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Psicóticos e Adolescentes - porque se drogam tanto (1)

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Prévia do material em texto

IDÁL/0 VALADARES BAHIA 
FERNANDO TEIXEIRA GROSSI 
OSCAR A de ALMEIDA GIRINO 
Organizadores 
P/ICÓTICO/ E ADOLE/CENTE/: 
POR QUE /E DROGAM TANT01 
CENTRO MINEIRO DE TOXICOMANIA 
BELO HORIZONTE 
2000 
facebook.com/lacanempdf
Capa 
Wagner Alves Jr. (ACS/ 
fHEMIG) 
R!!vfsão dé _Port�gÚes 
Ficha catalográfica 
Impressão e Acabamento 
Gráfica.e Editora Cultura Lida 
Rué! Mag11óli<:1., 505 - Ped_ràU 
ºCc '·Oep 31230-060 
�. El.�lo Horizonte - MG 
. . Télefax: (Oxx31) 411-?Ô?O 
_.r -:·.. . ., ·-\ .:·_:·· .• . . . "' 
Psicóticos e adolescentes: por que se drogam tanto? /ldálio Valadares Bahia - org .... [ et alJ._Belo 
Horizonte:Centro Mineiro de Toxicomania, 2000. 
147 p. 
Bibliografia 
1- Toxicomania 2. Psicanálise e adolescência 3. Psicoses. 
1. Titulo. 
11. Bahia, ldálio Valadares, org. f' 111. Grossi, Fernando Teixeira - org. 
IV. Girino, Oscar A. de Almeida - org. 
NWL 
WM270 
WM200 
Proibida a reprodução total ou parcial. 
Direitos reservados 
AGRADECIMENTO/ 
A todos os colegas do CMT que, de diferentes maneiras, 
contribuíram para a realização deste livro. Em especial, a Adelina 
Vieira Torres, Denise Aparecida T. Ramos, E/se Marques Moreira, 
Raquel Martins Pinheiro e Roney Pinto da Silva. 
JUMÁRIO 
Apresentação 
Capítulo 1 - Psicóticos e adolescentes: por que se drogam tanto? 
Abertura ...................................................................... 13 
Oscar Cirino 
Intervenção ................................................................. 14 
Sônia Alberti 
Intervenção ................ :.� .............................................. 20 
Fernando Grossi 
Debate ........................................................................ 37 
Capítulo 2 - Oficina clínica: Adolescência e Toxicomania 
O imaginário e a adolescência .................................... 45 
Maria Wilma S. de Faria 
Comentário sobre o caso ............................................ 49 
Vanilda Castro 
Debate ........................................................................ 50 
Mais que uma simples indiferença .............................. 56 
Cleyton Sidney de Andrade 
Debate ........................................................................ 60 
Capítulo 3 - Oficina clínica: Psicose e Toxicomania 
Caso Alberto ............................................................... 69 
ldálio Valadares Bahia 
Caso José ................................................................... 73 
Eloísa H.de Lima 
Comentário sobre o caso Alberto ................................ 76 
Fernando T. Grossi 
Comentário sobre o caso José .................................... 79 
Simone Pereira Figueiredo 
Debate ............. : .......................................................... 80 
O uso de drogas em um caso de psicose ................... 85 
Ana Regina Machado 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
7 
-r-�,.::·:\r 
Comentário sobre o caso ............................................ 90 
Eloísa H. de Lima 
Comentário sobre o caso ............................................ 91 
Fernando T. Grossi 
Debate ........................................................................ 94 
Um exibicionista que quer saber sobre seu gozo ........ 95 
Sandra Mara Pereira 
Debate ...................................................................... 100 
Capítulo 4 - Toxicomania & Adolescência 
A propósito da toxicomania .......................................... 106 
Guy Clastres 
Os novos sint.omas e a segregação 
do inconscierite ........................................................ 108 
Maurício Tarrab 
O adolesce_nte, a droga e o laço social 
do capitalismo .......................................................... 111 
Oscar Girino 
Toxicomania: uma saída para os impasses 
da adolescência? ............................ : ......................... 117 
Sandra Mara Pereira 
A adolescência e a toxicomania ............................... 121 
Vicente Corrêa Júnior 
Sobre a entrada em tratamento dos 
adolescentes no CMT ............................................... 127 
Ana Machado, Cleide Barcelos, Fabiana Teixeira, 
Mariana Caiaffa, Raquel dei Guídice 
Perfil epidemiológico dos adolescentes atendidos no CMT 
- período de janeiro de 1997 a abril de 1998 ............. 132 
Carla Silveira 
Sobre os autores .......................................................................... 147 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
APRE/ENTAÇÃO 
Este livro resulta, em grande parte, do trabalho realizado duran­
te a XII Jornada do Centro Mineiro de Toxicomania- CMT-, nos dias 25 e 
26 de novembro de 1999. 
O tema dessa Jornada foi estabelecido a partir de uma 
constatação produzida pelo cotidiano de nossa clínica nos últimos anos: 
recebemos, cada vez mais, adolescentes e psicóticos para tratamento. 
De uma pergunta inicial - Psicóticos e adolescentes: por que 
se drogam tanto?- várias outras se desdobraram em nossas reuniões 
clínicas, ao longo de 1999. Os casos de psicose suscitaram questões 
relacionadas à função da droga articulada à estrutura: a droga como fator 
de desencadeamento e a droga como fator de moderação do gozo. Nos 
casos de sujeitos adolescentes foi possível pensar o uso da droga articu­
lado a uma exacerbação do imaginário, a um apelo à função paterna e, 
ainda, como modo de estabelecer um laço social. 
O segundo e terceiro capítulos do livro reproduzem o eixo de 
trabalho da Jornada, constituído pelas duas Oficinas Clínicas: Adoles­
cência e Toxicomania e Psicose e Toxicomania. Momento de discussão 
e construção dos casos conduzidos por colegas no CMT. Discussão e 
construção que pretenderam colocar em tensão a teoria e a prática ana­
líticas, numa dinâmica que permitisse a formalização e transmissão de 
uma experiência. Contamos, nos debates que foram integralmente trans­
critos, com as importantes contribuições de nossos convidados: Guy 
Clastres {Paris) e Sônia Alberti {Rio de Janeiro). 
Já o primeiro capítulo retoma a Mesa de Abertura da Jornada 
com as intervenções de Sônia Alberti, Fernando Grossi e o debate 
subseqüente. 
O último capítulo reune artigos que, apesar de não terem sidos 
produzidos para a Jornada, elaboram questões relacionadas à toxicoma­
nia e à adolescência. 
Esperamos que o livro consiga transmitir o clima de trabalho da 
Jornada, uma vez que buscamos, na posição de analisantes, circunscre­
ver o real da clínica, cernindo-o em termos de saber, a fim de que - parti­
cularmente diante de sujeitos adolescentes e psicóticos toxicômanos -
não sejamos levados pela impotência, a considerá-los como objetos co­
nhecidos ou como objetos de conhecimento. 
Oscar Cirino 
1 
:, , .. : .. �-1�- · ... ·-�· 
P/ICÓTICO/ 'E ADOLE/CENTE/: 
POR QUE /E DROGA_M TANT07 
. . 
,,. 
MESA DE ABERTURA 
Convidados: Sôni? Albeiti e Fernando Gfossí 
Góordenação: Oscar Girino 
PJICÓTICOJ E ADOLEJCENTEJ: 
POR QUE JE DROGAM TANTO? 
ABERTURA 
Oscar Cirino 
É com satisfação que coordenarei essa mesa de abertura da 
XII Jornada do Centro Mineiro de Toxicomania (CMT). Enquanto as Jor­
nadas anteriores estabeleciam temas - como, por exemplo: A Entrada 
no Tratamento; A inibição, o Sintoma e a Angústia na Clínica das Toxico­
manias ou As Saídas Possíveis para a Toxicomania - e esses temas 
funcionavam como causa de trabalho para os colegas e convidados, a XII 
Jornada traz uma pergunta em seu título: Psicóticos e adolescentes: por 
que se drogam tanto? 
Poderíamos indagar se esse título, por ser uma questão, explicita, 
de forma ainda mais contundente, nossas dúvidas, incertezas e hesita­
ções com relação à clínica das toxicomanias. No entanto, ao formulá-la 
nossa resposta não é a inércia, a paralisia, mas o desejo de saber. 
Por outro lado, essa única pergunta poderia, perfeitamente, des­
dobrar-se em duas, uma vez que a conjunção aditiva "e" une uma estru­
tura clínica - a psicose - com uma noção, não especificamente psicana­
lítica, mas produto do discurso da ciência - a adolescência.Uma primeira resposta para o fato de termos unido, em uma 
mesma pergunta, essas duas noções, é que a equipe do CMT demons­
trou interesse em trabalhar esses dois eixos. Uma outra resposta possí­
vel é que constatamos, na clínica, que a adolescência é um momento 
privilegiado de desencadeamento das psicoses, especialmente da 
esquizofrenia. 
A pergunta-título da Jornada aponta também para algo da ordem 
do excesso, do gozo, com o tanto que a finaliza. À primeira vista, dizer que 
a adolescência é um momento privilegiado para o uso e abuso de drogas, 
não causa muita surpresa, pois tanto as pesquisas epidemiológicas quan­
to a fala dos nossos pacientes adultos confirmam essa idéia. Talvez o que 
cause maior estranheza esteja em formular essa pergunta para a psicose, 
apesar de sabermos dos efeitos e da aderência dos psicóticos a determi­
nados medicamentos, como os neurolépticos. Por outro lado, pensar a 
droga como algo que facilita o desencadeamento também já é algo corri­
queiro, mas e pensá-la como contribuindo para a estabilização? 
Ps,côTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
13 :; 
�' .�.:'.t,�'.,� 
Por fim, retomando nossa pergunta-título, destaco que não uti­
lizamos "psicose" ou "adolescência", mas "psicóticos e adolescentes". 
Isso porque, apesar desses significantes continuarem funcionando como 
traços identificatórios, o privilégio do enfoque encontra-se no caso a caso, 
no um a um da clínica. Assim, nos interessa o Alberto, o José, o Jorge ou 
o Ricardo, cujos casos serão apresentados nas Oficinas clínicas. Diria 
também que esse é um traço identificatório das Jornadas do CMT - o 
privilégio da clínica, que nessa Jornada encontra nas Oficinas, uma nova 
modalidade de trabalho. 
INTERVENÇÃO 
Sônia Alberti 
Gostaria de iniciar esse trabalho com uma frase do texto "O 
surto esquizofrênico na adolescência" do livro Autismo e esquizofrenia na 
clínica da esquize, em que afirmava - a partir de um caso clínico de um 
sujeito que se encontra numa idade onde normalmente os sujeitos de 
nossa cultura estão passando pela adolescência - o seguinte: "Medicar 
a depressão na esquizofrenia é desconhecer o fato de estrutura de que 
nada remedeia a foraclusão" (p.120) 1 
Tomo emprestado essa frase porque, de saída, levanta a questão 
da diferença entre fenômeno e estrutura. Além disso, não podemos deixar 
de observar que a medicação também é um meio possível de drogadição. 
É espantosa a freqüência cada vez maior da utilização da psicose 
em jovens pelo tráfico. Exemplos disso podem ser lidos nos jornais de grande 
circulação; como o noticiário sobre o recente crime no cinema em São Paulo, 
o assassinato do médico carioca há um ano - exemplos que são somente 
pontas de icbergs-para voltar a uma metáfora freudiana sobre o inconsciente. 
Fenomenologicamente, esses jovens podem ser ditos 
"drogaditos", mas de forma alguma esta fenomenologia é passível de dar 
conta da real questão desses sujeitos, pelo menos do ponto de vista da 
psicanálise. Na realidade, trata-se de sujeitos psicóticos, ou seja, sujei­
tos que têm - nas palavras de Freud - uma outra relação com a realida­
de; já que aquela que nós, normalmente, compartilhamos mais ou menos 
se quebrou para eles. Nas palavras de Lacan, são sujeitos que, ao se 
estruturarem como tais, prescindiram de uma das mais importantes refe-
' Alberti, S. (org.) Autismo e esquizofrenia na clínica da esquize. Rio de Janeiro, 
Marca d'Água Livraria, 1999. 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
rências que os neuróticos prezam sobremaneira: o significante do Nome­
do-Pai. Esta estaca - baliza simbólica - sustenta o sujeito; mesmo se 
em sua v!da vier a encontrar situações de enorme violentação. 
E porque eles não têm essa referência, é porque - como dizemos 
numa linguagem lacaniana-o Nome-do-Pai está foracluído na psicose; que 
esses sujeitos estão sempre na dependência de outra referência concreta, 
ficando assim impossibilitados de fazerem o trabalho da adolescência, que­
novamente conforme Freud-é o desligamento da autoridade dos pais. Na 
ausência destes, quer seja por falta de investimento, quer seja por excesso 
de trabalho, ou mesmo por abandono ( e há várias formas dele, como sabe­
mos), o jovem psicótico poderá encontr9r quem queira fazer de conta de 
substituí-los e que sempre terá suas intenções das quais sabemos também 
que elas dizem respeito aos interesses os mais diversos. Dentre eles, o 
lucro do tráfico -certamente não é o único (voltaremos a isso). 
A ADOLEJCÊNCIA. 
Digo que a adolescência é uma escolha do sujeito. Ele pode esco­
lher atravessá-la, mas pode também não escolhê-la. A única forma de con­
cebermos o sujeito como responsável na contramão que a psicanálise im­
põe à ideologia psico-jurídica do século XIX, é a de lhe atribuirmos a respon­
sabilidade pela escolha de sua doença, responsabilidade que, por exemplo, 
Althusser tanto pleiteou. Na mais perfeita tradição freudiana, o sujeito faz 
essa escolha subjetiva sem se dar conta de suas conseqüências - escolhe­
mos a doença, seja ela a neurose ou a psicose, sem contabilizarmos o 
preço que iremos pagar por essa escolha; aliás o sujeito se ilude, normal­
mente, de que não terá de pagar preço algum. Na realidade, a única forma de 
escolher sem ter que vir a pagar um preço depois, é a de pagá-lo de saída. A 
adolescência como escolha do sujeito implica pagar o preço do desligamen­
to dos pais, assumir que o Outro é barrado, castrado. 
Assim, não é possível pensar a adolescência sem referência à 
castração, porque o trabalho que adolescência representa é o da tentati­
va de elaborá-la de alguma forma: 
1) Temos, por exemplo, os ritos iniciáticos dos primitivos ao 
pearcing passando pelo grafite: inscrições culturais -no 
corpo do sujeito e em seu mundo -que convertem a castra­
ção de maneira a procurar dar conta da angústia intrínseca 
.. a ela; 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
ii,;fi'6 
. l��� 
2) Temos o incremento das identifi cações ao outro, nos fenô­
menos que vão desde a moda, o maior ou menor cuidado 
com o corpo, até às disputas grupais: nos esportes, nos 
grupos minoritários, nos jogos, nas salas de chatda Internet; 
permitindo, às vezes mais, às vezes menos, velar a questão 
de que falta um significante no Outro. 
Se o neurótico teme realmente alguma coisa, explica Freud, 
essa "coisa" diz respeito à castração do Outro, ou seja, que há uma falha 
no Outro de forma que o sujeito não possa ser por ele sustentado. Objeto 
de estudo de vários de seus textos, a castração do Outro aparece sob a 
noção de "nostalgia do pai" em seu texto "Futuro de uma ilusão"(1 927) 2 , 
em que Freud mostra como é importante para o sujeito acreditar que há 
algo que o sustente, · importância que seria a razão de exist i r, por exem­
plo, da religião - a que atribui uma consistência ao pai. 
Como digo em meu texto "A vacilação do parceiro na adoles­
cência" ( 1 999)3 - originalmente apresentado em Toulouse (França) - a 
castração do Outro implica que, no fundo, é o simbólico o único que pode 
sustentar a existência do sujeito no Outro. Mas, como o simbólico não 
dá conta de tudo, como falta sempre um significante, falta algo que sus­
tenta o sujeito. O sujeito só é sustentado pelo simbólico, de resto falta 
sustentação 
Quando falta essa sustentação simbólica, temos a psicose -
voltaremos a isso. 
A adolescência é um trabalho de elaboração da falta no Outro e 
muitas vezes, apesar de ter escolhido fazer esse trabalho, o sujei to en­
contra muitas dificuldades e pode acabar escolhendo a preguiça. 
Duas vicissitudes imediatas: a covardia - e com ela a depres­
são - e a inibição, que é, normalmente, acompanhada pela covardia; ou 
então, o sujeito, com a inibição, acaba por meter os pés pelas mãos. 
O adolescente pode ser assistido: 
- na relação com oS"mestres, 
- pelo psicanalista. 
No primeiro caso, o que vemos? Normalmente um sujetto que, de­
parando-se com a inconsistência do Outro, desespera-se e buscareafirmá-la 
2 Freud, S. (1 927) "Die Zukunft einer ll lusion" in Studienausgabe. Frankfurt, S. Fischer, v. 9. 
3 Alb e rti , S . "La vaci l lation du partenaire à l 'adolescence" in Trefle - Bulletin de 
l'Association Freud avec Lacan Toulouse, nº 2, pp. 63-79. 
P SICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
a qualquer preço. Já tive a ocasião de exemplificá-lo na relação com os 
pais: o adolescente precisa dos pais. Para separar-se deles - e lembre­
mos que Freud já dizia que este é o maior trabalho da adolescência - é 
fundamental que os pais não se separem do adolescente antes. Ou seja, 
que os pais não duvidem de sua função junto a seus filhos adolescentes 
pois, por mais que estes os contradigam, eles só estão se exercitando 
nesse novo lugar de filhos que poderão prescindir dos pais porque já os 
internalizaram. Se os pais crêem que o filho já não os ouve e por isso 
largam mão dele, se eles cessam de ainda tentar afirmar seu filho com o 
desejo que sempre os fez sustentá-lo, então o filho já não poderá exerci­
tar-se aí e o primeiro movimento é o de buscar, a q ualquer preço, a pre­
sença desses pais, normalmente num movimento que se convencionou 
identificar como o de "chamar a atenção" . 
O caso de Sérgio (17 anos), publicado em O brilho da infelici­
dade, é um claro exemplo disso, só que neste caso o pai não pode, 
justamente, ouvir (Alberti, 1998, pp. 125-133)4 • 
PnCOJE 
Dentro da psicose, a posição mais radical que o sujeito pode 
assumir é, certamente, a que Eugen Bleuler batizou de esquizofrenia, em · . . }.·.·�·®·YJ�:.: que, como disse Lacan, "o sujeito é sem o socorro de nenhum discurso . . 
estabelecido". Donde também falta a dimensão do apelo, tão comum nas 
multifacetárias "atuações" de nossos adolescentes. 
O sujeito psicótico, que tem crises na idade em que normal­
mente os sujeitos são adolescentes, está tão submetido ao Outro que 
não tem a menor idéia de como poderá se separar dele um dia. As tenta­
tivas são tão variadas . . . e jamais desembocam em qualquer pista para 
uma possível saída. 
No livro Autismo e esquizofrenia na clínica da esquize, no texto 
"O surto esquizofrênico na adolescência" observo: "Normalmente são os 
próprios pais que já não suportam mais o estado em que seu filho se 
encontra e por isso procuram um analista. É mesmo surpreendente o quanto 
suportam até procurá-lo ou até se perguntarem se não há algo ali que 
transcende os conflitos familiares normais da adolescência"(op.cit, p. 1 19). 
Se o adolescente faz um trabalho frente à perda da autoridade 
dos pais, o sujeito psicótico não pode fazer esse trabalho por causa da 
4 Alberti , Sonia. "Adolescência e droga : um caso", in: O brilho da (in)felicidade. Rio 
de Janeiro, Contra Capa Livraria, 1 998. 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
;;)\;1.ª �� 
foraclusão do significante do Nome-do-Pai que sustenta aquela autorida­
de. Enquanto que o adolescente, ancorado no significante, elabora aos 
poucos a fragil idade daquela autoridade, o psicótico não pode elaborá- la. 
"Na impossibilidade de lançar mão do Nome-do-Pai, nesse mo­
mento tão decisivo que é a adolescência, o sujeito procura reconstituir a 
consistência imaginária da autoridade dos pais, razão pela qual , na cl íni­
ca da esquizofrenia na adolescência, observamos que o sujeito se sub­
mete com extrema facilidade à autoridade dos pais - ou de quem os 
substitui - q uando já não sabe o que fazer''(idem, p.1 23 ). 
É uma tentativa de restabelecer algum investimento e alguma 
consistência que faz o sujeito psicótico atribuir ao outro uma proximida­
de. Esta, no máximo, se dará nos moldes narcísicos, e no melhor dos 
casos. 
Há outros casos em que o investimento só tem uma final idade: 
a de incrementar o gozo do corpo que, no entanto, estará sempre à mer­
cê do gozo do Outro. 
A DROC,A 
Entendo que a proposta dessa Jornada faz uma l igação muito 
pertinente ao associar a psicose ao uso de drogas . 
. Mas para cernir seu tema é fundamental que, a priori, partamos 
da idéia de que não nos deixaremos aqui fascinar pelos fenômenos. Ambos 
são espetaculares: tanto a psicose qua�to a droga. Mas quando nos 
mantemos no espetácuio, não vamos a lugar nenhum! 
Como entendo a questão a nós colocada pelos organizadores 
desta Jornada, a pergunta que se impõe é simplesmente a seguinte: em 
que medida o sujeito psicótico, que faz uso de drogas, pode se imiscuir 
no tráfico e pode, até mesmo, ser traficante? 
A psicose não é uma doença da capacidade. Donde, nada im­
pede que um sujeito psicótico se torne um traficante - é possível conce­
ber um grande paranóico como dono das maiores fazendas de cocal Não 
que ele, necessariamente, o seja, mas quero dizer que isso não é impos­
sível. De qualquer maneira, numa entrevista recente Archie Shepp, jazzista 
americano, evoca várias vezes a paranóia como medida de proteção em 
que o sujeito pode sempre estar alerta a qualquer ataque possível... I sso 
para um traficante é fundamental ! ... (cf. Barca!, n.13) 
Entendo que, para dar início a esta Jornada, poderíamos nos 
perguntar, de cara, a que serve a droga na psicose? 
D_i_sse, no início do meu texto, que uma das drogas possíveis é 
PSICÔTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
a medicação. Do jeito que anda a psiquiatria, às vezes nos perguntamos 
se não há aí um tráfico, desta feita não tan to para os fazendeiros de coca, 
mas para os laboratórios farmacêuticos mul tinacionais. Na realidade, o 
que vemos na experiência, é que o sujeito psicótico não é drogadito no 
domínio da medicação. Mais comummente sua famíl ia o é, e também o 
seu psiquiatra. São eles que insistem que o sujeito esteja medicado. A 
coisa é bem diferente no caso das neuroses, quando o sujeito escolhe 
tomar antidepressivos, remédios para dormir ou até mesmo para transar. 
I sso causa espécie, em um primeiro momento, a meu ver. Mas 
isso poderia ser estendido ao campo das drogas "ilícitas" . Ou seja, até 
que ponto o sujeito psicótico escolhe !�mar drogas porque quer tomar 
drogas? Ou se ele, assim como com as drogas l ícitas, é objeto de ven­
da, capitalização e lucro? Situação em que ele usaria drogas porque 
interessa ao chefe do grupo de traficantes, o que vai fazer com que ele 
participe do tráfico, ou que seja, no mínimo, um consumidor. 
Então, o que eu estou propondo pensar é que, diferentemente 
do sujei to neurótico que escolhe escolher a droga, no caso do sujeito 
psicótico estamos no contexto de uma conjuntura em que o sujeito é 
submetido, o tempo todo, ao Outro que, por não ser barrado, se impõe ao 
sujei to. 
Mas, evidentemente, isso também aponta um gozo; o gozo que 
surge com o fato do Outro não ser barrado - diferente do gozo do neuróti­
co que, por definição é referido ao gozo fálico ou gozo sexual do qual 
Freud pôde d izer, em 1920 , em "Para além do princípio do prazer'', tratar­
se do maior prazer que um homem pode ter (cf capítulo 75 ). E como a 
droga promove um gozo que justamente não tem significação - sempre 
fálica -, é possível que o sujeito psicótico tenha acesso ao gozo da droga. 
A droga é dita tão prazerosa, que ela efetivamente pode dar ao sujeito 
psicótico um gozo, já que, por mais Viagra que tome, jamais terá o gozo 
no campo da referência fálica. 
O sujei to psicótico pode encontrar aí sua experiência de g ozo, 
no nível do corpo como Outro. Na experiência invasora do corpo, seja ela 
da ordem de uma hipocondria melancólica - d o tipo descrito por Cotard-, 
seja ela da ordem do despedaçamento esquizofrênico, o corpo próprio 
deixa de ser próprio, ele é Outro. Na esquizofrenia "o Outro toma corpo" , 
presentificando uma alteridade que goza na economia pulsional do sujei­
to, onde a pulsão, sem passar por outro objeto, retorna diretamente sobre 
esse corpo. 
5- -Freud, S. ( 1920) "Jenseits des Lustprinzips" in Studienausgabe, op. cit., v. 3. 
P s,cóTICOS E ADOLESC ENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
19 
. ..:.· 
-��: 
20 
Preso nessa economia, cujaexperiência vai se tornando a cada 
dia mais invasora e mais terrível, a premência por um ponto de basta é 
também cada vez mais insuportável. Creio que podemos aqui introduzir a 
noção de passagem ao ato como separação, à qual já aludia Serge Cottet, 
em seu texto "A bela inércia", em 1 9856 • I sso talvez nos ajudaria a 
aprofundar aquelas passagens ao ato ,de que falei no início, citando o 
exemplo dos crimes no cinema de São Paulo e o do assassinato do Dr. 
Rocco. 
INTERVENÇÃO 
Fernando Teixeira Grossi 
"Assim como as neuroses de transferências nos permitiram 
tr:açar as pulsões instintuais libídinais, também a demência preco­
ce e a paranóià nos forneceram uma compreensão interna da psi­
cologia do eu" 
Freud - Introdução · ao Narcisismo 
-.,..,._.. INTRODU�O 
O tema de nossa 1 2ª jornada parte da consta tação 
epidemiológica, trazida da clínica, de que um número cada vez crescen­
te de adolescentes e psicóticos vêm se drogando e de uma forma abusiva. 
Podemos nos perguntar se esse crescimento não está relacio­
nado com os tempos atuais: com o mundo global izado, onde as pessoas 
se encontram sob a égide de um consumo exacerbado que se estende 
às drogas, à lei do mercado e gera efeitos nos costumes e nos hábitos 
das pessoas. 
Assim, o fenômeno do)uso crescente de droga deve ser consi­
derado sob um novo ângulo, onde se cruzam lógicas discursivas diversas 
que deixam o sujeito adolescente ao sabor dessa polissemia discursiva 
que gerando efeitos devastadores no laço social. 
Quanto aos sujeitos psicótícos; percebemos que a temática 
delirante, que, classicamente, se articula ao redor de temas místicos, 
persecutórios e de grandeza, enlaça-se com as drogas e nos interroga 
6 
Cottet, S. ( 1 985) "La bel le inertie" in Ornicar ?, n. 32. 
Ps1cóTICOS E ADOLE:SCENTES POR OUE SE DROGAM TANTO? ---------
sobre um novo papel do uso dessas substâncias ; tanto para regular um 
excesso que invade a estrutu ra psicótica, quanto para reafi rmar o papel, 
já estabelecido, de empuxo a uma desagregação da subjetividade. 
Será que os psicóticos atuais não amam seus delírios como 
os de antigamente?. 
Haveria uma insuficiência dos delírios ou novas possibilidades 
são ofertadas para os pré-psicóticos ou mesmo para os psicóticos se 
arranjarem com a estrutura? 
A epígrafe do texto é para retomarmos a questão aberta por 
Freud: do tema da perda da realidade na psicose, a constituição do eu. 
Não será que uso de drogas pelos psicóticos não nos autorizaria reabrir 
esse debate? 
AI DROGA/ E A CONTEMPORANEIDADE 
O uso de drogas na sociedade tem sido tratado de manei ra 
alarmista e, por vezes, hipócrita, por importantes seguimentos sociais; 
tendo como referência um discurso que se fundamenta em argumentos 
preconceituosos e insuficientes , na medida em que são excluídos de 
suas análises os determinantes sócio - econômicos , culturais, como 
também a escolha do sujeito. 
Esse enfoque, na verdade, contribui para a marginalização e 
segregação social dos usuários de dr9gas e toxicômanos. 
A análise da evolução da nossa conjuntura sócioeconômica de 
nossa sociedade nos aponta profundas e constantes mudanças , onde 
a família e a sociedade confrontam-se com a confluência de novos valo­
res , implicando na rejeição de valores que, até então, coexistiam. 
Em toda história da Humanidade o homem conviveu e experi­
mentou substâncias com as quais buscava interagi r. 
Essa interação se dava sob controle social, através de rituais, 
com medidas de proteção dos desprotegidos: as mulheres grávidas e as 
crianças. 
Nestes rituais, o uso de substâncias se relacionavam com a 
transformação de um estado de consciência que visava atingir um saber 
que levasse esclarecimentos aos indivíduos sobre sua origem. I nseridos 
num laço simbólico; estes indivíduos mantinham um elo com sua origem, 
num laço social. 
Assim, buscar o saber, no lugar onde se situam os ancestrais, 
foi uma saída simbólica que o sujeito encontrou para se situar na socie­
dade. 
Saber quem foi seu ancestral permitia ao sujeito ·se situar rio 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
laço social , comparando-se com os rituais observados nas sociedades 
totêmicas. 
Como verdadeiros ordenadores simból icos, os rituais primitivos 
permaneceram por longo período de tempo na história da humanidade, 
quando foram substitu ídos pela família nuclear. 
Assim, podemos verificar que o contexto do uso dessas subs­
tâncias, hoje denominadas como drogas, se modificara ao longo dos tem­
pos. 
Em "Sobre la Segregación", Colette Soler7 ressalta que, nas 
sociedades regidas pelo direito divino ou mesmo nas escravistas, havia 
discriminação como modo de tratamento da diferença do modo das pes­
soas serem, de se satisfazerem, mas não se observava a segregação 
como modalidade de tratamento dessas diferenças. 
Essa mudança é identificada, pela autora, como resultado da 
falência desses ordenadores simból icos em nossa sociedade. O pessi­
mismo e a intolerância frente às diferenças no modo de ser; a depressão 
e a solidão presentes de forma cada vez mais radical deixam marcas 
indeléveis nas famílias e na sociedade. 
Mediante o impacto do avanço da sociedade científica e do 
consumismo, trilha-se um retorno à cruel realidade da competição simul­
tânea entre os sujeitos como modo de se encontrar um lugar na vida em 
sociedade. 
A lóg ica do mercado, com sua face moderna a, chamada de 
g lobalização, cria e reforça o subdesenvolvimento abrindo espaço para 
uma constante insatisfação e segregação das diferenças; é na medida 
em que essa lógica implica em ter bens /objetos; em ter um determinado 
lugar social. 
Como parte deste contexto, o estatuto da droga se modifica e 
está cada vez mais distante da realidade das sociedades primitivas. 
Atualmente, a droga faz parte de u ma infindável lista de 
objetos de consu mo postos para o sujeito: é u m produ to a ser dige­
rido, consumido. 
O estabelecimento de uma sociedade de consumo; organizada 
de acordo com as leis do mercado, onde o importante é possuir objetos, 
ao mesmo tempo que os universaliza, apaga as singularidades subjetivas. 
Os ideais perdem terreno para os objetos de consumo e insta­
lam uma crise de identidade econômica cultural. 
7 Soler C. Sobre la segregación, Pharmakon 3, , Buenos Aires, adiciones Amatista, 
1 995. 
P SICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ----------
F reudª , j á em 1 930 , p rev ia que o su je i to , f rente a sua 
"incompletude fundante" , e na busca da fel ic idade perd ida , encontraria 
nas d rogas o método mais eficiente de evitar o sofrimento. Esse al ívio , 
propiciado pelas drogas, traz a esperança de el iminar a d ivisão subjetiva, 
a " incompletude " do sujeito frente a sua falta de ser fe l iz , que é o motor 
do desejo humano. 
A busca de respostas a esse mal - estar constitutivo do suje i ­
to faz com que as d rogas surjam impregnadas de um novo estatuto , 
frente à falência dos valores tradicionais até então o rdenadores para o 
sujeito. 
O paradoxo desse modelo é produzir uma horizontal idade de 
acesso aos bens para alguns e seg reg�ndo os demais . A s ingu laridade 
é desconsiderada e o suje ito é reduzido a consumidor. Somos todos 
consumidores. 
Uma sociedade estruturada a parti r dessa lógica perversa , al ia­
da ao avanço da tecnologia, rapidamente reduziu a força da inserção sim­
ból ica, pela perda da força desses ordenadores na cultura . Podemos falar 
de declín io da Fam íl ia, Pai, Mãe, Escola, P rofessor, Trabalho etc . . . 
Vivemos n o tempo d o decl ínio da palavra c o m crescente al ie­
nação do desejo . 
Na medida em que a sociedade vem sofrendo esses abalos , 
criam-se profícuas condições para o aparecimento do fenômeno das toxi­
comanias. 
Essa genera l ização da toxicomania não afetaria o suje ito 
psicótico? 
A PnCO/E, /EU MECANI/MO FUNDANTE E /UAI RE/OLUÇÕE/ 
Lacan s itua a verwerfung f reud iana e m contrapos ição a 
verdeangung para demarcar dois campos d istintos9: Neurose e Psicose. 
Daí, o primei ro sentido de forac lusão como abol ição s imból i ­
ca1 0 . O que não ve io à luz do simbólico aparece no rea l : uma modal ida­
de de retorno d istinta daquela do recalcado. 
A part i r do texto de Freud, e da pontuaçãq de Lacan, podemos 
localizar a Verwerfung no mesmo ponto do recalque o rig inário , que coinci­
de com o tempo lóg ico da Bejahung, como um sim pr imord ia l , do con­
sentimento do suje ito à s imbol ização fundante. 
8 Freud S. O mal-estar na civil ização, ESB, vol . XXI , p.96. 
9 Lacan, J . Seminário I l i , p . 98. 
10 Lacan, J. Resposta ao comentário de Jean Hyppolite, Escritos , Rio:JZE, p. 388. 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR OUE SE DROGAM TANTQ? ----------
y,.24 
:·l�� 
Apoiando na Die Verneinung de Freud, Lacan busca seu inte­
resse pela localização subjetiva no universo discu rsivo do sujeito, dando 
portanto um novo sentido ao termo foraclusão. 
Essa nova dimensão da incidência clínica do retorno do 
foracluido no faz interrogar sobre a partição dentro e fora, introduzido 
pelo conceito de inconsciente, como retorno do recalcado. 
O fundamental é que Lacan, com a teoria do significante pode 
situar a questão da psicose coisa que Freud não pôde fazer 1 1 e assim 
interrogar a relação de dentro fora, na questão do inconsciente na psico-
se. 
A psicose trata-se, fundamentalmente, de um impasse, de uma 
perturbação concernente ao significante, de um buraco, de uma falha ao 
nível do significante e Lacan via, nessa presença do significante no real 
como consequência da foraclusão, um caráter devastador: 
"Encaremos o mínimo que seja essa presença do significante 
no real. A saída de um significante novo, com toda a repercussão que 
isso pode comportar até o mais íntimo das condutas e dos pensamentos 
a aparição de um registro, como aquele de uma nova religião, por exem­
plo, não é algo que possamos manipular facilmente; a experiência o pro­
va. Há virada das significações, mudanças do sentimento comum e das 
relações sociais. Mas há, também, todas as espécies de fenômenos, 
ditos reveladores, que podem parecer, sob certa forma, bastante 
perturbadores para que os termos de que nos servimos nas psicoses não 
sejam absolutamente impróprios. A aparição de uma nova estrutura nas 
relações entre os significantes de base e a criação de um novo termo na 
ordem do significante tem um caráter devastador 1 2 " 
Hoje, quem sabe, não podemos trazer essa advertência de 
Lacan para outros campos? Pois, nem toda presença no real do 
significante está sob a égide de uma psicose. Ou mesmo pensar que os 
nomes das várias drogas não poderiam estar situados n.a mesma lógica 
para o sujeito? 
Podemos até pensar nos efettos devastadores que podem ocorrer 
com a introdução de determinad@s significantes; inclusive em nome da 
religião, etc, etc. 
Eis nossa segunda hipótese de por que os psicóticos se drogam 
tanto. 
11 Comentário de Lacan, Seminário I l i , p. 1 67: A promoção, a valorização na psicose 
dos fundamentos de linguagem é para nós o mais fecundo dos ensinamentos. 
12 Lacan , J. Seminário I l i , p.229. 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
A FORACLU/ÃO ALÉM DA P/ICO/E O U/0 DE DROC,A.f 
A foraclusão além da psicose é a questão que me fez engajar 
no trabalho de pesquisa sobre a correlação entre a foraclusão do Nome 
do Pai e o falo, para resituar a questão da toxicomania; detendo-me na 
possibilidade de se encontrar a foraclusão, sem haver necessariamente 
uma estrutura psicótica, em que o uso de drogas cumpriria uma função 
de prótese fálica, corroborando a hipótese de alguns autores 1 3• 
Nessa hipótese, não, necessariamente, estaremos no campo 
da Psicose, abrindo caminho para pesquisarmos o lugar que a droga 
ocuparia na economia psíquica do sujeito. 
Para fundamentar esta hipótese, faremos, inicialmente, um es­
tudo na obra de Lacan para buscarmos elementos para a pesquisa e 
assim construir os primeiros argumentos em nosso favor . 
A primeira parte do estudo corresponde a um determinado 
momento do ensino de Lacan, em que o Nome do Pai e o falo eram 
articulados em bloco, como dois conceitos conectados e intimamente 
inseparáveis. 
Esse momento corresponde à teorização da unicidade do Nome 
do Pai. 
A seg unda pa rte do t ra balho pretende invest ig a r as 
consequências da pluralização do Nome do Pai e sua incidência na arti­
culação com o significante fálico. 
PRIMEIRA PARTE: A EXlflÊNCIA DO OUTRO E A CON/lflÊNCIA 
DO NOME DO PAI 
Encontramos a articulação entre os termos Nome do Pai e Falo 
na fórmula da metáfora paterna, proposta por Lacan nos anos de 1958, 
por ocasião do texto: "A Questão Preliminar a Todo Tratamento Possível 
da Psicose" : 
NP 
DM 
DM 
X 
� NP ( : ) 
13 Bittencourt, L. Algumas considerações sobre a neurose e a psicose nas toxicoma­
nias, Drogas: Uma visão contemporânea, Rio, Imago, 1993. 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
. . • � - J . .. : ,; ' .t:+:.:::�.· 
Estes dois termos, estão articu lados de forma que a operação 
real izada, pelo significante do Nome do Pai (NP) , sobre o Desejo Materno 
(DM) engendra a inscrição do falo no campo do Outro . 
Lacan uti l izou o termo cunhagem- empregado no processo an­
tigo de impressão em moedas- para destacar que na operação de subs­
titu ição s ign ificante real izada pelo Nome do Pai , se impr ima o falo a de 
t ítulo de uma cunhagem na constitu ição do sujeito . 
Essa engrenagem demonstra a transmissão do Nome do Pai 
e , consequentemente , a castração; de forma que o NP � ci, , ou, que 
sua foraclusão impl icará na e l isão do falo , ci,0• 
Portanto, o que está em jogo nessa transmissão NP � ci, é o proces­
so de constitu ição do sujeito. Em outros termos, é uma das modal idades de 
falarmof' d;, constituição do sujeito distinto do materna do discurso do mestre: 
S1 � S2 
$ a 
Nome do Pai e Falo são dois te rmos bem art icu lados entre s i 
que remetem à operação de constituição do sujeito articulando os tem­
pos do Édipo e da castração. 
NP DM 
DM X 
(Édipo) (Castração) 
A saber que a mãe, como pr imeiro grande Outro do s ujeito, já é 
marcada pela barra da castração, assim Lacan ut i l iza o materna DM 
para designar essa função de transformar uma natureza-anatômica e fisi­
ológica de um recém nascido em cultura, isto é, o DM opera na constitui­
ção de um sujeito antes mesmo da determinação social da criança, 
numa linha de ficção, para sempre irredutível aos fatos de sua determina­
ção pelo significante 14 • 
É o que podemos deduzir da fórmula: o: 
Essa operação de transformação da natureza e m cultu ra é a 
mesma real izada pelo s ign ificante; de que um gozo seja desnatu ral izado 
e , ass im , metaforizado. 
1• Referência ao texto de Lacan, O Estádio do Espelho como formador da função do 
Eu, Escritos, Rio: JZE, , p . 98. 
PSICÔTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
Se jogarmos com a parte da fórmula da metáfora paterna, NP/DM, 
deduzi remos que, para o desejo materno cumprir com essa função de 
in terpretação, deve consentir com o Nome do Pai. 
Há varias passagens no texto de Lacan sobre o papel do Dese­
jo da Mãe na transmissão do Nome do Pai e da castração. 
Propositadamente, recorto uma passagem dos anos 73/74 -
Seminário Les Non - Dupes Errent - momento em que Lacan consagrava 
suas elaborações em termos da plu ral ização desse sign ificante funda­
mental que é o Nome do Pai . 
"Para levar esse nome ( Nome do Pai ), senão aquela 
em quem se encarna o Outro, o Oúlro como tal, o Outro ( A ), com 
um grande A, aquela de quem o Outro se encarna, como eu digo, 
só faz se encarnar, além do mais, encarna a voz, a saber, a mãe. A 
mãe fala, a mãe pela qual a palavra se transmite, a mãe , é preciso 
dizer, o nome se reduz ai, a traduzi-lo por um nome, justamente, o 
nome que diz o pai . . . esse nome do pai que não é "Non" que a nível 
do dizer e que se amoeda, que se cunha pela voz da mãe'115 • 
O operador fundamental,que media o Desejo da Mãe na cons­
tituição do sujeito, é o falo. (O que nos abre u ma discussão: se nesta 
transmissão mãe/ criança não tivermos o falo mediando essa transmis­
são, qual seriam seus efeitos?). 
Remeto, nesse ponto a uma outra passagem de Lacan a res­
peito dessa questão: 
"O papel da mãe é o desejo da mãe. É capital. O desejo 
da mãe não é algo que se possa suportar assim, que lhes seja 
indiferente. Carreia sempre estragos. Um grande crocodilo em cuja 
boca vocês estão - a mãe é isso. Não se sabe o que lhe pode dar 
na telha, de estalo fechar sua bocarra. O desejo da mãe é isso. 
Então, tentei explicar que havia algo de tranquilizador. Digo-lhes 
coisas simples, estou improvisando, devo dizer. Há um rolo, de pe­
dra, é claro, que está em potência, no nível da bocarra, e isso re­
tém, isso emperra. É o que se chama falo. É o rolo que põe a salvo 
se, de repente, aquilo se fecha'"6• 
Portanto, temos dois campos indexados: Do lado materno na 
articu lação com a constituição do sujeito, temos o falo como referente e 
15 Lacan,J., Seminário 21 - Les Non-dupes errent, conf. 19 de março de 1974. 
16 Lacan,J. , Seminário t7/ Rio:JZE, p . 105.-
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROG AM TANTO? ---------
27 
;��8 
do lado paterno, na transmissão de seu significante, temos a transmis­
são de um nome-o Nome do Pai. 
Podemos, então, construir um primeiro argumento a partir dos 
reg ist ros RS I , que do lado paterno temos o campo da nomeação, 
correspondendo a passagem do real para o simbólico - via metafórica; e 
do lado materno a indexação ao falo correspondendo a articulação entre 
os registros do simbólico ao imaginário pela via da metonímia. 
I 
O Nome do Pai como atribuição primária, aquela que promulga 
o "cachorro faz miau , o gato au-au com que a criança, de um só golpe, 
desvinculando a coisa de seu grito, eleva à função significante e eleva a 
realidade à sofistica da significação". 
Essa elevação da realidade à sofística da significação não po­
deria nos remeter à função do falo 1 7 e a conseqüente extração do objeto 
a na constituição do campo da realidade para o Sujeito? 
I sto é , ( a 1-cp ) de forma tal que os objetos fantasmáticos estão 
marcados pela castração, sofrem de sua significação, o que nos autori­
zaria a escrever a seguinte fórmula do fantasma : $ O «l><•i -
Nesse momento do ensino de Lacan, no qual constrói a metá­
fora paterna, há um lugar central do significante no Nome do Pai em sua 
teoria na caracterização das estruturas clínicas: 
NP presente: Neurose li falo: confusão da fal ta fálica 
com a Demanda do Outro. 
NP foracluido: Psicose li falo: elisão. 
NP recusado: Perversão " · li falo: existência do falo matemo. 
Esse é o privilégio do Nome do Pai como um significante que, 
de partida, joga na constituição do campo do Outro, Outro esse dado 
como lugar da lei. 
17 Lacan define o falo como um significante destinado a designar , no conjunto dos 
significantes, o papel de ·designar os efeitos de significado. Isto é, um significante que 
condiciona os efeitos do significado, por sua presença mesma de significante. 
P SICÔTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
Um significante, apriori, já incluído no Outro, ou rechaçado ou 
não afirmado. 
Para corroborar essa articulação de um bloco composto de duas 
peças Nome do Pai e Falo, cito uma passagem do texto de Lacan "Ques­
tão Preliminar a Todo Tratamento Possível da Psicose", onde essa lógica 
está estabelecida: 
"Termo em que culmina o processo pelo qual o significante 
"desatrelou-se" no real , depois de declarada a falência do nome do pai -
isto é, do significante que, no Outro como lugar do significante, é o 
significante do Outro como lugar da lei". 
Há, podemos dizer, um privilégio do significante do Nome do 
Pai no campo do Outro, definido como tesouro do significante, sendo o 
significante que dá consistência a esse Outro, enquanto marcado pela 
Lei paterna. 
O Nome do Pai passa à condição de um cristal provocador, 
que, adicionado, dará uma neurose, não adicionado, uma psicose etc . . . . 
Enf im, um significante a mais , privilegiado, tanto para 
parametrizar o Outro, quanto detém uma ascendência sobre S1 � S2, 
articulando a cadeia significante, eqüivalendo-se à própria seta ( � ) ; 
além de engendrar o falo como significante da castração1 8 (NP � �). 
18 No ensino de Lacan, mais especificamente no texto " A significação do falo". o falo é 
situado como regulador do desenvolvimento. Esta função lhe permite desde a 
estruturação dos sintomas, à instalação, no sujeito, de uma posição inconsciente, 
sem a qual não poderia identificar-se com o tipo ideal de seu sexo nem tão pouco 
responder sem graves vicissitudes às necessidades de seu partainer na relação 
sexual , acolher, com justeza, as crianças que nela se procrie. 
Portanto, nesse contexto de seu ensino, o falo, como o significante privilegiado, a 
marca da captura do corpo pela linguagem, é marca universal e simboliza "o mais 
saliente do que se pode apreender no real da copulação sexual e também o mais 
simbólico no sentido literal (tipográfico) desse termo, visto que que ele equivale à 
cópula (lógica). Pode-se dizer, também, que ele é, pela sua turgidez, a imagem do fluxo 
vital na medida em que se transmite na geração. 
PSICÔTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ----------
29::J:l 
� 
JEGU NDA PARTE: A FALTA DO OUTRO E A PLURALIZAÇÃO DO 
NOME DO PAI 
No percurso da p rimeira parte do trabalho, que se refere a um 
determinado momento do ensino de Lacan, algumas conclusões pode­
mos extrai r e que se mostrarão não menos problemáticas: 
A � ,. 
I sto é, trata-se de uma passagem a ser feita de um Outro com­
pleto, absoluto , a um Outro fal tante. 
Esse percurso, o vemos no g rafo do desejo, no p rimeiro andar, 
onde o sujei to é confrontado com um Outro sem barra, e que somente a 
partir da introdução do Che voi? , é que será confrontado com esse ponto 
de inconsistência do Outro, que se si tua no segundo andar do grafo, ao 
redor do qual constrói seu fantasma, como p rimeira resposta, a questão 
que o ser coloca para o sujeito19• 
Esse percurso de A � 1. também pode ser pensado de um 
trajeto da alienação à separação. 
Podemos nos perguntar se há uma correlação nessa travessia 
de A a 1/. com a mudanças dos termos fál icos da trajetória: 
s 
Essa passagem de falo i mag inário a simbó l i co, enquanto 
signifi cante da fal ta, foi a p rimeira visada de Lacan, de encontro com a 
inconsistência do Outro, ;.. 
Esse ponto de encontro com e!> - o rochedo da castração 
freudiana - corresponde a uma assunção subjetiva pelo sujei to da castra­
ção ao se defrontar com a castração do Outro. 
É, também, interessante observar que este esquema serviu a 
Lacan, para pensar a estrutura perversa; acrescentando que na perversão 
tratava-se da recuperação do falo, através de sua positivação, dando-lhe 
consistência de um fetiche. 
19 Lacan , J A instâni:1áda ietra no inconsciente . . . , Escritos, Rio, JZE, p.524. 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ----------
É importante notar que há uma suficiência do falo, nesse mo­
mento do ensino de Lacan, para pensar a perversão, destacando, é claro, 
a persp icácia do autor, ao perceber que no campo das perversões o 
Outro está concernido de um modo particular. 20 
s 
- cp � ci, 
<p .J 
,{, 
Podemos depreender que a perversão foi o primei ro obstáculo 
encontrado por Lacan na articulação NP � cjl, isto é, a perversão impôs 
obstáculo à incidência da efetividade do significante fál ico. 
O caso G ide, por exemplo, interessou a Lacan de sobremanei­
ra, a lhe permitir interrogar das razões da clandestinidade de seu desejo , 
como fruto de uma subtração simbó/ica21 , deixando o sujeito com uma 
incidência negativa do desejo , por permanecer preso a um erotismo 
masturbatório em sua vida sexual . 
Lacan chega a se perguntar se, devido a ausência do falo em 
cumpri r o seu papel como signif icante do desejo, não se abria ocaminho 
para a transmissão de uma outra modal idade, que a mediada pelo falo , e 
considera a poss ibi l idade da passagem do fantasma da mãe para o fi lho ; 
e que talvez fosse essa transmissão fantasmática a responsável pelos 
acidentes do desejo, em G ide. 22 
A virada promovida por Lacan a parti r da postulação de que há 
uma falta no campo do Outro- que falta-lhe um significante-se traduz atra­
vés do materna de S( lt ). 
Nessa mudança opera-se a troca de lugar, do Nome do Pai 
para S( ,t ). 
As estruturas c l ín icas passam a ser consideradas a part ir des­
se ponto : 
71 Neurose 
S(Ã) 7 Perversão 
� Psicose 
ai Lacan , J. Subversão do Sujeito . . . , , Escritos, Rio: JZE. P. 838 . 
21 Lacan,J . Juventude de Gide ou a letra e o desejo, Escritos, Rio, JZE. P.765. 
- ··�"'- - ' ,2·"iéiem,'p'.76C· 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
31 
O primeiro efeito observado dessa descentralização já corrobo­
rado pela clínica, é que a transmissão do Nome do Pai abre um campo 
de contingência, e toda uma lógica se joga em nome dos avatares de sua 
transmissão. 
O segundo aspecto a ser considerado, a partir do descentramento 
do lugar do Nome do Pai, e que começou a ganhar clareza teórica a partir 
da teoria dos nós borromeanos, foi a de que os registros RSI não fazem 
conjunto (amarração) , e que é preciso uma ação suplementar23 • 
Vamos encontrar uma referência em RSI sobre essa função de 
amarração dos registros RSI , de que necessitaria de um toro a mais, e 
cuja consistência Lacan alude ao Nome do Pai, antes de situar, essa 
função de amarração, no sinthoma24 . 
O Nome do Pai passa então a ser pensado no registro do su ­
plementar e não mais contido no Campo do Outro, esvaziado do gozo. 
Pelo contrário essa função de nomear aportado pelo Nome do 
Pai inclui a dimensão do gozo. 
Há aqui indicativos mais do que suficiente para se pensar numa 
aproximação do sinthoma como um dos Nomes do Pai. 
O terceiro aspecto a ser considerado a partir de S (J(), da 
plurai idade e suplementariedade do Nome do Pai é o lugar do significante 
fálico. 
A primeira consequência é disjunção dos termos Nome do Pai 
e falo , isto é, podemos encontrar a inscrição do Nome do Pai e a ausên­
cia da incidência do significante fálico. 
O caráter da contingência é apontado por Lacan para se pensar 
o falo25 portando uma certa "autonomia", não estando necessariamente 
atrelado ao significante do Nome do Pai. 
A dimensão da contingência nos abre a possibilidade de inves­
tigação das incidências clínicas>de possíveis acidentes da transmissão 
do falo. 
A segunda consequência foi oriunda da constatação de que há 
um gozo fálico. 
21 Lacan, J. RSI, conferência de 1 1 de fevereiro de 1 975, inédito. 
24 Idem, 1f32. · · 
3 Lacan, J. Seminário 20, JZE. , p . 1 26. 
Ps1có11cos E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ----------
Se no inicio o falo era considerado como significante do dese­
jo, articulado a meton ímia do deslocamento dos significante do Outro; o 
s egundo passo foi de pensá-lo enquanto significante do gozo, mais no 
sentido metafórico, com o seu papel determinante no complexo de cas­
tração inconsciente, de uma função de nó26 ; para em seguida, concluir 
na existência do gozo fálico. 
Essa inscrição de gozo no falo obrigou Lacan a ressituar a 
fobia, para marcar que o sujeito captura em seu corpo, num tempo lógico 
privilegiado de sua constituição, um excedente de gozo, insuportável 
para ele mesmo. 
Isto é, se num determinado momento lógico, o gozo fál ico se 
apoia no corpo, gerando em algumas situações quadros fóbicos, num 
tempo lógico seguinte se destaca do corpo para se alojar no significante, 
o que é responsável pelo seu caráter fora - corpo27 • 
A prevalência de uma dessas duas dimensões do gozo fálico 
não trariam consequências para o sujeito, nos possibilitando interrogar a 
noção de consentimento? 
Hans, por exemplo, consentiu com o gozo fálico mas ao preço 
da formação de um sin toma, a saber, de sua fobia por cavalos. 
Lacan, por exemplo, utilizou o significante ruptura para falar de 33;;: � duas respostas distintas do s ujeito frente ao gozo fálico: A homossexua- "'" .� u: 
lidade feminina e o recurso da droga. 
Sobre a h omossexual diz: 
"Elas não tomam o falo como um significante q>. Então 
significa: Não é mais que ao romper o significante em sua letra que 
se chega em seu termo final. É incomodo pensar não obstante que 
isto ampute para ela, a homossexual, o discurso analítico. Pois esse 
discurso ( discurso sexual), é um fato, as põe, em uma cegueira total 
sobre o que há aqui do gozo feminino. 
A homossexual não está de todo ausente do que fica do 
gozo. O repito, isto lhe facilita o discurso do amor, porém é claro que 
isto a exclui do discurso analítico que não pode senão balbuciar''28 • 
31 Lacan, J. A significação do falo, Escritos, JZE. p. 692 , 
· · , ·"li·· Lacan. J. A Terceira, Che Voi n.O, Cooperativa Cultural Jacques Lacan, 1 986,p.39. 
31 Lacan, J . . . Ou Pire, conferência de 8 de dezembro de 1971 . 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
Quanto às drogas temos a seguinte referência de Lacan: 
"Mas se há alguma coisa nas Cinco Psicanálise feita para 
mostrar-nos a relação da angústia com a descoberta do peruzinho, 
chamemos isso assim também, de qualquer maneira é claro , é 
concebível que para a menina como se diz, isso se estende mais e 
é por isto que é mais feliz; isso se estende porque é preciso que ela 
leve um certo tempo para perceber que não tem peruzinho; isso lhe 
produz uma angústia também, mas uma angústia por referência à 
aquele que está aflito: digo "aflito", porque falei de casamento e 
tudo o que permite escapar desse casamento é evidentemente bem 
vindo, daí o êxito da droga, por exemplo; não há nenhuma outra 
definição da droga que não seja esta: o que permite romper o casa­
mento com o peruzinho''29• 
Eis nossa terceira hipótese. 
A FORACLUJÃO E O IAÇO JOCIAL CONTEMPORÂNEO 
Aqui sigo uma indicação de Lacan no ano de 74, de que o 
discurso capitalista realiza uma foraclusão da castração; e se tomarmos 
o discurso capitalista como paradigma do laço social contemporâneo 
, em que o gozo e os vínculos sociais se fazem sem o comando do S1 ou 
dos ideais, isso nos obriga a uma investigação, atual e não menos pro­
blemática, pelas suas incidências clínicas. 
Isto é, o modo como o Outro intervém gera conseqüências no 
laço social. 
Freud mesmo observou esse fato, no exemplo das guerras, que 
engendrava um tipo de neurose, sendo o fator traumático vinculado pela 
contingência do encontro com o real, absorvia toda a economia libidinial 
do sujeito, impedindo-lhe de esquecer; isto é, de recalcar, impedindo o 
caminho para a formação dos sintomas. 
Podemos de certa forma, fazer uma homologia entre a estrutu­
ra do trauma e da foraclusão, para remetermos a uma lógica, em que o 
encontro com o real, nos tempos atuais, está cada vez mas longe da 
estrutura da fobia e mais próxima do trauma, do pânico, não sendo à toa 
que as drogas { lícitas e ilícitas) têm sido um dos meio que o sujeito lança 
mão para tratar esse mal estar, provocado pelo desamparo. 
29 Lacan, J. Sessão de encerramento da jornada de cartéis da EFP, abril de 1 975. 
PSICÔTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
A saber: de um encontro com o real que não ascendendo ao 
simból ico; pelas formações do inconsciente, impondo uma estrutu ra de 
retorno no rea l ; nos moldes de retorno dos trau mas, abrindo cam inhos 
para outras modal idades de formações "s intomáticas": uso de drogas , 
produção de escritos, pintu ras; sol uções mais s íntones, que atende à 
lógica da p rópria forclusão etc . . . 
O discu rso d o capital ista nos d i z q u e o sujeito acende ao gozo 
sem passar pelo campo do Outro , que poss ib i l ita a fi ltragem do gozo3º . 
O suje ito na contemporaneidade está, por u m lado, mais ex­
posto aos efeitos do real - promovido pelos d iscu rsos da ciência e do 
capital ismo,gerando efeitos de retorno no laço social, no corpo, do rechaço 
de uma atribu ição subjetiva, pela foraclusão da castração . 
Eis nossa tercei ra h ipótese. 
AI DROC,Af COMO OBJETO/ DE UM INVEJTIMENTO PARADOXAL 
DO JUJ EITO PJICÓTICO 
1 ) Função das d rogas, de contenção de u m surto, de equi l íbrio 
do sujeito: 
Drogas 
Psi cos e 
Ass im como Joyce com seu s intoma - sua obra, alcança uma 
estabi l ização e como assinala Lacan a constitu i seu eu , o uso de drogas 
para a lguns psicóticos não se constitu iriam nessa s imi laridade, na cons­
titu ição de um eu? 
2) As Drogas , o Idea l do Eu e a Psicose 
O esquema R foi constru ído por Lacan, em "Uma questão prel i ­
minar . . . " , e serviu- lhe para demonstrar que a constitu ição do sujeito e o 
campo da real idade jogam-se na articulação entre os registro S imbólico e 
I maginário , reafirmando , o que fora estabelecido, anteriormente, no texto 
3) Lacan,J. Televisão, JZE, p. 58 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
35 < 
"O Estádio do Espelho", que o momento da consti tuição do sujeito, os 
registros Simbólico e Imaginário se articulam3 1 • 
O traço unário se s i tua no mesmo lugar do I deal do Eu ( 1 ), 
sendo que I M forma forma uma l inha divisória entre os triângulos dos 
regi stros Simbólico e I maginário. 
Esquema A : 
cp-·-··-···�!; M 
I S 
m 
1 • 
'S 
A 
p 
O sujeito está, portanto, conformado pelos dois triângulos, sen­
do que na relação imaginária aparece identi ficado ao falo imaginário ( <p ), 
e que as ident i ficações imaginárias que formam o eu, se colocam no e ixo 
mi . 
Is to é, o I deal do Eu, é a raiz s imbólica das i denti ficações 
imaginárias, que funda a URBILD do sujeito, desempenhando o papel de 
regulagem das identificações que sustentam o Eu i deal. 
m <= 1 
Por sua natureza s igni fi cante, 1 desempenha papel relevante 
na constituição do sujei to. O I deal do Eu, como garantia do narcis ismo­
como bem situa o mito de Narciso- desempenha também um papel de 
regulagem de um gozo mortífero, expresso na tendência suicida: 
l (A) 
G (a) 
O I sendo um dos vértices do triângulo s imbólico, se articula 
com M (lugar da Mãe, por sua vez objeto real e lugar de desejo - DM32) e 
o Nome do Pai , (P), no lugar do Outro (A), em posição tercei ra . 
Portanto I deal do EU e Nome do Pai , no lugar do Outro se 
articulam, como dobradiça . 
31 Lacan, J. De nossos antecedentes, Escritos, JZE, p.73. 
3! Por isso, Lacan situa M, a título de significante do objeto primordial . Ver De um Q1,1estão 
Preliminar .. , Escritos, JZE, p. 559. 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
1 (= p 
No esquema 1, que Lacan produziu para explicar o sujeito 
psicótico, tendo como referência o caso Schreber, ocorre um 
descentramento dos termos que compunha a estrutura quartenária do 
esquema R, em função da foraclusão do Nome do Pai - P 0 , produzindo 
um furo na significação fálica, (<1>0) e na localização do sujeito. 
A sequência Saa'A, se modifica para iaa' I , a saber que o eu 
delirante substitui o sujeito e o I ocupa o lugar de P em A. 
O Ideal do Eu não cumpre mais a função de matriz simbólica, 
de natureza identificatória, em relação com o grande Outro, como lugar 
da lei. 
Este desenvolvimento é para interrogar o lugar que a droga pode 
ocupar para o sujeito psicótico. E como esse arranjo é precário! 
Podemos nos perguntar; havendo na psicose, uma outra moda­
lidade de arranjo entre o eu e o ideal, não poderiam as drogas desempe­
nhar esse papel de "ideal do Eu" para a constituição de um eu para o 
sujeito? . 
Eis nossa quarta hipótese. 
DEBATE 
Pergunta: Como pensar nesse trabalho de separação na ado­
lescência associado a um processo de separação efetiva dos pais, en­
quanto casal? O adolescente teria, então, que lidar com duas separa­
ções? Essa pergunta parte de um caso que estou atendendo. 
Sônia Alberti : Nem sempre uma separação dos pais é muito 
traumática para os filhos. Há separações e separações: De todo modo, 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROG AM TANTO? ----------
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'�� 
em psicanálise, qualquer coisa sempre vai estar associada a outras. 
Nesse caso, da maneira como você está trazendo, há uma associação 
de separações: a separação do casal e a própria separação que esse 
adolescen te deve ter começado a fazer em relação aos pais. As conse­
qüências dessa associação só podem ser pensadas caso a caso. Em 
psicanálise não dá para fazer uma generalização. 
Você está dizendo que essa situação está trazendo mui tas 
questões para esse sujeito. Acho ótimo, porque o fato de colocar ques­
tões mostra que o sujeito está trabalhando ! A preguiça, a meu ver, é que 
é chata. Se há questões, está havendo a possibilidade do sujeito estar 
falando dessas coisas e o trabalho é então feito. Agora, como é que ele 
vai elaborar isso, e quais as vicissitudes, nós teríamos que ver no caso a 
caso. Cada sujeito é um sujeito. 
Pergunta : Você é contra a medicação? 
Sônia Albert i : Não sou contra a medicação na psicose, des­
de que bem feita. No caso ao qual aludi , não tinha nada a ver o rapaz ter 
sido medicado com antidepressivo. Na minha clínica há casos em que eu 
mesma, quando faço o d iagnóstico e constato a si tuação, encaminho 
para um psiquiatra para que ele possa acompanhá-lo tanto na medicação 
quanto em uma possível internação, que, às vezes, é necessária. 
Fernando Grossi : Vou retomar algumas das minhas h ipóte­
ses. A primeira é a de que há um consumo generalizado, que produz 
efeitos desastrosos também para os psicóticos. A segunda h ipótese re­
toma a tese de Lacan, mais conhecida de todos nós, de que o êxi to da 
droga refere-se à possibil idade de romper o casamento com o petit pipi. A 
droga seria um tipo de resposta a um momento lógico do sujeito, o mo­
mento da castração, da angústia. Ao invés de haver o caminho da forma­
ção do sintoma que faria um laço, vamos chamar, simból i co, através, por 
exemplo, de uma fobia - como no caso Hans -, o sujei to faz o curto­
circui to da droga. A outra h ipótese parte dos casos cl ínicos que serão 
apresentados, nos quais os colegas consideram as drogas como uma 
tentativa de equi l íbrio, uma busca de uma estabi l ização para alguns su­
jeitos. T rata-se de uma estabi l ização mui to precária, pois veremos que, 
ao mesmo tempo que estabi l iza, a droga empurra o sujei to à desagrega­
ção. A última h ipótese que proponho, relaciona-se aos i deais, que sem­
pre foram um ponto fundante e pacificador do sujeito, urri ponto que regu­
la algo do gozo. Pensando a mudança que Lacan realizou no esquema 1 , 
no lugar dos ideais, para pensar a psicose, eu estou propondo se nós 
não poderíamos pensar a d roga como ocupando, para alguns sujeitos, 
espaços desses ideais. O caso Ricardo parece-me que pode ser entendi­
do nessa d ireção. 
PSJCÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
Cleyton Andrade: Uma questão para a Sônia Alberti. A droga 
é um objeto , um produto que é colocado em oferta seja para neuróticos, 
psicóticos ou perversos. Acho muito interessante, quando você propõe 
que, na psicose, a droga não é uma escolha como na neurose. Minha 
pergunta é se não há uma escolha na psicose pela droga, ou se estamos 
diante de uma escolha diferente da do neurótico? 
Sônia Alberti : Cleyton, acho uma pergunta excelente! Tenho 
alguma experiência com sujeitos psicóticos. Não é o dia-a-dia da minha 
clínica, ainda bem, mas tenho alguma experiência. Quando um sujeito 
psicótico insiste em alguma coisa é dif ícil ! É muito dif ícil de você intervir, 
sem correr o risco , por exemplo, de pr.qduzir uma transferência negativa 
ou erótica, do tipo erotomaníaco. Como, então, não dizer que há uma 
escolha? Se ele resolve que vai usar cocaína, que tá usando crack, e 
que não tem ninguém que vai fazer ele mudar de idéia, então , você, pri­
meiro, vai ter que dizer: - "Mas que é isso? Quem falou que você vai 
mudar de idéia? Nada disso , fique tranqüilo" . Mas eu achoque a questão 
dele não é essa: que ele tem que usar o crack, que tem que usar cocaí­
na, porque algo aí faz função de significante, de traço unário para ele. 
Na neurose, a coisa insiste de uma forma, que o sujeito pode 
até já ter percebido que não é bem por aí, que esse negócio não vai dar 
certo, que ele vai acabar se prejudicando. Ou seja, na neurose, a divisão 
do sujeito se dá em cima desse objeto. De um lado , ele sacou que esse 39 . 
negócio não vai ser legal, mas, de outro, ele não consegue largar a coisa. · · ,. ,./; · 
Já o psicótico larga quando resolve largar, quando tiver uma ordem do 
Outro, por exemplo. Quando ele ouvir uma voz , dizendo para ele - "você 
não vai mais usar o cracl<' - ele pára na hora! Por isso, acho interessante 
a sua pergunta, porque , de certo ponto de vista, não se pode dizer que 
não há escolha! Primeiro, não se pode dizer que não há escolha, porque 
em qualquer situação, se você quiser responsabilizar o sujeito por sua 
própria subjetividade, você tem que dizer que há escolha. E segundo, não 
se pode dizer que não há escolha, na medida em que tem que ser respei-
tada aquela escolha que ele está fazendo naquele momento, naquele 
minuto , de que ele é um grande drogadicto. Ele pode, no minuto seguin-
te, ter horror à droga, aliás, na esquizofrenia isso é muito comum, lem-
bremos da ambivalência afetiva. Uma hora o sujeito está apaixonado pela 
mãe, a agarra e a beija, e na outra, minutos depois, ele pega uma faca e 
a mata. Então, eu acho possível essa mesma relação com a droga. Por 
isso, responderia a você que são escolhas diferentes! Eu dissera que na 
neurose o sujeito escolhe escolher, na psicose, poderíamos d izer, a es-
colha da doença já é uma escolha que o submete muito mais como 
objeto de gozo do Outro. 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROG AM TANTO? ---------
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;:*-����.�-:: ::,� . . 
Pergunta : Como é que f ica a questão da abstinência no caso 
do ps icótico ? Você falou que ele pode largar a droga em um segundo, 
mas e depois? 
Sônia Alberti : Não tenho a menor idéia, mas acho que ele 
não deve estar nem aí para a abstinência. Se ele encasquetar que não 
tem abstinência, ele não vai ter abstinência, está entendendo? Ou seja, 
os fenômenos que eles apresentam ao nível do corpo são tão variados, 
tão múltiplos e tão estranhos para a gente, que a abstinência se torna até 
uma bobagem! O que acontece com o corpo deles a gente nem imagina, 
nem mesmo se fizermos uma super-viagem de L.S.D ! Por exemplo, o 
coração sai de dentro e fica voando do lado do sujeito, o cérebro começa 
a sair pelo ouvido, é esse tipo de experiência que eles têm. Por isso, é 
que eu acho que a experiência de abstinência para eles pode ser uma 
bobagem! Os fenômenos elementares são de tal ordem terríveis que o 
corpo do suje,ito já é tão massacrado .. . 
Femando Grossi : As oficinas clínicas amanhã vão abrir uma 
beleza de discussão com a apresentação dos casos. Por exemplo, no 
caso Alberto podemos dizer que para esse sujeito a separação dos pais 
é um desastre. Já o caso José pode trazer a discussão da questão da 
abstinência, mostrar como os sintomas corporais, que a abstinência pro­
duz, podem entrar na associação" ou interpretação delirante do sujeito. A 
abstinência é o Outro que fala - "você está abstinente"- ou o sujei to que a 
elabora, dependendo do grau de sofrimento e da relação de proximidade 
com a questão das drogas. É lógico que existe um certo nível de absti­
nência em que o sujeito entra e nem sabe o que se passou, ele só vai 
acordar, no outro dia, já internado. Mas, em outros casos, o sujeito per­
cebe a abstinência, tanto que ele se automedica, voltando a beber ou a 
drogar-se. Há uma causalidade associada pelo sujei to. 
Sônia Alberti : A realidade do corpo na psicose, como a reali­
dade de tudo, aliás, é completamente diferente em relação a um sujeito 
neurótico. O modo como o sujeito psicótico representa o próprio corpo 
não tem nada a ver com o mod0;,como o neurótico o representa. Por 
exemplo, o presidente Schreber morre toda noite, e poucas horas depois, 
vêm nervos para refazer o seu corpo e gozar dele novamente, fazendo-o 
reviver, para que possa depois morrer de novo. A crise de abstinência é 
bobagem diante disso! É isso que eu quero dizer, a realidade é outra! 
Pergunta: Sou estudante e tenho uma curiosidade: por que 
quase não se cita o tabagismo, quando se fala em tratamento de drogas? 
Fernando Grossi : As coisas estão mudando, porque a ciência 
está destacando que a nicotina é droga. Então, já ocorre de pacientes 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
vi rem ao CMT pedi r tratamento por causa do problema da droga do cigar­
ro. Esse é um bom exemplo de como o Outro intervém, e isso tem conse­
qüências no modo como o sujei to percebe sua relação de dependência 
com o fumo. Existe um estudo clássico que mostra como o surto de 
dependên cia da heroína, ocorrido duran te a guerra do Vietnã, foi mui to 
mais fáci l de se tratar do que no contexto atual. Con forme o Outro vai 
i n tervindo, vão sendo produzidas di ferentes conseqüências , i nclusive na 
demanda de tratamento. 
Antônio Quinet: Queria participar dessa discussão sobre a abs­
tinência, já que, a meu ver, nós temos de tentar formalizá-la. Porque a 
abstinência existe! Acho que não podemos negar que ela existe, ela é uma 
vivência subjetiva e, com determinadas drogas, acompanha-se de uma reação 
fís ica. O que a gente pode dizer é que sempre há uma vivência subjetiva de 
uma abstinência, até·com o cigarro. Talvez um cri tério, que pudesse servi r 
de orien tação, seria a possibi lidade ou não, de poder fazer vi r coincidi r 
aquela falta com a simbolização daquilo que estruturalmente falta, por exem­
plo, no neurótico. Fazer coincidi r aquele objeto, que ,de uma certa forma, 
é um objeto tamponador, que faz falta, com o - q> da castração, que faz 
parte da subjetividade do neurótico e que ele tenta negar o tempo todo. 
Temos , então, a falt_a da droga e a falta estrutural da castração. 
Porque a questão da abstinência não é apenas uma questão do 
luto, ou seja, uma questão de fazer coincidi r as duas faltas, uma vez que 
ela aponta também para a difi culdade de se abandonar uma satis fação, 
um gozo que já se experimentou. Freud mostra que diante da di ficuldade 
de abri r mão desse gozo, a gente geralmente acrescenta outros ! 
Para o psicótico, acho que a questão não é tan to a de fazer 
coincidir as duas faltas, mas refere-se àquilo que condensava ou poderia 
condensar um gozo para ele, a droga. Se na abstinência a droga não está 
presente, ou seja, se o psicótico n ão tem mais aquele objeto que poderia 
vi r condensar o gozo para ele, pode ocorrer um retorno desse gozo sobre 
o próprio corpo. 
E é claro que também a falta da droga, não no âmbito do gozo, 
mas no âmbi to do s imbólico, faz levantar a questão sobre a queda de um 
suplência, que, às vezes, aquilo pode ter s ido uti li zado pelo sujeito. De 
qualquer forma, uma clínica da abstinência, a parti r da ps icanálise, seria 
algo importante de se pensar. 
Sônia Alberti : É interessante, a parti r da fala do Quinet, a 
gente pensar de n ovo a qu�stão na ps icose, porque realmente não há 
esse luto da perda na psicose, u ma vez que efetivamente o objeto não se 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ----------
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separa na psicose. Portanto, não vai haver nunca o l uto da perda que 
ocorre na neurose. Por isso , na psicose, a crise de abst inência, neces­
sariamente, não vai ser percebida, sentida e vivenciada como na neurose. 
Fernando Grossi : Queria entrar nesse debate. A teoria da abs­
t inência ,que a ciência tomou como modelo, é , fu ndamentalmente, uma 
teoria produzida pelos pacientes, que se transformou em uma certa téc­
n ica de como tratar. Então , a pr imeira conseqüência, a partir do interesse 
da ps icanál ise, é de que a questão da abstinência tem que ser um con­
sentimento do sujeito,fruto de alguma impl icação ou elaboração subjetiva. 
I sso é fundamental ! Prescrever, impor uma absti nência para o suje ito é 
jogá-lo ao encontro das forças que o empurram a se d rogar. A c l ínica tem 
demonstrado os desastres e as passagens violentas ao ato, segu idas de 
morte, a partir desse fato. O exemplo c l ínico mais famoso é o Kurt 
Cobain33 , que foi internado em uma c l ínica para desintoxicação, em Los 
Angeles, a partir de toda uma p ressão do grupo, da famíl ia . E le diz ia que 
i njetava heroína, porque sent ia , por dentro , uma profunda dor e que a 
heroína o acalmava. Foi internado, forçou-se a abst inência e quando e le 
saiu , a overdose fo i fatal . 
Ocorre, mesmo no campo da neurose, um rechaço fundamen­
tal do sujeito em produzir alguma questão a partir do seu sofrimento f ísico 
ou dos fenômenos de abst inência. Não é à toa que a cl ín ica da abstinên­
cia remonta à toda uma propedêutica médica, curativa, de tratar isso sem 
nenhuma elaboração. Não é à toa que também há pessoas que estão 
alcool izadas, sentindo uma série de fenômenos e que falam: "não, eu não 
bebo, eu não tô fazendo nada". 
Deveríamos então pensar qual é o papel da abstinência na eco­
nomia subjetiva? Ou melhor, qua l é o papel desse corpo que sofre na 
economia subjetiva? Sabemos que, às vezes, uma intervenção ou mes­
mo um tratamento um pouco precipitados - onde o suje ito não produz 
nenhuma elaboração subjetiva - levam rapidamente o sujeito a dizer que 
"está bem", que "não tem mais nada para falar'' . Com isso, perde-se a 
oportun idade de uma construção com o suje ito , quando e le ir ia u m 
pouquinho além desse momento cl ínico. 
Transcrição: Maria Wilma S.de Faria 
Estabelecimento: Oscar Girino. 
31 Kurt Cobain ( 1 967-1 994) . Guitarrista e vocal ista da banda norte-americana Nirvana, 
que ingeriu grandes qtfantidades de heroína e se deu um tiro na boca. 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ----------
2 
- � . ::..�- . . ·,. · �·· 
OFICINA CLÍNICA: 
ADO.LEfÇ.�NCIA E TOXICOMANIA 
f' 
Casos clínicos: Maria Wílma S.de Faria e Cleyton S.Andrade 
Debijtedora: Sônia Afbertí 
Coordenàção: Oscar Girino 
OFICINA CLÍNICA: 
ADOLE/CÊNCIA E TOXICOMANIA 
O IMAGINÁRIO E A ADOLEJCÊNCIA 
Maria Wilma S. de Faria 
Trago para discussão o caso de um adolescente de 17 anos, 
que vem encaminhado por um Centro de Saúde, com história de uso de 
bebida e depressão. 
Na primeira entrevista, o que surge, e persiste ao longo do tra­
tamento, é a constante queixa de estar deprimido, desanimado, sem 
conseguir ver sentido na vida e nas coisas que o cercam. Queixa-se 
mu ito do pai, que não o entende, que o controla e exige demais. A mãe, 
segundo relata, desistiu dele. Diz que encontra na bebida uma forma de 
se sentir bem, alegre, feliz, e que seu maior desejo é ter uma vida normal, 
onde se sinta com algum valor. Fala ainda da vontade que tem de morrer 
e chama a atenção a seguinte frase: "Às vezes dá vontade de fazer uma 
besteira, como matar toda minha família". 45. 
1'. 
São recorrentes também as dores no corpo, na barriga, no lado �;;-,f 
direito do peito. Insiste muito que precisa se tratar, tirar um raio X, e 
queixa-se de que ninguém liga para suas dores. Apelo esse que, escuta-
do pela analista, traz como conseqüência um encaminhamento para a 
clínica médica (é medicado com Benerva, Complexo B e Psicosedin). 
Coloca também a grande dificuldade de se relacionar. Na esco­
la achava os colegas arrogantes, ninguém ligava ou gostava dele. Acabou 
se aliando a um colega que tinha problemas, começaram a beber e a 
aprontar. Ao levarem bebida para dentro da escola, foram expulsos. Na 
escola atual, costumava beber antes de ir à aula e, para "aparecer'' frente 
aos colegas que o desafiavam, agarrava as meninas na porta, subia um 
muro de 20 metros e ficava deitado olhando o céu . Tais atos faziam com 
que se sentisse o máximo. 
Uma semana após o início do tratamento, chega contando es­
tar muito mal, "queimei a Bíblia, invoquei o diabo e o satanás, matei um 
coelho . . . " Ao responder mal à supervisora, foi suspenso por 15 dias da 
escola. A diretora marca uma reunião com os pais, e ele acha que será 
sugerida uma internação. Nesse momento é indicado o Núcleo de Aten­
çãÕ-Ps1ê:'ossocial (NAPSfpor 15 dias e solicitada a presença dos pais. 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
Quem se apresenta é o pai , magro , f ranzino , de aparência 
f rag i l izada. Revela que seu casamento é um fracasso e que ainda não 
havia se separado por causa do paciente. Coloca haver uma grande riva­
l idade da esposa em relação a uma i rmã paterna. Tal fato é confi rmado 
pelo paciente, sob nova versão : "Minha mãe gosta de meu pai, mas 
morre de c iúmes dele com uma i rmã. Minha tia é doente, deprimida, já 
tentou su icídio e sempre atrapalhou a nossa vida, chamando meu pai 
para ajudá-la ou para afastá-lo dos problemas lá de casa. Meu pai é o 
g rande culpado pelos nossos problemas, eu acho que meu pai não gosta 
da minha mãe. A minha mãe é boa. Eu tenho dó dela". 
A dinâmica fami l iar é , no mínimo, curiosa. O pai com grande difi­
culdade adquiriu dois aptos de 3 quartos. Em um dos apartamentos mora 
com a esposa, o paciente e a irmã de 1 9 anos dividem um quarto e o terceiro 
quarto é alugado. No outro apto, o i rmão e a i rmã mais velhos dormem juntos 
e os outros 2 quartos são alugados. O paciente gosta muito do irmão mais 
velho: "Antes eu queria ser amigo dele, queria que me notasse, hoje eu gosto 
de provocá-lo, de deixá-lo com raiva. Ele não me convida para nada . . . " 
Toda a famíl ia do paciente é crente, leva a rel ig ião muit íssimo a 
sério . Isso traz um grande confl ito para o paciente, pois sente-se confuso 
e angustiado, com grande culpa pelo que fez no passado: q ueimar B íb l ia, 
pactos com diabo, morte e tortura de pequenos animais, bem como be-
46 ber o sangue desses para consegu i r, em troca, força, d inhe i ro , mulheres, 
·-�e,:;;,,- saúde. Fala que isso é uma g rande confusão, pois caso acred ite no infer­
no, frente a tudo o que fez, a l i seria seu lugar. 
A bebida e o cigarro são colocados como instrumentos de aces­
so a um g rande prazer e como forma de des in ibição f rente aos outros . 
Durante sua permanência no NAPS, comenta que a mãe o está 
tratando melhor e é observado que a atenção que lhe é dispensada refere­
se a cuidados em relação ao corpo: oferta de le ite, chá, vaporização 
quando gripado, etc. 
Quanto ao pai , d iz que tem horas que não g osta dele , da cara 
de tristeza que o pai tem, de sua acomodação e de que tudo está ru im 
em sua vida. "O p ior é que me acho igualzinho a ele . . . " 
Na medida em que se aproxima o seu retorno à escola, as quei­
xas somáticas acentuam o desânimo, a depressão e a dif iculdade de en­
frentar todos. Pensa em adiar seu retorno, pede para f icar mais tempo no 
NAPS, o que não é autorizado. Acaba freqüentando a escola por pouco 
tempo, pois, um dia, ingere vários comprimidos do pai , vai à escola e chuta 
cadeiras. Afi rma: "quando faço coisas erradas me sinto bem . . . " Comunica­
me que o pai achou melhor ele não retomar os estudos nesse ano. "O 
. . . . ç9.légio nãQ presta, .só tem maus alunos, os bons não l igam para mim". 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
É sempre assim que se coloca frente ao Outro, como vítima, 
infeliz, desprovido de qualquer valor, tentando de qualquer maneira ser re­
conhecido. "Só eu fazendo alguma coisa errada para ter alguma atenção . . . " 
Cabe ressaltar a sua relação com o corpo. Morre de vergonha 
de ser tão magro, embora coma bem, não engorda uma grama. Sente-se 
feio, se isola. Chega a pedir ao pai para entrar em uma academia de 
musculação, mas não consegue levar adiante seu propósito. 
Quanto às mulheres, não consegue se aproximar delas, sente­
se envergonhado e inibido, embora tenha desejos de fazê-lo. Dois episó­
dios chamam atenção. Após ser encaminhado para uma cirurgiade 
f imose, torna isso público aos pacientes do NA PS. Rapidamente trans­
forma-se em objeto de chacota e ao ser ridicularizado frente a uma paci­
ente linda e que admira, cai doente, dois dias de febre. Outra situação 
semelhante acontece ao tomar conhecimento que Roberto, o único ami­
go doidão que tem, está namorando. Esquiva-se de ser apresentado à 
moça e novamente cai doente. 
Esse grande amigo, três meses antes, havia feito um pacto de 
amizade com ele, quando beberam sangue de coelho, saíram, passearam 
e tomaram cerveja. Esses episódios, envolvendo pactos e sacrifícios, são 
descritos com certa indiferença. Parece querer causar um certo horror na 
analista e não trazem muita implicação por parte do paciente. O paciente 
faz uma passagem ao ato também. Em um domingo relata estar tão mal, 47 
sem ter o que fazer, deprimido, que resolveu fumar um cigarro atrás do outro. ·-,-,,,,· , ,. 
Depois se queimou duas vezes com cigarro, bem como a pata de seu gato. 
Há no mínimo uma certa estranheza em tais atos. De que or­
dem seriam? 
Ao fazer 1 8 anos, chega contando que tudo melhorou, ficou mais 
alegre e animado, pois foi levado por um paciente do NAPS a uma casa de 
prostituição. Diz que foi só entrar na zona e olhar as mulheres que tudo se 
modificou. Relata que passou a pensar no sexo como aconteceu com o 
beijo. Antes, achava que se beijasse uma garota, o mundo seria diferente, 
deu o primeiro beijo e continuou o mesmo. Imaginava que com o sexo isso 
também poderia ocorrer. Dessa forma, adia sua primeira experiência sexual. 
Mas as coisas continuam no mesmo lugar, ou seja, queixas de 
que nada muda em sua vida, tudo continua ruim. Relata interrogar a mãe 
sobre por quê ela não escolheu um homem rico para ser seu pai, por quê foi 
nascer e qual o sentido de sua vida. Questiona também a Deus, o sentido de 
sua existência, pois acha que nacfa é normal: além de ter maus pensamen­
tos, apresenta um corpo fraco e doente, acha até que terá cirrose. 
Em uma discussão em casa, após ter se apresentado bêbado 
na casa do outro amigo que tem (e que é careta), se desentende_,Ç,Q.,m. .Q...., , , -,., .,.�_ · . . _., , 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
pai , que sai de casa e troca de lugar com a i rmã mais velha do paciente, 
que tem grande ascensão junto a ele. A partir daí começa a ter constan­
tes discussões com a mãe, a reivindicar atenção por parte dela, o que 
leva a i rmã a chamar a pol ícia para e le . O paciente mostra-se perplexo, 
sem entender o motivo desse apelo da i rmã à polícia. 
Após um ano de tratamento, aparece algo da ordem do afeto por 
parte do paciente. Nas últimas sessões ele tem chorado. Horroriza a famí­
lia dizendo querer comprar uma jaqueta preta, uma bota, um crucifixo para 
o pescoço e dormir em um caixão. Traz lembranças de ter sido depreciado 
pelo pai que o chamava de bastardo, cabeça de abóbora e burro. T raz uma 
pergunta di rig ida a esse pai: "Ele nunca abraçou nem beijou a minha mãe, 
como é que eu posso não ter vergonha de uma mulher?" 
E diz que aos 13 anos passou a ter interesse por tudo que o 
diabo gosta: Pink Floyd, Black Sabbath, Ozzy. I sso o levou a decidi r que, 
em sua vida, se não fosse por bem, ia ser pelo mal P beber, fumar, fazer 
pacto com o diabo, sacrifícios, para consegui r o que queria. 
Traz ainda uma lembrança. Na 4" série, ao fazerem o estudo do 
corpo humano, o professor pediu para que ele fosse à frente da turma e levan­
tasse a camisa para verem o que era um esqueleto, uma caveira, de verdade. 
PERCiUNTAf QUE JE ABREM 
O que à primeira vista nos fez pensar em um caso de neurose 
h istérica, ao longo do percurso, foi trazendo questões que nos remetem a 
uma ordem outra. Vejamos pontos a serem discutidos que se, por um 
momento, nos fazem pensar em fenômenos típicos da adolescência, em 
outros nos trazem perguntas quanto à estrutura: 
1) Houve pouquíssima mudança de posição desse paciente em 
um ano de tratamento. 
2) Trata-se de um sujeito que não consegue fazer laço social 
fora da família. 
,; · 
3) A mãe só aparece para cuidar de um corpo doente - não 
f ica claro o lugar que o paciente ocupa no desejo da mãe. 
4) Há um hiper i nvestimento no corpo, próximo à h ipocondria. 
5) Frente ao outro sexo, o paciente apaga, f ica de cama. 
6) Parece tratar-se de um sujeito apragmático, onde o Outro, a 
família é quem cuida. A impressão que dá é que se não fosse 
a família para cuidar, esse sujeito cairia. Ele não acredita que 
possa qualquer coisa, não há um ideal, nada que o leve para . , . 
frente. 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ----------
7) Em relação ao pai, há uma identificação imaginária : corpo 
magro, apático, desanimado, cara de triste. Trata-se de um 
pai que se demite de sua função, não intervém no real. A lei 
do desejo estaria mais do lado do diabo com quem o sujeito 
pactua, bebendo sangue e fazendo sacrifícios, o que apon­
taria em direção a um gozo solitário. 
8) Poderíamos pensar, então, que deitar no caixão, como um 
esqueleto, seria da ordem de uma identificação ao morto? 
COME NTÁRIO /OBRE O CAIO 
Vanilda Castro 
"A droga como função separadora do outro parental" 
Segundo Freud, "a afeição infantil pelos pais é, sem dúvida, o 
mais importante dos vestígios que, reavivados na puberdade, apontam o 
caminho para a escolha do objeto . . . " 1 
É notável o percurso do adolescente tendo a droga como parcei­
ra em condutas transgressoras da lei, nas quais busca incessantemente 
o "olhar do outro". Dessa forma, põe à prova a lei, chegando a interrogar, 
em atos, os próprios fundamentos da lei. Até onde se pode ir, sem morrer? 
Nessa travessia, nos seus atos, busca "provocar'' o outro, ob­
tendo assim a satisfação do reconhecimento de sua existência. É claro, 
que há uma "negação psíquica" de assumir-se enquanto sujeito, de 
arcar consigo mesmo, de fazer finalmente o corte edipiano. Para tanto, 
o álcool lhe propicia isentar-se desse compromisso, já que lhe oferece 
subsídios de prazer e felicidade. 
O adolescente, em questão, mostra-se fragilizado, com auto-es­
tima arruinada. Pode-se identificar que houve em seu processo de desenvol­
vimento infantil uma inscrição negativa da figura paterna. Explicando a forma 
como se vê, constata-se que no processo identificatório infantil houve falhas, 
que agora vêm desencadear esse processo mortífero no qual se encontra. 
Em meio a conflitos revividos pelo adolescente: separação/ per­
da do objeto, e não tendo condições psíquicas remotas de vivenciar posi­
tivamente esse processo, a droga cumpre esse papel de ponte de passa­
gem, anestesiando quando do surgimento da angústia. V ive-se assim o 
paradoxo: prazer X dor. 
1 s. Freud, Três ensaios sobre a sexualidade , p .21 5. 
Ps1côncos E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
49 _ .'. ' 
"A droga é o instrumento que suporta a metaforização do outro 
paren tal a partir da eleição de novos ideais . .. "2 
Concluindo, a droga tem a função de se constitu ir como recur­
so, como suplência ao Nome-do-Pai que não funciona. 
Bibliografia 
ALBERT! , S. Adolescência e d roga: um caso, in : BENTES,L. e GOMES, R. (orgs) O bri lho 
da ( in)fel icidade. Rio de Janeiro: Contracapa, 1 998. 
FREUD,S. Romances Familiares. l n : ESB. Rio de Janeiro: Imago, vol . IX 
___ . Três Ensaios sobre a Sexualidade. l n : ESB . R io de Janei ro : Imago, vol . V I I 
LECOEUR, B. O homem embriagado. Belo Horizonte : CMT-FHEMIG , 1992 
OLIEVENSTE IN ,C . A clín ica do toxicômano. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989 
DEBATE 
Sônia Alberti : Trata-se de um caso riquíssimo, que vem sendo 
atendido há dois anos. Se entendi bem, esta é a segunda vez que você, 
Maria Wilma, o apresenta. Enfim, tem todo u m contexto. Uma questão já 
apontada sobre a droga no comentário da Vanilda, o qual -deveríamos 
relativizar um pouco, tal como você o fez, quando disse que, na realidade, 
é u m sujeito que não é um drogadicto, pois ele, ao contrário, lança mão 
da cerveja, buscandoum auxílio, para fazer determinadas coisas. 
A questão do diagnóstico na adolescência é complicadíssima, 
porque a psicose na adolescência - psicose mesmo - só fica clara, na 
minha experiência, quando se trata de esquizofrenia. Esta, historicamen­
te, como sabemos, foi designada como demência precoce, ou seja, algo 
que aparece precocemente, na adolescência. Inicialmente, inclusive dita 
hebefrenia, ou seja, doença da juventude .. . da adolescência. 
Bem, não me parece tratar-se de um caso de esquizofrenia ... 
de jeito nenhum. Acho que daí sua questão: no início parecia u ma histe­
ria, mas e agora depois de tantas coisas que eu escutei, como é que a 
gente pode pensar este caso? 
Concordo com a aposta na hipótese de histeria, mas vamos aos 
poucos. Esse paciente vem encaminhado pelo Centro de Saúde, como um 
caso de alcoolismo e depressão? Eu não sei bem como vocês aqui diag­
nosticam alcoolismo, mas beber três cervejas ... isto é alcoolismo? 
2 Sônia Alberti . Adolescência e droga : um caso, p . 1 32 
Ps1cóncos E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ----------
Maria Wilma: Acho que na verdade o encaminharam porque não 
sabiam muito bem o que fazer com ele, e já que ele bebia um pouco, enca­
minharam-no para cá, um centro com especialistas em álcool e drogas. 
Sônia Albert i : A primeira co isa que aparece é essa questão 
que ele traz dos pais. Está no primeiro parágrafo e acho que é algo que 
permeia todo seu texto , o que é bastante interessante porque volta à 
questão dos pais na adolescência. Está claro no primeiro parágrafo: "quei­
xa-se mu ito do pai , que não o entende, que o controla e exige demais. A 
mãe, segundo relata , desisti u dele" . Quer d izer, da maneira como inicial­
mente é colocado, há um pai bastante exigente e uma mãe que o largou . 
É interessante que seu primeiro movim<�nto então é de mandá-lo para ter um cuidado materno - encaminhando-o para o clínico geral - e ele o 
amamenta com Benerva, Psicosedin e Complexo B. Depois, há outras 
queixas - gripe - e a mãe oferece a ele leite, chás, vaporização. Enfim, 
há aí alguma coisa desta idéia que a gente tem da função de mãe, que é 
a de ficar dando leit inho e coisinhas na boca. E ele, efetivamente, passa 
a receber as coisinhas na boca. Ou seja, há alguma coisa que responde 
imediatamente à demanda dele. 
Por outro lado, aparece muito claramente no seu relato - mu ito 
bem constru ído -a questão do pai dele. Esse pai é alguém que não o 
entende, o controla e exige demais, ou seja , ele exerce , mal ou bem, 
uma função de pai na história. Surgem, então, duas questões. A primeira 5 1 . ' 
diz respeito ao lugar da mãe em relação a esse pai e a segunda refere-se 
ao lugar da irmã paterna queixosa e doente, que, segundo relato do paci-
ente, interessa mais ao pai do que o que está acontecendo em sua casa. 
É mu ito impressionante a gente ler, ao longo do texto, como ele 
se coloca neste lugar de doente, de vítima, de deprimido . . . de "Zé do 
Caixão". É o Zé do Caixão. Será que poderíamos pensar que esse sujeito 
está, de alguma forma, tentando ocupar esse lugar tão investido pelo pai? 
Ou seja, ele se identifica com o pai s im, mas se i dentifica, sobretudo, 
com esse lugar de vít ima, de deprimido, de doente , de esquelético . . . de 
Zé do Caixão. Lugar que ele acha que é onde o pai quer que ele esteja, 
objeto de interesse desse pai . 
Acho que estamos diante de um contexto absolutamente edípico. 
Tá certo que é um Édipo negativo, mas um Édipo com todas as letras, 
como entendido por Freud, ou seja, algo que tem a ver com o lugar que o 
sujeito ocupa na fantasia edípica . Assim, na relação com o pai ele se 
identifica com o lugar das pessqas vitimizadas. 
Maria Wilma traz uma questão bastante importante, quando 
comenta no final de seu texto, na questão 7: "em relação ao pai há uma 
identificação imaginária: corpo magro, apáti�?! desanimado, cara tri�!e. 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES P O R QUE S E DROGAM TANTO? ---------
Trata-se de um pai que se demiti de sua função e não intervém no real" . 
Diria que ele até "ti ra o corpo fora", li teralmente, vai para um outro aparta­
mento. Aliás esta constituição familiar é mui to engraçada. Não sei se 
você, Maria Wilma, chegou a tentar investigar isto um pouco melhor: por 
que cargas d'água essa família tem dois apartamentos, cada um com 
três q uartos, que são, na realidade, ocupados, só que em duas casas 
di ferentes? Quero dizer, a família ocupa exatamente três quartos, mas 
em dois apartamentos e os quartos que ela não ocupa são alugados. É 
mui to esquisito! Eu investigaria isso um pouco . . . sei lá o que se passa na 
cabeça desse pessoal. .. mas que é engraçado, isto é. 
Estou de acordo, quando você diz que há uma i denti ficação 
imaginária com o pai , com esse pai que tem a gestão dessa coisa engra­
çada. Mas você também faz referência ao diabo e eu me lembrei do pintor 
Haizmann, citado por Freud3 . Trata-se de um texto fundamental para pen­
sarmos a questão da função do diabo na economia desejante do sujei to. 
Nele, Freud mostra, com todas as letras, como o diabo assume a função 
de pai . O diabo é o pai . Você diz que ele faz pactos - "toda a família do 
paciente é crente, leva a religião mui tíssimo a sério" . Bem o que vemos: 
uma família, que provavelmente tem Bíblias em casa, mas que não faz 
uma série de coisas. Ele, ao contrário, vai e faz o q ue a família não faz, 
mas no mesmo diapasão, não tem nada de di ferente: ele está, absoluta­
mente, dentro das referências dessa família. Só que ele é a coroa e não 
a cara da família. Então se essa crença toda da família não é suficiente 
para sustentar a função simbólica do pai - que é o que a gente pode 
pensar, pois a vida em conjunto dessas pessoas deve ser bastante com­
plicada - o que o sujeito faz? Ele vai buscar outra face dessa mesma 
moeda .. . vai buscar o diabo: "quem sabe se eu, fazendo um pacto com o 
diabo, não consigo, por exemplo, conquistar e beijar uma mulher? Por­
que nem beijar uma mulher meu pai consegue". 
Então, até que ponto que esse pacto que ele faz com o diabo -
e para o qual,às vezes, lança mão até de amigos, pois deve ser m ui to 
difíci l para ele beber sangue de coelho e coisas assim - não diz da busca 
de uma força para inquiri r esse pai diabo? Estamos diante de um Fausto 
brasi leiro, que busca fazer um pacto que lhe permita chegar a ter mulhe­
res, dinheiro, saúde, ou seja, passar a ser alguém a quem ele ideal iza. 
Esse é o ideal dele: um cara que tenha força, dinhei ro, mulheres e saúde. 
Bom, acho que todos os homens que são homens querem isso. 
3 Sônia refere-se ao estudo feito por Freud da história do pir.itor Christoph Haizmann ,no 
texto "Uma neurose demoníaca do século XVI I" ( 1 923) , publ icado no vai .XIX da ESB. 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
Parece-me então que estamos em um contexto evidente de 
referência ao pai. Fica a pergunta, no entanto, será que ele pode dele se 
servir? 
É muito interessante a gente pensar nessa relação, coelhos­
mulheres, alg uma coisa do Lanzer - ''tantos coelhos (ratos) que torturo 
por tantos beijos"-, vemos aí uma metaforização da equivalência sintomá­
tica clássica, tal como Freud a propõe em seu texto4 • 
Realmente, concordo que estamos no campo das tentativas 
das neuroses. 
Uma coisa que chamou a atenção da Maria Wilma foi o fato de 
ele se queimar. De vez em quando, isso aparece na clínica das neuroses. 
Espantamo-nos com isso, mas existe aí uma tentativa de condensar algo 
da ordem de uma autodestru ição, e isso não é estranho às neuroses, 
aparecendo, por vezes, como esses pequenos atos. Mas, mais uma vez, 
quero lembrar que um ato não indica a estrutura do sujeito. Uma conduta 
não determina se estamos no campo das neuroses ou das psicoses. Na 
realidade, o que determina é o que o sujeito fala disso, qual a relação do 
sujeito com isso q ue ele faz. 
Sônia Albert i : Maria Wilma, você pediu a ele para dizer por 
que naquela hora e le resolveu matar o coelho?Era algum pacto novo? si/{t 
Maria Wilma: Era o mesmo pacto: para ele conseguir mulhe- , ;;, ;,, :h� 
res e saúde. Agora.o que é curioso é que quando perguntei - "mas você 
acredita mesmo que vai conseguir, mulheres e saúde, matando um coe-
lho?" - , e le respondeu que acreditava, mas mostrando esse horror que 
você apontou. 
Sônia Alberti : Talvez, uma pergunta um pouco mais eficaz 
seria: "E aí, você conseguiu?" 
Maria Wilma: Eu já fiz e ele respondeu que não. 
Sônia Albert i : Ele deve duvidar de que consiga, mas,em al­
gum lugar, existe a necessidade de acreditar, de atribuir a crença ao 
diabo de que isto possa acontecer um dia. Porque como todo sujeito -
adolescente, adulto ou criança -, enquanto ele não puder se deparar com 
a castração do Outro, ele vai fazer um esforço sobre-humano para atribuir 
um poder ao Outro. É isso que ele está fazendo com o diabo - ele está 
• Sônia refere-se ao caso do Homem dos . . �atos .(. Ernst Lanzer), _que estabelecia uma 
associação entre o dinheiro e os ratos: "tantos florins, tantos ratos". Ver vol.X da ESB. 
P s1cóTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ----------
tentando se servir de le. Então, enquanto ele não puder assumir que o 
Outro é castrado, e le vai buscar atribuir uma completude ao Outro . Acho 
que a única forma de abalar esta crença "inacreditada", é a de poder, aos 
poucos, por outras vias, que não essas que são sintomáticas, começar a 
ajudá-lo a se deparar com esta castração do Outro . A partir daí, ele pode 
chegar um dia a dizer: "eu sou um tapado em acreditar que o diabo vai me 
ajudar a ganhar uma mulher'' . 
Fernando Grossi : Pelo pai estar no centro da questão desse 
sujeito, ele exemplifica muito bem a tese lacaniana de que um pai é 
merecedor de sua função, quando toma uma mulher como causa de de­
sejo. Esse sujeito vai lá e marca, precisamente, que esse pai não é 
merecedor de sua função, que é a de transmitir a castração . Um pai, 
para ser merecedor da função de transmissão da castração, deve tomar 
uma mulher como causa de desejo. Um segundo aspecto que me parece 
interessante, é que ele queixa que tudo está no mesmo lugar, que nada 
muda, que sua vida está ruim. Isso me faz pensar que esse sujeito não 
toma o falo como medida da felicidade. Isto é, os objetos que ele investe 
na vida - mulheres, dinheiro e carro - são investimentos fálicos da vida. E 
para ele ter acesso a isso, como Sônia disse, é necessário que ele faça 
um pacto. É necessária uma suplência para ele tomar a vida como uma 
medida fál ica. Daí, parece-me que esse sujeito oscila entre consentir 
com o falo, ao preço de um pacto, ou cai doente, deprimido . . . cai na 
bebida. A verdade é que o lugar para o sujeito cair é no significante. Isso 
é consentir com a castração, com o significante em ú ltima instância. 
Sônia Alberti: Acho ótimo isso que você lembrou de Lacan. 
Esse caso também exemplifica isso de uma outra forma. Pois no fundo, 
minha interpretação é que o que esse menino faz é colocar-se nesse lugar 
de objeto do desejo do pai; que é a mulher que interessa ao pai - a irmã do 
pai, a tia. Essa é a mulher que interessa ao pai, na fantasia do rapaz. Não 
sei nada do que acontece com esse pai, mas, efetivamente, há uma coisa 
incestuosa, que.em parte, observamos na conjunção geográfica da família, 
onde irmão mora com irmã, pai com irmão. Ele, o paciente, procura ocupar 
esse lugar do desejo que permeia esse caso. Quero dizer que o tempo 
todo ele, nessa história, está procurando fazer valer o desejo, o desejo do 
pai por uma mulher deprimida, suicida . .. Zé do Caixão. 
Marcos Baptista (NEPAD/RJ): Com relação à primeira pergun­
ta da Sônia: estaríamos mesmo diante de um caso de toxicomania? Eu 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
acho que s im . Acho que estamos d iante de um caso t ípico de toxicoma­
nia , por uma série de aspectos , que observamos na c l ínica. P rime i ro : é 
mu ito f reqüente observarmos, inclus ive graças ao g rupo mine i ro , essa 
d ificu ldade da transmissão do Nome-do-Pai , que percebemos na toxico­
mania. Segundo : nessa recorrência à toxicomania, pr incipa lmente no 
adolescente, é dif íc i l sabermos onde está o rito de passagem ou onde 
está a intrusão do Outro. Tercei ro : uma coisa t ípica que vemos nessas 
famí l ias , é justamente um certo pacto perverso, onde notamos que o pai 
não paga o imposto de renda, que os pais têm pouca mobi l idade social , 
que as fam íl ias não se dispõem ou �çstram g randes d ificu ldades em 
efet ivar uma modificação efetiva , quando entram em t ratamento. Essa 
confusão, que observamos mu ito nas toxicomanias, sobre qual é o lugar 
que o toxicômano ocupa, é muito destacada por terapeutas de famíl ia , 
particularmente da l inha s istêmica. Ass im , esses toxicômanos , às ve­
zes, se colocam no lugar do avó, do pai do pai do pai . 
Eu teria mais preocupação com esse menino, inclus ive porque 
podemos ver um certo tratamento que é dado a e le . Escutamos das mães 
de toxicômanos: "quando ele tá sem d roga doutor . . . e le é uma moça". 
Essa é uma frase mu ito comum; quer dizer, ele só é homem se se d rogar. 
Se pensarmos no retorno do recalcado, ele só será homem se d rogando. 
Eu teria bastante cu idado com esse menino . Estaríamos d iante, não sei 
se posso considerar ass im, de uma i ntrusão do Outro, via coelho . A gen­
te observa, especialmente nas crianças e adolescentes, esses peque­
nos fenômenos elementares, que eles contam como se fosse q uase um 
fenômeno pré-psicótico . Teria cuidado com essa toxicomania, no sentido 
de que e le já sabe que essa intrusão do Outro permite a ele gozar auto­
eroticamente . 
Sônia Alberti : Quando diagnostico neu rose, nesse caso, não 
quero dizer que não se deva ter cuidado com o caso . Ao contrár io , todo 
psicanal ista sabe como a neurose pode ser uma coisa muita g rave. O 
fato de ser neurose não é menos grave do que ser psicose. Eu também 
não ouvi ele falar de um gozo auto-erót ico, pode ser até que ele tenha, 
mas não o ouvi dizer sobre isso no que me foi apresentado. 
' 
Transcrição: Carla Silveira 
Estabelecimento: Oscar Girino 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
55 < . . -·: ·-:�i-'l.. 
. , • _ __ ;.;;,.;,cl 
MAi/ QUE U MA JIM PLEJ INDIFERE NÇA 
C/eyton Sidney de Andrade 
Um adolescente de 1 3 anos é trazido para o CMT pela sua 
mãe; já bastante abalada pelas inúmeras "aprontações" do filho. 
Neste caso, o acompanhamento ou o atendimento da mãe foi 
realizado durante todo o tratamento do filho, sendo considerado como 
algo imprescind ível para o desenvolvimento do caso. 
O filho, segundo ela, faz uso de maconha e,ocasionalmente,de 
cocaína. Não sabe se faz uso de outra droga. 
Vem observando uma mudança nele há, aproximadamente, 6 
meses, principalmente uma "indiferença". Já foi preso com drogas, leva­
do para casa pela polícia; ocasião em que revelou aos pais o consumo 
antes velado. 
Foi ameaçado de ser levado para um reformatório; não obstante, 
permaneceu sem se importar. Vale ressaltar que não é uma apatia, mas 
sim uma "indiferença". 
A mãe relata que o ex-marido faz uso de cocaína e só então 
fala que ela usa maconha moderadamente. Configura-se um ponto de 
angústia: ela que é de uma geração que fazia apologia às drogas - tanto 
que na faculdade tentou "apl icar" sua mãe no uso da maconha para que 
esta pudesse ver que "não era aquilo que pintavam" -, depara-se com o 
real da forma que seu fi lho relaciona-se com esse objeto . . . a diferença é 
nítida, se para ela a droga era apenas mais um entre vários objetos, para 
ele não! Algo claramente havia mudado: ou os jovens ou a droga . . . 
Apesar do filho ter crescido em torno de pessoas que usavam 
drogas, aposta que não houve uma influência direta. 
Uma segunda prisão do filho, por uso e porte de drogas, teve 
como resposta imediata uma atitude dos pais, e principalmente dela, que 
não mediram esforços para tirá- lo de lá o mais breve possível. Algumaimplicação dele, ou um susto? Absolutamente nada! Era como se tudo 
estivesse sob controle! Um acord'ó que fizeram com a Justiça precipitou­
os a procurar uma ajuda. 
O adolescente, na sua primeira consulta, procurou logo dizer a 
que veio: não dizer nada e nada querer saber ... Sem qualquer demanda 
de tratamento faz da frase "não tô nem aí!" seu principal emblema - como 
se fosse uma estampa de camiseta, uma marca de roupa ou a capa do 
ú l timo disco de sua banda de rock predi leta. 
Extremamente cínico; por pouco não tenciona o analista nos 
meandros da irri taçãÕ-ábsurda. "Não tê" nem aí!" não só é uma frase -
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
utilizada todo o tempo - como também o significante que ordena sua 
posição e regula sua relação com o Outro. 
Convido a mãe a entrar na sala, até mesmo para que presencie 
a atitude do filho, deixando de lado o furor curandis nutrido pelas falcatru­
as do "instinto materno", e depare-se com o fato da droga talvez não ser 
o principal elemento desta equação. A "indiferença" que ela mesma apon­
tara, rogava por ser lida de outro lugar. 
Enquanto a mãe procurava sensibilizá-lo, ele se ocupava de 
tentar ser ainda mais cínico e i rritante. 
I mpaciente com a demora da mãe no consultório, ameaça ir 
embora sem ela, joga o cartão de consultas no chão, saindo da sala. 
Constrangida, talvez por ter-me como espectador dessa cena, abaixa-se 
para pegar o cartão. Impeço-a de fazê-lo. Vou até o paciente na recepção 
e convido-o para marcarmos retorno. Já no consultório, para finalizar a 
marcação do novo horário seria necessário o cartão e é quando solicito-o 
naturalmente. 
Exatamente uma semana depois, recebo uma l igação da mãe 
que.paradoxalmente, justifica a ausência do filho nesta sessão, dizendo 
que ele foi preso novamente; dessa vez com uma arma de fogo do pai. 
Com o filho já na cadeia, endereça-me uma demanda: " o que que eu 
faço?" 
Preso pela terceira vez! A anterior com um espaço de uma 57 ; 
semana . .. quando será a próxima? ·,,.,,......;.� 
Procura saber quais argumentos e propostas poderia usar a 
fim de garantir que o filho não fosse transferido para uma espécie de 
"presídio de menores" em outra cidade. 
Frente à essa demanda, respondo: deixe-o preso! O que se 
pode esperar de um sujeito que tem a fé de que não precisa responder 
pelos seus atos? E que não há um Outro suficiente para desorientá-lo 
numa interdição? 
Naturalmente reluta. Mas vem a segunda surpresa: aceita a 
intervenção e decide bancá-la! 
Pouco depois o ex-marido telefona: "ele é um menino, se faz de 
forte, mas é muito frágil! " 
Tendo o conhecimento de uma cena que provocou horror na 
mãe: a permanência do sorriso e do cinismo mesmo atrás das grades; 
retorno-a ao pai com uma pergunta: como um menino de 1 3 anos pode 
ter a tranqüilidade de fingir que está bem e sorrir até atrás das grades? O 
silêncio do pai talvez revelasse sua surpresa diante daquilo que até então 
não havia escutado. 
Ficou por 3 ou 5 dias preso . Depois disso retornam ao CMT. 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
Um fascínio pela marg inal idade foi desvelado logo no início. Isso 
somado à indife rença exagerada fez-me i ndicá-lo para um acompanha­
mento paralelo com a psiquiatria. 
Antes do tratamento, incomodava-se ao ouvir dos amigos que o 
pai usava cocaína, mas insistia em considerar que isso não passava de 
uma menti ra. Naquela ocasião, o consumo intensificou-se. 
Uma outra coisa que o incomodava era a loucura de uma i rmã 
por parte do pai. Ela ficava a maior parte de tempo internada e, ocasio­
nalmente, passava alguns dias com eles . 
Sobre os pais, diz em uma sessão: "minha mãe é uma idiota, 
fala mas não faz". Pergunto sobre o pai - "ele nem fala nem faz" -, mas 
logo tenta curiosamente corrig i r (sua afi rmação ou o próprio pai?): " tem 
vezes que ele fala e faz!" . 
A mãe não economiza esforços no sentido de reenviá-lo à rede 
das relações sociais - cursos, práticas de esportes,etc -, mesmo que,por 
vezes, parecesse uma "internação cultural". 
Começou a trabalhar como ajudante de marcenaria em uma 
oficina na casa do pai. Em pouco tempo, ele que, inicialmente, era repre­
endido por sua mãe pela forma como vinha vestido às sessões, passa a 
vesti r-se melhor e traz algumas de suas novas conquistas: um relógio, 
depois um tênis que comprou com seu próprio dinheiro. Em outra oca­
sião, vem com um embrulho - uma calça dada de presente pela mãe -
trazendo, ao seu modo, alguns adereços da transferência ! 
Em meio à calmaria, um acting: com um dinheiro dado pelo pai, 
compra uma pedra de crack e é preso novamente . . . Ao contrário da ou­
tras vezes, demonstrou preocupação tanto com a reação dos pais quanto 
com seu futuro: "se quiser ter um emprego terei que ter a ficha limpa!". 
O horror, dantes sentido pela mãe, dá lugar a uma agradável 
surpresa ao ver o fi lho chorando. Lágrimas que rompem o silêncio da 
indiferença. 
O que poderia ser uma recaída opera como um momento de 
concluir. 
Volta a estudar e assume suas novas e antigas atividades até 
sua alt_a. 
Dando liberdade ao pensamento, alcemos vôo no tempo. Imagi­
nemos agora que estamos novamente no momento inicial do tratamento 
para só então acompanharmos algumas evoluções do caso da mãe. 
Ela e o ex-marido viviam numa disputa constante, mesmo após a 
separação. Quando ela colocava alguma proibição para o filho, logo o pai 
aparecia para contrapor, anulando seu ato. Uma boa conduta para a criação 
do filho ocupava um lugar secundário no "ringue" particular desse casal. 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ------- --
Apesar de ser uma mulher forte , esse enfrentamento deixava-a 
impotente, inoperante. Sob transferência, esse quadro se altera. As bri­
gas entre mãe e filho eram freqüentes e ela passou a intervir, mesmo que 
com violência, para conter o filho sem limites . Coloca-se uma pergunta, 
quando o enfrentamento com o filho torna-se uma luta corporal: seria uma 
intervenção ou agressão? 
"Ele precisa agora é de um pai e de uma mãe" , diz o analista 
tendo como efeito uma interpretação. 
Na sessão seguinte, chega falando que essa intervenção fez 
com que ficasse deprimida durante toda a semana. Algumas sessões 
depois dirá que chegou a sentir-se ofeJJdida e teve ódio. 
Mesmo com essa "depressão" produziu dois sonhos: 
a) Numa fazenda antiga, estava dentro de uma casa - também 
antiga - vê um cadáver que era um fantasma. Ela zomba, daí 
ele levanta e a persegue. Mas mesmo assim ela enfrenta-o. 
Faz uma associação, dizendo que é uma mulher forte que 
não tem medo de macho. Se for mais forte que ela, pega um 
porrete, se for preciso! 
b) Corria por uma estrada e um homem "que a queria" corria­
atrás dela em um carro. Ressalta que não corria dele, ape­
nas corria. Um amigo, que a chama pelo aumentativo de 
seu nome, disse que aquele homem era rico e que poderia 
fazer algo por ela. Com isso, volta-se à procura dele, mas 
não o encontra. Pergunta-se se ser mãe é ter dinheiro para 
poder comprar outra casa e mudar de cidade. 
O que é ser mãe? Era ou não uma mãe? 
Para o marido a relação nunca foi "Pai- Fêmea-Filhos", mas 
sim "Pai - Filhos e abaixo a Fêmea". Tentava interceder nessa relação, 
que chamou de edipiana, mas nada conseguiu. 
Começa a perceber que havia uma diferença entre ser mãe e 
ser "uma fêmea com um porrete na mão" , mesmo na ausência do "ma-
cho". 
Suas atitudes tornam-se atos cada vez mais precisos na con­
dução do filho. O ex-marido passa a ser interpelado com a mesma preci-
são. 
Ela mesma fala da transferência que a possibilitou descobrir 
que não poderia mais encobrir a falta do Outro. 
Ps1cóncos E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
59 .· · . 
·, , 
.. �!!"-�._... · 
A relação com o filho , assim como a relação deste com as 
drogas, passa por uma mudança surpreendente, com uma rapidez que 
nem ela - muito menos eu - esperávamos. 
Estando o filho afastado das drogas e sem os velhosou os 
novos amigos , ela passou a observar um certo isolamento, que começou 
a preocupá-la. Imediatamente prontificou-se a posicionar-se como uma 
suplência para esse lugar que ficara vazio. Foi importante a observação 
de uma diferença: as conversas, que vinha tendo com o filho, não teriam 
que vir como suplência das amizades, que ora faltavam a ele, mas sim 
como um facilitador de algumas elaborações. Algumas significações, que 
passaram a ser dadas por ele na "construção" de seus novos conceitos, 
obtiveram das palavras da mãe uma importante referência. 
O abandono do uso de drogas pelo adolescente, assim como o 
retorno dos seus investimentos para outras práticas sociais; demons­
trando os novos termos da sua relação com o Outro, puderam ser consi­
derados plausíveis para a autorizá-los a não mais freqüentarem as 
sessões. A mãe, que iniciara um trabalho de análise, por algum motivo 
concluiu que o percurso feito até ali havia sido suficiente. 
DEBATE 
Sandra M. Pereira : Temos um outro caso riquíssimo, que sus­
cita uma série de perguntas. Uma delas refere-se à questão da "alta", da 
cura. No CMT, somos, muitas vezes, chamados a falar sobre o que é a 
cura na toxicomania e na psicanálise. Por isso, seria interessante que o 
Cleyton desenvolvesse mais esse ponto. 
Este caso nos traz também alguns elementos típicos da ado­
lescência atual: é um jovem que usa drogas; que encontra na mãe uma 
mulher de fibra, forte; que cresce em torno de pessoas que usam drogas, 
inclusive os pais; que já foi preso agindo de forma grave, notoriamente na 
busca de uma direção, de um encontro com o pai. 
Diante de uma propost� de tratamento, este jovem, cínico e 
indiferente, atualiza sua posição subjetiva - "não tô nem aí" . Paralelamen­
te, surge a mãe; situação característica dos atendimentos de adolescen­
tes. Uma mãe que não sabe o que é ser mãe; que não sabe o quê a 
diferencia de uma fêmea ou de uma amiga. Uma mãe que endereça uma 
pergunta ao analista e a partir daí tudo muda: "o que eu faço?" Um analis­
ta que escuta, que intervém no sentido de apontar algo que nunca tinha 
sido escutado. 
Esses dois últimos pontos me parecem fundamentais para cons-
PSICÔT ICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
truirmos o pe rcurso dessa cura. Localizar o quê d a fêmea ofusca a mãe , 
para que esta possa viabil izar os significantes da refe rência paterna como 
modu ladores do gozo. Determinaram-se destinos dife rentes para dois su­
jeitos. Um sujeito adolescente ind iferente e cínico é, facilmente, excluído 
d as escolas , dos tratamen tos , dos programas .. . . Faz-se necessário, en­
tão, acolhê- lo da forma como se apresenta, por mais que seja d if ícil ; só 
ass im se rá possíve l faze r ope rar uma mudança de posição subjetiva. 
I nd iferente a quê? I nd ife rente a que m? A u ma mãe que não 
sabia o que falava; que falava, mas nunca fazia;que é "uma idiota"? A um 
pai que l he de u uma irmã louca; que cheira cocaína; que ne m fala, nem 
faz? 
A indife rença vinha configu rando-se , neste caso, como uma 
covard ia deste sujeito adol escente frente a seus impasses e decisões. 
Esse aspecto me fez lembrar da in tervenção bril han te de Sônia Alberti, 
na mesa de abertura, quando e l a indicava esta covardia no sentido de 
uma p reguiça. 
Fernando Gross i : O primeiro ponto d o meu comen tário d iz 
respe ito à questão de como retificar a satisfação pulsional , antes de advir 
a formação de um s intoma. Trata-se do debate freud iano no texto "Anál i­
se Te rmináve l e I n te rmináve l " . Parece-me que esse caso propõe isso d a 
segu i n te forma: há u m sujeito que se satisfaz decid idamente - "não tô 
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apelo, não há uma demanda de tratamento. Como bem d iz o Cleyton , ele 
se re laciona com o Outro, regula o Outro, através dessa ind iferença, apon­
tando algo sobre a questão de seu desejo no campo do desafio. Lacan , 
de certa forma, marcou a p ropósito desse desejo, que sustenta um de­
safio na relação com o Outro, como um certo traço de perversão. Lembre­
mos do modo como a jovem homossexual5 relacionava-se com seu pai. 
Não estou dizendo que o caso, relatado pe lo Cleyton, seja um caso de 
perversão. Essa modalidade é d ecidida e põe um problema. Daí, poder­
mos pe rgun tar: será que as inte rvenções pol iciais dão conta de re tificar 
algo dessa natureza? 
Um segundo aspecto, que gostaria de destacar, é o de que algo 
se modifica na relação desse sujeito com o social . H á u ma mudança e 
talvez possamos nos pe rguntar se essa mudança, na relação com o so­
cial , aponta para a passagem de uma posição de desafio a um ce rto 
s Fernando refere-se ao caso relatado por Freud em " A psicogênese de um.caso de 
homossexual ismo numa mulher'' ( 1 920). Ver vai .XVI I I da ESB. 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
consentimento. Esse suje ito consente em trabalhar, consente em com­
prar algumas coisas com o próprio d inheiro . Sua mãe parece, então, ter 
a lguma razão em querer oferecer a ele um certo campo de cu ltura, de 
inserção na cultura . Isso talvez nos mostre que, para a lguns segmentos 
sociais - por exemplo, o caso dos menores infrato res que, geralmente, 
não fazem uma demanda de tratamento - , deveríamos, antes de se ofere­
cer a lgum d ispositivo cl ínico, oferecer algo que viabi l izasse alguma troca 
do sujeito com o social . Ass im, no tratamento desse sujeito também 
está em jogo o manejo dos pais e a relação com o trabalho. Parece-me 
que essas três d imensões é que poss ib i l itaram a passagem do desafio 
ao consentimento com o social . 
Meu terce i ro comentário aponta para os incômodos desse su­
jeito . Onde e les se local izam? Seus incômodos são mu ito p recisos: " eu 
tenho um pai que usa cocaína; eu tenho um pai que fez uma fi l ha louca". 
Os incômodos desse suje ito passam, então, por essa relação com o pai . 
Gostaria ainda de destacar a função das recaídas. Ele começa 
o tratamento e na primeira recaída é preso. Na segunda recaída, ele é, de 
novo, preso. Daí, podermos perguntar: qual é o nosso papel no manejo 
das recaídas? Penso que a segunda recaída mostra que devemos inte­
grar as recaídas na cura . Por isso, a segunda recaída, nesse caso, é 
completamente d iferente da primeira. 
Meu últ imo comentário refere-se aos dois n íveis de intervenção 
do Cleyton . Talvez possamos caracterizar a relação do Cleyton com esse 
suje ito e , no in íc io, com a mãe, como entrevistas pre l iminares para que 
essa mãe consentisse com algo do anal ítico. Porque, de fato , a i nterven­
ção analítica que o Cleyton fez foi com essa mãe, que começou a produ­
z ir formações do inconsciente, começou a produzir sonhos, endereçados 
a ele. Certamente, essa mãe esteve atenta às i ntervenções do Cleyton : 
por exemplo, na questão do cartão ou na pontuação "deixa o menino 
preso". Tudo isso parece ter servido para que ela construísse algo da 
suposição de saber. 
Sônia Alberti : Acho esse ú l t im.o ponto , destacado pe lo 
Fernando, fundamental. Como é importante, sendo possível, integrar um 
trabalho com os pais no p róprio trabalho com o adolescente. Efetivamente 
essa senhora fez um in íc io de anál ise. 
Minha primei ra pergunta, que também já foi sugerida, tem rela­
ção com a "alta". Isso é p raxe aqui : que vocês dêem alta? Que h istória 
de alta é essa? 
Cleyton: A questão toda é a seguinte: ao ter abandonado a 
d roga, ao voltar a estudar e a fazer todas as suas atividades, e le não se 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ----------
mostrou muito mais interessado em vir. Como eles moram em u ma cida­
de do interior e a organização familiar t inha, de uma certa forma, se mo­
dificado, eles é que pediram, já que ele estava bem. Não fui eu quem 
disse: " você está de alta" 
Sônia: E não haveria a possibil idade da mãe, por exemplo, 
continuar a vir - nessa relação transferencial que ela fez com você - ,mesmo se o fi lho não viesse mais? 
Cleyton : Haveria s im, essa possibil idade existia, contei com 
isso e até esperava que ela fizesse essa demanda, mas sua decisão foi 
a de retornar para continuar as coisas que ficaram interrompidas em sua 
cidade, du rante o tratamento. ,r, 
Sônia: Gostaria de saber sobre o momento em que esse meni­
no começou a se drogar. Tem alguma relação com a separação dos pais? 
Cleyton: Não, os pais se separaram muito antes dele começar 
a se drogar. A separação não foi o que precipitou o uso em termos de 
tempo cronológico. Quando ele chegou aqui já usava há.aproximadamente, 
2 anos. Por que ele começou, eu não sei. Como eu disse, ele falava 
muito pouco e quando ele passou a falar mais - período que coincide com 
o momento de seu retorno de alguns dias na prisão - suas falas eram 
sem iníc io e sem fim. Eram colocações um pouco isoladas. Por exem­
plo, ele falou do incômodo de ficar sabendo que o pai usava cocaína e que 
ele não acreditava nisso ; falou da irmã que ·apareceu para passar férias 63 . . 
com eles e que isso o incomodou. Mas ele não falava muito mais, não '-��: 
desenvolvia quase nada a respeito desses pontos. De toda forma, já era 
bem mais do que o "não tô nem ar', do início. 
Sônia: Já comentei um pouco a questão da indiferença no 
caso da Maria Wilma. Este caso é um exemplo de como esta indiferença 
é uma "bela indiferença". A gente vê que, na realidade, a questão está 
toda ali; e é quando ele se dá conta dela e pode subjetivá-la. O paciente 
pode se implicar tão completamente na questão, a ponto de, realmente, 
haver uma importante mudança de posição subjetiva neste caso. 
Trata-se de um caso onde aparece a questão de uma mãe fálica: 
dita "forte", com "fibra" . Ela, no entanto , se queixa, como toda boa histé­
rica, de que as pessoas não dão a ela toda a importância que merece: o 
pai olha primeiro para os filhos; ela fica em último lugar. Ela não tem lugar 
j unto ao pai - o que é uma queixa típica da histeria - "eu não tenho lugar, 
ninguém me dá lugar'' . Evidentemente, para retomar a intervenção do 
Fernando no caso anterior, essà mãe é um objeto de investimento desse 
pai , a ponto de que, quando você escreveu que há brigas entre os pais 
com relação ao que o menino deve ou não fazer, V?.Cê escreveu que nesse 
ringue particular do casal acaba a criação do filho - que·fica em segundo 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
plano -, porque o que in teressa mesmo é o bate-boca entre um e outro. 
Temos o pai tentando barrar essa mãe, dar um limite para ela, mas como 
ela é 'forte", de "fibra", não deixa esse pai in tervir e dizer basta. Provavel­
mente esse pai, até hoje, deve ter uma "quedinha" por essa senhora, 
apesar dessa senhora achar que ele não liga para ela. I sso é muito co­
mum. 
Como disse no caso an terior, na adolescência é difícil fazer 
diagnóstico, porque a fenomenologia é, muitas vezes, espetacular, fan­
tástica, com milhões de fenômenos e realmente corremos o risco de ficar 
fascinados pelos fenômenos. A gente vê, nesse caso particular, que esse 
menino pôde fazer um trabalho, talvez não o trabalho todo da adolescên­
cia, mas ele pôde fazer um trabalho e por isso eu teria dificuldade - estou 
quase pedindo desculpas - em, novamente, diagnosticar uma psicose. 
Por mais que a gente veja que existem aí questões que, normal­
mente, na h istória da psicanálise, foram tratadas como da perversão - essa 
mãe fálica, essas coisas de atos sem limite -, acho que esse caso pode, 
sobretudo, nos servir para perceber que, por mais fantástica que seja a 
fenomenologia, não é isso que deve nortear o diagnóstico de um caso. É 
ouvindo o sujeito e dando lugar para que ele falar, que surge, no fim das 
contas, a posição dele, que era, como disse o Fernando, uma. posição de 
desafio. Isso é claro: ele passa a usar mais drogas, quando descobre, por 
exemplo, que o pai era usuário de drogas. Isso tem tudo a ver com o que eu 
falei, na mesa de abertura, sobre o sujeito tentar se separar dos pais. 
Temos uns pais muito liberais, que têm droga à vontade em casa - até a 
mãe fez a avó fumar -, é uma liberdade geral, pode tudo! Então, como é que 
esse menino vai ter uma posição sobre o que ele quer, diferente desses 
pais, se para esses pais pode tudo? Na verdade, ele tem que forçar a barra 
para se contrapor a isso de alguma maneira, e a maneira que ele encontrou 
foi chegar nisso e, inclusive, fazer a mãe se dar conta de que ela é uma 
mulher e não uma fêmea com um porrete na mão. 
Oscar Cirino: Sônia, �1ª0 precisa se desculpar de diagnosticar 
neurose, porque de fato nossa preocupação com essa oficina clín ica -
Adolescência e Toxicomania - não era discutir casos de psicose. A preo­
cupação era discutir a relação da adolescência com a toxicomania, i nde­
pendente da estrutura. 
Sônia: Mas eu acho importante a gente discutir a questão da 
estrutura. 
Oscar: Claro! Mas não precisa pedir desculpas porque você 
encontrou dois casos de neurose, como se houve.sse que ser diferente, 
em função do título da jornada - "Psicóticos e adolescentes: por que se 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ----------
drogam tanto? " Como eu disse na mesa de abertura, temos dois campos 
de investigação, que não têm, necessariamente, que sempre se encon­
trar. 
Cleyton: É interessante quando a Sônia afirma que a mãe é 
uma mãe sem limi tes , que precisa ser barrada. Você propõe uma nova 
lei tura dessa relação dos dois , desse par, porque, em relação ao f i l ho, 
quem estava completamente des l igado do que se passava era o pai. 
Quando a mãe colocava um limite, por exemplo - não pode andar de 
bici cleta - ela trancava a bic icleta, pai chegava, abria e liberava. Então, 
de repente, essa mulher que precisava de limi te na relação com esse 
h omem, era a que tentava se encarregar de colocar algum limi te para o 
fi lho. São curiosas essas duas pos ições, que, a princípio, são parado-
xais . 
Sônia: N a realidade ela bancava o homem, ela achava que ti ­
nha u m porrete bem maior do que o do marido. 
Pergunta: Com relação às medidas que a justiça determinou , 
você fala que ele foi p reso, já era a terceira vez. Você investigou se 
houve, nas outras duas prisões, alguma medida sócio-educativa? Por­
que parece, pelo que você descreve, que ele recebeu u ma medida de 
liberdade assistida, e parece que para ele teria que ser u ma medida de 
liberdade vig iada, não é? Mas não quero me ater a isso. -Quero te pergun-
tar se você investi gou , em outro momento, se havia tido alguma medida 
"'"� . . 
-.S .... -;i_\.
1 
do ju izado com relação a essas ações qele. 
Trabalho com adolescente infrator e a gente percebe que, em 
alguns casos, há o início de uma pequena reti ficação subjetiva no mo­
mento da apreensão. Mu ito trabalho é preciso ser fei to depois disso, 
mas é possível notarmos pelo menos algum espanto e começarmos a 
trabalhar a questão da relação com a justiça e com a própria drogadicção. 
Cleyton: Gostaria de lembrar que as duas primeiras vezes , que 
ele foi preso, foram anteriores à chegada dele ao CMT. A mãe já chega 
dizendo que tinha s ido preso duas vezes. Pela força que a família possu ía 
na cidade, na primeira vez, a prisão foi contornada - ficou aquela coisa de 
jog o de interesses, de troca de favores. Na segunda vez, houve uma ame­
aça - "bom se isso acontecer outra vez, vamos ter que tomar uma medi ­
da oficial" . E não houve nenhum início de qualquer possibilidade de 
retificação nessas duas vezes , porque ele mesmo ficou na indi ferença. 
Algo começa, realmente, a acontecer é depois da tercei ra vez, quando 
dig o - "deixe-o preso" - , talvez já demarcando um início de uma transfe-
rência. 
Com relação à medida adotada, eu, de fato, não me preocupei em 
procurar saber qual tipo de medida era, ·se liberdade assistidáou Vigiada. 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
Comentário : Parece-me que, diante da situação de uma mãe 
que limita e não limita, deum pai ausente, que contradiz o que a mãe 
tenta barrar, esse sujeito faz o apelo de um pai. A partir de minha experi­
ência de trabalho.dos relatos, que escuto no juizado, parece-me que ele 
faz o apelo a um juiz-pai, a um pai-juiz, algo da ordem da justiça, que 
consiga dar uma dimensão aos seus atos. Podemos pensar também no 
apelo ao pai-analista. 
Cleyton : É interessante notar que é onde os pais se fariam 
mais presentes no sentido do senso comum, ou seja, ir lá, não deixar 
que o filho fique preso, fazer toda força para liberá-lo - porque isso é coisa 
de pai e de mãe -, é onde eles menos inscrevem ou fazem algo operar. 
Essas medidas, que eles tomavam, passavam em branco para o sujeito: 
não havia então um pai e uma mãe. Temos uma contradição aparente. 
Sônia: Antes de encerrar, queria aproveitar para chamar a aten­
ção para essa pequena frase, quando ele diz que a mãe é "uma idiota" -
ela fala, mas não faz - e que o pai também não faz, mas que," às vezes" , 
fala e faz. Penso que esse "às vezes" é que faz toda a diferença, pois aí 
é onde, efetivamente, há o exercício desse pai para esse menino. 
Transcrição: Eloísa Helena de Lima 
Estabelecimento: /dália Valadares Bahia e Oscar Girino 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
3 · ·· · 
OFICINA CLÍNICA: 
P/J.COIE- E TOXICOMANIA 
,. 
Casos clínicos: /dália Valadares Bahia; Eloísa rle/ena de Lima, 
· Ana Regina Machado, Sandrçi Mara Pereira · 
l)ebatedór: Guy C/astres 
. Coordenàçãõ': 'Péfflando Gróssi 
OFICI NA CLÍ N I CA: 
PJICOJE E TOXICOMAN IA 
CAJO ALB ERTO 
ldálio Valadares Bahia 
Os problemas desse paciente, que atualmente está com 23 
anos, começam a se revelar no início de sua puberdade, por volta dos 12 
anos. 
Apesar da seriedade deles, só no ano passado os pais conse­
guem trazê-lo para iniciar um tratamento. 
Até a idade de 12 anos, portanto, durante sua infância, tudo se 
passava como se vivesse um conto de fadas, num mar de rosas. É a 
constatação que faço ao ouvir o relato de sua história por sua mãe. 
Era uma família perfeita. Os pais nunca brigavam, se entendi­
am maravilhosamente e esbanjavam carinho e atenção com os três fi­
lhos, sendo Alberto o mais novo. 
Os pais eram professores, profissionais competentes e respei- 69' J 
tados em sua cidade. A família era elogiada por sua harmonia e apontada ..,.,.,, ;;�, ; 
como exemplo pelos amigos . Os filhos não manifestavam nenhum tipo 
de dificuldade e viviam rodeados de bons amigos. 
A mãe era diretora de uma escola importante, muito dedicada 
ao trabalho, procurando sempre manter-se atualizada em sua profissão, 
freqüentando sempre um novo curso. Dizendo-se muito dinâmica, estava 
sempre executando alguma outra atividade, além da sua profissão. O pai 
era dentista e professor na f acuidade de odontologia. 
Certo dia o pai adoeceu e precisou ser submetido a uma cirur­
gia. Às vésperas dessa cirurgia, ao conversarem sobre decisões a serem 
tomadas em função da hospitalização, o pai responde de forma brusca a 
alguma pergunta da esposa. Ela se surpreende porque isso nunca havia 
acontecido antes. Fala da sua surpresa e diz que conversariam, quando 
ele se restabelecesse da operação. 
Brota uma suspeita de que o marido estivesse com outra mu-
lher. 
Quando voltam a conversar sobre isso a suspeita se confirma. 
Então, nesse momento. uma incisão cirúrgica se fez nessa 
redomaifhigfnária. 
Ps1cóncos E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
Dessa operação Alberto se colocou como resto . 
São fe itas algumas tentativas de sutura dessa ferida, mas e la 
não se curaria jamais. 
A palavra do pai, à qual se tentou dar a função de fio que pudes­
se amarrar esse buraco, se mostrou frág i l e sem valor. As mentiras eram 
freqüentes, a palavra do pai não sustentava mais nada. 
Faz-se outra tentativa de reparação, um outro lugar, outra cida­
de, afastando o pai do objeto de seu desejo. I nút i l , nada mais dá conta 
disso. 
A mãe se deprime, abandona todas as suas atividades, se dei­
xa f icar pelos cantos da casa - conforme suas palavras . 
Alberto, in icialmente , a acompanha n isso, identificando-se com 
a sua dor, mostrando-se s i lencioso e tr iste. Abandona os amigos, come­
çam as d if icu ldades escolares, não se interessa por mais nada. Em rela­
ção ao pai , demonstra ódio e o deprecia. 
Num momento seguinte procura outros relacionamentos, apro­
x ima-se de pessoas marg inais - segundo a mãe. Passa a sair mu ito de 
casa; com freqüência passa noites fora, sem dizer a n inguém onde va i ou 
com quem vai . 
A mãe está às voltas com sua dor ou , num outro momento, 
longe dos f i l hos , que deixara ao se mudar com o pai para outra cidade . 
Nesse momento, Alberto começa também a usar d rogas. Ma­
conha e cocaína, pri ncipalmente. 
Diante d isso, a mãe o leva para sua companhia . Medida que 
não traz nenhuma mudança. O uso de drogas e as amizades com garo­
tos que usam drogas continuam. 
Não escuta os pedidos e os conselhos da mãe. Não escuta 
nada. 
A mãe se sente perdida e sozinha para l idar com este proble­
ma. Ao entender que o problema são os amigos , e la decide pelo afasta­
mento , a lugando um apartamento em outra cidade - na capital - onde 
Alberto vai morar sozinho. Durante os três meses em que permaneceu lá 
não freqüentou a escola como e ra esperado. É levado de volta para sua 
companhia. 
Quando j ustifica a dif iculdade de i r à escola pela d istância de 
sua casa, sugeri ndo que um carro resolveria o problema, a mãe o com­
pra . Medida que também é ineficaz. 
Alberto continua taciturno quando está em casa, não fala com 
a mãe, fecha-se no quarto , não toma banho e q uase não se a l imenta. 
Não aceita nem pensar em tratamento e a mãe fica a espera 
d� �u,� ��ci�ão ou de seu .acordo quanto a isso . 
PstCÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
Em certo momento Alberto fala em matá-la e em se matar. E la, 
temerosa, decide mandá-lo para a companhia do pai que vol tara para sua 
cidade e morava com a outra mulher. 
Ele fica hospedado em um hotel , já que os i rmãos mais velhos 
trabalhavam em outras cidades. Fecha-se no seu quarto e as tentativas 
do pai de levá- lo à escola quase sempre são inúteis. 
No final do ano é aprovado pelos professores, que atendem um 
pedido do pai, do qual eram amigos. Assim termina o colegial , depois de 
inúmeras reprovações. 
O ódio pelo pai continua intenso. Mesmo assim acei ta fazer 
uma viagem a S. Paulo, na companhié! dele e de um i rmão. Vão visi tar 
uma feira de automóveis. Ao mostrar, à mãe, uma foto tirada nessa via­
gem, comenta: "olha a cara de assassino de meu pai". 
É este o quadro relatado na primeira entrevista, no in ício do ano 
passado, aqui no CMT. 
Nesse momento, Alberto quase não consegue falar. As pala­
vras saem arrastadas, os significantes não fluem, as pausas são longas, 
dando a impressão de que está perdendo o fio de seu pensamento, que 
ele,no entanto, retoma. 
Fala vagamente de suas dificuldades escolares, do uso de dro­
gas, da preocupação que vem dando a sua mãe. 
Mas, somente alguns meses depois desta primeira entrevista é ·· 
que retorna para tratamento. Nesse segundo momento me p rocuram no 
consultório. 
Aval iando as dificuldades desse paciente e levando em conta o 
fato de morarem em uma cidade distante, proponho um período de 
internação, logo no início do tratamento. Todos concordam. 
Fica então internado, durante, aproximadamente, 1 5 dias, numa 
cl ínica em Belo Horizonte. É medicado com antipsicóticos. 
Torna-se mais comunicativo; com certa desenvol tura para se 
relacionar com os outros internos, as palavras já fluem com menos difi­
culdade. Entra em contato telefônico com antigos amigos e com os ir-
mãos, coisa que há anos não fazia. 
Participa das reuniões em grupo, oferecidas na cl ínica, e escu­
ta com interesse as palestras sobre drogas. Demonstra que credita a 
causa de seus problemas ao uso de drogas. Procura compreender isso, 
fazer l igações entre o uso de drogas eos problemas da adolescência - a 
droga como fuga. 
Surge uma construção significante que vem se repetindo como 
um estribilho - a idéia de tirar o atraso - recuperar o tempo perdido . 
..:.:_ . ....;. . . , :.e. Talvez se refira, como sugeriu um colega, ao tempo de sua .. 
PSICÔTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
71 
. _ _ _ -.�. ;.;."';::..-
infância, ao recuperar, à maneira de Proust, aquela redoma imaginária, 
mui to mais que ao preparar-se para a vida adulta, ou a uma construção 
simbólica para se haver com ela, ou para reparar essa ferida narcísica 
pela via do simbólico. Possibilidade que, ao modo fálico, não lhe seria 
poss ível, supondo uma foraclusão do Nome do Pai. 
Assim, todas as suas tentativas de começar uma construção 
nesse sentido têm fracassado. Não conseguiu dar continuidade ao curso 
de violão, ao curso pré-vestibular, onde só foi a uma aula , à ginástica na 
academia, etc. 
Após a internação permanece morando em Belo Horizonte, com 
sua mãe. 
A continuidade do tratamento tem sido difícil, se recusa a vir na 
maioria das vezes. 
Certo dia se perde a caminho do consultório e só consegue 
chegar duas horas depois do horário. 
Ern outro, atendendo a meu chamado, vem ao consultório como 
saiu da cama, de chinelos , não penteou os cabelos nem lavou o rosto. 
Às vezes aceita usar a medicação, outras vezes não aceita. 
Tem-se mostrado menos hostil ao pai, e o relacionamento soci­
al, em alguns momentos, não é tão difícil. Consegue receber visitas em 
sua casa e conversar com elas. 
Continua o uso de drogas e fazendo novos amigos entre os 
usuários de seu bairro. 
Há alguns dias viajou para sua cidade, onde deve permanecer 
por mais de dois meses, não atendendo meu pedido para que adiasse, 
alguns dias, a fim de não interromper o tratamento agora. 
A mãe se mostra vacilante quanto ao tratamento. Decepciona­
se com o fato de não ter acontecido a mudança que esperava e não tem 
colaborado no sentido de fazê-lo respeitar os horários combinados ou 
quanto ao uso da medicação que vem se fazendo de forma irregular. Sua 
decepção tem feito ela pensar em desistir do tratamento e retornar ao 
interior. '/ · 
Mostra-se agarrada à idéia de que os problemas são decorren­
tes do uso de drogas e que seria suficiente afastá-lo delas. Motivo pelo 
qual, suponho agora, ela teria aceito a internação tão prontamente. 
Drogas que, no meu ponto de vista, vêm dando, a esse sujeito, 
a ilusão momentânea da recuperação da estabilidade imaginária perdida, 
na impossibilidade de uma construção delirante, numa aliança a seu re­
traimento libidinal em direção ao auto-erotismo. Retraimento indicado por 
Freud em seus estudos sobre o que chamou de Demência Precoce. 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
CA/0 JO/É 
Eloisa H. de Lima 
José compareceu para entrevistas no CMT em 1 993 . Nessa oca­
sião, encontrava-se com 26 anos. Queixava-se de problemas de saúde -
pulmão e coração - (hipocondria?) e da ocorrência de pensamentos ruins: 
doenças e morte. Dizia não conseguir ver nada de bom na vida. I n iciou o 
uso de bebida aos 13 anos de idade, tendo, também, usado, nessa oca­
sião, maconha e cocaína (inalada e injetável) . Substituiu as drogas pelo 
álcool , pois a bebida o aliviava dos seus problemas. O uso de medicamen­
tos, tais como Valium, Diazepam e Olcadil , também era uma constante -
"sempre fiz uso". Dizia não poder ficar sem remédio, pois ficava muito ner­
voso, pensando sem parar nos problemas, saindo correndo desesperado. 
Retornou ao CMT, em agosto de1998, relatando que havia mu­
dado de cidade há 3 anos; havia retornado para a cidade onde nasceu -
Pirapora - e lá continuou tratamento psicoterápico e psiquiátrico. O 
terapeuta, que o recebeu no CMT, encaminhou-o para avaliação psiquiá­
trica e para a psicoterapia. A avaliação psiquiátrica enfatiza a desorienta­
ção do paciente, suspeitando de um quadro delirante. Foi medicado com 
·Haldol , Tryptanol e Tegretol . 
Recebi José, para primeira entrevista, em setembro de 1 998. 
Apresentava-se muito confuso, com relatos de cunho, notadamente, 
persecutórios. José sugeria que não queríamos recebê-lo para tratamen­
to e que as pessoas na rua o estavam perseguindo. Nessa ocasião rela­
tava sintomas corporais sugestivos de percepção delirante:" o estômago 
se abrindo, se misturando com os outros órgãos". Falava em se matar e 
en fatizava seu hábito de planejar tudo antecipadamente (em pensamen ­
to). Queixa-se de ser importunado por estes pensamentos. Estava be­
bendo muito; o que dificultava o esclarecimento do quadro cl ínico. 
Retornou, em uma semana, relatando a ocorrência de novas 
crises -" fiquei escutando vozes saindo do motor do ônibus". Estas crises 
têm ocorrido quando José está em trânsito."O meu problema é que eu 
não sou bonzinho, todo mundo pensa que sou bonzinho, aprendi que 
tenho de ser bonzinho, mas, na verdade, eu sou mau, tenho pensamen­
tos muito ruins". Convido-o a falar sobre isso e proponho atendê-lo duas 
vezes por semana. E le n ão se dispõe. 
Na semana seguinte relata uma melhora: ficou sem beber e 
voltou a trabalhar. I nterrogado sobre os episódios de embriaguez e fenô­
menos apresentados, apon ta uma repetição - "já são conheciçlos 
meus";"vendia tudo o que tinha para beber, vivia caído pelas ruas". · · · 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
: . . '74 
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Nas semanas subsequentes o trabalho passa a ser o seu tema 
predi leto. Muito incomodado com a patroa -"é muito autoritária, é um 
sargento, uma mulher de barba e bigode". Não sabe o que ela quer dele; 
fica pensando em estratég ias para l idar com ela; teme não suportar a 
pressão e fazer alguma besteira . Voltou a beber, andando mu ito tenso e 
acordando à noite . Este quadro se agravou e José dizia da sua vontade 
de sair correndo, pôr uma corda no pescoço. Estava com muito medo de 
morrer. I ntervenho, encaminhando-o ao"leito-crise", mas ele não aceitou 
essa intervenção e foi embora. Retornou, dizendo que passou mu ito mal 
e fo i internado no Hosp ital das Cl ín icas . I nterpelo-o sobre a sua impl ica­
ção com o tratamento . 
Após esta intervenção o paciente manteve-se abstêmio. Relata 
sonhos f reqüentes com bebida; queixa um vazio muito grande; não sabe 
o que quer; sente uma necessidade constante de ficar mudando de c ida­
de, mas acaba sempre repetindo as mesmas coisas . Quer voltar a traba­
lhar, mas não quer ser exp lorado , tratado como um escravo. Relata ocor­
rência de outra crise de pânico -"estava caminhando e começou a me 
faltar ar, a respiração ficou dif íci l , a cabeça começou a pesar, fu i me 
sentindo pressionado". Diz que melhorou após ter conversado com a 
mãe pelo te lefone. 
I ntroduz sua questão com a paternidade: d iz que é o últ imo 
espécime da famíl ia e o desejo do seu pai é que e le desse cont inu idade 
-"meu pai gostaria mu ito, mas eu não tenho condição" (alega dif iculdade 
f inanceira) . Pergunta-se se um f i lho resolveria seus p roblemas . I ntroduz 
outra questão : está casado há 1 2 anos e sua esposa tem dificu ldade 
para engravidar, já teve 2 abortos. Nessa ocasião, ele demanda um enca­
minhamento ao cl ín ico , pois está apresentando um problema q ue não 
pode conversar comigo - uma inflamação no pênis. Foi ao c l ínico pergun­
tar por que não consegue engravidar sua esposa. 
Nas semanas seguintes continua"estabi l izado", mas queixan­
do-se, freqüentemente , da falta de d inhe i ro e do d ia-a-d ia da sua vida : " 
todo d ia é a mesma coisa, trabalho, como, du rmo . . . gostaria de fazer 
outras coisas, estudar, passear, mas isso não está ao meu a lcance e eu 
não vejo muita chance de melhorar'' . Por outro lado, d iz que está dando 
para fazer algumas coisas, que não fazia antes:"está dando pra comer as 
coisas que gosto e pra transar com minha mu lher todo d ia". 
Na transferência, o tempo de intervalo entre uma sessão e ou­
t ra , sempre meticu losamente del imitado pelo paciente,a cautela e o 
cuidado nas intervenções colocam-se como fundamentais para o prosse­
gu imento do tratamento. 
Su rge um sonho de extrema riqueza: dois sobrinhos. rn.e]Lªl:!1 -
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
num computador e previram que o mundo iria acabar em 2028. Nesse 
momento abriu um buraco no céu, começaram a cai r pedras e Deus 
surgiu de uma dessas pedras. Através do buraco não se via nada, era um 
buraco escuro. A voz de Deus ecoava forte e poderosa; falava para as 
pessoas seguirem-no. Várias pessoas vestidas de preto iam caindo pelo 
chão. Andava perto de Deus com medo do que pudesse acontecer com 
ele: cai r morto no chão como os outros. Sua posição era a de especta­
dor, via o que acontecia com as pessoas e temia o que pudesse aconte­
cer com ele. Deus começou a distribui r pinhas (fruta do conde) para os 
que ainda restavam. Para os que t inham fome, ele dizia que era preciso 
ter fé e estender a mão, pois ele os atenderia. José e uma mulher.que 
estava ao seu lado, estenderam a mão, mas o pão se transfo rmou numa 
borra. Acordou sufocado, se sentindo culpado, como se não tivesse tido 
fé o bastante. Acordou sem ver o que i ria acontecer com ele. 
A partir desse sonho, passa a falar das suas alterações de 
humor: está otimista, andando na rua, indo pra casa e pensando muitas 
coisas. O sorriso de um transeunte o faz pensar que estão rindo dele. Se 
lê, num jornal, a palavra"morte", logo pergunta se é ele quem i rá morrer. 
"Começo a ver tudo, me dá vontade de sair correndo, como naquele dia 
da placa 6898 ( 68 o ano em que nasci/ 98 o ano em que vou morrer?)". A 
sua casa surge como um lugar para onde tem de i r correndo, onde conse­
gue ficar mais tranqüilo, protegido do olhar, do sorriso e das palavras dos 
outros. Pergunta se isto que acontece com ele é uma psicose - faz 
referência ao filme de Hi tchcok. 
Nas sessões segu i n tes , José d i z i a esta r bem e s u a 
vida"desenrolando". Comprou um lote para constru i r uma casa e sair do 
aluguel (fez uma dívida). Elege a sexualidade como tema de sua escolha. 
Diz de um desejo muito g rande de transar com outra mulher, 
mas de continuar casado com a sua. Acha que isso engrandeceria muito 
o seu ego. Transa todos os dias com sua mulher, mas sempre pensando 
que está com outras mulheres (que vê na rua - mulheres bonitas). Vive 
com a sensação de que se f izesse isso, sua vida seria melhor. 
Questiona se sua esposa"aproveita" mais do que ele: "fico em 
dúvida, enquanto eu fico só fantas iando e ela?". Queixa-se de nunca ter 
conquistado uma mulher:" Mulher aparece na minha vida igual vento, será 
que sou feio, que sou esquisito?". 
No final do mês de junho, um novo fato clín ico mudou a paisa­
gem do caso. José compareceu à instituição sem agendar a consulta. 
Estava transtornado, muito embriagado, de posse de um resultado de 
exame - um espermograma. Este exame revelou quaapresentava as 
Ps,cóTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
75 . 
ii{t'� 
condições físicas necessárias para ser pai. Este episódio lançou o sujei­
to nu m quadro de extrema angústia, apontando a morte como saída. O 
que se passou aí? O encontro com o enigma da geração teria revelado a 
esse sujeito uma ausência de significação fál ica? 
Esse fato tem sido muito marcante na evolução do caso, ocasi­
onando episódios al ternados de embriaguez e negativismo. Chama aten­
ção o quadro de desvario em que o sujeito é lançado frente às l imitações 
que a vida impõe. No momento atual , José tem falado mui to de sua difi­
culdade com a vida e da sensação de não ter uma saída -" vou tentando 
viver minha vida, trabalhando, tentando adquirir as coisas, mas cada pro­
blema que encontro pela frente parece que não vou suportar .. . " 
Este caso c l ínico tem susci tado várias questões , especialmen­
te no que diz respei to ao diagnóstico. Alguns elementos sugerem tratar­
se de uma psicose - presença de fenômenos corporais, delírio persecutório, 
relatos de fenômenos e lementares após episódio de sonho - mas, ao 
longo do tratamento, a presença de outros elementos, tais como a cul ­
pa, a mortificação, a ocorrência de pensamentos ruins e até mesmo a 
tentativa de local izar-se no desejo do Outro - presença do desejo do pai -
põem em dúvida tal diagnóstico. 
Quanto aos episódios de embriaguez, estes parecem indicar 
um modo particular de gozo desse sujeito. Seria esta uma forma do sujei ­
to tentar tratar o retorno do gozo, numa tentativa de conter a d issolução 
subjetiva? 
Com relação à direção do tratamento, poderíamos pensar numa 
perspectiva clínica para além da oposição binária - presença ou ausência 
da metáfora paterna? Poderíamos pensar num"fracasso" do simból ico, 
sem necessariamente haver uma foraclusão do Nome-do-Pai? 
COMENTÁRIO /OBRE O CAIO ALBERTO 
Fernando Teixeira Grossi 
a) Fator desencadeante/traumático: Desentendimento dos 
pais. O Outro evidencia algo que é insuportável para o sujei-
to, impedindo uma elaboração. · · - - - - -: �� '.. ·· 
PSICÔTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
b) Respostas do sujeito: afastamento familiar, uso de drogas etc . . . 
Observações preliminares: 
Um dado interessante é a dificuldade do sujeito em consentir 
com os seus "sintomas" - uso de substâncias, dificuldades escolares, 
afastamento social e familiar e desleixo pessoal - e,consequentemente, 
com a demanda de t ratamento. 
Questão: A resposta do sujeito, apontando para um rechaço 
do Outro, abriria a questão do diagnóstico diferencial, onde a evidência da 
estrutura poderia estar em suspenso 1 . 
Há alguns elementos, notados por ldálio, que a Psiquiatria de­
nomina de indiferença afetiva, alterações do curso de pensamento, que 
são sintomas presentes na Psicose, sobretudo na Esquizofrenia:"Se ex­
pressa de forma lenta, pausas muito longas" ."Parece alheio a tudo", 
algo"espantado". Alheamento que se revela também na sua aparência 
descuidada. 
Mas, como bem marcou, não há evidências de atividade deli­
rante e, presumivelmente, alucinatória. 
Pareceu-me, então, serem esses os sintomas que denotaram 
a"gravidade do caso",que desembocou na indicação de internação. 
e) Efeitos da internação 
Uma t ransformação do caso clínico? 
O fato é que há uma mudança no estado do humor e no interes­
se do sujeito pelo mundo. 
O significativo da mudança, como assinala o autor, é que o 
sujeito busca uma"explicação" sobre a causalidade de suas desordens, 
objetivando"tirar o atraso", que sua posição anterior parecia lhe conferir 
na vida. 
d) História 
Até os 12 anos era uma criança alegre, bom aluno, com vários amigos. 
O casal parental era muito idealizado pelo sujeito. 
O fator traumático se relaciona, poderíamos dizer, com os pe­
cados do pai. 
O pai tem uma amante e os conflitos do casal se relacionam 
com esse fato. 
As mudanças observadas, de início, no sujeito, foram de"não 
1 Lacan, J. De nossos antecedentes, in : Escritos, p.73. 
PSICÔTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
7lífi 
·'"' º :;.;;;:.;; 
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olhar mais para o pai, evitar de conversar com a mãe" , a indisciplina 
escolar e mudança do grupo de amigos. 
As dificuldades de local para morarem me parecem apontar 
para algo mais estrutural do que contingente. 
Nessas mudanças se evidencia que o sujeito é mais um objeto 
de um Outro materno (destemperado), na busca de um significante para 
se situar, do que de um sujeito solidário e responsável às vicissitudes da 
vida. 
A cena de mãe e fi lho vendo fotos de um passeio, que fizeram 
com o pai, a São Paulo, parece-me revelar a figura de um Outro feroz, 
assassino; figura primeva de um Outro sem lei. Interrogo se esse modo 
de apresentar um gozo estampado numa foto não traduziria o ódio do 
sujeito. 
Haveria uma correlação com sua tendência de matar e se matar, 
demonstrando um imaginário prevalente na organização da subjetividade? 
O lugar que as drogas ocupam, nesse caso, é importante; e 
sua importância é dada pelo próprio sujeito,que passou a maior parte de 
sua juventude sob efeito delas. 
Teriam as drogas uma função de estabilização para o sujeito? 
- . .. . 
e) O que esse caso nos ensina? 
Esse caso nos parece demonstrar que a t ravessia do Outro 
parental não deve ser um desastre para o sujeito. 
A noção de desastre abre a possibilidade para interrogarmos 
uma série de casos graves, sobretudo de adolescentes; antes mesmo de 
cotejarmos a questão da psicose, que, em muito casos, tem seu fator de 
desestabilização in iciado na adolescência. Assim, muito antes de s igni­
ficar uma crise do sujeito, seria uma crise do Outro. 
t) A favor da neurose ou da estabilização? 
A evolução do tratamento tem possibilitado a esse sujeito um 
processo de subjetivação, sendo a culpa índ ice estrutural da relação do 
sujeito com o Outro, mais do que modalidade de relação com o desejo. 
Isto é, o tratamento possibilitou ao sujeito localizar-se na estrutura. 
Perguntaria se a i nternação não teria s ido da ordem de um ato 
que possibilitou ao sujeito uma ouJ�-ª �esposta. 
PSICÔTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
COM ENTÁRIO /OBRE O CAIO JOJÉ 
Simone Pereira Figueiredo 
No primeiro atendimento do paciente, no CMT, questiona-se 
um quadro de hipocondria. Segundo a CID 1 O, o transtorno hipocondríaco 
possui, como característica essencial, uma preocupação persistente com 
a presença eventual de um ou de vários transtornos somáticos graves e 
progressivos. Além disso, sensações e sinais físicos normais ou triviais 
são freqüentemente interpretados, pelo paciente, como anormais ou 
perturbadores. Ocorrem, freqüentemei'ite, depressão e ansiedade asso­
ciadas. O diagnóstico diferencial deve ser feito com o t ranstorno delirante. 
O paciente, neste primeiro atendimento, relata a ocorrência de 
pensamentos de doença e morte, assim como abuso de bebidas e medi­
camentos. Este abuso aponta para uma tentativa de assegurar uma esta­
bilidade, tratando o sintoma.ou já coloca a questão da dependência ao 
álcool e aos benzodiazepínicos? Quanto à ocorrência de pensamentos 
de doença e morte, eles indicam um diagnóstico de hipocondria? O diag­
nóstico diferencial com um transtorno deli rante se coloca? 
Cinco anos depois, o paciente retorna, apresentando quadro de 
pensamento delirante de cunho persecutório, alucinações auditivas e ai- 79 
terações da sensopercepção relacionadas ao corpo. Apresenta-se, po- e,..�· 
rém, confuso e desorientado, o que indica a presença de alterações de 
nível de consciência. As alterações da sensopercepção são secundárias 
às alterações de consciência ou há elementos sugestivos de um quadro 
psicótico funcional? 
Em atendimento posterior, o paciente relata uma repetição dos 
episódios de embriaguez e dos fenômenos apresentados. Há uma 
sobreposição dos mesmos? Ou seja, só, quando intoxicado, é que ocor­
rem as alterações do pensamento e da sensopercepção? 
Quando abstinente, o paciente apresenta queixas relacionadas 
ao cotidiano de sua vida, a"um vazio muito grande" e a"não saber o que 
quer". Daí, a"necessidade constante de ficar mudando de cidade". Ele 
está nos dizendo que o álcool funciona como estabilizador? A "errância" 
do sujeito aponta para uma dificuldade na relação com o Outro? A falta de 
satisfação com o cotidiano da vida nos diria da impossibilidade do desejo 
na neurose obsessiva ou nos falaria da perda da relação fálica na psico­
se? 
Foram estas as questões que o caso, apresentado pela Eloisa, 
me suscitou. . . . 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE S E DROGAM TANTO? ----------
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DE BAT E 
Guy Clastres : Vou me apresentar, pois vocês não me conhe­
cem. Eu me chamo Guy Clastres, sou psiquiat ra e psicanal ista em Pa­
ris , faço parte do Fórum do Campo Lacaniano com meu amigo Fernando 
Grossi e com minha amiga, Sônia Albe'rti do Rio de Janeiro. Fernando, 
gentilmente, me convidou para trabalhar com vocês sobre a questão da 
psicose, da droga e da adolescência. 
Vou imediatamente dizer que vocês terão, talvez, mais experi­
ência do que eu sobre o tratamento dos adolescentes , dos drogados e 
dos psicóticos , mas isso não me impede de ter idéias, principalmente 
depois de ter l ido, com muito interesse, os dois casos que acabaram de 
ser apresentados pelos colegas . 
Sei , por experiência, que trabalhar com toxicômanos é extre­
mamente difícil ; é uma experiência que, freqüentemente, nos decepciona 
e que é preciso ter coragem, muito mais do que o paciente. Quando 
trabalhamos com neuróticos , temos sempre - ou quase sempre - um 
al iado. O que quero dizer, é que o sintoma do neurótico " demanda » ser 
decifrado, enquanto que a toxicomania ou o psicótico toxicômano faz 
obstáculo, na estrutura, a este deciframento. 
Penso que estes dois casos que nos foram expostos são duas 
versões da mesma psicose - pode-se chamar de demência precoce, ou 
se vocês quiserem, de esquizofrenia. O caso, apresentado por E loisa , é 
uma versão, onde há uma dimensão delirante. Is to é, há um esforço do 
sujeito em construir alguma coisa do lado imaginário. Penso que a con­
cepção de Lacan da foraclusão do Nome-do-Pai aplica-se inteiramente 
aos dois casos. Ou seja, tanto um quanto o outro não dispõem de qual­
quer apoio da função s imbólica, o que torna muito difícil a função da 
palavra, a função do sujeito suposto saber para sustentar a transferência. 
Permito-me dirigir ao Fernando para lhe dizer que não estou 
completamente de acordo com o que ele chamou de desencadeamento 
traumático. Ele pensa que o sujeito já era psicótico, antes que tenha 
acontecido o desentendimento dos pais, que simplesmente o corte no 
imaginário - na relação familiar - seria uma espécie de tela que se rasga 
e então aparece a psicose. Mas o desentendimento dos pais não é a 
causa da psicose. 
Uma psicose, no meu ponto de vista - posso estar enganado­
se articula sempre em três gerações: a geração dos avós , dos pais e dos 
filhos . Há alguma coisa que não chega a se transmitir do ponto de vis ta 
do Nome-do-Pai, podemo� di�er, da funçãosln:ibólica entre os avós, os 
pais e os filhos. É freqüente-que 'éipsÍcótico invente uma filiação delirante. 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ----------
Esta filiação substitui, no imaginário, o que não é transmitido na função 
simbólica entre as três gerações. Não se pode prever, antecipadamente, 
o desencadeamento de uma psicose, enquanto que se pode prever que 
algumas crianças vão se tornar histéricas ou obsessivas, isto é , neuróti­
cas. As crianças pequenas podem já apresentar traços sintomáticos que 
iremos encontrar na idade adulta, no momento da escolha do sexo, do 
amor, do desejo etc .. . 
O que Lacan sublinhou - e continua verdadeiro - é que não há 
mani festação pré-psicótica naquele que vai se tornar esquizofrênico. O 
sujeito pode ir mui to bem na escola, sair-se bem, até o momento em que 
o menino vai encontrar a menina, e a menina vai encontrar o menino, ou 
seja, o momento do encontro com a d iferença sexual e com o desejo. É , 
freqüentemente, neste momento que a esquizofrenia começa. 
O sujeito não pode mais trabalhar nem estudar, começa a se 
drogar ou droga-se cada vez mais, corta os laços sociais, volta-se para si 
mesmo de um modo autístico, ou, então, começa a construir um delírio 
imaginário - mais ou menos paranóide - onde ele se sente vigiado, olhado 
pelos outros, como no caso « José » . 
A grande dificuldade é que nada pode mudar a foraclusão. So­
mos, então, obrigados a ajudar o sujeito a achar outros apoios. O que é 
mais _difícil, pois supõe.-se que. o sujeito psicótico queira achá-los, pelo 
menos um pouco. Ou seja, que ele queira dirigir sua palavra, sua deman­
da a alguém pelo tempo mais longo possível. De uma certa maneira, 
pode-se dizer que alguns psicóticos têm a necessidade - por toda a vida 
- de di rigir a palavra a alguém ou a algumas pessoas. O que não é, de 
jeito nenhum, o caso do sujeito neurótico. 
Gostaria, ainda, de lembrar de um princípio na psicanálise -
que é um princípiopara a vida: é necessário ter sempre em mente, que 
não devemos jamais ter medo de fazer perguntas. Aguardo, portanto, as 
opiniões e perguntas. 
Sônia Alberti : Gostaria de solicitar que Guy Clastres comen­
tasse um pouco mais cada caso. 
Marcos Baptista : Tenho uma pergunta a fazer aos apresenta­
dores dos casos. Existem certos fenômenos que a gente não pode cha­
mar de fenômenos elementares, mas que, por muitas vezes, estão pre­
sentes nas psicoses, e que nos deixam em dúvida sobre que fenômeno é 
esse. 
Lembro-me que em um Congresso, em 1 986, em Curitiba, tive­
mos uma discussão com Jacques-Alain Miller sobre o que e le chamava 
de pré-psicos�. sobre a função do « shifter » nesses pacientes. Recordo­
me de uma pãciente· ·psicótica que dizia que·, desde pequena, alguma 
Ps1cóTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
coisa acontecia com ela e que eu só posso traduzir como algo da ordem 
da despersonalização. Ela tinha que gritar a mãe para que aquilo ( se 
posso dizer, experiência fecunda) acabasse. Então, ela só precisava per­
guntar a alguém, que estivesse ao seu lado: "que horas são?" Depois, 
para que aquilo acabasse, ela só precisava fumar um baseado. A gente 
constata, em certos momentos, que a droga funciona como medicação e 
que os psicóticos têm um certo saber em se automedicar para se livra­
rem um pouco da função do « shifter » . 
Eu gostaria d e perguntar se isso foi observado nas histórias 
clinicas relatadas. Já que histórias como estas - da ordem da hipocondria, 
da ordem de um olhar da mãe ( que é muito mais uma intrusão do que um 
olhar verdadeiro) podem, por vezes, nos fazer pensar na possibilidade de 
mais adiante a gente encontrar uma psicose. Minha questão é se algo foi 
percebido então, porque acho evidente que a droga, em nenhum dos dois 
casos, deslancha a psicose. Parece-me claro que a d roga entra como 
mais um elemento da psicose, senão como uma automedicação. 
ldálio Bahia: Não sei se posso responder a esta pergunta do 
Marcos. A hipótese que faço - que também coloco como questão - é em 
relação ao uso de drogas por este paciente; no sentido de que a droga 
vem possibilitar a recuperação do tempo perdido, que ele tanto sonha, 
possibilitando assim um remendo imaginário . 
. Eloisa Lima: Neste caso específico tenho pensado que o re­
curso ao álcool vem funcionando como uma forma do sujeito tentar tratar 
o excesso de gozo sobre o corpo. Então, de certa maneira, viria funcionar 
como um regulador e até como um fator de uma certa estabilização. Em 
alguns outros casos que tenho atendido, aqui no CMT, é mais evidente 
esse recurso à d roga como fator de estabilização. Estou lembrando do 
caso de um adolescente, que estava em franco surto psicótico. Um caso 
de esquizofrenia, que tinha uma história de uso e de dependência de 
cola, e que, no momento do surto, tinha muitos delírios, nos quais me 
dizia que pensava em voltar a cheirar colá, porque achava que ia melho­
rar, que ia sair desta situação. Acho este caso paradigmático para pen­
sarmos nisso. 
Um outro caso que atendo e que, atualmente, freqüenta o NA PS 
do CMT, já teve história de internações psiquiátricas por surtos psicóticos 
relacionados ao alcoolismo, e uso diário de maconha. Para o sujeito, isto 
é um ponto claro e nem entra em questão no tratamento: ele fica mais 
consciente fumando maconha. Ele se dá conta que assim elabora melhor 
sua vida; fica mais quieto em casa cuidando de sua coisas, sem se 
envolver em confusões. Então, constato que ele coloca a droga como 
fator de uma certa normalização para sua vida. 
Ps1cóncos E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
Guy Clastres: Será que ele não pensa, nesse ponto ai? Ele 
conta vários sonhos com a bebida, ele se queixa de um g rande vazio, 
neste momento do caso. Será que esse vazio, essa impressão do vazio 
- é o que ele diz e é prec iso acreditar - não é o encontro , não com a falta 
da angústia, mas com alguma coisa que seria o buraco? 
Lacan escreveu % e P 
0
, isto é, de um lado, o Nome-do-Pai 
está absolutamente ausente e a conseqüência do lado do falo , do gozo 
fál ico, é <i>o· 
Será que não poderíamos pensar que, nos dois casos, a droga 
vem como substituto da função do gozo fál ico, porque o gozo fálico colo­
ca o sujeito em relação com o Nome-do;:Pai, e o Nome-do-Pai eles não 
receberam em suas h istórias? É a primêira questão. 
Eloisa Lima: Agradeço a pontuação. Este vazio é uma queixa 
constante do paciente. Ele se que ixa do cotid iano da vida, como se não 
houvesse uma forma adequada para ele se relacionar ou mesmo se colo­
car. Penso que quando ele fala e se queixa pode ser uma forma dele estar 
estruturando este vazio. 
Realmente, não é como o vazio de que se queixa um neurótico 
- que vai recorrer à droga para tamponar isso; como se fosse uma prótese 
- como temos falado. Penso ser esse vazio de uma outra ordem: do vazio 
de seu próprio ser. 
Guy Clastres: . Gostaria de dizer algo a propósito da droga. Ela a3 -y ... : 
pode ser pensada como um medicamento que o sujeito se dá - que ele ,. . .,.,,....,..;..; 
compra para tratar sua angústia - mas é um medicamento que não implica 
nenhum sujeito suposto saber. Expl ico melhor: quando um médico pres-
creve um medicamento ; é em nome do saber que este detém, que o sujeito 
toma o medicamento. O drogado exclui o sujeito suposto saber, pois ele 
uti l iza os medicamentos como d rogas, o que, no meu ponto de vista, é 
uma expressão cl ínica da recusa de se situar sob a lei do Nome-do-Pai . 
Marcos Baptista : Eu perguntaria a você o seguinte: o efeito da 
droga, para o sujeito, tem um suposto saber fazer gozar'? 
Guy Clastres : Sim, mas não só. Há também um real do gozo 
que é encontrado; em que o sujeito paga na al i!3nação, na submissão ao 
mercado, na falta de lei do comércio da: droga. A lei do mercado da droga, 
não é a lei do Nome-do-Pai , que é a lei do Pai articu lada à lei do desejo . 
E isto é válido para todos nós. 
Sônia Alberti : G uy Clastres: você acha que o drogad ito é um 
sujeito ps icótico? . 
Claudia Coser: Fiquei 'um pouco atrapalhada com a afi rmação 
de que não há traços pré-ps icóticos . Então , por que se afirma que o 
encontro com o anal ista pode - entre outras coisas - desencadear uma 
psicose? Por que o cuidado que se tem ao fazer um d iagnóstico? 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
-i,4 ·-��-
Guy Clastres: Uma vez que a psicanálise pode desencadear 
uma psicose, isto não significa que já havia traços ou s intomas no sujei­
to. O encontro com o psicanalista, isto é, com o sujeito suposto saber ­
na medida em que ele o representa simbolicamente- é que produz o efei­
to de desencadeamento. Ou seja, a psicose já.O estava lá, mas masca­
rada. Ela não se traduzia subjetivamente. 
Fernando Grossi : No caso de l dálio está escrito: « o sujeito 
culpa-se pelo sofrimento que vem causando a mãe, que ele se sente 
responsável pela infelicidade dela e isso pesa, que a separação dos pais 
é um problema seu, que ele volta a se relacionar com os pais, as vezes 
se mostra impaciente com a mãe, principalmente aos pedidos dela, para 
que e le venha ao NAPS, para receber melhor os parentes, para que se 
alimente melhor e tome banho »2 . 
No caso de Eloisa está escrito o seguinte: « ao longo do trata­
mento, a presença de outros e lementos, tais como a culpa, a mortifica­
ção, a ocorrência de pensamentos ruins - e até mesmo a tentativa de 
localizar-se no desejo do Outro (presença do desejo do pai) - põem em 
dúvida tal diagnóstico. " · 
Em nossas reuniões clínicas, apareceram questões sobre o 
diagnóstico de psicose a partir da culpabilidade, que aparece no relato 
dos casos. Queria, então, perguntar o seguinte: a culpa - que apareceu 
· nós dois casos - - refere-se a um certo processo de elaboração, de 
« subjetivação » , que, no decorrer do tratamento, alguns pacientes vão 
fazendo? Qual é a natureza da culpabilidade, uma vez que Lacan assina­
lou que a culpa é um índice de assentimentodo sujeito? 
Nesses momentos , quando está em curso a elaboração de um 
sujeito psicótico, não haveria uma dificuldade em se afirmar que se trata 
mesmo de uma psicose? 
Eloisa Lima: Em vários momentos houve debates ferrenhos nas 
nossas reuniões clinicas, com alguns colegas defendendo o diagnóstico 
de neurose para o caso « José » . Mas, desde o início, vim conduzindo o 
caso como um caso de psicose. Achei mais coerente conduzir assim, até 
mesmo por cautela. Os últimos atendimentos foram decisivos para afirmar­
mos tratar-se de uma psicose, mesmo sem aqueles fenômenos floridos. 
Às vezes, acho que pode haver um certo equívoco de se pen­
sar que algum sinal ou algum fenômeno elementar ou de uma pré-psico­
se, vai fazer com que se desencadeie uma psicose. Penso que a clín ica 
é que vai colocando as coisas no seu devido lugar. E é durante o seu 
2 Esta referência não se encontra no relato do caso apresentado por ldálio neste l ivro. 
· · · · · Trata-se de uma citação da versão do caso exposto durante a 1 2ª Jornada do CMT. 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ----------
percurso, que ela vai nos possibilitando esclarecer o diagnóstico. 
ldál io Bahia: Houve mesmo, inicialmente, uma dúvida quanto 
ao diagnóstico, embora ele estivesse bastante claro. Então, para dizer a 
verdade, acho que esta dúvida, eu posso atribuí-la à neurose do psicana­
lista. 
Guy Clastres: Para responder ao Fernando, vou dizer: Há um 
sujeito na psicose e é preciso se lembrar que nela a questão do sujeito 
manifesta-se de uma maneira particular, uma vez que não se refere à 
castração. 
Transcrição: Adelina Vieira Torres e Eloísa H. de Lima 
Estabelecimento: ldálio Bahia, Fernando Grossi e Oscar Girino 
O UJO DE DROGM EM UM CMO DE PJICOJE 
Ana Regina Machado 
O REIATO DO CAIO 
. . Ricardo chegou ao Centro Mineiro de Toxicomania (CMT) enca­
minhado pelo Hospital Galba Velloso (HGV), onde já havia permanecido 
por três dias. Na época, tinha vinte anos e não mais usava droga. Havia 
interrompido de maneira abrupta o uso de cocaína, droga que, na maioria 
das vezes, injetava-se juntamente com colegas. Tanto o início quanto o 
fim do uso de drogas só foram melhor delimitados ao longo do tratamen­
to, que durou , aproximadamente, dois anos. 
Durante quase todo o tratamento, o paciente apresentou uma 
"dificuldade" para falar. Iniciava frases, as interrompia, silenciava-se. Mui­
tas vezes perguntava: "para que falar?". Com o passar do tempo, R icardo 
conseguiu falar mais e de maneira mais articulada, revelando elementos 
que permitiram situar o desencadeamento de sua psicose e a reparação 
proporcionada por suas construções delirantes. O uso de drogas é con­
temporâneo ao desencadeamento e se interrompe com o aparecimento 
do delírio. 
As minhas intervenções foram poucas. Na maioria das vezes, 
silenciava-me diante da sua fala truncada. 
Já nas primeiras sessões, o paciente falou de "coisas estra­
nhas" que estava vivendo: trocava de identidade com os outros, via seu 
corpo em outros corpos, achava que suas mãos iriam roubar alguma 
coisa. Acreditava que tudo isso era conseqüência da leitura de um livro -
PSICÔTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
85 ··· · i 
H *\! ,t::1�-� 
"A Arte de Amar" -, que um ex-amigo havia lhe emprestado. Foi também 
este ex-amigo, Paulo, que havia lhe apresentado a cocaína. A princípio, 
Paulo encanta Ricardo; já que aquele "era muito carismático, meio psicó­
logo" e também o líder do grupo que se reun ia para drogar. 
O encontro com Paulo e com o significante "A Arte de Amar" 
foi, a meu ver, o que proporcionou o desencadeamento da psicose. A 
significação que Ricardo encontrou para este significante, em suas leitu­
ras , passou a dar o tom delirante para sua vida: o mundo dividido entre o 
bem e o mal . Paulo passou a representar o mal, era o "diabo encarnado". 
Suspeitava que ele mantinha relações sexuais com outros membros do 
grupo, "aquela coisa de submissão e masoquismo, de sexo" . Isto o as­
sustava. Começou a perceber que era "uma cobaia" no grupo. 
Rompeu com Paulo, quando este lhe mandou comprar drogas. 
Paulo havia lhe prometido dar "um pau" se não fosse. Neste momento, 
lembrou do livro que havia lido, em que havia um sádico que mandava, 
explorava e humilhava e um masoquista, que era mandado, explorado e 
humilhado. Começou a pensar que Paulo traria a sua desgraça e a de 
toda a sua família. 
Ao se aproximar de Paulo, Ricardo pretendia saber algo disso 
que lhe parecia sem registro - a arte de amar. Chegou a falar de como isto 
lhe aparecia como enigma: "acho um mistério a conquista de uma mulher''. 
t86 Teve .uma namorada, o namoro durou uma semana, e não .s.oube dizer-
''(.< .. , - porque começou, nem porque terminou. Queria ser menos tímido com as 
mulheres, foi por isso que leu o l ivro "A Arte de Amar''. Porém, o que mais 
apreendeu neste l ivro foi a luta, o jogo existente entre o bem e o mal. Não 
gostava de ler, porque ia muito fundo em suas leituras, vivia o que l ia. 
Repetia, em várias sessões, que dividia o mundo entre o bem e o mal . "Não 
sou eu quem vejo o mundo assim, são as pessoas que entram neste jogo" . 
Atormentado por visões e pensamentos em torno deste "jogo", 
R icardo só conseguiu um apaziguamento na rel ig ião. Aos poucos, vai 
falando de "um milagre", que aconteceu em sua vida. 
Em um atendimento, relatou o "milagre" - ainda de maneira pou­
co compreensível - em que a avó fez uma oração; ele sentiu a barriga 
crescer e uma certa calma tomou conta de seu corpo. Em outras ses­
sões, voltou a falar desse acontecimento: "Deus entrou na minha barriga 
e atingiu minha consciência, me curou". Sent iu-se mais aliviado depois 
de relatar o mi lagre. Q ueria esquecer do que t inha vivido antes do mo­
mento em que Deus entrara em sua vida. Fala do dia em que comungou 
e sentiu uma mudança intensa em sua vida - "é como se eu tivesse 
voltado ao estado de natureza". 
Afi rmava que não tinha mais o quê falar, pediu para v i r apenas 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
uma vez por mês ao CMT. Atendi o seu pedido. 
Retornou dizendo que tentava rejeitar a idéia de ter tido um 
problema, uma doença. Achava que o que viveu não tinha a ver com dro­
gas, mas s im com alguma força mal ígna. Mu ito confuso, pediu para voltar 
mais vezes ao CMT; propus que viesse quinzenalmente (a princípio, 
freqüentava a instituição semanalmente). 
Retornou de maneira diferente , falando com mais f l uência. Di­
zia que estava tranqüi lo. Antes, só se preocupava em melhorar para não 
mais vir ao tratamento. Cansava-se tentando esquecer o que havia vivido: 
"Eu olhava no espelho e percebia que não estava bem, aí eu só ficava 
tentando melhorar; outro dia olhei no e,ªpelho e vi o meu exterior, aí parei 
de pensar em melhorar, eu já estava bem" . Perguntei se relacionava isto 
a alguma outra coisa que tivesse lhe acontecido. "Não foi só isso mes­
mo" . Disse que, pela primei ra vez , tinha vindo ao CMT por vontade pró­
pria. Disse que começava a ter a dimensão do futu ro em sua vida, pois 
antes vivia apegado a seus pensamentos . A princípio, pensei que alguma 
situação ou fato da vida do paciente pudesse justif icar tal modificação. 
Diante de sua resposta, voltei-me para o que acontecia no tra­
tamento. Acredito que as propos ições em torno do número de sessões 
podem ter relação com o que se passou. Na tentativa de "rejeitar a doen­
ça" pediu para vir menos vezes; concordei, mas o paciente percebeu que 
isto não fazia com que melhorasse. Pediu para voltar mais vezes,· e nova- . 87 -
mente concordei, pedindo que viesse menos vezes do que vinha a princí- --....... """ 
pio - duas sessões por mês, ao invés de quatro. Percebi que recebeu tal 
proposição com uma certa surpresa. Vir ao CMT era a confirmação de 
sua doença. Se pudermos considerar tal hipótese como plausível, como 
formalizar tal acontecimento; uma melhora a partir de s inais advindos da 
relação especular com a anal ista? 
Na sessão seguinte,mais a vontade, falou de sua cura: "a mão 
de Deus passou pela minha carne e me tranqüi l izou". A partir deste dia 
em que foi curado, percebeu que para viver na sociedade precisava se 
apegar à confiança de Deus. Se tinha certeza desta confiança, não preci­
sava falar deste acontecimento para ninguém. "Hoje de manhã, tive a 
impressão de que poderia dizer isto a você, disse e, pela primeira 
vez.consegui falar o que queria". 
Começou a fazer planos para o futuro; queria ser dentista, psi­
quiatra ou padre . Queria comprar l ivros de primeiro grau e estudá-los, já 
que fazia supletivo e o supletivo,não é completo. Neste momento, já havia 
retornado aos estudos. Freqüentava também um grupo de jovens na Igre­
ja. Queria namorar. 
Em uma das últ imas sessões, Ricardo disse que , na verdade, 
- . . . :" . . 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
i;:�f� . . 
já chegou ao HGV e ao CMT "curado". Sentiu a presença de Deus em sua 
vida, ao sair do HGV, onde esteve, a princípio, para uma consu l ta . V iu a 
cruz de uma igreja e teve a certeza de que a relig ião seria seu caminho. 
Começou a ir à igreja diariamente ; ao ler a frase - "o Mestre está aqui e te 
chama" -, teve a certeza de que era chamado por Deus. Sabia que, desde 
então, estava curado, não precisava de tratamento. Mesmo assim, foi 
levado novamente ao HGV pela família, onde ficou em observação por 
três dias. Aceitou freqüentar o CMT para não ter que dar provas de sua 
cura a sua mãe e a sua avó. 
Na úl tima sessão, disse que não tinha mais nada a dizer. Já 
havia dito tudo. 
Enquanto me perguntava pelo fim do tratamento - o que foi fei to 
em uma reun ião clínica, com a apresentação do caso - Ricardo começou 
a se ausen tar da insti tu ição. Marcou duas sessões e não mais compare­
ceu. 
ALGU NJ COMENTÁRIOJ /OBRE O CAIO 
A função da droga e o desencadeamento 
Diferentemente do que alguns autores sug�re.!'!1, a droga, neste 
caso, não consti tu i uma suplência qu ímica (1 ). Está mais próxima do 
desencadeamento, não consti tu i n do-se , cont u do, em u m fator 
desencadeante - como algumas referências psiqu iátricas definem - mas 
faz parte da conjuntura do desencadeamento. 
O paciente se drogava para pertencer a um grupo, cujo líder 
ocupava, para o paciente, uma posição privi leg iada - era meio psicólogo, 
mu ito carismático e culto. Queria ser como ele, lia os l ivros dele, conver­
sava mu i to com ele, drogava-se como ele. N ão demorou mui to para que 
surg issem alguns fenômenos elementares e para que o paciente se per­
cebesse como "cobaia do grupo" , como objeto do gozo do Outro. Pau lo 
deixou de ser digno de admiração e passou a ser o mal, o diabo encarna­
do. No momento em que rompeu com Paulo, Ricardo rompeu também 
com as drogas. 
D delírio e a estabilização 
O paciente fala de dois momentos bastantes diferenciados 
marcados por suas construções.del irantes. Em um primeiro momento, "a 
luta entre o bem e o mal" permeava todas as relações de significação que 
o paciente estabelecia . Momento atormentador para ele, que se sen tia 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ----------'-
ameaçado pelo Outro . O segundo momento foi o momento do "mi lag re" , 
da cura, do apaziguamento. 
A estabi li zação do paciente, "sua cura", como ele mesmo no­
meou, se deu de maneira solitária, sem a ajuda de profissionais ou de 
medicamentos. É sobre i sso que o paciente veio me falar em suas ses­
sões. Demorou para falar, pois não via motivos para isto. Diante desta 
constatação, como poderíamos formalizar a função do tratamento para 
este paciente? 
Penso que foi possível a construção de uma metáfora deli rante; 
algo em torno da relig ião: ele fo i chamado por Deus, foi o escolhido para 
receber um mi lag re divino. Trata-se de uma estabili zação pela via do 
signi fi cante - "una especie de remiendo de la malla simbóli ca rota, 
operación que log ra cuando se alcance el nivel en que signi ficante y sig­
ni ficado se estabi licen" (2). 
A princípio inte rroguei -me sobre esta estabi lização p roduzida 
pelo paciente, pois sabemos que a metáfora deli rante é um "modo de 
construción arti ficial dei nombre-del-padre ( . . . ) puesto .que , de todas 
maneras, continua faltando el elemento que ordena ai conjunto signi ficante 
y en tanto e l goce escapa a la organização de lo simbólico" (3). 
Seria prudente interromper o tratamento, depois de constatar 
q ue o paciente havia construído uma "s'olução" para sua psicose? Cabe 
ao analista tentar produzi r outras formas de estabi lização? É possível 
produzir saídas, para o psicótico, di ferentes das que e le e lege? Esta 
última questão me parece pert inente na clínica das toxi comani as, quan­
do consideramos os casos nos quais a saída pela droga é um modo de 
estabi lização . Em casos assim, como se dará a direção do tratamento? 
Referências Bibliográficas 
( 1 ) Ver BENETI , A. Toxicomania e Suplência. ln : O bri lho da ( in)fe l icidade. Rio de 
Janeiro: Contra Capa, 1 998, p .21 9-226 
(2) KIZER, M. et alii. EI Otro en las Psicosis. ln: Cl in ica diferencial de las psicosis. 
Relatos dei Quinto Encuentro Internacional . Buenos Aires , Fundación dei Cam­
po Freudiano, 1 988, p . 1 20 . 
(3 ) Idem, p . 1 20. 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
89 \) 
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, ... �: 
COM E NTÁRI O .fO B R E O CAIO 
Eloisa H. de Lima 
Trago, não propriamente, um comentário, mas algumas ques­
tões que, acredito, poderão contribuir com as discussões e com o avan­
ço da formalização da experiência cl ínica. Gostaria de destacar, especi­
almente, a passagem em que o paciente diz à analista que já chegou 
"curado" ao HGV e ao CMT. 
"Sentiu a presença de Deus em sua vida, ao sair do HG V, onde 
esteve, a princípio, para uma consulta. Viu a cruz de uma igreja e teve a 
certeza de que a religião seria seu caminho. Começou a ir à igreja diaria­
mente; ao ler a frase - "o Mestre está aqui e te chama" -, teve a certeza 
de que era chamado por Deus. Sabia que, desde então, estava curado, 
não precisava de tratamento". 
Apesar do paciente dizer que estava curado, o relato da analista 
faz crer que ele se encontrava em franco delírio. Pois bem, este caso não 
faz senão atualizar a tese freudiana do delírio como uma tentativa de cura. 
O que, de todo modo, não nos isenta de levar adiante algumas reflexões. 
De acordo com as anotações da anal ista, o uso de drogas é 
contemporâneo ao desencadeamento e se in terrompe com o apareci­
mento do delírio. Poderíamos, então, pêrgunta-r sõbre as coordenadas 
deste desencadeamento e sobre sua articulação com o uso de drogas. 
A experiência - em Centros de Convivência e Hospitais-Dia -
tem demonstrado que as atividades em oficinas possibilitam aos pacien­
tes psicóticos uma diminuição das passagens ao ato, possivelmen te atra­
vés de uma moderação de gozo.Com bastante freqüência, a toxicomania 
é pensada, nesse campo, como um modo de suplência para os pacien­
tes psicóticos. Distintamente, no caso relatado por Ana Regina, pode­
mos perguntar se o recurso à droga representou um excesso de gozo 
que não possibilitou, a esse sujeito, inscrever uma separação do Outro, 
empurrando-o assim para a psicose? 
Por outro lado, a via do delírio também pode se colocar como 
um modo de estabilização. Inicialmente, o relato do caso sugere um Outro 
que " traria a sua desgraça e de toda a sua família ( . . .) havia um sádico 
que mandava, explorava e humilhava e um masoquista que era mandado, 
explorado e humilhado". Na evolução do caso, a analista indica um apazi­
guamento pela via da religião - "Deus entrou na minha barriga e atingiu 
minha consciência, me curou". Neste caso, o aparecimento do del írio 
teria proporcionado a este sujeito uma estabilização, ao encontrar o seu 
ser de gozo, sem tomar o gozo do Outro como perseguidor? 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
COM E NTÁRIO JO B R E O CAJO 
Fernando Teixeira Grossi 
Ana Regina apresentao relato de um caso de psicose em um 
jovem de 20 anos, que chega ao CMT, após curto período de inte rnacão 
em hospital psiquiátrico, quando já não mais usava drogas . 
Chama-nos a atenção o fato de que , durante quase todo seu 
tratamento, apresentava fenômenos de alteração da linguagem, caracte­
rizados por interrupção de frases, dificuldades de articulação e constru­
ção de frases e silêncios como que denotando um vazio da significação 
fálica. 
O tratamento possibilitou ao sujeito uma me lhor articulação do 
campo da fala e da linguagem, assim como a articulação/reconstrução 
dos e lementos que concorreram para o desencadeamento de sua psico­
se que , certamente, lhe possibilitou uma estabilização. 
Seriam o livro e as drogas objetos de um investimento parado­
xal do sujeito? 
O primeiro aspecto, a ser cons iderado, é o de que o uso de 
drogas pelo sujeito é contemporâneo ao desencadeamento do surto 
psicótico; corroborando a experiência clínica de que, em alguns casos, 
as drogas fazem um espéé:íÊfdê em"i:>"üxô ào desencadeàmento da psico­
se-fato observado, sobretudo, nos jovens. 
DROGAS � DELÍRIOS 
No relato , falta-nos precisar se o uso de drogas por Ricardo foi, 
antes do desencadeamento, de uma forma regular; para que possamos 
pesquisar sobre uma outra função das drogas : a de contenção do surto e 
de equilíbrio do sujeito: 
Drogas 
De líri o 
O segundo aspecto é o de que o uso das drogas se interrompe 
com o aparecimento do delírio, não integrando-se à elaboração delirante 
do sujeito , contrastando-se com a função desempenhada pelo livro "A 
arte de amar'' , que fornece elementos significantes para a reconstrução 
deli rante do sujeito. 
Ele atribui ao livro uma s13.r!��9_e _sintomas de estranheza, que 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
podemos agrupar em torno dos temas dos distúrbios da identidade do Eu 
e do corpo; temas estes que a psiquiatria clássica distinguia como sinto­
mas de primeira e segunda ordem; sendo a lguns destes sintomas 
patognomônicos dos quadros de esquizofrenia. 
O I DEAL DO EU E OUTRO GOZADOR' 
O esquema R foi construído por Lacan, em "Uma questão preli­
minar . . . " , e serviu-lhe para demonstrar que a constitu ição do sujeito e o 
campo da realidade jogam-se na articulação entre o registro do Simbólico 
e do Imaginário, reafirmando, o que fora estabelecido, anteriormente, no 
texto " O estádio do espelho" , momento de constitu ição do sujeito, em 
que os registros Simbólico e Imag inário se articulam3 • 
cpr--·-i M 
: S 
m 
• • 
'S 
A 
p 
O traço unário se situa no mesmo lugar do Ideal do Eu ( 1 } , 
sendo que I M forma uma linha divisória entre os triângulos dos registros 
Simbólico e Imaginário. 
O sujeito está, portanto, conformado pelos dois triângulos , sen­
do que na relação imaginária aparece identificado ao falo imaginário ( <p ), e 
que as identificações imaginárias que formam o eu, se colocam no eixo mi . 
I sto é, o Ideal do Eu é a raiz simbólica das identificações imagi­
nárias, e ele funda a URBILD do suje ito e desempenha o papel de 
regu lagem das identificações que sustentam o Eu ideal. 
y · 
m <= 1 
O Ideal do Eu , por sua natureza significante, desempenha pa­
pel relevante na const itu ição do sujeito. O I deal do Eu-garantia do 
3 Por isso, Lacan situa M, a título de significante do objeto primordial. Ver De um 
Questão Preliminar .. , in: Escritos, p.559. 
Ps,côTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ----------
narcis ismo - como bem s itua o mi to desempenha, também, um papel de 
regulagem de um gozo mort ífero, expresso na tendência suicida: 
l (A) 
a 
O I sendo um dos vértices do triângulo s imból ico, se articula 
com M ( l ugar da Mãe - objeto real e lugar de desejo - DM) e o Nome do 
Pai ( P ) no l ugar do Outro ( A) , em posição terceira. Portanto, Ideal do Eu 
e Nome do Pai, no lugar do Outro, se articulam, como dobradiça. 
No esquema 1 - que Lacan produziu para expl icar o sujeito 
ps icótico, tendo como referência o caso Sch reber - ocorre um 
descentramento dos termos que compunham a estrutura quartenária do 
esquema R, em função da foraclusão do Nome do Pai - Po, produzindo 
um furo na significação fál ica, ( <I> ,) e na localização do sujeito. 
A seqüência Sa a'A, se modifica para iaa' I , a saber que o eu 
del irante substitui o sujeito e o I ocupa o l ugar de P em A. 
O Ideal do Eu não cumpre mais a função de matriz simbólica de 
natureza identificatória em relação ao grande Outro. 
Este desenvolvimento é para interrogar o lugar que Paulo ocupa 
para nosso sujeito. Por um lado, Paulo desempenha papel de l íder - "era 
muito carismático, meio psicólogo" -; já, durante o desencadeamento do 
surto psicótico, ele ocupa um outro lugar, sendo localizado como " O 
d iabo encarnado", figura do Outro gozador. Como contrapartida, resta ao 
sujeito se identificar como objeto de seu gozo: "uma cobaia". 
Podemos nos perguntar: há, na psicose, uma outra modal idade 
de arranjo entre o eu e õiitéal? 
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93 
\1�4 
. //j/.'._,_�' -�"r : 
Retomo o caso, pois o paciente, após a cura milagrosa, come­
çou a fazer planos para o futuro : ser dentista, psiquiatra ou padre.Este 
novo arranjo, entre o eu do psicótico e os ideais, seria como uma espécie 
de pharmakon para o sujeito , ou seja, ao mesmo tempo remédio e vene­
no? 
O lugar do terapeuta na condução do caso sofreria dessa mes­
ma vicissitude, em função de uma instabilidade causada pela falta de um 
ponto de estofo (point de capiton) na cadeia significante causada pela 
foraclusão do Nome do Pai? 
D E BATE 
Marcos Baptista: Acho que estes casos nos colocam duas 
questões. A primeira é que a droga desencadeia a psicose. Não sei como 
responder, mas tenho tendência a pensar que não. Não posso equiparar 
a droga a um fenômeno de intrusão nem a um fenômeno elementar tão 
típico do desencadeamento da psicose. A segunda questão refere-se à 
função de suplência da droga. 
Oscar Cirino: Parece-me que a função do tratamento, no caso 
da Ana, foi a de ofereeer-um lugar onde o paciente pudesse testemunhar 
algo do trabalho da psicose. 
Ana Regina: Eu só coloquei a pergunta sobre a função do 
tratamento, porque o paciente sempre dizia: " para que falar: " eu não 
preciso falai' . E foram quase dois anos para ele dizer isso ! 
Guy Clastres : Li este caso (muito interessante) como uma 
pequena observação,de um caso de paranóia schreberiana. Com efeito, 
encontramos uma regressão tópica ao estádio do espelho: quando ele 
fala, por exemplo, do seu corpo, ele o vê no corpo dos outros. Esta é uma 
manifestação do que Lacan chamou de regressão tópica ao estádio do 
espelho. 
O termo desencadeamento significa, para mim, revelação. É de 
alguma forma a revelação da psicose para um sujeito, isto é, ela estava 
latente e só esperava manifestar-se. Também considero que o final do 
caso é uma cura. Trata-se de uma cura freudiana, mas, no meu ponto de 
vista, é o que se pode fazer de melhor. Em outras palavras, este paciente 
tomou você (Ana) como testemunha e você funcionou, de alguma manei­
ra, como secretário do alienado: você o escutou , não o tomou como um 
louco, já que o que você escreveu mostra que há, no que ele diz, um 
sentido. ,-,�. · - · 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
Considero .ainda, que a alienação ao sign ificante divino do final 
do relato é, de alguma maneira, a conclusão momentânea de sua metá­
fora delirante ; ele se torna sujeito, alienado ao sign ificante divino. Este é 
o seu novo estado de sujeito, mas pode ser provisório, porque a foraclusão 
não pode ser apagada. Creio que não se pode empurrar um suje ito mais 
longe do que ele que i ra, ou seja, é preciso respeitar seu tempo, seu 
momento e considerar a transferência. 
Transcrição: Adelina V. Torres e Eloísa H.de Lima 
Estabelec imento: ldá/io Bahia e Fernando Grossi 
U M EXIBICIONIJTA Q UE Q U ER .fABER 
/OB RE /EU GOZO 
Sandra Mara PereiraCaso Clín ico-"Jorge", 37 anos. 
I n ício do tratamento: 20/06/97. 
Escolaridade : 2º grau incompleto. 
Pr.ofissão: construção civil-"responsável pela obra" 
I nício do uso do álcool: adolescência, por volta dos 15 anos. 
Pais : pai falecido, também trabalhava na construção civil - "Um 
homem que não mudava de idéia nunca. Mais do que eu". Mãe : -
"Controladora, policial, queria que eu fosse igual ao meu irmão que era o 
mais inteligente na escola - ela me sufoca". 
Trago este caso para uma discussão clínica com alguns objetivos 
e hipóteses: 
1 . H ipótese de diagnóstico: Neurose Obsessiva; 
2. A di reção do tratamento em uma I nstituição Pública - onde 
as questões compatíveis com o alcoolismo apontam para a 
implicação de um sujeito que não sabe porque bebe, mas 
que quer saber-demonstra, clin icamente, que a referência 
psicanalítica é a possib ilidade deste sujeito encontrar sua 
saída para seu mat-estar; 
3. A posição fantasmática, entrelaçada às alucinoses e aos 
delírios na fase de abstinência, revela a possibilidade de uma 
. . ---entrada,em análise; 
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4. A transferência: a posição do analista e seu desejo vêm 
delineando a construção, por parte do paciente, de seu sin­
toma; 
5. O álcool aparece como recurso e manobra para evitar a cas­
tração, fortalecendo o fantasma. 
FAIE 1 - DAI ENTREVlflAI PREUMINAREJ 
"Bebo por beber. " 
''Quero parar de beber porque atrapalha meu rendimento no trabalho". 
Este paciente chegou ao ambulatório, encaminhado pelo Hos-
pital Alberto Cavalcanti, após ser atendido em uma crise de abstinência 
alcóolica, com quadro de alucinose e delírio. Foi medicado e liberado. 
Jorge revelou uma pos ição de desconfiança, mas, já na primei­
ra sessão, informou que mora com a mãe em um bairro "familiar", onde 
conhece e é conhecido por todos. Seus irmãos e irmãs são casados e 
moram no mesmo bairro. O pai faleceu, em maio daquele ano e, após 12 
dias, encontrou um irmão enforcado no quarto. Naquele período estava 
abstinente, tentando controlar a bebida. Depois que enterrou o irmão, 
relata que foi para o bar beber. Em junho apresentou a primeira crise -
:'Percebi que meu irmão estava triste, mas não fui capaz de perceber q ue 
ele estava muito mal, não consegui controlar, me senti culpado". 
Na segunda sessão, o pc. começou a revelar qual seria o lugar 
do analista na transferência: "você não sabe o quanto foi importante você 
não ter se sentado numa mesa" . 
Sentar à mesa - Posição de mestre. 
Jorge trazia sempre uma pergunta para as sessões, tentando 
encontrar as respostas, pensando, ruminando, avançando, recobrindo 
qualquer possibilidade de divisão subjetiva. 
Apresentou-se como "um cara desconfiado", "radical", "que gosta 
de estar sozinho", "esperto", "inteligente". Sempre fazia um "pré-julga­
mento das pessoas", onde o imaginário delineava suas relações. O álco­
ol vinha para reafirmar seu pensamento de superioridade, colocando-o 
como "diferente". 
Questões trazidas - "Se eu sempre quis ser independente, por 
que eu me deixei viciar em bebida?" "Será que eu posso retomar o contro-
1ª.da bebida?" "Quero aprender a ouvir as pessoas. Por que será que eu 
sempre achava que sabia e não aceitava discussão?" "Não aceito falhas 
dos outros no trabalho, porque sou o responsável , então prefiro pegar o 
peso todo, mas já está me sufocando. Por que isso agora, se antes eu 
até gostavâ9" · · -
PSICÔTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
Em abril de i 998, voltou a beber, exatamente quando trabalha­
va a dificuldade em aceitar as diferenças entre as pessoas - "O que une 
as pessoas, apesar das diferenças?". I nterrompeu o tratamento por 5 
meses. 
FAfE l i - DAf ENTREVlfTAf PRELIM INAREJ 
"Perdi o controle totalmente". Retornou ao tratamento, em se­
tembro de ·1998. 
Um dia antes de vol tar ao CMT, reapareceram as alucinações 
e os del írios. Nesta fase do tratamento, surgiu uma dúvida diagnóstica de 
psicose, devido à gravidade do quadro. Ouvia vozes acusatórias e amea­
çadoras. O paciente pensou em se matar, mas não teve coragem. Partiu 
então para um ato de auto-ag ressão violenta. - "Me dei uma surra com um 
pedaço de pau no meio do mato". "Sou radical comigo mesmo, agora 
estou aliviado". 
Jorge cometeu "algo" que o angustiou, provocando arrependi­
mento e culpa, passou ao ato no real do corpo, sentiu-se aliviado, foi 
parar no Pronto Socorro. 
"Foi alucinação, mas teve um ponto de verdade" . 
"Foi alucinação . . . " e Delírio: T inha traído o amigo, porque tinha 
transado com a vizinha, que é mãe dele. Os vizinhos queriam matá-lo. 
Além disso, sentia que tinha traído a si mesmo, quando abandonou o 
tratamento: "Achei que conseguia sozinho, foi difícil voltar, porque estaria 
admitindo para mim mesmo que não podia resolver tudo sozinho" . 
Volta ao mesmo ponto em que estava quando interrompeu o 
tratamento, ou seja, a dificuldade de aceitar as diferenças: "Eu não acei­
tava que tinha limitações". 
Retomou sua vida, seu trabalho, sua família e suas amizades. 
Voltou a beber. Em dezembro - período de férias da analista -, o paciente 
decidiu interromper a bebida no réveillon. Nova crise; foi medicado no 
Hospital Alberto Cavalcante; retornando para o CMT, acompanhado por 
sua mãe, que queria interná-lo. 
Medicado pela psiquiatria no CMT, não conseguia livrar-se das vozes. 
O paciente foi introduzido no Núcleo de Atenção Psicossocial 
do CMT, visando um acolhimento, nesta fase de sofrimento mental e pres­
são familiar para internação. 
Questionou multo tal encaminhamento, mas permaneceu por? dias. 
No quadro delirante, o conteúdo se repetia: a perseguição da 
vizinha. Logo depois, veio a decisão de revelar o que estava acontecendo; 
--as·alucinações auditivas já não eram acusatórias e sim amigáveis, che-
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POH QUE SE DROGAM TANTO? ---------
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gando até mesmo a manter um diálogo com elas . Dizia que esta crise 
estava demorando mais a passar - "será que é porque eu estou gostando 
de me sentir superior?" . "Eu até levei um tiro do vizinho e não morri, me 
senti inatingível". Estava sendo medicado com Haldol 3mg/d e Tegretol 
400 mg/d. 
Apesar das alucinoses, estava evidente uma escolha do paci­
ente pela posição de "superioridade". Uma pergunta foi introduzida para o 
paciente - "você já avaliou os efeitos disso?" 
Nas sessões seguintes, queria descobrir as implicações e m 
sua vida e concluiu que não conseguia diferenciar realidade da fantasia . 
" . . . mas teve um ponto de verdade". O segredo foi revelado. 
Aos 1 2 anos de idade, seus pais transferiram-no para o turno 
noturno da escola, para que ele começasse a trabalhar e fizeram isso 
sem consultá-lo. Revoltado, decidiu que não precisaria de ninguém para 
resolver seus problemas. Sua sexualidade aflorava intensamente, pas­
sando a masturbar-se de maneira ins istente e rotine ira. 
Um dia, a vizinha - que tem uma janela de frente para o quarto 
dele - estava olhando e o surpreendeu praticando tal ato . Jorge ficou de­
sesperado, com medo dela contar para sua mãe. - " Isso não aconteceu e 
continuo aJé hoje". 
Passou a se exibir para a vizinha, depois se exibia para outras 
mulheres em vários locais públicos: c inemas, supermercados , ôn ibus, 
rua etc. 
O álcool facilitava o exibicionismo: "eu perdia o temor da proibi­
ção". "Sentia um prazer absoluto, me sentia completo". 
Teve a primeira relação sexual aos 23 anos e concluiu que não 
era poss ível sentir-se "completo", tal qual no exibicionismo. 
O exibicionismo era composto por uma cena: "tinha que estar 
alcoolizado, t inha que ter uma mulher olhando; se ela não olhasse eu não 
conseguia ereção". 
Com a abstinência do álcool, Jorge começou a se exibir e con­
cluiu que isso não era provocado pela ingestão de bebida: "sei que isso é 
meu mesmo, que sai de dentro" . 
A sua vida adquiriuuma novo enquadramento, com uma res­
ponsabilidade do sujeito em relação aos laços sociais , passando a valo­
rizar a vida familiar, os amigos e a respeitar os colegas de trabalho. Não 
conseguia mais conciliar o exibicion ismo com seu novo modo de vida, 
s�m vivenciar uma culpa e um "incômodo". - "Se eu continuar com o 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
exibicionismo, posso ser pego e perder tudo o que conquistei, sei que 
sou capaz de abrir mão disso, só não sei se quero. " 
O objeto do fantasma, o olhar, apontava para um assujeitamento 
ao Outro, desvelando uma modalidade de satisfação pulsional. 
"Exibicionismo em local público para a sociedade é impróprio, 
mas na minha cabeça não é. I mpróprio prá mim é que eu sempre estava 
alcoolizado, se fosse natural, sem álcool, não seria impróprio" . 
O /ABER P/ICANALÍTICO CON/TRUÍDO A PARTIR DA PARTICULA­
RI DADE DO /UJEITO 
Apesar de elaborar um conhecimento sobre sua questão com o 
álcool, o sujeito tentava recobrir a falta através do álcool e, mais, conse­
g uia um gozo absoluto, prescindindo do corpo do Outro no exibicionismo. 
Poderíamos propor a hipótese da reafirmação de sua posição fantasmática? 
Os temas, relacionados à trama neurótica do envolvimento se­
xual com a vizinha, retornaram no período de abstinência alcóolica atra­
vés dos delírios e das alucinações auditivas . O mal-estar deflagrado pro­
piciou a decisão dar significado a um gozo absoluto. . 
A relação transferencial - sustentada pela suspensão de uma· .. . . 99: . . , 
solução prévia de seu alcoolismo, fora da lógica da mestria - promoveu 
um questionamento, por parte do sujeito, de seu modo de gozar. 
O significante "impróprio" surge como uma possibilidade de 
entrada em análise, uma vez que possibilita relacionar o gozo absoluto e 
a perda de gozo. 
Jorge apresenta-se como um sujeito rigoroso e moral, com um 
desejo de tudo controlar, tudo dominar. No campo da sexualidade, obses­
sivamente, luta por um gozo sem falta. O "Eu" está numa relação estreita 
com o que dá prazer e o "sujeito" está mergulhado no que está para além 
do prazer. 
E o exibicionismo pode ser configurado como um traço perver­
so, intenso, entrelaçado à culpa neurótica, na tentativa de evitar o con­
fronto com a castração? 
A direção do tratamento vem delineando uma mudança das re­
lações do sujeito com o gozo, a fim de propiciar uma perda que opere 
uma entrada em análise. 
· · ·��----'· 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
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Bibliografia 
LACAN, J . O Seminár io , Livro 4, A Relação de Objeto . R io de Janeiro :J . Zahar 
ed , 1 994. 
LEGUIL , F. A entrada em anál ise e sua articu lação com a saída. Salvador: Fórum 
I niciativa Escola, 1 993. 
DOR, J. Estruturas e Cl inica Psicanalítica. Rio de Janeiro: Timbre-Taurus, 1 99 1 . 
DEBATE 
Fernando Grossi : Queria agradecer a apresentação de Sandra 
Mara Pereira e convidar Fernanda Medina para fazer seu comentário. Em 
seguida, abriremos o debate_ 
Fernanda Medina: Vou destacar três pontos que cons idere i 
importantes no caso. 
O relato deste caso deixa alguns pontos para discussão, entre 
eles, o da dúvida diagnóstica. Na descrição dos fenômenos vividos pelo 
paciente foi usada a palavra alucinose e não alucinação. I sto chamou 
minha atenção de imediato. Teria sido um uso equivocado do termo ou 
uma indicação da opção diagnóstica da terapeuta? 
O paciente faz um relato de alucinações (alucinose?) auditivas, 
sentimento persecutório e um pensamento delirante (deliróide?) com al­
guma sistematização. Caberia determinarmos em que momentos isto se 
deu, no intuito de se fazer uma separação entre aquilo que resulta do 
efeito da substância e aquilo que se constitui como um fenômeno ele­
mentar próprio da psicose. Mas estes fenômenos bastariam para deter­
minar a estrutura deste sujeito? 
Também é relevante, parece-me, que certas partes do relato 
deste paciente podem indicar a função que o álcool desempenha em sua 
vida. E le diz, de várias formas, que é atormentado por um supereu feroz, 
sempre exigente, que lhe impõe a necessidade permanente de punição: 
" Me dei uma surra com um peqaço de pau no meio do mato "· " Sou 
radical comigo mesmo, agora estou aliviado "· Num outro momento, te­
mos a confirmação do papel facilitador do gozo, desempenhado pelo ál­
cool: " Eu perdia o temor da proibição "· Sem o álcool vinha o incômodo 
e a culpa. 
Finalmente, um breve comentário em relação ao posicionamento 
do sujeito diante do Outro. Ele se dá ao olhar do Outro, mas não numa 
posição de objeto do gozo do Outro - posição própria do psicótico. Eu me 
pergunto sobre a vivência do psicótico em relação ao olh�r do Outr_Q, j;;_m 
geral, esse olhar é ameaçador e invasivo. Este caso não fala de imi súJei-
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE OROGAM TANTO? ---------
to atormen tado pelo olhar do Outro, mas de um sujei to que goza com 
este olhar. 
Sandra Mara: É o olhar da mesma vizinha. São dados da rea­
l idade, digamos assim, Ao en trar nessa fase de abstinência é que. logo 
depois, vem a crise da alucinose. Quero só destacar que essa úl tima 
crise - em que ele vai parar no Pron to Socorro, depois no NAPS, e que 
acaba na revelação do exibicionismo - se manteve por mais tempo que as 
outras. 
Oscar Cir ino: O fragmento - "exibicionismo em local públ ico 
para a sociedade é impróprio, mas na minha cabeça não é" - me fez 
lembrar do filósofo grego Diógenes, o Cínico, que, em sua suposta auto­
suficiência, se masturbava publ icamente, contestando as normas e re­
gras sociais. Trata-se de um tipo de gozo auto-erótico, preso ao próprio 
corpo, em recusa ao corpo do Outro. Foi uma lembrança que parece 
caracterizar bem a posição desse sujeito. 
Guy Clastres: Como dizer, estou embaraçado. Creio que ele 
seja um psicótico assim mesmo. É um psicótico complicado, pois é 
também um perverso. Eu nunca vi um obsessivo, por exemplo, passar ao 
ato de exibicionismo e fazer desta passagem ao ato uma conduta moral. 
Neste caso, é preciso interrogar a clin ica do próprio sujeito e o efeito que 
o álcool tem sobre esta cl inica. O álcool é considerado p_elos a lcoól icos 
como uma droga afrodisíaca. Considera-se - os alcoól icos dizem - que o 
vinho é sempre, de alguma maneira, associado ao falo, ao gozo fál ico. 
En tão, neste caso, é muito difícil saber o" que é da estrutura fundamental 
do sujeito - que me parece psicótica - e o efeito cl in ico secundário do 
álcool como droga que retira as inibições do sujeito e o autoriza a colocar 
em ato suas fan tasias perversas. 
Mas, de toda maneira, é sempre complicado associar uma 
dessubjetivação psicótica, como parece ser o caso, com uma estrutura 
perversa, onde, necessariamente, a fan tasia se mantém. 
Fernando Grossi : Atendi este caso como psiquiatra, e pareceu­
me, inicialmente, tratar-se de um caso que a psiquiatria qualifica de alucinose 
alcoólica, onde há uma prol iferação de vozes acusatórias ao sujeito que, 
em alguns momentos, cursa ou não com alguma alteração do estado de 
consciência. Assim, o tratei como um quadro de alucinose alcoól ica. 
O que me chamou a atenção foi que o delírio se articulava com 
a questão fantasmática do sujeito. Foi este o ponto que me fez levé;in tar a 
possibilidade da perversão. Constatei, após a melhora do quadro psiquiá­
trico, que o que emergiu no primeiro plano foi a questão fan tasmática - o 
modo do sujeito gozar - no exibicionismo. Então, o debate, nas nossas 
reuniões clínicas, girou em torno da neurose obsessiva e da.perversão. 
PSICÔTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
1 01.;l 
�� 
Guy Clastres: E le bebe todos os dias? 
Fernando Gross i : Digamos que é um caso de alcool ismo 
crôn ico , já com compl icações psiqu iátricas . 
Guy Clastres: É um caso de Korsakov4? 
Fernando Grossi : E le fez um quadro de alucinose alcoól ica, 
mas não de demência alcoól ica. O t ratamento tem lhe possibi l itado, in ­
c lus ive, sa i r desse caminho. 
SandraMara : Acho que poderíamos tomar vários pontos re la­
tivos à h ipótese da neurose e vários outros que apontam para a ps icose e 
os traços de perversão. Apesar de alguns colegas defenderem o diagnós­
tico de psicose, venho sustentado o d iagnóstico de neurose durante nos­
sas discussões . Penso que é um caso compl icado quanto ao d iagnósti­
co estrutural e também quanto ao manejo do tratamento. 
Fica bem evidente o que você fala sobre o efeito de caráter 
afrod is íaco do álcool neste caso. O álcool dá uma s ustentação ao 
exibic ionismo desse suje ito, d i rig ido ao Outro sexo. 
Atualmente, ele se pergu nta pelo lugar dessa mu lher que, até 
então , só participava, nessa parceria, com o o lhar. Se antes ele se sentia 
muito bem, atua lmente a sol idão é causa de mal-estar. Po r isso, e le 
passa a querer, de fato , se envolver com uma mulher. 
Ao mesmo tempo em que vem constru indo esse outro lugar 
, JC:,2 
, para uma mulher, ocorreu um episódio, em que bebeu excessivamente, 
·. : ,_�;-: :�-- - teve uma nova crise de a lucinose. Conclu iu que era preciso abandonar o 
álcoo l , o que o deixa num impasse, já que acreditava que poderia contro­
lar tanto a bebida quanto o exibic ionismo. Almeja um contro le do gozo 
que , até agora, tem sido imposs íve l . 
M inha questão é : Como o sujeito d iante de uma real idade des­
favorável- proximidade com a vizinha e amizade com seus f i lhos- conse­
gue abri r mão do exib ic ionismo e do álcool , sem se posicionar na trama 
fantasmática? 
Guy Clastres: Estou tendendo a pensar que esse sujeito bebe 
como um barri l , para tapar o buraco . Um suje ito que tem experiência 
subjetiva psicótica é u m psicótico. Compreendo a lguma coisa de psico­
se, mas não tenho certeza. Se o suje ito encontrou o bu raco, ele não 
esquecerá jamais. É a lguma coisa que estará inscrita em seu ser. Seu 
• Sergei Korsakov ( 1 854-1 900). Psiquiatra russo que, em 1 887, publ icou uma monografia 
sobre "Os distúrbios da esfera psíquica na paral isia alcoólica e suas relações com as 
perturbações psíquicas da polineurite não-alcoólica", que imortalizaria seu nome . Em 
1 897, foi proposto que se chamasse de "doença de Korsakov" a entidade clínica que 
ele descreveu. 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ----------
ser de psicótico está no buraco . Já o sujeito neurót ico com seu s intoma 
fica em tomo e não dentro do buraco . 
Sandra Mara: Nesse comentário , você me traz um dado muito 
precioso. Esse sujeito se depara com o vazio, traz esse vazio como 
questão, se angustia, sofre . . Agora, ele está nesse buraco. Essa seria a 
experiência psicótica? 
Fernando Grossi : Compreendo a metáfora ut ilizada por Guy 
Clastres: a do psicótico dentro do buraco e a do neurótico com seu sinto­
ma, se arranjando em tomo do buraco, mas não estou muito convencido 
disso. O episód io de alucinose é algo psicótico , do ponto de vista da 
fenomenologia psiquiátrica, mas não pude constatar, do ponto de vista da 
psicanálise, o suficiente para afirmar o�diagnóstico de psicose. 
São, s im, estados temporários de intoxicação. 
Guy Clastres: É preciso saber qual é o estatuto das aluci na­
ções. Quando se trata de um retorno do real - que visa o sujeito, que o 
mesmo d ialoga com essas alucinações e com suas vozes - i sto é psico­
se. Porque nem todos os alcoolistas que bebem muito apresentam fenô­
menos semelhantes. Estamos de acordo? 
Rosana Baccarini : Sandra, você d izia que esse segundo epi­
sódio de alucinose acontece exatamente no momento em que alguma 
coisa da relação com a mulher se modifica. Ou seja, quando não dá mais 
para ele ficar na posição exibicionist!:l ! r�ssa relação _com o olhar da 1 O� · 
mulher. Não seria este um pontó para clarear o diagnóstíco? Enquanto -.., ..... ,,..., 
ele se exibe fica estabilizado, mas quando ele é chamado a se haver com 
a questão da mulher surge o episódio da alucinação. 
Pergunta: Percebi que você está bem convicta do diagnóstico 
de neurose obsessiva. Não tenho muitos conhecimentos sobre a obses­
são, mas não percebi dúvidas, rituais etc. 
Cleyton Andrade: Fui estimulado pelo comentél.r io de Oscar, 
sobre Diógenes, e por um trecho do caso clínico quando o paciente diz: 
"Me dei uma surra com um pedaço de pau, no meio do mato. Sou radical 
comigo mesmo, agora estou aliviado". 
Lembrei -me do filme Clube da Luta, onde há um personagem 
psicótico, que faz exatamente esse ato de se surrar, para se al iviar. Ele 
repetia esses atos para evitar o confronto com a luta. 
Sandra Mara: O fato de acred itar no diagnóstico de neurose 
não torna o caso menos grave nem me desresponsabiliza no cu idado do 
manejo. 
Esse buraco - e seu· em torno - é uma ind icação clín ica impor­
tante. Essa crise, quando reaparece a alucinose, é num momento do 
tratamento, em que já existem novos laços, em que o sujeito já permane-
.•-. _:....; ;�_; 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
eia estabil izado há algum tempo. Estou apostando na e laboração do su­
jeito. 
Com relação à neurose obsessiva, um dos indicadores nesse 
caso é a culpa e a angústia dessa escolha do exibicionismo. Em mo­
mento algum ele se define como alcoólatra, viciado. Admite ter proble­
mas com a bebida, mas diz: " Sou exibi6:ionista" . É a forma de apresen­
tação do ser do sujeito que deve ser considerada. Há, por outro lado, uma 
identificação com o pai, que bebia e também trabalhava na construção 
civil. 
Guy Clastres: Continuo embaraçado para comentar este caso, 
mas q uero dizer algumas coisas. O diagnóstico de neurose se faz sem­
pre positivamente a partir da re lação que u m sujeito manifesta entre o 
desejo e seu sintoma. Na neurose obsessiva há a dívida, a angústia por 
detrás e os pensamentos obsessivos. A neurose obsessiva é um doença 
do pensamento e e la se manifesta por sintomas precisos. Não vi e não l i 
neste caso, esses sintomas. Em todas as neuroses obsessivas, que 
encontramos em análise, há sempre uma neurose infantil . Não posso 
dizer o mesmo deste caso. Penso que não se deve tratar este sujeito 
como neurótico, mas tentar escutá- lo sem pré-ju lgamento para saber o 
que a 1ransferência vai revelar e permitir construir. 
Transcrição: Adelina \l Torres e ldálio V.Bahia 
Estabelecimento: ldálio Bahia, Fernando Grossi e Oscar Girino 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ----------
4 
TOXI COMAN IA 
& ADOLEJCÊNCIA 
TOX ICOMANIA & ADOLEJCÊNCIA 
A PROPÓJITO DA TOXICOMANIA 
Guy C/astres 
A questão da toxicomania, ou melhor, das toxicomanias - ques­
tão esta que o discurso médico-psiquiátrico atual faz referência sob o 
termo de « adição » - tornou-se um dos mais graves problemas de nossa 
sociedade industrial: um sintoma do mal-estar na civilização, com suas 
conseqüências médico-legais, policiais e judiciárias. 
Uma vez que a toxicomania tem o valor de um sin toma social, 
não sign ifica que ela seja estruturada como os sintomas analisados por 
Freud na neurose ou na psicose. Na realidade, não é possível esquecer a 
natureza do produto tóxico: o álcool, os produtos industriais, as drogas 
farmacológicas - que entram no circuito comercial legalmente - e as dro­
gas proibidas (como, por exemplo, a heroína, a cocaína e o crack). O 
efeito particular destas drogas sobre a fisiolog ia do corpo con tribui para 
complicar a clín ica do sintoma propriamente dito. 
Se os sintomas neuróticos se prqduzem como efeito de preci­
pitação em conseqüência de um encontro com um real não subjetivado; 
se eles tomam a forma de uma fobia, de uma obsessão, de uma conver­
são ou uma psicose; as toxicomanias são consecutivas ao uso voluntário 
de um produto, que visa esquivar, fazer curto-circuito do que para todo 
sujeito, para todo ser falante, é a conseqüência de que ele seja sujeito ao 
sexo e à morte, ou seja, sujeito ao que Freud chamou de « angústia de 
castração » . 
A pulsão é o conceito inventado por Freud para designar, no 
inconsciente, o traço psíquico da sexualidade, que ela (a pulsão)só re­
presenta parcialmente. 
<p é o materna pelo qual Lacan simboliza o falo - o signi ficante 
da vida -, mas também a marca que lembra ao sujei to sua dívida, sua 
inscrição na estrutura e na ordem dos discursos. É esta marca que o 
toxicômano quer apagar, rejeitar. E le se recusa, totalmente, a saber 
(foraclusão). Ele institui a droga - não importa qual seja - como seu objeto, 
esperando que o fará gozar à vontade, ou seja, gozar segundo seu bem 
entender, seu bem-querer (um bem-querer que ele imagina domin ar com 
mestria). · 
Este fantasma sé exprim�. in icialmente, como uma vontade de 
P SICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
gozo que rejeita a perda e seu efeito subjetivo de falta. 
Desta forma, o toxicômano torna-se subseNiente a essa vonta­
de de gozar pela droga. Droga esta que passa a ser uma condição abso­
luta, pela qual o sujeito estaria d isposto a matar um outro; pela qual ele é 
capaz de esquecer a Dívida, a lei, os laços familiares e os laços sociais 
fundamentais. 
Rapidamente, o que era um fantasma de mestria, de domínio 
do gozo, retorna ao sujeito na busca desesperada e catastrófica, de ou 
mais produtos com os efeitos de degradação fisiológica e social que se 
seguem. 
O laço social, assim institu ído, é mínimo, regrado unicamente 
por um mercado, que se organiza fora dê toda ética comercial - clandes­
tinamente - o que acrescenta à droga um valor particular. 
O amor pelo outro e o desejo desaparecem em proveito de uma 
pulsão de morte que faz retorno no real, no real do corpo e de sua fisiolo­
g ia e na destituição de todos os laços s imbólicos . 
Desde sempre, em todos os lugares, as drogas, sejam elas 
lícitas ou proibidas , terão por função « tratar » a dor de existir. 
A melancolia ou as g randes crises psicóticas são uma expres­
são clínica da dor de existir. 
Poderíamos dizer que, na toxicomania, a obediência ao impe­
rativo.do gozo realiza.experimentalmente, o horror da existência. 
A parti r desta fenomenologia podemos nos perguntar: 
- Como o toxicômano vai poder fazer-se paciente em uma 
relação, sustentada por uma d ialética, que coloca em ques­
tão sua submissão a um imperativo de gozo e sua recusa 
ao saber? 
- Como esta relação dialética, que estrutu ra, habitualmente, 
o laço do desejo ao desejo, poderia fazer a modificação da 
obediência ao impossível do gozo em subjetivação do sinto­
ma? 
- Como fazer suplência à recusa da elaboração simbólica, ou 
seja, como restau rar a função da palavra e o engajamento 
da demanda, se a perda não é tolerada? 
Como restaurar o laço social, que permitiria substitu ir o ato 
de v iolência do consumo de droga pelo ato de uma palavra 
em transferência, em nome de u m amor pelo saber? 
Vis ivelmente, a taref� é dura, parece imposs ível; e o discurso 
analítico não parece oferecer o melhor caminho que facilitaria esta modi­
ficação. Entretanto, só o discurso analítico permite decifrar a contusão 
cl ínica que a toxicomania acrescenta à questão do sujeito. 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
1 07. 
Este discurso permite perceber como o discurso da ciência -
na sua extensão e nas suas realizações a partir de sua aliança com a 
un iversalização do mercado - contribui para a realização de uma toxico­
mania autorizada, que visa os sintomas do mal-estar de nosso tempo, 
que, Freud, aliás, já tinha percebido e nos assinalava em seu texto « Mal­
estar na civilização » , de 1 929. 
Tradução: Sy/vana C/astres 
Revisão: Fernando Grossi 
O/ NOVO/ JINTOMAJ E A JEGREGAÇÃO 
DO INCONJCIENTE 
Maurício Tarrab 
De fato, a clínica muda e constatamos, como correlato ao declínio 
do Pai e ao fortalecimento do supereu, uma diminuição da culpa, que 
corresponde a um arco que se estende, tendo, em um extremo, a angús­
tia e, no outro, a depressão. 
Podemos enumerar: 
a diminuição da culpa como resposta, como tratamento 
simbólico do gozo. 
• o aumento da angústia como testemunha de que o que 
i rrompe no Real, sem mediação, encontra com a boca do 
crocodilo materno, sem esse bastão que é o Nome-do-Pai , 
que deveria estar aí para limitar seu capricho. I sto produz 
todo um leque, no qual se i ncluem, hoje, os tão populares 
ataques de pân ico, que têm, a meu ver, o mesmo estatuto 
que as neuroses freudianas atuais. Irrupção de uma angús­
tia sem ligação, sem "processamento psíquico" . 
• a propagação da tmania como forma de normalidade 
(stress) para os sujeitos emancipados do sign i ficante, re­
metidos ao objeto que os real iza - como.na mania, o esgo­
tamento do próprio sujeito em sua atividade gozosa. Sinto­
ma funcional da modern idade que leva às formas da 
idiotização no agir. 
a urgência do "não penso", da passagem ao ato, que 
atualiza as formas do agir ao invés do dizer, que vão desde a 
toxicomania até a bulimia, anorexia, e as chamadas patolo-
··g,as do ato. . . . . 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR Q U E SE DROGAM TANTO? ---------
gação. 
• o descrédito no sintoma que o deixa intocável em sua 
repetição de gozo autístico, anulando sua dimensão simbó­
l ica de mensagem. 
• a inércia da depressão como paradigma de uma greve, às 
vezes por tempo indeterminado, com relação ao saber. 
De um extremo ao outro: rechaço do inconsciente, sua segre-
É sobre este ponto, onde os sintomas contemporâneos resis­
tem em entrar no d iscurso, que podemos pensá- los. Não só se eles são 
novos ou não, mas se é possível estabelecer uma conexão entre esse 
gozo autístico da repetição e o Outro. Ou seja, se é possível fazê-los 
entrar no campo freudiano. 
A toxicomania, a buli mia, a anorexia, os ataques de pânico 
não são, certamente, sintomas freudianos. Estão mais próximos do que 
Lacan chama de operação selvagem do sintoma e na contramão da ver­
tente simbólica do sintoma como mensagem. Daquilo que se define como 
sintoma: isto que não necessita em nada de vocês. O sintoma não pede 
nada. O sintoma não quer dizer nada, ele é uma fixação de gozo, rechaço 
de saber, rechaço do inconsciente. 
Sabemos que aí também estão as chances do analista, consi­
derando a operação que ele deve faz�r sobre o sintoma. Ou seja, tomar o 
sintoma como significante e completá-lo para fazê-lo entrar no discurso. 
Esta mudança, experimental, do sintoma, consiste no invento 
freudiano para tratar o mal-estar. É o sintoma que responde, quando inter­
rogado, como uma mensagem cifrada que se pode ler e que, quando 
decifrada adequadamente, livra o sujeito dele. 
Não é o caso da toxicomania, ainda que esta seja a orientação 
que deva tomar a sua clínica. 
Não há, creio, nada mais ilustrativo do que a toxicomania para 
a consideração deste aspecto, quero dizer, do aspecto do sintoma como 
funcional e do sintoma como disfuncional. 
A drogadição mostra - e o toxicômano demonstra - que isto 
funciona, e funciona para o gozo. Esta prática que viabiliza a intoxicação 
- com a qual se busca resguardar-se do mal- estar, e demonstrar a 
inexistência do inconsciente - funciona. E quando isto funciona, não há 
quem o detenha. Nem o Mestre, nem o Pai, nem a mentira da palavra, 
nem uma mulher .... quer dizer, nem o Ideal, nem a lei , nem o simbólico, 
nem o falo. Justamente, porque é um funcionamento calcado na ruptura e 
em uma experiência que tem a posi tividade, a certeza do gozo, com a 
qual trata o vazio do sujeito. 
Mas a clínica nos informa também sobre o ponto onde há um 
PSICÔTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
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desarranjo, onde há um excesso de certo l imite, seja um l imite no Outro, 
seja um l im ite no próprio corpo. 
Em outras palavras, além do êxito do funcionamento, encontra­
mos também o momento, a ocasião de fracasso deste funcionamento. 
Nestes pontos é onde se iniciará uma outra cena, que é a do 
sofrimento produzido justamente por aqui lo que afastava do sofrimento. 
Trata-se da cena que compõe a grande maioria dos tratamentos destes 
pacientes. 
Aquele que rompia c inicamente com o Outro, agora i rá ao Ou­
t ro, articularáuma demanda para que o Outro demonstre que pode fazer 
funcionar as coisas. Ou seja, para que o Outro o coloque a ponto de, 
outra vez, recomeçar. 
O que funcionava para o gozo, ainda quando o sujei to não esta­
va aí representado, perdeu sua eficácia e tornou-se disfuncional e, certa­
mente, se funcionasse, não vi ria ver-nos. 
Isso é o que chamamos de "operação toxicômana"1 , que é uma 
operação segregativa, que esvazia, separa toda sign if icação. 
A intoxicação requer não falar. E sabemos que a única chance 
c l ínica que temos é a de "fazer falar''. Fazê-la passar a dizer. 
Falar, por certo, não é garantia de nada, mas afasta, temporari­
amente, a morte, como sabia Sherazade, que falava para não ser execu­
. tq.da. 
Ao contrário, como uma Sherazade que não percebe estar ca­
sada com a morte, não falar para permanecer nessa satisfação que esva­
zia a s ignif icação, que evi ta o matrimônio com o falo, que alivia a 
indeterminação do desejo, que defende contra a metonímia infini ta da 
perda do objeto e contra essa morte que o significante impõe. Temos que 
reconhecer: são muitas as vantagens ! 
O q ue o toxicômano procura, é uma maneira de manter-se se­
gregado do dizer. Fora do discurso, na positividade da repetição do gozo. 
Se os sintomas atuais - dos quais a toxicomania é um paradigma 
- resis tem ao discurso, a aposta anal ítica é fazer que se traduza em 
termos de saber o que se real iza como gozo. 
Quer dizer, trata-se de romper a greve do falo - que, no caso do 
toxicômano, o mantém fora da competição soc ial - e de colocar em traba­
lho o inconsc iente. 
Como se vê, há uma oposição evidente entre a experiência do 
' Maurício Tarrab. Uma experiência vazia. Texto apresentado na Jornada de Toxicoma­
nia da Escola Brasileira de Psicanálise - Seção Rio , em 1 998. Publicado em O bri lho 
da ( in)fel ic idade, Rio: Contra C�pa, 1 998, p . 1 49- 1 56. 
PSJCÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ----------
tóxico e a experiência da psicanál ise, entre a "operação toxicômana" e a 
operação anal ítica. U ma rechaça o inconsciente, e a outra - enquanto 
operação de castração - espera produzí- lo 
Trata-se também de situá-lo em um novo ponto de segregação, 
a segregação que há entre o Um da repetição e o dois da cadeia. 
Tradução: Carla Silveira e Oscar Girino 
Obs.: Artigo apresentado na XI Jornada do CMT, em dezembro de 1998. 
Publ icação autorizada pelo autor. 
O ADOLE/CENTE, A DROGA E O LAÇO JOCIAL 
DO CAPITALIJMO 
Oscar Cirino 
I n icialmente, gostaria de discutir o título deste artigo, pergun­
tando se existe, de fato, um laço social no capitalismo. Sabemos que 
Lacan, em Televisão, preocupa-se com a miséria e o mal -estar na 
modernidade, relacionando-os com o discurso capitalista (ver Lacan, 1993 , 
p.29-34). 
1 $ X S 2 i 
! 81 "-a ! 
O discurso se coloca a meio caminho entre a fala e a língua, ou 
seja, ele integra, ao mesmo tempo, dois níveis: o individual e o social. Ele 
é um suporte da fala que, de forma sempre contingente, nele se insere, 
favorecendo à constitu ição de relações estáveis. Como laço social , o 
discurso é um modo oe aparelhar o gozo com a linguagem, u ma vez que 
o processo civili zatório implica na renúncia à tendência pulsional em tra­
tar o outro como u m objeto a ser consumido.: a primeira inclinação do homem é ser o lobo, sexual e fatal, do outro homem. 
Todo laço social implica, então, em u m enquadramento da 
pulsão, resultando em uma perda real de gozo. Por isso, todo discurso é 
um aparelho, u m aparelho de gozo (ver Lacan, 1 992, p.10 -21 e p. 1 56-
171). 
' . 
Nossa questão é se o capitalismo produz,de fato, laço social, 
pois vivemos em uma "sociedade de consumo" - marcada pela sedução e 
mult iplicação de objetos -, na qual os homens não se cercam mais-de 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
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outros homens, mas sim de in formações e bens (celulares, computado­
res, carros . . . ), que se tornam rapidamente obsoletos. 
De fato, como pode o discurso capitalista promover laço social , 
se, antes de tudo, o que ele propõe ao sujeito é a relação com um gadget, 
um objeto de consumo ( $ .._ a ),prometendo que nessa relação ele 
encontrará a satisfação? Além disso, dá'-se a garantia de que se ela n ão 
for obtida, teremos o nosso "dinhei ro de volta" . 
Esse gozo prometido, e não alcançável por estrutura, leva 
efetivamente à decepção , tristeza e nostalgia do Um falsamen te prometi­
do. Por isso, a sociedade, regida pelo discurso capitalista, produz sujei­
tos insaciáveis, vorazes, em sua demanda de consumo. Promove-se uma 
nova economia libidinal, colocando-se a mais-valia, objetos de gozo, no 
lugar da causa do desejo. O sujeito, animado pelo desejo capitalista, 
apresenta-se en tão como falta-a-ser rico, e a falta-de-gozo se inscreve 
como falta-a-ter dinheiro (ver Quinet, 1999, p.14). 
Ao compararmos, por exemplo, o discurso capitalista com o 
laço social que regulamenta o discurso do mestre, verificamos a diferen ­
ça. O discurso do mestre estabelece um laço social entre aquele que 
manda (senhor) e aquele que trabalha (escravo) - como aparece em Hegel 
na constituição da consciência de si na dialética do senhor e do escravo. 
Há uma articulação entre o desejo de um e o desejo do outro, entre a vida 
e a morte, entre o trabalho e a casa, entre o objeto e o gozo. Essas 
articulações é que produzem a regulação do laço. 
Já o discurso do capitalista - cujo senhor absoluto não é a mor­
te, mas a figura impessoal e global do capital (dinheiro em seu caráter 
virtual) - divulga a política do cada um por si e cada um contra todos. Para 
ele, não existiria mais a sociedade, só o mercado, regulado não pela lei, 
mas pelo imperativo da produção e do lucro. Assim, a única via para tratar 
as diferenças, em nossa sociedade científica capitalista, não é a regulação, 
mas a segregação, determinada pelo mercado: os que têm ou não aces­
so aos produtos da ciência. Daí, a proliferação dos "sem': terra, teto, 
emprego, comida (ver Quinet, 1 999, p.14). 
Assim, podemos corfoluir que, ao estimular a ilusão de 
completude com o objeto, ao fazer a economia do desejo do Outro, o 
discurso capitalista acaba nos induzindo ao autismo, segregando muito 
mais do que incentivando a formação do laço social. 
JOMOJ TODO/ ADOLEJCENTEI? 
Atualmente, o adolescente marca presença, como nunca, na 
cena social (play-centers, danceterias, os "caras pin tadas", os atos 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
i n fracionais) e no campo econômico, onde sua inserção não se dá tanto 
pela produção, mas sim pelo consumo de vários objetos, inclus ive dro­
gas. O adolescente possui , hoje, um poder aqu isit ivo in igualável, fat ia 
cada vez mais importante para o mercado e seu discurso específ ico : a 
publicidade. 
Além disso , a adolescência, pelo fato de ser o momento da 
possibilidade (e da necessidade) de preparar e fazer escolhas, é valoriza­
da como imagem e garantia de l iberdade, tempo de livre escolha, de 
acesso aberto a uma d iversidade de identidades possíveis. Assim, e la 
tornou-se uma cultura hegemônica, um ideal da vida adulta, uma vez que 
um dos símbolos da modernidade é a l iberdade de escolher. Lançou-se, 
inclus ive, o neologismo "adultescência", que exprime, com charme 
lingüístico e pertinência, a permanência dos valores adolescentes na vida 
adulta (ver Folha de São Paulo 20/09/98). 
Por outro lado, a duração da adolescência tende, cada vez mais, 
a se prolongar. A escola obrigatória e aconselhada, que inclu i pós-gradu­
ações e outras especializações, pode empurrar o seu fim para perto dos 
30 anos . Aliás, como indica Contardo Calligaris, o que define socialmen­
te o adolescente não é mais sua idade: "Se Leonardo Dicaprio ( e não 
John Wayne ou Cary Grant) é o herói contemporâneo não é por causa de 
.. sua idade ou de sua beleza de efebo. Ele é herói por estar suspenso e 
flutuar no campo aberto dos possíveis . De braçosabertos para o futuro ; · 1 1 a .. 
erguidos na proa do navio, ele está adolescente. · . ,,;{�\�� 
Estar adolescente é um traço normal da vida adulta moderna. É 
uma maneira de afirmar a possibil idade de ainda vir a ser outro . ( . .. ) As­
sim, idealizar a adolescência é um gesto celebrador de nossa própria 
cultura, uma maneira de tecer o elogio da liberdade. 
[Situação] difícil para todos . Para os adolescentes, que não 
sabem mais como ser rebeldes, pois a rebeldia é um valor estabelecido. 
Para os adultos, pois - pela mesma razão -, como podem um dia desistir 
de ser rebeldes, ou seja, adolescentes?" (Calligaris, 1998,p.4) 
ALIENAR-JE OU JEPARAR-JE? 
Sabemos que, segundo Lacan, o super-eu de nossa civilização 
caracteriza-se por um imperativo totalmente diferente do super-eu freudiano, 
marcado pelo proibido, pelo dever e pela culpa. Nosso imperativo é o "goze!". 
Este gozo contemporâneo, caracterizado por seu autismo, encontra seu 
paradigma no gozo toxicômano. 1 < a. Assim, esse tipo de gozo, longe de 
ser um estímulo à relação sexual, é, ao contrário, preferível a ela, colocan­
do a nu a degradação do laço social nas sociedades capitalistas neoliberais: 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
No entanto, sabemos que, muitas vezes , na adolescência, ao 
contrá rio da maioria dos casos, o uso de d rogas faz laço socia l , a exem­
plo do alcool ismo no adulto. Assim como se "bebe socialmente", usa-se 
a d roga "socialmente" . Ou seja, a droga pode aparecer na vertente 
identif icató ria com o Outro g rupal , sendo, nesse momento, um instru­
mento que suporta a metafo rização do Outro parental a partir da eleição 
de novos ideais, que funcionam, fundamentalmente, como maneira de 
real izar a dia lética dos ideais antigos, "herdados" dos pais. E ntretanto, 
esse uso da d roga, re lacionado à busca de separação do Outro , a part ir 
de novos ideais, s itua novamente o sujeito na vertente da al ienação, des­
sa vez, al imentada pelo grupo (ver Alberti , 1 998,p. 1 32) . 
J-A M i l le r - em seu Seminário com E . Laurent, "L 'Autre que 
n · existe pas et ses comités d · éth ique"(1 997) - estabelece uma i nteres­
sante d istinção entre as d rogas , mostrando, por exemplo, que o gozo da 
maconha não desconsidera, forçosamente, o social . E la é , pelo contrá­
rio , freqüentemente considerada como um estímu lo e um auxíl io à re la­
ção social e até à re lação sexual . Por isso, os pre$identes C l inton e 
Fernando Henrique d isseram que experimentaram esse gozo e não fo­
ram, por isso, desconsiderados. Aliás, na afi rmativa do presidente Cl inton 
de que "fumou e não tragou" , já encontramos um sinal de que ele prefe re 
"fazer tudo pela metade". 
Já a heroína responderia ao critério de ruptura, de efeito separador 
do laço social , conduzindo o sujeito ao estatuto de dejeto ou de " l ixo do 
bem-estar da sociedade". 
É também sugestivo o contraponto estabelecido entre a hero í­
na e a cocaína, a depressão e o stress, como fenômenos que podem 
responder à vertente da separação ou da alienação com re lação ao laço 
social , p roposto pela sociedade capital ista neol iberal . Assim, enquanto a 
cocaína é ut i l izada para faci l itar a inscrição na máquina p rodutiva e con­
s u m idora da soc iedade contemporânea , q ue também p roduz os 
"stressados"; o uso da hero ína apontaria para a vertente da separação 
desses s ign ificantes do Cap ital - produza ! , tenha sucesso ! , seja compe­
titivo! Separação defendida também pelo deprimido, que, ao não quere r 
sair (nem sequer da cama! ) , ao não querer produzi r ou consumir, eviden­
cia o engodo do "goze", ameaçando, com sua existência, o laço social do 
capital ismo (ver M i l le r et Laurent, 1 997, p330-334) . 
É isso que também faz o" toxicômano decidido", aquele que 
constitui uma "figura de gozo". E le é , segundo Colette Soler, '1nsubmisso 
ao gozo un iversalizado da civi l ização" , o gozo fálico. " Quer ele o saiba ou 
não . Ele ( . . . ) é a lguém que se recusa a entrar no que chamamos de o 
gozo fál ico, visto que o gozo fálico não é apenas o gozo do órgão, mas 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
também o gozo que sustenta toda a competição social . ( . . . ) E le se põe 
de lado, não entra , não aceita co rrer como todos os demais para fazer 
uma carre i ra, para afi rmar-se e alcançar algo na vida, ou seja, tudo o que 
em gera l alguém sonha para seus f i lhos: uma real ização social . o 
toxicômano se recusa a entrar na carreira . ( . . . ) como [ insubmisso] ao 
gozo fál ico competitivo ( . . . ) e le é um perigo para a civi l ização da ciência , 
para o mercado . . . " (Soler, 1 998, p .50-51 ) . 
Já o sucesso do Prozac - uma droga que "tem o poderde trans­
formar a toda a pessoa" , inserindo-a como convém nos ideais da socieda­
de capita l ista - provém da divu lgação de suas proezas. Segundo Peter 
Kramer, seu pr incipal i ntérprete no mei0 cient ífico: "o êxito do Prozac nos 
d iz que, hoje, o capital ismo de alta tecnolog ia valoriza um temperamento 
muito diferente . Confiança, f lexib i l idade, rapidez e energia - os aspectos 
positivos da h ipert imia - são hoje objeto de mu ita sol icitude . " Temos, 
então, a nossa d isposição , uma d roga fantástica, que possu i i númeras 
vantagens sobre as anfetaminas, a maconha, a hero ína, o LSD , o álcool 
ou a cocaína, po is não produz uma experiência autística, reduzindo, an­
tes , as barrei ras para o t rato socia l dos indivíduos i n ib idos socialmente. 
Além disso, ao não gerar dependência, favorece a autonomia pessoa l , 
e levando o índice de decisão, e , a esta l ista de promessas, acrescente­
se que não é prazerosa em s i mesmo, porém estimu la um prazer ind i reto 
ao permiti r empregar as capacidades individuais sem induzir d istorções 1 1 � : 
na percepção (ver Sinatra , 1 995, p.75-76) . , ,,d. :'.� / 
OJ "E/TRAGO/ DE JÁBADO À NOITE" 2 : O ADOLE/CENTE E A PUUÃO 
DE MORTE 
Já foi constatado que as campanhas de prevenção, do tipo "dro­
gas, nem morto ! , não têm funcionado com os adolescentes . Parece que 
quanto mais denuncia-se a d roga, o álcool e o risco das doenças sexual­
mente transmissíve is , mais encontramos adolescentes que se d rogam, 
bebem e assumem riscos em sua vida amo rosa. 
Um fragmento c l ínico, re latado por Nazir H amad , é exemplar a 
esse respeito: "Lembro-me ainda dessa jovem de 1 3 anos que os pais me 
trouxeram para consu ltar, sob pretexto que e la bebia cerveja e whisky, 
que fumava cigarros e baseados e, p ior ainda, que fazia sexo com rapa­
zes desde praticamente a idad� de 1 1 anos. Os pais e ram re lat ivamente 
2 Expressão util izada por Cario Viganó, na conferência "O adolescente e seus pro­
b lemas", proferida em Belo Horizonte , no dia 23/08/99. 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
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idosos e tiveram a menina já tarde. Levavam uma vida que qual ificavam de 
sã. Haviam parado de fumar e de beber. Faziam esporte ( . . . ) em suma, 
era um casal em grande forma. E tudo deixava crer que, quando morres­
sem, seria em boa saúde. Quando pedi aos pais para nos deixarem a 
sós , Corinne me disse sem a menor hesitação: 'Pois bem, eis aí meus 
pais. Estão muito preocupados com o meu futuro . Querem que eu pare 
com tudo e que me chateie junto com eles. E, no entanto, quando eram 
jovens, fizeram mais do que eu. E quando lhes digo isso, me respondem 
que não sou obrigada a refazer as mesmas bestei ras que eles. Acho isso 
completamente idiota ( . . . ) Os adultos são assim, eles tiveram tempo para 
fazer as besteiras deles e, quando se sentem alcançados pela morte, 
param de viver ( ... ), fazem comentários desagradáveis sobre os fumantes 
e não sei mais o quê. Pois eu sou ainda jovem e não penso na morte 
como eles. Tenho tempo para fazer isso mais tarde, enquanto que os 
velhos sabem que não têm mais esse tempo, e eles têm medo, por eles 
e por nós' . " (Hamad,1999,p. 15) 
De fato , os adul tos podem ser de um tédio mortal para os ado­
lescentes , quando ficam a lhes repeti r que a morte é a doença da vida e 
que é preciso preveni r-se contra ela, renunciando a todos os riscos. Pare­
ce que quanto mais os adultos recusam isso em nome da saúde e do 
bem-estar - denegando a morte - mais os adCJle�cent�;,,ge�envolvem uma . 
posição contrária. Nazir Hamad entende essa reação, pois , segundo ela, 
"se os pais se põem a funcionar na denegação de seu ser para morte, 
não devemos nos espantar em ver a geração das crianças dar seu corpo, 
receber em seu corpo, esse real que os pais buscam ocultar. " ( Hamad, 
1999, p. 16) 
Sabemos que a denegação da morte não é o forte da psicaná­
lise. Pelo contrário, é justamente por reconhecer a existência da pulsão 
de morte, que ela é apresentada como pessimista, um "desmancha-pra­
zeres" , em tempos de ideologia do bem-estar e de promessas científ icas 
de felicidade. Paradoxalmente, esse mesmo discurso, que promete a 
. felicidade, poss ibil itou a construção de um arsenal capaz de, em um 
instante ou lentamente, destrui r o planeta. 
Constata-se, na clínica , que o ser falante pode buscar o seu 
próprio sofrimento de modo reiterado ou pode experimentar o prazer de 
destru i r. Enfim, constata-se que existe, de fato, um além do princípio do 
prazer. Por isso, os psicanalistas estão advertidos de que é dif ícil parti­
lhar os "planos da festa cintilante do consumo" (ver Barreto, 1999 , p.4). 
Não se trata, contudo, de desmerecer os benefícios trazidos 
pelo p rogresso. T rata-se de reconhecer que "viver é. muito perigoso", que 
há riscos e que o maior deles é desconhecer o lobo do homem. Admiti r a 
PSICÔTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROG AM TANTO? ----------
pulsão de morte, considerá-la e incluí- la faz, então, parte da possibi l idade 
de encontrar saídas para que no mundo do bem-estar possamos abrir 
espaço para o bem-dizer. 
Bibliografia 
ALBERT! , Sônia. Adolescência e droga:um caso, in : BENTES, L . e GOMES, R. (orgs . ) O 
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p. 43-53. 
TOXICO MANIA: U MA JAÍ DA PO//ÍVEL 
PARA OJ IMPAJ/E/ DA AD0 LEJCÊNCIA1 
Sandra Mara Pereira 
No Centro Mineiro de Toxicomania , a clínica do sujeito adoles­
cente apresenta-se como um desafio instigante. Ao adolescente, sempre 
se atribuíram atitudes "subversivas, provocadoras e contestadoras", mas 
aqui nos interessa como esse sujeito se apresenta e se posiciona diante 
dos impasses da vida. 
No ambulatório, os adolescentes procuram tratamento através 
dos encaminhamentos da famíl ia , do Juizado, do Conselho T utelar ou da 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ----------
, . 1 1 8 
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Escola; e, recentemente, "por conta própria". Estes apresentam um certo 
horro r diante dos efeitos do crack, tomados pelo pânico da morte, o que 
justifica sua demanda de tratamento. 
Os adolescentes usuários de droga revelam alguns impasses 
no manejo do tratamento: falam pouco, são in ibidos e não conseguem 
formular alguma questão que aponte para o seu "sintoma". Relatam vári­
os problemas com a famíl ia, com a escola, com a justiça, mas e a rela­
ção com as drogas? 
Em tempos de Planet Hemp, no culto ao "estilo adolescente de 
ser", numa apologia à l iberação da droga, oferecem-se ao sujeito vários 
de s ign ificantes identificatórios, onde o uso da droga não é problema, a 
não ser para o outro. 
O que se passa com o sujeito adolescente no momento de 
in iciação ao uso de droga? O que determina a diferença entre o usuário 
esporádico e o toxicômano? Qual o estatuto do objeto droga para o sujei­
to adolescente? 
O termo adolescente, et imologicamente, vem do lat im 
"adolescere" que s ignifica crescer, brotar, fazer-se grande. Adolescência, 
surgiu no dicionário por volta de 1 865 com o s ign ificado de passagem, 
momento. 
Desde o primeiro momento de vida, a criança é dependente da 
relação com o Outro e assim permanete por muito tempo e, de certa 
forma, a vida toda. A mãe ou a substituta materna, é quem introduz a 
criança neste mundo através da l inguagem. 
A relação, a partir da linguagem, é que estabelece como cada 
um se vê. Isto marca um investimento de afeto, de sexualidade no filho a 
partir do olhar dos pais, desta fo rma as relações vão se constituindo, 
tornando-se mais complexas. 
A criança é, inicialmente, "egoísta", exigindo satisfação imedia­
ta de seus desejos. Muitos pais não conseguem perceber a importância 
de se introduzi r l imites e cometem o equívoco de atenderem a todas as 
exigências mantendo a ilusão que estão provando seu amor, não deixan­
do "faltar" nada. Neste momento, perdem a possibil idade de transmitir 
aos fi lhos que o mundo nunca será como eles desejam, retardando a 
percepção de como o mundo é. 
O pai , a mãe, enfim, a família tem tentado transferir a responsa­
bil idade de educar para os professores, educadores, instituições, juízes, 
conselhos tutelares, etc. Há uma pluralidade de figuras que se esvaziam 
na qualidade das relações. 
Nesse contexto, surge a adolescência com a característica fun­
damental do despertar para o sexo, p�ra o outro, para a vida adulta -
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
cheia de escolhas, responsabilidades, frustrações, ilusões, amores e 
desamores . 
Freud compreende, sob o termo puberdade, tanto as transfor­
mações corporais quanto as transformações ps íquicas que as acompa­
nham. A tese freudiana concernente à sexualidade é que ela não começa 
na puberdade, mas , nesta fase, há uma reedição das pulsões sexuais 
in fantis a fim de separar os objetos sexuais e os pais . Pais que já não 
portam as respostas dos porquês . 
O adolescente, saído da infância, se depara com o real do sexo, 
despertado para esse encontro que é sempre mal-sucedido, desengon­
çado. 
. � A angústia é o sentimento mais eminente. Crises de tristeza, 
in ibições , nervosismo e agitações são externadas em atos de intensa 
agressão; seja consigo mesmo, seja com o outro. Fica evidente uma 
tendência a agir que faz apelo à lei para que possa dar uma contenção 
neste desnorteamento simbólico, possibilitando, assim, uma certa orga­
nização psíquica. 
"Se há crise na adolescência há também crise dos pais", pois 
estes n ão estão conseguindo responder aos atos desvairados de seus 
filhos, que portam uma angústia de existir sem referências. Roubos e 
tráfico, o "ganhar a vida fácil", com "adrenalina", acaba por colocar o l a­
drão e o traficante como modeles de identificação, como líderes ou heróis 
respeitados e temidos . 
Com o decl ínio dos ideais familiares e a conseqüente ruptura 
com os pais , o adolescente se vê tens ionado a buscar inserção num 
grupo de amigos . E uma das formas disto acontecer é "experimentando"a droga. 
O adolescente que inicia o uso de drogas não será visto como 
"paia", "careta" , "boiola", mas estará se "baseando" no outro, no colega, 
no amigo, que lhe oferecerá aquilo que procura naquele instan te: uma 
solução, mesmo que temporária, para uma de suas questões: Quem sou 
eu? - "Eu sou sinistro" , "Eu sou cavernoso", 'Eu sou maconheiro, viajan -
te". 
A tão sonhada independência dos pais passa a ser confundida 
com o rompimento radical com o mundo, com os relacionamentos n a 
escola, com as atividades esportivas; o adolescente acaba por perder o 
interesse e a motivação. Neste momento em que ele já n ão se submete 
às "obrigações" , a droga lhe as�egura um desligamento da demanda do 
Outro: "Já não agüentava tanta falação, lá em casa tem muito problema" 
(fragmento de um discurso de uma jovem de 15 anos, usuária de maco­
nha e crack). ·� - - �-�- --
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTQ? ---------
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Uma outra função que a droga exerce e que podemos ouvir no 
discurso dos pacientes adolescentes, é a de que ela é o apaziguamento 
da an gústia vivenciada na relação com o outro sexo: "A mulher a gente 
nunca sabe .. . quando fumo um, aí isso não me incomoda. Prá falar a 
verdade, eu até esqueço de mulher" (fragmento de um discurso de um 
jovem de 16 anos, usuário de maconha)·. 
Uma terceira atribuição dos adolescentes ao uso de drogas é a 
potência imaginária que esta provoca: "Parece que quando a gente usa, a 
gente pode tudo, e quando tá de cara, fica sem coragem"(fragmento de 
um discurso de um jovem de 17 anos, usuário de cocaína e crack). 
Passa a haver uma atitude seqüencial : vender drogas, roubar 
para conseguir dinheiro para se drogar, arriscar-se em lugares perigosos, 
usá- la e sentir o êxtase ... e recomeçar! 
Nem todos os adolescentes permanecem neste uso. Há os 
que se desembaraçam da droga por considerá- la um obstáculo, mais que 
um instrumento. Mas há os que se fixam aí". Obstáculo para conseguir o 
que se pretendia com o uso da droga, ou seja, a droga passa a ser um 
empecilho da conquista de algo que se deseja muito. 
Parei porque, com a maconha, eu não viajava mais, ficava era 
meio abobalhado e isso eu não quero" (fragmento de um discurso de uma 
jovem de 16 anos, ex-usuáfia) . 
Aqueles adolescentes que conseguem enxergar que seu pra­
zer se direciona para outras formas de reconhecimento, conseguem des­
l izar e sair das drogas através do esporte, da música, do trabalho . .. 
Já aqueles que se fixam, permanecem colados ao objeto, na 
in findável tentativa de se sentirem completos, real izados com o prazer e 
a satis fação impl ícitos no ato de se drogar. 
Aquele que tem a droga como um instrumento que propicia o 
laço social , tem mais recurso simbólico para dar conta do objeto perdido 
e se posicionar nas situações que remetem à castração. Já o toxicômano 
busca o objeto droga fora da mediação simbólica, fixando-se numa posi­
ção de assujeitamento e gozo mortífero. 
De um modo geral , os profissionais concordam que não é fácil 
o tratamento do adolescente viciado em drogas, principalmente porque 
se trata de um sujeito que está diante de um momento de angústia, 
quando deve reorganizar suas relações e sua posição frente ao mundo. 
Momento de divisão subjetiva onde ele poderá escolher: 
• Saber de seu desejo, de suas aspirações, do que quer para 
si, mesmo com toda a dificuldade que isso acarreta, tentan ­
do produzir u·ma história parf icülàr de sua existência. 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ----------
• Alienar-se, não querendo saber de seu desejo, participando 
artificialmente da construção de sua história, colocando-se 
sempre como alguém "embalista" que não possui muita pers­
pectiva de vida. 
Trabalhar questões clínicas a partir das diversas particularida­
des que podem estar relacionadas com a adolescência e o uso de dro­
gas, é o objetivo da Linha de Pesquisa em "Adolescência e Toxicomania" 
do CMT. Para o próximo ano, continuaremos a pesquisa sobre o acolhi­
mento e a entrada no tratamento sob o referencial da psicanálise, promo­
vendo um espaço de escuta e inteNenções que auxiliem o sujeito na 
busca de saídas para seu mal-estar e para alcançar um sentido de vida. 
Bibliografia 
ALBERT I , S . Esse Sujeito Adolescente . Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1 995 
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FREUD, S . ''Três Ensaios sobre a Sexualidade" , E.S.B. Rio de Janeiro : Imago, 1 972, 
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LODI , M . 1 . "Adolescência e Drogas. O Sujeito na Pós Modernidade", in : Caderno de 
Textos da IX Jornada do CMT; Subversão do Sujeito na Clínica das Toxico­
manias. Belo Horizonte , 1 996. 
A ADOLEICÊNCIA E A TOXICOMANIA3 
Vicente Corrêa Júnior 
Antes de articularmos estes dois conceitos, faz-se necessário 
elucidar que estas não são entidades clínicas precisas e que, portanto, 
somente fenomenologicamente, poderemos apontar indícios. 
3 Trabalho apresentado na I Jornada de Psicologia do XXV Congresso da Associa­
ção Médica dê M: Gerais, Regional Sul, em Poços de Caldas, agosto de 1 999. 
Ps,cóncos E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ----------
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Um aspecto muito interessante que a modernidade promove 
com seus avanços científicos e tecnológicos é a sua incidência sobre a 
subjet ividade do ser falante. Por exemplo: vive-se mais e com mais saú­
de; comunica-se em "tempo real" com pessoas e instituições situadas 
dentro das fronteiras terrestres e com mecanismos que se encontram em 
outros sistemas que não o solar. 
A d roga - assunto mal-dito - não é original nem tão marginal 
como a princípio parece. Presença constante nos meios de comunica­
ção - através das diversas mídias - como no cotidiano de alguns sujeitos, 
tem sua importância pelo fato de ser, em toda parte, provocada e temida. 
Ao percorrermos a história da civilização, a presença da droga, 
desde os primórdios da humanidade, se mostra nos mais variados con­
textos : social , econômico, médico, religioso, etc. 
O consumo de drogas deve, portanto, ser considerado como 
um fenômeno especificamente humano, isto é, um fenômeno cultural. 
Não há sociedade que não tenha as suas d rogas, recorrendo ao seu uso 
para diferentes finalidades, em conformidade com o campo de atividades 
no qual se insere. 
A Toxicomania, como fenômeno de massa, é fruto de nosso 
tempo e as condições que a engendraram podem ser buscadas no an­
seio da Ciência de encontrar o remédio ideal contra o sofrimento. Assim, 
medicamento e droga, em suas origens, compartilham do mesmo sonho 
de restituir ao homem sua completude, libertando-o da dor. 
Nascemos em um estado de fundamental desamparo, e já, desde 
aí , uma dependência se instala: de afeto, calor, alimento, reconhecimen­
to. O Outro (mate rno) dará sentido aos excessos experimentados pelo 
pequeno vivente como desprazerases. Assim, há sempre a presença de 
uma lógica significante à medida que o Outro simbolizará este excesso 
sem sentido. A mãe - objeto precioso de investimento libidinal do recém­
nascido - fará a manutenção de um estado de excitação mínima, seja ela 
endógena ou exógena. Desta maneira, a mãe, que satisfaz a fome da 
criança, torna-se seu primeiro objeto amoroso e , certamente, também 
sua primeira proteção contra todos os perigos indefinidos que a amea­
çam no mundo externo. Esta relação com a mãe será, no entanto, inter­
rompida pelo pai, que vem instau rar uma separação, uma lei, uma proibi­
ção; sendo compreendido como agente da castração. Assim, a falta radi­
cal se instalará à medida que a criança percebe não ser o falo, que até 
então supria, alucinatoriamente, a mãe. A criança passa então do lugar 
de ser o falo materno,para o desejo de ter o falo ou algo de suas atribui­
ções. Tarefa árdua, que com o advento da puberdade será resignificado, 
ganhando contornos dramáticos e trágicos, pois um dia, o sujeito ado-
PSICÔTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ----------
lescente é literalmente surpreendido por suas secreções (a menarca e as 
poluções) ; o novo encontro com o real do sexo. Por mais preparado que 
esteja, a partir da tão expandida educação sexual - da escola, da família, 
da rua - há um real em jogo diante do qual o sujeito não encontra fuga 
possível, pois não há como fugir do próprio corpo. De maneira esquemática, 
a adolescência pode ser entendida como um processo fundamentalmen­
te psicossocial , que é desencadeado pelas alterações biológicas carac­
terísticas deste período, sendo que tais maturações acontecem de forma 
descontinuada e interpenetráveis. 
Neste processo o adolescente experimentará lutos diversos: 
1. Pelo corpo infantil perdido : o corpo transforma-se, adquire 
nova configuração em conseqüência da revolução pubertária 
- incontrolável e independente de sua vontade. O jovem se 
sente impotente diante do poder das alterações corporais 
que vem sofrendo e ao mesmo tempo desejoso desse por­
vir; 
2. Pelo papel e identidade infantil : os novos aspectos 
alice_rç_ados em impulsos sexuais e agressivos marcarão a 
perspectiva de atingir a vida adulta que é, por um lado, ambi­
cionada pelos privilégios e prazeres, e, por outro, temida 
pela aceitação de responsabilidades, que são, na maioria 
das vezes, desconhecidas; 
3. Pelos pais da infância: o jovem procura reter os pais da in­
fância. Esta imagem lhe serve de refúgio e proteção diante 
da temeridade pelo desconhecido que há em si e que come­
ça a aflorar em seu pensamento. O adolescente vai desco­
brindo que seus desejos e idéias não são concordantes com 
os seus pais e sente remorsos em assumi-los, pelo temor 
das conseqüências, entre elas a perda dos pais da infância; 
Neste contexto de desestruturação necessária, o sujeito ado­
lescente terá seus três registro&, Real, Simbólico e Imaginário, por vezes 
articulados sob a forma de Sintoma que, a principio, é denunciador do 
sem sentido. Momento propício e freqüente para o surgimento de experi-
- rnºntaçõ_es de situações e drogas, sejam elas lícitas ou ilícitas . 
. ..,.,t;r . _ __ - · - • · - · · 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
J24 
Lígia Bittencou rt em seu texto "Algumas notas sobre adoles­
cência e Toxicomania" aponta quatro poss íveis inter-relações entre a ado­
lescência e o ato toxicômano: 
1 . O adolescente se droga para esquecer o corpo; e o recurso 
à droga tem por função liberar o sujeito do seu compromisso 
face ao seu ser sexuado. Como o toxicômano, que goza 
com seu próprio corpo, o adolescente deste se aproxima, 
por exemplo, vestindo-se irreverentemente, no UNISSEX do 
cabelo comprido, das tatuagens tribais, dos piercings que à 
medida que registram suas marcas, também não diferenci­
am os papéis sexuais. 
2. O ato toxicômano é um modo de resposta aos impasses 
decorrentes do confronto do sujeito com o Outro sexo e as 
vissicitudes da construção do parceiro sexual. Para todo 
sujeito, o encontro com sua sexualidade é sempre fracas­
sado. Os amores, surgidos na adolescência, trazem toda 
sua carga de tragicidade, intensidade e são marcados por 
sentimentos de desilusão, insatisfação e mesmo traição. O 
gozo sexual, outrora prometido pelo Outro, mostra-se parci­
aJ e claudicante. O "apagamento" do sujeito toxicômano, 
ilustra bem sua forma de resposta ante a possibilidade do 
encontro, negando-se, assim, as vicissitudes do desencontro. 
3. O ato de drogar-se cotidianamente, e, por conseqüência, 
expor-se a situações de aquisição e uso (o morro, a boca de 
fumo), proporciona a assunção de um mínimo de atributos 
fálicos à medida que um reconhecimento se dá. As gangues, 
compostas por adolescentes, são pródigas no oferecimento 
ao sujeito, de oportunidades de "mostrar sua cara" (picha­
ções indecifráveis testemunhas da perplexidade diante das 
demandas sociais), ao mesmo tempo que reduz ao grupo o 
universo de trocas efervescentes. O traficar drogas, ser re­
conhecido como militante do uso destas substâncias e o 
saber compartilhado desta prática, têm para o adolescente 
função imaginária delegadora de poder, quando exclui o "ve­
lho", o "careta" e o convencional, e fortalecem as identifica­
ções fraternas primitivas. 
4. No recurso à droga (num apelo ao objeto), o adolescente 
promove uma separação da autoridade parental, permitindo 
PSICÔTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ----------
ao sujeito separar-se do Outro. Na adolescência deverá ser 
executada a separação da autoridade parental , ou das de­
mandas do campo do Outro. O rompimento desta relação, 
tem sua radicalidade evidente nas passagens ao ato, quan­
do do uso da droga, onde a Lei é desprezada. 
Aquele adolescente que chega até nós, com a problemática de 
uso de d rogas, normalmente tem pouco a dizer, seja a respeito de si 
mesmo, seja a respeito do uso de drogas. Somente no decorrer de algu-
mas entrevistas a problemática das d rogas surge; algumas vezes como 
fato já consumado, outras como apelo que encontrou, na resistência do 
analista, um obstáculo. O adolescente vem trazido, nomeado pelo pais, 
pelo Conselho Tutelar, pela pol ícia, pelos diretores e p rofessores. Ao 
mesmo tempo que mostra-se su rpreso: ("Não imaginei que fosse dar pro­
blemas! " , "Não sei que que eu estou fazendo aq ui. . . ") , mostra-se 
desesperançado e pessimista, pois "já tentei tudo que eu sabia .. e o que 
não sabia também". Aqueles mesmos que o trazem evocam cenários 
caóticos, onde a mútua responsabil ização deixa pouco espaço para uma 
resignificação. Demandam internação ou uma droga mágica que restitua 
a harmonia anterior que foi perdida. "Ele já não é mais aquele menino 
obediente, estudioso. Agora ele só quer ficar. Ficar na rua, ficar com a . _ 
turma, chegar tarde da noite. Ele tá muito respondão! Mas quando eu ·-· · ·- ,: 1 25 
' : · , ;--� 
pergunto, ele não responde nada" - são exemplos de discursos dos pais. �.-..e.;.;.., 
Na cl ínica das toxicomanias, o relato de consumo de uma dro­
ga exclusiva somente se dá após aquilo que eu chamaria de experimen­
tação. O usuário 'escolhe' a droga que melhor incida sobre sua subjetivi­
dade, e de forma monótona opta por uma. No entanto, uma evidência se 
coloca para nós, merecendo escuta mais apurada: o aumento crescente 
do número de adolescentes, sejam aqueles que nos procuram "esponta­
neamente" ou pelas inúmeras vias de encaminhamento que se lançam 
mão, com uma queixa/relato quase colado à droga. O crack. Por homofonia 
pode-se depreender que algo se quebrou, um determinado circuito entrou 
em curto, provocou pane. O sujeito lança mão até de seus panos, para a 
obtenção da droga, que só faz querer mais e mais e mais. São jovens que 
até então circulavam com alguma desenvoltura no "mundo das d rogas" , 
mas q ue agora sentem-se excluídos, mais uma vez, de suas chances. O 
dispositivo ambulatorial não se mostra suficientemente concreto, na ten­
tativa de barrar o gozo mortífero. O "Leito-Crise" é opção. Essa d roga, 
com potencial dependogênico altíssimo, chega de forma virulenta, pro­
movendo desagregação e mesmo um auto-encarceramento, que é 
freqüentemente cogitado. Um usuário, em desespero, trancou-se em seu 
Ps,côncos E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
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barracão e combinou que lhe fosse levado alimentos. Quando a comida lá 
estivesse, um sinal, na parede, seria dado. Um conhecido, pensando 
tratar-se que tal encarceramento seria para o uso da droga, passa a 
procurá-lo lá. A percepção do odor característico e famil iar, foi o suficien­
te para a deflagração de um processo de pré-consumo. A boca seca, a 
respi ração f ica ofegante, os batimentos cardíacos aceleram . . . 
A adolescência põe enigma já desde o princípio. Os pais, os 
professores, os juizesse esquecem/recalcam suas próprias adolescên­
cias. Ao analista esta possibilidade não é dada. Ou se assim o f izer, 
pagam o alto preço de uma escuta intoxicada. 
Nas entrevistas prel iminares, momento que antecede à instau­
ração do dispositivo analítico, duas proposições de parte a parte se colo­
cam: o livre associar proposto ao entrevistado; a neutralidade sugerida ao 
analista. Neutralidade que inclui a abstinência do analista em querer que 
o analisando se abstenha . . . das drogas. A Ética que orienta o analista é 
a Ética do Sujeito, a ética do desejo que não corresponde ao Ideal da 
cura médica, que procura a manutenção da vida a qualquer preço. 
Na clínica das toxicomanias, tais apelos: "Será que não tem remé­
dio? !? O que você pode fazer por mim/ pela gente?" mostram que alguns 
sujeitos, encontram na submissão/sujeição seu modo de gozo. Dispositivos 
de acolhimento emergencial (oficinas de atividades próprias deste segmento 
etário) são efetivados, assim como aquele que o acompanha passa a ser · 
incluído na direção da cura. Cura? Trata-se antes da obtenção do consenti­
mento do sujeito, que teve seu desejo seqüestrado, pelo objeto droga. Cabe 
ao analista, não a oferta de mais uma saída mágica, uma palavra de conforto 
ou um conselho, que reatualizaria a lógica do Senhor x Escravo; onde um 
mantém o outro na esperança de vir a ocupar o lugar privilegiado, enquanto o 
outro mantém-se, imaginariamente, possuidor do poder, mas a encarnação 
que suporte o vazio, onde o porvir adolescente advenha. 
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Alegre: Artes Ofícios, 1 997. 
OUTEIRAL, José ( org . ) . C l ín ica Psicanalítica de Crianças e Adolescentes. De­
senvolvimento, Psicopatologia e Tratamento. Rio de Janeiro: Revinter, 1 998. 
QU INET, Anlôl)io. As 4 + 1 Condições da Análise. Rio de Janeiro: Zahar, 1 996. _ •. . ·. 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ----------
./OBRE A ENTRADA EM TRATAM ENTO DO.f 
ADO LE.ICE NTEJ NO CMT 
Ana Regina Machado / Cleide Nayara Barcelos 
Fabiana Gambogi Teixeira / Mariana Durso Caiaffa 
Raquel Rubem dei Guídice 
CONJIDERAÇÕE/ IN ICIAI/ 
Nosso ponto de partida é a� conclusão da Pesquisa: "Perfil 
Epidemiológico dos Adolescentes Atendidos no Centro Mineiro de Toxi­
comania/MG - no período de janeiro de 1997 a abril de 1 998 (1) ", também 
publicada neste livro. Tal pesquisa evidencia um curto tempo de perma­
nência dos adolescentes em tratamento no CMT e conclui que há neces­
sidade de "uma intervenção rápida e de um manejo apropriado, principal­
mente no que se refere ao acolhimento destes pacientes" para que o 
tratamento seja viabilizado. 
Antes mesmo da realização da pesquisa, o cotidiano da clínica 
já nos apontava que algo acontecia de maneira diferenciada nos trata­
mentos com adolescentes. O que nos fazia pensar na necessidade de 
um outro manejo clínico e, talvez, de outros dispositivos de tra:tãínento no 
acolhimento destes pacientes. 
Com freqüência, ouvíamos dos adolescentes, que não queriam 
vir ao CMT. Um Outro determinava que viessem. Algumas vezes, nada 
diziam, se silenciavam, registrando, desta maneira, um certo protesto ou 
uma certa rebeldia contra as imposições do Outro. Muitos nos revelavam 
que não se importavam com as conseqüências de seus atos, fossem 
eles atos violentos ou destrutivos; estavam mesmo era "a fim de zoar". 
Mesmo o ato de se drogar, poucas vezes aparecia como problema ou ao 
lado de algum sofrimento subjetivo. A droga, certamente, apresentava-se 
como um recurso, para ter uma galera, para ser alguém e, também para 
não ser alguém. 
É como recurso para lidar com seus impasses que o adoles­
cente vai recorrer às drogas. Lígia Bittencourt (2) aponta alguns destes 
impasses: a droga serve para amenizar a angústia causada pelo corpo 
que muda e pelo chamamento à identificação com os ideais dos sexos; a 
droga é um modo de resposta para os impasses decorrentes do encon­
tro/ desencontro com o Outro sexo; a droga permite ao sujeito separar-se 
do Outro, rompendo com a submissão incondicional às suas prescri­
ções. Maria Inês Lodi (3 ) observa também que sendo fejto_ �m.grupos, .o 
Ps 1cóncos E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
1 21 - : 
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uso das drogas responde à necessidade de reviver os processos 
iden tificatórios, própri a da adolescência, na relação com seus pares e 
l íderes. 
A adolescência corresponde a um momento conturbado, no qual 
o sujeito se atrapalha e se angustia diante do despertar do real do sexo. 
A d roga é, portanto, um dos recursos a que o sujeito pode recorrer para 
l idar com seu encon tro com o real, com o insuportável . 
Sabemos que há, na atualidade, um mercado bem estruturado, 
que se encarrega da produção e distribuição deste recurso: o mercado 
das drogas. A lógica de mercado tenta fazer crer que o mal-estar, ineren­
te ao ser falante, pode ser remediado com objetos de consumo. Talvez 
por estar de acordo com a lógica do nosso tempo, é que o consumo de 
drogas se apresenta como um dos recursos privilegiados para que o ado­
lescente solucione ou se esqueça de suas questões. 
Mas, vol temos à questão in icial : como acolher o adolescente 
em n ossa instituição? Com quais dispositivos contar para que este paci­
ente prolongue sua permanênc ia no CMT, até formular sua demanda de 
tratamento ou até mesmo concluir que não quer se tratar? 
Mais do que pensar em novos dispositivos de tratamento, opta­
mos, neste momento, por investigar os já existentes n o CMT, começan­
do pelas oficinas terapêuticas. Esperamos, assim, obter s_ubsídios para 
em um momento posterior, pensarmos em novos dispositivos institucionais 
de tratamento, ou mesmo reformularmos os já existen tes de maneira a 
favorecer a entrada dos adolescentes em tratamento. 
Em conversas estabelecidas entre os participantes da linha de 
pesquisa "Adolescência e Toxicomania" e as estagiárias I coordenadoras 
de Oficinas, identificamos as oficinas que mais despertaram o in teresse 
dos adolescentes. O que essas oficinas propõem? 
APONTAMENTO/ DA OFICINA DEJOOOJ E BRINCADEIRA/ 
A proposta da oficina de Jogos e Brincadeiras era proporcionar 
um espaço, no qual o paciente pudesse se expressar de forma l ivre e 
espontânea, através de atividades lúdicas. Este aspecto da não formali­
dade da oficina parece ter funcionado como um atrativo para os adoles­
centes, o que foi c laramente verbalizado por um deles: "Gosto desta ofici­
na porque ela não é séria, a gente não tem que pensar''. 
A participação dos adolescentes na oficina foi significativa tan­
to na assiduidade, quanto nas produções, falas e atuações que revelaram 
aspectos característicos da adolescência .. Um deles, foi a necessidade 
- de formar grupos durante os jogos de competição, nos quáis ·era flagrante 
P SICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ----------
a dificuldade em acatar regras: várias foram as tentativas de modificá-las 
ou de roubar frente a cada obstáculo surgido no brincar. Alguns apresen­
taram uma dificuldade com o corpo, uma vergonha ou embaraço, quando 
tentavam se expressar nos jogos de mímica. 
Além deste aspecto não formal que tanto atraiu o adolescente, 
as brincadeiras acabavam por revelar questões relevantes de cada sujei­
to. Houve momentos, em que o paciente, que brincava e não pensava, se 
deparava com algo de sua singularidade e, dali surgiam questões. A. , um 
adolescente que sempre assumia uma postura reivindicatória e debocha­
da, assustou-se ao deparar-se com o significante fetichismo. O quê re­
meteu-oà sua própria sexualidade, um ponto ainda insuportável para ele. 
Na tentativa de transformar fetichismo em feitiçaria durante um jogo de 
mímica, A. não suportou e quase passou ao ato em uma atitude agressi­
va com as estagiárias. Uma outra fala interessante foi a do paciente J . : 
"Nossa, noiei. Em uma brincadeira bati de frente com uma mania minha 
que nunca tinha percebido". 
Esta oficina possibilitou algumas simbolizações para alguns 
pacientes, em um espaço de descontração e lazer. O que não nos pare­
ce pouco, quando consideramos que os toxicômanos têm dificuldades 
em util izar recursos simbólicos para lidar com seus impasses. 
APONTAMENTOJ DA OFICINA DE MÚ/ICA 
Quando ouvimos música dificilmente ficamos indiferentes: des­
ligamos o rádio, aumentamos o som ou até mesmo repetimos a letra 
sem nos darmos conta. A música está presente em ambientes variados 
e serve como forma de expressão em todas as classes sociais e idades. 
Nas oficinas, surgem falas diferenciadas: " . . . isso aí tem tudo a 
ver comigo, tá falando pra mim, vou sair . . . . ". Às vezes, o que não pode ser 
dito, é cantado. 
A oficina é um dos dispositivos de acolhimento do CMT, é um 
espaço diferenciado, no qual o adolescente, a partir de sua participação e 
produção, cria formas diferentes para se apresentar. Ocorre uma circula­
ção de significantes a partir das músicas que são trabalhadas. Há uma 
abertura para se falar de experiências subjetivas, quando os pacientes se 
identificam ou se reconhecem nas letras das músicas. 
Vigano (4) afirma que o tratamento com adolescentes deve contar com 
recursos outros que não, apenas, acena analítica. Fala em espaços de tratamen­
to que possibilitem aos adolescentes " ler os atos que fazem como letras de uma 
frase e reconhecer-se em seus atos do mesmo modo que o fariam em um discur­
so". Certamente, algo desta ordem aconteceu na oficina de Música. 
- - - -
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
1 2,�. :: 
-��� 
As letras de "rap" denunciam uma realidade violenta, na qual a 
transgressão é a forma encontrada por muitos jovens para se apresenta­
rem frente à sociedade e exercerem algum poder sobre os outros . Quan­
do conversamos sobre essas músicas, opiniões são trocadas, quest io­
nadas. Novas significações acontecem. 
"Minha arma é a revolta, já fui humilhada, espancada . . . " 
" Por que você não troca a palavra revolta por experiência?" 
"A música fala de violência, correr da polícia, isso não tem nada 
a ver com a minha realidade". 
Um dos pacientes levou para a oficina sua criação - uma músi­
ca que dizia de sua realidade marcada pela bandidagem e violência. O 
grupo acolheu, mas também questionou; responsabilizando o sujeito por 
seu discurso. 
A oficina certamente funcionou como um espaço de acolhimen­
to de falas, que não sendo indiferentes aos pacientes, podem ter gerado 
questões que suscitaram ou venham a suscitar, em alguns, uma deman­
da de tratamento. 
APONTAMENTO/ DA OFICINA DE CAPOEIRA 
A ofic ina de capoeira foi proposta i n icialmente com o objetivo 
de promover um espaço no qual o corpo fosse -o" centro das atrações" . O 
corpo de cada um seria considerado a via de expressão própria de cada 
paciente, já que o produto da capoeira é o jogo (combinações de movi­
mentos realizados por duas pessoas), e este só é real izado a partir de 
um diálogo corporal. 
Além d isso, a capoeira possui um universo cultural bastante 
peculiar, no qual se i nserem a música (canto, toque de instrumentos, 
r itmos variados) e uma história que aborda parte da cultura brasileira. 
No decorrer do ano, pode-se perceber uma nítida preferência, 
por parte dos adolescentes, em participar desta oficina, fazendo com que 
ela acabasse sendo composta basicamente pelos mesmos . elementos. 
Esta constatação proporcionou algumas reflexões acerca do tratamento 
com adolescentes. 
Observou-se que a preferência do adolescente por esta oficina 
se deu, principalmente, por dois aspectos: o primei ro seria o trabalho 
com o corpo e o segundo, a real ização de um laço social com o grupo. 
Sabe-se da dif iculdade do adolescente em l idar e reconhecer 
as mudanças de seu corpo . . Na oficina, um pouco desta relação angus­
tiante com o corpo é enfrentada; na capoeira, o corpo do adolescente é o 
que o representa. O jogo de cada um .oemonstr� que _o corpo,-mesmo 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
estranho, é capaz de criar e apresentar algo da particularidade deste 
sujeito. 
Um outro aspecto que pode justificar a preferência do adoles­
cente pela oficina de capoeira remete às suas dificuldades com as iden­
tificações. Perdido em relação ao que é, ao que pode ser, o adolescente 
pode querer ser um capoeirista, pode ser reconhecido neste lugar e se 
inserir socialmente de uma outra forma, que não a da toxicomania. 
CONJIDERAÇÕEJ FINAI/ 
As oficinas realizadas no ano de 1 999 permitem definir alguns 
indicativos que podem favorecer a entrada e a permanência dos adoles­
centes em tratamento: 
• As oficinas devem proporcionar um espaço descontraído, 
que demande pouco ao paciente, que o acolha da maneira 
como chega ao tratamento: sem muito comprometimento, 
pouco disposto a falar. Pode-se perceber que, em oficinas 
como as de Jogos e Brincadeiras, a fala acaba por surpre­
ender aquele que fala; ali, onde ele estava "só brincando . . . " 
• As oficinas devem se desenvolver a p�rtir de manifestações 
já valorizadas pela cultura adolescente, como capoeira, 
música e grafitagem. Certamente ao adolescente é mais 
fácil vincular-se a estas atividades e/ou às pessoas nelas 
envolvidas. 
• As oficinas devem trabalhar, ainda que de maneira indireta, 
questões difíceis para o adolescente, como o reconhecimen­
to do e no corpo que muda, as dificuldades quanto às defini­
ções de identidades. 
Estes, entre outros indicativos, devem ser considerados na oferta 
de oficinas que fazemos aos pacientes. Mesmo que não se criem ofici­
nas específicas para adolescentes, tais aspectos devem ser contempla­
dos por algumas das oficinas. 
Sabemos que ainda é pequeno o número de adolescentes que 
freqüenta outros dispositivos de tratamento que não os atendimentos 
ambulatoriais com os terapeutas. A pesquisa, já mencionada, revela que 
apenas 30% dos adolescentes são encaminhados para outros dispositi­
vos, entre eles as oficinas '. Antes de definir pela necessidade da criação 
de dispositivos específicos de tratamento para adolescentes, é necessá­
rio definir, junto aos terapeutas, os motivos pelos quais os encaminha-
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
. \/1 32 
)����: 
mentos não são feitos . Caso se constate que a pequena uti l ização dos 
disposi tivos se relaciona às suas características atuais, é prudente pen­
sarmos em algumas reformulações. Cabe à linha de pesquisa "Ado les­
cência e Toxicomania" pmsseguir com as investigações das questões 
em torno do tratamento do adolescentes na instituição. 
Referências Bibliográficas 
( 1 )S ILVEI RA, Carla. Perfi l Epidemiológico dos Adolescentes Atendidos no Centro Mine i ro 
de Toxicomania/ MG, no período de Janeiro de 1 997 a Abril de 1 998. Belo Horizonte , 
agosto de 1 999. Trabalho apresentado no 1 3º Congresso da ABEAD. Esse artigo 
encontra-se publ icado neste l ivro. 
(2)BITTENCOURT, Lígia. Psicanál ise, Adolescência e Toxicomania- Algumas Aproxima­
ções. ln : Caderno de Textos da IX Jornada do CMT; Subversão do_Sujeito na 
Clín ica das Toxicomanias. CMT, Belo Horizonte , 1 996. 
(3) LOD I , Maria Inês. Adolescência e Drogas: O Sujeito na Pós-Modernidade. ln: Cader­
no de Textos da IX Jornada do CMT; Subversão do S ujeito na Cl ín ica das 
Toxicoman ias._CMT, Belo Horizonte , 1 996. 
(4)V IGANÓ, Cario. ln : O Risco. Publ icação da Associação Mineira de Psiquiatria, Belo 
Horizonte , 1 999 . 
PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DO/ ADOLEJCENTEJ 
ATENDIDO/ NO CENTRO M INEIRO DE TOXI­
COMANIA/ MG - NO PERÍODO DE JANEI RO 
DE 1997 A ABRIL DE 1998.4 
Carla Silveira 
1- INTRODUÇÃO 
A linha de pesquisa "Adolescência e Toxicomania"5 do Núcleo 
de Ensino e Pesquisa do Centro Mineiro de Toxicomania propôs, em 
1998, um levantamento da população de adolescentes atendida no CMT, 
• Trabalho apresentado no 1 32 Congresso da ABEAD, Rio de Janeiro/1 999. 
5 Pesquisadores: Ana Regina Machado.,.Cada,Silveira,J;loísa Helena de Uma, Jane Maria Lima 
Menezes e Vicente P. Corrêa Júnior. Coordenação: Oscar Girino e Sandra Mara Pereira 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ----------
no período de janeiro de 1 997 a abril de 1 998. Inicialmente, esta proposta 
pautava-se na observação dos técnicos de que havia um aumento do nú ­
mero de atendimentos a essa população no serviço e de que esses pacien­
tes apresentavam um baixo índice de comparecimento às consultas tal 
como de aderência ao tratamento. Foi elaborado então um questionário 
para pesquisa em prontuários. Solicitaram-se, também, ao Setor de 
Informática da Instituição, os dados cadastrais e do Banco de Dados refe­
rentes a esta população. Este foi o primeiro momento desta pesquisa. 
Em um segundo momento, quando já se tinha o levantamento 
dos dados supracitados, verificou-se a necessidade de revisar os questi­
onários acrescentando-se alguns tópicos. A fim de apresentar um com­
parativo que definisse aspectos específicos da população de adolescen­
tes, fez-se um levantamento dos dados cadastrais e do Banco de Dados 
da população de adultos, atendida no CMT, também no período de janeiro 
de 1 997 a abri l de 1 998. 
1 1 - FLUXO<iRAMA DA I N/TITUl�O 
Ao chegar à Instituição o paciente segue o seguinte fluxo. Inici­
almente, é fei to o preench imento do Cadastro e o agendamento da pri­
meira consulta. Essa consulta é realizada por um terapeuta, que define o 
d ispositivo mais adequado para cada caso (cl ínica médica, c línica psiqui­
átrica, NAPS, lei to-crise, oficinas, ambulatório, ou ainda, encaminhamento 
externo para outro serviço de saúde). Nesse primeiro atendimento é rea­
lizado o preenchimento do Banco de Dados, a partir de questões formula­
das ao próprio paciente. 
I l i - OBJETIVO/ 
Descrever o perfil epidemiológico dos adolescentes atendidos 
na I nst ituição, no período de janeiro de 1 997 a abri l de 1 998, desde o 
cadastro até o comparecimento à primei ra consulta e nos dois meses 
subsequentes ao iníc io do atendimento. 
Discuti r uma possível especificidade da cl ínica com adolescen­
tes em relação à clínicac..om adultos. 
PSICÔTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
1 3á1f 
'. __ ���-�J: 
IV - MATERIAL IE MÉTODO 
O corte da população , estabelecido para es!a pesquisa, foi a 
idade igual ou superior a 1 3 anos e inferior a 1 8 anos. E e�sa popu lação 
que será denominada "adolescente" , neste trabalho. 
A coleta de dados foi feita, junto ao Setor de Informática da lnsfüui­
ção , a partir dos dados cadastrais preenchidos quando da marcação da 
primeira consulta e do Banco de Dados estabelecido durante essa consulta. 
Foi realizada uma busca em prontuários , com a final idade de coletar dados 
mais específicos sobre essa clientela. Tal busca foi efetuada pelos partici­
pantes da linha de pesquisa "Adolescência e Toxicomania". Os dados foram 
sistematizados em EPI- INFO para posterior análise dos resultados. 
Os dados cadastrais dizem respeito às seguintes variáveis: sexo , 
idade, encaminhamento e procedência. Os dados uti l izados do Banco de Dados 
foram: droga principal , idade de início do uso e uso de droga injetável . O ques­
tionário trabalhou as seguintes variáveis: número de consultas realizadas com 
o terapeuta e número de consultas institucionais; dispositivos institucionais 
uti l izados; especif icação da d roga ut i l izada6 ; tipo de alta - c l ín ica , enca­
minhamento a outro serviço ou abandono - e o comportamento com rela­
ção ao uso de droga: interrompeu, reduziu , uso inalterado e não informado. 
As variáveis sócio-demográficas (sexo , idade , encam inhamen­
to , procedência) foram d istribu ídas em tabelas contendo as freqüências 
absolutas e relativ�s d� cada grupo de. adolescentes e adu ltos . Os testes 
de Qui-quadrado foram empregados entre os g rupos com relação à essas 
variáveis . A distribuição das variáveis específicas quanto à droga principal 
e à idade de i n ício de uso receberam o mesmo tratamento. 
V - REJULTADOJ 
O número total de cadastros feitos no CMT. , no período de janei­
ro de 97 a abri l de 98 , foi de 3.760 (três mi l , setecentos e sessentá) , sendo 
que deles 1 1 % corresponde à população de adolescentes� Com relação ao 
comparecimento à primeira consulta , e, conseqüente , p reenchi mento do 
banco de dados , obtivemos um total geral de 2 .097 (dois mil e noventa e 
sete) , com os adolescentes correspondendo a 1 4 ,5% do total . 
No comparativo entre o número de Cqdastros efetuados e o com­
parecimento à primeira consu lta , obtivemos o segu inte dado: 53 ,5% dos 
adultos que fizeram cadastro compareceram à primeira consulta , enquanto 
6 Nas informações coletadas do Banco de Dados encontra-se a categoria de poliusuários, 
enquanto que nos questionários, dispositivo para a coleta de informações nos pron­
tuários, procurou-se especificar as substâncias psicoativas relatadas pelo paciente 
sem uti l izar-se desta�eategoria. _. , . · -
PSICÔTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
que a percentagem dos adolescentes foi de 73,5%7 • O maior índice de 
faltas entre a população de adolescentes se deu na idade de 1 3 anos e o 
menor índice, na idade de 1 7 anos. 
Quanto ao tipo de encaminhamento, em primeiro lugar encon­
tra-se aquele feito por familiares (44%), em segundo lugar pela rede 
assistencial - SUS ( 1 5%) e, em terceiro lugar, o encaminhamento da 
autoridade legal ( 1 4%). Por outro lado, 2,5% da população de adolescen­
tes procu rou tratamento por iniciativa própriaª . 
Para 85% dos adolescentes o CMT é o primeiro tratamento9 , 
enquanto que 8,6% dos adolescentes respondeu que já esteve internado 
devido ao uso de substâncias ps icoativas . 
Quanto à idade de início de uso, verificamos que 55% dos ado­
lescentes iniciou o uso entre os 5/1 5 anos e 45% entre os 1 5/25 anos. No 
comparativo, estabelecido com a população de adultos , encontramos uma 
sign ificância estatística (p<0 ,000 1 ) entre os valores obtidos . 1 0 
Dentre a população de adolescentes, 2% já fez ou ainda faz uso 
de droga injetável 1 1 • Quanto à variável sexo, 85% é do sexo masculino. 
Quanto à procedência da população, 72,5% é de Belo Horizon­
te, sendo 1 9% do Distrito Sanitário Leste, 1 6% do Distrito Sanitário Oes­
te e 1 5% do Distrito San itário Noroeste. 1 2 
Dos adolescentes que compareceram à primeira consulta 
(n=278), 91 % tem algum tipo de vínculo familiar e 76,5% mora com fami­
liares. Já 47% deles tem vínculo com outras instituições (escola, igreja, 
programas comunitários ou outros) . Com relação a ter algum interesse 
sobre o tratamento 35,5% respondeu afirmativamente. Foram atendidos 
46,5% dos familiares que acompanhavam os adolescentes. 
O terapeuta marcou retorno para 80,5% dos adolescentes aten­
didos em primeira consulta, dos quais 52,5% retornou (n=1 46) para aten­
dimento nos dois meses subsequentes à marcação do retorno. 1 3 
Quanto à droga principal1 4, encontramos, em primeiro lugar os 
Poliusuários 1 5 (32,7%), em segundo a Cannabis (3 1 %), em terceiro o 
Crack ( 1 9,4%) e em quarto os Inalantes (6,4%) . 1 6 
7 Vide Gráfico 1 
8 Vide Gráfico 2 
9 Vide Tabela 1 
'° Vide Tabela 2 
1 1 Vide Tabela 3 
12 Vide Gráfico 3 
13 Vide Gráfico 5 
14 Droga principal é entendida aqui càmo aquela que fez com que a pessoa buscasse 
tratamento. 
15 Poliusuários: uso de mais de uma substância psicoativa. Esta categoria foi retirada do 
Banco de Dados do C.M .T. , a partir de Abril de 98. 
16 Vide G!tlfltõ-4 · ·- - ---·""' · 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ---------
1 35 , 
,�4.'..J , 
j 36 
Os resul tados obtidos, a partir do levantamentoda população 
de adolescentes que compareceu nos dois meses subsequentes à pri­
meira consulta, foram os seguintes: 
� Com relação à variável idade, a mediana encontrada foi de 
16 anos assim como a característica modal; quanto ao sexo: 
87,7% é do sexo masculino·e 12,3% do feminino. 
� Quanto à variável droga principal1 7 , 30,8% uso de maconha, 
22,67% uso do crack, 9,6% uso de inalantes e 6,8% uso de 
maconha e cocaína 1 8 , verificou-se que, em 57 ,5% dos ado­
lescentes, o uso de maconha aparece associado também à 
outra substância. A cocaína associada a outra substância 
apareceu em 22% e o crack em 3 1 ,5%. 
>" Quanto ao comparecimento da população encontramos os 
seguintes períodos de tempo: período compreendido entre O 
semana e 67 semanas, com média de 1 O semanas sendo 
que a mediana é de 4 e a moda de 1 semana. 1 9 
};;> Com relação ao número de consultas com o terapeuta, veri­
ficamos que 66,4% da população compareceu a 4 atendi­
mentos, sendo que o número mínimo de consultas foi de 1 e 
o máximo de 16 , a média de consultas foi 4, e a freqüência 
_ modal de 2 consultas2º . Já com relação ao número de con­
sultas institucionais2 1 , isto é, consultas totais efetuadas na 
instituição, incluindo os atendimentos com o terapeuta, veri­
ficou-se um número mínimo de 1 e um máximo de 28 con­
sultas, sendo a média de 6 atendimentos. 
};;> Quanto aos dispositivos utilizados, constatou-se que 54,5% 
dos adolescentes foi atendido unicamente pelo terapeuta, 
30 ,4% foi atendido com utilização de mais de um dispositivo 
além do atendimento psicoterápico individual, sendo: clínica 
médica, psiquiatria, NAPS e oficinas. Apenas 1 5 , 1 % utili­
zou mais de dois dispositivos institucionais.22 
17 A pesquisa em prontuário nos possibi l itou trabalhar esta variável mais especifica­
mente , ou seja, onde detectamos a nomenclatura de poliusuário, está foi investigada, 
abrindo a possibi l idade do trabalho com as drogas usadas pelo paciente. 
'" Vide Tabela 4 
19 Vide Gráfico 6 
z, Vide Tabela 5 
21 Vide __ G,r��!=O 7 
Z! Vide Gráfico ii 
P SICÔTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ----------
} Com reiação ao uso da droga verificou-se que 58% da popu­
lação de adolescentes interrompeu ou reduziu o uso da subs­
tân c i a , e 24% pe rmaneceu c o m seu uso de fo rma 
inalterada.23 
} Quanto à variável tipo de alta, constatou-se que apenas 1 1 , 7% 
dos adolescentes recebeu alta cl ín ica enquanto que 88,3% 
abandonou o tratamento.24 
A partir do cruzamento entre as variáveis idade, d roga principal , 
d ispositivo uti l izado, comportamento para com o uso , número de consul ­
tas com o terapeuta , obtivemos os segu intes dados: dentre os usuários 
de maconha a média de idade encontrada foi de 1 6 anos, a mesma sendo 
a mediana e a freqüência modal ; quanto ao comportamento de uso no 
decorrer dos atend imentos verificou se a redução ou i nterrupção do uso 
em 53,3% desses adolescentes e para 73% dessa população o d isposi­
t ivo uti l izado foi o atend imento ps icoterápico ind ividua l . A média de con­
su ltas com o terapeuta foi de 4 sendo a mediana 3. 
Dentre os usuários de crack obse rvou-se que a média de idade 
também fo i de,1 6 anos , embora a mediana e a freqüência modal tenha 
s ido de 1 7 , 33% dessa popu lação uti l izou o d isposit ivo de atendimento 
ps icoterápico i nd ividua l , enquanto 30% fez uso também do atendimento 
da c l ín ica médica ou da psiqu iatria, sendo que a média de consultas com 
o terapeuta foi de 3 e a mediana 2 . Quanto ao uso da d roga 53,6% relatou 
redução ou interrupção do uso. 
Quanto aos usuários de inalantes , verificou-se que a média de 
idade e a mediana foram de 15 anos e a freqüência modal de 16 anos; 
quanto aos dispositivos uti l izados, 57% desta popu lação fo i atendida em 
psicoterapia ind ividua l , com a média de 4 atendimentos com o terapeuta , 
enquanto que a mediana e a freqüência nodal foram de 3 consultas Quan­
to ao comportamento de uso da d roga, 85,7% relatou redução ou i nter­
rupção do uso.25 
Zl Segundo dados colhidos nos prontuários . Vide Tabela 6 
ai Vide Tabela 7. 
z Com relação às variáveis: idade e número de consultas com o terapeuta, tanto para 
. _,,,;,.., ·> . - maconha quanta-para o crack· e inalantes encontramos um p<0,005. 
PSICÓTICOS E ADOLESCENTES POR OUE SE DROGAM TANTO? ---------
· 1 37 •· 
,�··�-·,.·4'."." 
138 
VI - CONCLUJÃO 
A partir dos dados encontrados pela pesquisa pode-se constatar 
que o adolescente chega ao Centro Mineiro de Toxicomania, por encaminha­
mento da família, escola ou amigos e comparece em número bastante signi ­
ficativo à primeira consulta, quando comparado à população de adul tos. 
O que se constata é que ele retorna por um período médio de 
até 1 mês , em médi a a 4 atendimentos com o terapeuta, mas este laço 
não é suficiente para sua permanência na Instituição. O disposi tivo em­
pregado, segundo a pesquisa, foi quase que exclusivamente o manejo de 
atendimento psicoterápico individual . Segundo os dados relativos ao uso 
da droga, durante seu período de permanência no serviço, há redução ou 
interrupção do uso, demonstrando um efeito possível do atendimento na 
relação destes adolescentes com a droga. 
Quanto à droga principal pode-se verificar um uso diferenciado da 
população de adultos, com opção por drogas "i lícitas", assim como a asso­
ciação freqüente de mais de uma substância, enquanto que para os adul tos 
predomina o álcool , uma droga "l ícita". Pode-se dizer que isto é uma 
especificidade, dos adolescentes, para com o uso de substâncias psicoativas? 
Observou-se que o manejo possível na clínica com adolescen­
tes , exige rapidez e precisão por parte do terapeuta. Pois mesmo compa­
recendo aos-retornos com o terapeuta, o abandono do tratamento é 
freqüente (88,3%). Poderia um laço mais estreito com a I nstituição, au ­
mentar o tempo de permanência do adolescente no tratamento? Os paci ­
entes , que fizeram uso de outros dispositivos insti tucionais conjuntamen­
te com o atendimento psicoterápico individual , são aqueles nos quais 
pudemos verificar, além do aumento no número de atendimentos, o maior 
número de al ta clínica (83%). 
Alguns pontos levantados por essa pesquisa somente poderão 
ser comprovados com sua continuidade, como aq ueles relativos à 
efetividade do tratamento real izado visto que, no decorrer dos atendimen­
tos, veri ficou-se uma redução ou interrupção do uso da droga em 58% da 
população estudada, sendo 54% foi atendida exclusivamente em atendi-
mento psicoterápico individual. 
A constatação de que a forma de acolh imento e o manejo com a 
clínica de adolescentes exigem precisão, devido ao tempo escasso para inter­
venção, deve ser pensada como uma especmcidade dessa população. Pode­
mos sugerir um maior aproveitamento de outros dispositivos, tais como ofici­
nas, NAPS, clínica médica e psiquiátrica, com a intenção de que os adoles­
centes permaneçam por um período mais expressivo no tratamento, au-
- ,�- mentando ass.im a oportunidade de uma intervenção terapêutica mais eficaz . . 
PSICÔTICOS E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? ----------
TA B E LAI 
TABELA 1- CENTRO MINEIRO DE TOXICOMANIA COMO O 1º TRA­
TAMENTO 
Adolescente s Adultos 
Sim 234 1 1 6 3 
Não 44 530 
Em branc o - 93 
Tota l : 278 1 76 8 
Fonte: Banco d e Dados do CMT (período d e 97/98) . 
TABELA 2 - IDADE DE INÍCIO DO UJO DE DRO<iA 
Fa ixa etá ria Adolescente s Adu l tos 
De 05 a 15 anos 1 51 599 
De 1 5 a 25 anos 1 27 952 
Maior q ue 25 an os o 1 50 
Em branc o o 85 
Tota l : 278 1 78 6 
Fonte :Banco d e Dados do CMT (período d e 97/98). 
TABELA 3 - QUANTO AO UJO DE DRO<iA I NJETÁVEL 
Popu lacão Uso Não Uso 
Adolescentes 5 273 
Adultos 92 1 608 
Tota l : 97 1 88 1 
Fonte :Banco de Dados do CMT (período de 97/98). 
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1 39 
. , · , . · -��-:.:� 
TABEIA 4 - DROC,A PRINCIPAL UTILIZADA PELO/ ADOLEICENTE/ 
ATENDIDO/ NO CMT, NO PERÍODO DE JAN/97A ABR/98 
DR O G A FR EQ P ER C E NTUAL 
maconha 45 30,8% 
c rack 33 22,6% 
i nalantes 1 4 9 , 6% 
M aconha e coca ína 1 1 7 ,5% 
Maconha , cocaína e 6 4 , 1 % c rac k 
Mac onh a e i n alantes 5 3 ,4% 
álcool 5 3 ,4% 
cocaín a 4 2 ,7% 
Maconha e in alantes 4 2 ,7% 
m aconh a, cocaína, 4 2 ,7% i nalante e c rack 
Sem i nform ação* 4 2 ,7% 
M aconha e c rack 3 2 , 1 % 
M ac onh a, cocaína e 2 1 ,4% i nalante 
M aconha e á lcool 2 1 , 4% 
m aconh a, cocaína, 1 0 ,7% álcool e crack 
Coca ín a, álcool e 1 0 ,7°/o outras 
M aconha e o utras 1 0 ,7% 
tabaco ·�· , 1 0 ,7% 
TOTAL 1 46 100% 
(*) Não foi possível precisar qual a droga principal . 
Fonte: Centro Mineiro de Toxicomania BH/MG- Pesquisa Adolescentes -Nep /99 
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TABELA 5- NÚMERO DE CONIULTAf REAl.lZADAf COM O TERAPEUTA 
PELOI ADOLEfCENTEf ATENDIDOI NO C.M.T. , NO PERÍODO DE 
JAN/97 A ABR/98. 
Número de Frequência Freq.Cum . 
atend imentos 
1 a 4 97 66,4% 
4 a 8 33 89% 
8 a 1 2 1 4 98, 6% 
1 2 a 1 6 2 1 00% 
Tota l 1 46 1 00% 
Fonte: Centro Mineiro de Toxicomania BH/MG- Pesquisa Adolescentes -Nep /99 
TABElA 6- COMPORTAMENTO QUANTO AO WO DE DROC,A DA 
POPUlAÇÃO DE ADOLEfCENTEf , NO PERÍODO DE ATENDIMENTO 
NO CMT , DE JAN/97 A ABR/98. 
Uso da droga Freauência Porcenta�em 
In alterado 35 24% 
Reduziu 39 27% 
Inte rrom p eu 45 31 % 
Sem registro* 27 18% 
Tota l : 1 46 1 00% 
Fonte: Centro Mineiro de Toxicomania BH/MG- Pesquisa Adolescentes -Nep /99. 
• Caracteriza que não havia registro no prontuário do paciente com relação a este ponto 
TABELA 7 - QUANTO AO TIPO DE ALTA DOI ADOLEfCENTEf ATEN­
DIDOI NO CMT, NO PERÍODO DE JAN/97 A ABR/98. 
Tipo de alta Frequência Porcentagem 
Clínica 1 1 7,6% 
Encam inh am e nto 6 4, 1 % Externo 
Aban don o 1 28 88,3% 
Tota l : 1 46 1 00% 
Fonte : Centro Mineiro de Toxicomania BH/MG- Pesquisa Adolescentes - Nep /99 
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. - - :�� 
1 41;: -�!�E:-: 
G RÁF I CO/ 
Gráfico 1 • Co�arativo entre o número de cadastros e o número de primeiras 
consultas, realizadas no CMT, �egundo faixa etaria. jJan/97 a abr/98) 
.-- . . 
< 11 anos > = .1 3 'e < 1B anos > = 18 anos 
nº de cadastros 
D ri' de primeiras consultas 
real izadas 
Gráfi�� 2· Distribuiç<10 comparativa da população de adole·s-centes e de 
adu ltos, atendida no CMT, segundo t ipo de encaminhamehto.(Jan/97a abr/9B Í 
40% 
20% 
0% 
módico/empresa 
D mnigos 
• �ntorid ade legal 
o sus 
• fomilfo 
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300 
250 
200 
15-0 
. 100 
50 
Gráfico 3 - Di str ibu iç�o· da popula�ão de adol escente s atendida no CMT, 
segundo o l ocal de proc edênci a, no p eríodo de jan/97 a abr/98. 
II BELO HORIZONTE 
[J REG IÃO M ETRO POLITANA 
nl lNTERJOR 
O -"--------------"" 
G ráfico 4 - Distribuição comparativa dos atend imentos rea lizados 
no CMT, segundo a droga principal. 
100% 
90% 
80% 
•álcool []maconha Ococaína 61 crack •hip/sedatívo !ID lnalantes 
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1 44 
= 
Gráfic o 5 - Rastreamento da população de adolescentes atendidos no CMt 
(Jan/97 a Abr/98) 
o . --·--·-----··-·---· ---P---··-----, 
00 
70 
60 
50 
40 
30 
20 
10 
Cadastrados Com banc o de d ados 
- 1• consulta 
Marcado retorno Comparec im ento no dois m eses 
subseqüéntes a 1• c onsulta 
Gráfico 6 -Comparecimento dos adolescentes, segundo 
freqüência em número de se manas. (Jan/97 a abr/98) 
O a 4 5 a 8 9 a 12 13 a 16 1.7 a 20 21 a 24 
Ps1cóncos E ADOLESCENTES POR QUE SE DROGAM TANTO? -------------
G ráfico 7 Curva do número de consultas I nstituc i o nais a que 
comparec eram os adol escentes, no per íodo de jan/97 a abr/98. 
90 -r-�---��---�--------��--�--:.--------...... 
ao .... ---------�----�·���-----����--------! 
70 
60 
50 
40 
30 
20 
1� :t��t:2::.��..:..--�p;;:::�r::��==i:::i:;::::::=:;;�;;;;;;;;;;� 
1 a 4 5 a 8 9 a 12 13 a 16 17 a 20 21 a 24 25 a 28 
. G ráfi,co B - D istri bu ição. da população de adolescentes atendi dos · 
· C,M:f; ;;e·gundo número de dispositivos uti llzados. (..lar\197 .� abr/98) 
. ·. . � . . · ,; 
., 
02 
l.'ll3 ou m ai s 
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1 45 ' ' 
/O B R E O/ AUTO R E/ 
Ana Regina Machado - Psicóloga. Especial ista em Saúde Mental . Terapeuta no Centro 
Mineiro de Toxicomania (CMT). 
Carla S i lveira - Te rapeuta Ocupacional . Terapeuta e Coordenadora do Setor de 
Epidemiologia do CMT. Pós-Graduada em Vigi lância Sanitária e Epidemiologia. 
Cleide Nayara Barcelos_ - Estagiária de Psicologia no CMT. 
Cleyton Sidney de Andrade - Psicólogo. Psicanalista. 
Eloisa Helena de Lima - Psicóloga. Terapeuta no CMT. Especialista em Saúde Mental. 
Sócia-fundadora da ONG- 3ª Margem.Prevenção e Pesquisa em Toxicomania. 
,} 
Fabiana Gambogi Teixeira - Estag iária de Psicologia no CMT. 
Fernando Teixeira Grossi - Psiquiatra. Psicanalista. Membro da Associação Fórum 
do Campo Lacaniano. Diretor Cl ínico do CMT. 
Guy Clastres - Psiquiatra. Psicanalista. Membro do Forum du Champ Lacanien. Profes­
sor do College Clinique de Paris . 
ldál io Valadares Bahia - Psiquiatra. Psicanalista. Terapeuta no CMT. Membro da Asso­
ciação Fórum do Campo Lacaniano. 
Maria Wilma S. de Faria - Psicanal ista. Membro da Seção Minas da Escola Brasileira 
de Psicanálise. 
Mariana Durso Caiaffa • Estagiária de Psicologia no CMT. 
Maurício_Tarrab - Psicanalista. Membro da Escuela de la Orientación Lacaniana (Ar­
gentina) 
Oscar Cirino - Psicanal ista. Coordenador do Núcleo de Ensino e Pesquisa do CMT. 
Mestre em Filosofia (UFMG). Coordenador do Curso de Pós-Graduação em Saúde 
Mental-Cl ínica do Unicentro Newton Paiva. 
Raquel Rubim dei Giúdice - Estagiária de Psicologia no CMT. 
Sandra Mara Pereira- Psicóloga. Terapeuta e Coordenadora da Linha de Pesquisa em 
"Adolescência e Toxicomania" no CMT. Sócia-fundadora da ONG - 3ª Margem. Pre­
venção e Pesquisa em Toxicomania. 
Simone Pereira Figueiredo - Residente do 2° ano de Psiquiatria do Instituto Raul 
Soares (FHEMIG) 
Sônia Alberti - Psicanalista. Membro de Formações Clínicas do Campo Lacaniano- Rio 
de Janeiro. Profa. Adjunta do Instituto de Psicologia da UERJ . Coordenadora do 
Mestrado em Psicanálise do I P/UERJ . Preceptora da Residência em Psicologia Clínica 
I nstitucional no Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente do Hospital Pedro 
Emesto/UERJ. 
Van ilda Castro - Terapeuta no CMT., Formação em Psicanálise. 
Vicente Corrêa Júnior - Psicólogo. Terapeuta no CMT. Pós-Graduado em Psicologia 
Cl ínica e Saúde Mental. 
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