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Teresa Haguette - Metodologias qualitativas na sociologia-13-24 (1)

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L 
A interação simbólica 
1. Introdução 
A escola da interação simbólica se reporta em origem a clássicos 
da sociologia do fim do século XIX tais como Charles Horton Cooley 
(1864-1929), WI. Thomas (1863-1947) e George Herbert Mead (1863-
1931)6, embora o termo interacionismo simbólico tenha sido cunhado 
por Herbert Blumer em 19371. Os pontos comuns aos três envolvem as 
concepções da sociedade como um processo, do indivíduo e da sociedade 
como estreitamente inter-relacionados e do aspecto subjetivo do com-
portamento humano como uma parte necessária no processo de forma-
ção e manutenção dinâmica do self social e do grupo social (PSATHAS, 
1973: 5). Alguns de seus conceitos já se incorporaram à terminologia 
sociológica como a "introspecção simpatética" de Cooley, a "definição 
de situação"g de Thomas ou "o outro generalizado" de Mead. A obra de 
Mead, entretanto, foi aquela que mais contribuiu para a conceptualização 
da perspectiva interacionista. Por esta razão nos deteremos sobre ele para 
um melhor exame dos fundamentos desta escola. 
2. George Herbert Meod 
Mead não publicou uma obra completa e sistemática sobre sua 
teoria. Todos os seus quatro livros são póstumos e organizados por edito-
6. COOLEY, Charles H. Human Nature and the Social Order. Nova York: Schoken, 1964 
[originalmente publicado em 1902]. COOLEY, Charles H. "The Roots of Social Kno-
wledge". ln: The American Journal of Sociology, vol. 32 Oul. 1926), p. 59-79. COOLEY, 
Charles H. ''A Study ofthe Early Use ofSelf-Words by a Child". Psychological Review, vol. 
15 (nov. 1908), p. 339-357. THOMAS, William r. On Social Organization and Social Perso-
nality: Selected Papers. Chicago: University of Chicago Press, 1966 [com uma introdução 
de Morris]anowitz]. MEAD, George Herbert: nota sobre o autor, adiante. 
7. CE BLUMER, H. 1969: 1, nota de rodapé. 
8. Muito utilizada na literatura especializada é a frase de Thomas: "Se os homens definem 
situações como reais, elas são reais nas suas consequências". 
25 
res a partir de palestras, aulas, notas e manuscritos fragmentários. Seu 
sistema de psicologia social, entretanto, é apresentado de forma completa 
em Mind, Self and Society9, um dos mais importantes e influentes livros 
na área da interação simbólica, onde ~ autor explora não somente a 
complexa relação entre a sociedade e o indivíduo, como expõe a gênese 
do self, o desenvolvimento de símbolos significantes e o processo de 
comportamento da mente. Apesar de sua obra como um todo exibir 
uma orientação filosófica, ele preocupou-se em ilustrar suas proposições 
a partir de fatos da vida cotidiana. Mead, o arquiteto por excelência do 
interacionismo simbólico, ensinou na Universidade de Chicago no perío-
do de 1893 a 1931, quando faleceu. Ele próprio se referia à sua teoria 
em termos de "behaviorismo social"lo, entendendo por isto a descrição 
do comportamento do nível humano cujo dado principal é o ato social 
concebido não só como o comportamento "externo" observável, como 
também a atividade "encoberta" do ato. Neste sentido, sua teoria se opõe 
ao behaviorismo radical de John B. Watson, que reduz o comportamento 
humano aos mesmos mecanismos encontrados ao nível infra-humano e 
onde a dimensão social é vista como uma mera influência externa sobre 
o indivíduo. Enquanto Watson insiste no estudo estritamente científico 
do comportamento aparente, Mead permite uma instintiva investigação 
compreensiva de aspectos do comportamento, ausente na perspectiva 
de Watson. A lógica natural do pensamento de Mead parece indicar a 
precedência da sociedade sobre o self e, por último, a mente, invertendo, 
assim, a ordem do título de sua principal obra: Mind, Self and society 
(MELTZER, 1972: 5; TROYER, 1972: 321). 
9. As quatro obras publicadas são: Philosophy qf the Present (1932) que contém as palestras 
de Mead na Paul Carus Foundation, sobre filosofia da história dentro de uma perspectiva 
pragmática; Mind, Seif and Society. Chicago, U niversity of Chicago Press, 1934, que, apesar 
de ser a principal publicação de Mead, representa uma coleção de aulas ministradas no 
curso de psicologia social na Universidade de Chicago; Movements ofThought in the 19 th 
[entury. Chicago: University of Chicago Press, 1936, foram aulas proferidas sobre a his-
tória das ideias e, finalmente, Philosophy of the Act. Chicago: University of Chicago Press, 
1938, que representa afirmações sistemáticas, sobre a filosofia do pragmatismo (MELT-
ZER, 1972: 4). 
10. Behaviorismo social, distinto do behaviorismo radical de John B. Watson, fundador 
do behaviorismo em psicologia. 
26 
2.1. A sociedade 
De acordo com Mead, toda atividade grupal se baseia no compor-
tam~nto cooperativo. Embora algumas sociedades infra-humanas ajam 
conjuntamente, fazem-no levadas pelas características biológicas de seus 
membr~s. O comportamento cooperativo dos insetos, por exemplo, é 
determmado fisiologicamente sem que seus padrões de associação se al-
terem mesmo ao longo de inúmeras gerações, enquanto que a cooperação 
huma_na, com sua diversidade de padrões, atesta que os fatores fisiológi-
cos nao podem explicá-la. A associação humana surge somente quando: 
a) cada, ~tor in~ivi~ual percebe a intenção dos atos dos outros e, então, b) 
constrol sua propna resposta baseado naquela intenção. Isto significa que, 
par~ haver cooperação entre seres humanos, é necessário que alguns me-
camsmos estejam presentes de forma que cada ator individual: a) possa 
entender as linhas de ação dos outros e b) possa direcionar seu próprio 
comportamento a fim de acomodar-se àquelas linhas de ação. O compor-
tamento humano não é uma questão de resposta direta às atividades dos 
outros, mas envolve uma resposta às intenções dos outros, ou seja, ao fu-
turo e intencional comportamento dos outros, não somente às suas ações 
presentes (MELTZER, 1972: 6). Estas intenções são transmitidas através 
de ges.tos que se tornam simbólicos, isto é, passíveis de serem interpretados. 
A SOCIedade humana se funda, pois, na base do consenso, de sentidos 
compartilhados sob a forma de compreensões e expectativas comuns. 
Quando os gestos assumem um sentido comum, ou seja, quando eles 
adquirem um elemento linguístico, podem ser designados de "símbolos 
significantes". O componente significativo de um ato ll , que representa 
uma atividade mental, acontece através do role-taking: o indivíduo deve 
colocar-se na posição de outra pessoa, deve identificar-se com ela12. Para 
Mead a relação dos seres humanos entre si surge do desenvolvimento de 
sua habilidade de responder a seus próprios gestos. Esta habilidade permi-
te que diferentes seres humanos respondam da mesma forma ao mesmo 
11. Que Mead chama "meaning". 
12. Este proces -, so ocorre nao somente em termos da assunção do papel de uma pessoa 
espeCifica como d I d . o pape e um grupo, o que Mead chamageneralized other. Além do con-
ceito ~~ Taking the role qf the other Mead se refere à conversat;on qfi?estures ou "conversação de 
gestos , no mesmo sentido. 
27 
gesto, possibilitando a compartilhar de experiências, a incorporação entre 
si do comportamento. O comportamento é, pois, social e não meramente 
uma resposta aos outros. O ser humano responde a si mesmo da mesma 
forma que outras pessoas lhe respondem e, ao fazê-lo, imaginativamente 
compartilha a conduta dos outros (MELTZER, 1972: 8). De acordo com 
a interpretação de Blumer (1969: 82), são estas as características da análise 
de Mead, baseada na interação simbólical3 . Elas pressupõem: 
que a sociedade humana é feita de indivíduos que têm selves 
(isto é, que fazem indicações para si mesmos); que a ação 
individual é uma construção e não um dado, erigida pelo 
indivíduo através da percepção (noting) e interpretação das 
características das situações nas quais ele atua; que a ação 
grupal ou coletiva consiste do alinhamento de ações indivi-
duais trazidas pelas interpretações que os indivíduos alocamàs ações dos outros ou consideram em termos da ação de 
cada um (T. do A.). 
A sociedade humana deve ser vista como consistindo de 
pessoas em ação e a vida da sociedade deve ser vista como 
consistindo de suas ações. As unidades atuantes podem ser 
indivíduos separados, coletividades cujos membros agem 
conjuntamente com vistas a uma ação (quest) comum, ou 
organizações atuantes em benefício de uma constituência 
(constituency). Respectivos exemplos são compras individu-
ais em um mercado, um grupo que joga ou uma banda mis-
sionária, e uma cooperação de negócios ou uma associação 
profissional nacional. Não existe nenhuma atividade empi-
ricamente observável em uma sociedade humana que não 
surja de alguma unidade de ação (T. do A.). 
13. Ao fazer a explanação do pensamento de Mead, Blumer critica a sociologia convencio-
nal por acreditar que o comportamento das pessoas como membros de uma sociedade é 
uma expressão do jogo de forças societais sobre elas, como sistema social, estrutura social, 
cultura, costume, instituição, normas, valores, etc. Blumer alega que esta abordagem ignora 
que as ações sociais dos indivíduos numa sociedade são construídas por eles através de um 
processo de interpretação. 
28 
A ação comum, contudo, ocorre em relação a um lugar e a uma 
situação. Toda e qualquer unidade de ação - um indivíduo, uma família, 
uma escola, uma igreja, uma firma, um sindicato, um legislativo, assim 
por diante a ação em si - é feita à luz de uma situação específica. Logo, a 
ação é construída através da interpretação da situação, consistindo a vida 
grupal de unidades de ação desenvolvendo ações para enfrentar situações 
nas quais elas estão inseridas (BLUMER, 1969: 85)14. 
2.2. O self 
Ao afirmar que o ser humano possui um self, Mead quer enfatizar 
que, da mesma forma que o indivíduo age socialmente com relação a 
outras pessoas, ele interage socialmente consigo mesmo. Ele pode tornar-se 
o objeto de suas próprias ações. O self, assim como outros objetos, é for-
mado através das "definições" feitas por outros que servirão de referen-
ciai para que ele possa ver-se a si mesmol5 . Assim sendo, o ser humano 
pode tornar-se objeto de suas próprias ações dentro da sociedade que, de 
acordo com Mead, precede a existência do self. A sociedade representa, 
pois, o contexto dentro do qual o self surge e se desenvolve. Este desen-
volvimento tem início em um estágio de imitação por parte da criança, 
sem qualquer componente significativo. Em seguida ela passa a "assumir 
o papel de outros" em relação a si própria; exemplos destes papéis são a 
14. Paralelamente ao trabalho de Mead, Willian I. Thomas elaborava o conceito de "defi-
nição de situação": "preliminar a qualquer ato de comportamento autodeterminado existe 
sempre um estágio de exame e deliberação que nós podemos chamar de 'definição de 
situação'. Na verdade, não apenas os atos concretos são dependentes da definição de si-
tuação, mas gradualmente uma completa política de vida e a personalidade do próprio 
indivíduo seguem de uma série de tais definições". The Unadjusted Gir!. Boston: Little, 
Browand Company, 1931, p. 41. 
15. Este aspecto foi desenvolvido concomitantemente por Charles H. Cooley através do 
conceito "looking glass self": muna larga e interessante classe de casos a referência social 
~oma a forma de alguma imaginação definida de como o self de alguém - isto é, qualquer 
Ideia que ele se aproprie - aparece muna mente particular, e o tipo de autossentimento 
(self:feeling) que alguém sente é determinado pela atitude dirigida a isto, atribuída por esta 
outra mente. O self social deste tipo poderia ser chamado de vidro refletido ou "looking-
glass self" CE COOLEY C.H .. Looking-Glass SelE ln: MARIS J.G. & MELTZER B.N. 
(org.), 1972. De acordo com Manford H. Kuhn (1972), Cooley representa um dos inte-
lectuais que antecederam a "teoria do papel". 
29 
"mãe", a "professora", o "bandido", o "mocinho" etc. Quando a criança 
é capaz de fazer o jogo de diferentes papéis ela já constrói ~ ~ue Mead 
chama de generalized other ou papel coletivo, o que ele adqumU no ~ur­
so de sua associação com os outros e cujas expectativas ela internahzou 
(MELTZER, 1972: 10). Meltzer, ao interpretar o pensamento ~e ~ead, 
enfatiza que o self representa um processo social no interior do mdlVlduo 
envolvendo duas fases analíticas distintas: 
O "Eu" é a tendência impulsiva do indivíduo. Ele é o aspecto ini-
cial, espontâneo e desorganizado da experiência humana. Logo, 
ele representa as tendências não direcionais do indivíduo. 
O "Mim" representa o "outro" incorporado ao indivíduo. Logo, ele 
compreende o conjunto organizado de atitudes e definições, com-
preensões e expectativas - ou simplesmente sentidos - comuns ao 
grupo. Em qualquer situação o "Mim" compreende o outro gene-
ralizado e, raramente, um outro particular (não grifo do A). 
Todo ato começa na forma de um "Eu" e geralmente termina na 
forma de um "Mim". Porque o "Eu" representa a iniciação do 
ato antes dele cair sob o controle das definições e expectativas dos 
outros (Mim). O "Eu", pois, o dá propulsão, enquanto o "Mim" 
dá direção ao ato. O comportamento humano, então, pode ser 
visto como uma série perpétua de iniciações de atos pelo "Eu" 
e de ações retroativas sobre o ato (isto é, direcionarnento do ato) 
pelo "Mim". O ato é a resultante desta interação
l6 
(T. doA). 
A formação do self, assim como o ato humano, tem uma fun-
damentação social. Entretanto, nem o self nem o ato social são estáticos. 
Eles evoluem ou se modificam de acordo com as mudanças nos padrões 
e nos conteúdos das interações que o indivíduo experiencia, não só com 
os outros, como consigo mesmo. Por que o indivíduo poss~i um 
seif, é capaz de ter uma vida mental: ele pode fazer indicaç~s para SI pró-
pno _ o que constitui a própria mente. Por que ele pOSSUi uma mente, 
16. Meltzer (1972: 11, nota 3) discute a aparente semelhança existente entre os conceitos 
do "Eu" e do "Mim", de Mead, e aqueles do "ID", "EGO" e "Superego" de Freud. Ele 
afirma que, enquanto o Superego age de forma frustrante e repressiva sobre o "ID", o 
"MIM" proporciona a direção necessária e, muitas vezes, gratificante aos Impulsos desor-
denados do "EU". Outras comparações menores são elaboradas. 
30 
tem a possibilidade de dirigir e controlar seu comportamento, ao invés de 
tornar-se um agente passivo dos impulsos e estímulos. 
Neste sentido, Mead (1936: 389-390 citado por TROYER, 1972) 
afirma que o organismo social 
2.3. A mente17 
[ ... ] não é um protoplasma sensitivo que está simplesmente 
recebendo estes estímulos de fora e, então, respondendo a 
eles. Ele está primariamente procurando certos estímulos ... 
Qualquer coisa que estejamos fazendo determina o tipo de 
estímulo que desencadeará certas respostas que estão mera-
mente prontas para expressar-se, e é a atitude em termos de 
ação que nos determina que estímulo será (T. do A.). 
Mead considera indispensável o aparato fisiológico do organismo 
para o desenvolvimento da mente (sistema nervoso central e córtex). É 
através dele que a gênese das mentes e dos selves se torna biologicamente 
possível em indivíduos humanos através dos processos sociais de experiên-
cia e comportamentos, dentro de uma matriz de relações sociais e intera-
ções. O cérebro é necessário para a emergência da mente, mas ele sozinho 
não faz a mente. É a sociedade-interação social que, usando os cérebros, 
forma a mente. O comportamento humano inteligente é "essencialmente 
e fundamentalmente social" (TROYER, 1972: 324 - T. do A.). 
Como um self pode surgir somente em uma sociedade onde 
haja comunicação, da mesma forma a mente só pode emer-
gir em um self ou personalidade dentro da qual esta conver-
sação de atitudes ou participação social toma lugar. É esta 
conversação, esta interação simbólica, interposta como uma 
parte integral do ato, que constitui a mente (MEAD, 1936: 
384-385, citado por TROYER, 1972:324 - T. do A.). 
A mente é concebida por Mead como um processo que se mani-
festa sempre que o indivíduo interage consigo próprio usando símbolos 
significantes. Esta significância ou sentido é também social em origem, 
17. Por considerarmos os aspectos propriamente fisiológicos da mente fora dos propósitos 
da presente discussão, não nos referiremos a eles. Remetemos, entretanto, o leitor a Mead 
(1936). 
31 
conforme já referimos anteriormente. Da mesma forma a mente é social 
tanto em sua origem como em sua função, pois ela surge do processo 
social de comunicação. Dentro deste processo, o organismo seleciona 
aqueles estímulos que são relevantes para suas necessidades, rejeitando 
outros que considera irrelevantes. Todo comportamento implica em uma 
percepção seletiva de situações. A percepção não pode, assim, ser conce-
bida como uma mera impressão de alguma coisa do exterior no sistema 
do indivíduo. 
Por outro lado, o ser animal vive em um mundo de "objetos" 
que constituem seu ambiente circundante. Entretanto, o ser humano, 
diferentemente do animal irracional, é capaz de "formar" seus próprios 
"objetos", ou seja, através de sua atividade ele estabelece seu ambiente e 
os objetos sociais que dele fazem parte. O "objeto" é destacado pela men-
te através da percepção, possibilitando ao indivíduo planejar suas ações. 
A atividade mental necessariamente envolve sentidos que são atribuídos 
aos objetos, definindo-os. "O sentido de um objeto ou evento é simples-
mente uma imagem do padrão de ação que define o objeto ou o evento" 
(MELTZER, 1972: 18). 
Finalmente, depois da apresentação sumária e, certamente, sim-
plificada do pensamento de George Herbert Mead, pretendemos ter 
mostrado a vinculação e a unidade orgânica existentes entre os principais 
conceitos do autor, tais como a interação simbólica, a assunção de papéis, 
o sentido, o self e a mente que caracterizam o ato humano. 
2.4. Considerações críticas 
A obra de Mead, embora original e coerente, apresenta algumas 
deficiências e incompletudes, fruto da forma como o autor elaborou seu 
pensamento e da não intencionalidade de publicação de seus escritos na 
época. Conforme já referido anteriormente, eles representavam, na sua 
maioria, apontamentos fragmentários e esquemas das aulas ou palestras 
que ministrava e que foram selecionadas e editadas postumamente sem 
muita preocupação quanto à organização, justificando-se, assim, as repe-
tições e as ideias mal-acabadas ou vagas. Meltzer (1972: 18-21) empre-
ende uma avaliação crítica detalhada, dentro da perspectiva da psicologia 
social, do pensamento de Mead, especialmente no que diz respeito à falta 
32 
.. 
de clareza e à ambiguidade de certos conceitos relacionados com a natureza 
dos "impulsos"; falta de consistência no uso dos conceitos de "sentido" 
e "mente"; ambiguidade nos conceitos de "Eu" e "Mim", assim como de 
self, simplificação no uso do conceito de "outro generalizado"18. " ,ouso lm-
preciso dos conceitos de "obieto" e "imagem" e finalment b"" "J , , e, a am 19u1-
dade no uso dos conceitos de "atitude", "gesto" e "símbolo" ao tratar do 
comportamento infra-humano. Outra parte da crítica de Meltzer se dirige 
às omissões da teoria de Mead: falta de poder explicativo por negligenciar 
" A" d d o porque a con uta e restringir-se ao "como"; sua missão quanto ao 
papel dos elementos efetivos no surgimento do self e da interação sociaP9: 
omissão, também, quanto à natureza (ou até eXl"steAncl"a) d" " o mconSCiente 
ou subconsciente e dos mecanismos de ajustamento. Finalmente, Meltzer 
chama a atenção para a ausência de uma proposta metodológica na obra 
de Mead - o que será retomado por Blumer e discutido mais adiante - e 
da falta de evidência sistemática para seus posicionamentos. 
Quanto às contribuições, Meltzer (1969: 21-22) relaciona a in-
flu~ncia de Mead na sociologia sobre Cooley, Thomas, Park, Burgess, E. 
Fans e Blumer, além de outros na área da psicologia sociapo; sua ênfase 
nos aspectos encobertos, subjetivos do comportamento; sua crença de 
~ue o comportamento humano é comportamento em termos do que as 
slt~ações simbolizam e de que a mente e o self são sociais ao invés de bio-
logt.camente dados; a importância que ele aloca à linguagem como me-
camsmo ~e emergência da mente e do self; sua definição de self como um 
agente atlvo; sua concepção de "ato" enfatizando a tendência dos indiví-
duos de construir seu comportamento no curso da atividade e descobrir 
~s ~bjetos e seu ambiente circundante; sua discussão da maneira como os 
md~víduos constroem seu mundo comum; e, finalmente, a forma como 
e.le dumina o caráter da interação social, concebendo-a como o compar-
tdhar de comp t " 'd A I , or amentos, ao mves e ve- os como resposta passiva a um 
estímulo externo. 
18. Limitação re d" d h" 
co 
"d me la a, 0Je, pelos trabalhos sobre "grupo de referência" que criaram o 
ncelto e "out ""fi " do" (MET'T' ros Slgnl !Cantes , aclarando a concepção de Mead de "outro generaliza-
LIZER, 1969: 20)" 
19. Problema superado por Cooley" 
20 L" d " 
~14;'h; ~n~'~1 T. No::omb, W con~~~JM 
"T-lCH /U13(; 
I 
I 
I 
, I 
Muitas das críticas, acima referidas brevemente, têm como re-
ferencial a psicologia social, perdendo, pois, seu impacto dentro de uma 
avaliação propriamente sociológica. Desta forma, não podemos perder de 
vista que os insights de Mead foram de uma importância fu~damen~l. :~ra 
o desmembramento do interacionismo simbólico em teonas SubsIdIanas 
tais como, entre outras21 , o dramaturgismo de Goffman e a etnometodologia 
de Harold Garfinkel que discutiremos mais adiante. 
2.5. A natureza da interação simbólica 
Apesar da relevância dos estudos clássicos acima referidos, além 
de outros, eles não exibem uma sistemática capaz de representar com 
clareza os pressupostos básicos da abordagem interacionista. Coube.a 
Herbert Blumer fazê-lo através de seus escritos iniciados em 1937, CUJa 
maioria está reproduzida em sua mais importante publicação, Symbolic 
Interactionism, Perspective and Method (New Jersey: Prentice-Hall, Inc. / 
Englewood Cliffs, 1969). . 
Blumer apresenta e discute os mais importantes aspectos da m-
teração simbólica tentando ser fiel ao pensamento de Mead, abordando 
sobretudo a natureza da interação simbólica, a natureza da sociedade e da 
vida em grupo, a natureza dos objetos, da ação humana e a ação conjun~a. 
Vejamos seus pontos básicos. De acordo com este autor, são três premIS-
sas básicas do interacionismo simbólico: 
1. O ser humano age com relação às coisas na base dos sentidos que elas 
têm para ele. Estas coisas incluem todos os objetos nsicos, outros seres 
humanos, categorias de seres humanos (amigos ou inimigos), institui-
ções, ideias valorizadas (honestidade), atividades dos outros e outras situ-
ações que o indivíduo encontra na sua vida cotidiana. 
2. O sentido destas coisas é derivado, ou surge, da interação social que 
alguém estabelece com seus companheiros. 
3. Estes sentidos são manipulados e modificados através de um processo inter-
pretativo usado pela pessoa ao tratar as coisas que ela encontra (grifo do A). 
Ao contrário das posturas encontradas em muitas abordagens das 
ciências psicológicas, o interacionismo simbólico aloca uma importância 
21. Outras vertentes do interacionismo simbólico podem ser identificadas nos trabalhO'> 
sobre "teoria do papel", "grupos de referência" e "teoria do self"· 
34 
fundamental ao sentido que as coisas têm para o comportamento humano. 
Ignorar isto sigrtifica "falsificar o comportamento em estudo" (BLUMER, 
1969: 3). Por outro lado, o interacionismo simbólico também se diferen-
cia de outras abordagens quando concebe o sentido como emergindo do 
processo de interação entre as pessoas, ao invés de percebê-lo seja como 
algo intrínseco ao ser, seja como uma expressão dos elementos consti-
tuintes da psique, da mente, ou de organização psicológica. 
A utilização de sentidos, entretanto, envolveum processo inter-
pretativo que acontece em duas etapas. Primeiramente o ato r indica a 
si mesmo as coisas em direção das quais ele está agindo; ele aponta a si 
mesmo as coisas que têm sentido. Isto representa um processo social in-
ternalizado no qual o ato r interage consigo mesmo de uma maneira bem 
diversa daquela na qual interagem os elementos psicológicos - represen-
tando a instância da pessoa engajada em um processo de comunicação 
consigo mesma. Em seguida, em virtude deste processo, a interpreta-
ção passa a significar a forma de manipulação de sentidos, ou seja, o ator 
seleciona, checa, suspende, reagrupa e transforma os sentidos à luz da 
situação na qual ele está colocado e da direção de sua ação. A interpreta-
ção é, pois, um processo formativo, e não uma aplicação sistemática de 
sentidos já estabelecidos. 
Ao fundar-se nestas premissas, a interação simbólica é levada ne-
cessariamente a desenvolver um esquema analítico da sociedade humana 
e da conduta humana que envolve certas ideias básicas22 relacionadas com 
a natureza das seguintes matérias: grupos humanos ou sociedades, inte-
ração social, objetos, o ser humano como ato r, a ação humana e as inter-
conexões entre as linhas de ação. Em uma visão de conjunto estas ideias 
representam a forma como o interacionismo simbólico vê a sociedade 
humana e a conduta. 
A sociedade humana ou a vida humana em grupo é vista como 
consistindo de pessoas que interagem, ou seja, pessoas em ação que de-
senvolvem atividades diferenciadas que as colocam em diferentes situa-
ções. O princípio fundamental é que os grupos humanos, assim como a 
sociedade, "existem em ação" e devem ser vistos em termos de ação. É 
22 Ou . . root Images, como prefere Blumer (1969: 6). 
35 
através deste processo de constante atividade que estruturas e orgamza-
ções são estabelecidas. Logo, a vida do grupo necessariamente pressup.õe 
a interação entre os membros do grupo ou, em outros termos, a SOCle-
dade consiste de indivíduos interagindo uns com os outros, e cujas ativi-
dades ocorrem predominantemente em resposta de um a outro, ou em 
relação de um a outro. Torna-se, pois, evidente que a interação não pode 
ser tratada _ embora admitida - meramente como um meio através do 
qual as determinações do comportamento passam a produzir o próprio 
comportament023 . 
Tomando um outro aspecto do pensamento de Mead, Blumer 
discute a necessidade das partes interagentes "assumirem o papel do ou-
tro", a fim de que as indicações dirigidas à(s) outra(s) parte(s) sejam feitas 
a partir do ponto de vista desta outra parte, de modo que sua intenção seja 
percebida. A mútua assunção de papéis é uma condição sine qua non da 
comunicação e da interação efetiva de símbolos. Quando uma pessoa faz 
indicações a outra, ela o faz indicando objetos significativos para ela, que 
fazem parte de seu "mundo". Um objeto é visto, então, como qualquer 
coisa que pode ser indicada ou referida. 
O sentido dos objetos para uma pessoa surge fundamentalmente 
da maneira como eles lhe são definidos por outras pessoas que com ela 
interagem, consistindo o meio circundante de qualquer pessoa, unicamen-
te dos objetos que esta pessoa reconhece. Assim, para que se compreenda 
a ação das pessoas, é necessário que se identifique seu mundo de objetos. 
Os objetos _ em termos de seus sentidos - são criações sociais, ou seja, são 
formados a partir do processo de definição e interpretação através da 
interação humana. A vida de um grupo humano dentro da perspecti-
va interacionista representa um vasto processo de formação, sustentação 
e transformação de objetos, na medida em que seus sentidos se modifi-
cam, modificando o mundo das pessoas. 
Para ser capaz de interagir, o ser humano deve possuir um self. Ele 
representa um organismo que não somente responde aos outros como 
23. Blumer (1969: 7) critica certas perspectivas psicológicas e sociológicas que ignoram 
que a interação não pode ser concebida como interação de elementos psicológicos ou 
societais, tais como: a interação entre atitudes, a interação de papéis sociais ou de compo-
nentes do sistema social. Ele enfatiza que a interação social representa uma interação entre 
atores e não entre fatores que sobre eles atuam. 
36 
a si mesmo, ou seja, o ser humano pode ser um objeto de suas próprias 
ações. Como outros objetos, o self surge do processo de interação social 
no qual outras pessoas estão definindo alguém para si mesmo. A fim de 
tornar-se um objeto para si mesma a pessoa deve ver-se a si mesma "de fo-
ra", ou seja, colocando-se no lugar ou no papel dos outros e vendo a si 
própria ou agindo para si mesma daquela posição. Consequentemente, 
nós vemos a nós mesmos através da forma como os outros nos veem 
ou nos definem. 
O ser humano difere do animal porque ele é capaz de fazer "in-
dicações" para si mesmo. Isto significa que, ao confrontar o mundo de 
objetos que o rodeia, ele deve "interpretá-lo" a fim de agir, construindo 
um "guia de ação" à luz desta interpretação e não somente "responder" aos 
fatores que sobre ele atuam. A ação da parte do ser humano "consiste em 
tomar em consideração as várias coisas que ele nota, construindo uma li-
nha de conduta na base de como ele as interpreta" (BLUMER, 1969: 15). 
A perspectiva interacionista, pois, está em completo desacordo 
com certas visões dominantes, tanto na psicologia como nas ciências so-
ciais que ignoram o processo de autointeração, através do qual o indi-
víduo manipula o seu mundo e constrói sua ação. Ao contrário, estas 
visões concebem a ação como originando-se de ou combinando-se com 
(motivos, atitudes, complexos inconscientes, configuração de estímulos, 
demandas de status ou de situação, etc.). Sumariando o processo de for-
mação da ação, Blumer (1969: 16) enfatiza: 
Nós devemos reconhecer que as atividades dos seres hu-
manos consistem no enfrentamento de uma sequência 
de situações nas quais eles devem agir, e que suas ações são 
construídas à base do que eles notam, de como eles avaliam 
e interpretam o que eles notam, e do tipo de linhas de ação 
projetadas que eles mapeiam. 
As normas de ação humana se aplicam tanto para a ação indivi-
dual como para a ação coletiva e, neste ponto, Blumer discute um último 
~pecto do processo de interação simbólica, que se refere à "ação con-
Junta" (j .. . omt actton) ou coletlva. Da mesma forma que a ação individual, 
a ação conjunta pode se constituir em objeto de estudo, não perdendo o 
caráter de ser construída através de um processo interpretativo, quando 
37 
a coletividade enfrenta situações nas quais é chamada a agir. A ação con-
junta, apesar de ser composta da atividade de diferentes linhas de ação 
dos indivíduos componentes, tem um caráter sui generis, isto é, um caráter 
que torna a articulação ou a vinculação das ações individuais diferente do 
somatório destas ações24 • É assim que se pode falar de casamento, de tran-
sações comerciais, de família, de universidade ou de nação. Apesar de seu 
caráter distintivo, a ação conjunta tem sempre que operar através de um 
processo de "formação", ou seja, embora certas ações conjuntas aparen-
temente exibam formas estabelecidas e repetitivas de ação, cada uma de 
suas instâncias deve ser formada novamente. Estas formas decorrentes 
de ação permitem ao indivíduo partilhar sentidos comuns e preestabele-
cidos sobre as expectativas de ação dos participantes e, consequentemen-
te, cada participante é capaz de guiar seu próprio comportamento à luz 
destes sentidos. 
Aqui, Blumer novamente critica as visões dominantes na litera-
tura de ciências sociais que entendem estas formas repetitivas da ação 
conjunta como a essência ou a forma natural da vida humana em grupo. 
Elas acreditam que a sociedade humana existe sob a forma de uma ordem 
estabelecida de vida através da aderência a um conjunto de regras, nor-
mas, valores e sanções que especificam como os indivíduos devem agir 
emsituações específicas. Exemplos disto são os conceitos de "cultura" e 
de "ordem social". O fato é que, por detrás da fachada da ação conjunta 
percebida objetivamente, o conjunto de sentidos que sustém esta ação 
conjunta tem sua vida própria. Não é verdade que são as regras que criam e 
sustentam a vida em grupo, mas, ao contrário, é o processo social de vida grupal que 
cria e mantém as regras. 
As instituições, por exemplo, representam uma rede que não fun-
ciona automaticamente por causa de certa dinâmica interna ou sistema de 
requerimentos; funciona porque as pessoas, em momentos diferentes, fa-
zem alguma coisa, como um resultado da forma como definem a situação 
na qual são chamadas a agir. Por outro lado, a ação conjunta necessaria-
mente surge e se configura a partir das ações prévias de seus participantes 
24. Percebe-se aqui a semelhança entre a perspectiva interacionista com relação à "ação 
conjunta" e os conceitos de "multidão" de Mannhein e de "consciência coletiva" de 
Durkheim, no sentido de considerar seu caráter sui generis. 
38 
que sempre se utilizam de seu "mundo de objetos", de seu "conjunto de 
sen~idos" e d.e seus "esquemas de interpretação" que já possuem. A ação 
conjunta, pOlS, representa não somente um "vínculo horizontal" com as 
atividades dos participantes, como um "vínculo vertical" com suas ações 
conjuntas prévias. 
2.6. Princípios metodológicos do interacionismo simbólico 
Apesar de basear-se sobretudo em Mead na formulação e explici-
tação dos princípios da interação simbólica, Blumer chama a atenção para 
o fato de que um posicionamento metodológico definido está ausente 
nos escritos daqueles que representam a tradição intelectual do interacio-
nismo simbólico, tais como Mead, Dewey, Thomas, Park,James, Cooley, 
Znaniecki, Baldwin, Redfield e With. Assumindo inteira responsabilida-
de ele se propõe a identificar os princípios norteadores da metodologia no 
caso da ciência empírica e a tratar especificamente com a postura metodo-
lógica do interacionismo simbólico. 
Sua perspectiva, ao invés de filosófica, pretende-se empírica, ou 
seja, designada a prover um conhecimento verificável sobre a vida humana 
em grupo e sobre a conduta humana. Consequentemente, algumas exi-
gências devem ser preenchidas. O primeiro pressuposto básico, que, na 
verdade, representa uma redundância, é que uma ciência empírica pres-
supõe a existência de um mundo empírico disponível para observação, 
estudo e análise. Este mundo empírico deve representar sempre o ponto 
central de preocupação do pesquisador, o ponto de partida e o ponto de 
chegada da ciência empírica. A "realidade", para a ciência empírica, existe 
somente no mundo empírico e somente lá pode ser procurada e veri-
ficada. Entretanto, é necessário que não se confunda esta posição com 
outras de corte positivista. Ao contrário delas, esta postura se aproxima e 
aceita um dos postulados idealistas de que "o mundo da realidade" existe 
somente na experiência humana e que ele aparece somente sob a forma 
de como os seres humanos "veem" este mundo. A ciência empírica tem 
por fim captar imagens do mundo empírico sob estudo e testá-las através 
do escrutínio acurado do próprio mundo empírico. Assim sendo, a meto-
dologia se refere aos princípios que estão subjacentes e que direcionam o 
processo global de estudo do caráter persistente de determinado mundo 
empírico. Esta concepção de metodologia implica em tr~s i~portant~s 
pontos: 1) a metodologia compreende a inteira busca cIentIfica e nao 
apenas alguns aspectos selecionados desta busca; 2) cada par~e da busca 
científica, assim como o ato científico completo em si, deve ajustar-se ao 
caráter persistente do mundo empírico sob estudo; logo, os métodos de 
estudo estão subservientes a este mundo e devem ser testados por ele; 3) 
o mundo empírico sob estudo, e não os modelos da investigação cientí-
fica, provê a última e decisiva resposta a este teste (BL~MER., 196~: 24). 
Percebe-se que esta concepção de metodologIa se dIstancIa da-
quelas comumente usadas pelas escolas quantitat~vis.tas para quem a me-
todologia se resume na discussão de métodos e tecmcas. . . 
Blumer (1969: 24-26) identifica os 6 pontos maIS Importantes 
da investigação científica que são indispensáveis à ciência empírica e que 
merecem ser conhecidas na sua inteireza: 
a) A possessão e o uso de uma visão prévia ou esquema do mundo e~­
pírico sob estudo. Representa um pré-requisito inevitável,já que é est~ vtsa.o 
que orientará a formulaião de problemas, a escolha dos tipos de dados, e a tdentl-
ficaião das premissas que caracterizam o mundo em estudo. _ 
b) A elaboração de questões do mundo empírico e a conversao das 
questões em problemas. Este é o passo que caracteriza propriamente o ato da 
investigaião , pois são os tipos de questões e os tipos de problemas colocados que 
nortearão o desenrolar da pesquisa. 
c) A determinação dos dados a serem coletados e os meios que serão 
utilizados para fazê-los. É óbvio que é o problema que diftne o tipo de dados 
a serem coletados, e que os meios usados dependem da natureza dos dados. 
d) A determinação das relações entre os dados. Pode-se chegar a isto seja 
através de um processo de niflexão acurada sobre as conexões existentes entre os 
vários tipos de dados, seja através de procedimentos estatísticos mecânicos como a 
análise de fator ou um esquema de correlaião. 
e) A interpretação dos resultados. É nesta fase final que o pesquisador ex-
trapola o âmbito dos resultados empíricos propriamente ditos e se debruia sobre 
o riferencial teórico ou sobre concepções que transcendem o âmbito de um estudo. 
atentando para o fato de que se o riferencial teórico for falso ou não comprovado. 
suas interpretações também o serão. 
f) O uso de conceitos. Os conceitos são fundamentais para o ato de investigação 
e devem ser diftnidos a partir da colocação dos problemas. São eles que guiarão 
40 
&1 
a busca de dados, a tentativa de relacioná-los, assim como a interpretaião dos 
resultados. 
Com referência ao segundo aspecto de sua concepção de meto-
dologia - de que cada parte da busca científica, assim como do ato cien-
tífico como um todo, deve moldar-se ao caráter persistente do mundo 
empírico sob estudo e de que, consequentemente, os métodos de estu-
do devem submeter-se a este mundo devendo também ser testados por 
ele -, Blumer critica a metodologia convencional por utilizar meios de 
estabelecer a validade empírica de certos estudos através de esquemas 
inadequados para captar o caráter específico do objeto de estudo. Estes 
meios seriam: a) a aceitação do protocolo científico; b) o desenvolvimen-
to de estudos baseados em réplicas; c) a crença no teste de hipóteses; d) 
o emprego de procedimentos operacionais. A utilização deste processo, 
diz ele, não oferece qualquer segurança de que as premissas, os dados, as 
relações, os conceitos e as interpretações sejam empiricamente válidos. 
Estes procedimentos mostram, a priori, que as premissas estabelecidas so-
bre a natureza do mundo empírico realmente o refletem, sem que um 
exame acurado destas premissas seja empreendido. A tarefa do estudo 
científico, ao contrário, deveria se limitar a "levantar o véu" que cobre a 
área ou a vida do grupo que alguém se propõe a estudar. Isto só pode ser 
efetuado mediante uma aproximação com a área e de uma "escavação" 
profunda através de um estudo cuidadoso. Esquemas metodológicos, que 
encorajam ou permitem aquele tipo de procedimento, traem o princípio 
cardeal de respeito à natureza do mundo empírico. 
Blumer (1969: 40) tenta fundamentar sua opinião perguntando: 
Como pode alguém aproximar-se da área e escavá-la? Isto 
não é uma questão simples de aproximar-se de determinada 
área e olhar para ela. É um trabalho exaustivo que requer 
uma ordem elevada de (probing) tentativa cuidadosa e ho-
nesta, imaginação criativa e disciplinada, recursos e flexi-
bilidade no estudo, umaponderação dos resultados e uma 
constante disposição para testar e reorganizar as visões e 
imagens da área. 
Este processo não é específico das ciências sociais, mas também 
das ciências naturais, como atestam os trabalhos de Darwin. Suas partes 
fundamentais são a "exploração" e a "inspeção" que distinguem clara-
mente as formas de investigação naturalista do mundo, daquelas caracte-
rísticas das metodologias em voga. A explora~ão, diz Blumer, é, por defini-
ção, um procedimento flexível, no qual o estudioso passa de uma à outra 
forma de investigação, adota novos pontos de observação, à proporção 
que seu estudo progride, toma novos direcionamentos previamente não 
pensados e muda seu reconhecimento do tipo de dados mais relevantes 
quando ele adquire mais informação e melhor compreensão. Já a inspe~ão 
representa um exame mais intensivo e focal do conteúdo empírico de 
todos os elementos analíticos usados para fins de análise, assim como o 
mesmo tipo de exame da natureza empírica das relações entre estes ele-
mentos. A exploração e a inspeção representam, pois, os elementos car-
deais da investiga~ão naturalista do mundo, ou seja, a investigação dirigida 
para o mundo empírico tal qual ele se apresenta, ao invés de simulações 
ou abstrações ou, ainda, substituições através de imagens preconcebidas. 
O interacionismo simbólico, cujos fundamentos metodológicos 
foram discutidos acima, vale a pena insistir, é uma abordagem "terra a 
terra" do estudo científico da vida humana em grupo e da conduta hu-
mana. Mas como é possível entendê-los? Vários são os procedimentos 
que têm sido utilizados para fazê-lo e que consideram de uma forma ou 
de outra os dois processos de exploração e inspeção, como a observação 
direta, o trabalho de campo, a observação participante, o estudo de caso, a 
entrevista, o uso da história de vida, o uso de cartas e diários assim como 
de documentos públicos, painés de discussão e conversas. Blumer, em-
bora reconheça a realidade destes procedimentos, está mais preocupado 
em ressaltar as implicações metodológicas da visão interacionista sobre 
o grupo humano e a ação social que ele sumariza em quatro concepções 
&2 
centrais: 
1) as pessoas, individual ou coletivamente, estão preparadas 
para agir à base dos sentidos dos objetos que compreendem 
seu mundo; 2) a associação das pessoas se dá, necessaria-
mente, sob a forma de processo no qual elas estão fazendo 
indicações uma à outra e interpretando as indicações uma 
da outra; 3) os atos sociais, não importa se individuais ou 
coletivos, são construídos através de um processo no qual 
42 
os atores notam, interpretam e avaliam as situações que eles 
confrontam; e 4) a intervinculação complexa dos atas que 
compreendem organizações, instituições, divisão de traba-
lho e redes de interdependência são questões moventes e 
não estáticas (1969: 50). 
Finalmente, podemos dizer, com Blumer, que o interacionismo 
simbólico luta pelo respeito à natureza do mundo empírico e pela organi-
zação de procedimentos metodológicos que reflitam este respeito. 
2.7. Variações na orientaçõo interacíonista2S 
Embora tenhamos apresentado de forma mais extensiva a pers-
pectiva de Blumer, devemos esclarecer que os deslocamentos tomados 
pelos seguidores dos clássicos - Cooley, Mead, Thomas - levaram o sur-
gimento de duas orientações diferentes: a Escola de Chicago e a Escola 
de Iowa. A primeira tem em H. Blumer seu mais renomado expoente, 
enquanto que a segunda segue a orientação de Manford Kuhn, falecido 
em 1963. Ambos, entretanto, aceitam os principais postulados do intera-
cionismo simbólico discordando, especialmente, com relação aos pontos 
que passamos a discutir brevemente. 
A divergência fundamental entre as duas escolas é, provavelmen-
te, no campo metodológico. Enquanto Blumer insiste na necessidade de uma 
metodologia distinta no estudo do homem, conforme vimos anterior-
~ent,e, Kuhn enfatiza a comunalidade do método em todas as disciplinas 
CIentificas. Trata-se, aqui, da interminável e não acabada oposição entre os 
pontos de vista humanístico e científico. Blumer procura tornar a socie-
dade moderna inteligível, enquanto Kuhn busca as previsões universais 
da conduta humana através da tentativa de operacionalização das ideias 
centrais do interacionismo simbólico. Um exemplo disto é sua técnica 
~ captação das auto atitudes (selfattitudes), o teste TST26, ou o "Teste das 
vmte afirmações". Kuhn acredita na possibilidade de transformar os 
conceitos intera I· • t . , . _ c oms as em vanavels empregadas para testar proposi-
çoes empíricas J' BI J:. b· - . . a umer laz o ~eçao a este tipO de operacionalização por 
25 Este t'· , b . OpICO e aseado em Meltzer e Petras (1972: 43-57). 
26. Twenty Statement Test - d --, o mais usa o teste para IdentIficar e mensurar as autoatitudes_ 
43 
acreditar que a realidade social não pode ser percebida através de "con-
ceitos definitivos", mas sim através de "conceitos sensibilizantes" que são 
mais capazes de expressar o caráter processual da realidade. 
Nos dizeres de Meltzer e Petras (1972: 49): 
Enquanto a imagem de Blumer sobre o homem levou-o a 
uma metodologia particular, as predileções metodológicas 
de Kuhn levaram-no a uma imagem particular do homem. 
Estas diferentes perspectivas nos encaminham para a segunda 
diferença entre as duas escolas. Trata-se da questão sobre a natureza do 
comportamento humano em termos de liberdade ou determinação, ou, 
em outras palavras, sobre a questão: é o comportamento humano de-
terminado ou indeterminado? Obviamente, a compreensão de Blumer 
a respeito do caráter processual da interação leva-o a conceber este com-
portamento como imprevisível e indeterminado. Em contraste, a Escola 
de Iowa rejeita não só o indeterminismo da conduta humana como a 
explicação da inovação social baseada nos elementos emergentes e criati-
vos da ação humana. Consequentemente, o comportamento é visto como 
determinado pelas definições do autor, inclusive suas autodefinições que, 
por sua vez, podem ser previstas na base das expectativas internalizadas. 
A terceira divergência diz respeito ao aspecto mais amplo da con-
cepção do self e a da sociedade, como processo ou como estrutura. Aqui 
também é evidente a predileção de Blumer pela concepção dinâmica tan-
to do self como da sociedade, enquanto que, para Kuhn, os dois represen-
tam estruturas cujos padrões são estáveis e previsíveis. 
Finalmente, Blumer e Kuhn diferem quanto aos níveis da intera-
ção humana. Blumer, fiel a Mead, admite a existência da interação simbó-
lica, característica dos humanos e da interação não simbólica, ou "conversa-
ção de gestos", de caráter essencialmente baseado em estímulo-resposta, 
característica tanto dos infra-humanos como dos humanos. A Escola de 
Iowa ignora este último tipo de interação, tratando apenas dos aspectos 
cognitivos e não afetivos do comportamento humano. 
Reconhecendo a magnitude destas divergências, Kuhn decide dar 
um outro nome à sua orientação, no sentido de distingui-lo do interacio-
nismo simbólico, passando a chamá-lo de "teoria do self"· Ao analisar as 
principais tendências do interacionismo simbólico, Kuhn (1972: 57-76) 
esclarece: 
44 
Até o momento, tratamos das subteorias que exibem limi-
tes muito ambíguos. O mesmo é certamente verdadeiro 
sobre a teoria do selJ com a qual tenho identificado minhas 
próprias pesquisas. Era minha intenção em 1946 ou 1947 
empregar um termo que não divergisse muito de um ponto 
de vista emergente das ideias mais ou menos ortodoxas da 
interação simbólica e pudesse, por outro lado, possibilitar 
uma distinção entre um corpo de orientação conjectural e 
dedutivo como representado por Cooley, Dewey e Mead - e 
um conjunto de generalizações derivado, mas em desen-
volvimento, testado pela pesquisa empírica. Achei, mais ou 
menos na mesma época, que Carl Rogers havia denomina-
do suas noções na clássica psicológica comoteoria do selJ 
tratando as várias discrepâncias entre o selJ real ou percebido 
e o selJideal. Desde então, o termo tem sido usado de forma 
variada, muitas vezes como nome guarda-chuva, para co-
brir várias ou todas as subteorias consideradas aqui. 
O trabalho empreendido pelos estudiosos da interação sim-
bólica na Universidade Estadual de Iowa seguiu em muitos 
aspectos as proposições programáticas do sumário monográ-
fico em psicologia social dos anos 30 por Leonard CottreU 
e Ruth GaUaglier e do discurso presidencial de CottreU na 
Sociedade Americana de Sociologia; isto é, tem havido uma 
atenção considerável com relação ao "selJ em si", e ao "role 
taking" (tomar o papel do outro) (p. 65-66). 
No mesmo artigo, Kuhn critica o modelo dramatúrgico de 
Goffman por não permitir "generalizações testáveis" (p. 67). 
Pelo exposto até o presente, é evidente a existência de uma zona 
de interação significativa entre os trabalhos desenvolvidos sob a ótica da 
psicologia social e aquela do interacionismo simbólico, especialmente 
aquelas que tratam da formação do self, dos papéis sociais, da linguagem 
e, até certo ponto, dos grupos de referência. Percebe-se assim a fluidez e 
a artificialidade dos limites entre certas disciplinas ou áreas de conheci-
mento, ao mesmo tempo em que se é chamado a refletir sobre a neces-
sidade de evitar certos chavões na sociologia como "psicologismo" ou 
, ! 
1.\ . , 
I 
"reducionismo psicológico" ao se tratar do comportamento humano ou 
ação social que não pode prescindir do aparato psicológico do ser huma-
no e, como tal, deve ser levado em consideração. 
46 
2. 
A etnometodología 
1. origem e objeto 
O termo etnometodologia foi cunhado por Harold Garfinkel 
na década de quarenta quando empreendia um estudo sobre ')urados" na 
Universidade de Chicago. Durante dois anos ele e Saul Mendlowitz 
examinaram o material coletado sobre "o que os jurados sabiam sobre o 
que eles estavam fazendo quando executavam seu trabalho de jurados" 
(GARFINKEL, 1974: 16). A forma como estes descreviam suas ativida-
eles levava a crer que eles as definiam não em termos de "senso comum", 
tampouco, em termos de "ciência", mas como algo ambíguo entre os 
dois. Eles se preocupavam com a descrição "adequada" e em prover evi-
dência "adequada" para suas decisões; queriam desenvolver um trabalho 
honesto, desejavam agir dentro da lei, serem legais; por outro lado, ti-
nham dificuldade de definir o que significa "ser legal". É certo que eles se 
submetiam a uma metodologia peculiar que dificilmente se enquadrava 
nos parâmetros definidos para a ciência convencional. 
Ao descobrir a existência de termos como etnobotânica, etnofi-
siologia e etnofísica, Garfinkel entendeu que "etno" referia-se de alguma 
forma à maneira como um membro de uma comunidade baseada em 
conhecimentos de senso comum desenvolve estes conhecimentos sobre 
seu mundo circundante. Seria a maneira peculiar de buscar, de dissecar, 
de sentir, de ver, finalmente, certa realidade, porém, não somente ver, 
mas "ver-relatando", porque a fala é uma parte constituinte do mesmo 
ambiente sobre o qual se fala. A etnometodologia referir-se-ia, pois, a 
"um estudo sobre a organização do conhecimento de um membro sobre 
suas atividades ordinárias; sobre seu próprio empreendimento organiza-
do, onde o conhecimento é tratado por nós como parte do mesmo am-
biente que ele também organiza" (p. 18). 
Naquele momento, etnometodologia significava mais um objeto 
de estudo que um aparato científico. Entretanto, com os estudos desen-
47 
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