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Prática de entrevista para jornalismo

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ENTREVISTA COMO INSTRUMENTO JORNALISTICO
DEFINIÇÃO
Apresentação do conceito de entrevista jornalística, sua importância, seus modelos e suas técnicas, considerando o papel do entrevistador, do entrevistado e do receptor do conteúdo, além dos princípios da ética no Jornalismo.
PROPÓSITO
Compreender a função e o funcionamento das entrevistas e a ética que envolve o trabalho do jornalista, fatores essenciais para a formação desse profissional.
OBJETIVOS
MÓDULO 1
Compreender a importância e as especificidades da entrevista jornalística
MÓDULO 2
Definir os tipos de entrevista
MÓDULO 3
Formular uma compreensão abrangente da ética jornalística
MÓDULO 4
Identificar entrevistas históricas
INTRODUÇÃO
A entrevista é uma faculdade da comunicação humana que serve a vários objetivos. Um deles é a coleta de declarações para matérias jornalísticas. Nosso propósito é analisar a entrevista jornalística, sem perder de vista o diálogo entre repórter e entrevistado, visando a um receptor da mensagem por ela produzida. A entrevista jornalística, no entanto, não tem um único modelo, tampouco um único fim. Vamos analisar seus modelos e suas técnicas, além do papel do entrevistado, do entrevistador e do receptor na concepção da notícia.
MÓDULO 1
Compreender a importância e as especificidades da entrevista jornalística
A ENTREVISTA NO JORNALISMO: CONCEITO E ESPECIFICIDADES
A entrevista serve a vários objetivos e um deles é a coleta de declarações e dados para matérias jornalísticas. Trata-se de uma das principais fontes de informação jornalística e, com certeza, a mais comum, além de ser um meio encontrado pelo Jornalismo para dar voz a suas fontes, que não necessariamente são notórias. A entrevista é um meio de ouvir outras vozes, não apenas a dos poderosos, ricos e famosos, mas também a dos excluídos, das pessoas comuns e das personalidades emergentes.
Uma coisa é certa: não há boa matéria sem uma entrevista, mesmo que ela não seja o objeto da pauta e seu resultado não apareça explicitamente no texto final, seja ele voltado para veículo audiovisual, digital ou impresso.
MATÉRIA
É o nome genérico dado a notícias e reportagens veiculadas nos noticiários de qualquer mídia.
PAUTA
É a ideia geral da reportagem, indicando o assunto e os principais direcionamentos de apuração e possivelmente de desenvolvimento. Não necessariamente é escrita ou formatada de maneira específica.
O senso comum muitas vezes entende a entrevista apenas como a situação em que jornalista e entrevistado são confrontados por perguntas e respostas. Mas, não. A entrevista é uma possibilidade múltipla, que atende também a inúmeros objetivos. Ela é, em primeira instância, uma conversa, como nos ensina Cremilda Medina (1986), em seu livro A entrevista: um diálogo possível. Esse diálogo pode acontecer em situações diferentes e com objetivos também distintos.
PERGUNTAS E RESPOSTAS
No jargão jornalístico, esse modelo é chamado de entrevista pingue-pongue, por associação ao movimento de vai e volta da bola no tênis de mesa.
A conversa é a base da transmissão de informações e, portanto, do Jornalismo. E a entrevista é sua expressão, seja para obter ajuda na execução da pauta, seja para obter dados e informações.
Essa conversa pode se dar formalmente, como em uma entrevista com uma personalidade, ou informalmente, como em um telefonema do repórter para alguém que pode lhe ajudar a executar sua pauta. A decisão de como será a entrevista e quem será ouvido na matéria é, na maioria das vezes, do repórter, depois de analisar a pauta e definir os caminhos da apuração da notícia. A chefia pode, também, orientar alguns procedimentos da apuração, falando diretamente com o repórter ou por intermédio de uma pauta formal que lhe é entregue.
A entrevista, portanto, deve ser uma conversa em que se fala e escuta, ou seja, deve ser dialógica. Nela, o entrevistador vai ouvindo e pensando sobre as respostas dadas às perguntas de sua pauta, de forma a poder elaborar novas perguntas no decorrer da troca de ideias e palavras. A música Sinal Fechado, de Paulinho da Viola, ilustra esse vai e vem de perguntas e respostas, com falantes que se encontram na rua, no intervalo de tempo de um sinal fechado, e não desconsideram a fala do outro, engatando uma pergunta após cada resposta e, assim, criando um diálogo sem descontinuidade.
SINAL FECHADO
As lacunas no diálogo da música de Paulinho da Viola, expressas pelo laconismo e pelas reticências das falas, existem em qualquer diálogo, mas não de forma tão clara. Um diálogo não consegue ocupar todas as lacunas presentes na fala humana, do mesmo modo que a entrevista nunca será capaz de responder a tudo, esclarecer tudo. Por isso, o repórter tem de estar consciente das limitações inerentes à comunicação na hora de perguntar. Ele deve construir novas perguntas em cima das lacunas deixadas por seu interlocutor, contudo, também é preciso saber quando calar, deixando as reticências da fala do outro, e acrescentar sentidos e informações à conversa, como ocorreu na entrevista dada à Clarice Lispector pela pintora brasileira Flora de Morgan-Snell (1920-2007).
Flora Snell, segundo o relato da própria jornalista no texto de abertura da entrevista para a seção “Diálogos possíveis com Clarice Lispector”, da Revista Fatos e Fotos, foi lacônica em suas respostas. Esse laconismo deu à repórter a possibilidade de especular, na própria matéria, sobre a entrevistada e pensar sobre o diálogo possível entre entrevistador e entrevistado, em uma descrição irônica do comportamento da artista. Vejamos a declaração de Clarice Lispector sobre essa entrevista:
CLARICE LISPECTOR
Clarice Lispector (1920-1977) foi uma escritora e jornalista brasileira, nascida na Ucrânia. Morreu aos 56 anos, deixando uma obra enorme e consagrada, composta por matérias jornalísticas, contos, novelas, romances, literatura infantil, crônicas e correspondências. Clarice está entre os mais importantes autores da literatura brasileira contemporânea.
REVISTA FATOS E FOTOS
A Revista Fatos e Fotos/Gente foi uma publicação brasileira semanal de entrevistas e atualidades, veiculadas entre 1961 e 1985 pela Editora Bloch. A revista tinha ampla circulação e gozava de grande prestígio entre o público.
Esse exemplo mostra como em uma entrevista todos os detalhes são importantes. A informação não está apenas no que o entrevistado diz, mas também em seu gestual, na roupa utilizada, no ambiente em que recebe o repórter e na forma em que o trata e responde às questões, assim como ocorre em uma conversa, quando o contexto acrescenta sentidos ao discurso.
É preciso lembrar que nem sempre a entrevista é programada pelo repórter para ter como fim um texto ou uma gravação em audiovisual, com perguntas e respostas. Na maioria das vezes, ela se dá sem o glamour de uma conversa cara a cara, na qual o entrevistador e o entrevistado estão no foco, transformando-se em um meio para construir a informação a ser veiculada pela notícia. O resultado da entrevista, comumente, aparece no texto da matéria jornalística, sem a formatação de perguntas e respostas, por meio de declaração.
ATENÇÃO
Vale ressaltar que, por vezes, a entrevista não é presencial. É cada vez mais comum o uso do telefone para contatar o entrevistado. Isso economiza o tempo do repórter e os recursos de seu veículo e, com raras exceções, resulta em um empobrecimento da conversa. O telefone é útil para trocas de informações rápidas e urgentes, mas deve ser evitado nas entrevistas mais complexas, para as quais estar frente a frente com o entrevistado acrescenta sentido ao diálogo.
Em uma única matéria, é possível ter vários entrevistados e consequentemente inúmeras declarações ou informações para serem aproveitadas na redação final. A pluralidade de vozes normalmente é uma qualidade do texto do repórter, por demonstrar o cuidado que ele teve em ouvir diversas opiniões sobre um mesmo assunto.
Mas, nesses casos, é preciso evitar fazer da matéria um amontoado de declarações, transformando-a em um disse me disse em que está ausente a capacidade do profissionalde analisar, organizar e responsabilizar-se pela informação, como alerta o jornalista e professor Luiz Costa Pereira Júnior, em A apuração da notícia: métodos de investigação na imprensa. Para ele, o “jornalismo declaratório”, ou seja, aquele que dá manchetes ou primeiro plano à declaração de poderosos do mundo político, empresarial, artístico e esportivo, “mesmo quando não o merecem”, é uma maneira de o Jornalismo se isentar de sua responsabilidade. Nas palavras de Pereira Júnior, o “jornalismo declaratório”:
É O REFLEXO INVERTIDO DO ‘FALA POVO’, POIS A PROEMINÊNCIA DO AUTOR DAS ASPAS BASTA PARA NOTIFICAR A MAIS IRRELEVANTE AFIRMAÇÃO. O RECURSO BANALIZOU-SE, VIROU MULETA DE MANCHETES E NOTICIÁRIOS INTEIROS, SUBSTITUINDO, NA MAIORIA DAS VEZES, UMA APURAÇÃO EM PROFUNDIDADE.
PEREIRA JÚNIOR, 2010, p. 94
Há também os casos em que a entrevista não é a fonte principal da notícia, podendo esta ser documental, e serve apenas como ajuda para o repórter obter as informações das quais precisa ou para analisar e interpretar artigos, documentos, leis, livros, filmes, arquivos e outras fontes ou esclarecer pontos obscuros da pauta.
A depender do tipo de matéria, é necessário ouvir pessoas bem informadas sobre o assunto, seja por estarem envolvidas nele (as vítimas ou pessoas beneficiadas por algum acontecimento), seja por conhecerem um determinado assunto (os especialistas). Uma das virtudes do repórter é saber identificar quem é capaz de lhe ajudar com conhecimentos específicos, dados ou documentos. Assim, a entrevista mostra-se novamente essencial na produção da notícia por criar o elo entre o repórter e o objeto de sua pauta.
ATENÇÃO
O repórter é um generalista e não necessariamente está apto a responder sozinho a todas as questões da pauta.
OFF THE RECORD
Uma informação pode ser dada ao repórter off the record (literalmente “sem registro”), ou seja, sem que a fonte dela seja revelada ao público. Usualmente, fala-se apenas que a informação é em off.
Entre o repórter e a informação, muitas vezes, estão os assessores de imprensa. Por gozarem da confiança de seus assessorados ou da instituição que representam, os assessores podem agir como fontes e não se limitam a agendar entrevistas ou a repassar dados, ajudando também o repórter a estruturar seu roteiro de entrevista e até mesmo sua pauta. As informações passadas por eles, na maioria das vezes, são off the record , deixando claro quem deve aparecer na matéria: seus assessorados.
Os programas tipo talk show, por exemplo, apelam a assessores de imprensa para colher dados biográficos e peculiaridades dos entrevistados que vão servir a roteiros, com os quais o entrevistador vai se guiar na gravação do programa. Mas não são apenas entrevistadores de talk shows que conhecem de antemão seus entrevistados. Os repórteres, antes de qualquer entrevista, até mesmo aquela casual no meio da rua com um desconhecido, têm de saber seu objetivo e para ele se preparar.
Fazer uma pesquisa sobre o assunto em pauta e o perfil do entrevistado é essencial para boas entrevistas. Essencial não apenas para formular as perguntas e as estratégias de apuração, mas, sobretudo, para não se deixar enganar com informações falsas ou tentativas dos entrevistados de manipularem a opinião do repórter e, em última instância, o resultado da matéria e a opinião pública. O jornalista tem o dever ético de informar corretamente seu público. Esses cuidados devem ser redobrados quando as pautas giram em torno de assuntos polêmicos, como, por exemplo, política, economia e futebol, em que um repórter mal preparado pode ser usado pelas fontes para divulgar informações capazes de beneficiar pessoas ou grupos.
No entanto, o repórter não deve se apresentar ao entrevistado como se estivesse diante de um potencial adversário, alguém que o quisesse enganar. Uma relação cordial entre repórter e entrevistado é essencial para se criar um vínculo de confiança, favorecendo a entrevista com possíveis confissões ou mesmo com a boa vontade por parte da fonte para responder às perguntas do repórter, como ensina a jornalista Carla Mühlhaus, no livro Por trás da notícia, resultado da sua dissertação de mestrado na Escola de Comunicação da UFRJ. Veja o que ela afirma sobre isso:
A FÓRMULA ‘ENCOSTAR O ENTREVISTADO NA PAREDE’, UMA APROPRIAÇÃO DA INVESTIGAÇÃO POLICIAL, PERDE ADEPTOS A CADA DIA. HOJE, AO CONTRÁRIO, CONSELHOS VARIADOS CONVERGEM PARA UM SÓ: ‘SEJA GENTIL COM O ENTREVISTADO’. MESMO QUE ESSA GENTILEZA VENHA ENFEITADA COM ALGUMAS ARTIMANHAS, COMO JÁ SUGERIRA TRUMAN CAPOTE.
(MÜHLHAUS, 2007, p. 38)
TRUMAN CAPOTE
Truman Capote (1924-1984) foi escritor, roteirista, dramaturgo, jornalista e um dos pioneiros do jornalismo literário. A sangue frio, sua obra mais conhecida, foi classificada por ele como um romance de não ficção. O livro conta a história de um brutal assassinato de uma família no interior do estado do Kansas, nos EUA. Em 2005, o filme Capote contou os bastidores da escrita do livro.
As artimanhas são essenciais na ação de um jornalista para buscar respostas que seus entrevistados, consciente ou inconscientemente, não querem dar. Mas, além de atentar para os limites éticos, o repórter deve colocar sua fonte à vontade para que a conversa seja produtiva. Para isso, porém, é necessário dominar o tempo da entrevista, criando um clima de confiança e de intimidade no início da conversa para, depois, fazer as perguntas mais complexas ou difíceis.
A relação entre entrevistador e entrevistado carrega o fascínio exercido pelas entrevistas sobre o público em geral e provoca jornalistas e pensadores a tentar traduzir a química que rege uma boa entrevista. São diversas as definições de entrevista, como nos mostra a jornalista Carla Mühlhaus.
Ao tratar dessas definições, Mühlhaus passeia pela História, remete a Sócrates e mesmo às resistências psicanalíticas (alguns autores defendem que a entrevista jornalística cresceu graças à Psicanálise). Outras definições apontadas falam da confissão – Edgar Morin vislumbra no entrevistador a figura do “confessor leigo da vida moderna” –, e inclusive do sexo, quando a jornalista italiana Oriana Fallaci (1929-2006), famosa pelas suas inúmeras entrevistas realizadas com líderes mundiais entre 1960 e 1980, dá uma definição curiosa para o seu trabalho:
SÓCRATES
Sócrates (469 a.C. - 399 a.C.) foi um filósofo da Grécia Antiga, apontado como um dos fundadores da Filosofia ocidental. Conhecemos seu pensamento pelos relatos de dois de seus alunos, Platão (427 a.C. - 347 a.C.) e Xenofonte (430 a.C. - 355 a.C.), e das peças teatrais de seu contemporâneo Aristófanes (447 a.C. - 386 a.C.). Os diálogos de Platão são considerados o mais abrangente registro do pensamento de Sócrates.
EDGAR MORIN
Edgar Morin (pronuncia-se Morrã) é autor de importantes obras sobre Comunicação, entre elas Linguagem da cultura de massas: televisão e canção (1973) e Cultura de massas no século XX: o espírito do tempo (1962).
A ENTREVISTA É UM COITO.
(FALLACI apud MÜHLHAUS, 2007, p.38)
Para saber mais sobre a importância da entrevista jornalística, assista ao vídeo a seguir.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
MÓDULO 2
Definir os tipos de entrevista
CLASSIFICAÇÕES DA ENTREVISTA
As entrevistas jornalísticas servem a propósitos diferentes, não apenas no que diz respeito à apuração da pauta, mas, sobretudo, ao modelo de matéria a que se destinam. Os modelos determinam a forma e o estilo de escrita, seja para veículo impresso, audiovisual ou digital. Essa variedade de destinações do resultado da entrevista exige uma multiplicidade de técnicas e de procedimentos a serem adotados pelo repórter, a fim de obter um conteúdo específico.
Essas especificidades nos interessam neste módulo, em que vamos tratar dos modelos possíveis da entrevista jornalística. Quando se fala nela, o leigo pensa logo na forma popularizada pela televisão, com repórter e entrevistado se confrontando em um espetáculo de perguntas e respostas. No entanto, esse é apenas um modelo entre muitos. Antes de analisarmos os modelos de entrevistas, vale ressaltar que elaspodem se dar de forma individual ou coletiva.
ENTREVISTA INDIVIDUAL
Ocorre quando o entrevistado concede a entrevista a apenas um repórter. É a mais comum no trabalho de apuração cotidiana de matérias. Há, ainda, a exclusiva, assim considerada pelo fato de o entrevistado, uma personalidade ou uma fonte de informação importante, a conceder a apenas um veículo, representado por um ou mais jornalistas.
ENTREVISTA COLETIVA
Ocorre quando o entrevistado fala a um grupo de jornalistas de diferentes veículos. Em geral, é utilizada na comunicação de autoridades ou de representantes de grandes eventos com a imprensa.
Os modelos possíveis de entrevistas são objetos de estudo de diversos teóricos da Comunicação, que os analisam, partindo da natureza do diálogo proposto por eles, sua destinação, suas técnicas e seus procedimentos. Portanto, elementos variados influenciam o resultado final da conversa entre o repórter e as suas fontes. Neste módulo, apresentaremos duas propostas de classificação: a do sociólogo e filósofo francês Edgar Morin, revista pela professora e jornalista Cremilda Medina em Entrevista, o diálogo possível e referência nos estudos de Jornalismo, e a do jornalista Nilson Lage, referência no ensino da Comunicação no Brasil.
ABORDAGEM FILOSÓFICO-HUMANISTA
Edgar Morin está mais preocupado em tratar da natureza do diálogo entre o jornalista e a sua fonte. Segundo ele, “a entrevista se funda na mais duvidosa e na mais rica das fontes, a palavra, correndo o risco permanente da dissimulação e da fabulação”. A palavra não é exata e se pronuncia no terreno movediço da comunicação humana, que, no caso específico das entrevistas, atende basicamente a dois propósitos: compreender, mas também espetacularizar o ser humano. Morin classifica as entrevistas em quatro tipos:
Rito
Anedótica
Diálogo
Neoconfissões
RITO
Essa entrevista está em busca de uma palavra em um momento especial, como o fim de um jogo de futebol, após uma premiação, uma estreia etc. Ela apenas registra o momento na palavra de quem está em seu centro e a vemos com frequência na televisão, mas não só nela.
ANEDÓTICA
Essa entrevista é frívola e seu objetivo é conseguir declarações picantes, fofocas e novidades. Mas o fato de a entrevista ser fútil não a faz sempre desprezível. Um repórter pode transformar uma entrevista de entretenimento, à procura de declarações despretensiosas, em uma peça de costumes capaz de traçar um retrato de uma época ou de um grupo social, como aconteceu com a coluna “Perfil do consumidor”, publicada às sextas-feiras no Caderno B, do antigo Jornal do Brasil, nos anos 1990. A entrevista tinha pautas leves, trazendo o inusitado, e era um bate-pronto, em que o repórter dava uma deixa e o entrevistado, sua resposta curta.
ENTREVISTA-DIÁLOGO
Essa entrevista se realiza como um diálogo, em que entrevistado e entrevistador estão em busca de um objetivo comum: oferecer ao público uma informação importante sobre um fato ou uma característica da personalidade entrevistada. É uma entrevista consistente e tem espaço de destaque em todos os veículos de comunicação, mas nem sempre apresenta seus resultados ao leitor ou espectador no modelo pingue-pongue, aquele de perguntas e respostas. Uma boa entrevista, como já vimos, é a base de boas matérias e quanto mais consistente for o diálogo entre o repórter e a fonte, melhor será o resultado da matéria.
NEOCONFISSÃO
A neoconfissão pede o apagamento do entrevistador para que o entrevistado mergulhe conscientemente ou não em seu interior. Isso, no entanto, não significa a ausência de comando na entrevista por parte do repórter. Ele estará sempre atento, conduzindo o entrevistado para onde deseja, sem disputar o protagonismo do diálogo. Roberto D’Ávila é um repórter com essas características. Ele recebe seus entrevistados de forma amistosa e cordial, colocando-os à vontade para responder a longas e, muitas vezes, intimistas entrevistas. Esse jornalista marcou época na televisão brasileira com os programas Conexão Nacional e Conexão Internacional, na extinta TV Manchete, em que entrevistava personalidades como se participasse de uma conversa íntima e privada.
Para Morin, a espetacularização do ser humano nas entrevistas jornalísticas possui diferentes finalidades. O filósofo discorre sobre o assunto, argumentando que a realização de perfis, em entrevistas centradas na figura de uma personalidade pública, pode servir:
AO PITORESCO
Objetivando a fofoca e o sensacionalismo.
AO INUSITADO
Buscando traços excêntricos ou exóticos dos entrevistados.
À CONDENAÇÃO
Utilizando-se de mecanismos maniqueístas para induzir um julgamento dos entrevistados.
À IRONIA INTELECTUALIZADA
Em que se contesta o entrevistado, explorando suas contradições ou adjetivando suas condutas.
O sociólogo francês destaca também os procedimentos mais comuns de uma entrevista que pretende compreender o ser humano, listando cinco possibilidades:
Edgar Morin pensa nas inúmeras possibilidades de diálogo com fins jornalísticos, mais do que nas técnicas de reportagem. Essa abordagem mais filosófica, por considerar o Jornalismo uma das manifestações da comunicação humana, sempre baseado na palavra, não nos impede de buscarmos outras classificações mais preocupadas com a prática da reportagem, uma vez que as duas juntas podem nos dar uma visão melhor da entrevista em todas as suas variáveis.
ABORDAGEM PRÁTICA
Recorremos ao professor e jornalista Nilson Lage para buscar definições a partir das análises dos objetivos e dos procedimentos da entrevista. Nilson Lage define a entrevista como:
NILSON LAGE
Nilson Lage é jornalista e referência no ensino da Comunicação no Brasil. É mestre em Comunicação e doutor em Linguística e Filologia. Também foi professor da UFRJ e da UFSC, de onde se aposentou em 2006.
Sua classificação das entrevistas divide-se em dois grupos, considerando seus objetivos ou as circunstâncias nas quais elas se dão. O professor destaca ainda a importância de o repórter saber quando valorizar seu material, anunciando-o como exclusivo.
MAS O QUE SÃO AS ENTREVISTAS EXCLUSIVAS?
RESPOSTA
As exclusivas ocorrem quando o entrevistado, uma personalidade ou uma fonte de uma informação importante, concede a entrevista a apenas um veículo.
Mas há uma nuance aqui. Nilson Lage não considera exclusiva quando a iniciativa da entrevista apenas parte do veículo de informação, apesar de reconhecer que as entrevistas individuais têm sempre um caráter exclusivo. Para ele, classificar essas entrevistas como exclusivas é, antes de tudo, uma jogada de marketing para valorizar o ineditismo da informação. Vejamos, então, a análise em quatro tipos de entrevistas, segundo seus objetivos, proposta por Nilson Lage:
ENTREVISTA RITUAL
O interesse maior é ouvir o entrevistado no momento do acontecimento em pauta, como uma visita ilustre ou uma partida de futebol. As declarações são meras formalidades, geralmente breves, irrelevantes e esperadas.
ENTREVISTA TEMÁTICA
“Aborda um tema, sobre o qual se supõe que o entrevistado tenha condições e autoridade para discorrer” (LAGE, 2019, p. 74). Normalmente consiste na exposição de versões ou interpretações de acontecimentos.
ENTREVISTA TESTEMUNHAL
Busca-se o relato de uma situação da qual o entrevistado tenha participado ou testemunhado.
ENTREVISTA EM PROFUNDIDADE
Tem como objetivo expor, conhecer, explorar etc. a figura do entrevistado.
O segundo grupo, no qual as circunstâncias das entrevistas estão em foco, também é formado por quatro tipos.
ENTREVISTA OCASIONAL
Essa entrevista não é combinada previamente, ou mesmo imprevista. São exemplos a abordagem de pessoas na rua, de políticos no saguão do Congresso Nacional, de empresários na portaria de um prédio em que haverá uma importante reunião, de artistas na entrada de uma festa ou mesmo com a abordagem surpresa de uma ligação telefônica. Normalmente, nessas situações, o entrevistado, se não for uma fonte experiente e maliciosa, poderá dar declarações mais interessantes, por não estar “preso ao compromisso de veracidade ou relevância de qualquerconversa (as máximas de Grice ).” (LAGE, 2019, p. 75)
ENTREVISTA DE CONFRONTO
“É a entrevista em que o jornalista assume o papel de inquisidor; despejando sobre o entrevistado acusações e contra-argumentando, eventualmente com veemência, com base em algum dossiê ou conjunto acusatório” (LAGE, 2019, p. 76). Para Lage, a tática é comum de um tipo de jornalismo “panfletário”, que supostamente estaria ouvindo o outro lado, sem lhe dar, na verdade, condições razoáveis de expor seus pontos de vista.
ENTREVISTA COLETIVA
Quando um entrevistado ou mais se submetem às perguntas de vários jornalistas, representando diversos veículos de comunicação. “A entrevista coletiva tem como principal limitação o bloqueio do diálogo, isto é, da pergunta construída sobre a resposta” (LAGE, 2019, p. 77), já que as perguntas dos repórteres são feitas ao mesmo tempo e, normalmente, preparadas com antecedência. Por outro lado, as coletivas são democráticas, por dar a todos a igualdade de acesso à informação.
ENTREVISTA DIALOGAL
“É a entrevista por excelência”. O modelo clássico em que o repórter e o entrevistador se preparam previamente e se encontram em ambiente controlado. “Entrevistador e entrevistado constroem o tom de sua conversa, que evolui a partir de questões propostas pelo primeiro, mas não se limitam a esses tópicos: permite-se o aprofundamento e o detalhamento dos pontos abordados.” (LAGE, 2019, p. 77)
AS MÁXIMAS DE GRICE
Também chamadas máximas griceanas, são linhas conceituais elaboradas pelo filósofo britânico Paul Grice (1913-1988), pensando como é regido o comportamento comunicativo dos falantes. São divididas em: máxima de quantidade, máxima de qualidade, máxima de relevância e máxima de modo.
Os tipos dos dois grupos listados por Nilson Lage se cruzam, criando possibilidades novas e compostas de classificação. Podemos pensar em entrevistas que sejam, ao mesmo tempo, rituais e ocasionais, testemunhais e dialogais, em profundidade e dialogais, temáticas e coletivas, testemunhais e de confronto, para citar algumas das possíveis composições.
Essas definições, como qualquer outro esforço de classificar e listar práticas profissionais, nem sempre se realizam na hora da entrevista de forma pura. É possível vivenciar situações em que o entrevistado, ou mesmo o entrevistador, surpreendem e bagunçam essas classificações, fazendo um tipo atravessar o outro, nos fazendo lembrar que a comunicação humana, mesmo quando planejada, como é o caso de uma entrevista, nunca poderá ser totalmente controlada.
Para saber mais sobre a exclusividade e o ineditismo nas entrevistas, assista ao vídeo a seguir.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
MÓDULO 3
Formular uma compreensão abrangente da ética jornalística
ÉTICA
SOU JORNALISTA, MAS GOSTO MESMO É DE MARCENARIA. GOSTO DE FAZER MÓVEIS, CADEIRAS, E MINHA ÉTICA COMO MARCENEIRO É IGUAL A MINHA ÉTICA COMO JORNALISTA – NÃO TENHO DUAS. NÃO EXISTE UMA ÉTICA ESPECÍFICA DO JORNALISTA: SUA ÉTICA É A MESMA DO CIDADÃO. SUPONHO QUE NÃO SE VAI ESPERAR QUE, PELO FATO DE SER JORNALISTA, O SUJEITO POSSA BATER CARTEIRA E NÃO IR PARA CADEIA.
(ABRAMO, 1988)
A declaração é do jornalista Claudio Abramo (1923-1987) em seu livro A regra do jogo (1988) sobre ética jornalística. Abramo foi um importante jornalista brasileiro responsável por mudanças no estilo, formatação e conteúdo dos dois maiores jornais paulistas, O Estado de S. Paulo e a Folha de S. Paulo. Mudanças ocorridas na época da modernização da imprensa brasileira. No livro póstumo citado anteriormente, organizado por seu filho Cláudio Weber Abramo, Cláudio trata de sua formação como jornalista e do Jornalismo que viveu, sempre com protagonismo. Essa declaração nos faz refletir:
ONDE ENTRA A ÉTICA?
O QUE O JORNALISTA E O CIDADÃO COMUM NÃO DEVEM FAZER?
O cidadão não pode trair a palavra dada, não pode abusar da confiança do outro, não pode mentir. No Jornalismo, o limite entre o profissional como cidadão e como trabalhador é o mesmo existente em qualquer outra profissão. É preciso ter opinião para fazer opções e olhar o mundo da maneira escolhida.
SE NOS EXIMIMOS DISSO, PERDEMOS O SENSO CRÍTICO PARA JULGAR QUALQUER OUTRA COISA. O JORNALISTA NÃO TEM ÉTICA PRÓPRIA. ISSO É UM MITO. A ÉTICA DO JORNALISTA É A ÉTICA DO CIDADÃO. O QUE É RUIM PARA O CIDADÃO É RUIM PARA O JORNALISTA.
(ABRAMO, 1988, p. 108)
O depoimento de Claudio Abramo no início deste módulo, sobre ética, levanta grandes questões a serem pensadas por jornalistas e por todas as categorias profissionais. Ao comparar-se ao marceneiro, Claudio Abramo está apenas dizendo que a ética diz respeito à conduta humana, e não especificamente aos códigos de uma profissão. Nilson Lage também faz ressalvas similares ao tratar da relação entre os repórteres e a ética. Os códigos de ética do Jornalismo tratam dos deveres morais do profissional, os quais envolvem mais de um sujeito. O jornalista tem compromisso não apenas com a informação, mas também com suas fontes e seu público.
Esse dever, como disse Cláudio Abramo, está definido no interior da ética que rege a todos. O Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros foi aprovado em 1987, pelo Congresso Nacional dos Jornalistas, e promovido pela Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) para pensar sobre os limites dados aos profissionais na sua relação com a informação, a fonte e o público. Nos últimos anos, as relações dos jornalistas com seu objeto e suas fontes se alteraram bastante por causa do avanço das tecnologias digitais na apuração da notícia, mas essa modificação não pode extrapolar os limites éticos da conduta humana.
RECOMENDAÇÃO
O Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros está em vigor desde 1987, tendo sido revisto em 2007. Ele normatiza a prática do Jornalismo, os direitos do profissional e a proteção às fontes e à objetividade e a veracidade das informações. Você pode conferir mais informações sobre como acessar o documento na íntegra ao fim deste tema.
A conduta humana é fruto da cultura e, portanto, pode se alterar, mas essas mudanças se dão na história depois de longos períodos de maturação de novas formas de vida e das questões por elas postas. No Jornalismo não é diferente.
O surgimento de novas tecnologias na apuração jornalística, como micro câmeras e programas de manipulação de imagens, e novas condutas de repórteres, ao apelar para identidades falsas, suscitaram grandes debates na categoria e na sociedade sobre a validade de seu uso e desses subterfúgios.
PENSE UM POUCO: VOCÊ ACHA QUE SERIA ANTIÉTICO O JORNALISTA APURAR UMA MATÉRIA COM UMA IDENTIDADE FALSA, USANDO MECANISMOS DE GRAVAÇÃO DE SOM E DE IMAGEM ESCONDIDOS?
Alguns acham que pela notícia vale tudo, outros não. É necessário pensar também nos tipos de reportagem. Uma câmera escondida para revelar um bastidor, com mero foco em fofoca ou difamação, tem valor diferente de determinadas apurações de jornalismo investigativo, por exemplo. Imagine uma reportagem sobre uma rede de prostituição infantil.
O ENCONTRO DO JORNALISTA, FINGINDO-SE DE “CLIENTE”, COM UM CAFETÃO OU OUTROS PROMOTORES DA REDE, PODERIA OCORRER SEM ESSE SUBTERFÚGIO?
As fronteiras também diferem, por exemplo, no jornalismo impresso ou televisivo, em virtude das especificidades no que será veiculado. Essa polêmica marcou os encontros de jornalistas por três anos até que, em 2007, o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros foi reformado pelo Congresso Nacional dos Jornalistas, proibindo a divulgação de informações “obtidas de maneira inadequada, com o uso de identidades falsas, câmeras escondidas ou microfones ocultos, salvo em casos de incontestável interesse público e quando esgotadas todas as outras possibilidades de apuração.” (FENAJ, 2007) Veja outras mudanças efetuadas pelo Código de Ética:
No caso de alteração de imagens, o jornalista passou a ser obrigado a deixar claro para seu público que elas foram manipuladas.
Foi aprovada também a cláusula de consciência, a qual dá ao profissional o direito de se recusar a cumprir uma pauta que agrida a sua ética profissional ou suas convicções. Mas isso não lhe dádireito de deixar de ouvir fontes com posições contrárias às suas.
Para Nilson Lage, a ética, por seu conteúdo instável e complexo, não pode ser “integralmente generalizada em mandamentos”, logo, o jornalista, em alguns casos, terá que julgar o limite de sua conduta. Situações como essas, em que os fins podem justificar os meios, dão margem a “muita retórica e poucas certezas”, diz Lage, deixando claro que a prática do Jornalismo abre brechas para muitas polêmicas sobre os limites de sua atuação.
O Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros não trata, em momento algum, da conduta dos repórteres nas entrevistas, mas prevê sua relação com a informação e as fontes. O código é todo baseado na ideia da informação como direito fundamental do cidadão e em seu direito a informar, ser informado e ter acesso à informação. Antes mesmo de saber sobre sua conduta, o profissional é instado a defender esse direito básico do cidadão, seja ele jornalista ou não. Para obtê-la, ele tem o direito de proteger o sigilo da fonte e o dever de não colocar em risco a integridade dela ou dos conteúdos por ela disponibilizados, além de respeitar o direito à intimidade, à privacidade, à honra e à imagem do cidadão.
VOCÊ SABIA
O Código Internacional de Ética Jornalística foi aprovado, em Paris, no dia 20 de novembro de 1983, durante a realização da quarta reunião consultiva de organizações internacionais e regionais de jornalistas, coordenada pela UNESCO. O código proclama os princípios internacionais da ética no Jornalismo e assegura que o dever supremo do jornalista é servir ao direito humano de acesso à informação verídica. Esse princípio deve reger os códigos de ética de cada país. Em momento de proliferação de fake news, esse dever se torna ainda mais necessário à sociedade.   
FORMA VERSUS CONTEÚDO: UM CONFLITO ENTRE ENTREVISTADOR E ENTREVISTADO 
Sobre esse ponto, é preciso fazer uma ressalva. O direito fundamental da fonte é o de ter mantido o conteúdo (não a forma) do que revela, como lembra Nilson Lage. Fontes pouco habituadas a dar entrevistas muitas vezes estranham o texto final da matéria porque a frase não está idêntica ao que foi dito para o repórter. Há também quem se incomode com o resultado por se sentir exposto demais. Truman Capote, segundo a pesquisa de Carla Mühlhaus, afirmava que:
Sobre isso, podemos destacar, também, o que diz Malcolm (2011):
AS PESSOAS CONTAM AS SUAS HISTÓRIAS AOS JORNALISTAS DO MESMO MODO QUE OS PERSONAGENS DOS SONHOS TRANSMITEM AS SUAS MENSAGENS ELÍPTICAS: SEM AVISO, SEM CONTEXTO, SEM LEVAR EM CONTA O QUÃO ESTRANHAS ELAS VÃO PARECER QUANDO O QUE SONHA ACORDAR E REPETI-LAS.
Esse desconforto experimentado pelo entrevistado, no entanto, pode ser fundamentado no repórter cujo comportamento esteja no limite, ameaçando seu compromisso ético com a fonte e fazendo com que ela se sinta traída pelo entrevistador. Esse debate é levantado por Janet Malcolm, em seu livro O jornalista e o assassino (2011), que narra o processo sofrido por um jornalista ao se aproximar de um preso por homicídio para escrever sua história.
O condenado, acreditando que o jornalista vai lhe retratar de forma a contribuir para a sua versão, de que é vítima de um erro judicial, facilita o acesso do repórter aos documentos do processo e à sua própria versão. Quando o livro com sua história é lançado, ele se surpreende ao se ver retratado como um homem cruel e narcisista e processa o jornalista que, até então, julgava ser seu amigo e aliado. A inocência ou não do condenado não é uma questão para Janet Malcolm, interessada apenas em discutir a relação entre o jornalista e a sua fonte. Como afirma a autora na introdução do livro, um clássico do Jornalismo:
Mas nem todo jornalista estabelece essa relação desonesta e tensa com o seu entrevistado, apesar de, no senso comum, a figura do repórter ser sempre a de alguém astuto e agressivo. Nilson Lage vai na contramão dessa crença. “A relação com as fontes deve ser cordial e correta. Trata-se inegavelmente de uma troca, mas o que deve ser trocado é sempre informação, nada mais”. E completa, deixando claro que o repórter não se transformará em agente da fonte, nem o contrário. Um alerta no Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros determina que “o jornalista não pode divulgar informação, visando ao interesse pessoal ou buscando vantagem econômica.” (FENAJ, 2007)
A vantagem que um jornalista pode e deve obter em uma entrevista é uma boa entrevista. Para voltarmos à Clarice Lispector, a escritora-jornalista preferia o papel de entrevistadora: “Gosto de pedir entrevistas - sou curiosa. E detesto dar entrevistas, elas me deformam.” (LISPECTOR, 2012, p.163)
Seu olhar humanista de entrevistadora registrava:
AS PESSOAS SEMPRE TÊM UMA COISA BOA PARA CONTAR.
(LISPECTOR, 2012, p.163)
Para ver uma discussão sobre a ética jornalística no cotidiano das redações, assista ao vídeo a seguir.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
MÓDULO 4
Identificar entrevistas históricas
ENTREVISTAS HISTÓRICAS
Uma entrevista bem executada e editada, com fonte e pauta acertadas, pode deixar o domínio do efêmero, marca do Jornalismo, para se transformar em um documento histórico, retratando uma época, um grupo, uma pessoa, um determinado acontecimento, uma obra de arte, uma descoberta da Ciência, entre outras possibilidades.
A entrevista do meio impresso, por sua materialidade, tem em geral mais chances de perenidade. Há inclusive a figura do livro-reportagem, que pode ter ainda mais peso, diante do tempo de apuração mais prolongado. Não se trata de julgamento de melhor ou pior qualidade do meio. Entrevistas em mídias sonoras, meio audiovisual ou digital são importantes, mas há uma extensa e variada fonte de pesquisa das entrevistas impressas. Os veículos impressos costumam ter serviços de pesquisa mais acessíveis, além de uma série de livros com reproduções de entrevistas publicadas em periódicos e o rico arquivo da Biblioteca Nacional, com material de jornais já fora de circulação.
A seguir, apresentaremos alguns exemplos de entrevistas célebres, as quais marcaram época por serem bons retratos de um momento histórico ou pela repercussão política causada, ou ainda por expor grandes personalidades artísticas ou intelectuais. Você pode conferir mais informações sobre como acessar essas entrevistas na íntegra ao fim deste tema.
SIGMUND FREUD
O pai da Psicanálise, o médico e psiquiatra Sigmund Freud (1856-1939), deu uma longa entrevista para o jornalista americano George Sylvester Viereck (1884-1962), em uma casa de verão no Semmering, uma montanha nos Alpes austríacos, em 1926, quando estava com 70 anos. Doente de um tumor maligno no maxilar, Freud permitiu uma longa e íntima conversa com o jornalista, falando sobre a vida, a morte e a posteridade.
GETÚLIO VARGAS
Em 1949, enquanto vivia isolado da cena política em sua estância em São Borja (RS), o ex-ditador Getúlio Vargas (1882-1954) recebeu o repórter Samuel Wainer (1910-1980), de O Jornal, importante impresso do Grupo Diários Associados, que circulou entre 1919 e 1974, no Rio de Janeiro, para uma entrevista, causando uma repercussão bombástica na época e preparando sua volta à vida política. “Voltarei como líder de massas”, declarou Getúlio a Wainer. As circunstâncias em que a conversa se deu são cercadas de controvérsias. Wainer declarou, na época, ter ido ao encontro de Getúlio por um acaso. Segundo ele, ao sobrevoar a estância, vindo da apuração de outra matéria, teve a ideia de pedir ao piloto para pousar nas terras de Vargas, o qual recebeu a equipe de O Jornal. Anos mais tarde, Assis Chateaubriand (1892-1968) desmentiu essa versão, afirmando que ele, dono do jornal, havia pedido para Wainer marcar a entrevista com Vargas. Ainda não se sabe ao certo como ela se deu, mas essa entrevista marcou a vida política brasileira, abrindo caminho para a eleição de Vargas no ano seguinte.  
ALFRED HITCHCOCK
Em 1957, sir Alfred Hitchcock (1899-1980) concedeu uma entrevista ao jornalista americano Pete Martin, publicada originalmente no The Saturday Evening Post, em 27de julho de 1957. A entrevista com o genial diretor de filmes de suspense, os quais marcaram a história do cinema, como Psicose, trava um espirituoso diálogo com o jornalista, que, com seu texto fluente, parece nos convidar a nos juntarmos a eles no escritório em que o cineasta o recebeu no Studio Paramount.
NELSON RODRIGUES
Em 11 de maio de 1968, a escritora e jornalista Clarice Lispector entrevistou o também escritor e jornalista Nelson Rodrigues (1912-1980), para inaugurar uma série de entrevistas para a Revista Manchete, publicação da Editora Bloch, que circulou no Brasil entre 1952 e 2000. Clarice e Nelson falam de solidão, amizade, amor, trabalho, sucesso e vidas passadas, para, no final, o escritor e jornalista concluir: “o que conta na vida são os momentos confessionais”, como narra Aparecida Maria Nunes, organizadora do livro Clarice na cabeceira: jornalismo, onde reproduziu o texto integral da conversa entre os dois escritores.
LEILA DINIZ
Em novembro de 1969, no auge da Ditadura Militar brasileira e sua perseguição aos representantes das organizações de esquerda e dos artistas ligados à contracultura no Brasil, o jornal alternativo O Pasquim publicou, em sua edição de número 22, uma entrevista com a atriz Leila Diniz (1945-1972). Ela era uma estrela em ascensão e, com uma linguagem livre e debochada, usou palavrões 71 vezes, os quais foram substituídos por asteriscos, para falar de sua carreira, não omitindo também os detalhes sobre sua vida sexual. A ousadia lhe custou caro. Leila perdeu contratos profissionais e foi criticada pela direita, por esta considerar sua fala uma afronta à família, e pela esquerda, que a julgou alienada da questão política. O Pasquim, depois da entrevista, passou a ser censurado previamente por agentes do Regime Militar, os quais atuavam próximos a seus redatores. A oficialização da censura à imprensa ficou conhecida como Decreto Leila Diniz.
DOM HELDER CÂMARA
A entrevista de Dom Helder Câmara (1909-1999), bispo brasileiro indicado ao prêmio Nobel da Paz em 1972, feita em 1970 pela jornalista italiana Oriana Fallaci, foi publicada no L’Europeo e republicada em dezenas de países, mas censurada no Brasil. A entrevista ganhou importância pelo peso da palavra do bispo ao denunciar as violações aos direitos humanos ocorridas no nosso país para uma importante jornalista, que entrevistou muitas personalidades de peso, como Henry Kissinger, Muhammad Ali (1942-2016), Yasser Arafat (1929-2004), Indira Gandhi (1917-1984), Sean Connery, Mário Soares (1924-2017) e Federico Fellini (1920-1993).
JOÃO BAPTISTA FIGUEIREDO
Em abril de 1978, os repórteres da Folha de S. Paulo, Getúlio Bittencourt (1951-2009) e Haroldo Cerqueira Lima (1939-2003), entrevistaram João Baptista Figueiredo (1918-1999), o último presidente militar. Figueiredo revelou seus planos para um Brasil que começava a vislumbrar a abertura democrática. Os dois repórteres foram proibidos de gravar ou anotar a entrevista e, mesmo assim, conseguiram de memória reproduzir fielmente as declarações do general-presidente, o qual falou diversas vezes em "Revolução" para justificar muitas de suas opiniões, como ser contra a independência entre os Poderes e a anistia. Em uma de suas declarações, afirmou que os brasileiros não podiam ter o direito ao voto já que não tinham sequer "noções de higiene". O material recebeu o Prêmio Esso de Jornalismo daquele ano.
JOHN LENNON
Em 5 de dezembro de 1980, John Lennon (1940-1980) recebeu o repórter e o editor-colaborador da Rolling Stone, Jonathan Cott, e conversou por mais de nove horas, em seu apartamento, no Upper West Side, e no estúdio Record Plant, em Nova York. A entrevista poderia ser mais uma, com certeza importante, dada pelo ex-Beatle, que se preparava para voltar a lançar um disco depois de cinco anos recluso com a mulher, Yoko, e o filho, Sean, mas acabou sendo um documento histórico por ter sido dada três noites antes de Lennon ser assassinado por um fã, em frente ao prédio onde morava, o Dakota. A entrevista, prevista para ser publicada em janeiro de 1981, foi publicada parcialmente junto com o obituário do cantor e compositor. Seu conteúdo integral só foi publicado 30 anos depois pela Rolling Stone, a mais importante publicação sobre música pop do mundo.
FIDEL CASTRO
Em 1986, o jornalista Roberto D´Ávila fez a primeira entrevista, em 25 anos, com o líder da Revolução Cubana e o presidente de Cuba na época, Fidel Castro (1926-2016), para um veículo brasileiro, depois do reatamento das relações diplomáticas entre os dois países, naquele ano. O jornalista esperou mais de um ano para conseguir a entrevista e teve como intermediadores o escritor Gabriel García Márquez (1927-2014), Frei Betto e Chico Buarque.
PEDRO COLLOR DE MELLO
Em maio de 1992, Pedro Collor de Mello (1952-1994), irmão do ex-presidente Fernando Collor de Mello, deu uma entrevista bombástica à Revista Veja, ao dizer que PC Farias (1945-1996) era “testa de ferro” do presidente e tinha grande influência no governo. A entrevista marcou a política recente do país, deflagrando o processo de impeachment, responsável pela renúncia de Collor, em 29 de dezembro de 1992.
Diante de todas essas entrevistas, você deve estar se perguntando: O que torna uma entrevista histórica? Assista ao vídeo a seguir para descobrir.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
CONCLUSÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Aprendemos neste tema a importância da entrevista na apuração jornalística. Seja em sua apresentação de destaque, com perguntas e respostas (o formato pingue-pongue), seja como a coleta de informações gerais e específicas que apareçam mais ou menos discretamente na matéria, esse é um instrumento fundamental na coleta de dados e depoimentos.
 
Como em todas as fases da preparação de uma reportagem e da própria vivência do repórter, essa atividade também requer uma condução ética. Conhecer o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros é um bom primeiro passo para se guiar nesse processo. Esse assunto pode gerar dilemas em pontos sutis, cuja avaliação é delicada. É importante ter bom senso, clareza e transparência, tanto com o editor, com quem é possível debater e tirar dúvidas em relação à apuração, quanto com a fonte, a pessoa que lhe concede a entrevista. Com os cuidados necessários, a entrevista, em seu caráter de diálogo e de aquisição de informações que serão passadas ao público, é um dos grandes interesses e prazeres do Jornalismo.
Agora, as jornalistas Catharina Epprecht e Luciana Conti conversam sobre a entrevista como instrumento jornalístico.
PODCAST
REFERÊNCIAS
ABRAMO, C. A regra do jogo: o jornalismo e a ética do marceneiro. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.
ALTMAN, F. A arte da entrevista. São Paulo: Boitempo editorial, 2004.
LAGE, N. A reportagem: teoria e técnica de entrevista e pesquisa jornalística. Rio de Janeiro: Editora Record, 2019.
LISPECTOR, C. Clarice na cabeceira: jornalismo. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2012.
PEREIRA JUNIOR, L. C. A apuração da notícia: métodos de investigação na imprensa. 4ª edição. Petrópolis: Editora Vozes, 2010.
MALCOLM, J. O jornalista e o assassino. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
MEDINA, C. A. Entrevista: o diálogo possível. São Paulo: Editora Ática, 1986.
MÜHLHAUS, C. Por trás da entrevista. Rio de Janeiro: Editora Record, 2007.
OYAMA, T. A arte de entrevistar bem. 2ª edição. São Paulo: Editora Contexto, 2017.
REINHOLZ, F. Jornalistas brasileiros atualizam código de ética. In: Observatório da Imprensa. Consultado em meio eletrônico em 18 mai. 2018.
TORRES, M. V. ‘O jornalista e o assassino’ coloca contra a parede a simbiose existente entre o jornalista e o romancista. In: Carta Capital. Consultado em meio eletrônico em 18 mai. 2018.
EXPLORE+
Para se aprofundar mais neste tema, recomendamos a leitura dos seguintes textos:
· Em 1992, o humorista Bussunda (1962-2006), um dos criadores dos programas TV Pirata e Planeta e Casseta Urgente, da TV Globo, deu uma entrevista para o “Perfil do Consumidor”, um documento de costumes dos jovens da Zona Sul do Rio de Janeiro daqueladécada. A resposta “São Paulo” à pergunta “o lugar mais entranho em que você fez amor?” ficou marcada no anedotário da histórica rixa entre as duas cidades. Para ler a entrevista, acesse a Hemeroteca Digital Brasileira.
· O Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros está em vigor desde 1987, tendo sido revisto em 2007. Ele normatiza a prática do Jornalismo, os direitos do profissional e a proteção às fontes e à objetividade e a veracidade das informações. Seu texto integral está disponível no site da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ).
· O livro Estação Carandiru, escrito por Dráuzio Varella.
· O livro Os sertões, de Euclides da Cunha, um clássico da literatura nacional, que narra as incursões e o massacre a Canudos no fim do século XIX e início do século XX. Euclides da Cunha, de formação militar, foi a Canudos como enviado especial do jornal O Estado de S. Paulo. Vale transpor com paciência alguns trechos descritivos da geografia da região para acompanhar as narrativas sobre as incursões militares e o lado humano do povo do Arraial de Canudos.
· Os livros A sangue frio, de Truman Capote, Hiroshima, de John Hershey e A mulher do próximo, de Gay Talese, são bons exemplos de livros-reportagem estrangeiros.
· Os livros Ditadura, de Elio Gaspari, o Dossiê, de Geneton Moraes Neto, e Notícias do Planalto, de Mario Sergio Conti, são bons exemplos de livros-reportagem nacionais. Há boas listas de livros-reportagem da internet. Pesquise!
· A Biblioteca Nacional disponibiliza o arquivo de periódicos fora de circulação no site da Hemeroteca Digital, sendo possível acessar os arquivos de importantes jornais, como, por exemplo, o Jornal do Brasil, o Correio da Manhã e o Jornal dos Sports.
Para ler na íntegra algumas das entrevistas citadas neste tema, pesquise em seu navegador:
· O valor da vida. Uma entrevista rara de Freud., disponível no Blog da Psicologia da Educação da UFRGS.
· Grandes Entrevistas – Alfred Hitchcock, reproduzida no site Tiro de Letra.
· Proibidos de usar gravador, repórteres da Folha provocaram ira de Figueiredo com entrevista, descrita na Folha de S. Paulo.
· A Última Entrevista, apresentada na Revista Rolling Stone.
· A entrevista que Pedro concedeu à VEJA há 20 anos e que está na raiz do ódio que Fernando Collor tem da revista, relatada na Revista Veja.
Por fim, sugerimos o seguinte vídeo:
· Entrevista de Fidel Castro à extinta TV Manchete (1986).
CONTEUDISTA
Luciana Borges Conti Tavares
CURRÍCULO LATTES
PREPARAÇÃO DA ENTREVISTA E RELAÇÃO COM AS FONTES
DEFINIÇÃO
Identificação de pauta e angulação, dos tipos de fontes para entrevistas e da relação jornalista-fonte. Conceituação do ethos jornalístico e caracterização das etapas preparatórias para o êxito em uma entrevista.
PROPÓSITO
Reconhecer os pontos fundamentais e as preparações atinentes à entrevista a fim de obter bons resultados em sua realização.
OBJETIVOS
MÓDULO 1
Descrever a pauta e os tipos de fontes
MÓDULO 2
Definir aspectos fundamentais da relação jornalista-fonte
MÓDULO 3
Identificar os pontos principais da pré-apuração
INTRODUÇÃO
Este tema vai tratar de conhecimentos empregáveis na atividade jornalística, mas antes é importante ter em mente alguns conceitos e diagnósticos que ancoram o conjunto das abordagens. É possível que você já tenha lido ou ouvido sobre alguns. Isso porque é importante não os perder de vista em nenhum momento da sua atuação profissional. E na fase anterior à entrevista em si, na fase de concepção da pauta e de pré-apuração, não é diferente.
O jornalismo constitui um serviço público, mesmo se realizado por empreendimentos privados, e sua essência é recolher, processar e difundir informações.
NUNCA É DEMAIS LEMBRAR QUE NÃO CABE AO JORNALISTA ACREDITAR-SE OU IMITAR JUÍZES DE DIREITO, PROMOTORES E ADVOGADOS.
Fonte: Shutterstock | Por: @glenncarstenspeters
Segundo Magalhães (2018), o jornalista não condena, absolve, acusa ou defende. O jornalista, sobretudo o repórter, não deve ter a pretensão de fazer cabeças. Sua atribuição é informar. Por fim, o jornalista exercita, ou deveria exercitar, a ética não como algo exclusivo do jornalismo, e sim como patrimônio social comum.
MÓDULO 1
Descrever a pauta e os tipos de fontes
PAUTA
A pauta é o início de toda reportagem. Mas dizer isso é pouco. Vamos olhar o todo. As cinco etapas-chaves da confecção/elaboração da reportagem são:
No tele e no radiojornalismo, a redação e a edição se confundem. A checagem de informações se desenvolve em mais de uma etapa.
A depender da configuração da matéria, cujo foco principal seja a entrevista, a pesquisa equivale à primeira (pauta) e à segunda (consolidação da pauta) etapas da reportagem. É quando o repórter-entrevistador busca todas as informações necessárias ou possíveis sobre o entrevistado e os assuntos que lhe proporá a fim de elaborar o questionário-roteiro da entrevista. Em reportagens diárias, com dois ou três entrevistados em uma mesma matéria, a pauta pode vir do editor, embora não seja raro que o jornalista proponha a pauta.
Quando não configura gênero próprio, a entrevista é instrumento de coleta de informações, sobretudo para o gênero jornalístico da reportagem. A entrevista está a serviço da pauta. Numa reportagem sobre crise de companhias aéreas, por exemplo, serão entrevistados representantes de instituições, passageiros, agentes de viagem, e ouvidas muitas fontes. Uma longa matéria sobre a dieta da seleção brasileira feminina (ou masculina) de vôlei pode ter entrevistas com as seis jogadoras titulares, sempre com o mesmo foco. As respostas, diferentes, sustentarão a reportagem, que também entrevistará nutricionista, médica, preparador físico, técnico e outras pessoas.
[PAUTA É O] PRIMEIRO ROTEIRO PARA A PRODUÇÃO DE REPORTAGENS, NÃO UMA SIMPLES IDEIA, MAS UM PLANO DE AÇÃO. PODE INCLUIR BREVE HISTÓRICO DOS ACONTECIMENTOS, QUESTÕES BÁSICAS A SEREM RESPONDIDAS AO LONGO DA APURAÇÃO, ENFOQUE, FORMATO, HIPÓTESE DE TRABALHO, MATERIAL DE APOIO, IMAGENS ETC. TAMBÉM DEVEM LEVAR EM CONTA OS MEIOS PARA A PRODUÇÃO E O MODO DE PUBLICAÇÃO.
(FOLHA DE S. PAULO, 2018)
A chamada angulação faz parte da pauta. É a abordagem geral, o “enfoque”. Alguns cursos e manuais tratam a angulação como uma decisão prévia sobre quem atingir especificamente na matéria e a dividem em três tipos: [1] enfoque em grupo: um grupo específico (uma reportagem que interesse ao empresariado, por exemplo); [2] enfoque na massa: ao interesse público; e [3] enfoque pessoal: com olhar mais particular, muitas vezes opinativo.
COMENTÁRIO
Mas essa divisão cabe mais a outros tipos de produtos de comunicação, ou mesmo a análises, que não são o foco deste tema.
Para pensar a reportagem e a utilização da entrevista, basta ter em mente esse olhar prévio sobre o enfoque geral a guiar o jornalista em suas perguntas. Além disso, esse enfoque não pode ser tomado como limitador. Se a apuração da matéria evidenciar que a angulação jornalística deve ser outra, ela não só pode, como deve ser mudada.
Para uma entrevista de fôlego, idealizada como gênero, também deve ser elaborada uma pauta. Ela é começo, não fim. Mas uma boa pauta, ou planejamento, quase sempre tem impacto no resultado da empreitada jornalística. Muitas vezes o pauteiro exerce função mais decisiva do que o editor.
É IMPORTANTE ENTENDÊ-LA COMO UM PONTO DE PARTIDA. A PAUTA BEM FEITA JAMAIS SERÁ RÍGIDA, INIBIDORA, E QUEM SE DEFINE COMO MERO CUMPRIDOR DE PAUTAS E DESDENHA A PRÓPRIA CAPACIDADE DE INICIATIVA É PRISIONEIRO NUMA CAMISA DE FORÇA POR ELE MESMO COSTURADA. [...] CORRETAMENTE ENTENDIDA E CONCEBIDA, A PAUTA É FUNDAMENTAL PARA A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO DE CADA DIA; NELA ESTÃO A MEMÓRIA E A IMAGINAÇÃO DO JORNAL.
(O GLOBO, 2000)
FONTES
No jornalismo, a palavra fonte condensa a expressão “fonte de informações”. Elas são tudo e todos que fornecem informações para a elaboração de uma peça jornalística: pessoas, documentos, fotografias, notícias de imprensa, instituições, músicas, livros etc. Neste tema, o foco são as pessoas e o meio/instrumento/técnica mais comum de coletar com elas informações,testemunhos, análises e opiniões: a entrevista jornalística.
QUEM SÃO AS FONTES COM QUEM LIDA O JORNALISTA?
OBTENHA A RESPOSTA
De assessores de imprensa com interesses escusos (outros nem tanto, apenas desejando divulgar corretamente algum dado) a uma fonte inesperada (alguém que de repente resolve contar algo importante que sabe), são muitos os tipos de pessoas e de informações que se ouve. Cabe ao jornalista filtrar o que deve e não deve ser usado.
Fonte: Shutterstock | Por: ducu59us
Nesse sentido, as fake news não são exatamente novidade. Sempre houve quem espalhasse boatos. Sempre houve aquela corrente de frases inspiradoras falsamente assinada por Clarice Lispector (1920-1977) ou Carlos Drummond de Andrade (1902-1987). A novidade das fake news tem sido o volume com que são produzidas e seu uso político mais deliberado. As pessoas estão aprendendo (ou deveriam estar) a fazer algo que os jornalistas fazem há muito tempo: atentar para a fonte. Trata-se de fonte confiável?
CLASSIFICAÇÃO DAS FONTES
Fontes de informação diferentes não merecem do jornalista o mesmo grau de confiança. São diferentes por vários motivos. Uma coisa é a fonte ter presenciado e vivido um fato (fonte primária); outra é transmitir um relato que conta ter ouvido de outra pessoa (fonte secundária). Menos confiável ainda é a fonte que diz ter escutado de alguém que disse ter escutado de outra pessoa determinado testemunho, versão, informação.
Em qualquer caso, o espírito crítico do jornalista tem de contribuir para que ele não aceite versões sem desenvolver apuração autônoma. O que a fonte diz é versão. Na maioria das vezes, não é informação pronta para publicação (mesmo atribuindo-a a determinada pessoa ou determinado documento), e sim pauta. Isto é, o ponto de partida para a investigação jornalística.
Uma fonte que durante muito tempo transmitiu informações para o jornalista e se provou confiável não é igual a uma fonte recém-conquistada e muito menos a fontes cujas informações nem sempre têm lastro factual. Como já apontado, numa época de disseminação de mentiras e informações falsas sob o disfarce de “jornalismo” e de “notícia”, é mais importante ainda exercitar o ceticismo diante das fontes. É possível classificá-las conforme sua confiabilidade, como já fez a Folha de S. Paulo:
HIERARQUIZAR AS FONTES DE INFORMAÇÃO É FUNDAMENTAL NA ATIVIDADE JORNALÍSTICA. CABE AO PROFISSIONAL, APOIADO EM CRITÉRIOS DE BOM SENSO, DETERMINAR O GRAU DE CONFIABILIDADE DE SUAS FONTES E O USO A FAZER DAS INFORMAÇÕES QUE LHE PASSAM. ESSE BOM SENSO TAMBÉM DEVE SER APLICADO EM RELAÇÃO À INTERNET: HÁ SITES DE GRANDE CONFIABILIDADE, COMO O DO IBGE, E OUTROS CUJAS INFORMAÇÕES EXIGEM CRUZAMENTO COM UMA OU MAIS FONTES.
(FOLHA DE S. PAULO, 2018)
De acordo com o Manual da Redação da Folha de S. Paulo, as fontes se classificam em:
FONTE TIPO ZERO
Escrita e com tradição de exatidão, ou gravada sem deixar margem a dúvida: enciclopédias renomadas, documentos emitidos por instituição com credibilidade, videoteipes. Em geral, a fonte de tipo zero prescinde de cruzamento.
FONTE TIPO UM
É a mais confiável nos casos em que a fonte é uma pessoa. A fonte de tipo um tem histórico de confiabilidade, as informações que passam sempre se mostram corretas. Fala com conhecimento de causa, está muito próxima do fato que relata e não tem interesses imediatos na sua divulgação.
FONTE TIPO DOIS
Tem todos os atributos da fonte tipo um, menos o histórico de confiabilidade.
FONTE TIPO TRÊS
É bem informada, mas tem interesses (políticos, econômicos etc.) que tornam suas informações nitidamente menos confiáveis.
ATENÇÃO
Mesmo as fontes tipo zero exigem atenção e senso crítico do jornalista. Há documentos históricos autênticos – de fato, foram produzidos – cujas informações são falsas. Exemplo: relatórios de espiões a serviço de órgãos públicos no século XX. Muitas vezes, sem informação relevante para reportar, os espiões inventavam fatos, episódios, situações. Há enciclopédias com informações erradas. A Wikipédia não se enquadra em fonte tipo zero, devido à maneira como é alimentada de informações e à grande quantidade de erros que contém.
Fonte: Shutterstock | Por: Mihai Surdu
CADA VEZ MAIS, PEÇAS AUDIOVISUAIS EXIGEM VERIFICAÇÃO.
É o caso dos deepfakes, vídeos fraudados com inteligência artificial. Jamais considere, somente pelo histórico de confiabilidade, que uma fonte é cem por cento segura. A Folha de S. Paulo aboliu, na mais recente edição do seu manual, a classificação de fontes. Manteve somente a “fonte tipo zero”, definida como aquela escrita, com tradição de exatidão e origem fidedigna, ou gravada sem dar margem a dúvidas. Dispensa checagem independente, mas não deve desarmar o espírito crítico do jornalista.
É conceitualmente impossível haver fonte sem motivação/interesse. Não existe fonte ou entrevistado sem motivação, nem que seja a de generosamente fornecer informações de relevância pública, livrar-se da insistência do repórter/entrevistador, ou ajudá-lo.
Muitas vezes as fontes querem beneficiar ou prejudicar pessoas e instituições. Quando está claro o lastro factual do que ela conta, o jornalista pode assumir a versão: “Ao menos x pessoas morreram em um acidente de carro na via...” (No caso de um sobrevivente, uma testemunha ou um guarda rodoviário ter informado o fato que o jornalista não presenciou.) É necessário cultivar fontes, criar laços legítimos, mas exercitar na relação com elas uma das virtudes mais caras ao jornalismo: o ceticismo.
Até recentemente, também se aceitava que determinadas fontes prescindiam de apuração independente. Mas, sempre que possível, a apuração independente é imperiosa. Ou seja: nenhuma fonte dispensa, quando possível, checagem independente.
O JORNALISMO É OCUPAÇÃO PARA CÉTICOS, NÃO PARA CRÉDULOS.
(MAGALHÃES, 2018)
EXEMPLO
Caso em que a falta de ceticismo cobrou seu preço:
Durante a Copa de 2014, realizada no Brasil, um jornalista embarcou na ponte aérea Rio-São Paulo e supôs ter sentado ao lado do técnico da seleção, Luiz Felipe Scolari. O jornalista fez perguntas futebolísticas ao suposto Felipão, que respondeu com entusiasmo. Na saída, o homem entregou ao jornalista um cartão de visitas, no qual se identificava como um artista sósia de Felipão. Foi sincero, avisou quem era. O jornalista não acreditou e escreveu uma entrevista como se tivesse entrevistado o autêntico treinador. Com um pouco de ceticismo, o jornalista indagaria por que o técnico da seleção anfitriã estaria viajando sozinho na ponte aérea naquele momento. A entrevista não foi publicada porque, na última hora, a redação do jornal apurou que Felipão não deixara a concentração da equipe, em Teresópolis (RJ).
Para saber mais sobre ceticismo e credibilidade na relação com as fontes, assista ao vídeo.
ETHOS JORNALÍSTICO
Tão necessário quanto saber o que é uma pauta ou conhecer uma esquematização sobre os tipos de fontes, é conhecer o ethos jornalístico. O senso comum tem uma visão do jornalista um tanto romantizada ou caricata. Pode-se pensar num personagem nobre, há inclusive casos reais de jornalistas que morreram no exercício da sua profissão, como muitos repórteres em territórios de conflito, guerras etc. Talvez o mais conhecido no Brasil tenha sido Tim Lopes. Mas também existe a imagem do jornalista malicioso ou que deturpa as declarações em suas entrevistas.
TIM LOPES
Arcanjo Antonino Lopes do Nascimento (1950-2002), conhecido como Tim Lopes, foi um jornalista da TV Globo brutalmente assassinado por um traficante de drogas, depois de ter sido descoberto apurando uma matéria em um baile funk. Tim era adepto da imersão para realizar algumas grandes reportagens. Chegou a trabalhar como operário em uma obra do metrô e a internar-se em clínica para dependentes químicos para apurar matérias sobre esses temas.
ETHOS SIGNIFICA IDENTIDADE.
Sobre esse termo, o dicionário Houaiss aponta: palavra grega; (...) conjunto dos costumes e hábitos fundamentais no âmbito do comportamento (instituições, afazeres etc.) e da cultura (valores, ideias ou crenças), característicos de uma determinadacoletividade, época ou região.
Uma bela definição do ethos jornalístico é feita por Nelson Traquina (1948-2019):
APESAR DA SUA INCAPACIDADE HISTÓRICA DE DELIMITAR O SEU ‘TERRITÓRIO’ DE UMA FORMA MINIMAMENTE RIGOROSA, POUCAS PROFISSÕES TIVERAM TANTO ÊXITO COMO O JORNALISMO NA ELABORAÇÃO DE UMA VASTA CULTURA RICA EM VALORES, SÍMBOLOS E CULTOS QUE GANHARAM UMA DIMENSÃO MITOLÓGICA DENTRO E FORA DA ‘TRIBO’ E DE UMA PANÓPLIA DE IDEOLOGIAS JUSTIFICATIVAS EM QUE É CLARAMENTE ESBOÇADA UMA IDENTIDADE PROFISSIONAL, ISTO É, UM ETHOS, UMA DEFINIÇÃO DE UMA MANEIRA DE COMO SE DEVE SER (JORNALISTA)/ESTAR (NO JORNALISMO).
(TRAQUINA, 2004)
PANÓPLIA
Panóplia, em sentido figurado, é um grande conjunto de elementos físicos ou abstratos. Originalmente, a panóplia era a armadura do cavaleiro da Idade Média, composta por diversos pedaços que se encaixavam, incluindo seu escudo, onde se podia acoplar outros itens.
Não há, porém, uma maneira de ser definida e definitiva. Nesse sentido, o ethos diz muito mais respeito aos pontos incluídos na introdução:
Não há dúvida de que o jornalista deve ser alguém que sabe questionar. O que não significa ser sempre questionador, e sim saber o que e como investigar, do que duvidar. Tampouco significa ser polêmico. O jornalista também não é, por definição, atrevido, por exemplo. Muitos são tímidos, aliás.
Existem jornalistas desembaraçados e tímidos; os que parecem personagens de cinema e os que pouco têm a ver com os repórteres mocinhos de filmes; há os faladores e os calados; os que escrevem melhor do que falam e os que falam melhor do que escrevem (o mais importante é saber ouvir); os lentos e os rápidos ao apurar e redigir.
UMA CARACTERÍSTICA QUE UNE TODOS OS JORNALISTAS COM VOCAÇÃO AUTÊNTICA É A CURIOSIDADE.
O JORNALISTA REJEITA A AFETAÇÃO BLASÉ DE QUEM CRÊ QUE JÁ VIU TUDO. A MELHOR INSPIRAÇÃO PARA O JORNALISTA É O BEBÊ QUE ESTICA O PESCOÇO DE OLHO EM NOVIDADES E SE ENCANTA COM DESCOBERTAS. SE ACABA A CURIOSIDADE, PERECE O JORNALISTA. QUEM NÃO SE DEIXA SURPREENDER NÃO SURPREENDE QUEM O LÊ, VÊ, OUVE, SEGUE, CURTE E COMPARTILHA. QUEM NÃO CULTIVA DÚVIDA NÃO FOMENTA DÚVIDAS – É PAPEL DO JORNALISMO TANTO ESCLARECÊ-LAS QUANTO INSTIGÁ-LAS.
(MAGALHÃES, 2018.)
VERIFICANDO O APRENDIZADO
MÓDULO 2
Definir aspectos fundamentais da relação jornalista-fonte
A LEALDADE PRIMEIRA É COM OS CIDADÃOS
Não basta conhecer os tipos de fonte. É necessário pensar a relação com elas. O cultivo de fontes e essa relação devem se submeter a um dos valores e procedimentos irrevogáveis no jornalismo enunciados pelos jornalistas norte-americanos Bill Kovach e Tom Rosenstiel (2001): seus praticantes [do jornalismo] precisam manter independência daqueles que cobrem.
A lealdade primeira é com os cidadãos, como declarou Carl Bernstein, parceiro de Bob Woodward, em uma das mais célebres investigações do jornalismo. O compromisso fundamental do jornalista não é com suas fontes, mas com o público (leitores, espectadores, ouvintes etc.). Bernstein, aliás, é autor de uma das mais consagradas definições de reportagem (declarada publicamente inúmeras vezes): “a melhor versão possível da verdade”.
Como sua primeira lealdade é com os cidadãos e mantém independência das fontes, o jornalista tem o dever de difundir informações de interesse público mesmo que elas contrariem suas fontes
Um exemplo dessa relação foi a publicação, em março de 1997, por parte da Folha de S. Paulo, de uma reportagem sobre a existência de caixa dois no departamento de futebol do clube de coração do repórter autor da matéria. O repórter tinha fontes na diretoria do clube. Como afirmou Claudio Abramo (1988), a ética do jornalista é a ética do cidadão e dessa não difere.
UMA DAS MAIS CÉLEBRES INVESTIGAÇÕES DO JORNALISMO
Carl Bernstein e Bob Woodward conduziram a célebre investigação do caso Watergate, determinante para a renúncia de Richard Nixon (1913-1994), presidente dos EUA, em 1974.
Bernstein (Fonte: Wikimedia.)
NUNCA É DEMAIS LEMBRAR QUE A ENTREVISTA IMPLICA EM UM TIPO DE ACORDO: ELA SÓ EXISTE, DA MAIS BREVE À MAIS EXTENSA, QUANDO O ENTREVISTADO É INFORMADO PELO JORNALISTA DE QUE HAVERÁ UMA ENTREVISTA.
A exceção se dá quando o caráter da conversa está implícito, quando alguém de expressão pública para diante de vários jornalistas e começa a responder a perguntas. Mesmo nas entrevistas em que o entrevistado não é identificado por questões de segurança, como quando seu rosto não aparece e a voz é distorcida, ele sabe que está ocorrendo uma entrevista.
CONFLITO DE INTERESSES E A ÉTICA NA RELAÇÃO COM FONTES
Um ponto ético específico é o do conflito de interesse. O jornalista não paga, remunera ou oferece às suas fontes favores materiais e simbólicos. Muito menos aceita receber. O significado de “favores simbólicos” é, em alguns exemplos, promover ou proteger jornalisticamente a fonte em troca de informações; ou a promessa da fonte de fornecer mais informações se obtiver tratamento jornalístico reverente, com a omissão ou publicação de informações de acordo com seus interesses particulares.
Há uma impropriedade suplementar no pagamento a fontes, inclusive por entrevista: o de conflito de interesses. O entrevistado, em troca de dinheiro, pode mentir ou adaptar seu testemunho àquilo que o jornalista espera ouvir. Conflitam eventualmente o interesse de falar a verdade e o desejo de ser remunerado, pois só haverá recompensa pecuniária se o entrevistado tiver revelações que satisfaçam o jornalista. O entrevistado pode se sentir encorajado a inventar fatos.
Cabe ao profissional do jornalismo atentar para situações que causem potencial conflito de interesses, como:
· Participar do conselho de uma empresa ou instituição sobre as quais se escreve com regularidade;
· Escrever sobre uma empresa na qual tenha investimento significativo ou outro tipo de interesse pessoal;
· Escrever sobre prêmio de cuja banca participe;
· Cobrir assuntos em que parentes próximos atuem;
· Receber presentes ofertados por quem é alvo de interesse jornalístico (presentes de pequeno valor podem ser aceitos. Cabe a cada empreendimento jornalístico definir o limite);
· Publicar sobre livro em que o jornalista é personagem ou para o qual contribuiu de alguma maneira;
· Ter relações afetivas com fontes ou personagens jornalísticos (na hipótese de o vínculo afetivo iniciar durante a cobertura, é recomendável o jornalista informar aos seus superiores para decidir em conjunto o que fazer).
EXEMPLO DE CONDUTA CORRETA:
Em Brasília, o repórter da sucursal de um jornal cobria um tribunal superior quando uma pessoa muito próxima, de sua família, passou a integrar a corte; para evitar conflito de interesses, o jornalista foi afastado daquela cobertura e assumiu novas incumbências.
EXEMPLO DE CONDUTA INCORRETA:
O mesmo jornalista que assinou uma reportagem apresentando um evento cultural em certo jornal escreveu no programa-brochura oficial do evento entregue ao público. Como manter-se independente diante de um evento cuja produção o pagou para escrever um texto elogioso e depois publicar uma matéria em jornal cujo compromisso não é com a produção do evento, e sim com os cidadãos? Jornalismo e propaganda são atividades de naturezas distintas.
Existem situações em que o potencial conflito de interesses não constitui obstáculo para a cobertura jornalística: o repórter torcer para um clube de futebol e cobri-lo regularmente – desde que a paixão esportiva não atrapalhe a correta conduta jornalística. Além disso, é legítimo manter como fontes parentes próximos. Haveria conflito de interesses ao entrevistá-los. Em casos extraordinários, é obrigatório informar ao público a natureza da relação entre entrevistado e entrevistador.
Fonte: Shutterstock | Por: Kaspars Grinvalds
ON E OFF: QUESTÕES ÉTICAS E LEGAIS NA RELAÇÃO COM FONTES
Conversas e entrevistas com fontes podem ser para publicação (on the records), para não publicação (off the records) ou publicação de parte das informações sem atribuição da fonte, mantendo-a anônima (off the records parcial).
É direito do jornalista manter sua fonte em sigilo, comogarante a Constituição Federal (artigo 5º, XIV): é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional.
Mas quando informações, declarações e acusações são publicadas em off, sem identificar o autor, o veículo jornalístico pode ser condenado judicialmente por crimes contra a honra (e outros). Quanto menor o uso de informações em off, melhor tende a ser a reportagem. Mas há situações em que não se pode ou não se deve identificar fontes, como aquelas passíveis de retaliações.
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	Para voltar ao célebre caso Watergate, a principal fonte de Bernstein e Woodward permaneceu anônima durante décadas. Ficou conhecida como Garganta Profunda.
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	Outro exemplo ocorreu com Janio de Freitas, que, em 1987, publicou na Folha de S. Paulo, como anúncio cifrado na seção de classificados, o resultado antecipado da concorrência pública para a construção da ferrovia Norte-Sul. Nunca se soube quem foram suas fontes, se é que houve mais de uma. Mas a publicação provou que a concorrência havia sido fraudulenta.
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CASO WATERGATE
O caso Watergate foi um escândalo político que levou à renúncia do presidente norte-americano Richard Nixon, em 1974, depois de uma série de reportagens do Washington Post, de autoria de Carl Bernstein e Bob Woodward. Os jornalistas descobriram uma ligação do presidente com um assalto à sede do Comitê Nacional Democrata, no Complexo Watergate. Só em 2005, o próprio Garganta Profunda, W. Mark Felt, ex-vice-presidente do FBI, revelou (então com 91 anos) que ele havia sido o informante – dado confirmado pelos jornalistas.
JANIO DE FREITAS
Janio de Freitas é um dos grandes nomes do jornalismo brasileiro, tendo recebido diversos prêmios, como o Prêmio Esso de Jornalismo e o prêmio internacional Rei de Espanha. Trabalhou na revista Manchete, participou da célebre reforma do Jornal do Brasil, assim como no Correio da Manhã, Última Hora, Jornal dos Sports e Folha de S. Paulo, onde ainda é colunista e membro do conselho editorial.
A honestidade deve sempre vigorar na relação entre jornalista e fonte. Salvo em raríssimas situações, é inadmissível o jornalista romper seu compromisso e revelar quem é a sua fonte quando ela só aceita falar em off. Os casos raros são:
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	Aqueles que ameaçam a vida: por exemplo, uma fonte conta que prepara atentados terroristas.
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	Quando o jornal assume como fato a informação recebida em off e está claro que a informação publicada era falsa e nitidamente houve má-fé da fonte: a fonte sabia que a notícia era falsa e embalou-a como verdadeira para enganar o jornalista. É direito do público saber por que a informação falsa foi publicada.
 Atenção! Para visualizaçãocompleta da tabela utilize a rolagem horizontal
Em investigações jornalísticas de fôlego e ao tratar de temas e personagens complexos, é aconselhável que o repórter informe aos seus superiores quem são as suas fontes ocultas. O propósito não é expô-las, mas permitir ao veículo jornalístico considerar os interesses e estimar a confiabilidade delas.
Em situações excepcionais, como guerras, promovem-se entrevistas coletivas (para vários jornalistas de numerosos veículos) em off. Os jornalistas participantes recebem informações que não podem ser atribuídas às fontes oficiais. Esse tipo de coletiva também acontece em épocas de crise econômica, quando os jornalistas são autorizados a atribuir genericamente às autoridades análises e estudos de medidas, mas sem informar que elas foram as fontes.
O jornalista Mário Magalhães fala sobre fontes não identificadas e sobre a mais célebre delas, o “Garganta Profunda”.
Fonte: Shutterstock | Por: SFIO CRACHO
COMO TRATAR A FONTE E O ENTREVISTADO
Em entrevistas em formato pingue-pongue (pergunta e resposta), o padrão é tratar a entrevistada como “senhora” e o entrevistado como “senhor” se eles ocuparem cargos públicos e privados importantes, ou forem bem mais velhos do que o entrevistador. É impróprio dizer “General, você...”, pois informalidade demasiada causa estranheza (formalidade excessiva também pode causar).
Com jovens, será mais comum usar “você”, desde que eles não ocupem cargo público. Esportistas e artistas, mesmo mais velhos, costumam ser chamados de “você”. Muitos governadores são mais jovens do que Zico, do futebol, mas o tratamento indicado com eles é “senhor” e com Zico ou Hortência, do basquete, “você”.
RECOMENDAÇÃO
Não use, em vez de “senhor” ou “você”, o nome do entrevistado como se fosse uma terceira pessoa. Ou seja: ao entrevistar João da Silva, não diga: o que o João da Silva acha disso?.
Políticos devem ser tratados pelo cargo que ocupam (“Deputada, a senhora...”) ou pelo mais importante que ocuparam. José Sarney foi deputado federal, senador, governador e presidente da República. Deve ser tratado como “presidente”. Já os entrevistados que são jornalistas devem ser tratados como “você”, mesmo os veteranos. De qualquer idade, um jornalista trata um colega por “você”.
Não confunda a condição de jornalista entrevistador com a de entrevistador de talk-show. Em um caso, há jornalismo; no outro, entretenimento, ainda que com interseções com o jornalismo. Um apresentador de talk-show pode botar a mão no ombro de um idoso e chamá-lo de “você”. Um jornalista, poucas vezes. Em conversas reservadas com fontes, admite-se tratamento mais informal do que em uma entrevista.
DIVERSIDADE
Mesmo jornalistas especializados em determinados assuntos e ambientes devem cultivar fontes que expressem a diversidade brasileira nos mais variados aspectos:
O Brasil é um país diverso, e o desafio do jornalismo é expressar essa diversidade. Isso se aplica ao leque de fontes de informações e à seleção dos entrevistados, para que eles espelhem a pluralidade de vozes existentes.
Resista ao comodismo, como o que leva documentários jornalísticos sobre certos assuntos a ter elencos repetitivos de entrevistados, ou reportagens sobre determinadas áreas da Medicina a ouvir sempre os mesmos especialistas. Diversifique suas fontes e entrevistados. Será um bom começo para surpreender o público e captar sua atenção.
Fonte: Shutterstock | Por: Rawpixel.com
VERIFICANDO O APRENDIZADO
MÓDULO 3
Identificar os pontos principais da pré-apuração
A PESQUISA
A pesquisa é o primeiro dos quatro princípios (pesquisa, relacionamento, relevância, atenção) da conduta do jornalista em uma entrevista, conforme assinalado no artigo Interviewing Principles, da Columbia Journalism School:
PREPARE-SE CUIDADOSAMENTE, FAMILIARIZANDO-SE COM O MÁXIMO DE CONHECIMENTO HISTÓRICO POSSÍVEL.
O mesmo artigo cita a lição do jornalista norte-americano Abbott Joseph Liebling (1904-1963), vinculado na primeira metade do século XX à revista The New Yorker, célebre pelos alentados perfis que publicou: a preparação é a mesma, se você vai entrevistar um diplomata, um jóquei ou um ictiologista (zoólogo que estuda peixes).
DICA
Pelo passado de uma pessoa, você aprende quais perguntas provavelmente estimularão uma resposta.
Fonte: Shutterstock | Por: fizkes
Entrevista sem o alicerce da pesquisa bem-feito tende a ser pior do que a entrevista planejada com esmero. A pesquisa permite conhecer o que o entrevistado já falou e como se comportou. Ela identifica temas espinhosos, passagens obscuras, tabus. O entrevistador, ao conhecer as idiossincrasias do entrevistado, estará mais preparado.
A pesquisa é valiosa para identificar histórias e ideias relevantes e interessantes que podem ser tratadas com o entrevistado.
ATENÇÃO
Nem toda história relevante é interessante e vice-versa. Quando é ao mesmo tempo interessante e relevante, temos uma história jornalisticamente promissora.
Entrevistado gosta de entrevistador bem preparado. De maneira caricatural, um “entrevistador” mal preparado pode ser visto no filme de ficção Um lugar chamado Notting Hill (1999), numa cena em que o personagem interpretado por Hugh Grant tenta entrevistar um ator de cuja carreira ele nada sabe.
A pesquisa ajudará a estabelecer um

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