que faz retorno no real, no real do corpo e de sua fisiolo g ia e na destituição de todos os laços s imbólicos . Desde sempre, em todos os lugares, as drogas, sejam elas lícitas ou proibidas , terão por função « tratar » a dor de existir. A melancolia ou as g randes crises psicóticas são uma expres são clínica da dor de existir. Poderíamos dizer que, na toxicomania, a obediência ao impe rativo.do gozo realiza.experimentalmente, o horror da existência. A parti r desta fenomenologia podemos nos perguntar: - Como o toxicômano vai poder fazer-se paciente em uma relação, sustentada por uma d ialética, que coloca em ques tão sua submissão a um imperativo de gozo e sua recusa ao saber? - Como esta relação dialética, que estrutu ra, habitualmente, o laço do desejo ao desejo, poderia fazer a modificação da obediência ao impossível do gozo em subjetivação do sinto ma? - Como fazer suplência à recusa da elaboração simbólica, ou seja, como restau rar a função da palavra e o engajamento da demanda, se a perda não é tolerada? Como restaurar o laço social, que permitiria substitu ir o ato de v iolência do consumo de droga pelo ato de uma palavra em transferência, em nome de u m amor pelo saber? Vis ivelmente, a taref� é dura, parece imposs ível; e o discurso analítico não parece oferecer o melhor caminho que facilitaria esta modi ficação. Entretanto, só o discurso analítico permite decifrar a contusão cl ínica que a toxicomania acrescenta à questão do sujeito. PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- 1 07. Este discurso permite perceber como o discurso da ciência - na sua extensão e nas suas realizações a partir de sua aliança com a un iversalização do mercado - contribui para a realização de uma toxico mania autorizada, que visa os sintomas do mal-estar de nosso tempo, que, Freud, aliás, já tinha percebido e nos assinalava em seu texto « Mal estar na civilização » , de 1 929. Tradução: Sy/vana C/astres Revisão: Fernando Grossi O/ NOVO/ JINTOMAJ E A JEGREGAÇÃO DO INCONJCIENTE Maurício Tarrab De fato, a clínica muda e constatamos, como correlato ao declínio do Pai e ao fortalecimento do supereu, uma diminuição da culpa, que corresponde a um arco que se estende, tendo, em um extremo, a angús tia e, no outro, a depressão. Podemos enumerar: a diminuição da culpa como resposta, como tratamento simbólico do gozo. • o aumento da angústia como testemunha de que o que i rrompe no Real, sem mediação, encontra com a boca do crocodilo materno, sem esse bastão que é o Nome-do-Pai , que deveria estar aí para limitar seu capricho. I sto produz todo um leque, no qual se i ncluem, hoje, os tão populares ataques de pân ico, que têm, a meu ver, o mesmo estatuto que as neuroses freudianas atuais. Irrupção de uma angús tia sem ligação, sem "processamento psíquico" . • a propagação da tmania como forma de normalidade (stress) para os sujeitos emancipados do sign i ficante, re metidos ao objeto que os real iza - como.na mania, o esgo tamento do próprio sujeito em sua atividade gozosa. Sinto ma funcional da modern idade que leva às formas da idiotização no agir. a urgência do "não penso", da passagem ao ato, que atualiza as formas do agir ao invés do dizer, que vão desde a toxicomania até a bulimia, anorexia, e as chamadas patolo- ··g,as do ato. . . . . PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR Q U E SE DROGAM TANTO? --------- gação. • o descrédito no sintoma que o deixa intocável em sua repetição de gozo autístico, anulando sua dimensão simbó l ica de mensagem. • a inércia da depressão como paradigma de uma greve, às vezes por tempo indeterminado, com relação ao saber. De um extremo ao outro: rechaço do inconsciente, sua segre- É sobre este ponto, onde os sintomas contemporâneos resis tem em entrar no d iscurso, que podemos pensá- los. Não só se eles são novos ou não, mas se é possível estabelecer uma conexão entre esse gozo autístico da repetição e o Outro. Ou seja, se é possível fazê-los entrar no campo freudiano. A toxicomania, a buli mia, a anorexia, os ataques de pânico não são, certamente, sintomas freudianos. Estão mais próximos do que Lacan chama de operação selvagem do sintoma e na contramão da ver tente simbólica do sintoma como mensagem. Daquilo que se define como sintoma: isto que não necessita em nada de vocês. O sintoma não pede nada. O sintoma não quer dizer nada, ele é uma fixação de gozo, rechaço de saber, rechaço do inconsciente. Sabemos que aí também estão as chances do analista, consi derando a operação que ele deve faz�r sobre o sintoma. Ou seja, tomar o sintoma como significante e completá-lo para fazê-lo entrar no discurso. Esta mudança, experimental, do sintoma, consiste no invento freudiano para tratar o mal-estar. É o sintoma que responde, quando inter rogado, como uma mensagem cifrada que se pode ler e que, quando decifrada adequadamente, livra o sujeito dele. Não é o caso da toxicomania, ainda que esta seja a orientação que deva tomar a sua clínica. Não há, creio, nada mais ilustrativo do que a toxicomania para a consideração deste aspecto, quero dizer, do aspecto do sintoma como funcional e do sintoma como disfuncional. A drogadição mostra - e o toxicômano demonstra - que isto funciona, e funciona para o gozo. Esta prática que viabiliza a intoxicação - com a qual se busca resguardar-se do mal- estar, e demonstrar a inexistência do inconsciente - funciona. E quando isto funciona, não há quem o detenha. Nem o Mestre, nem o Pai, nem a mentira da palavra, nem uma mulher .... quer dizer, nem o Ideal, nem a lei , nem o simbólico, nem o falo. Justamente, porque é um funcionamento calcado na ruptura e em uma experiência que tem a posi tividade, a certeza do gozo, com a qual trata o vazio do sujeito. Mas a clínica nos informa também sobre o ponto onde há um PSICÔTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- 1 osf; � ::: . '��!'f.· desarranjo, onde há um excesso de certo l imite, seja um l imite no Outro, seja um l im ite no próprio corpo. Em outras palavras, além do êxito do funcionamento, encontra mos também o momento, a ocasião de fracasso deste funcionamento. Nestes pontos é onde se iniciará uma outra cena, que é a do sofrimento produzido justamente por aqui lo que afastava do sofrimento. Trata-se da cena que compõe a grande maioria dos tratamentos destes pacientes. Aquele que rompia c inicamente com o Outro, agora i rá ao Ou t ro, articularáuma demanda para que o Outro demonstre que pode fazer funcionar as coisas. Ou seja, para que o Outro o coloque a ponto de, outra vez, recomeçar. O que funcionava para o gozo, ainda quando o sujei to não esta va aí representado, perdeu sua eficácia e tornou-se disfuncional e, certa mente, se funcionasse, não vi ria ver-nos. Isso é o que chamamos de "operação toxicômana"1 , que é uma operação segregativa, que esvazia, separa toda sign if icação. A intoxicação requer não falar. E sabemos que a única chance c l ínica que temos é a de "fazer falar''. Fazê-la passar a dizer. Falar, por certo, não é garantia de nada, mas afasta, temporari amente, a morte, como sabia Sherazade, que falava para não ser execu . tq.da. Ao contrário, como uma Sherazade que não percebe estar ca sada com a morte, não falar para permanecer nessa satisfação que esva zia a s ignif icação, que evi ta o matrimônio com o falo, que alivia a indeterminação do desejo, que defende contra a metonímia infini ta da perda do objeto e contra essa morte que o significante impõe. Temos que reconhecer: são muitas as vantagens ! O q ue o toxicômano procura, é uma maneira de manter-se se gregado do dizer. Fora do discurso, na positividade da repetição do gozo. Se os sintomas atuais - dos quais a toxicomania é um paradigma - resis tem ao discurso, a aposta anal ítica é fazer que se traduza em termos de saber o que se real iza como gozo. Quer dizer, trata-se de romper a greve do falo - que, no caso do toxicômano, o mantém fora da competição soc ial - e de colocar em traba lho o inconsc iente. Como se vê, há uma oposição evidente entre a experiência do ' Maurício Tarrab. Uma experiência vazia. Texto apresentado na Jornada de Toxicoma nia da Escola Brasileira de Psicanálise - Seção Rio , em 1 998. Publicado em O bri lho da ( in)fel ic idade, Rio: Contra C�pa, 1 998, p . 1 49- 1 56. PSJCÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------- tóxico e a experiência da psicanál ise, entre a "operação toxicômana" e a operação anal ítica. U ma rechaça o inconsciente, e a outra - enquanto operação de castração - espera produzí- lo Trata-se também de situá-lo em um novo ponto de segregação, a segregação que há entre o Um da repetição e o dois da cadeia. Tradução: Carla Silveira e Oscar Girino Obs.: Artigo apresentado na XI Jornada do CMT, em dezembro de 1998. Publ icação autorizada pelo autor. O ADOLE/CENTE, A DROGA E O LAÇO JOCIAL DO CAPITALIJMO Oscar Cirino I n icialmente, gostaria de discutir o título deste artigo, pergun tando se existe, de fato, um laço social no capitalismo. Sabemos que Lacan, em Televisão, preocupa-se com a miséria e o mal -estar na modernidade, relacionando-os com o discurso capitalista (ver Lacan, 1993 , p.29-34). 1 $ X S 2 i ! 81 "-a ! O discurso se coloca a meio caminho entre a fala e a língua, ou seja, ele integra, ao mesmo tempo, dois níveis: o individual e o social. Ele é um suporte da fala que, de forma sempre contingente, nele se insere, favorecendo à constitu ição de relações estáveis. Como laço social , o discurso é um modo oe aparelhar o gozo com a linguagem, u ma vez que o processo civili zatório implica na renúncia à tendência pulsional em tra tar o outro como u m objeto a ser consumido.: a primeira inclinação do homem é ser o lobo, sexual e fatal, do outro homem. Todo laço social implica, então, em u m enquadramento da pulsão, resultando em uma perda real de gozo. Por isso, todo discurso é um aparelho, u m aparelho de gozo (ver Lacan, 1 992, p.10 -21 e p. 1 56- 171). ' . Nossa questão é se o capitalismo produz,de fato, laço social, pois vivemos em uma "sociedade de consumo" - marcada pela sedução e mult iplicação de objetos -, na qual os homens não se cercam mais-de PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- ! 11·1 2 ;;-:: ; ·:· : ,�..;�,:""""<" · outros homens, mas sim de in formações e bens (celulares, computado res, carros . . . ), que se tornam rapidamente obsoletos. De fato, como pode o discurso capitalista promover laço social , se, antes de tudo, o que ele propõe ao sujeito é a relação com um gadget, um objeto de consumo ( $ .._ a ),prometendo que nessa relação ele encontrará a satisfação? Além disso, dá'-se a garantia de que se ela n ão for obtida, teremos o nosso "dinhei ro de volta" . Esse gozo prometido, e não alcançável por estrutura, leva efetivamente à decepção , tristeza e nostalgia do Um falsamen te prometi do. Por isso, a sociedade, regida pelo discurso capitalista, produz sujei tos insaciáveis, vorazes, em sua demanda de consumo. Promove-se uma nova economia libidinal, colocando-se a mais-valia, objetos de gozo, no lugar da causa do desejo. O sujeito, animado pelo desejo capitalista, apresenta-se en tão como falta-a-ser rico, e a falta-de-gozo se inscreve como falta-a-ter dinheiro (ver Quinet, 1999, p.14). Ao compararmos, por exemplo, o discurso capitalista com o laço social que regulamenta o discurso do mestre, verificamos a diferen ça. O discurso do mestre estabelece um laço social entre aquele que manda (senhor) e aquele que trabalha (escravo) - como aparece em Hegel na constituição da consciência de si na dialética do senhor e do escravo. Há uma articulação entre o desejo de um e o desejo do outro, entre a vida e a morte, entre o trabalho e a casa, entre o objeto e o gozo. Essas articulações é que produzem a regulação do laço. Já o discurso do capitalista - cujo senhor absoluto não é a mor te, mas a figura impessoal e global do capital (dinheiro em seu caráter virtual) - divulga a política do cada um por si e cada um contra todos. Para ele, não existiria mais a sociedade, só o mercado, regulado não pela lei, mas pelo imperativo da produção e do lucro. Assim, a única via para tratar as diferenças, em nossa sociedade científica capitalista, não é a regulação, mas a segregação, determinada pelo mercado: os que têm ou não aces so aos produtos da ciência. Daí, a proliferação dos "sem': terra, teto, emprego, comida (ver Quinet, 1 999, p.14). Assim, podemos corfoluir que, ao estimular a ilusão de completude com o objeto, ao fazer a economia do desejo do Outro, o discurso capitalista acaba nos induzindo ao autismo, segregando muito mais do que incentivando a formação do laço social. JOMOJ TODO/ ADOLEJCENTEI? Atualmente, o adolescente marca presença, como nunca, na cena social (play-centers, danceterias, os "caras pin tadas", os atos PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- i n fracionais) e no campo econômico, onde sua inserção não se dá tanto pela produção, mas sim pelo consumo de vários objetos, inclus ive dro gas. O adolescente possui , hoje, um poder aqu isit ivo in igualável, fat ia cada vez mais importante para o mercado e seu discurso específ ico : a publicidade. Além disso , a adolescência, pelo fato de ser o momento da possibilidade (e da necessidade) de preparar e fazer escolhas, é valoriza da como imagem e garantia de l iberdade, tempo de livre escolha, de acesso aberto a uma d iversidade de identidades possíveis. Assim, e la tornou-se uma cultura hegemônica, um ideal da vida adulta, uma vez que um dos símbolos da modernidade é a l iberdade de escolher. Lançou-se, inclus ive, o neologismo "adultescência", que exprime, com charme lingüístico e pertinência, a permanência dos valores adolescentes na vida adulta (ver Folha de São Paulo 20/09/98). Por outro lado, a duração da adolescência tende, cada vez mais, a se prolongar. A escola obrigatória e aconselhada, que inclu i pós-gradu ações e outras especializações, pode empurrar o seu fim para perto dos 30 anos . Aliás, como indica Contardo Calligaris, o que define socialmen te o adolescente não é mais sua idade: "Se Leonardo Dicaprio ( e não John Wayne ou Cary Grant) é o herói contemporâneo não é por causa de .. sua idade ou de sua beleza de efebo. Ele é herói por estar suspenso e flutuar no campo aberto dos possíveis . De braçosabertos para o futuro ; · 1 1 a .. erguidos na proa do navio, ele está adolescente. · . ,,;{�\�� Estar adolescente é um traço normal da vida adulta moderna. É uma maneira de afirmar a possibil idade de ainda vir a ser outro . ( . .. ) As sim, idealizar a adolescência é um gesto celebrador de nossa própria cultura, uma maneira de tecer o elogio da liberdade. [Situação] difícil para todos . Para os adolescentes, que não sabem mais como ser rebeldes, pois a rebeldia é um valor estabelecido. Para os adultos, pois - pela mesma razão -, como podem um dia desistir de ser rebeldes, ou seja, adolescentes?" (Calligaris, 1998,p.4) ALIENAR-JE OU JEPARAR-JE? Sabemos que, segundo Lacan, o super-eu de nossa civilização caracteriza-se por um imperativo totalmente diferente do super-eu freudiano, marcado pelo proibido, pelo dever e pela culpa. Nosso imperativo é o "goze!". Este gozo contemporâneo, caracterizado por seu autismo, encontra seu paradigma no gozo toxicômano. 1 < a. Assim, esse tipo de gozo, longe de ser um estímulo à relação sexual, é, ao contrário, preferível a ela, colocan do a nu a degradação do laço social nas sociedades capitalistas neoliberais: PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- No entanto, sabemos que, muitas vezes , na adolescência, ao contrá rio da maioria dos casos, o uso de d rogas faz laço socia l , a exem plo do alcool ismo no adulto. Assim como se "bebe socialmente", usa-se a d roga "socialmente" . Ou seja, a droga pode aparecer na vertente identif icató ria com o Outro g rupal , sendo, nesse momento, um instru mento que suporta a metafo rização do Outro parental a partir da eleição de novos ideais, que funcionam, fundamentalmente, como maneira de real izar a dia lética dos ideais antigos, "herdados" dos pais. E ntretanto, esse uso da d roga, re lacionado à busca de separação do Outro , a part ir de novos ideais, s itua novamente o sujeito na vertente da al ienação, des sa vez, al imentada pelo grupo (ver Alberti , 1 998,p. 1 32) . J-A M i l le r - em seu Seminário com E . Laurent, "L 'Autre que n · existe pas et ses comités d · éth ique"(1 997) - estabelece uma i nteres sante d istinção entre as d rogas , mostrando, por exemplo, que o gozo da maconha não desconsidera, forçosamente, o social . E la é , pelo contrá rio , freqüentemente considerada como um estímu lo e um auxíl io à re la ção social e até à re lação sexual . Por isso, os pre$identes C l inton e Fernando Henrique d isseram que experimentaram esse gozo e não fo ram, por isso, desconsiderados. Aliás, na afi rmativa do presidente Cl inton de que "fumou e não tragou" , já encontramos um sinal de que ele prefe re "fazer tudo pela metade". Já a heroína responderia ao critério de ruptura, de efeito separador do laço social , conduzindo o sujeito ao estatuto de dejeto ou de " l ixo do bem-estar da sociedade". É também sugestivo o contraponto estabelecido entre a hero í na e a cocaína, a depressão e o stress, como fenômenos que podem responder à vertente da separação ou da alienação com re lação ao laço social , p roposto pela sociedade capital ista neol iberal . Assim, enquanto a cocaína é ut i l izada para faci l itar a inscrição na máquina p rodutiva e con s u m idora da soc iedade contemporânea , q ue também p roduz os "stressados"; o uso da hero ína apontaria para a vertente da separação desses s ign ificantes do Cap ital - produza ! , tenha sucesso ! , seja compe titivo! Separação defendida também pelo deprimido, que, ao não quere r sair (nem sequer da cama! ) , ao não querer produzi r ou consumir, eviden cia o engodo do "goze", ameaçando, com sua existência, o laço social do capital ismo (ver M i l le r et Laurent, 1 997, p330-334) . É isso que também faz o" toxicômano decidido", aquele que constitui uma "figura de gozo". E le é , segundo Colette Soler, '1nsubmisso ao gozo un iversalizado da civi l ização" , o gozo fálico. " Quer ele o saiba ou não . Ele ( . . . ) é a lguém que se recusa a entrar no que chamamos de o gozo fál ico, visto que o gozo fálico não é apenas o gozo do órgão, mas PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- também o gozo que sustenta toda a competição social . ( . . . ) E le se põe de lado, não entra , não aceita co rrer como todos os demais para fazer uma carre i ra, para afi rmar-se e alcançar algo na vida, ou seja, tudo o que em gera l alguém sonha para seus f i lhos: uma real ização social . o toxicômano se recusa a entrar na carreira . ( . . . ) como [ insubmisso] ao gozo fál ico competitivo ( . . . ) e le é um perigo para a civi l ização da ciência , para o mercado . . . " (Soler, 1 998, p .50-51 ) . Já o sucesso do Prozac - uma droga que "tem o poderde trans formar a toda a pessoa" , inserindo-a como convém nos ideais da socieda de capita l ista - provém da divu lgação de suas proezas. Segundo Peter Kramer, seu pr incipal i ntérprete no mei0 cient ífico: "o êxito do Prozac nos d iz que, hoje, o capital ismo de alta tecnolog ia valoriza um temperamento muito diferente . Confiança, f lexib i l idade, rapidez e energia - os aspectos positivos da h ipert imia - são hoje objeto de mu ita sol icitude . " Temos, então, a nossa d isposição , uma d roga fantástica, que possu i i númeras vantagens sobre as anfetaminas, a maconha, a hero ína, o LSD , o álcool ou a cocaína, po is não produz uma experiência autística, reduzindo, an tes , as barrei ras para o t rato socia l dos indivíduos i n ib idos socialmente. Além disso, ao não gerar dependência, favorece a autonomia pessoa l , e levando o índice de decisão, e , a esta l ista de promessas, acrescente se que não é prazerosa em s i mesmo, porém estimu la um prazer ind i reto ao permiti r empregar as capacidades individuais sem induzir d istorções 1 1 � : na percepção (ver Sinatra , 1 995, p.75-76) . , ,,d. :'.� / OJ "E/TRAGO/ DE JÁBADO À NOITE" 2 : O ADOLE/CENTE E A PUUÃO DE MORTE Já foi constatado que as campanhas de prevenção, do tipo "dro gas, nem morto ! , não têm funcionado com os adolescentes . Parece que quanto mais denuncia-se a d roga, o álcool e o risco das doenças sexual mente transmissíve is , mais encontramos adolescentes que se d rogam, bebem e assumem riscos em sua vida amo rosa. Um fragmento c l ínico, re latado por Nazir H amad , é exemplar a esse respeito: "Lembro-me ainda dessa jovem de 1 3 anos que os pais me trouxeram para consu ltar, sob pretexto que e la bebia cerveja e whisky, que fumava cigarros e baseados e, p ior ainda, que fazia sexo com rapa zes desde praticamente a idad� de 1 1 anos. Os pais e ram re lat ivamente 2 Expressão util izada por Cario Viganó, na conferência "O adolescente e seus pro b lemas", proferida em Belo Horizonte , no dia 23/08/99. PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- ::}l1 6 · ·����"-� idosos e tiveram a menina já tarde. Levavam uma vida que qual ificavam de sã. Haviam parado de fumar e de beber. Faziam esporte ( . . . ) em suma, era um casal em grande forma. E tudo deixava crer que, quando morres sem, seria em boa saúde. Quando pedi aos pais para nos deixarem a sós , Corinne me disse sem a menor hesitação: 'Pois bem, eis aí meus pais. Estão muito preocupados com o meu futuro . Querem que eu pare com tudo e que me chateie junto com eles. E, no entanto, quando eram jovens, fizeram mais do que eu. E quando lhes digo isso, me respondem que não sou obrigada a refazer as mesmas bestei ras que eles. Acho isso completamente idiota ( . . . ) Os adultos são assim, eles tiveram tempo para fazer as besteiras deles e, quando se sentem alcançados pela morte, param de viver ( ... ), fazem comentários desagradáveis sobre os fumantes e não sei mais o quê. Pois eu sou ainda jovem e não penso na morte como eles. Tenho tempo para fazer isso mais tarde, enquanto que os velhos sabem que não têm mais esse tempo, e eles têm medo, por eles e por nós' . " (Hamad,1999,p. 15) De fato , os adul tos podem ser de um tédio mortal para os ado lescentes , quando ficam a lhes repeti r que a morte é a doença da vida e que é preciso preveni r-se contra ela, renunciando a todos os riscos. Pare ce que quanto mais os adultos recusam isso em nome da saúde e do bem-estar - denegando a morte - mais os adCJle�cent�;,,ge�envolvem uma . posição contrária. Nazir Hamad entende essa reação, pois , segundo ela, "se os pais se põem a funcionar na denegação de seu ser para morte, não devemos nos espantar em ver a geração das crianças dar seu corpo, receber em seu corpo, esse real que os pais buscam ocultar. " ( Hamad, 1999, p. 16) Sabemos que a denegação da morte não é o forte da psicaná lise. Pelo contrário, é justamente por reconhecer a existência da pulsão de morte, que ela é apresentada como pessimista, um "desmancha-pra zeres" , em tempos de ideologia do bem-estar e de promessas científ icas de felicidade. Paradoxalmente, esse mesmo discurso, que promete a . felicidade, poss ibil itou a construção de um arsenal capaz de, em um instante ou lentamente, destrui r o planeta. Constata-se, na clínica , que o ser falante pode buscar o seu próprio sofrimento de modo reiterado ou pode experimentar o prazer de destru i r. Enfim, constata-se que existe, de fato, um além do princípio do prazer. Por isso, os psicanalistas estão advertidos de que é dif ícil parti lhar os "planos da festa cintilante do consumo" (ver Barreto, 1999 , p.4). Não se trata, contudo, de desmerecer os benefícios trazidos pelo p rogresso. T rata-se de reconhecer que "viver é. muito perigoso", que há riscos e que o maior deles é desconhecer o lobo do homem. Admiti r a PSICÔTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROG AM TANTO? ---------- pulsão de morte, considerá-la e incluí- la faz, então, parte da possibi l idade de encontrar saídas para que no mundo do bem-estar possamos abrir espaço para o bem-dizer. Bibliografia ALBERT! , Sônia. Adolescência e droga:um caso, in : BENTES, L . e GOMES, R. (orgs . ) O br i lho da {in)fel ic idade. Rio de Janeiro : Contra Capa, 1 998, p . 1 25-1 33. BARRETO , Francisco. Editorial . Agenda. Escola Brasi leira de Psicanál ise-MG, setembro 1 999, p .3-4. CALL IGARIS , Contardo. A sedução dos jovens. Folha de São Pau lo , 20/09/1 998 . Caderno Mais, p .4 . HAMAD , Naz i r. O sauvageon não tem medo do l obo , in : O a d o l escente e a modernidade. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 1 999, p .9-1 8 . LACAN, Jacques. Televisão ( 1 974) . R io de Janeiro: JZE, 1 993 . __ . O Seminário, l ivro 1 7: o avesso da psicanálise ( 1 969-1 970) . R io de Janeiro: JZE, 1 992. M I LLER, J-A et LAURENT, Éric. L 'Autre qui n 'existe pas et ses comités d 'éth ique, Sem. de 2 1 /05/1 997, p .333-336. Seminário inédito . QU INET, Antônio. A c iência psiquiátrica nos discursos da contemporaneidade. O Risco. Publicação da Associação Mineira de Psiquiatria, ano X, n .08 , ago . 1 999, p . 1 2-1 4. S INATRA, Ernesto. La interpretación de la droga. Pharmakon. Publicacion de grupos e instituciones de toxicomania y alcoholismo dei Campo Freudiano, n .3, junio 1 995, p .74-79 SOLER, Colette . Sobre a segregação (1 974), in : BENTES,L. e GOMES, R. (orgs. ) . Op. cit. , p. 43-53. TOXICO MANIA: U MA JAÍ DA PO//ÍVEL PARA OJ IMPAJ/E/ DA AD0 LEJCÊNCIA1 Sandra Mara Pereira No Centro Mineiro de Toxicomania , a clínica do sujeito adoles cente apresenta-se como um desafio instigante. Ao adolescente, sempre se atribuíram atitudes "subversivas, provocadoras e contestadoras", mas aqui nos interessa como esse sujeito se apresenta e se posiciona diante dos impasses da vida. No ambulatório, os adolescentes procuram tratamento através dos encaminhamentos da famíl ia , do Juizado, do Conselho T utelar ou da PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------- , . 1 1 8 �n .. -:,_:: � ;�� Escola; e, recentemente, "por conta própria". Estes apresentam um certo horro r diante dos efeitos do crack, tomados pelo pânico da morte, o que justifica sua demanda de tratamento. Os adolescentes usuários de droga revelam alguns impasses no manejo do tratamento: falam pouco, são in ibidos e não conseguem formular alguma questão que aponte para o seu "sintoma". Relatam vári os problemas com a famíl ia, com a escola, com a justiça, mas e a rela ção com as drogas? Em tempos de Planet Hemp, no culto ao "estilo adolescente de ser", numa apologia à l iberação da droga, oferecem-se ao sujeito vários de s ign ificantes identificatórios, onde o uso da droga não é problema, a não ser para o outro. O que se passa com o sujeito adolescente no momento de in iciação ao uso de droga? O que determina a diferença entre o usuário esporádico e o toxicômano? Qual o estatuto do objeto droga para o sujei to adolescente? O termo adolescente, et imologicamente, vem do lat im "adolescere" que s ignifica crescer, brotar, fazer-se grande. Adolescência, surgiu no dicionário por volta de 1 865 com o s ign ificado de passagem, momento. Desde o primeiro momento de vida, a criança é dependente da relação com o Outro e assim permanete por muito tempo e, de certa forma, a vida toda. A mãe ou a substituta materna, é quem introduz a criança neste mundo através da l inguagem. A relação, a partir da linguagem, é que estabelece como cada um se vê. Isto marca um investimento de afeto, de sexualidade no filho a partir do olhar dos pais, desta fo rma as relações vão se constituindo, tornando-se mais complexas. A criança é, inicialmente, "egoísta", exigindo satisfação imedia ta de seus desejos. Muitos pais não conseguem perceber a importância de se introduzi r l imites e cometem o equívoco de atenderem a todas as exigências mantendo a ilusão que estão provando seu amor, não deixan do "faltar" nada. Neste momento, perdem a possibil idade de transmitir aos fi lhos que o mundo nunca será como eles desejam, retardando a percepção de como o mundo é. O pai , a mãe, enfim, a família tem tentado transferir a responsa bil idade de educar para os professores, educadores, instituições, juízes, conselhos tutelares, etc. Há uma pluralidade de figuras que se esvaziam na qualidade das relações. Nesse contexto, surge a adolescência com a característica fun damental do despertar para o sexo, p�ra o outro, para a vida adulta - PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- cheia de escolhas, responsabilidades, frustrações, ilusões, amores e desamores . Freud compreende, sob o termo puberdade, tanto as transfor mações corporais quanto as transformações ps íquicas que as acompa nham. A tese freudiana concernente à sexualidade é que ela não começa na puberdade, mas , nesta fase, há uma reedição das pulsões sexuais in fantis a fim de separar os objetos sexuais e os pais . Pais que já não portam as respostas dos porquês . O adolescente, saído da infância, se depara com o real do sexo, despertado para esse encontro que é sempre mal-sucedido, desengon çado. . � A angústia é o sentimento mais eminente. Crises de tristeza, in ibições , nervosismo e agitações são externadas em atos de intensa agressão; seja consigo mesmo, seja com o outro. Fica evidente uma tendência a agir que faz apelo à lei para que possa dar uma contenção neste desnorteamento simbólico, possibilitando, assim, uma certa orga nização psíquica. "Se há crise na adolescência há também crise dos pais", pois estes n ão estão conseguindo responder aos atos desvairados de seus filhos, que portam uma angústia de existir sem referências. Roubos e tráfico, o "ganhar a vida fácil", com "adrenalina", acaba por colocar o l a drão e o traficante como modeles de identificação, como líderes ou heróis respeitados e temidos . Com o decl ínio dos ideais familiares e a conseqüente ruptura com os pais , o adolescente se vê tens ionado a buscar inserção num grupo de amigos . E uma das formas disto acontecer é "experimentando"a droga. O adolescente que inicia o uso de drogas não será visto como "paia", "careta" , "boiola", mas estará se "baseando" no outro, no colega, no amigo, que lhe oferecerá aquilo que procura naquele instan te: uma solução, mesmo que temporária, para uma de suas questões: Quem sou eu? - "Eu sou sinistro" , "Eu sou cavernoso", 'Eu sou maconheiro, viajan - te". A tão sonhada independência dos pais passa a ser confundida com o rompimento radical com o mundo, com os relacionamentos n a escola, com as atividades esportivas; o adolescente acaba por perder o interesse e a motivação. Neste momento em que ele já n ão se submete às "obrigações" , a droga lhe as�egura um desligamento da demanda do Outro: "Já não agüentava tanta falação, lá em casa tem muito problema" (fragmento de um discurso de uma jovem de 15 anos, usuária de maco nha e crack). ·� - - �-�- -- PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTQ? --------- 1 1.:s : �.#:· ; '.120 Uma outra função que a droga exerce e que podemos ouvir no discurso dos pacientes adolescentes, é a de que ela é o apaziguamento da an gústia vivenciada na relação com o outro sexo: "A mulher a gente nunca sabe .. . quando fumo um, aí isso não me incomoda. Prá falar a verdade, eu até esqueço de mulher" (fragmento de um discurso de um jovem de 16 anos, usuário de maconha)·. Uma terceira atribuição dos adolescentes ao uso de drogas é a potência imaginária que esta provoca: "Parece que quando a gente usa, a gente pode tudo, e quando tá de cara, fica sem coragem"(fragmento de um discurso de um jovem de 17 anos, usuário de cocaína e crack). Passa a haver uma atitude seqüencial : vender drogas, roubar para conseguir dinheiro para se drogar, arriscar-se em lugares perigosos, usá- la e sentir o êxtase ... e recomeçar! Nem todos os adolescentes permanecem neste uso. Há os que se desembaraçam da droga por considerá- la um obstáculo, mais que um instrumento. Mas há os que se fixam aí". Obstáculo para conseguir o que se pretendia com o uso da droga, ou seja, a droga passa a ser um empecilho da conquista de algo que se deseja muito. Parei porque, com a maconha, eu não viajava mais, ficava era meio abobalhado e isso eu não quero" (fragmento de um discurso de uma jovem de 16 anos, ex-usuáfia) . Aqueles adolescentes que conseguem enxergar que seu pra zer se direciona para outras formas de reconhecimento, conseguem des l izar e sair das drogas através do esporte, da música, do trabalho . .. Já aqueles que se fixam, permanecem colados ao objeto, na in findável tentativa de se sentirem completos, real izados com o prazer e a satis fação impl ícitos no ato de se drogar. Aquele que tem a droga como um instrumento que propicia o laço social , tem mais recurso simbólico para dar conta do objeto perdido e se posicionar nas situações que remetem à castração. Já o toxicômano busca o objeto droga fora da mediação simbólica, fixando-se numa posi ção de assujeitamento e gozo mortífero. De um modo geral , os profissionais concordam que não é fácil o tratamento do adolescente viciado em drogas, principalmente porque se trata de um sujeito que está diante de um momento de angústia, quando deve reorganizar suas relações e sua posição frente ao mundo. Momento de divisão subjetiva onde ele poderá escolher: • Saber de seu desejo, de suas aspirações, do que quer para si, mesmo com toda a dificuldade que isso acarreta, tentan do produzir u·ma história parf icülàr de sua existência. PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------- • Alienar-se, não querendo saber de seu desejo, participando artificialmente da construção de sua história, colocando-se sempre como alguém "embalista" que não possui muita pers pectiva de vida. Trabalhar questões clínicas a partir das diversas particularida des que podem estar relacionadas com a adolescência e o uso de dro gas, é o objetivo da Linha de Pesquisa em "Adolescência e Toxicomania" do CMT. Para o próximo ano, continuaremos a pesquisa sobre o acolhi mento e a entrada no tratamento sob o referencial da psicanálise, promo vendo um espaço de escuta e inteNenções que auxiliem o sujeito na busca de saídas para seu mal-estar e para alcançar um sentido de vida. Bibliografia ALBERT I , S . Esse Sujeito Adolescente . Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1 995 COSTA, R. T. "Educação Infantil no Mundo Contemporâneo", in Estado de M inas, 1 2.07.98, Belo Horizonte, p . 4 . Coluna: Em dia com a psicanálise. COTTET, S . "Puberdade Catástrofe" in : Transcrição, n . 4 . Salvador: Fator, 1 998. FREDA, ,H . "O Aeolescente Freudian�'..,in.Adolescência: O Despertar. Rio de Janeiro: Kal imeros, 1 996. FREUD, S . ''Três Ensaios sobre a Sexualidade" , E.S.B. Rio de Janeiro : Imago, 1 972, volume IV. LODI , M . 1 . "Adolescência e Drogas. O Sujeito na Pós Modernidade", in : Caderno de Textos da IX Jornada do CMT; Subversão do Sujeito na Clínica das Toxico manias. Belo Horizonte , 1 996. A ADOLEICÊNCIA E A TOXICOMANIA3 Vicente Corrêa Júnior Antes de articularmos estes dois conceitos, faz-se necessário elucidar que estas não são entidades clínicas precisas e que, portanto, somente fenomenologicamente, poderemos apontar indícios. 3 Trabalho apresentado na I Jornada de Psicologia do XXV Congresso da Associa ção Médica dê M: Gerais, Regional Sul, em Poços de Caldas, agosto de 1 999. Ps,cóncos E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------- ' 122 :*·tt:'�� : Um aspecto muito interessante que a modernidade promove com seus avanços científicos e tecnológicos é a sua incidência sobre a subjet ividade do ser falante. Por exemplo: vive-se mais e com mais saú de; comunica-se em "tempo real" com pessoas e instituições situadas dentro das fronteiras terrestres e com mecanismos que se encontram em outros sistemas que não o solar. A d roga - assunto mal-dito - não é original nem tão marginal como a princípio parece. Presença constante nos meios de comunica ção - através das diversas mídias - como no cotidiano de alguns sujeitos, tem sua importância pelo fato de ser, em toda parte, provocada e temida. Ao percorrermos a história da civilização, a presença da droga, desde os primórdios da humanidade, se mostra nos mais variados con textos : social , econômico, médico, religioso, etc. O consumo de drogas deve, portanto, ser considerado como um fenômeno especificamente humano, isto é, um fenômeno cultural. Não há sociedade que não tenha as suas d rogas, recorrendo ao seu uso para diferentes finalidades, em conformidade com o campo de atividades no qual se insere. A Toxicomania, como fenômeno de massa, é fruto de nosso tempo e as condições que a engendraram podem ser buscadas no an seio da Ciência de encontrar o remédio ideal contra o sofrimento. Assim, medicamento e droga, em suas origens, compartilham do mesmo sonho de restituir ao homem sua completude, libertando-o da dor. Nascemos em um estado de fundamental desamparo, e já, desde aí , uma dependência se instala: de afeto, calor, alimento, reconhecimen to. O Outro (mate rno) dará sentido aos excessos experimentados pelo pequeno vivente como desprazerases. Assim, há sempre a presença de uma lógica significante à medida que o Outro simbolizará este excesso sem sentido. A mãe - objeto precioso de investimento libidinal do recém nascido - fará a manutenção de um estado de excitação mínima, seja ela endógena ou exógena. Desta maneira, a mãe, que satisfaz a fome da criança, torna-se seu primeiro objeto amoroso e , certamente, também sua primeira proteção contra todos os perigos indefinidos que a amea çam no mundo externo. Esta relação com a mãe será, no entanto, inter rompida pelo pai, que vem instau rar uma separação, uma lei, uma proibi ção; sendo compreendido como agente da castração. Assim, a falta radi cal se instalará à medida que a criança percebe não ser o falo, que até então supria, alucinatoriamente, a mãe. A criança passa então do lugar de ser o falo materno,para o desejo de ter o falo ou algo de suas atribui ções. Tarefa árdua, que com o advento da puberdade será resignificado, ganhando contornos dramáticos e trágicos, pois um dia, o sujeito ado- PSICÔTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------- lescente é literalmente surpreendido por suas secreções (a menarca e as poluções) ; o novo encontro com o real do sexo. Por mais preparado que esteja, a partir da tão expandida educação sexual - da escola, da família, da rua - há um real em jogo diante do qual o sujeito não encontra fuga possível, pois não há como fugir do próprio corpo. De maneira esquemática, a adolescência pode ser entendida como um processo fundamentalmen te psicossocial , que é desencadeado pelas alterações biológicas carac terísticas deste período, sendo que tais maturações acontecem de forma descontinuada e interpenetráveis. Neste processo o adolescente experimentará lutos diversos: 1. Pelo corpo infantil perdido : o corpo transforma-se, adquire nova configuração em conseqüência da revolução pubertária - incontrolável e independente de sua vontade. O jovem se sente impotente diante do poder das alterações corporais que vem sofrendo e ao mesmo tempo desejoso desse por vir; 2. Pelo papel e identidade infantil : os novos aspectos alice_rç_ados em impulsos sexuais e agressivos marcarão a perspectiva de atingir a vida adulta que é, por um lado, ambi cionada pelos privilégios e prazeres, e, por outro, temida pela aceitação de responsabilidades, que são, na maioria das vezes, desconhecidas; 3. Pelos pais da infância: o jovem procura reter os pais da in fância. Esta imagem lhe serve de refúgio e proteção diante da temeridade pelo desconhecido que há em si e que come ça a aflorar em seu pensamento. O adolescente vai desco brindo que seus desejos e idéias não são concordantes com os seus pais e sente remorsos em assumi-los, pelo temor das conseqüências, entre elas a perda dos pais da infância; Neste contexto de desestruturação necessária, o sujeito ado lescente terá seus três registro&, Real, Simbólico e Imaginário, por vezes articulados sob a forma de Sintoma que, a principio, é denunciador do sem sentido. Momento propício e freqüente para o surgimento de experi- - rnºntaçõ_es de situações e drogas, sejam elas lícitas ou ilícitas . . ..,.,t;r . _ __ - · - • · - · · PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- J24 Lígia Bittencou rt em seu texto "Algumas notas sobre adoles cência e Toxicomania" aponta quatro poss íveis inter-relações entre a ado lescência e o ato toxicômano: 1 . O adolescente se droga para esquecer o corpo; e o recurso à droga tem por função liberar o sujeito do seu compromisso face ao seu ser sexuado. Como o toxicômano, que goza com seu próprio corpo, o adolescente deste se aproxima, por exemplo, vestindo-se irreverentemente, no UNISSEX do cabelo comprido, das tatuagens tribais, dos piercings que à medida que registram suas marcas, também não diferenci am os papéis sexuais. 2. O ato toxicômano é um modo de resposta aos impasses decorrentes do confronto do sujeito com o Outro sexo e as vissicitudes da construção do parceiro sexual. Para todo sujeito, o encontro com sua sexualidade é sempre fracas sado. Os amores, surgidos na adolescência, trazem toda sua carga de tragicidade, intensidade e são marcados por sentimentos de desilusão, insatisfação e mesmo traição. O gozo sexual, outrora prometido pelo Outro, mostra-se parci aJ e claudicante. O "apagamento" do sujeito toxicômano, ilustra bem sua forma de resposta ante a possibilidade do encontro, negando-se, assim, as vicissitudes do desencontro. 3. O ato de drogar-se cotidianamente, e, por conseqüência, expor-se a situações de aquisição e uso (o morro, a boca de fumo), proporciona a assunção de um mínimo de atributos fálicos à medida que um reconhecimento se dá. As gangues, compostas por adolescentes, são pródigas no oferecimento ao sujeito, de oportunidades de "mostrar sua cara" (picha ções indecifráveis testemunhas da perplexidade diante das demandas sociais), ao mesmo tempo que reduz ao grupo o universo de trocas efervescentes. O traficar drogas, ser re conhecido como militante do uso destas substâncias e o saber compartilhado desta prática, têm para o adolescente função imaginária delegadora de poder, quando exclui o "ve lho", o "careta" e o convencional, e fortalecem as identifica ções fraternas primitivas. 4. No recurso à droga (num apelo ao objeto), o adolescente promove uma separação da autoridade parental, permitindo PSICÔTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------- ao sujeito separar-se do Outro. Na adolescência deverá ser executada a separação da autoridade parental , ou das de mandas do campo do Outro. O rompimento desta relação, tem sua radicalidade evidente nas passagens ao ato, quan do do uso da droga, onde a Lei é desprezada. Aquele adolescente que chega até nós, com a problemática de uso de d rogas, normalmente tem pouco a dizer, seja a respeito de si mesmo, seja a respeito do uso de drogas. Somente no decorrer de algu- mas entrevistas a problemática das d rogas surge; algumas vezes como fato já consumado, outras como apelo que encontrou, na resistência do analista, um obstáculo. O adolescente vem trazido, nomeado pelo pais, pelo Conselho Tutelar, pela pol ícia, pelos diretores e p rofessores. Ao mesmo tempo que mostra-se su rpreso: ("Não imaginei que fosse dar pro blemas! " , "Não sei que que eu estou fazendo aq ui. . . ") , mostra-se desesperançado e pessimista, pois "já tentei tudo que eu sabia .. e o que não sabia também". Aqueles mesmos que o trazem evocam cenários caóticos, onde a mútua responsabil ização deixa pouco espaço para uma resignificação. Demandam internação ou uma droga mágica que restitua a harmonia anterior que foi perdida. "Ele já não é mais aquele menino obediente, estudioso. Agora ele só quer ficar. Ficar na rua, ficar com a . _ turma, chegar tarde da noite. Ele tá muito respondão! Mas quando eu ·-· · ·- ,: 1 25 ' : · , ;--� pergunto, ele não responde nada" - são exemplos de discursos dos pais. �.-..e.;.;.., Na cl ínica das toxicomanias, o relato de consumo de uma dro ga exclusiva somente se dá após aquilo que eu chamaria de experimen tação. O usuário 'escolhe' a droga que melhor incida sobre sua subjetivi dade, e de forma monótona opta por uma. No entanto, uma evidência se coloca para nós, merecendo escuta mais apurada: o aumento crescente do número de adolescentes, sejam aqueles que nos procuram "esponta neamente" ou pelas inúmeras vias de encaminhamento que se lançam mão, com uma queixa/relato quase colado à droga. O crack. Por homofonia pode-se depreender que algo se quebrou, um determinado circuito entrou em curto, provocou pane. O sujeito lança mão até de seus panos, para a obtenção da droga, que só faz querer mais e mais e mais. São jovens que até então circulavam com alguma desenvoltura no "mundo das d rogas" , mas q ue agora sentem-se excluídos, mais uma vez, de suas chances. O dispositivo ambulatorial não se mostra suficientemente concreto, na ten tativa de barrar o gozo mortífero. O "Leito-Crise" é opção. Essa d roga, com potencial dependogênico altíssimo, chega de forma virulenta, pro movendo desagregação e mesmo um auto-encarceramento, que é freqüentemente cogitado. Um usuário, em desespero, trancou-se em seu Ps,côncos E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- , :\ '1 26 ]�-�) barracão e combinou que lhe fosse levado alimentos. Quando a comida lá estivesse, um sinal, na parede, seria dado. Um conhecido, pensando tratar-se que tal encarceramento seria para o uso da droga, passa a procurá-lo lá. A percepção do odor característico e famil iar, foi o suficien te para a deflagração de um processo de pré-consumo. A boca seca, a respi ração f ica ofegante, os batimentos cardíacos aceleram . . . A adolescência põe enigma já desde o princípio. Os pais, os professores, os juizesse esquecem/recalcam suas próprias adolescên cias. Ao analista esta possibilidade não é dada. Ou se assim o f izer, pagam o alto preço de uma escuta intoxicada. Nas entrevistas prel iminares, momento que antecede à instau ração do dispositivo analítico, duas proposições de parte a parte se colo cam: o livre associar proposto ao entrevistado; a neutralidade sugerida ao analista. Neutralidade que inclui a abstinência do analista em querer que o analisando se abstenha . . . das drogas. A Ética que orienta o analista é a Ética do Sujeito, a ética do desejo que não corresponde ao Ideal da cura médica, que procura a manutenção da vida a qualquer preço. Na clínica das toxicomanias, tais apelos: "Será que não tem remé dio? !? O que você pode fazer por mim/ pela gente?" mostram que alguns sujeitos, encontram na submissão/sujeição seu modo de gozo. Dispositivos de acolhimento emergencial (oficinas de atividades próprias deste segmento etário) são efetivados, assim como aquele que o acompanha passa a ser · incluído na direção da cura. Cura? Trata-se antes da obtenção do consenti mento do sujeito, que teve seu desejo seqüestrado, pelo objeto droga. Cabe ao analista, não a oferta de mais uma saída mágica, uma palavra de conforto ou um conselho, que reatualizaria a lógica do Senhor x Escravo; onde um mantém o outro na esperança de vir a ocupar o lugar privilegiado, enquanto o outro mantém-se, imaginariamente, possuidor do poder, mas a encarnação que suporte o vazio, onde o porvir adolescente advenha. Referências bibliográficas ABERASTURY, Arminda e cais. Adolescência. Porto Alegre: Artes Médicas, 1 986. ALBERTI , Sônia. Esse Sujeito Adolescente. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1 995. BLOS , Peter. Adolescência: Uma Interpretação Psicanalítica. São Paulo: Martins Fontes, 1 998. I NEM, Clara e BAPTISTA, Marcos (orgs.) . Toxicomanias; Uma Abordagem Clínica. Rio de Janei ro: Sette Letras , 1 997. J ERUSALINSKY, Alfredo e cais. Adolescência: entre o passado e o futuro.Porto Alegre: Artes Ofícios, 1 997. OUTEIRAL, José ( org . ) . C l ín ica Psicanalítica de Crianças e Adolescentes. De senvolvimento, Psicopatologia e Tratamento. Rio de Janeiro: Revinter, 1 998. QU INET, Anlôl)io. As 4 + 1 Condições da Análise. Rio de Janeiro: Zahar, 1 996. _ •. . ·. PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------- ./OBRE A ENTRADA EM TRATAM ENTO DO.f ADO LE.ICE NTEJ NO CMT Ana Regina Machado / Cleide Nayara Barcelos Fabiana Gambogi Teixeira / Mariana Durso Caiaffa Raquel Rubem dei Guídice CONJIDERAÇÕE/ IN ICIAI/ Nosso ponto de partida é a� conclusão da Pesquisa: "Perfil Epidemiológico dos Adolescentes Atendidos no Centro Mineiro de Toxi comania/MG - no período de janeiro de 1997 a abril de 1 998 (1) ", também publicada neste livro. Tal pesquisa evidencia um curto tempo de perma nência dos adolescentes em tratamento no CMT e conclui que há neces sidade de "uma intervenção rápida e de um manejo apropriado, principal mente no que se refere ao acolhimento destes pacientes" para que o tratamento seja viabilizado. Antes mesmo da realização da pesquisa, o cotidiano da clínica já nos apontava que algo acontecia de maneira diferenciada nos trata mentos com adolescentes. O que nos fazia pensar na necessidade de um outro manejo clínico e, talvez, de outros dispositivos de tra:tãínento no acolhimento destes pacientes. Com freqüência, ouvíamos dos adolescentes, que não queriam vir ao CMT. Um Outro determinava que viessem. Algumas vezes, nada diziam, se silenciavam, registrando, desta maneira, um certo protesto ou uma certa rebeldia contra as imposições do Outro. Muitos nos revelavam que não se importavam com as conseqüências de seus atos, fossem eles atos violentos ou destrutivos; estavam mesmo era "a fim de zoar". Mesmo o ato de se drogar, poucas vezes aparecia como problema ou ao lado de algum sofrimento subjetivo. A droga, certamente, apresentava-se como um recurso, para ter uma galera, para ser alguém e, também para não ser alguém. É como recurso para lidar com seus impasses que o adoles cente vai recorrer às drogas. Lígia Bittencourt (2) aponta alguns destes impasses: a droga serve para amenizar a angústia causada pelo corpo que muda e pelo chamamento à identificação com os ideais dos sexos; a droga é um modo de resposta para os impasses decorrentes do encon tro/ desencontro com o Outro sexo; a droga permite ao sujeito separar-se do Outro, rompendo com a submissão incondicional às suas prescri ções. Maria Inês Lodi (3 ) observa também que sendo fejto_ �m.grupos, .o Ps 1cóncos E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- 1 21 - : ·�;��\- ; ;/1-2a • -�-.;.� .... uso das drogas responde à necessidade de reviver os processos iden tificatórios, própri a da adolescência, na relação com seus pares e l íderes. A adolescência corresponde a um momento conturbado, no qual o sujeito se atrapalha e se angustia diante do despertar do real do sexo. A d roga é, portanto, um dos recursos a que o sujeito pode recorrer para l idar com seu encon tro com o real, com o insuportável . Sabemos que há, na atualidade, um mercado bem estruturado, que se encarrega da produção e distribuição deste recurso: o mercado das drogas. A lógica de mercado tenta fazer crer que o mal-estar, ineren te ao ser falante, pode ser remediado com objetos de consumo. Talvez por estar de acordo com a lógica do nosso tempo, é que o consumo de drogas se apresenta como um dos recursos privilegiados para que o ado lescente solucione ou se esqueça de suas questões. Mas, vol temos à questão in icial : como acolher o adolescente em n ossa instituição? Com quais dispositivos contar para que este paci ente prolongue sua permanênc ia no CMT, até formular sua demanda de tratamento ou até mesmo concluir que não quer se tratar? Mais do que pensar em novos dispositivos de tratamento, opta mos, neste momento, por investigar os já existentes n o CMT, começan do pelas oficinas terapêuticas. Esperamos, assim, obter s_ubsídios para em um momento posterior, pensarmos em novos dispositivos institucionais de tratamento, ou mesmo reformularmos os já existen tes de maneira a favorecer a entrada dos adolescentes em tratamento. Em conversas estabelecidas entre os participantes da linha de pesquisa "Adolescência e Toxicomania" e as estagiárias I coordenadoras de Oficinas, identificamos as oficinas que mais despertaram o in teresse dos adolescentes. O que essas oficinas propõem? APONTAMENTO/ DA OFICINA DEJOOOJ E BRINCADEIRA/ A proposta da oficina de Jogos e Brincadeiras era proporcionar um espaço, no qual o paciente pudesse se expressar de forma l ivre e espontânea, através de atividades lúdicas. Este aspecto da não formali dade da oficina parece ter funcionado como um atrativo para os adoles centes, o que foi c laramente verbalizado por um deles: "Gosto desta ofici na porque ela não é séria, a gente não tem que pensar''. A participação dos adolescentes na oficina foi significativa tan to na assiduidade, quanto nas produções, falas e atuações que revelaram aspectos característicos da adolescência .. Um deles, foi a necessidade - de formar grupos durante os jogos de competição, nos quáis ·era flagrante P SICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------- a dificuldade em acatar regras: várias foram as tentativas de modificá-las ou de roubar frente a cada obstáculo surgido no brincar. Alguns apresen taram uma dificuldade com o corpo, uma vergonha ou embaraço, quando tentavam se expressar nos jogos de mímica. Além deste aspecto não formal que tanto atraiu o adolescente, as brincadeiras acabavam por revelar questões relevantes de cada sujei to. Houve momentos, em que o paciente, que brincava e não pensava, se deparava com algo de sua singularidade e, dali surgiam questões. A. , um adolescente que sempre assumia uma postura reivindicatória e debocha da, assustou-se ao deparar-se com o significante fetichismo. O quê re meteu-oà sua própria sexualidade, um ponto ainda insuportável para ele. Na tentativa de transformar fetichismo em feitiçaria durante um jogo de mímica, A. não suportou e quase passou ao ato em uma atitude agressi va com as estagiárias. Uma outra fala interessante foi a do paciente J . : "Nossa, noiei. Em uma brincadeira bati de frente com uma mania minha que nunca tinha percebido". Esta oficina possibilitou algumas simbolizações para alguns pacientes, em um espaço de descontração e lazer. O que não nos pare ce pouco, quando consideramos que os toxicômanos têm dificuldades em util izar recursos simbólicos para lidar com seus impasses. APONTAMENTOJ DA OFICINA DE MÚ/ICA Quando ouvimos música dificilmente ficamos indiferentes: des ligamos o rádio, aumentamos o som ou até mesmo repetimos a letra sem nos darmos conta. A música está presente em ambientes variados e serve como forma de expressão em todas as classes sociais e idades. Nas oficinas, surgem falas diferenciadas: " . . . isso aí tem tudo a ver comigo, tá falando pra mim, vou sair . . . . ". Às vezes, o que não pode ser dito, é cantado. A oficina é um dos dispositivos de acolhimento do CMT, é um espaço diferenciado, no qual o adolescente, a partir de sua participação e produção, cria formas diferentes para se apresentar. Ocorre uma circula ção de significantes a partir das músicas que são trabalhadas. Há uma abertura para se falar de experiências subjetivas, quando os pacientes se identificam ou se reconhecem nas letras das músicas. Vigano (4) afirma que o tratamento com adolescentes deve contar com recursos outros que não, apenas, acena analítica. Fala em espaços de tratamen to que possibilitem aos adolescentes " ler os atos que fazem como letras de uma frase e reconhecer-se em seus atos do mesmo modo que o fariam em um discur so". Certamente, algo desta ordem aconteceu na oficina de Música. - - - - PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- 1 2,�. :: -��� As letras de "rap" denunciam uma realidade violenta, na qual a transgressão é a forma encontrada por muitos jovens para se apresenta rem frente à sociedade e exercerem algum poder sobre os outros . Quan do conversamos sobre essas músicas, opiniões são trocadas, quest io nadas. Novas significações acontecem. "Minha arma é a revolta, já fui humilhada, espancada . . . " " Por que você não troca a palavra revolta por experiência?" "A música fala de violência, correr da polícia, isso não tem nada a ver com a minha realidade". Um dos pacientes levou para a oficina sua criação - uma músi ca que dizia de sua realidade marcada pela bandidagem e violência. O grupo acolheu, mas também questionou; responsabilizando o sujeito por seu discurso. A oficina certamente funcionou como um espaço de acolhimen to de falas, que não sendo indiferentes aos pacientes, podem ter gerado questões que suscitaram ou venham a suscitar, em alguns, uma deman da de tratamento. APONTAMENTO/ DA OFICINA DE CAPOEIRA A ofic ina de capoeira foi proposta i n icialmente com o objetivo de promover um espaço no qual o corpo fosse -o" centro das atrações" . O corpo de cada um seria considerado a via de expressão própria de cada paciente, já que o produto da capoeira é o jogo (combinações de movi mentos realizados por duas pessoas), e este só é real izado a partir de um diálogo corporal. Além d isso, a capoeira possui um universo cultural bastante peculiar, no qual se i nserem a música (canto, toque de instrumentos, r itmos variados) e uma história que aborda parte da cultura brasileira. No decorrer do ano, pode-se perceber uma nítida preferência, por parte dos adolescentes, em participar desta oficina, fazendo com que ela acabasse sendo composta basicamente pelos mesmos . elementos. Esta constatação proporcionou algumas reflexões acerca do tratamento com adolescentes. Observou-se que a preferência do adolescente por esta oficina se deu, principalmente, por dois aspectos: o primei ro seria o trabalho com o corpo e o segundo, a real ização de um laço social com o grupo. Sabe-se da dif iculdade do adolescente em l idar e reconhecer as mudanças de seu corpo . . Na oficina, um pouco desta relação angus tiante com o corpo é enfrentada; na capoeira, o corpo do adolescente é o que o representa. O jogo de cada um .oemonstr� que _o corpo,-mesmo PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- estranho, é capaz de criar e apresentar algo da particularidade deste sujeito. Um outro aspecto que pode justificar a preferência do adoles cente pela oficina de capoeira remete às suas dificuldades com as iden tificações. Perdido em relação ao que é, ao que pode ser, o adolescente pode querer ser um capoeirista, pode ser reconhecido neste lugar e se inserir socialmente de uma outra forma, que não a da toxicomania. CONJIDERAÇÕEJ FINAI/ As oficinas realizadas no ano de 1 999 permitem definir alguns indicativos que podem favorecer a entrada e a permanência dos adoles centes em tratamento: • As oficinas devem proporcionar um espaço descontraído, que demande pouco ao paciente, que o acolha da maneira como chega ao tratamento: sem muito comprometimento, pouco disposto a falar. Pode-se perceber que, em oficinas como as de Jogos e Brincadeiras, a fala acaba por surpre ender aquele que fala; ali, onde ele estava "só brincando . . . " • As oficinas devem se desenvolver a p�rtir de manifestações já valorizadas pela cultura adolescente, como capoeira, música e grafitagem. Certamente ao adolescente é mais fácil vincular-se a estas atividades e/ou às pessoas nelas envolvidas. • As oficinas devem trabalhar, ainda que de maneira indireta, questões difíceis para o adolescente, como o reconhecimen to do e no corpo que muda, as dificuldades quanto às defini ções de identidades. Estes, entre outros indicativos, devem ser considerados na oferta de oficinas que fazemos aos pacientes. Mesmo que não se criem ofici nas específicas para adolescentes, tais aspectos devem ser contempla dos por algumas das oficinas. Sabemos que ainda é pequeno o número de adolescentes que freqüenta outros dispositivos de tratamento que não os atendimentos ambulatoriais com os terapeutas. A pesquisa, já mencionada, revela que apenas 30% dos adolescentes são encaminhados para outros dispositi vos, entre eles as oficinas '. Antes de definir pela necessidade da criação de dispositivos específicos de tratamento para adolescentes, é necessá rio definir, junto aos terapeutas, os motivos pelos quais os encaminha- PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- . \/1 32 )����: mentos não são feitos . Caso se constate que a pequena uti l ização dos disposi tivos se relaciona às suas características atuais, é prudente pen sarmos em algumas reformulações. Cabe à linha de pesquisa "Ado les cência e Toxicomania" pmsseguir com as investigações das questões em torno do tratamento do adolescentes na instituição. Referências Bibliográficas ( 1 )S ILVEI RA, Carla. Perfi l Epidemiológico dos Adolescentes Atendidos no Centro Mine i ro de Toxicomania/ MG, no período de Janeiro de 1 997 a Abril de 1 998. Belo Horizonte , agosto de 1 999. Trabalho apresentado no 1 3º Congresso da ABEAD. Esse artigo encontra-se publ icado neste l ivro. (2)BITTENCOURT, Lígia. Psicanál ise, Adolescência e Toxicomania- Algumas Aproxima ções. ln : Caderno de Textos da IX Jornada do CMT; Subversão do_Sujeito na Clín ica das Toxicomanias. CMT, Belo Horizonte , 1 996. (3) LOD I , Maria Inês. Adolescência e Drogas: O Sujeito na Pós-Modernidade. ln: Cader no de Textos da IX Jornada do CMT; Subversão do S ujeito na Cl ín ica das Toxicoman ias._CMT, Belo Horizonte , 1 996. (4)V IGANÓ, Cario. ln : O Risco. Publ icação da Associação Mineira de Psiquiatria, Belo Horizonte , 1 999 . PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DO/ ADOLEJCENTEJ ATENDIDO/ NO CENTRO M INEIRO DE TOXI COMANIA/ MG - NO PERÍODO DE JANEI RO DE 1997 A ABRIL DE 1998.4 Carla Silveira 1- INTRODUÇÃO A linha de pesquisa "Adolescência e Toxicomania"5 do Núcleo de Ensino e Pesquisa do Centro Mineiro de Toxicomania propôs, em 1998, um levantamento da população de adolescentes atendida no CMT, • Trabalho apresentado no 1 32 Congresso da ABEAD, Rio de Janeiro/1 999. 5 Pesquisadores: Ana Regina Machado.,.Cada,Silveira,J;loísa Helena de Uma, Jane Maria Lima Menezes e Vicente P. Corrêa Júnior. Coordenação: Oscar Girino e Sandra Mara Pereira PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------- no período de janeiro de 1 997 a abril de 1 998. Inicialmente, esta proposta pautava-se na observação dos técnicos de que havia um aumento do nú mero de atendimentos a essa população no serviço e de que esses pacien tes apresentavam um baixo índice de comparecimento às consultas tal como de aderência ao tratamento. Foi elaborado então um questionário para pesquisa em prontuários. Solicitaram-se, também, ao Setor de Informática da Instituição, os dados cadastrais e do Banco de Dados refe rentes a esta população. Este foi o primeiro momento desta pesquisa. Em um segundo momento, quando já se tinha o levantamento dos dados supracitados, verificou-se a necessidade de revisar os questi onários acrescentando-se alguns tópicos. A fim de apresentar um com parativo que definisse aspectos específicos da população de adolescen tes, fez-se um levantamento dos dados cadastrais e do Banco de Dados da população de adultos, atendida no CMT, também no período de janeiro de 1 997 a abri l de 1 998. 1 1 - FLUXO<iRAMA DA I N/TITUl�O Ao chegar à Instituição o paciente segue o seguinte fluxo. Inici almente, é fei to o preench imento do Cadastro e o agendamento da pri meira consulta. Essa consulta é realizada por um terapeuta, que define o d ispositivo mais adequado para cada caso (cl ínica médica, c línica psiqui átrica, NAPS, lei to-crise, oficinas, ambulatório, ou ainda, encaminhamento externo para outro serviço de saúde). Nesse primeiro atendimento é rea lizado o preenchimento do Banco de Dados, a partir de questões formula das ao próprio paciente. I l i - OBJETIVO/ Descrever o perfil epidemiológico dos adolescentes atendidos na I nst ituição, no período de janeiro de 1 997 a abri l de 1 998, desde o cadastro até o comparecimento à primei ra consulta e nos dois meses subsequentes ao iníc io do atendimento. Discuti r uma possível especificidade da cl ínica com adolescen tes em relação à clínicac..om adultos. PSICÔTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- 1 3á1f '. __ ���-�J: IV - MATERIAL IE MÉTODO O corte da população , estabelecido para es!a pesquisa, foi a idade igual ou superior a 1 3 anos e inferior a 1 8 anos. E e�sa popu lação que será denominada "adolescente" , neste trabalho. A coleta de dados foi feita, junto ao Setor de Informática da lnsfüui ção , a partir dos dados cadastrais preenchidos quando da marcação da primeira consulta e do Banco de Dados estabelecido durante essa consulta. Foi realizada uma busca em prontuários , com a final idade de coletar dados mais específicos sobre essa clientela. Tal busca foi efetuada pelos partici pantes da linha de pesquisa "Adolescência e Toxicomania". Os dados foram sistematizados em EPI- INFO para posterior análise dos resultados. Os dados cadastrais dizem respeito às seguintes variáveis: sexo , idade, encaminhamento e procedência. Os dados uti l izados do Banco de Dados foram: droga principal , idade de início do uso e uso de droga injetável . O ques tionário trabalhou as seguintes variáveis: número de consultas realizadas com o terapeuta e número de consultas institucionais; dispositivos institucionais uti l izados; especif icação da d roga ut i l izada6 ; tipo de alta - c l ín ica , enca minhamento a outro serviço ou abandono - e o comportamento com rela ção ao uso de droga: interrompeu, reduziu , uso inalterado e não informado. As variáveis sócio-demográficas (sexo , idade , encam inhamen to , procedência) foram d istribu ídas em tabelas contendo as freqüências absolutas e relativ�s d� cada grupo de. adolescentes e adu ltos . Os testes de Qui-quadrado foram empregados entre os g rupos com relação à essas variáveis . A distribuição das variáveis específicas quanto à droga principal e à idade de i n ício de uso receberam o mesmo tratamento. V - REJULTADOJ O número total de cadastros feitos no CMT. , no período de janei ro de 97 a abri l de 98 , foi de 3.760 (três mi l , setecentos e sessentá) , sendo que deles 1 1 % corresponde à população de adolescentes� Com relação ao comparecimento à primeira consulta , e, conseqüente , p reenchi mento do banco de dados , obtivemos um total geral de 2 .097 (dois mil e noventa e sete) , com os adolescentes correspondendo a 1 4 ,5% do total . No comparativo entre o número de Cqdastros efetuados e o com parecimento à primeira consu lta , obtivemos o segu inte dado: 53 ,5% dos adultos que fizeram cadastro compareceram à primeira consulta , enquanto 6 Nas informações coletadas do Banco de Dados encontra-se a categoria de poliusuários, enquanto que nos questionários, dispositivo para a coleta de informações nos pron tuários, procurou-se especificar as substâncias psicoativas relatadas pelo paciente sem uti l izar-se desta�eategoria. _. , . · - PSICÔTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- que a percentagem dos adolescentes foi de 73,5%7 • O maior índice de faltas entre a população de adolescentes se deu na idade de 1 3 anos e o menor índice, na idade de 1 7 anos. Quanto ao tipo de encaminhamento, em primeiro lugar encon tra-se aquele feito por familiares (44%), em segundo lugar pela rede assistencial - SUS ( 1 5%) e, em terceiro lugar, o encaminhamento da autoridade legal ( 1 4%). Por outro lado, 2,5% da população de adolescen tes procu rou tratamento por iniciativa própriaª . Para 85% dos adolescentes o CMT é o primeiro tratamento9 , enquanto que 8,6% dos adolescentes respondeu que já esteve internado devido ao uso de substâncias ps icoativas . Quanto à idade de início de uso, verificamos que 55% dos ado lescentes iniciou o uso entre os 5/1 5 anos e 45% entre os 1 5/25 anos. No comparativo, estabelecido com a população de adultos , encontramos uma sign ificância estatística (p<0 ,000 1 ) entre os valores obtidos . 1 0 Dentre a população de adolescentes, 2% já fez ou ainda faz uso de droga injetável 1 1 • Quanto à variável sexo, 85% é do sexo masculino. Quanto à procedência da população, 72,5% é de Belo Horizon te, sendo 1 9% do Distrito Sanitário Leste, 1 6% do Distrito Sanitário Oes te e 1 5% do Distrito San itário Noroeste. 1 2 Dos adolescentes que compareceram à primeira consulta (n=278), 91 % tem algum tipo de vínculo familiar e 76,5% mora com fami liares. Já 47% deles tem vínculo com outras instituições (escola, igreja, programas comunitários ou outros) . Com relação a ter algum interesse sobre o tratamento 35,5% respondeu afirmativamente. Foram atendidos 46,5% dos familiares que acompanhavam os adolescentes. O terapeuta marcou retorno para 80,5% dos adolescentes aten didos em primeira consulta, dos quais 52,5% retornou (n=1 46) para aten dimento nos dois meses subsequentes à marcação do retorno. 1 3 Quanto à droga principal1 4, encontramos, em primeiro lugar os Poliusuários 1 5 (32,7%), em segundo a Cannabis (3 1 %), em terceiro o Crack ( 1 9,4%) e em quarto os Inalantes (6,4%) . 1 6 7 Vide Gráfico 1 8 Vide Gráfico 2 9 Vide Tabela 1 '° Vide Tabela 2 1 1 Vide Tabela 3 12 Vide Gráfico 3 13 Vide Gráfico 5 14 Droga principal é entendida aqui càmo aquela que fez com que a pessoa buscasse tratamento. 15 Poliusuários: uso de mais de uma substância psicoativa. Esta categoria foi retirada do Banco de Dados do C.M .T. , a partir de Abril de 98. 16 Vide G!tlfltõ-4 · ·- - ---·""' · PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- 1 35 , ,�4.'..J , j 36 Os resul tados obtidos, a partir do levantamentoda população de adolescentes que compareceu nos dois meses subsequentes à pri meira consulta, foram os seguintes: � Com relação à variável idade, a mediana encontrada foi de 16 anos assim como a característica modal; quanto ao sexo: 87,7% é do sexo masculino·e 12,3% do feminino. � Quanto à variável droga principal1 7 , 30,8% uso de maconha, 22,67% uso do crack, 9,6% uso de inalantes e 6,8% uso de maconha e cocaína 1 8 , verificou-se que, em 57 ,5% dos ado lescentes, o uso de maconha aparece associado também à outra substância. A cocaína associada a outra substância apareceu em 22% e o crack em 3 1 ,5%. >" Quanto ao comparecimento da população encontramos os seguintes períodos de tempo: período compreendido entre O semana e 67 semanas, com média de 1 O semanas sendo que a mediana é de 4 e a moda de 1 semana. 1 9 };;> Com relação ao número de consultas com o terapeuta, veri ficamos que 66,4% da população compareceu a 4 atendi mentos, sendo que o número mínimo de consultas foi de 1 e o máximo de 16 , a média de consultas foi 4, e a freqüência _ modal de 2 consultas2º . Já com relação ao número de con sultas institucionais2 1 , isto é, consultas totais efetuadas na instituição, incluindo os atendimentos com o terapeuta, veri ficou-se um número mínimo de 1 e um máximo de 28 con sultas, sendo a média de 6 atendimentos. };;> Quanto aos dispositivos utilizados, constatou-se que 54,5% dos adolescentes foi atendido unicamente pelo terapeuta, 30 ,4% foi atendido com utilização de mais de um dispositivo além do atendimento psicoterápico individual, sendo: clínica médica, psiquiatria, NAPS e oficinas. Apenas 1 5 , 1 % utili zou mais de dois dispositivos institucionais.22 17 A pesquisa em prontuário nos possibi l itou trabalhar esta variável mais especifica mente , ou seja, onde detectamos a nomenclatura de poliusuário, está foi investigada, abrindo a possibi l idade do trabalho com as drogas usadas pelo paciente. '" Vide Tabela 4 19 Vide Gráfico 6 z, Vide Tabela 5 21 Vide __ G,r��!=O 7 Z! Vide Gráfico ii P SICÔTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------- } Com reiação ao uso da droga verificou-se que 58% da popu lação de adolescentes interrompeu ou reduziu o uso da subs tân c i a , e 24% pe rmaneceu c o m seu uso de fo rma inalterada.23 } Quanto à variável tipo de alta, constatou-se que apenas 1 1 , 7% dos adolescentes recebeu alta cl ín ica enquanto que 88,3% abandonou o tratamento.24 A partir do cruzamento entre as variáveis idade, d roga principal , d ispositivo uti l izado, comportamento para com o uso , número de consul tas com o terapeuta , obtivemos os segu intes dados: dentre os usuários de maconha a média de idade encontrada foi de 1 6 anos, a mesma sendo a mediana e a freqüência modal ; quanto ao comportamento de uso no decorrer dos atend imentos verificou se a redução ou i nterrupção do uso em 53,3% desses adolescentes e para 73% dessa população o d isposi t ivo uti l izado foi o atend imento ps icoterápico ind ividua l . A média de con su ltas com o terapeuta foi de 4 sendo a mediana 3. Dentre os usuários de crack obse rvou-se que a média de idade também fo i de,1 6 anos , embora a mediana e a freqüência modal tenha s ido de 1 7 , 33% dessa popu lação uti l izou o d isposit ivo de atendimento ps icoterápico i nd ividua l , enquanto 30% fez uso também do atendimento da c l ín ica médica ou da psiqu iatria, sendo que a média de consultas com o terapeuta foi de 3 e a mediana 2 . Quanto ao uso da d roga 53,6% relatou redução ou interrupção do uso. Quanto aos usuários de inalantes , verificou-se que a média de idade e a mediana foram de 15 anos e a freqüência modal de 16 anos; quanto aos dispositivos uti l izados, 57% desta popu lação fo i atendida em psicoterapia ind ividua l , com a média de 4 atendimentos com o terapeuta , enquanto que a mediana e a freqüência nodal foram de 3 consultas Quan to ao comportamento de uso da d roga, 85,7% relatou redução ou i nter rupção do uso.25 Zl Segundo dados colhidos nos prontuários . Vide Tabela 6 ai Vide Tabela 7. z Com relação às variáveis: idade e número de consultas com o terapeuta, tanto para . _,,,;,.., ·> . - maconha quanta-para o crack· e inalantes encontramos um p<0,005. PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR OUE SE DROGAM TANTO? --------- · 1 37 •· ,�··�-·,.·4'."." 138 VI - CONCLUJÃO A partir dos dados encontrados pela pesquisa pode-se constatar que o adolescente chega ao Centro Mineiro de Toxicomania, por encaminha mento da família, escola ou amigos e comparece em número bastante signi ficativo à primeira consulta, quando comparado à população de adul tos. O que se constata é que ele retorna por um período médio de até 1 mês , em médi a a 4 atendimentos com o terapeuta, mas este laço não é suficiente para sua permanência na Instituição. O disposi tivo em pregado, segundo a pesquisa, foi quase que exclusivamente o manejo de atendimento psicoterápico individual . Segundo os dados relativos ao uso da droga, durante seu período de permanência no serviço, há redução ou interrupção do uso, demonstrando um efeito possível do atendimento na relação destes adolescentes com a droga. Quanto à droga principal pode-se verificar um uso diferenciado da população de adultos, com opção por drogas "i lícitas", assim como a asso ciação freqüente de mais de uma substância, enquanto que para os adul tos predomina o álcool , uma droga "l ícita". Pode-se dizer que isto é uma especificidade, dos adolescentes, para com o uso de substâncias psicoativas? Observou-se que o manejo possível na clínica com adolescen tes , exige rapidez e precisão por parte do terapeuta. Pois mesmo compa recendo aos-retornos com o terapeuta, o abandono do tratamento é freqüente (88,3%). Poderia um laço mais estreito com a I nstituição, au mentar o tempo de permanência do adolescente no tratamento? Os paci entes , que fizeram uso de outros dispositivos insti tucionais conjuntamen te com o atendimento psicoterápico individual , são aqueles nos quais pudemos verificar, além do aumento no número de atendimentos, o maior número de al ta clínica (83%). Alguns pontos levantados por essa pesquisa somente poderão ser comprovados com sua continuidade, como aq ueles relativos à efetividade do tratamento real izado visto que, no decorrer dos atendimen tos, veri ficou-se uma redução ou interrupção do uso da droga em 58% da população estudada, sendo 54% foi atendida exclusivamente em atendi- mento psicoterápico individual. A constatação de que a forma de acolh imento e o manejo com a clínica de adolescentes exigem precisão, devido ao tempo escasso para inter venção, deve ser pensada como uma especmcidade dessa população. Pode mos sugerir um maior aproveitamento de outros dispositivos, tais como ofici nas, NAPS, clínica médica e psiquiátrica, com a intenção de que os adoles centes permaneçam por um período mais expressivo no tratamento, au- - ,�- mentando ass.im a oportunidade de uma intervenção terapêutica mais eficaz . . PSICÔTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------- TA B E LAI TABELA 1- CENTRO MINEIRO DE TOXICOMANIA COMO O 1º TRA TAMENTO Adolescente s Adultos Sim 234 1 1 6 3 Não 44 530 Em branc o - 93 Tota l : 278 1 76 8 Fonte: Banco d e Dados do CMT (período d e 97/98) . TABELA 2 - IDADE DE INÍCIO DO UJO DE DRO<iA Fa ixa etá ria Adolescente s Adu l tos De 05 a 15 anos 1 51 599 De 1 5 a 25 anos 1 27 952 Maior q ue 25 an os o 1 50 Em branc o o 85 Tota l : 278 1 78 6 Fonte :Banco d e Dados do CMT (período d e 97/98). TABELA 3 - QUANTO AO UJO DE DRO<iA I NJETÁVEL Popu lacão Uso Não Uso Adolescentes 5 273 Adultos 92 1 608 Tota l : 97 1 88 1 Fonte :Banco de Dados do CMT (período de 97/98). PSICÔTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- 1 39 . , · , . · -��-:.:� TABEIA 4 - DROC,A PRINCIPAL UTILIZADA PELO/ ADOLEICENTE/ ATENDIDO/ NO CMT, NO PERÍODO DE JAN/97A ABR/98 DR O G A FR EQ P ER C E NTUAL maconha 45 30,8% c rack 33 22,6% i nalantes 1 4 9 , 6% M aconha e coca ína 1 1 7 ,5% Maconha , cocaína e 6 4 , 1 % c rac k Mac onh a e i n alantes 5 3 ,4% álcool 5 3 ,4% cocaín a 4 2 ,7% Maconha e in alantes 4 2 ,7% m aconh a, cocaína, 4 2 ,7% i nalante e c rack Sem i nform ação* 4 2 ,7% M aconha e c rack 3 2 , 1 % M ac onh a, cocaína e 2 1 ,4% i nalante M aconha e á lcool 2 1 , 4% m aconh a, cocaína, 1 0 ,7% álcool e crack Coca ín a, álcool e 1 0 ,7°/o outras M aconha e o utras 1 0 ,7% tabaco ·�· , 1 0 ,7% TOTAL 1 46 100% (*) Não foi possível precisar qual a droga principal . Fonte: Centro Mineiro de Toxicomania BH/MG- Pesquisa Adolescentes -Nep /99 PSICÔTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------- TABELA 5- NÚMERO DE CONIULTAf REAl.lZADAf COM O TERAPEUTA PELOI ADOLEfCENTEf ATENDIDOI NO C.M.T. , NO PERÍODO DE JAN/97 A ABR/98. Número de Frequência Freq.Cum . atend imentos 1 a 4 97 66,4% 4 a 8 33 89% 8 a 1 2 1 4 98, 6% 1 2 a 1 6 2 1 00% Tota l 1 46 1 00% Fonte: Centro Mineiro de Toxicomania BH/MG- Pesquisa Adolescentes -Nep /99 TABElA 6- COMPORTAMENTO QUANTO AO WO DE DROC,A DA POPUlAÇÃO DE ADOLEfCENTEf , NO PERÍODO DE ATENDIMENTO NO CMT , DE JAN/97 A ABR/98. Uso da droga Freauência Porcenta�em In alterado 35 24% Reduziu 39 27% Inte rrom p eu 45 31 % Sem registro* 27 18% Tota l : 1 46 1 00% Fonte: Centro Mineiro de Toxicomania BH/MG- Pesquisa Adolescentes -Nep /99. • Caracteriza que não havia registro no prontuário do paciente com relação a este ponto TABELA 7 - QUANTO AO TIPO DE ALTA DOI ADOLEfCENTEf ATEN DIDOI NO CMT, NO PERÍODO DE JAN/97 A ABR/98. Tipo de alta Frequência Porcentagem Clínica 1 1 7,6% Encam inh am e nto 6 4, 1 % Externo Aban don o 1 28 88,3% Tota l : 1 46 1 00% Fonte : Centro Mineiro de Toxicomania BH/MG- Pesquisa Adolescentes - Nep /99 PSICÔTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? --------- . - - :�� 1 41;: -�!�E:-: G RÁF I CO/ Gráfico 1 • Co�arativo entre o número de cadastros e o número de primeiras consultas, realizadas no CMT, �egundo faixa etaria. jJan/97 a abr/98) .-- . . < 11 anos > = .1 3 'e < 1B anos > = 18 anos nº de cadastros D ri' de primeiras consultas real izadas Gráfi�� 2· Distribuiç<10 comparativa da população de adole·s-centes e de adu ltos, atendida no CMT, segundo t ipo de encaminhamehto.(Jan/97a abr/9B Í 40% 20% 0% módico/empresa D mnigos • �ntorid ade legal o sus • fomilfo PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ------------ 300 250 200 15-0 . 100 50 Gráfico 3 - Di str ibu iç�o· da popula�ão de adol escente s atendida no CMT, segundo o l ocal de proc edênci a, no p eríodo de jan/97 a abr/98. II BELO HORIZONTE [J REG IÃO M ETRO POLITANA nl lNTERJOR O -"--------------"" G ráfico 4 - Distribuição comparativa dos atend imentos rea lizados no CMT, segundo a droga principal. 100% 90% 80% •álcool []maconha Ococaína 61 crack •hip/sedatívo !ID lnalantes PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ------------ 1 44 = Gráfic o 5 - Rastreamento da população de adolescentes atendidos no CMt (Jan/97 a Abr/98) o . --·--·-----··-·---· ---P---··-----, 00 70 60 50 40 30 20 10 Cadastrados Com banc o de d ados - 1• consulta Marcado retorno Comparec im ento no dois m eses subseqüéntes a 1• c onsulta Gráfico 6 -Comparecimento dos adolescentes, segundo freqüência em número de se manas. (Jan/97 a abr/98) O a 4 5 a 8 9 a 12 13 a 16 1.7 a 20 21 a 24 Ps1cóncos E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ------------- G ráfico 7 Curva do número de consultas I nstituc i o nais a que comparec eram os adol escentes, no per íodo de jan/97 a abr/98. 90 -r-�---��---�--------��--�--:.--------...... ao .... ---------�----�·���-----����--------! 70 60 50 40 30 20 1� :t��t:2::.��..:..--�p;;:::�r::��==i:::i:;::::::=:;;�;;;;;;;;;;� 1 a 4 5 a 8 9 a 12 13 a 16 17 a 20 21 a 24 25 a 28 . G ráfi,co B - D istri bu ição. da população de adolescentes atendi dos · · C,M:f; ;;e·gundo número de dispositivos uti llzados. (..lar\197 .� abr/98) . ·. . � . . · ,; ., 02 l.'ll3 ou m ai s SICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ------------- 1 45 ' ' /O B R E O/ AUTO R E/ Ana Regina Machado - Psicóloga. Especial ista em Saúde Mental . Terapeuta no Centro Mineiro de Toxicomania (CMT). Carla S i lveira - Te rapeuta Ocupacional . Terapeuta e Coordenadora do Setor de Epidemiologia do CMT. Pós-Graduada em Vigi lância Sanitária e Epidemiologia. Cleide Nayara Barcelos_ - Estagiária de Psicologia no CMT. Cleyton Sidney de Andrade - Psicólogo. Psicanalista. Eloisa Helena de Lima - Psicóloga. Terapeuta no CMT. Especialista em Saúde Mental. Sócia-fundadora da ONG- 3ª Margem.Prevenção e Pesquisa em Toxicomania. ,} Fabiana Gambogi Teixeira - Estag iária de Psicologia no CMT. Fernando Teixeira Grossi - Psiquiatra. Psicanalista. Membro da Associação Fórum do Campo Lacaniano. Diretor Cl ínico do CMT. Guy Clastres - Psiquiatra. Psicanalista. Membro do Forum du Champ Lacanien. Profes sor do College Clinique de Paris . ldál io Valadares Bahia - Psiquiatra. Psicanalista. Terapeuta no CMT. Membro da Asso ciação Fórum do Campo Lacaniano. Maria Wilma S. de Faria - Psicanal ista. Membro da Seção Minas da Escola Brasileira de Psicanálise. Mariana Durso Caiaffa • Estagiária de Psicologia no CMT. Maurício_Tarrab - Psicanalista. Membro da Escuela de la Orientación Lacaniana (Ar gentina) Oscar Cirino - Psicanal ista. Coordenador do Núcleo de Ensino e Pesquisa do CMT. Mestre em Filosofia (UFMG). Coordenador do Curso de Pós-Graduação em Saúde Mental-Cl ínica do Unicentro Newton Paiva. Raquel Rubim dei Giúdice - Estagiária de Psicologia no CMT. Sandra Mara Pereira- Psicóloga. Terapeuta e Coordenadora da Linha de Pesquisa em "Adolescência e Toxicomania" no CMT. Sócia-fundadora da ONG - 3ª Margem. Pre venção e Pesquisa em Toxicomania. Simone Pereira Figueiredo - Residente do 2° ano de Psiquiatria do Instituto Raul Soares (FHEMIG) Sônia Alberti - Psicanalista. Membro de Formações Clínicas do Campo Lacaniano- Rio de Janeiro. Profa. Adjunta do Instituto de Psicologia da UERJ . Coordenadora do Mestrado em Psicanálise do I P/UERJ . Preceptora da Residência em Psicologia Clínica I nstitucional no Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente do Hospital Pedro Emesto/UERJ. Van ilda Castro - Terapeuta no CMT., Formação em Psicanálise. Vicente Corrêa Júnior - Psicólogo. Terapeuta no CMT. Pós-Graduado em Psicologia Cl ínica e Saúde Mental. � 'lr"-·- PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ----------- 1 47:." capa_Página_01 capa2_Página_02_2R capa2_Página_03_1L capa2_Página_03_2R capa2_Página_04_2R capa2_Página_05_1L capa2_Página_05_2R capa2_Página_06_2R capa2_Página_07_1L capa2_Página_07_2R capa2_Página_08_1L capa2_Página_08_2R capa2_Página_09_1L capa2_Página_09_2R capa2_Página_10_1L capa2_Página_10_2R capa2_Página_11_1L capa2_Página_11_2R capa2_Página_12_1L capa2_Página_12_2R capa2_Página_13_1L capa2_Página_13_2R capa2_Página_14_1L capa2_Página_14_2R capa2_Página_15_1L capa2_Página_15_2R capa2_Página_16_1L capa2_Página_16_2R capa2_Página_17_1L capa2_Página_17_2R capa2_Página_18_1L capa2_Página_18_2R capa2_Página_19_1L capa2_Página_19_2R capa2_Página_20_1L capa2_Página_20_2R capa2_Página_21_1L capa2_Página_21_2R capa2_Página_22_1L capa2_Página_22_2R capa2_Página_23_1L capa2_Página_23_2R capa2_Página_24_1L capa2_Página_24_2R capa2_Página_25_1L capa2_Página_25_2R capa2_Página_26_1L capa2_Página_26_2R capa2_Página_27_1L capa2_Página_27_2R capa2_Página_28_1L capa2_Página_28_2R capa2_Página_29_1L capa2_Página_29_2R capa2_Página_30_1L capa2_Página_30_2R capa2_Página_31_1L capa2_Página_31_2R capa2_Página_32_1L capa2_Página_32_2R capa2_Página_33_1L capa2_Página_33_2R capa2_Página_34_1L capa2_Página_34_2Rcapa2_Página_35_1L capa2_Página_35_2R capa2_Página_36_1L capa2_Página_36_2R capa2_Página_37_1L capa2_Página_37_2R capa2_Página_38_1L capa2_Página_38_2R capa2_Página_39_1L capa2_Página_39_2R capa2_Página_40_1L capa2_Página_40_2R capa2_Página_41_1L capa2_Página_41_2R capa2_Página_42_1L capa2_Página_42_2R capa2_Página_43_1L capa2_Página_43_2R capa2_Página_44_1L capa2_Página_44_2R capa2_Página_45_1L capa2_Página_45_2R capa2_Página_46_1L capa2_Página_46_2R capa2_Página_47_1L capa2_Página_47_2R capa2_Página_48_1L capa2_Página_48_2R capa2_Página_49_1L capa2_Página_49_2R capa2_Página_50_1L capa2_Página_50_2R capa2_Página_51_1L capa2_Página_51_2R capa2_Página_52_1L capa2_Página_52_2R capa2_Página_53_1L capa2_Página_53_2R capa2_Página_54_1L capa2_Página_54_2R capa2_Página_55_1L capa2_Página_55_2R capa2_Página_56_1L capa2_Página_56_2R capa2_Página_57_1L capa2_Página_57_2R capa2_Página_58_1L capa2_Página_58_2R capa2_Página_59_1L capa2_Página_59_2R capa2_Página_60_1L capa2_Página_60_2R capa2_Página_61_1L capa2_Página_61_2R capa2_Página_62_1L capa2_Página_62_2R capa2_Página_63_1L capa2_Página_63_2R capa2_Página_64_1L capa2_Página_64_2R capa2_Página_65_1L capa2_Página_65_2R capa2_Página_66_1L capa2_Página_66_2R capa2_Página_67_1L capa2_Página_67_2R capa2_Página_68_1L capa2_Página_68_2R capa2_Página_69_1L capa2_Página_69_2R capa2_Página_70_1L capa2_Página_70_2R capa2_Página_71_1L capa2_Página_71_2R capa2_Página_72_1L capa2_Página_72_2R capa2_Página_73_1L capa2_Página_73_2R capa2_Página_74_2R