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FUNDAMENTOS DA PSICOPATOLOGIA APLICADA À PSICOPEDAGOGIA AULA 3 Prof.ª Izabela de Gracia Yabe 2 CONVERSA INICIAL Quando estudamos psicopatologia, procuramos compreender a forma como a psique se apresenta. Essa condição é normalmente avaliada pelas alterações das funções psíquicas. Nesta aula, procuraremos apresentar-lhe as principais alterações nessas funções. TEMA 1 – ALTERAÇÕES NA CONSCIÊNCIA E NA ATENÇÃO A consciência é a condição do sujeito de estar em contato com a realidade. As alterações da consciência são impeditivas para que isso venha a acontecer. As alterações patológicas da consciência podem ser de ordem quantitativa e de ordem qualitativa. Para o sujeito estar consciente, é preciso que esteja em contato com o mundo. Quando se fala em uma alteração da consciência, está sendo indicado que o sujeito precisa estar se relacionando com a realidade (interage, participa), o que não está acontecendo. Ou seja, as alterações impendem que o indivíduo estabeleça essas trocas de informações. O estágio de consciência é de fundamental importância para que o sujeito possa se relacionar com o mundo. As alterações podem, então, ser indicadas como qualitativas, quando envolve o rebaixamento da consciência ou ainda as síndromes associadas ao rebaixamento da consciência. No rebaixamento da consciência, apresenta-se: Obnubilação ou turvação da consciência: o sujeito pensa e acredita que está acordado, mas está em um estado de transição. As informações que chegam ao sujeito não são claras e diretas. Dessa maneira, não é possível a reflexão acerca do que acontece. Sopor: condição de perturbação da consciência, onde o sujeito para entrar em contato com a realidade, ou com o contexto no qual se encontra inserido, precisa de um movimento muito brusco. Dessa maneira, ele só percebe que está vivendo alguma coisa se alguém incomodá-lo com algo que provoque dor. Coma: o sujeito entra nesse estado e somente uma alteração em seu organismo pode tirá-lo desse estágio. Nessa situação, o sujeito rompe com a sua condição de consciência. Trata-se de um estado muito comum em se tratando de condição clínica médica. 3 Nas síndromes associadas ao rebaixamento da consciência, tem-se: Delirium: não pode ser confundido com delírio. Trata-se de uma alteração da consciência. O sujeito não tem contato com a realidade naquele momento porque não consegue se manter concentrado no que está acontecendo. Estado onírico: o sujeito aparenta estar dormindo. Dessa maneira, é como se ele estivesse vivendo um tempo que não é real para ele. As alterações qualitativas mais comuns são: estados crepusculares (estado de sono), estado segundo (ideia de estar vivendo em um outro plano), dissociação da consciência (acredita que está vivendo duas fases distintas), transe (bloqueio temporal do que está vivendo), estado hipnótico (está sob o controle de algo), experiência de quase-morte (EQM – sensação de que está saindo do corpo). O estado quase-morte tem sido muito mencionado na literatura, com o relato de pessoas que saíram do seu corpo. Nesse sentido, é importante ressaltar que o EQM consiste em a pessoa observar o que está acontecendo, mas sem estar consciente. A atenção é o direcionamento que se dá ao estado de consciência. As alterações da atenção ocorrem devido à condição do sujeito de se manter consciente. Dessa maneira, a atenção é a responsável por dar a direção para a consciência. Além disso, ela se caracteriza pela existência do foco. Todas as vezes que, por qualquer motivo, o foco transita, correndo de um lado para o outro, e o sujeito não consegue retomá-lo, acontece uma alteração na atenção. Essas condições podem se evidenciar por anormalidades (hipoprosexia, aprosexia, hiperprosexia, distração e distraibilidade) ou distúrbios neurológicos. Os distúrbios neurológicos são produzidos por lesões neuronais, ou seja, algo acontece nos circuitos neuros, o qual impede que o sujeito tenha focos de atenção. Já os transtornos mentais se referem aos transtornos de humor, transtorno maníaco-depressivo, transtorno obsessivo-compulsivo, esquizofrenia, transtorno do déficit de atenção e hiperatividade. Esses transtornos alteram a atenção porque neles se apresentam uma característica básica: modificar o processo que consiste no sujeito direção quanto ao seu objeto fixo. 4 TEMA 2 – ALTERAÇÕES NA ORIENTAÇÃO E NAS VIVÊNCIAS TEMPO E ESPAÇO Para iniciarmos nosso tema acerca das alterações na sensopercepção e na memória, faz-se necessário, primeiramente, entender o que são orientações. Por orientação devemos entender que é a capacidade que o sujeito tem em dizer quem ele é e onde ele está; ou seja, nada mais é do que o conceito de localização (localização quanto a si mesmo e quanto ao mundo que o cerca). Já as alterações na orientação são aquelas que não permitem que o indivíduo saiba se referenciar. Dessa maneira, levam o sujeito a uma condição de desorganização quanto a si mesmo e ao lugar onde está. Desorganização, nesse contexto, deve ser compreendida como não saber se localizar. É como se as informações não fossem possíveis de caminharem juntas (concordância). O sujeito se desorganiza porque as informações não estão correlacionadas. Essas alterações podem ser psico-orgânicas, o que a caracteriza como uma alteração dentro da condição psíquica e fisiológica. Além disso, podem acontecer por: lesões corticais, lesões mesotemporais e patologias que afetam o tronco cerebral e o sistema reticular ativador ascendente. Ou seja, tratam-se de alterações que acontecem no cérebro, de processos que não estão sendo executados no córtex cerebral, na complexa área do encéfalo. Outras alterações podem ser da base. Nessas alterações, a estrutura básica para que o sujeito consiga prover informações simples (quem é, onde está e o que está ao seu redor) é comprometida. Essas desorientações podem ser: por redução do nível de consciência, por déficit de memória imediata e recente, apática ou abúlica, delirante, por déficit intelectual, por dissociação, por desagregação ou quanto à própria idade. Cada característica dessa está associada a uma condição de perda da capacidade de indicar dados ou informações simples acerca de si mesmo. Já no que envolve as alterações nas vivências de tempo e espaço implicam condições que levam o sujeito a uma desconstrução do seu prazer de viver. Dessa maneira, o indivíduo perde o envolvimento em relação à vida (o que gosta de fazer, de ir e quando). Elas podem estar relacionadas às síndromes depressivas e maníacas, à ilusão sobre a duração do tempo ou à atomização do tempo. 5 2.1 Síndromes depressivas e maníacas Nelas, o sujeito deixa de aproveitar as situações e os seus elementos como elas são. No quadro de mania, o indivíduo esquece o prazer de tudo; ele simplesmente executa ações. Já no quadro de depressão, o indivíduo esquece do prazer dos momentos porque não quer participar e fazer nada. Costuma-se dizer que essas pessoas ficam cinzas. 2.2 Ilusão sobre a duração do tempo Essa condição geralmente acontece quando o sujeito está sob a ação de psicotrópicos. Assim, ele passa a ter a ideia de que o momento foi congelado ou está passando muito rápido. O psicotrópico tem a capacidade de alterar a condição do indivíduo em perceber o tempo. 2.3 Atomização do tempo Trata-se da percepção instantânea do tempo por uma pessoa. Assim, essa percepção instantânea do tempo faz com que o sujeito acredite que não existe prazer ou gosto nela. Nesse contexto, é importante pensarmos: Quantas vezes não caímos na velha ideia de que “já é janeiro” ou “já é dezembro”? A impressão que se dá é de que alguém pegou dois fios e os ligou. Isso é o que podemos chamar de atomização do tempo. TEMA 3 – ALTERAÇÕES NA SENSOPERCEPÇÃO E NAMEMÓRIA A sensopercepção é a união de dois grandes sistemas: sensação e percepção. É a condição que o sujeito tem em receber a informação, traduzi-la e fazer com que ela seja aproveitada no que for necessário para ele. As alterações na sensopercepção levam o sujeito a ter uma identificação equivocada da realidade. Dessa maneira, a informação chega no indivíduo e é traduzida de forma errada; ou a informação não chega no indivíduo e ele entende algo. Havendo alterações na sensopercepção é preciso verificar como o sujeito está trabalhando com as informações que estão chegando nele. Essas alterações podem ser: quantitativas ou qualitativas. Para o entendimento das alterações quantitativas, é preciso adotar o entendimento dos prefixos hipo (abaixo, embaixo ou se relacionando por baixo) e hiper (em cima 6 ou grande). Assim, no que tange as alterações quantitativas, tem-se: hiperestesia (recebe muito informação), hiperpatia (interpreta tudo de uma maneira muito grandiosa) e hipoestesia (não recebe informação). Já nas alterações ditas qualitativas, a qualidade do conteúdo será considerada como ponto de análise para o sujeito. Nesse caso, apresentam-se: ilusão e alucinações. A alteração da ilusão consiste em o sujeito dizer que tem algo, induzido por alguma coisa. Ou seja, quando dizemos que fomos iludidos, estamos nos referindo a alguma coisa que chamou a atenção e me fez entender a informação de uma maneira errada. Já no que envolve a alucinação, não existe nada no real, mas o sujeito, mesmo assim, identifica algo. Dessa maneira, não existe nada que promova a indução no sujeito, mas ainda assim ele afirma a existência de alguma coisa. A próxima alteração se refere à memória e implica em levar o sujeito a ter recordações falhas sobre o tempo vivido. A memória nada mais é do que arquivos depositados no córtex cerebral. Diante disso, apresentam-se alterações quantitativas que podem se configurar como: hipermnésia ou amnésia. Toda vez que se contempla o prefixo “a”, indica-se a inexistência de algo. Dessa maneira, a hipermnésia indica aquele sujeito que possui uma memória acima daquilo que realmente possui. No que concerne à amnésia, o sujeito carece de informação (aquilo que deveria estar arquivado). Tem-se, ainda, as alterações qualitativas, que podem ser: paramnésias, fabulações, criptomnésias, ecmnésia, lembranças obsessivas e agnosias. Nesse caso, a informação que está guardada pode, ou não, ser recordada sem o seu verdadeiro conteúdo. Assim, o conteúdo pode ser falseado, errado, ou, ainda, não se apresentar. TEMA 4 – ALTERAÇÕES NA AFETIVIDADE, NA VONTADE E NA PSICOMOTRICIDADE A afetividade é responsável pelo brilho da vida, cujas alterações afetam diretamente a forma como vemos o mundo e a nossa existência nele. Afetividade é, por assim dizer, a condição de alegria e festividade do sujeito frente a tudo o que ele experimenta e vive (sorriso, bom dia, brilho no olhar). Quando o indivíduo apresenta uma alteração na afetividade, algo é visivelmente alterado nele. Considera-se como alterações do humor: 7 Distimia: o sujeito se encontra, em diversos momentos do dia, no status de normalidade, tristeza, normalidade e tristeza. Disforia: o sujeito entra em um status de alegria frequente. Ansiedade: o sujeito se encontra em uma condição de preocupação constante. Angústia: o sujeito está em sofrimento. Trata-se, então, do sofrimento da expectativa. A próxima alteração se refere às emoções e aos sentimentos, tal qual: Apatia: o sujeito não se relaciona com o ambiente de maneira coerente, por não entender o momento que está sendo vivido. Hipomodulação do afeto: o sujeito apresenta um afeto abaixo do normal. Anedonia: o sujeito não responde àquilo que está acontecendo em seu ambiente. Medo, fobia e pânico: o sujeito se sente refém de um sentimento ou de uma condição, onde aquilo que está fora dele não lhe deixa reagir. Nas alterações da vontade, tem-se a frustração do planejamento do sujeito, desqualificando a sua efetividade. A vontade é a condição psíquica do sujeito em apontar na direção do seu interesse. Quando o sujeito apresenta uma alteração, que interfere nesse apontamento, ele se recua, deixando de alcançar os seus interesses. Nas alterações da vontade, pode-se designar a hipobulia/abulia e os atos compulsivos e obsessivos. O ato compulsivo está dentro da condição de fazer algo por fazer. Já obsessão é a condição de mudar o pensamento e desejar algo. Assim, atos compulsivos se configuram pela condição do sujeito em realizar seus feitos de maneira intensa e frenética; atos obsessivos acontecem quando o sujeito pensa tanto em algo, que tem seu comportamento alterado. No que tange à psicomotricidade, é o ato de executar. As alterações na psicomotricidade levam o sujeito a ter suas ações não executadas ou serem não assertivas. Tem-se por psicomotricidade o comando cerebral para que o corpo responda de forma organizada. Assim, as alterações compreendem o comportamento, o movimento, o equilíbrio e a marcha. Quando a psicomotricidade do indivíduo é alterada, suas condições básicas são perdidas. Nesse sentido, algumas alterações precisam ser evidenciadas, tais quais: 8 Agitação psicomotora: o corpo apresenta movimento que não são comuns a ele. Lentificação psicomotora: o corpo precisa apresentar o movimento, mas não consegue realizá-lo com a velocidade que deveria. Inibição psicomotora: existe o comando para a execução do movimento, mas o corpo não responde a ele. Estupor: o sujeito está em uma posição e não se mexe (estático). Estereotipias motoras: movimentos fora do comum e que são repetidos de diversas formas (comportamentos estereotipados). Maneirismos: comportamentos soltos. Alterações na marcha: alterações na forma de andar. TEMA 5 – ALTERAÇÕES NO PENSAMENTO, NO JUÍZO DE REALIDADE E NA LINGUAGEM O pensamento é a estrutura que firma o sujeito na direção de responder aos estímulos. As alterações do pensamento ocorrem quando o sujeito não consegue fluir a estrutura que se originou nos estímulos. Assim, os conceitos, o juízo e raciocínio são alterados. Lembrando de que pensamento é aquilo que não pode ser tocado, mas que é promovido dentro da condição de consciência do sujeito. Além disso, é produto de suas condições de memória, atrelado, ainda, à atenção. Dessa maneira, existem funções psíquicas responsáveis por fazer o indivíduo pensar. Quando a pessoa apresenta uma modificação no pensamento, altera-se a estrutura do processo de construção da informação. Afetando, diretamente, como essa informação será transmitida. Entretanto, antes de ser transmitida, ela precisa ser formada e processada. A essa forma e processamento damos o nome de pensamento. Com base nesses fundamentos, é preciso destacar que podem se apresentar alterações dos conceitos, como desintegração e condensação; alterações do juízo, como juízo prejudicado (interpretação errada) e delírio (realidade errada); e alterações do raciocínio. As alterações do pensamento são muito sérias, tendo em vista de que modificam, diretamente, a maneira como o indivíduo vive. No que concerne ao juízo da realidade, tem-se que é a porta designativa de decisão. As suas alterações impedem a execução de uma decisão orientada 9 pela realidade. Essas alterações podem ser observadas pela apresentação da decisão tomada. Dessa forma temos as ideias prevalentes e o delírio. Trata-se, então, de um questionamento direto se o que está acontecendo é condizente com a realidade que se apresenta. Levando em consideração essas condições, apresentam-se algumas alterações que se referem às ideias prevalentes e ao delírio. No que tange ao delírio, é possível considerar, também: dimensão, condição e estrutura. A linguagem é a expressão do pensamento. As alteraçõesda linguagem são impeditivas para a apresentação do pensamento, pois ela é externalizante. As alterações podem ocorrer provenientes de lesão cerebral e por transtornos psiquiátricos. As secundárias à lesão neuronal identificável desencadeiam uma condição em que o processo da informação externalizante (a linguagem) não ocorra. São caracterizadas, dessa maneira, por: afasia, parafasias, alexia, disartria, disfonia e disfemia e dislalia. Já as alterações da linguagem associadas a transtornos psiquiátricos primários são: logorreia, taquifasia e loquacidade, bradifasia, mutismo, ecolalia, tiques verbais ou fonéticos e coprolalia, glossolalia. Essas alterações da linguagem estão relacionadas, principalmente, aos transtornos do neurodesenvolvimento, os quais estão conectados, diretamente, com os processos de aprendizagem. NA PRÁTICA O psicopedagogo vai trabalhar com as questões que produzem um prejuízo ao processo de ensino e aprendizagem. Ao observarmos as alterações das funções, estamos olhando para o sujeito. Isso ocorre de uma maneira muito aplicada, pois há um interesse que esse sujeito tenha uma qualidade de vida e aprendizagem. Conhecer as alterações nas funções psíquicas permitirá um olhar mais pontual para o sujeito que está sendo observado. FINALIZANDO Ao encerrarmos esta aula, percebemos que as funções são concernentes ao sujeito. Alterações nas funções são prejuízos para esse sujeito. Isso significa que a sua vida passa a ter uma estrutura de normalidade comprometida e, por conseguinte, a sua qualidade de vida também. 10 REFERÊNCIAS DALGALARRONDO, P. Psicopatologia semiologia dos transtornos mentais. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2008. SONENREICH, C.; ESTEVÃO, G.; SILVA FILHO, L. M. A. Notas sobre psicopatologia. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fund., II, 3, p. 124-145. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rlpf/v2n3/1415-4714-rlpf-2-3- 0124.pdf>. Acesso em: 4 dez. 2019.