Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Lyzandra Linhares Mecanismo de Coagulação: A hemostasia consiste no sistema de coagulação sanguínea, sendo o que garante o equilíbrio entre fatores anticoagulantes e pró coagulantes. No que se refere aos agentes pró coagulantes, tem-se uma divisão em hemostasia primaria, a qual é responsável pela formação do tampão plaquetário) e a hemostasia secundaria., responsável pela rede adesiva de fibrina, formando o coagulo. Na hemostasia primária tem-se destaque na ação das plaquetas, as quais consistem em fragmentos anucleados dos megacariócitos. Vale lembrar que os megacariócitos se tornam grandes a partir do processo de endomitose (DNA se replica varias vezes sem divisão celular) e depois alguns “pedaços” se desprendem dando origem as plaquetas. As plaquetas podem se apresentar de forma ativada ou em repouso, com aspectos morfológicos distintos. A célula em repouso encontra-se com a membrana plasmática recolhida e com invaginações já a célula ativada está com a membrana plasmática esticada, maior volume e formato discoide. Isso acontece para permitir a exposição de diversas proteínas sinalizadoras e de adesão plaquetária. Quando as plaquetas estão ativadas, também expõe seus grânulos-alfa (liberam o fator de VonWillebrand, a fibronectina, e o fibrinogênio) e os grânulos densos (liberam ADP e cálcio). Além disso, vai haver as exposições de várias proteínas ancoradas no citoesqueleto (glicoproteínas integrinas): GP 1 a/ II a, GP 1 b, GP IV, GP II b/ IIIb. A hemostasia primária é o primeiro ponto quando há lesão/trauma no vaso, e ela possui três fases: adesão, ativação e agregação. Na fase de adesão, há a exposição da matriz subendotelial (colágeno), para que a plaqueta se ligue a esse colágeno a partir das proteínas na sua membrana celular. As primeiras proteínas que se ligam ao colágeno são a GP IV e GP Ia/IIa sendo uma ligação mais fraca; logo é necessário que a plaqueta ativada libere o fator de VonWillebrand, o qual vai conectar a GP Ib ao colágeno, fazendo a adesão efetiva (mais forte). Na fase da ativação plaquetária as plaquetas são ativadas para aumentar a exposição de seus fatores de adesão, e essa ativação é estimulada a partir do colágeno, epinefrina, serotonina, trombina e a própria GP IV. Nesse sentido, a plaqueta fica mais robusta, acaba com as invaginações, aumenta a superfície de contato, e mais receptores de adesão e exposição dos receptores de agregação agem. Ainda nessa fase ocorre a liberação de ADP, o qual é responsável pela ativação da fosfolipase A2 que vai levar a síntese de tromboxane A2 pela COX-1. Vale ressaltar que esse tromboxane vai ser responsável por emitir sinais para agregação plaquetária. Aliado a isso, há liberação do fosfolipídeo plaquetário da membrana, que será importante para hemostasia secundária. Na fase de agregação, ocorre a ação da GP IIb/IIIa, a qual vai conectar uma plaqueta na outra através do fibrinogênio, formando o tampão plaquetário inicial (branco) e dando fim na hemostasia primária. Na hemostasia secundária o objetivo principal é formar a rede de fibrina, para da estabilidade ao trombo branco, evitando deslocamento e ressangramentos. Dessa forma, há os fatores de coagulação que são ativados para produzir fibrina a partir de uma cascata de eventos. Esses fatores de coagulação são produzidos no fígado (com exceção do fator VIII). Vale ressaltar que alguns sofrem influencia da vitamina K para sofrerem algumas modificações, sendo eles: fatores II, VII, IX e X. Esses fatores dependentes de vitamina K, vão sofrer carboxilação dos resíduos de ácido glutâmico, fazendo assim a ancoragem no fosfolipídio plaquetário. Para formar a fibrina, ainda há duas vias possíveis: a via intrínseca e extrínseca. A via intrínseca é ativada pelo contato do sangue com superfície de carga negativa (como o colágeno), e nessa fase os fatores de coagulação envolvidos são o XII, XI, IX e VIII. Nesse caso, há liberação do CAPM (Cininogênio de alto peso molecular), o qual vai da inicio a cascata de ativação dessa via. Nessa via também há cofatores como cálcio, fosfolipídio plaquetário e o fator VIII, que são importantes para que a cascata de coagulação aconteça de forma adequada, e chegue na via comum (formação do fator X). A via extrínseca tem como seus fatores principais o fator tecidual e o fato VII, e ela é ativada pelo contato do sangue com o fator tecidual, liberado após a lesão endotelial. Nessa via, o fator VII (principal fator dependente de vitamina k) é ativado e chega na via comum (fator X). Além disso, o cálcio e fosfolipídios plaquetários são cofatores. A via comum inicia a partir da ativação do fator X em Xa, que depois sofre ação dos cofatores (cálcio, fosfolipídios plaquetários e fator Va) para conversão de protrombina em trombina, a qual vai converter o fibrinogênio em fibrina e esta ultima forma a rede de fibrina, dando fim a hemostasia secundária. HMWK = cininogênio de alto peso molecular; PC = pré-calicreína. Além dos fatores pró coagulantes, há fatores anticoagulantes para que haja um equilíbrio e não forme trombos em excesso. Nesse sentindo, o principal regulador é o endotélio integro, pois sem o colágeno e sem o fator tecidual não a início das vias intrínseca e extrínseca. A hemostasia primaria também pode ser inibida pelo oxido nítrico e prostaciclinas liberados pelo endotélio e que inibem os agonistas da ativação plaquetária. Vale ressaltar que a ADPase também inibe a ação do ADP. Na hemostasia secundaria há a trombomodulina como anticoagulante; ela se liga a trombina e ativa a proteína C, a qual consiste em um fator que degrada os fatores VIIIa e Va (importantes cofatores da via intrínseca e via comum). Além disso, ainda nessa via há a produção de proteína S, a qual inativa os fatores Va, VIIIa, e Xa; e o sistema heparan-sulfato, que ativa a antitrombina III que hidrolisa os fatores vitamina K dependentes (II, VII, IX, X) e outros. Ainda há o inibidor do fator tecidual que inibe a via extrínseca. A via da proteína C ativada (PCA) na regulação da trombose. A geração de trombina resulta em ativação da proteína C por interação com trombomodulina e proteína C ligada ao receptor endotelial de proteína C (EPCR). A PCA com proteína S livre converte fatores ativados (F) VIII e V em formas inativadas, reduzindo assim a geração de trombina. F, fator; IIa, trombina. Por fim, no que se refere ao sistema de fibrinólise, sabe- se que ele consiste na ativação tecidual de plasminogênio, transformando-o em plasmina, a qual vai degradar os coágulos de fibrina. Assim como a trombina é a enzima protease essencial do sistema da coagulação, a plasmina é a principal enzima protease do sistema fibrinolítico, atuando na digestão da fibrina em produtos de degradação da fibrina. Os ativadores do plasminogênio, o ativador do plasminogênio tecidual (tPA) e o ativador do plasminogênio do tipo urocinase (uPA) são liberados por células endoteliais e clivam as ligações do plasminogênio para gerar a plasmina enzimática ativa. A plasmina cliva a fibrina em locais distintos de sua molécula, resultando na produção de fragmentos de fibrina característicos durante o processo da fibrinólise (produtos da degradação de fibrina - PDF). A regulação fisiológica da fibrinólise ocorre primariamente em três níveis: (1) os inibidores do ativador do plasminogênio (PAI), especificamente PAI-1 e PAI-2, inibem os ativadores fisiológicos do plasminogênio; (2) o inibidor da fibrinólise passível de ativação pela trombina (TAFI) limita a fibrinólise; e (3) a α2-antiplasmina inibe a plasmina. O PAI-1 constitui o principal inibidor do tPA e do uPA no plasma. O TAFI cliva os resíduos de lisina N-terminais da fibrina, o que ajudana localização da atividade da plasmina. A α2-antiplasmina é o principal inibidor da plasmina no plasma humano, inativando qualquer plasmina associada a coágulo sem fibrina. Fisiopatologia e Manifestações Clínicas da Hemofilia: A hemofilia é uma doença hemorrágica recessiva ligada ao X, causada por mutações do gene F8 (hemofilia A ou clássica) ou do gene F9 (hemofilia B). Clinicamente, as hemofilias A e B são indistinguíveis. O fenótipo da doença correlaciona-se com a atividade residual do FVIII (fator anti-hemofílico) ou do FIX (fator anti-hemofílico B ou fator de Christmas) que pode ser classificada em grave (< 1%), moderada (1-5%) ou leve (6- 30%). Nas formas moderada e grave, a doença caracteriza-se por sangramento nas articulações (hemartrose), nos tecidos moles e nos músculos depois de traumatismos mínimos ou até mesmo espontaneamente. Os pacientes com doença leve apresentam sangramentos infrequentes, que, em geral, são secundários a traumatismos. Nos primeiros meses de vida, o sangramento pode ocorrer depois de circuncisão ou raramente na forma de hemorragias intracranianas. A doença fica mais evidente quando as crianças começam a engatinhar ou andar. As crianças que não conseguem se comunicar verbalmente apresentam irritabilidade e limitação na mobilidade da articulação afetada. Nas formas graves, as manifestações hemorrágicas mais comuns consistem em hemartroses recidivantes (sangramentos dentro de uma articulação), que podem acometer qualquer articulação, mas são mais comuns nos joelhos, nos cotovelos, nos tornozelos, nos ombros e nos quadris. As hemartroses agudas são dolorosas, e os sinais clínicos consistem em edema e eritema localizados. Para evitar a dor, o paciente pode adotar uma posição fixa, que, por fim, provoca contraturas musculares. As hemartroses crônicas são debilitantes e provocam espessamento sinovial e sinovite em resposta ao sangue intra-articular. Depois da lesão da articulação, os episódios hemorrágicos repetidos resultam na condição clinicamente conhecida como “articulação-alvo”, que, em seguida, desencadeia um círculo vicioso de sangramento com deformidade articular progressiva. Os hematomas musculares dos segmentos distais dos membros podem causar compressão extrínseca das artérias, das veias ou dos nervos, podendo evoluir para uma síndrome compartimental (aumento da pressão intersticial sobre a pressão de perfusão capilar). O sangramento nos espaços orofaríngeos, no sistema nervoso central (SNC) ou no retroperitônio é potencialmente fatal e exige tratamento imediato. A deficiência do fator de coagulação XI (FXI) foi definida como hemofilia C no passado, mas atualmente apenas as hemofilias A e B são consideradas hemofilias, sendo que qualquer outra deficiência nos fatores de coagulação é referida como distúrbios hemorrágicos raros. A hemofilia A e B afetam quase que exclusivamente homens e meninos, sendo as mulheres portadoras heterozigotas de um gene mutado, podendo apresentar níveis reduzidos de FVIII e FIX, e ser assintomática ou sintomas leves. A deficiência de FVIII e FIX resulta em uma geração de trombina abaixo do ideal e consequente inadequação da resistência inicial do coágulo, o que explica o risco de sangramento fisiopatológico da hemofilia. Homozigose, heterozigosidade composta ou cariótipo XO (conhecido como síndrome de Turner, na qual um dos cromossomos X está ausente ou parcialmente ausente) com um gene F8 ou F9 defeituoso (ou ambos) são cenários raros de hemofilia potencialmente grave em uma mulher ou menina. Nenhuma mutação isolada é responsável pelas hemofilias. Foram descritas muitas mutações pontuais de sentido incorreto (missense) e sem sentido (nonsense), deleções e inversões. Hemofilia A: A hemofilia A é a mais comum das deficie ̂ncias hereditárias de fatores de coagulação. A heranc ̧a é ligada ao sexo, mas até um terço dos pacientes não tem história familiar, e a doenc ̧a resulta de mutac ̧ão recente. O gene do fator VIII está situado próximo à ponta do braço longo do cromossomo X. O gene é extremamente grande, consistindo de 26 éxons. A proteína fator VIII, codificada pelo gene, inclui uma região triplicada A1A2A3, uma região duplicada C1C2 e um domínio altamente glicosilado B, removido quando o fator VIII é ativado por trombina. A proteína é sintetizada nas células endoteliais. Na hemofilia A ocorre deleções, inserções e mutações no gene que codifica o fator VIII, sendo que em 40% dos casos há inversão do intron 22 (defeito causador mais comum da hemofilia A grave). Hemofilia A grave evolue a partir de uma única inversão do íntron 22 (o maior dos íntrons do fator VIII). Essa inversão resulta da combinação e da translocação do DNA no íntron 22 do gene do fator VIII, com áreas de DNA “não funcional” extragênico, porém homólogo, localizadas a uma distância do íntron 22. Hemofilia B: A heranc ̧a e os aspectos clínicos da deficie ̂ncia de fator IX são ide ̂nticos aos da hemofilia A. De fato, as duas doenças somente podem ser diferenciadas pela dosagem específica dos fatores. A hemofilia B é geneticamente heterogênea, com predominância de mutações missense (mutações pontuais de sentindo incorreto), sem um evento de inversão comum análogo à inversão do íntron 22 em F8, na ausência de quaisquer sequências homólogas adicionais com as quais F9 possa se recombinar. As mutações de truncamento de proteínas (deleções e mutações sem sentido) são menos comuns do que em F8. O fator IX é codificado por um gene junto ao do fator VIII, próximo à ponta do brac ̧o longo do cromossomo X. A síntese é dependente de vitamina K. No que se refere as manifestações clinicas, sabe-se que esta relacionada a quantidade de fator, sendo que essa característica classifica a gravidade do quadro, e a família tende a ter a mesma gravidade entre os membros. Vale ressaltar que pacientes com quadros leves são de difíceis diagnósticos por possuírem poucos sintomas, sendo diagnosticado de forma mais tardia. Além disso, o quadro clinico da hemofilia A é igual ao da B, não sendo possível diferencia-las apenas na clínica. A manifestação mais comum é a hemartrose (sangramento nas articulações), que quando não há tratamento, posteriormente evolui para uma artropatia crônica incapacitante por conta do mecanismo da articulação alvo. A segunda complicação mais frequente é o hematoma, que pode surgir espontaneamente ou após um trauma, e podem ser limitados a uma região ou expansivos para outros tecidos. Nesse ultimo caso, pode evoluir para uma dissecação seguida de fibrose e contratura muscular e de outras estruturas. Um hematoma por exemplo no antebraço pode comprimir o nervo mediano ou ulnar; além de poder comprimir os vasos sanguíneos levando a um quadro de contratura isquêmica da mão (síndrome de Volkmann). Além disso, se esse hematoma comprimir o nervo femoral, o indivíduo terá manifestações como dor, parestesia, hiperestesia, diminuição da força do quadríceps, paralisia dos músculos flexores da coxa. Um quadro mais grave nos hemofílicos é o sangramento de língua ou partes moles do pescoço/garganta, pois pode causar obstrução das vias aéreas superiores. A complicação mais temida é o sangramento do sistema nervoso central, sendo que o sintoma pode aparecer dias ou semanas após o trauma; nesse sentido deve-se sempre investigar cefaleia superior a 4 horas em hemofílicos. Ademais, uma complicação rara das hemofilias é o cisto hemorrágico (pseudotumor hemofílico), quando há uma reabsorção incompleta de um hematoma muscular, levando a uma lesão cística encapsulada que pode comprimir e destruir estruturas próximas. Diagnóstico: Inicia-se o diagnostico a partir da história familiare pessoal de hemorragias, devido a hereditariedade da doença. Laboratoriamente, encontra-se o prolongamento do tempo de tromboplastina parcial ativada - TTPa (com TP normal), mas o TTPa não é um teste de triagem sensível o suficiente para estar prolongado em hemofílicos leves, nos quais o nível de fator VIII é, algumas vezes, acima de 30% do normal. O diagnóstico é confirmado a partir da dosagem dos fatores VIII e IX no plasma. Em geral, a hemofilia grave é reconhecida no primeiro ano de vida, com sangramento na circuncisão; por outro lado, a doença moderada ou leve é reconhecida posteriormente durante a vida, após a ocorrência de traumatismo ou cirurgia. A hemofilia pode ser distinguida da doença de von Willebrand pelos níveis normais de cofator da ristocetina e antígeno do fator von Willebrand. Na DvW 2N, o nível de fator VIII está significativamente mais baixo do que os níveis de cofator da ristocetina e antígeno do fator de von Willebrand, devido à redução da ligação do fator VIII; essa variante da DvW pode exigir genotipagem para diferenciá-la da hemofilia A. A detecção nas portadoras é feita com sondas de DNA. Uma mutac ̧ão específica já conhecida pode ser identificada, ou polimorfismos do fragmento com restric ̧ão de extensão dentro ou próximo ao gene do fator VIII permitem que um alelo mutante a ser identificado seja rastreado. Biópsia coriônica a 8 a 10 semanas de gestac ̧ão fornece DNA fetal suficiente para análise. O diagnóstico pré-natal também é possível pela demonstrac ̧ão de baixos níveis de fator VIII no sangue fetal da veia do cordão umbilical, coletado até 16 a 20 semanas de gestac ̧ão por aspirac ̧ão com agulha. O método só é utilizado atualmente se o teste de DNA for inconclusivo, o que acontece em menos de 1% das portadoras. Tratamento: O tratamento e a prevenção dos episódios de sangramento agudo nas hemofilias A e B baseiam-se na reposição do fator de coagulação (proteína) ausente ou deficiente, de modo a restaurar a hemostasia adequada, podendo ser sob demanda (institui na evidência de hemorragia) ou profilático (evitar hemartrose e artropatias). Foi constatado que o uso de fator de modo profilático, isto é, várias vezes por semana para prevenção de sangramento, reduz ou evita o sangramento articular e diminui a artropatia articular. Os fatores de coagulação mais recentes com meia-vida estendida simplificaram o tratamento ao reduzir a frequência de tratamento e a necessidade de acesso central. Todavia, vale mencionar que se trata de um desvio do uso de concentrados de fator da coagulação para manipulações dos fatores de coagulação e terapia gênica. A meta da terapia de reposição consiste em alcançar níveis plasmáticos de atividade dos fatores VIII ou IX suficiente para prevenir a ocorrência de hemorragia espontânea. Como esses eventos são individualizados e variam de acordo com a idade, o nível de atividade e a farmacocinética individual, o nível ideal de tratamento varia entre pacientes afetados. São recomendados níveis de atividade dos fatores de coagulação de pelo menos 50% para hemorragias graves (p. ex., cirurgia odontológica de grande porte, terapia de reposição de manutenção após cirurgia de grande porte ou traumatismo), enquanto se recomenda atividade de 80 a 100% para qualquer evento hemorrágico com risco à vida ou com ameaça à integridade dos membros (p. ex., cirurgia de grande porte, traumatismo). Após traumatismo importante, ou se houver suspeita de hemorragia visceral ou intracraniana, a terapia de reposição adequada para alcançar uma atividade de fator da coagulação de 100% deve ser administrada antes do início dos procedimentos diagnósticos. As meias-vidas circulantes dos fatores VIII e IX exigem uma posologia subsequente em metade da dose inicial, a cada 8 a 12 horas, para o fator VIII, e a cada 18 a 24 horas, para o fator IX, respectivamente. Entretanto, essa dosagem empírica (baseada em cálculos) deve ser individualizada, de acordo com os níveis máximos de recuperação e mínimos de atividade, tem sido otimizada pela implementação de modelo farmacocinético da população. A frequência de repetição da dose também é determinada pela velocidade de alívio da dor, recuperação da função articular e resolução do sangramento ativo. Em geral, a reposição é mantida por 10 a 14 dias após cirurgia de grande porte para possibilitar a cicatrização adequada da ferida. Os fatores VIII e IX recombinantes de longa duração (EHL, extended half-life) estão atualmente disponíveis para profilaxia ou tratamento, visto que são seguros e efetivos na redução da frequência de hemorragia e prolongam em 1,5 a 2 vezes a meia-vida do fator VIII e em 2,5 a 5 vezes a do fator IX. Esses agentes também foram utilizados com sucesso na cirurgia. Na profilaxia primária, tem-se uma reposição continua, regular e prologada, além de ser utilizado após a primeira hemartrose ou sangramento evidente. Com isso, tem-se uma redução de 80% de sangramentos, mas possui alto custo e são de acesso venoso (necessário educar a família ou o próprio paciente a utilizar). A terapia de substituição faz-se após a manifestação hemorrágica, ofertando concentrado liofilizado de fator VIII e IX, obtido de plasma humano e passa por processo de inativação viral (evitar transmissão de HIV e hepatite).. Nesse caso a infusão é continua ou “bolus” e a quantidade a ser infundida e duração do tratamento depende do local da lesão. Uma complicação desse tratamento é o desenvolvimento de inibidores contra o fator transfundido, em que o paciente possui uma resistência (mais comum na hemofilia A). Para solucionar pode-se aumentar a dose do fator, utilizar da imunossupressão e regimes de imunotolerância na tentativa de erradicar os anticorpos, com sucesso (a grande custo), mas o mais utilizado é a conduta de by-pass, fazendo um “desvio na cascata”, ofertando o fator VIIa recombinante (para ativar a cascata) ou um complexo protrombínico ativado, pulando as etapas dos fatores VIII e IX. Outra medicação que pode ser utilizada é desmopressina (DDAVP) na hemofilia A leve ou moderada. Depois da administração intravenosa desse fármaco, há aumento máximo após 30 a 60 minutos de 2 a 4 vezes do fator VIII do próprio paciente, por sua liberac ̧ão das células endoteliais. A DDAVP também pode ser administrada por via subcutânea ou nasal, e esta tem sido usada para o tratamento imediato da hemofilia leve depois de traumatismo acidental ou hemorragia. A DDAVP tem ac ̧ão antidiurética e deve ser evitada em idosos; é recomendada restric ̧ão de fluidos depois do seu uso. Também pode ser utilizado antifibrinolíticos em pré- procedimentos (é contraindicado se o paciente tiver hematúria). O paciente com hemofilia também deve evitar o uso de ácido acetilsalicílico e drogas antiplaquetárias, pois piora o seu quadro de sangramentos. Além do tratamento farmacológico, é importante uma educação preventiva, na tentativa de evitar que esse individuo tenha traumas ou outras situações que possam levar ao sangramento. Referências: TORTORA, Gerard J.; DERRICKSON, Bryan. Princípios de Anatomia e Fisiologia. Rio de Janeiro: Grupo GEN, cap.19, 2016. AMESON, J L.; FAUCI, Anthony S.; KASPER, Dennis L.; et al. Medicina interna de Harrison - 2 volumes. [Digite o Local da Editora]: Grupo A, cap. 112, 2019. HOFFBRAND, A V.; MOSS, P. A. H. Fundamentos em hematologia de Hoffbrand. São Paulo: Grupo A, cap. 26 2018. OLDMAN, Lee; SCHAFER, Andrew I. Goldman-Cecil Medicina. Rio de Janeiro: Grupo GEN, cap. 165, 2022. Lyzandra Linhares
Compartilhar