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CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI PORTUGUÊS INSTRUMENTAL GUARULHOS – SP SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................... 4 2 O QUE É PORTUGUÊS INSTRUMENTAL? .............................................. 5 3 LÍNGUA: FATO SOCIOLINGUÍSTICO E DIVERSIDADE ........................... 6 3.1 O fato sociolinguístico: objeto, teoria e método .................................... 7 4 LÍNGUA FALADA E LÍNGUA ESCRITA ..................................................... 8 4.1 Características das modalidades escrita e falada da língua culta e da língua popular ........................................................................................................ 11 4.2 Variação linguística ............................................................................ 14 4.3 Diversidade linguística brasileira ........................................................ 16 5 LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTO ...................................................... 17 5.1 Texto e gramática, fala e escrita ........................................................ 17 5.2 Leitura e escrita, codificação e decodificação .................................... 21 5.3 Leitura e escrita .................................................................................. 21 5.4 Codificação e decodificação ............................................................... 23 5.5 Processos de aprendizagem da leitura .............................................. 24 5.6 Pressupostos teóricos da psicolinguística da leitura .......................... 26 6 ESTRATÉGIAS DE LEITURA – TEXTO E INTERTEXTUALIDADE ........ 28 6.1 Concepção de intertextualidade ......................................................... 28 6.2 Intertextualidade explícita e implícita .................................................. 31 6.3 Intertextualidade, leitura e produção de sentido ................................. 32 7 PROPOSTA DE ATIVIDADES DE LEITURA, PRODUÇÃO TEXTUAL E GRAMÁTICA .................................................................................................. 34 7.1 Alargando os repertórios de letramento dos nossos alunos ............... 34 7.2 O trabalho com os gêneros do discurso ............................................. 35 7.3 Planejando tarefas com textos ........................................................... 37 7.4 Produção de texto e reflexão linguística ............................................. 38 8 GÊNEROS TEXTUAIS ............................................................................. 40 8.1 Estilo, composição e tema .................................................................. 42 8.2 Gênero textual e compreensão .......................................................... 46 8.3 Variedade dos gêneros textuais/discursivos ...................................... 48 8.4 Abordagens teóricas sobre os gêneros textuais/ discursivos ............. 49 8.5 Gênero, enunciado e esfera discursiva .............................................. 51 8.6 Gênero: a cadeia ininterrupta de enunciados ..................................... 53 8.7 Relação entre gêneros e mudanças sociais: uma breve reflexão ...... 54 8.8 Texto, tipos textuais e gêneros ........................................................... 56 8.9 Tipologias textuais .............................................................................. 57 8.10 Textos e gêneros discursivos no ensino de língua .......................... 59 8.11 Documentos oficiais: trabalho com gêneros textuais ...................... 60 9 BIBLIOGRAFIA BÁSICA .......................................................................... 65 4 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno! O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 5 2 O QUE É PORTUGUÊS INSTRUMENTAL? Fonte: falamosportugues75.wordpress.com Português Instrumental é o estudo da língua portuguesa, que objetiva a capacitação para a compreensão, para a interpretação e para a composição de textos. Equívocos de concordância, de regência e a elaboração de textos sem clareza e objetividade são as maiores deficiências apresentadas por quem redige tecnicamente um texto. Atualmente, as empresas investem cada vez mais nos treinamentos de seus funcionários. Investem em cursos de informática, atendimento ao cliente e técnicas de vendas, entretanto, se não houver domínio do próprio idioma, o resultado final será pouco satisfatório. A atividade de comunicação é uma constante em qualquer escala da vida animal: todos os animais se comunicam de alguma forma e em algum período de sua vida, seja por necessidade de sobrevivência seja por imperativos biológicos [...] através de um mínimo de interação (BORBA, 1998, p. 09). Comunicar-se bem, tanto na expressão oral quanto na escrita, exige objetividade, clareza e coesão. Evitar modismos e gírias, além de cuidar da ortografia, correção e coerência das ideias apresentadas ajudam bastante na boa comunicação. Ainda não se deve esquecer de fazer boas leituras (livros literários, livros técnicos, revistas, jornais e artigos). Expressões como "vou está transferindo" ou "Aonde você mora?", utilizadas na oralidade e na escrita, podem comprometer a credibilidade de seu texto, de seu argumento, ou até mesmo de seus negócios. Imagine, então, "erros" 6 de português em um currículo. O candidato (a) pode ser eliminado (a) antecipadamente do processo seletivo. Vivemos em uma era altamente tecnológica e que exige rapidez nas comunicações. Assim, as possibilidades de "erros", sejam elas por meio de e-mail, mensagens, cartas comerciais e outros aumentam. Se a agilidade é importante em plena era da "sociedade conectada", comunicar-se bem e de forma eficiente em língua portuguesa, tornou-se algo essencial. Dentro da disciplina portuguesa instrumental veremos que o alvo da comunicação é claramente constituído pelos diversos públicos com os quais as empresas e instituições se interagem no dia-a-dia. Questão essencialmente social, uma boa comunicação inclui a transferência e a compreensão de significados. Significado corresponde ao conceito ou à noção do que se quer transmitir, seja por meio de palavras e gestos, seja por meio de sinais. Não existe interação e não existe grupo sem a transmissão de significados, ou seja, sem a comunicação. A comunicação é vista como “transmissão de informação”. Diante de um novo padrão de comunicação mediante a era da informática, todos os profissionais interagem como parceiros, buscando alcançar os melhores resultados. Assim, além de contribuírem para a conquista de melhores resultados, promovem a integração e o meio onde está inserida, por intermédio de uma atitude comunicativa mais dinâmica, aberta e eficaz. A partir desse novo contexto de comunicação é necessário que o profissional saiba como lidar e desenvolvera comunicação de forma correta para torna-se um profissional diferenciado. 3 LÍNGUA: FATO SOCIOLINGUÍSTICO E DIVERSIDADE A língua é um patrimônio cultural de um país. Nela se destacam duas dimensões: a falada e a escrita. Essas dimensões, apesar de estarem relacionadas entre si, possuem, cada uma, suas particularidades e especificidades. Cabe, aqui, ressaltar, que ambas são importantes e que uma não se sobrepõe a outra (BARCELLOS, 2016). A língua escrita é aquela na qual a escola concentra seu foco, pois, está sujeita à norma culta. Por estar regida por regras gramaticais, e elas serem imperativas, explicitando os casos de certo e errado, essa dimensão é socialmente cobrada na 7 escola, em processos seletivos e na redação de documentos oficiais. Essa cobrança vincula a ideia de que a escrita tem mais valor do que a fala, o que, de fato, não procede, uma vez que são essencialmente diferentes. Entende-se por língua falada uma ferramenta de comunicação utilizada em situações naturais de fala cotidiana. Como exemplo disso, podemos citar os diferentes espaços de convívio social, como na família, na praia, entre amigos e outros. Nesses domínios sociais, a fala é caracterizada como despreocupada da forma como é proferida. Nesse sentido, a língua falada pressupões uma exposição de ideias, na qual inexiste um cuidado maior. Por ser natural, é livre de filtros e, justamente por meio da fala, é que surgem as variações linguísticas, passíveis de estudo pela Sociolinguística (BARCELLOS, 2016). 3.1 O fato sociolinguístico: objeto, teoria e método O sociolinguista observa a fala de determinada comunidade linguística e as coletas por meio de gravações. Posteriormente, ele irá analisá-las com base em um modelo teórico, com intenção de comprovar ou descartar a existência de uma variação linguística. No caso da Sociolinguística, a natureza do objeto, ou seja, a fala, precede à elaboração das hipóteses a serem consideradas e, por conseguinte, à determinação do modelo teórico. Fonte: www.parabolablog.com.br/ http://www.parabolablog.com.br/ 8 Na pesquisa científica, em geral, levanta-se algumas hipóteses em relação à determinado problema ou situação e busca-se um modelo teórico capaz de corroborar ou desacreditar tais hipóteses. Na sociolinguística ocorre o inverso, são os objetos, os dados coletados, que apontarão as hipóteses e, por consequência, o modelo teórico que os comprovará ou rechaçará. Essa inversão do método científico, representa uma peculiaridade da proposta sociolinguística, que, de maneira nenhuma, corrompe o caráter científico da pesquisa. Aliás, a liberdade na aplicação do método científico em pesquisa sociolinguística, é característico da ciência em questão. Inclusive, seus modelos teóricos referem-se às situações cotidianas, pois tem intenção de captar as falas naturais e espontâneas do falante. Cabe ao pesquisador sociolinguista adaptar seu modelo à comunidade de fala em estudo. Outro aspecto que difere a pesquisa na Sociolinguística, é a relação com o pesquisador. Em geral, para manter o caráter científico de uma pesquisa, o pesquisador não deve interferir no processo de coleta de dados, a ideia é não exercer nenhum tipo de influência sobre a amostra, para que os dados retratem com precisão, o fato investigado. Já na pesquisa sociolinguística, é fundamental que o pesquisador interaja com a comunidade linguística em estudo, para poder instigar os falantes a reproduzirem a variação linguística de interesse da pesquisa. Além disso, o fato do pesquisador estar inserido na comunidade propicia situações naturais de fala espontânea (BARCELLOS, 2016). Ao elencar os temas para a entrevista, é interessante que os pesquisadores optem por assuntos que estimulem o falante a relatar suas experiências pessoais e que promovam o engajamento emocional, para que ele se sinta à vontade e não monitore sua fala. 4 LÍNGUA FALADA E LÍNGUA ESCRITA Não devemos confundir a linguagem com a escrita, porque a linguagem são duas formas diferentes de comunicação. A língua falada é mais espontânea, abrange a comunicação linguística em toda sua totalidade. Além disso, é acompanhada pelo tom de voz, algumas vezes por mímicas, incluindo-se fisionomias. A língua escrita não é apenas a representação da língua falada, mas sim um sistema mais disciplinado e 9 rígido, uma vez que não conta com o jogo fisionômico, as mímicas e o tom de voz do falante. (COLLELO, 2007) Fonte: www.brasilescola.uol.com.br/gramatica/variacoes-linguisticas No Brasil, por exemplo, todos falam a língua portuguesa, mas existem usos diferentes da língua devido a diversos fatores. Dentre eles, destacam-se: Fatores regionais: é possível notar a diferença do português falado por um habitante da região nordeste e outro da região sudeste do Brasil. Dentro de uma mesma região, também há variações no uso da língua. No estado do Rio Grande do Sul, por exemplo, há diferenças entre a língua utilizada por um cidadão que vive na capital e aquela utilizada por um cidadão do interior do estado. Fatores culturais: o grau de escolarização e a formação cultural de um indivíduo também são fatores que colaboram para os diferentes usos da língua. Uma pessoa escolarizada utiliza a língua de uma maneira diferente da pessoa que não teve acesso à escola. Fatores contextuais: nosso modo de falar varia de acordo com a situação em que nos encontramos: quando conversamos com nossos amigos, não usamos os termos que usaríamos se estivéssemos discursando em uma solenidade de formatura. Fatores profissionais: o exercício de algumas atividades requer o domínio 10 de certas formas de língua chamadas línguas técnicas. Abundantes em termos específicos, essas formas têm uso praticamente restrito ao intercâmbio técnico de engenheiros, químicos, profissionais da área de direito e da informática, biólogos, médicos, linguistas e outros especialistas. Fatores naturais: o uso da língua pelos falantes sofre influência de fatores naturais, como idade e sexo. Uma criança não utiliza a língua da mesma maneira que um adulto, daí falar-se em linguagem infantil e linguagem adulta. Quando pensamos sobre comunicação, normalmente nos atemos apenas a um dos lados do processo de comunicação – “o quê” e “como” vamos comunicar; e que tipo de impressão queremos criar, ou seja, pensamos mais em nós mesmos do que em nossa audiência. Mas comunicar-se pode ser um ato de mão única, como TRANSMITIR (um emissor transmite uma informação a um receptor considerado receptor passivo), ou de mão dupla, como COMPARTILHAR (emissores e receptores constroem o saber, a informação, e a transmitem) uma via de duas mãos. Envolve muito mais do que apenas escrever ou falar. Envolve também ser lido, assistido ou ouvido. (COLLELO, 2007) Fonte:www.radiouniversitariafm.com.br Pense um pouco: o que você deseja atingir quando está se comunicando? Falar, escrever e fazer uma apresentação são formas de ajudar outras pessoas a compreenderem as informações e ideias que estão na nossa cabeça. Parece óbvio, mas muitos se esquecem disso. O caminho que uma ideia percorre da sua cabeça 11 para a de outra pessoa é conhecido como processo de comunicação, que envolve a emissão, transmissão e recepção de mensagens. O sucesso no processo de comunicação depende fundamentalmente do conhecimento que o emissor tem do seu público-alvo. Portanto, a pergunta que você deve sempre se fazer é: “Eu realmente conheço o meu público-alvo? ” Alguns fatores nunca caem na armadilha de achar que uma única mensagem servirá para públicos muito diversos. Lembre-se de que os indivíduos possuem ideias e sentimentos que, indiscutivelmente, e isso irá influenciar sua compreensão e sua forma de responder ao que você está comunicando. 4.1 Características das modalidades escrita e falada dalíngua culta e da língua popular Tanto a língua culta quanto a língua popular, também identificada como coloquial, possuem variantes que diferenciam as suas modalidades escrita e falada. Assim, sempre que ouvimos uma conversa, ainda que não prestemos muita ou quase nenhuma atenção ao assunto, somos capazes de formar distintas opiniões para qualificar socialmente os sujeitos envolvidos de acordo com as escolhas linguísticas que fazem. Por outro lado, ainda que não dominemos as diferenças entre as modalidades da língua, já trazemos conosco certo conhecimento de mundo que nos permite identificar tais nuances da linguagem. Camacho (2004, documento on-line) destaca que: [...] é possível identificar as características sociais de um falante desconhecido com base em seu modo de falar. Podemos facilmente concluir que toda língua comporta variedades: (a) em função da identidade social do emissor; (b) em função da identidade social do receptor; (c) em função das condições sociais de produção discursiva. Isso quer dizer que as características principais das modalidades escrita e falada, sejam da língua portuguesa ou de outros idiomas, são intrínsecas ao contexto social dos sujeitos participantes do discurso — oral ou escrito. Portanto, o emissor está sujeito também a variedades geográficas, ou diatópicas, e socioculturais, ou diastráticas. Somado a isso, quanto ao receptor e às condições sociais, têm-se as variedades estilísticas, ou diafásicas, que se referem ao grau de formalidade da situação e ao ajustamento do emissor à identidade social do receptor. Nesse sentido, 12 quanto mais o emissor e o receptor mantêm contato entre si, mais provável é a semelhança entre os seus modos de comunicar-se. Por outro lado, outras características interferem a comunicação no que diz respeito aos sujeitos que a realizam. Para Camacho (2004, documento on-line): Fatores como idade, gênero e ocupação motivam o aparecimento de linguagens especiais que contrastam com a linguagem comum por consistirem em variedades dialetais próprias das diversas subcomunidades linguísticas, cujos membros compartilham uma forma especial de atividade, sobretudo na esfera profissional, mas também científica e lúdica. Podemos perceber o apontado pelo autor ao observarmos diferentes gerações de indivíduos, com especial interesse nas gírias por eles adotadas e nos seus jeitos de falar. Quanto às gírias, Camacho (2004, documento on-line) destaca que podem estar relacionadas à criação “[...] de neologismos por força de necessidades expressivas”, mas também a uma “[...] demanda especial, em certos grupos, por forte coesão social, cuja consequência é a exclusão, via linguagem, dos que não fazem parte do grupo”. A adoção de gírias com vistas à exclusão de sujeitos que não pertencem a certos grupos é constatada com maior frequência em comunidades linguísticas integradas por adolescentes e jovens, o que podemos interpretar como uma maneira de proteger-se de críticas ou intromissões provindas de adultos ou idosos, dado o habitual conflito entre gerações. Vale ressaltarmos que a diversidade linguística não pode ser usada para separar os indivíduos em função do seu modo de falar ou de escrever. Um mesmo falante pode adotar diferentes variantes para expressar-se de acordo com o contexto no qual se encontra. Logo, você, como estudante, precisa ter consciência dessa diversidade e deve saber transitar entre os distintos modos de expressão para adequar-se da melhor maneira possível às situações interlocucionais que se apresentarem na sua trajetória profissional. Frente a isso, você jamais deve usar a língua para inferiorizar alguém por, supostamente, “falar errado”. A consciência linguística deve fundamentar a sua vida docente, já que, em cada contexto, você deve saber como interagir da melhor forma com os envolvidos. Por exemplo, na sala de 13 aula da universidade, você deve utilizar a norma culta padrão, visto que, no meio acadêmico, ela se constrói e serve como mediadora da comunicação; porém, se você estiver no bar com os seus amigos, pode usar variações como “cê” em vez de “você”, “tá” em vez de “está”, “massa” em vez de “legal” ou “ótimo”, dentre tantas outras, possíveis e socialmente aceitáveis em uma conversa informal Em suma, uma situação de comunicação e interação qualquer caracteriza: o contexto social; o assunto; a identidade do interlocutor/receptor Até este ponto dos nossos estudos, você leu, principalmente, sobre as características da linguagem falada. No que concerne à escrita, você deve conscientizar-se de que “[...] a pedagogia da língua materna deve valorizar o princípio de que todos os falantes são capazes de adaptar seu estilo de fala à diversidade das circunstâncias sociais da interação verbal e de discernir que formas alternativas são as mais apropriadas” (CAMACHO, 2004, documento on-line). Nesse sentido, a escrita deve ser sempre a mais próxima possível da norma culta da língua. Como professor, você deverá intermediar a construção do processo escrito do aluno, gradualmente, isto é, de forma evolutiva. Camacho (2004, documento on-line) também destaca que: Em geral, indivíduos de baixa escolarização e que exercem atividades produtivas que não exigem senão habilidades manuais tendem a ser menos estimulados quanto à capacidade de operar com regras variáveis (ao menos no âmbito de seu trabalho). Nesse caso, como lhe foram vedadas as possibilidades de adaptar seu estilo às circunstâncias de interação, a variedade que usam acaba representando uma poderosa barreira para toda possibilidade de ascensão social que depender de capacidade verbal. Cabe ao sistema escolar cuidar para que as formas da variedade-padrão sejam desde cedo ensinadas à criança, para que, quando adulto, ela incorpore em seu acervo o máximo possível de formas padrão, tornando-se, assim, capaz de adequar a expressão verbal às circunstâncias de interação. A pedagogia da língua materna deve valorizar o princípio de que todos os falantes são capazes de adaptar seu estilo de fala à diversidade das circunstâncias sociais da interação verbal e de discernir quais formas alternativas são as mais apropriadas. Portanto, ainda que, inicialmente, o sujeito em processo de construção do seu conhecimento não escreva de acordo com a norma padrão da língua e a sua escrita esteja mais próxima da fala, a mediação deverá ser realizada pelo professor, com os 14 devidos cuidados em relação a equívocos do aluno. Os desvios da norma culta serão normais até que as regras gramaticais sejam dominadas, de modo que, conforme ele adquirir o conhecimento necessário, a sua escrita se modificará, em um processo natural e gradual. 4.2 Variação linguística As variações linguísticas ocorrem de acordo com o meio no qual os sujeitos encontram-se. Cada classe social ou região geográfica conta com peculiaridades nos modos de falar dos seus membros. Segundo Camacho (2004, documento on-line): [...] toda língua varia, isto é, não existe comunidade linguística alguma em que todos falem do mesmo modo e [...], por outro lado, a variação é o reflexo de diferenças sociais, como origem geográfica e classe social, e de circunstâncias da comunicação. Com efeito, um dos princípios mais evidentes desenvolvidos pela linguística é que a organização estrutural de uma língua (os sons, a gramática, o léxico) não está rigorosamente associada com homogeneidade; pelo contrário, a variação é uma característica inerente das línguas naturais. Dessa forma, você pode perceber o quanto é importante para a sua trajetória profissional entender as peculiaridades das falas dos seus futuros educandos. Muitas vezes, os próprios indivíduos, inseridos nos seus contextos, creem falar erroneamente, tendo em vista que há uma cultura de “falar certo” ou “falar errado” sendo reforçada pelos que desfrutamda norma culta, mas possuem sensibilidade bastante para compreender as diferenças sociolinguísticas. Em sala de aula, você perceberá que cada educando traz singularidades sociais para o contexto escolar, cabendo aos professores o cuidado para evitar discriminações linguísticas na turma. Vejamos algumas situações de uso da linguagem coloquial nos casos a seguir. Caso 1 O sujeito reclama à sua mãe: “Farta muito pra essa véia se mexê?” O que se tem: na palavra falta, cuja letra “l” geralmente é representada na fala pelo fonema /u/, nesse caso assume o som de /ɾ/; na palavra velha, cuja partícula “lh” costuma ser representada na fala pelo fonema /ʎ̝ /, nesse caso assume o som de /i/; na palavra mexer, ocorre o apagamento do último fonema, /ɾ/, representado 15 na escrita pela letra “r”. Interpretação: provavelmente, o falante é de baixa escolaridade ou provém de área rural. Caso 2 Um vizinho diz ao outro: “Os vizinho não chega nunca pra proseá”. O que se observa: diferença entre as concordâncias nominal e verbal, evidenciada pelo artigo definido no plural “os”, anunciando que se seguirá um sujeito pertencente também ao plural, sendo que o que se segue é um sujeito da 3ª p. sing. (“vizinho” = ele) e um verbo que concorda com essa pessoa (“chega”); a variação lexical “proseá” como sinônimo de “conversar”. Interpretação: provavelmente, o falante é de baixa escolaridade ou provém de área rural de uma região específica do País. Ademais, cabe destacarmos algumas particularidades da linguagem coloquial: a palavra falta possui ‘l’ ao final da primeira sílaba; se comparada a uma palavra com ‘l’ no início da sílaba, como lápis ou ladeira, as mesmas substituições do fonema /l/ por /u/ ou /ɾ/ não sucederão, uma vez que nenhum falante nativo da Língua Portuguesa pronunciará “rápis”, embora fale “farta”, conforme o caso 1; é comum ouvirmos “Os vizinho não chega”, mas jamais “O vizinhos não chegam” de um falante nativo, motivo pelo qual podemos afirmar que o primeiro enunciado é gramatical e o segundo, agramatical. Tais observações indicam que há uma regra para a variedade popular, “[...] motivada pela organização sintática do Português, que permite a ausência de pluralidade nos últimos constituintes de uma locução, mas não no primeiro da série, que, via de regra, deve vir marcado com o plural” (CAMACHO, 2004, documento on- line). Posto isso, Camacho (2004, documento on-line) afirma que: [...] esses fatos linguísticos nos levam a concluir também que a variação não é um processo sujeito ao livre arbítrio de cada falante, que se expressaria, assim, do jeito que bem entender; muito pelo contrário, a variação é um 16 fenômeno regular, sistemático, motivado pelas próprias regras do sistema linguístico. Portanto, enquanto professor de linguagens, você deve estar ciente de que mesmo os falantes da variante popular seguem alguma regra para a formulação das suas orações. Em contraposição, eles não seguem as regras da língua culta. Nesse sentido, pensar que a língua, seja ela qual for, é única, invariável e que há um único modo “correto” de usá-la configura um mito. 4.3 Diversidade linguística brasileira No Brasil, existem por volta de 250 línguas em uso, a maioria desses idiomas é indígena. A diversidade linguística brasileira é tão grande, apesar da maioria dos brasileiros achar que vive em um país monolíngue, que no ano de 2010 foi lançado o Decreto nº 7.387, instaurando o Inventário Nacional da Diversidade Linguística (INDL) como instrumento oficial de preservação desse patrimônio cultural: a língua. O INDL tem por função identificar, documentar, reconhecer e valorizar as diversas línguas faladas no território brasileiro. Além da língua portuguesa e suas variedades, são consideradas, também, as línguas indígenas, a língua de sinais, as línguas crioulas, afro-brasileiras e dos imigrantes que compõem nossa sociedade. Toda a diversidade linguística convive socialmente em harmonia, entretanto, os falantes dessas comunidades linguísticas têm dificuldade de, por exemplo, encontrar atendimento nos serviços públicos em suas línguas de referência. O Ministério da Cultura, reconhece, como patrimônio cultural brasileiro: Seis línguas indígenas: nahukuá, kalapalo, matipu, kuikuro, asurini e guarani mbya; Uma língua de imigração: o talian, falada desde o século XIX, nas regiões de ocupação italiana, como, por exemplo, na Região Sul, no Mato Grosso e no Espírito Santo. Segundo Bortoni-Ricardo (2014, p. 25): É possível que houvesse o dobro de línguas indígenas quando os portugueses chegaram ao nosso país. No entanto, a literatura especializada 17 chega a apontar para a existência de mais de mil línguas faladas no território brasileiro no início do século XVI. Estamos diante de informação que carece de bases comprobatórias, como já mencionei. Ademais, algumas das línguas identificadas no Brasil têm tão poucos falantes que sua vitalidade é considerada em perigo crítico, apenas um estágio antes da extinção. 5 LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTO Para um entendimento reflexivo sobre texto e gramática, é necessário considerar, em primeiro lugar, o que é gramática. Qual é a relação entre texto e gramática? Qual é a relação entre fala e escrita, considerando o contexto da gramática de determinada língua? 5.1 Texto e gramática, fala e escrita Pense um pouco em seus anos escolares. É bastante possível que suas memórias das aulas de língua portuguesa remetam a um modelo tradicional de gramática, de regras sem sentido e sem aplicação real na vida dos estudantes. Bem, essa é uma visão que já está ultrapassada. Hoje, na linguística como um todo, sabe- se que a gramática não pode mais ser tomada como algo desconectado do uso real da linguagem, isto é, a gramática deixa de ser um modelo de língua perfeita e passa a ser um reflexo da língua. Para Possenti (2012), a gramática pode ser vista sob três prismas: conjunto de regras que devem ser seguidas; conjunto de regras que são seguidas; conjunto de regras que os falantes dominam. A primeira concepção se refere a esse modelo tradicional e compulsório, que impõe a gramática como forma de falar e escrever bem. A essa visão, dá-se o nome de gramática normativa. As outras duas ideias de Possenti (2012) dialogam com novas visões, que enxergam a gramática como um conjunto de estruturas que guiam a comunicação dos falantes de uma língua e o seu uso da linguagem. Não é raro que um aluno, descontente com as aulas de língua portuguesa, diga “eu não sei gramática”. Se não sabe gramática, então como se comunica? Gramática, nesse 18 sentido, refere-se também ao conhecimento gramatical, ou seja, à habilidade cognitiva que os falantes têm de estruturar sentenças que fazem sentido (KENNEDY, 2013). A gramática normativa, segundo Koch e Marcuschi (1998, p. 2), mantém uma “[...] preocupação autoritária com normas estanques sem atenção alguma para com o que fazem os falantes [...]”. O autor critica o caráter impositivo da gramática normativa, pois ela não considera o que os falantes fazem com a linguagem. De acordo com Perini (1985, p. 22), “[...] a gramática normativa pode ser entendida como o esforço de ensinar um dialeto particular de uma língua (a língua padrão) a pessoas que conhecem e empregam outro (a língua coloquial) [...]”. Isso não se dá, contudo, por razões meramente linguísticas, lembra Perini, e sim por pressões sociais e políticas de sujeitos e instituições que veem a norma culta da gramática como uma variante de prestígio. Elege-se a oralidade, nesse sentido, como uma face vulgar e desprestigiada da linguagem. A gramática normativa é uma gramática prescritiva, opondo-se à gramática descritiva. Assim, enquanto uma dita o que é e o que não é bom uso da língua, a outra descreve aquilo que é, de fato, o uso.Dessa forma, não se observa mais a gramática como aquilo que apresenta um conjunto arbitrário de regras, as quais ditam as normas do bem escrever e do correto falar. Não se trata mais de ensiná-la sem observar os fatos que cercam os sujeitos. Em outras palavras, não se mantém mais a noção de que a gramática deve ser ensinada com fins apenas nela; ensina-se gramática para a vida, para o uso efetivo da linguagem. As ideias que perpassam o conceito de gramática descritiva fazem parte de escolas linguísticas modernas que não compactuam com o prescritivismo, como é o caso do funcionalismo e da linguística textual. Com uma visão mais ampla de gramática, portanto, sobretudo relacionada ao domínio do texto, passa-se a vê-la de forma contextualizada; ou seja, ela é entendida como algo em uso pelos indivíduos nos mais diferentes contextos de produção de texto. Dessa forma, a gramática reflete práticas sociais e habilita os sujeitos para a ação social. Para Franchi (2006, p. 33), “[...] uma certa maneira de conceber ‘gramática’, ‘gramatical’, ‘saber gramática’ tem tudo a ver com texto e com discurso [...]”. Uma vez que se voltam à língua em uso, as gramáticas descritivas refletem uma concepção mais inclusiva de gramática, que incorpora não só a linguagem escrita, mas também a linguagem falada, a oralidade, tendo em vista que a linguagem 19 tem, primordialmente, funções interacionais (DECAT, 2002). Essa concepção impacta diretamente a forma como se ensina gramática, haja vista que passa a se considerar aspectos coloquiais e gêneros orais. Para efetivar o trabalho a partir dessa visão ampla de gramática, é importante você considerar os gêneros orais e os gêneros escritos. Considere que os gêneros textuais se manifestam de acordo com a finalidade e com o contexto e que podem ser analisados a partir das situações sociais em que são postos em uso. É possível trabalhar gramática pelos textos narrativos, argumentativos, do tipo relato, expositivos, instrucionais, entre outros. Além disso, é possível refletir sobre gramática tendo como base o trabalho com: o conto, o romance, a piada, o diário, o relato de viagem, o causo, o editorial, o artigo científico, a receita de bolo, a bula do remédio, a entrevista, o regulamento, a ata, o relatório, o bilhete, etc. Tome, por exemplo, o gênero textual receita: MODO DE PREPARO Bata o açúcar, a margarina e os ovos. Depois, acrescente a farinha de trigo, o leite e o fermento. Unte a forma com farinha de trigo. Asse por cerca de 40 minutos. Repare que, no modo de preparo, os passos da receita são dados a partir de estruturas com verbos no modo imperativo. O modo imperativo dos verbos explicita ordens, pedidos, desejos. O ensino de um tópico gramatical como esse a partir de um gênero de texto que usa essa estrutura mostra como a gramática é realmente utilizada. Ensinar o que é o modo imperativo de forma descontextualizada de instâncias reais de aplicação contraria um modelo de ensino que leva em consideração a realidade do sujeito e a reflexão sobre suas próprias práticas. O trabalho com gêneros textuais pressupõe a reflexão, o entendimento e a produção desses gêneros, fazendo com o que o aluno seja, de fato, parte da construção do seu próprio conhecimento. O importante para o desenvolvimento integral do sujeito é a valorização da produção dos diferentes gêneros textuais. A ideia é que o sujeito saiba quais são as possibilidades disponíveis em determinada língua e de que forma ele pode agir para produzir textos de acordo com as diferentes necessidades de cada contexto. Em 20 consequência, o ensino da gramática passa a estar atrelado à prática; ou seja, a possibilitar o acesso aos diferentes gêneros textuais de forma que o aluno perceba a gramática em uso. Isso é possível pela exposição do aluno aos diferentes gêneros textuais, de modo a se alcançar o propósito de ensinar gramática para o uso efetivo na sociedade. Portanto, tenha em mente que a gramática apresenta um sistema de noções mediante as quais são descritos os fatos de uma língua. Assim, descrições de estrutura e regras de uso são associadas às expressões de determinada língua. Logo, “[...] saber gramática significa ser capaz de distinguir, nas expressões de uma língua, as categorias, as funções e as relações que entram em sua construção, descrevendo com elas sua estrutura interna e avaliando sua gramaticalidade [...]” (FRANCHI, 2006, p. 22). Nesse sentido, não se parte mais de uma visão dura, engessada, mas do trabalho com textos. O texto pressupõe textualidade, relação com contexto de produção, ambiente social, tempo, história, gatilhos de produção, etc., ou seja, elementos externos para além da estrutura interna (gramaticalidade). Mas isso não quer dizer que o texto não converse com a gramática e vice-versa. A ideia fundamental é que os professores considerem a linguagem como algo que se desenvolve nos sujeitos. Antes de escrever, as pessoas falam (seja pela emissão de sons ou sinais gestuais); logo, a habilidade pode ser desenvolvida a partir do acesso às diferentes manifestações linguísticas. Quanto mais acesso a diferentes textos o aluno tiver, mais ele vai desenvolver as suas habilidades de leitura, interpretação, síntese, antítese e escrita autoral; além disso, mais ele vai perceber a gramática em uso. O trabalho com a oralidade, portanto, é fundamental. A omissão do trabalho com a fala pode estar relacionada com a crença errada de que os usos orais da língua no cotidiano são inadequados e de que a informalidade não é matéria de sala de aula. Essa é uma visão equivocada da fala, pois ela é entendida como um espaço de violação das regras gramaticais e tão somente isso. Ou seja, nessa abordagem, tudo o que é “erro” na língua acontece na fala, e tudo o que é permitido e correto está nas prescrições da gramática. É preciso, portanto, considerar padrões de oralidade e trabalhar com todos eles para instrumentalizar o aluno na sua atuação social. 21 5.2 Leitura e escrita, codificação e decodificação Refletir sobre a leitura e a escrita é essencial para o aperfeiçoamento das práticas de sala de aula. O modo como os sujeitos leem e escrevem influencia a escolha de métodos e metodologias efetivas, que levem em conta a complexidade desses processos e também o significado das práticas de codificação e decodificação. No Brasil, os índices de reprovação são significativos, sobretudo devido à dificuldade de se ensinar efetivamente a ler e escrever. Tal dificuldade está relacionada, principalmente, às séries iniciais do ensino fundamental e também à quinta série. Nesse contexto, há duas questões principais: nas séries iniciais, a alfabetização; na quinta série, os empecilhos para garantir que os alunos façam um uso eficaz da linguagem escrita. Como você deve imaginar, essas problemáticas se refletem no futuro dos estudantes. No ensino superior, por exemplo, eles apresentam dificuldades de interpretação textual e desajustes para organizar as suas ideias por escrito (BRASIL, 1997). Portanto, cabe refletir sobre leitura e escrita, codificação e decodificação, bem como considerar a necessidade de estímulos e instruções para que os objetivos de ensino e aprendizagem sejam alcançados. 5.3 Leitura e escrita Você conhece o conceito de leitura? Para Leffa (1996), a leitura é um processo que pode ser definido de maneiras diferentes dependendo do enfoque que se emprega na observação. Ou seja, o enfoque pode ser linguístico, social, psicológico, fenomenológico, etc. Da mesma forma, para o autor, é necessário considerar o grau de generalidade com que se pretende definir o tema. De modo mais geral, a leitura é um processo de representação que envolve o sentido da visão; logo, acontece pela intermediação de outros elementos da realidade, de forma que os sujeitos observam os elementos do mundo e estabelecemum entendimento sobre eles. Ler, portanto, é reconhecer o mundo (LEFFA,1996). Contudo, a leitura só é possível se existe conhecimento prévio do que se está observando. 22 A leitura, então, pode acontecer por meio da língua e do domínio do código (alfabeto), mas também é possível desenvolvê-la por meio de sinais não linguísticos. É por isso que você consegue ler as expressões faciais das pessoas, o olhar, os gestos, etc. Dessa forma, leitura não está relacionada apenas com a palavra escrita. Ler, portanto, é conseguir observar efetivamente dada realidade e estabelecer conexões entre ela e outros fatos já observados no mundo, de forma a empregar sentido na nova observação. Leffa (1996, p. 11) explica que “[...] ler é usar segmentos da realidade para chegar a outros segmentos [...]”. Assim, tanto a palavra escrita quanto todos os objetos do mundo podem ser lidos e servem de intermediários para a leitura de outros elementos. “Esse processo de triangulação, de acesso indireto à realidade, é a condição básica para que o ato da leitura ocorra [...]” (LEFFA, 1996, p. 11). Para entender essa explicação, suponha, por exemplo, que você deseja comprar uma casa. Em certa ocasião, você passa por uma casa que é atrativa e onde está fixada uma placa de vende-se. A leitura se limita apenas à placa? Ou você olha para o imóvel, considera a rua, observa as casas vizinhas, reflete sobre dinheiro, entre tantas outras questões que emergem ao se ler a situação? Dessa forma, o que Leffa (1996), como Paulo Freire, explicam é que a leitura está para além da palavra escrita. Entretanto, isso não significa que a escrita não deva ser observada quando se fala em leitura. Pelo contrário: é fundamental desenvolver essa habilidade para que os alunos possam praticar a cidadania e participar ativamente do contexto social em que estão inseridos e que desejam acessar. Para isso, um dos fatores envolvidos é o aprendizado do código, ou seja, do alfabeto da língua. É necessário compreender como esse código se organiza para formar palavras e, por conseguinte, frases e orações. Portanto, a escrita pode ser definida como representação visível e durável da linguagem. Veja o que afirma Collelo (2007, p. 25–26): 23 A língua escrita é um objeto paradoxal porque comporta simultaneamente dois polos, um aberto e outro fechado. Como sistema fechado, a língua tem suas normas e regras que não podem ser alteradas [...]. Não se pode inventar um “outro” jeito de escrever porque a escrita tem sua história, as palavras têm suas origens e as estruturas linguísticas carregam marcas milenares do percurso vivido pela humanidade. Apesar disso, é possível dizer que a língua é um sistema aberto porque permite tudo dizer. A escrita representa o processo pelo qual a palavra ouvida é registrada por escrito e pode ser lida por outros. Para realizar essa atividade, contamos, em cada língua, com letras que configuram o sistema de grafia. Para Câmara Jr. e Mattoso (1981, p. 266), a letra, que “[...] em princípio vale como representação de uma função específica na língua escrita, adquirindo o caráter de grafema, consiste numa transposição de discurso falado, que resultou em novas condições de funcionamento da linguagem [...]”. Dessa forma, ela possibilita a comunicação por escrito. Nesse contexto, é possível perceber a necessidade dos estímulos e da instrução, pois a escrita está diretamente relacionada com o conhecimento dos gêneros do discurso e com as situações de comunicação. Quanto mais exposto o aluno estiver a contextos comunicativos diversos, maior domínio ele terá da língua falada e, por consequência, mais ampliará suas formas de registro escrito. É por essa razão que existem posições como a de Ferreiro e Teberosk (1985), para quem a escrita não é um produto escolar, mas um objeto cultural, que resulta do esforço coletivo da humanidade. Inseridos no contexto social, os sujeitos reconhecem que a escrita pertence a tal contexto. Logo, a escrita tem como objetivo possibilitar o processo de leitura. Este, por sua vez, está relacionado à decodificação daquilo que permanece registrado por escrito. 5.4 Codificação e decodificação A aprendizagem da leitura e da escrita acontece de forma gradativa. Conforme o indivíduo conhece o código da língua, ele se apropria das letras e dos sons, mas, mais do que isso, ele domina as palavras e os seus sentidos e entende a relação entre as sentenças e os contextos. Ou seja, percebe o texto para além da palavra escrita, compreendendo a sua relação com o contexto de produção e as exigências deste. 24 Logo, toda essa dinâmica está relacionada com os processos de codificação e decodificação. Contudo, uma concepção mais detalhada da língua enfatiza que o aprendizado inicial da leitura deve estar além da relação direta com os processos de codificação e decodificação. Ou seja, não deve haver somente um processo de codificação e decodificação (escrever não é apenas codificar), de conversão de letras em sons, pois a compreensão do que se decodifica deve estar presente. Considere, nesse contexto, que os conceitos de codificação e de decodificação estão relacionados com a capacidade e a habilidade dos sujeitos de entender o código de determinada língua. Ou seja, aqui, estão relacionados com o domínio do sistema alfabético da língua portuguesa. O professor, como aquele que é responsável por estimular e instruir, deve “[...] buscar oferecer aos alunos inúmeras oportunidades de aprenderem a ler usando os procedimentos que os bons leitores utilizam [...]” (BRASIL, 1997, documento on-line). Codificar, portanto, é a habilidade de dominar determinado código e ser capaz de operar com ele para a produção escrita; consequentemente, o domínio do código possibilita a decodificação para a leitura. Conhecer o código e ser capaz de codificar e decodificar, para ler e escrever, é fundamental. Todavia, entender o que se lê e o que se escreve pressupõe, do indivíduo, a antecipação, a realização de inferências a partir do contexto ou do conhecimento prévio que possui e a verificação de suas suposições — em relação tanto à escrita, propriamente, quanto ao significado (BRASIL, 1997). Portanto, considere que a codificação é a primeira etapa concreta do processo de aprendizagem da leitura e da escrita e que ela envolve as ações de conhecer e decifrar os sinais gráficos. O professor instrui e orienta de forma que os alunos tenham esse conhecimento para que se tornem habilitados a ler e escrever. Nesse processo, diferentes metodologias podem ser utilizadas, que variam conforme as necessidades de cada um. 5.5 Processos de aprendizagem da leitura Para a aprendizagem efetiva da leitura, é necessário ir além das cartilhas e dos processos de codificação e decodificação. Ou seja, é fundamental oferecer aos estudantes inúmeras oportunidades para a aprendizagem da leitura e da escrita, 25 considerando esses processos dentro e fora da sala de aula. Para isso, é preciso possibilitar o acesso a diversos textos, permitindo a decodificação e o entendimento de diferentes gêneros, de forma que o aluno seja exposto, desde o início da sua escolarização, às questões centrais de produção e de leitura: como escrever? O que se pretende comunicar? Para quem comunicar? De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997, documento on-line), [...] um tipo especial de trabalho de análise linguística — que quando bem realizado tem um grande impacto sobre a qualidade dos textos produzidos pelos alunos — é o de observar textos impressos de diferentes autores com a intenção de desvelar a forma pela qual eles resolvem questões da textualidade [...] Nesse sentido, o aluno deve ser exposto a diferentes textos, principalmente de autores consagrados, com o objetivo de analisar os recursos que são utilizados no processo de construção,para que aprenda com esses autores e com esses textos. A leitura, portanto, como processo de aprendizagem, pressupõe cognição, domínio e automatização. Primeiro, o aluno se apropria das funções e dos aspectos técnicos da atividade da leitura; assim, relaciona os objetivos comunicativos da escrita e estabelece relações entre linguagem oral e escrita. O aluno, então, desenvolve familiaridade com a língua escrita pelo contato com os textos. O professor, por sua vez, deve orientar e instruir considerando que não basta o domínio do código (como relacionar sons às letras) para que a leitura aconteça. Ler é compreender significados e também configura uma possibilidade de aproximação dos sujeitos à cultura letrada. Como processos de aprendizagem da leitura, tem-se a aplicação e o conhecimento do sistema simbólico, que posteriormente possibilita a transcrição de um equivalente visual em um auditivo e vice-versa. A leitura, em seguida, envolve síntese, que se inicia em um sistema simbólico alicerçado na fala e que depende do conhecimento de mundo (conhecimento prévio), isto é, dos elementos encontrados na leitura que são conhecidos e entendidos pelo leitor. Logo, a leitura compreende os seguintes processos: codificação, decodificação, percepção, memória, relação e atribuição de significado. Sem atribuição de significado, a leitura até pode acontecer, mas o entendimento (a apropriação) do que está sendo lido não se efetiva. Nessas situações, o professor pode ouvir dos alunos frases como “eu li, mas não entendi”. 26 Como processo de aprendizagem da leitura, a alfabetização deve priorizar a inserção do aluno nas práticas de leitura e de escrita. Assim, o professor orienta seus alunos de forma que eles sejam alfabetizados, tornem-se leitores e escritores e possam fazer uso real da leitura e da escrita em diferentes situações no mundo. No processo de aprendizagem da leitura, é fundamental contato, manipulação, utilização e criação de diferentes textos para que o código seja percebido em ação. Compreender os diferentes gêneros textuais e as suas características singulares amplia o domínio da leitura e capacita os sujeitos para uma escrita mais ativa. Com essas ações, mobiliza-se uma aprendizagem reflexiva sobre leitura e escrita. O aluno percebe que essa aprendizagem está também em uso fora da sala de aula; reduz-se, assim, o distanciamento entre o que o professor ensina na sala de aula e o que o aluno encontra fora dela, em seu contexto social. Rompe-se com a ideia do texto apenas como algo do mundo da sala de aula e parte-se para um entendimento do texto como uma ocorrência mais ampla. O aluno passa a entender que o domínio da leitura possibilita uma compreensão mais crítica das situações que ele vivencia e o habilita para agir de forma cidadã. A leitura é um processo pelo qual se compreende o uso da linguagem escrita: quando o aluno efetivamente lê (emprega sentido), ele pratica codificação e decodificação, mas, mais do que isso, é capaz de interpretar, refletir e formar a sua própria opinião sobre o que lê. Portanto, o ato de ler é um processo complexo, que envolve outros processos e que possibilita compreensão e entendimento do mundo, incluindo ainda a capacidade simbólica de interação por meio do uso da palavra. Esta é entendida como um signo variável que depende do contexto; este, por sua vez, é entendido não só no sentido mais restrito de situação imediata de produção do discurso, mas naquele sentido que enraíza histórica e socialmente o homem (BRANDÃO; MICHELETTI, 2007). 5.6 Pressupostos teóricos da psicolinguística da leitura A psicolinguística também contribui para o entendimento da leitura. De acordo com Almeida (2008, documento on-line), nos anos 1950, “[...] o estruturalismo europeu convive com a teoria gerativo-transformacional norte-americana, cujo principal representante é Chomsky [...]”. Para Chomsky, as crianças, ao internalizarem regras 27 gramaticais, tornam-se capazes de produzir ilimitadas sentenças em determinada língua, a partir de sua capacidade inata e específica. De acordo com essa teoria, as crianças aprendem a falar e são capazes de compreender de forma inconsciente o funcionamento da língua; a leitura e a escrita seriam atos mecânicos, e não processos de construção de sentido (BRAGGIO, 1992). No contexto dessa percepção, determina-se que cabem ao sujeito e à sua mente a criação da linguagem e a aquisição do conhecimento: “[...] o sujeito ideal é um agente que processa ativamente o conhecimento [...]” (ALMEIDA, 2008, documento on-line). Esses são os pressupostos teóricos para a formação do modelo psicolinguístico de leitura. É a teoria chomskyana que origina o modelo psicolinguístico de leitura. Com a apresentação da gramática gerativa, confere-se um lugar importante ao componente sintático, mas também aos componentes psicológicos, isto é, à realidade psicológica dos indivíduos. Ou seja, a proposta de Chomsky é a de que, a partir do domínio das frases que pertencem a determinada língua, é permitido ao sujeito, por meio de um número limitado de regras, gerar um número infinito de sentenças. Portanto, Chomsky faz referência à capacidade inata que as pessoas têm de produzir, compreender e reconhecer a estrutura de todas as frases de sua língua. Dessa forma, a língua é um conjunto infinito de possibilidades de construção de frases, sejam elas existentes ou possíveis. A partir da interiorização das regras da língua, os sujeitos são capazes de interpretar e produzir frases. O desempenho, no entanto, está relacionado com o contexto em que o falante está inserido e à sua capacidade de uso da língua de acordo com as exigências desse contexto. Outro autor importante para o campo é Smith (2003). Em sua obra intitulada Compreendendo a leitura: uma análise psicolinguística da leitura e do aprender a ler (SMITH, 2003), o autor apresenta uma visão de mundo não estática, ou seja, ela se modifica e tem um papel na previsão e na predição, e desta depende o processo de leitura. Para Smith (2003), há um movimento entre previsão (questionamentos postos no momento de leitura) e compreensão (respostas para esses questionamentos). 28 6 ESTRATÉGIAS DE LEITURA – TEXTO E INTERTEXTUALIDADE 6.1 Concepção de intertextualidade A intertextualidade é um dos grandes temas a que a linguística textual tem se dedicado. Por isso, há várias pesquisas e estudos voltados ao assunto. No conjunto dos conhecimentos constitutivos do contexto, se destaca aquele referente a outros textos. Este consiste na intertextualidade. Para Roland Barthes (1988, p. 69), “[...] o texto é um tecido de citações, saídas dos mil focos da cultura [...]”. Quem pode decifrar as múltiplas vozes é o leitor, que deve ter a capacidade de perceber os “mil focos da cultura” no período da enunciação: “O leitor é o espaço mesmo onde se inscrevem, sem que nenhuma se perca, todas as citações de que é feita uma escritura. ” (BARTHES, 1988, p. 70). Nessa perspectiva, a intertextualidade é possível no processo do texto, e no ato de leitura, quando se pode notar o intertexto. Outro renomado teórico da intertextualidade, Gérard Genétte (1992), diz que a intertextualidade é um dos fenômenos da transtextualidade. Marcuschi (2008, p. 130) explica que fazem parte dessa transtextualidade: A intertextualidade, que supõe a presença de um texto em outro (por citação, alusão, etc.); A paratextualidade, que diz respeito ao entorno do texto propriamente dito, sua periferia (títulos, prefácios, ilustrações, encartes, etc.); A metatextualidade, que se refere à relação de comentário de um texto por outro; A arquitextualidade, bastante mais abstrata, que põe um texto em relação com as diversas classes às quais ele pertence (por exemplo, um poema de Baudelaire se encontra em relação de arquitextualidade com a classe dos sonetos, com adas obras simbolistas, com a dos poemas, com a das obras líricas, etc.); A hipertextualidade, que recobre fenômenos como a paródia, o pastiche, etc. 29 Ao tratar os mecanismos da textualidade como critérios, Marcuschi (2008) ressalta que a intertextualidade é também um princípio constitutivo. Nesse sentido, ela compreende o texto como uma comunhão de discursos, e não como algo isolado ou apenas um simples critério de textualidade. Mas, afinal, você sabe o que é intertextualidade? Koch e Elias (2006) dizem que, para responder a essa pergunta, é necessário levar em conta outras duas perguntas: “Quantas vezes, no processo de escrita, constituímos um texto recorrendo a outro (s) texto (s)?” e “Quantas vezes, no processo de leitura de um texto, necessário se faz, para a produção de sentido, o (re)conhecimento de outro(s) texto(s) – ou do modo de constituí-los?”. Para Koch e Elias (2006, p. 59), “[...] todo texto é um objeto heterogêneo, que revela uma relação radical de seu interior com seu exterior; e desse exterior, evidentemente, fazem parte outros textos que lhe dão origem, que o predeterminam, com os quais dialoga, que retoma, a que alude, ou a que se opõe.”. Já os estudiosos Beaugrande e Dressler (apud KOCH; TRAVAGLIA, 1997, p. 45) dizem que “[...] a intertextualidade se refere aos fatores que vão depender da utilização adequada de um texto e do conhecimento que se tenha de outros textos anteriores.”. A intertextualidade ocorre quando há um texto inserido em outro texto que já foi reproduzido anteriormente e que faz parte da memória social de uma coletividade. Trata-se de um elemento constituinte e constitutivo do processo de escrita/leitura. Além disso, abrange as diversas maneiras pelas quais a produção/recepção de um determinado texto depende de conhecimentos de outros textos por parte dos interlocutores, ou seja, dos diversos e variados tipos de relações que um texto sustenta com outros textos (KOCH; ELIAS, 2006). Observe exemplos nas Figuras 1 e 2. 30 Você pode constatar, nos exemplos, que há o intertexto, ou seja, um texto inserido em outro, ambos constituídos a partir da memória social. No primeiro, há visualmente a imagem da personagem Pinóquio, que, quanto mais mente, mais aumenta o nariz. Já no segundo, há uma intertextualidade com o filme Kill Bill. Nesse caso, mesmo que não exista a explicação do texto-fonte, o leitor consegue constatar a intertextualidade, pois o texto-fonte faz parte da memória social, o que possibilita que seja facilmente recuperado (KOCH; ELIAS, 2006). Se o leitor não 31 tiver lido ou visto a história do Pinóquio e visto o filme de Tarantino, não vai compreender a intertextualidade. Conforme Koch e Elias (2006), a intertextualidade pode ser implícita ou explícita, como você vai ver a seguir. 6.2 Intertextualidade explícita e implícita A intertextualidade explícita ocorre quando se faz a citação da fonte do intertexto. Acontece, por exemplo, em discursos relatados, nas citações e referências, nos resumos, resenhas e traduções; e também nas retomadas de texto de parceiro para encadear sobre ele ou questioná-lo na conversação (KOCH; ELIAS, 2006). As teóricas explicam que a intertextualidade com explicitação da fonte aparece em diversos gêneros textuais. Porém, para que ocorra a produção de sentido, além da verificação do fenômeno, o leitor deve considerar a importância e a função da escolha realizada pelo autor. Isso quer dizer que o leitor deve se perguntar: por que é para que o autor citou a fonte, se ele poderia não citar? A intertextualidade se constitui também de modo implícito. Pode ocorrer com alusões, na paródia, em certos tipos de paráfrases e ironias. Essa intertextualidade se dá sem a citação da fonte. Assim, é responsabilidade do interlocutor recuperar na memória a informação e construir o sentido do texto. Quando isso não ocorre, grande parte ou mesmo toda a construção do sentido fica prejudicada (KOCH; ELIAS, 2006). Nas produções marcadas por esse tipo de intertextualidade, a fonte não é apresentada pelo autor, conforme as teóricas. Isso pois ele pressupõe que a informação já faça parte do conhecimento do leitor, que deve estabelecer “diálogo” entre os textos e a razão da recorrência implícita a outros textos, para que haja a produção de sentido. No que concerne à intertextualidade implícita, a manipulação operada pelo produtor do texto sobre texto alheio ou mesmo próprio possui a finalidade de produzir determinados efeitos de sentido. Esse recurso é usado bastante na publicidade, no humor, na canção popular e também na literatura, por exemplo (KOCH; ELIAS, 2006). 32 6.3 Intertextualidade, leitura e produção de sentido Para o processo de compreensão do texto, além de conhecer o texto-fonte, Koch e Elias (2006, p. 85-86) afirmam que “[...] necessário se faz também considerar que a retomada de texto (s) em outro (s) propicia a construção de novos sentidos, uma vez que são inseridos em outra situação de comunicação, com outras configurações e objetivos.”. Samoyault (2008) reúne em seu livro comandos a partir de orientações de teóricos como Genette e Champagnon. Conforme a pesquisadora, a partir do texto Palimpsestes, de Gérard Genette, se adquiriu o hábito de distinguir as práticas intertextuais em dois tipos: relação de copresença e relação de derivação. Na de copresença, há, por exemplo, o A presente no texto B. No caso da derivação, há A retomado e transformado em B, o que Genette chama também de prática hipertextual. A partir dessa distinção, se organizou uma tipologia, conforme descreve Samoyault (2008). A citação, a alusão, o plágio e a referência são práticas de intertextualidade nas quais se inscreve a presença de um texto anterior no texto atual. Nas palavras da teórica, “Essas práticas da intertextualidade dependem pois da copresença entre dois ou vários textos, que absorvem mais ou menos o texto anterior em benefício de uma instalação da biblioteca no texto atual ou, eventualmente, de sua dissimulação. ” (SAMOYAULT, 2008, p. 48). A seguir, você pode compreender melhor algumas das categorias de intertextualidade. Citação: é identificável de modo imediato, tendo em vista o uso de marcas tipográficas específicas, como aspas, itálicos, separação do texto citado. Para Samoyault (2008, p. 49), “Basta uma dessas marcas para assinalar a citação, a ausência total de tipografia própria transforma a citação em plágio, cuja definição mínima poderia ser a citação sem aspas, a citação não marcada.”. Alusão: remete a um texto anterior sem marcar a diferença da citação. De acordo com Samoyault (2008), às vezes não é intertextual propriamente dita, sendo exclusivamente semântica, como o enunciado “ele só pensa naquilo”, uma alusão erótica. Mas pode ser também uma alusão intertextual, 33 como a realizada por James Joyce (apud SAMOYAULT, 2008, p. 50) em Ulysses, quando se refere à “Helena de Argos, a jumenta de Troia que não era de madeira e que alojou tantos heróis nos seus flancos.”. Aqui, há uma alusão mitológica e alegórica que não é plenamente visível. Esse tipo de intertextualidade depende muito do efeito de leitura. Ela é frequentemente subjetiva e raramente é necessário desvendá-la para compreender o texto. Plágio: trata-se de uma retomada literal, porém sem marcas, o que torna a designação do heterogêneo nula. Quando ocorre a apropriação total, questões jurídicas devem ser levantadas a seu respeito, considerando que coloca em causa a propriedade literária, mais ou menos legitimada. Para a teórica, os termos de roubo e fraude são associados ao plágio e deslocam com mais frequência a questão do literário para o jurídico: “Introduzindo problemáticas ligadas à autoridade, à assinatura e à originalidade que ele anula, [...] o plágio merece assim ser mantido na tipologia,quando mesmo outras noções parecem poeticamente mais exatas ou mais eficazes para descrever certas operações de empréstimo. ” (SAMOYAULT, 2008, p. 63). Referência: constitui-se também de intertextos ambíguos, assim como a alusão e o plágio. Para identificá-la, é necessário que o leitor possua determinada cultura e sagacidade, tornando a relação intertextual aleatória. Paródia: transforma uma obra precedente de modo a fazer uma caricatura ou reutilização de qualquer forma, transpondo-a. Sua construção visa à ludicidade, à subversão, de modo a desviar o hipotexto para zombar dele, e ainda à admiração. Possui caráter comum ao do patrimônio parodiado, o que possibilita aos leitores reconhecerem o hipotexto facilmente. Pastiche: imita o hipotexto, remetendo “[...] menos a um texto preciso do que ao estilo característico de um autor e, para isso, o sujeito pouco importa. ” (SAMOYAULT, 2008, p. 55). O pastiche admite variantes. Integração: seus operadores atuam nos textos que absorvem mais ou menos o texto anterior, em benefício da biblioteca no texto atual e, em seguida, de sua dissimulação, eventualmente (SAMOYAULT, 2008). Colagem: nessas operações, o texto principal é colocado ao lado do intertexto e não o integra, o que valoriza o fragmentário e o heterogêneo. Elas podem aparecer acima do texto, como a epígrafe, e no meio do texto, 34 como imagens colocadas no texto (SAMOYAULT, 2008). Epígrafe: destacada do texto que ela antecede e introduz, a epígrafe é constituída, geralmente, por uma citação, com referência do autor e do texto do qual foi retirada. É uma colagem feita acima do texto, na sua abertura (SAMOYAULT, 2008). 7 PROPOSTA DE ATIVIDADES DE LEITURA, PRODUÇÃO TEXTUAL E GRAMÁTICA Os gêneros do discurso são tipos relativamente estáveis de textos (orais e escritos), que reconhecemos com base na nossa experiência com diferentes textos em determinadas áreas. Cada contexto de uso da linguagem (quem fala, com quem fala, com que objetivo, em que situação, em que lugar, por meio de qual suporte, etc.) determina as características do que é dito e de que forma é dito. Um dos objetivos principais da aula de Língua Portuguesa é ensinar o aluno a ler e produzir diferentes gêneros, ampliando sua participação em diferentes esferas de letramento. Neste texto, você vai conhecer a relação entre atividades de leitura, produção textual e gramática na aula de Língua Portuguesa através de uma discussão sobre o trabalho com os gêneros do discurso. 7.1 Alargando os repertórios de letramento dos nossos alunos Acreditamos que ao ler e posicionar-se de maneira analítica, crítica e responsiva diante do texto, o aluno desenvolva as competências necessárias para participar das práticas sociais na linguagem. Porém, é importante frisar que “[...] um texto só encontra unidade significativa ao ser vinculado ao contexto efetivo de interlocução, desde sua produção e recepção até o retorno dos seus efeitos de sentido sobre os envolvidos [...]” (SIMÕES et al., 2012, p. 138). Por isso, é fundamental escolher textos autênticos, pois eles materializam as práticas de uso da linguagem, apresentando os propósitos sociais veiculados aos seus reais participantes. Quando pensamos em práticas sociais, as possibilidades de uso da língua se expandem e tomam uma dimensão que vai muito além do que inicialmente pensava- se como escopo do trabalho para dentro da sala de aula. Como maneira de motivar 35 os alunos e instigar uma reflexão sobre as diferenças de práticas na língua portuguesa, faz sentido retornar aos textos que já lhes são familiares, porém, com o objetivo de incitá-los para que olhem para o texto por outro viés. Os alunos já estão posicionados como participantes ativos dessas práticas – leitores dos textos, debatedores entre outros fãs em mídias sociais e rodas de amigos, críticos em sites de compra e resenhas. Portanto, é necessário retornar aos textos para promover uma análise: o que eu faço quando, por exemplo, escrevo uma postagem no Facebook sobre o meu fim de semana? Qual é o propósito desse texto? Quem eu estou buscando atingir com a mensagem? O que motiva as minhas escolhas quando uso determinado vocabulário ou expressão? Ao incentivar os alunos a se posicionarem de maneira mais crítica com relação ao uso que eles já fazem da língua em determinados contextos, é preciso, como professores, fazer outras perguntas para guiar nossas escolhas: em quais outros contextos os meus alunos querem/podem/devem circular? Quais outras práticas sociais farão do meu aluno um participante efetivo e ativo da comunidade? Quais textos são importantes que ele conheça – como leitor e/ ou autor – para que possa criticamente pensar sobre a sociedade? É fundamental expor os alunos a diferentes gêneros do discurso e preparar unidades didáticas que promovam a oportunidade de perceber a diversidade de situações que constituem as interações. Ao ter consciência dessa diversidade e ser capaz de refletir sobre os usos de cada gênero, o ideal seria que, após ler e produzir diversos gêneros, o aluno contasse com autonomia suficiente para que escolha de quais práticas quer fazer parte, ou seja, quais textos ele vai ler e produzir. Conhecer bem os nossos alunos nos ajuda a perceber não só suas práticas de letramento habituais, mas em quais esferas de letramento eles gostariam de participar e como podemos ajudá-los a ampliar a sua participação em diferentes comunidades de prática (BAKHTIN, 2011). 7.2 O trabalho com os gêneros do discurso Todos os momentos em que usamos a língua para agir em conjunto com outras pessoas em diferentes situações de convívio social são pautados por um modo de organizar a linguagem. Todos nós aprendemos esses modos de organizar a 36 linguagem ao longo da vida, aprendemos a associar certas situações a certos modos de usar a língua. Essa aprendizagem contribui para o entendimento que temos do que está acontecendo na interação. Os modos de organizar as ações da linguagem são os gêneros do discurso. Estamos constantemente decidindo qual gênero é mais apropriado para determinada situação social. Não é possível compreendermos a concepção de gênero do discurso e seu papel central na aula de Língua Portuguesa se não entendermos a linguagem como ação dialógica. Os gêneros do discurso estão relacionados a algumas perguntas que fazemos diante de uma situação de interação: para quê, quem, para quem, onde e quando? Adaptamos nossos discursos de acordo com as respostas que damos a essas perguntas. Como discutimos antes, os gêneros do discurso são modos de organizar o uso da língua, passíveis de escolha em determinada situação. Eles têm uma forma reconhecível que se repete de um texto para outro. Existem duas questões importantes para levarmos em consideração quando pensamos nos gêneros do discurso: os elementos da situação de interação a que os textos pertencem e os elementos formais do texto. Essa concepção de gênero do discurso é entendida a partir da obra do autor russo Mikhail Bakhtin (2011) que faz uma reflexão a partir de textos literários e situações sociais cotidianas. Bakhtin (2011) define os gêneros como tipos relativamente estáveis de enunciados. O autor afirma também que os gêneros, assim como as atividades humanas, são infinitos. Para Bakhtin (2011), os três aspectos que darão estabilidade ao gênero são o seu conteúdo temático, a sua composição e o seu estilo. Se considerarmos o contexto da aula de Língua Portuguesa, podemos pensar em gêneros que possam ser recriados no contexto da escola, por meio da leitura significativa e da produção de textos. No momento em que os gêneros do discurso tornam-se centrais no nosso planejamento, estamos permeando o trabalho escolar com esferas de vida, além de criar condições para que os conhecimentos adquiridos na escola afetem a participação dos alunosnessas esferas da vida. Um bom ponto de partida é pensar nas práticas sociais em que os alunos se envolvem e, a partir delas, nas práticas em que poderiam passar a se envolver com a mediação da escola 37 Na abordagem de ensino de línguas através dos gêneros do discurso, acredita- se que a aprendizagem se dá pela interação, pela participação social e aprofundamento da nossa compreensão do nosso lugar no mundo. 7.3 Planejando tarefas com textos Ao lermos, nossa reação diante de um texto não é a procura pelo presente do indicativo ou conjunções subordinadas, mas sim uma postura crítica e responsiva. Podemos responder a um texto de diferentes formas: falando, refletindo, escrevendo sobre ele, etc. Se leitura é interação, não podemos evitar o diálogo existente entre leitor e autor que precisa ser reiterado na nossa aula. No processo de didatização do texto, o entendimento de leitura como diálogo entre sujeitos não pode perder-se no caminho (ANTUNES, 2003). Uma sequência comum nas nossas tarefas de leitura é: tarefa de pré-leitura, de leitura e compreensão do texto, de estudo do texto e de resposta ao texto, esta última estando relacionada à prática de produção de novos textos. A tarefa de pré-leitura facilita a aproximação do aluno com o texto. Por exemplo, se os alunos irão ler um artigo de um professor de história sobre a situação do impeachment no Brasil, é importante discutir quais são as experiências e conhecimentos prévios que os alunos têm sobre essa temática: já leram/ouviram outros textos sobre isso? O que esperam que um professor de história diga sobre o assunto? Qual o suporte desse texto? Outra oportunidade interessante aqui é a conversa com os alunos sobre as suas experiências com o gênero em foco: já leram outros artigos desse tipo? A próxima etapa da sequência parte então da comparação entre as expectativas e a realidade do texto. Nesse contexto, podemos dizer que a tarefa central da sequência é a leitura e compreensão do texto, tarefa na qual o professor dá encomendas específicas de leitura aos alunos. Note-se, no entanto, que o aluno é preparado para desempenhar essa tarefa central, e não recebe a encomenda sem uma preparação prévia, daí a importância tanto de se pensar a escolha do texto quanto de planejar as tarefas de pré-leitura. Partindo então para a leitura de um texto escrito, por exemplo, o professor pode optar por diferentes práticas de leitura: leitura em voz alta, leitura silenciosa ou, no caso de textos mais longos, a leitura feita como tarefa de casa. Independentemente 38 de como o texto será lido, as encomendas específicas devem levar o aluno a focar sua atenção em elementos que o ajudem a ler o texto de forma global. A próxima etapa da nossa sequência, o estudo do texto, leva-nos a uma maior didatização do texto, saindo do global e entrando no mais específico: relação entre as partes do texto, estruturas gramaticais, vocabulário, etc. (ANTUNES, 2003). Após a tarefa de estudo do texto, os alunos trabalham na produção de uma resposta, que novamente pode apresentar-se em diferentes gêneros textuais, orais ou escritos. Apesar de os alunos já terem respondido criticamente ao texto no momento da leitura e compreensão do texto, é nessa etapa que essa atitude responsiva se torna um texto a ser publicado. Reiteramos que assim como os textos trabalhados em aula, os textos produzidos pelos alunos não podem tornar-se apenas instrumentos para correções gramaticais, dos quais o único “interlocutor” é o professor e a única atitude responsiva do professor é marcar os usos incorretos de estruturas. Para mantermos a característica dialógica do texto, os textos de nossos alunos precisam ter diferentes interlocutores que respondam de maneiras diferentes. 7.4 Produção de texto e reflexão linguística Parte importante do trabalho com o texto é a reflexão sobre sua estrutura, principalmente quando estamos pensando na reescrita dos textos produzidos pelos alunos. Esses momentos dedicados à reflexão linguística, as aulas de gramática, são importantes na construção de competências de escrita e de leitura. Essas aulas de gramática que estamos descrevendo aqui são muito diferentes das aulas tradicionais de gramática normativa, nas quais o ensino da gramática se dava de forma descontextualizada e pouco significativa, com foco na estrutura da palavra e da frase, sem pensar no texto e no contexto. Ao usarmos a expressão reflexão linguística, estamos afirmando que o conhecimento sobre a língua não se define como conhecimento sobre a nomenclatura e a estrutura de um modelo gramatical. O planejamento das aulas de reflexão linguística pode se basear na análise das produções iniciais do aluno e, partindo das dificuldades diagnosticadas pelo professor, podemos pensar em um trabalho mais sistemático sobre elementos linguísticos específicos. É fundamental que esse trabalho 39 seja realizado antes da solicitação da reescrita do texto para que os alunos possam revisar e melhorar seus textos a partir dessas reflexões feitas conjuntamente em aula. Simões et al. (2012) trazem algumas perguntas que o professor deve se fazer antes do planejamento dessas aulas: 1- A julgar pela produção inicial dos alunos, que conhecimento(s) linguístico(s) específico(s) aprimoraria(m) significativamente boa parte dos textos desta turma? Quais deles vou selecionar para preparar aulas de reflexão linguística? 2- De que forma os recursos linguísticos (palavras, expressões, classes ou estruturas gramaticais, etc.) autorizam determinadas atribuições de sentido (e não outras) aos textos que serão lidos? Que tarefas posso propor para criar oportunidades de reflexão sobre isso? 3- Considerando o gênero do discurso estruturante, que recursos linguísticos podem/devem ser trabalhados? 4- De que forma o conhecimento da gramática pode auxiliar na produção/ reescrita deste gênero específico? 5- É preciso introduzir terminologia gramatical para que o aluno alcance uso mais refletido e eficaz dos recursos implicados? É desejável? Até onde quero chegar? 6- Como vou auxiliar os alunos a construírem seus conceitos sobre o funcionamento semântico/sintático/morfológico das categorias ou conjuntos de palavras sob estudo? 7- Que recados as aulas de reflexão linguística dão sobre língua e linguagem? O professor que segue essa sequência de perguntas na hora do seu planejamento é capaz de desenvolver uma aula na qual a gramática faz sentido para os alunos. É importante lembrar, ao selecionar os conteúdos a serem trabalhados na aula de reflexão linguística, que a variedade padrão é uma entre diversas variedades que podem ser trabalhadas em aula. O trabalho com a variedade padrão é muito importante porque ela é a variedade mais adequada em muitas situações de uso e é preciso preparar nossos alunos para circularem nesses contextos. Após realizar o trabalho de reflexão linguística, os alunos poderão reescrever seus textos, preparando-os para uma versão final. É fundamental que eles recebam 40 feedbacks pontuais que os auxiliem nesse processo de melhoramento do texto. Caso o professor não consiga agendar conversas individuais de atendimento aos alunos, uma boa estratégia é o uso de bilhetes orientadores – mensagens individuais que guiem os alunos no processo da reescrita do texto. Por fim, é importante lembrar os alunos de que a linguagem estudada será avaliada nas produções finais, que isso estará presente na grade de avaliação dos textos, assim como as questões de função e forma dos gêneros. 8 GÊNEROS TEXTUAIS Você talvez já tenha notado que certos textos apresentam similaridades quanto à estruturação, a como são organizados, ao uso ou não de elementos, como imagens, caixas de textos, links, ao estilo de linguagem empregado, entre outras características. Também é possível que já tenha dito “recebi um e-mail”,
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