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Historiografia

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Considerações iniciais 
Na sociedade em que vivemos, somos bombardeados a todo momento 
por indagações e mesmo cobranças que buscam conferir ao historiador 
um papel na sociedade, seja como um leitor mais apurado dos fatos e 
acontecimentos atuais, seja como alguém que, em um futuro próximo, 
deverá levar às novas gerações informações, interpretações e 
explicações acerca de acontecimentos que movimentam, incomodam 
ou assustam a sociedade de forma geral ou específica. 
Para além de conhecer datas, fatos, feitos, nomes etc., o papel de 
historiador e da própria História no mundo atual é uma discussão 
presente em nossa sociedade. No mundo acadêmico, estabelecer esse 
papel – ou esses papéis se tomarmos a História como algo 
multifacetado –, é algo que gerou, e gera ainda hoje, intensas 
discussões. 
Surgindo como disciplina e campo teórico específico no século XIX, a 
História já inicia o seu percurso cercada de intensos debates, como 
aquele estabelecido entre Émile Durkheim – em sua busca por situar o 
próprio campo da Sociologia como uma ciência – e a Escola 
Metódica – que buscava conferir à História um lugar entre as Ciências 
a partir da construção de um método científico de análise do passado a 
partir dos documentos. 
Assim, a História caminha por críticas que a apontam e estabelecem 
inicialmente como uma auxiliar para o trabalho do sociólogo para 
depois se constituir em um campo com seus próprios saberes e 
técnicas (DOSSE, 1992, p. 26). No processo de sua constituição, 
historiadores buscam afastar sua disciplina das Ciências Sociais, 
tentando estruturar e constituir seu saber de forma independente, 
reafirmado como ciência e disciplina. 
No decorrer de mais de um século, muitas foram as correntes e 
discussões que surgiram, muitos embates foram gerados. Hoje, com a 
disciplina já muito estabelecida – mas não acabada ou engessada –, os 
historiadores retomam seus diálogos com as Ciências Sociais e com 
outros campos do conhecimento visando sua interlocução e seus 
entrelaçamentos. 
Não se pode dizer que esse retorno seja direto, simples e tranquilo. 
Assim como no início dos embates pela constituição do campo da 
História independente da Sociologia e de seus afluentes, críticas e 
descontinuidades são sempre recorrentes. 
No passado, o apego às fontes, aos fatos, à história política estatal, aos 
grandes feitos e aos homens (uma História factual que, de certa forma, 
estava focada na construção biográfica de “indivíduos especiais” que se 
constituíam em exemplos daquilo que se desejava como símbolos para 
as nações) foi criticada por construir leituras factuais, sem se 
aproximarem de análises que trouxessem para o palco os agentes 
sociais. 
Hoje, porém, temos − após quase um século do advento dos Annales e 
sua história-problema, sua análise do cotidiano e de uma interpretação 
da história como o estudo dos homens no tempo −, o desenvolvimento 
de uma Nova História, que redescobre o sujeito, ressignifica o evento, 
retoma a história política a partir de outras premissas e outros olhares 
que não aquele do Estado, avança para o direito como meio de 
compreender o passado, retorna à escrita de biografias tendo como foco 
personagens encontrados entre os homens e mulheres comuns, lida 
com a questão do discurso e da narrativa a partir de aproximações com 
outras áreas do conhecimento, incorporando noções de incerteza, de 
estratégia, de negociação e de consciência. 
A História e seu estabelecimento no século 
XIX 
Você poderá verificar, no decorrer desta disciplina, que a História amplia seu espaço, 
conversa e lida com a interdisciplinaridade, trazendo para suas análises não apenas as 
contribuições e discussões de outros campos, mas também retomando, a partir de novas 
bases, temas e questões, além de rediscutir pontos nevrálgicos de seu próprio 
desenvolvimento, como a biografia, para se recompor e se refazer a cada dia. 
Nos princípios da organização do campo da História, a própria discussão sobre ser ela 
uma ciência ou não demandava que se pensasse a prática daqueles que por ela se 
aventuravam: como se organizaria seu método para o conhecimento do passado? 
A chamada Escola Metódica estabelecia a procura e seleção do maior número de 
documentos, a verificação de sua veracidade e sua compilação como descritores da 
verdade, na pretensão de chegar de forma mais próxima do que realmente aconteceu, 
numa ânsia por estabelecer as origens de determinados fatos e acontecimentos 
históricos. 
Também no século XIX, vemos nascer o materialismo histórico, originado nas leituras 
das obras de Karl Marx (1818-1883) e que se desdobraria em uma História Marxista 
calcada na análise econômica, a partir de conceitos que serviriam para descrever toda a 
História, não apenas de determinada sociedade, mas da própria humanidade. 
 
Ao historiador marxista caberia, a partir da análise de séries documentais, estabelecer as 
relações entre infraestrutura econômica e superestrutura ideológica, compreender as 
organizações sociais e estabelecer como essas se inserem no movimento da história. 
 
Reflita 
Você já pensou que o termo “Feudalismo” carrega uma série de interpretações e pré-
conceitos construídos por representantes desta escola teórica sem que nós, em nossa 
prática diária, paremos para discuti-lo e problematizá-lo? Assim, tomamos o conceito 
como descritivo de determinadas características que servem para compreender certa 
sociedade e as ampliamos para todo um período e lugares diversos, com lógicas e 
práticas próprias que não podem ser encaixadas dentro de tal conceito estruturante. 
Outros exemplos disso, para o caso brasileiro e recorrentes em nosso material didático, 
são os conceitos de “Pacto Colonial”, de “Colônias de Povoamento X Colônias de 
Exploração” e de “Ciclos Econômicos: cana-de-açúcar, ouro e café”. 
O rompimento com a História factual 
Seria com a publicação da Revista dos Annales, em 1929, pelos historiadores 
franceses Marc Bloch (1886-1944) e Lucien Febvre (1878-1956), que o que se entendia 
como o ofício do historiador se modificaria e se expandiria para algo mais abrangente 
que o simples trato das fontes em uma análise do documento pelo documento. O 
historiador passa a ser o disparador daquilo que se busca no passado. 
Em sua proposta para responder o que é a História, essa primeira geração dos Annales 
estabelece que a História é a ciência do homem no tempo e que, para realizar esse ofício, 
se faz necessária a construção de uma história-problema, em que as indagações do 
presente direcionam para aquilo que se deseja saber do passado. 
Assim, são as perguntas elaboradas pelo historiador na leitura dos documentos que 
passam a ser meios para a apreensão de uma parcela do passado e para a construção de 
uma interpretação do passado − mas não a única ou verdadeira explicação. 
Outros marxismos 
Herdeiro da teoria marxista de História, o filósofo alemão Walter Benjamin (1892-1940) 
terá como elemento-chave de sua análise a luta de classes. Sua proposta é a de uma 
História aberta a novas e diversas possibilidades, com objetivo de resgatar um passado 
que interessa ao presente, e não um passado qualquer. 
Nesse sentido, sua proposta alinha-se àquela de Bloch ao entender que são as aspirações 
e interesses do presente que determinam aquilo que se deseja saber do passado, que foi 
esquecido e se quer resgatar. Observe: 
• Bloch propõe uma História cotidiana, comum, que traga para o palco os homens 
em seus mais variados aspectos e relações sociais e culturais; 
• Benjamin, por sua vez, lança seu olhar para o oprimido, em uma proposta de 
História revolucionária, que visa resgatar aquilo que, por não ser contemplado 
pelas fontes e bens culturais produzidos e que reproduzem as vitórias dos 
opressores, foi esquecido e que precisa ser lembrado. 
A proposta de Benjamin é uma crítica às interpretações lineares, em um único sentido, 
que operam de forma mecânica, com base na ideia de progresso. Embora calcada em 
uma análise marxista do passado, suaproposta de História é construída a partir do 
afastamento dos modelos materialistas clássicos do início do século XX, opondo-se à 
ideia central dessas teorias, a saber: o progresso evolucionista, econômico e histórico. 
Para o filósofo alemão, ao contrário do que propõe o materialismo histórico, a revolução 
não é um resultado natural do progresso econômico e tecnológico, e sim a interrupção de 
um processo que só pode conduzir à catástrofe. 
______ 
 
⚠️ Atenção 
Aqui temos um elemento importante para a compreensão da proposta de história de 
Benjamin: o “pessimismo”. 
 Benjamin lida com a ideia de que o progresso econômico e tecnológico só poderá 
resultar em uma catástrofe. Dessa forma, o capitalismo se constitui em uma ameaça para 
a humanidade. 
______ 
Benjamin defende que a História seja escrita a contrapelo, ou seja, do ponto de vista dos 
vencidos, em uma oposição clara ao Historicismo e seu foco na história dos vencedores. 
 
A história marxista também seria rediscutida e remodelada por outros autores, sendo um 
dos principais articuladores dessa mudança o historiador inglês Edward Palmer 
Thompson (1924- 1993). 
Suas análises trazem para as discussões da História marxista a crítica à lógica 
marcadamente estruturalista, tendo como objetivo reconstruir o campo a partir de 
uma História “vista de baixo”. Por meio de documentos oficiais ou não, essa corrente 
procura resgatar a agência dos operários do século XVIII e valorizar a cultura como 
espaço de luta, trazendo com isso toda uma reformulação do campo dos estudos da 
sociedade, das relações de trabalho e de poder. 
O lugar social e a narrativa histórica 
A busca por estabelecer esse lugar da História trouxe para o campo discussões sobre a 
importância da narrativa, da aproximação com a literatura e com outras áreas do 
conhecimento, além de repensar nosso ofício a partir de outros lugares. Nessas novas 
vertentes da Historiografia destaca-se o historiador, psicanalista e jesuíta francês Michel 
de Certeau (1925-1986). 
Pode-se estabelecer que os dois pontos mais importantes da proposta de Certeau para 
nossa discussão sejam: 
 
Ao tratar do primeiro ponto, Certeau parte da ideia de que o historiador, ao estar inserido 
em um lugar social, tem sua produção condicionada por ele. Dessa forma, sua proposta é 
a de que a História só poderá se constituir no nível da prática – de pesquisa e de escrita – 
se estiver submetida às relações de força de um campo que lhe é anterior e exterior: um 
lugar social. Mas o que isso quer dizer? 
Isso significa que a escrita da História é sempre realizada em função de uma instituição, 
que foi modelada a partir do próprio estabelecimento da História enquanto campo 
científico. O historiador pratica sua profissão a partir das universidades, arquivos, 
bibliotecas, escolas, institutos históricos etc., que recebem a chancela do Estado e que são 
regulados por ele impondo ao historiador limites e regras para a sua atuação. 
Desse modo, a relação entre o historiador e sua fonte não é isenta de elementos externos 
ao poder. Ou seja, o historiador não é livre ou neutro; são os desejos institucionais que 
organizam a prática tanto de pesquisa quanto de teoria. Além disso, o fazer-se da História 
está condicionado às regras e exigências do discurso acadêmico. 
Nessa operação, fica clara a necessidade do historiador em construir a sua escrita da 
História − dentro de sua função de dar voz ao não dito. Para isso, deve estar respaldado 
pela utilização de uma teoria da História, a fim de evitar o perigo da construção de 
dogmas, de sair rumo à busca de verdades. 
Para Certeau, a validação do discurso acadêmico está sujeita à aprovação de outros 
historiadores. Dessa forma, a pesquisa e a escrita históricas estão inseridas em um lugar 
social, em que, de acordo com seus interesses, define o que pode ser feito e o que não é 
permitido ser feito com e a partir das fontes. É esse lugar social que define os métodos 
científicos aceitáveis para a pesquisa, assim como os recursos linguísticos, os 
encaminhamentos de análise, os arcabouços teóricos e historiográficos para a História 
que se pretende realizar em determinado tempo e espaço. 
______ 
🔁 Assimile 
• pesquisa histórica – modos de fazer e encaminhamentos analíticos; 
• escrita histórica – a narrativa, as formas de fazer conhecer o que não foi dito nos 
documentos, as formas de fazer conhecer o outro. 
______ 
 
A prática do historiador se centra em transformar um objeto em algo histórico – 
historicizar. Ou seja, reconstruir esse objeto e dar-lhe um lugar no “dito”. Ao historiador 
cabe trabalhar sobre um material, o produto do campo da cultura, a partir de regras 
estabelecidas pelo método para transportá-lo do silêncio para a narrativa histórica. 
Nesse processo, o objeto do historiador deve ser decifrado, e a produção histórica será 
constituída em um discurso que tem como proposta “traduzir” o “outro” para o presente – 
trabalho sempre incompleto, pois o passado é sempre o “outro” e toda tradução implica 
perda de sentidos originais. 
Flertando com a linguística e a abordagem de Michel Foucault, Certeau conclui que a 
escrita da História está mais próxima de outras formas de narrativa (como a literatura) 
do que os historiadores da escola metódica e marxistas gostariam. 
A História hoje: algumas considerações 
Para o trabalho em sala de aula, é primordial que tenhamos bastante 
clareza da importância da proposição de uma História que se apresente 
aos estudantes como um campo em que eles mesmos possam buscar 
interpretações e apropriações do passado. Dessa forma, o uso de 
documentos primários como suportes didáticos complementares ao 
material didático é fundamental. 
Conforme você pôde verificar nesta unidade, a História se modificou e 
ainda está em transformação, mas, desde o rompimento com a história 
factual da Escola Metódica, o conceito de “história-problema” vem 
sendo ressignificado e remodelado pelas mais diversas correntes 
históricas. Nesse sentido, também tem se tornado fator comum, a essa 
História múltipla, a busca por responder às indagações do presente (em 
que o “problema” se coloca para o historiador). 
______ 
💭 Reflita 
Você já pensou que ao ler uma fonte, seja ela qual for, essas premissas e 
discussões são todas acionadas pelo historiador, que estabelece com 
esse documento um vínculo com o passado, podendo lançar sobre ele 
os mais diversos questionamentos, ligando-o a outros documentos, e 
construindo a partir dele uma interpretação do passado, sempre 
calcada em suas escolhas, tanto pessoais quanto teóricas? 
_____ 
Faz parte do ofício do historiador a investigação constante e a análise 
das fontes, mas o desenvolvimento de tal estudo está intimamente 
ligado às escolhas teóricas e metodológicas que você fará no decorrer 
de sua formação e trabalho. Assim, compreender a História como um 
campo aberto para a exploração, que permite que caminhemos de 
formas diversas, é algo de extrema importância para o historiador e 
professor. Ter sempre em mente as mudanças, extensões, 
apropriações, permanências e rupturas nos campos da teoria só é 
possível por meio do estudo daqueles que já escreveram sobre o tema. 
_____ 
🔁 Assimile 
Podemos observar como a história da escravidão no País foi tratada no 
final do século XIX e início do século XX, para compreender o 
apagamento e a necessidade de se reconstruir a experiência cativa 
como parte constituidora do processo histórico. 
Essa percepção exige que você articule seus conhecimentos da História 
metódica, dos desdobramentos dos estudos sociológicos de meados do 
século XX e da influência de Thompson nas pesquisas produzidas a 
partir da década de 1980, que buscam reconstruir a história daqueles 
que estão no ponto mais baixo das relações de poder, a ressignificando 
e trazendo novas dimensões para o estudo não apenas da escravidão, 
mas das relações sociais e de poder no Brasil. 
______ 
Você já pensou que estudar História pode ser também um caminhopara a construção de suas próprias interpretações do passado? Que um 
indivíduo em nossa sociedade, com um mínimo de curiosidade e 
inquietação com uma situação real − seja atual ou no passado − ao ter 
contato com um documento primário, pode acionar seus 
conhecimentos, estabelecer relações e construir uma interpretação 
própria do passado? 
E você também percebe como isso pode ser ao mesmo tempo muito 
construtivo e perigoso, uma vez que sem um mínimo de conhecimento 
de metodologias, teorias e limites apresentados pela Historiografia 
podem-se produzir não inverdades, mas visões deturpadas e 
condicionadas às opiniões pessoais? Assim, o estudo da Historiografia 
e das formas como as fontes foram e são acionadas como indícios do 
passado é fundamental para nosso trabalho como historiadores e 
professores. 
Podemos concluir que é o incômodo com modelos preestabelecidos que 
leva à necessidade de transformação e redefinição do campo. Dessa 
forma, os historiadores aqui apresentados são apenas uma pequena 
introdução sobre a multiplicidade da historiografia, suas reflexões e de 
outros grandes historiadores que serão apresentados no decorrer desta 
disciplina com a proposta de nos ajudar a dar encaminhamentos a 
nossas próprias escolhas ao tratar nossas inquietações acerca do 
passado. 
Como você pôde verificar, a História é composta por debates diversos, 
constituindo-se em um campo multifacetado, em que o próprio papel 
do historiador vem se moldando a partir das demandas que a 
sociedade e seus interesses vão impondo. 
É a inquietação de Bloch com os acontecimentos na França no entre 
guerras e no decorrer da Segunda Guerra Mundial que o levam a lançar 
perguntas ao passado e construir suas análises a partir de documentos. 
É sua experiência na academia, atrelada às experiências pessoais de 
resistência e prisão, que influenciam sua visão de História e propostas 
para mudanças daquilo que já está constituído em campo teórico. 
São também as inquietações de Benjamin, aliadas à sua formação 
marxista e interesses filosóficos, que estimulam suas críticas e 
proposta de reformulação do trabalho do historiador. Assim como é a 
formação e militância marxista de Thompson, aliada ao seu interesse 
pela sociedade inglesa, operária e pós-revolução industrial, que o 
levam a criticar aquilo que até ali vinha sendo produzido por outros 
historiadores, e a estabelecer novas formas de lidar e abordar os 
documentos. 
É também a formação e a prática de pesquisa, centrada em estudos das 
multiplicidades culturais, de práticas sociais e da Igreja, que levam 
Michel de Certeau a refletir sobre o campo e tecer considerações sobre 
a teoria da história, que acabam por colocar em discussão os limites 
muitas vezes não percebidos da pesquisa e da escrita do historiador. 
______ 
➕ Pesquise mais 
Para o aprofundamento de seus estudos na discussão sobre o papel da 
História e suas ligações, contraposições e alinhamentos com as 
Ciências Sociais sugerimos a leitura dos seguintes textos: 
• História e Ciências Sociais: zonas de fronteira, de Fernando 
Teixeira da Silva; 
• A filosofia da história de Walter Benjamin, de Michael Löwy; 
• A história como heterologia: do conceito de história em Michel de 
Certeau, de João Rodolfo Munhoz Ohara. 
Considerações iniciais 
No universo do conhecimento científico, seja ele acadêmico ou escolar, estamos sempre 
ancorados por produções anteriores que nos permitem refletir, questionar, problematizar, 
criticar e até nos opor ao conhecimento e às teorias construídas pelas gerações passadas 
e atuais. No campo do conhecimento histórico, essa lógica não é diferente. 
O historiador lida basicamente com dois tipos gerais de produções que lhe servem para a 
apreensão do passado: 
https://www.scielo.br/j/his/a/rhKxZ5tswqRjFY4xNnkbNNd/?lang=pt
https://www.scielo.br/j/ea/a/c7TdKSGxkSysjMds45cqs8v/?lang=pt
http://www.uel.br/pos/mesthis/JoaoRMOhara.pdf
http://www.uel.br/pos/mesthis/JoaoRMOhara.pdf
 
No que se refere ao segundo grupo, entre toda a produção da sociedade, o que nos permite 
reconstruir historicamente o passado? Esse é um questionamento sobre o qual muitos 
pensadores se debruçaram. 
A busca por registrar e manter a memória daquilo que constituiu a experiência humana e 
da sociedade é algo que ocorre desde os primórdios das sociedades humanas – na forma 
escrita ou em outras formas de preservação do passado e do conhecimento –, assim 
como documentos produzidos para fins diversos foram ganhando o status de fontes para 
a apreensão do passado. 
No mundo ocidental, o registro escrito foi ganhando grande espaço, e contar aquilo que 
se viu e vivenciou passou a ser uma forma de transmitir conhecimentos. Outros 
registros, como os produzidos por máquinas administrativas, pela burocracia, pela 
justiça, assim como pela literatura, criaram uma massa documental à espera do trabalho 
do historiador. 
Entretanto, seria no século XVIII que os filósofos do Iluminismo construiriam arcabouços 
teóricos que visassem especificamente discutir como a escrita da História deveria ser 
organizada e a partir de quais ideias e objetos deveria ser elaborada. E é a partir dessas 
formulações que a História se constituiria como campo e como disciplina escolar. 
É no decorrer do século XIX que diversos intelectuais se preocuparam em demarcar o 
campo das Ciências Sociais, em um momento em que o pensamento científico era 
aclamado entre a intelectualidade. Nesse processo, a História também busca encontrar 
seu espaço dentro do universo científico, por meio do estabelecimento de teorias e 
metodologias que lhe conferem o estatuto de ser uma Ciência. 
De uma forma geral, o produto dessas discussões é reconhecido como Historicismo, que 
tem como postulados primordiais a centralidade dos documentos escritos como meio 
para se chegar ao conhecimento da verdade dos fatos, o foco em grandes personagens e 
grandes feitos, a crítica à especulação interpretativa e a construção de uma história 
nacional. 
A Escola Alemã: Leopold von Ranke e o 
método 
Provavelmente, você já leu o nome de Ranke antes, certo? O historiador alemão Leopold 
von Ranke (1759-1886) é um dos principais expoentes do Historicismo e um dos mais 
importantes teóricos do período: sua obra serviu de base para a construção e o 
embasamento de outras correntes historicistas como a francesa e a inglesa. 
A sua busca por estabelecer a História como uma ciência, com teoria e método, dá-se em 
contraposição às produções e aos debates do século XVIII, mais especificamente 
às Filosofias da História produzidas pelo Iluminismo e pelo Hegelianismo. A crítica de 
Ranke está posta, principalmente, àquilo que se refere à construção de uma História por 
meio de abstrações. 
______ 
🔁 Assimile 
Filosofias da História: no conjunto de temas sobre os quais se debruçaram os filósofos 
dos setecentos, encontramos a preocupação com as origens do homem, seu papel no 
mundo e o futuro que o espera. Nesse sentido, a História se torna um ponto de discussão 
privilegiado. 
Teorias iluministas: em linhas gerais, essas teorias históricas estavam pautadas em 
ideais de progresso da humanidade rumo a um ideal ou a um destino preestabelecido 
(teleologia); operando com ideias da existência de um ser, ou uma força natural ou 
superior, mas sempre metafísica, que estabelecia um projeto para o homem desde a sua 
origem. Projeto esse que seria possível verificar pelo estudo de como as sociedades se 
desenvolveram ao longo da História. 
Teoria hegeliana: assim como os iluministas, a teoria hegeliana era teleológica, prevendo 
que o mundo não estaria entregue ao acaso, existindo um fim, a saber, o progresso 
humano. Para que se chegue ao conhecimento histórico, Hegel propunha o uso da 
dialética, cujo objetivo seria guiar o Espírito à razão – que sempre existiu, mas que perdeu 
a consciência de si, de sua perfeição e só alcançará o progresso no desenrolar do tempo. 
Na dialética hegeliana para o conhecimento histórico, o “ser” se constituiria na tese, aantítese seria o “não ser” e o “devir” a síntese. Assim, o tempo é que dá ao Espírito a 
possibilidade de se conhecer, é por meio das ações humanas que ele realiza seus fins 
racionais. 
______ 
Ranke não renega ou recusa totalmente a Filosofia da História, mas tece críticas à 
História escrita por intelectuais que não se dedicam especificamente ao campo da 
História – ou seja, ela só pode ser feita por especialistas que se dedicam exclusivamente 
ao ofício de historiador. 
Também critica o pressuposto de que se pode conceber a História de uma sociedade a 
partir de conceitos preestabelecidos, os quais seriam os norteadores das escolhas dos 
dados utilizados como fontes para alcançar o conhecimento do que realmente aconteceu 
no passado, mas que na verdade operavam apenas com o objetivo de confirmar as teorias 
anteriormente elaboradas pelos filósofos. 
Para o historicista alemão, além de ser feita por um profissional especializado, a História 
exigia um firme e sistemático trabalho de organizar, selecionar e analisar documentos 
que, em seu conjunto, permitissem situar as leis que possibilitassem fazer conhecer 
aquilo que realmente aconteceu no passado. 
Assim, em sua busca por estabelecer o campo teórico-metodológico do ofício do 
historiador, Ranke acaba por construir a base de um método científico-analítico que, em 
certa medida, de forma remodelada, permanece até os dias atuais no que se refere ao 
trato das fontes. 
 
Segundo Guy Bourdé e Hervé Martin (1983, p. 114), ao construir sua teoria da História, 
Ranke estabelece a existência de cinco regras ou postulados que devem ser seguidos por 
aqueles que pretendem se especializar no estudo da História: 
1. o objetivo do historiador é o de dar conta do que realmente se passou, assim não 
compete a ele julgar o passado ou levar o conhecimento passado aos seus 
contemporâneos. Dessa forma, o afastamento do historiador deve ser total, ele 
deve buscar a neutralidade, uma vez que a principal preocupação do historiador é 
com a verdade contida no passado e não com o seu tempo presente; 
2. não há nenhuma interdependência entre o sujeito (o historiador) e o objeto do 
conhecimento (o fato histórico). Não são as perguntas ou demandas do historiador 
que devem organizar a análise das fontes. O fato histórico deve ser analisado por si 
mesmo, por meio dos documentos, com o estabelecimento de hipóteses sobre o que 
realmente aconteceu, garantindo a imparcialidade na percepção dos 
acontecimentos; 
3. a História existe em si de forma objetiva e possui uma estrutura definida que é 
diretamente acessível ao conhecimento. Ao historiador, cabe reunir os vestígios 
necessários para que ela fique visível e possa ser acessada; 
4. a relação entre o historiador e o fato histórico deve seguir um modelo mecanicista: 
o historiador registra o fato histórico de maneira passiva, como um espelho que 
reflete a imagem de um objeto; 
5. a tarefa do historiador consiste em reunir um número suficiente de dados, 
encontrados em documentos seguros. A partir desses fatos, por si só, o registro 
histórico organiza-se e deixa-se interpretar. Qualquer reflexão metafísica e 
filosófica é inútil, mesmo prejudicial, porque introduz um elemento de 
especulação. 
Portanto, para Ranke a ciência positiva pode atingir objetivamente e fazer conhecer a 
verdadeira História. 
🔁 Assimile 
Para efetuar sua tarefa, o historiador deve abandonar as especulações subjetivas e as 
tentativas de análises filosóficas, uma vez que os documentos falam por si mesmos. 
Nesse processo, deve ser aplicada a Teoria do Reflexo, em que o historiador ao ler e tratar 
um documento deve simplesmente registar aquilo que está nos documentos, de maneira 
passiva, como um espelho que reflete um objeto. Deve-se, assim, desprezar o papel dos 
questionamentos colocados pelos historiadores às suas fontes e louvar o apagamento do 
historiador por trás dos textos. 
O Historicismo francês: A Revista Histórica 
e a Escola Metódica 
Inspiradas nas propostas de Leopold von Ranke, pelo menos duas gerações de 
historiadores franceses implementaram, ampliaram e consolidaram o Historicismo na 
França. Esses historiadores fundam a Revista Histórica (1876), uma publicação que tinha 
como pressuposto a oposição à aristocracia, à monarquia e à Igreja Católica. 
Entre os membros da Revista Histórica, merecem destaque: 
• Langlois e Seignobos – A obra mais difundida de Charles-Vitor Langlois (1863-
1929) e Charles Seignobos (1854-1942), “Introdução aos estudos históricos”, 
publicada em 1898, pode ser considerada um manual para o ofício do historiador, 
contendo um discurso do método histórico científico, em que encontramos a 
máxima: “a História não passa de aplicação de documentos” (SILVA, 2005, p. 130). 
• Lavisse – Ernest Lavisse (1842-1922) empreendeu a monumental tarefa de 
produzir para a França uma ampla reprodução do passado nacional, contando com 
a colaboração de muitos de seus colegas da Escola Metódica, contabilizando 9 
tomos de 17 volumes (BOURDÉ; MARTIN, 1983, p. 107). É considerado o principal 
responsável pela criação de uma História nacional francesa com fins didáticos, foi 
um profícuo autor de manuais de ensino, sendo uma figura fundamental não 
apenas para a constituição da História enquanto ciência, mas principalmente 
como disciplina escolar. 
Entre os posicionamentos da Revista Histórica e de seus membros, destacam-se a 
indiferença e o desprezo à teologia da história e à filosofia da História. Assim, 
procuram-se afastar do providencialismo cristão, do progressismo racionalista e do 
finalismo marxista. 
Em Ranke, encontram o embasamento para a construção de sua metodologia, 
apropriando-se de seus preceitos e modo de fazer a História − a Teoria do Reflexo é o 
ponto central de sua proposta de análise dos documentos −, proclamam a neutralidade e 
o afastamento de qualquer especulação. 
 
Como você pode verificar, caro estudante, essa última característica consolida uma das 
principais prerrogativas da Escola Metódica: colocar-se a serviço da construção de uma 
História nacional. Essa História se constituía com a demarcação de um fato histórico que 
lhe desse um ponto de origem, uma origem que também seria a do nascimento do 
sentimento de pátria, de pertencimento à nação e que se estenderia até culminar na 
Terceira República Francesa, que sintetizaria e centralizaria todas as características da 
grande nação. 
Dentro dessa proposta, os manuais didáticos ganham grande destaque, uma vez que 
serão eles os responsáveis por construir ainda na infância o amor à pátria. Eles serão 
também o espaço para a divulgação do conhecimento histórico, um conhecimento que 
celebrava o culto aos heróis, que justificava – revestido de um discurso civilizador – a 
expansão francesa, que exaltava a República em contraposição à derrota da 
monarquia. Desta feita, a ciência histórica, que se pretendia imparcial, objetiva, acabava 
por se constituir em um discurso ideológico que servia aos interesses de um regime 
político. 
A noção de crítica documental 
A seguir, veremos que, para a Escola Metódica ou Historicismo, a História se constitui em 
um intenso trabalho de narrar fatos, com destaque aos grandes homens e feitos, com 
atenção apenas nos aspectos políticos. 
Veremos ainda que, para os historicistas, independentemente de sua nacionalidade, só se 
pode realizar o ofício do historiador por meio do acesso às fontes documentais. Neste 
momento, você deve se perguntar: o que seria um documento para essa corrente 
historiográfica? 
O Historicismo parte do pressuposto que dentre todos os pensamentos e atos humanos, 
apenas alguns poucos vestígios são preservados − mesmo esses são escassos e muitos 
não são duráveis e se perdem com o passar do tempo. Assim, para essa corrente 
historiográfica, é correto afirmar que não há registro de todo pensamento humano, não 
deixando vestígios diretos ou indiretos. Essa característica apontada pelos historicistas 
implica que toda sociedade, grupo ou indivíduoque não deixou registrado e 
documentado algum vestígio está totalmente perdido para a História. 
Os poucos vestígios que foram deixados só podem ser reconhecidos nos documentos 
escritos, que são de duas categorias distintas: 
 
Não se pode negar certo lugar de centralidade dos documentos escritos no trabalho de 
grande número de historiadores. Embora não sejam testemunhos daquilo que realmente 
aconteceu, representações expressas e inegáveis da verdade, os documentos escritos são 
vestígios e indícios do passado que permitem aos historiadores construir suas análises. 
No entanto, esse foco nos documentos escritos é algo que pode ser bastante 
perigoso para a observação que fazemos das mais diversas sociedades ao redor do 
mundo e suas formas de ser, estar e fazer História. 
A Escola Metódica postula que, ao não deixar registros documentais escritos, um grupo 
ou sociedade também está impossibilitado de possuir História. 
______ 
💭 Reflita 
Quais as consequências dessa perspectiva de se entender o fazer-se do conhecimento 
histórico na leitura lançada sobre muitas sociedades indígenas e do continente africano? 
Esse princípio historiográfico não operou como um dos elementos justificadores do 
domínio imperialista? Não colaborou para o apagamento da historicidade de muitas 
sociedades que têm formas de manutenção da memória do passado diversas daquelas 
que têm a escrita como a tradição oral? Como abordar, nessa perspectiva, os griots 
(indivíduos responsáveis por preservar e transmitir as práticas, tradições e fatos 
históricos) em diversos lugares do continente africano? 
_____ 
Em uma concepção restrita de documento, para o Historicismo, tanto os testemunhos 
involuntários quantos os registros materiais, arqueológicos, culturais são rejeitados 
como fontes históricas. Trata-se também de uma concepção estreita, uma vez que ao 
desprezar grande número de possibilidades documentais também limita as ambições do 
próprio campo científico. 
Nessa proposta, a História possuiria um número limitado de documentos e, ao 
historiador, caberia elaborar o inventário desses materiais disponíveis, a partir dos 
seguintes passos: 
1. encontrar e reunir esses documentos; 
2. salvá-los, registrá-los e classificá-los; 
3. submeter esses documentos a uma série de operações analíticas. 
Nesse terceiro passo, se coloca o aspecto fundamental do ofício do historiador para o 
Historicismo: a crítica documental. Depois de identificados, salvos e catalogados, os 
documentos devem passar por dois tratamentos: a crítica externa e a crítica interna. 
Vejamos: 
Na crítica externa, o historiador tem como objetivo estabelecer o documento como algo 
passível de ser tomado como uma fonte histórica, ou seja, nesse tratamento, deve ser 
examinada a originalidade do documento (se é original, se trata-se de uma cópia de um 
documento original ou se é uma mera falsificação). 
Em seguida, é necessário que se identifique qual o elemento, evento ou personagem 
principal a que ele se refere e estabelecer os pontos de referência em relação a esse 
elemento central para que possa construir a relação desse documento com outros que 
juntos permitam apreender o passado como ele realmente aconteceu. 
Como técnica para realizar essa primeira parte do trabalho, a Escola Metódica Francesa 
sugere que seja produzida uma “ficha” sobre cada página do documento. Esse sistema de 
fichamento da fonte dá ao historiador o meio para seu trabalho, permitindo que atue com 
profundidade e que possa manipular facilmente suas anotações e seus materiais. É 
interessante destacar que esse sistema de fichas leva à prática de registrar em notas de 
rodapé as indicações de leituras realizadas pelo historiador. 
Realizada a crítica externa, verificada a adequação do documento e em posse de suas 
anotações, o historiador deve dar início à segunda operação analítica do documento, 
a crítica interna. O primeiro passo é o de retornar às fichas e completá-las com um 
resumo dos dados essenciais inscritos no documento, o que deve ser feito a partir de uma 
análise do conteúdo pautada na crítica positiva de interpretação para se certificar sobre o 
que o autor quis dizer. 
Nesta etapa, o historiador deve exercer a prática da hermenêutica – em sentido original 
hermenêutica é conceituada como “a arte de interpretar o sentido das palavras alheias” 
(AULETE, 1925, [s.p.]) –, que geralmente impõe o recurso a um estudo linguístico para 
determinar o valor das palavras, uma vez que uma mesma expressão ou palavra pode 
mudar de sentido em lugares e épocas diversos. 
______ 
📝 Exemplificando 
Atualmente, é bastante recorrente o debate sobre como se referir aos descendentes dos 
africanos escravizados e trazidos para o Brasil no período em que a escravidão vigorou 
como sistema compulsório de trabalho. Termos como “preto”, “negro”, “afrodescendente” 
e “pardos” apresentam-se como os principais focos na discussão, enquanto, “de cor”, 
“crioulo”, “escurinho”, “moreno” “mulato” etc., em variados níveis, são tomados como 
pejorativos por suas relações com o racismo. 
Em sua relação com as fontes, um historiador da escravidão, ao se deparar com uma 
carta de alforria produzida em 1874 com os termos “preto” e “crioulo”, necessita, antes de 
tudo, buscar compreender que significados os termos possuíam no momento de 
produção de sua fonte. Nesse processo, tomaria conhecimento, por exemplo, de que o 
termo “preto” era empregado especificamente para se referir aos africanos escravizados 
ainda vivendo em cativeiro e o termo “crioulo” para filhos de africanos, que nasceram no 
Brasil, fossem ainda cativos ou libertos. 
Tanto para o historiador historicista quanto para um historiador nos dias atuais, 
compreender aquilo que o documento diz por meio do conhecimento dos significados e 
usos das palavras é essencial para a análise das fontes e para aquilo que deseja 
apreender do passado. 
______ 
Outro aspecto importante da crítica interna aos documentos é interrogar-se sobre as 
intenções das pessoas que produziram os documentos, assim como acerca das 
condições em que o documento foi produzido. 
Deve-se, ainda, proceder uma operação sintética de análise do documento. Para isso, é 
necessário comparar vários documentos, relacionar e comparar aspectos diversos, 
reagrupando-os para criar quadros gerais que permitam conhecer verdadeiramente o 
acontecimento que se estuda. Por exemplo: 
 
Feito isso, o passo seguinte é manejar o raciocínio – quer pela dedução quer pela 
analogia – para proceder a relação dos fatos entre si e a partir disso preencher as lacunas 
da documentação. 
Todo esse processo exige que se realizem escolhas na massa de documentação e que se 
estabeleçam algumas generalizações, arriscando interpretar os fatos, mas sempre atento 
à (pretensa) manutenção da obrigatoriedade da neutralidade do historiador, do 
comprometimento com o rigor científico, o apego aos acontecimentos. 
______ 
🔁 Assimile 
Ao desempenhar essas duas tarefas – crítica externa e crítica interna –, o historiador 
deve ter um método lógico, funcional e científico. 
______ 
Esse método foi diversas vezes modificado e ordenado sob novas perspectivas, sendo 
discutido intensamente por historiadores dos séculos XX e XXI, mas, em sua essência, 
manterá a centralidade da fonte no ofício do historiador e a necessidade de se organizar 
e selecionar os documentos. 
As mudanças se darão pela forma em que as análises serão efetuadas, na ampliação do 
que se entende como documento histórico, nas perguntas que se fazem aos documentos 
e, principalmente, naquilo que se pretende como resultado do trabalho do historiador: 
abandona-se a busca pela objetividade e por uma verdade absoluta. Amplia-se o campo, 
retorna-se ao contato com outras ciências, o historiador muda sua relação com as fontes 
e com o passado a ser apreendido. 
As críticas ao Historicismo 
Talvez a principal crítica ao Historicismo seja a de ser ele historicizante, ou seja, focado 
apenas na contextualização, desconsiderandoaspectos culturais, sociais e políticos do 
fato histórico. 
Os historiadores franceses fundadores da Revista dos Annales, Marc Bloch e Lucien 
Febvre, constroem sua leitura da História e do ofício do historiador em contraponto 
àquela da Escola Metódica. Segundo esses historiadores, entre outras coisas, a História 
historicizante, ao focar sua atenção apenas em documentos escritos, desprezando os 
testemunhos involuntários, registros arqueológicos etc., perde um grande número de 
fontes que informam igualmente sobre a atividade humana. 
Ao tomar o documento como testemunho direto do passado, o Historicismo desconsidera 
que eles não foram produzidos para os historiadores, operando a partir de lógicas 
diversas que não estão relacionadas à intenção de se registrar o pensamento humano 
para uso da História. Ao acentuar o acontecimento, o fato singular, verificado em um 
tempo muito curto, não lhe é permitido apreender a vida das sociedades e desvendar por 
meio de fatos regulares, repetidos que se desenvolvem ao longo de um recorte temporal 
mais extenso. 
Outra crítica está posta no mito das origens, na busca por se estabelecer o marco inicial 
para determinado acontecimento histórico. 
Além disso, outra dura crítica por eles elaborada é apontar a Escola Metódica como 
positivista, o que, segundo Bourdé e Martin, é um erro, uma vez que, ao contrário do que 
buscava o Positivismo, o Historicismo não tinha por objetivo a busca pela universalidade 
dos fatos, mas sim o estudo de fatos específicos. Intensamente marcado pela ideia de 
progresso, é uma filosofia da história firmemente determinista, que pretende ao mesmo 
tempo reconstruir o passado e prever o futuro (BOURDÉ; MARTIN, 1983, p. 112-116). 
 
Movimentos historiográficos posteriores reforçaram as críticas à Escola Metódica, 
retomando e ampliando aquelas dos Annales, indicando também a ambiguidade de suas 
propostas e registrando, por exemplo, que a pretensão científica do Historicismo traduz 
uma opção ideológica e, ao contrário do que pregava e acreditava, pode também ser 
estabelecida como uma filosofia, na medida em que imaginava ser capaz de conhecer a 
História como realmente ocorreu. 
Outra crítica é lançada diretamente à Teoria do Reflexo, uma vez que a passividade e 
neutralidade são condições impossíveis ao historiador no contato e na análise com as 
suas fontes. O historiador metódico opera uma seleção deliberada na massa de dados 
para chegar àquilo que acredita ser a verdade dos fatos, ou seja, é obrigado a 
necessariamente descrever o passado a partir do presente, de suas escolhas. 
Apesar de todas as críticas altamente fundamentadas, a Escola Metódica é de extrema 
importância para o entendimento e a constituição do ofício do historiador. Ao organizar 
o campo, criar o método, elaborar teorias para a construção do conhecimento histórico, 
inscreveu no campo das Ciências Humanas a História como disciplina autônoma e 
independente. Também estabeleceu formas de se fazer história que até os dias de hoje 
auxiliam o historiador no trato com suas fontes. 
______ 
➕ Pesquise mais 
Para o aprofundamento de seus estudos na discussão sobre o papel da História e suas 
ligações, contraposições e alinhamentos com as Ciências Sociais sugerimos a leitura dos 
seguintes textos: 
• Ranke: considerações sobre sua obra e modelo historiográfico, de José Costa D’ 
Assunção Barros. 
• Em busca de resultados sólidos: Leopold von Ranke e os raciocínios por indução 
em História, de Viviane Venancio Moreira; 
• A escola metódica e o conhecimento como problema, de Cristiano Alencar Arrais. 
Infraestrutura e superestrutura: 
Materialismo Histórico como ponto de 
partida para uma História Econômica 
O estudo da História por meio de dados seriais, de uma História quantitativa e 
econômica, não pode ser compreendido sem se conhecer minimamente as principais 
premissas do Materialismo Histórico, herdeiro das conclusões de Karl Marx (1818-1883) 
sobre o papel das mudanças no campo econômico no desenrolar da História. 
Influenciado pela obra de Georg Hegel (1770-1831), o filósofo alemão assume que o direito 
protege a propriedade, na medida em que as relações jurídicas não estão pautadas no 
espírito humano ou em ideias, mas sim nas condições de existência material. Em linhas 
gerais, para Marx, as forças produtivas é que regem aquilo que se funda como sociedade, 
definindo suas regras e elaborando o Estado. 
Essas forças produtivas não são simplesmente materiais, mas também humanas, 
envolvendo relações de produção, que remetem às relações sociais que os homens 
estabelecem entre si a fim de produzir e dividir os bens produzidos. 
Segundo Karl Marx, em seu prefácio à “Contribuição à Crítica da Economia Política” 
(1859), não é possível se entender as relações jurídicas ou as formas do Estado por si 
mesmas, nem por uma pretensa evolução geral do espírito humano. Na leitura marxista, 
elas estão baseadas nas condições materiais de vida. 
Partindo dessa premissa, Marx estabelece que, em sua produção social, os homens 
acabam por construir relações necessárias e independentes da sua vontade, pois estas 
correspondem a relações de produção alinhadas à determinada fase de desenvolvimento 
das suas forças produtivas materiais. 
É o conjunto dessas relações que forma a estrutura econômica da sociedade, 
a infraestrutura, a base real sobre a qual a superestrutura política e jurídica será 
construída, correspondendo às específicas formas de consciência social. Assim, o modo 
de produção da vida material condiciona o processo de vida social, política e espiritual 
dentro de uma organização social. 
https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/Dialogos/article/view/35976/
http://www.13snhct.sbhc.org.br/resources/anais/10/1345037330_ARQUIVO_MOREIRA,Viviane-Embuscaderesultadossolidos.pdf
http://www.13snhct.sbhc.org.br/resources/anais/10/1345037330_ARQUIVO_MOREIRA,Viviane-Embuscaderesultadossolidos.pdf
https://www.revistas.ufg.br/emblemas/article/view/11389/7489
______ 
📝 Exemplificando 
Pensemos, em termos marxistas, na sociedade francesa feudal: o que temos é um 
sistema em que as relações estão pautadas em ideais de direitos e deveres, proteção e 
obediência entre senhores, vassalos e servos, com certo isolamento dos feudos e com 
grande força dos poderes locais. 
Pela construção marxista se chega a essa descrição da sociedade observando-a a partir 
dos dois elementos: 
• infraestrutura: as forças produtivas, por exemplo, a agricultura praticada nos 
feudos, em que senhores se apropriam de parte da produção de seus servos, a 
partir de determinadas relações de produção como as obrigações: banalidade, 
corveia, mão morta etc. 
• superestrutura: são as instituições jurídicas, políticas e formas em que a estrutura 
de governo se dá a partir dessa infraestrutura, ou seja, o fortalecimento dos 
senhores em detrimento do poder dos reis, a organização de exércitos e de 
burocracias internas nos feudos e a forma como essas instituições se relacionam 
com os outros locais e senhores. 
______ 
Observe, a seguir, a relação entre infraestrutura e superestrutura: 
Fonte: o autor. 
Assim, o modo de produção da vida material condiciona o processo de vida social, 
política e espiritual dentro de uma organização social. Não é a consciência do ser 
humano que o determina, mas seu ser social que determina sua consciência. 
Dessa forma, mudanças dadas pelo desenvolvimento das forças produtivas materiais 
podem abrir uma época de revolução social, na medida que com a alteração da base 
econômica, modifica-se toda a imensa superestrutura construída sobre ela. 
A dita consciência social é o que nos permite, enquanto historiadores, compreender 
como as sociedades mantêm as relações de poder e, embora difícil de ser precisada de 
forma sistematizada, pode ser verificada em expressões literárias e filosóficas, doutrinas 
religiosas e criações artísticas. Para Marx, essas manifestações da consciência social são 
as formas ideológicas que garantem a manutenção da sociedadedentro de determinado 
sistema econômico. 
Em linhas gerais o Materialismo Histórico compreende a organização das sociedades a 
partir de duas formas de se observar as relações estabelecidas entre infraestrutura e 
superestrutura, a saber: 
 
Cria-se, portanto, uma teoria da História marcadamente voltada para pensar a sociedade 
a partir de seus elementos econômicos, sempre postos em estruturas que permitem a 
compreensão do passado. 
Como se deu com diversas correntes de pensamento, o Materialismo Histórico possui 
várias vertentes que propõem visões mais ou menos mecânicas dessas relações 
estabelecidas dentro da estrutura. 
Louis Althusser (1918-1990), por exemplo, estabelece uma análise menos mecânica, 
mostrando que cada um dos níveis é estruturado, sendo, portanto, relativamente 
autônomo. Além disso, compreende que há uma relação de duplo sentido da 
infraestrutura para a superestrutura e da superestrutura para a infraestrutura, mas, em 
última instância, é sempre a economia que determina como se dá esse sentido. 
 
É importante ressaltar que Karl Marx não inventou o conceito de classe, uma vez que 
desde o século XVIII, no calor da Revolução Francesa, já se falava em eliminar as várias 
classes existentes naquela sociedade. Da mesma forma, no início dos anos oitocentos, 
pensadores como Saint-Simon (1760-1825) estabeleciam que a classe industrial deveria 
estar acima das classes trabalhadoras, assim como, nas décadas seguintes, podemos 
encontrar nas obras de Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865), entre outros, as sociedades 
observadas a partir de conceitos como “classes possuidoras”, “classes médias” “classes 
laboriosas”. 
No entanto, embora não tenha inventado o conceito, Karl Marx faz uma utilização 
própria e coloca-o no centro do seu sistema de pensamento e no centro da compreensão 
do que é História. 
História Quantitativa e a apropriação dos 
dados seriais 
A História Quantitativa e o dado serial estão ligados de forma bastante profunda à 
criação de formas de pensar e fazer História no decorrer do século XIX. As modificações 
econômicas, sociais e políticas, ocorridas como desdobramentos da industrialização, 
colocam a necessidade de se compreender a nova sociedade que se constitui. Assim, 
sociólogos, filósofos, literatos, historiadores e outros intelectuais buscam produzir teorias 
que expliquem essa nova realidade. 
Um campo bastante importante para a compreensão deste tema é o da Economia, que 
por meio de análises estatísticas, especialmente aquelas voltadas para as modificações 
de preço e de padrão de vida, criam aquilo que se convencionou a chamar de 
uma Economia da História. 
É esse campo que vai construir a base para o desenvolvimento posterior de uma História 
que teria como objetivo principal realizar uma análise quantitativa do passado. Dessa 
forma, o dado quantitativo seria colocado no centro de análises de diversas Ciências, 
especialmente por seu estatuto de comprovação empírica e exata. 
A História Quantitativa nasce em momento específico no interior da Escola dos Annales, 
sendo motivada pelo contexto em que seus principais expoentes estiveram envolvidos. 
No campo econômico, partindo da História dos preços, que a revolução quantitativa e sua 
apropriação do uso de dados seriais foi sentida com maior expressividade, 
encaminhando-se da Economia para a História Social, com foco nas análises 
populacionais, chegando à História Cultural, especialmente no campo da religião e das 
mentalidades. 
A seguir, trataremos especificamente da História Quantitativa e de suas formas de lidar 
com os problemas postos pelos historiadores, principalmente aqueles da 
chamada Segunda Geração dos Annales. 
Desde as últimas décadas do século XIX, economistas e outros pensadores sociais 
procuraram entender a sociedade por meio de pesquisas baseadas em análises 
quantitativas, principalmente no campo conhecido como a História dos preços. No 
entanto, somente após a década de 1930, motivadas pela quebra da bolsa de Nova Iorque, 
pela hiperinflação alemã e pela grande depressão norte-americana, que essas análises se 
ampliariam e ganhariam força entre os historiadores. 
A Primeira Geração dos Annales (Marc Bloch e Lucien Febvre), embora tivesse grande 
interesse no campo econômico, não deu a mesma importância às fundamentações de 
Karl Marx. Seria na geração seguinte, mais marcadamente com Ernest Labrousse (1895-
1988), que o marxismo penetraria no grupo dos Annales. 
 
É, sobretudo, a partir desse historiador que a conexão entre os estudos econômicos e 
históricos passa a ser sentida de forma efetiva e que se cria um novo modelo de História 
Econômica, que acabaria por abrir campo para desdobramentos em outras áreas como a 
da História Demográfica, da História dos Livros e da História Social. 
É importante ressaltar a grande contribuição da operação de disponibilizar o maior 
número de documentos possíveis catalogados, realizada pelos historicistas do século 
XIX. Com esse trabalho, os documentos estavam acessíveis em arquivos e outras 
instituições, organizados e prontos para o uso de historiadores, estatísticos, economistas 
e outros profissionais. Desta feita, grandes massas de documentos permitiram a 
construção de análises aos historiadores da primeira metade do século XX, que 
desenvolveram trabalhos a partir da quantificação dos mais variados temas. 
Durante décadas (de 1930 a, pelo menos, 1970), centenas de trabalhos foram produzidos 
tendo como base compreender como a sociedade se estruturava a partir de seus aspectos 
econômicos, utilizando para isso séries de documentos como censos, documentos 
comerciais, inventários post mortem, testamentos etc. 
Outro elemento a ser inserido no campo da História Quantitativa foi a abordagem 
comparativa, na qual se destaca o historiador francês Pierre Chaunu (1923-2009), que 
construiu uma análise comparativa entre França, América e China, com foco em 
registros de tonelagem, mercadorias e trocas comerciais. Todas essas pesquisas 
produziram um vasto conhecimento sobre os aspectos econômicos das sociedades, mas 
também sobre outros como a conjuntura social e a demografia populacional. 
A História da população é a abordagem mais importante e recorrente da História 
Quantitativa após a História dos preços. 
 
______ 
💭 Reflita 
Quando observamos nossos livros didáticos vemos, em sua maioria, uma divisão da 
História do Brasil a partir de ciclos econômicos. Por mais que, nos livros, as mudanças 
na forma de organização política também apareçam, a narrativa costuma criar: 
• uma História Colonial dividida em dois grandes ciclos (cana-de-açúcar e ouro); 
• uma História Imperial cafeeira – mesmo quando o café ainda não era o principal 
produto – e, todo o restante, da escravidão à queda do sistema de governo, aparece 
diretamente ligado aos problemas do café; e 
• um Brasil republicano e industrializado ou pelo menos em busca dessa marca da 
modernidade. 
Você já pensou o quanto dessas divisões dizem respeito a estudos inspirados no 
Materialismo Histórico e na História Econômica embasada na análise de séries de 
documentos que estabelecem a permanência de padrões nas relações comerciais, 
políticas e sociais? Você já refletiu que, ao se estabelecer uma História Quantitativa, com 
base em dados econômicos, é possível construir esse tipo de padrão e estabelecer ciclos 
que parecem estruturados de tal forma que não se permite a observação de aspectos 
específicos para além dos dados utilizados na demarcação desses ciclos? 
Os dados seriais: a História Serial e outras 
possibilidades de análises 
Em sua longa trajetória, a História Quantitativa, ao realizar a junção ou justaposição entre 
os movimentos de preço e da população, mostra as consequências humanas de uma 
modificação econômica. Como resultado, muitos historiadores buscaram compreender 
mais que o dado econômico, partindo para análises com foco em aspectos jurídicos, 
sociais etc. 
Pode-se demarcar a década de 1960 como momento em que oficialmente a HistóriaQuantitativa se liga à História Social, sendo o primeiro campo dessa junção a Demografia 
Social. Busca-se, nesse momento, compreender os ciclos dos acontecimentos, as 
adaptabilidades das populações e as mudanças nos padrões de casamentos. E, para isso, 
o estudo regional a partir de dados seriais se torna fundamental. 
Por pelo menos mais uma década, essa História ainda se manteria entre a estrutura 
econômica e a conjuntura social, e, somente a partir da década de 1970, a História 
Quantitativa perderia campo e seria substituída por vertentes que manteriam a busca por 
séries documentais, mas agora por meio de novas propostas criando uma História Serial. 
 
Em resumo, essa nova forma de se utilizar dados seriados pode ser o ponto de partida 
para a problematização de ideias como as propostas por: 
• materialismo Histórico – de uma sociedade compreendida pelas relações entre a 
infraestrutura e a superestrutura; 
• história Quantitativa – que lê a sociedade a partir daquilo que pode ser contado, 
mensurado; 
• história Econômica – com seu foco nas mudanças dos ciclos econômicos ou dos 
modos de produção. 
______ 
🔁 Assimile 
A História Quantitativa tem como proposta observar a sociedade por meio de 
construções quantitativas e numéricas, de valores que podem ser medidos, contados, por 
isso serve tão bem à História Econômica. Assim, suas conclusões são desdobramentos de 
estudos estatísticos, sínteses de dados por meio de tabelas e gráficos, que muitas vezes 
são bastante complexos trazendo curvas de dados, logaritmos e outros recursos 
matemáticos. 
A História Serial pode ser entendida como aquela realizada a partir de determinados 
tipos de fontes que, por terem sido produzidas de forma seriada (fontes do mesmo tipo, 
como testamentos, inventários, processos cíveis e criminais etc.), permitem mapear 
padrões, ou a inexistência deles, em um recorte espacial e temporal. Muitos são os 
campos historiográficos que fazem uso desses tipos de documento para construir 
interpretações qualitativas das sociedades, grupos ou regiões que analisam. 
______ 
Como você pôde concluir, o dado serial é um elemento comum em várias correntes 
historiográficas do século XX, permanecendo ainda hoje como um espaço privilegiado 
para o trabalho do historiador. O uso de fontes em séries, seja para uma análise 
econômica, quantitativa ou qualitativa é uma possibilidade constituída a partir da 
mudança da ideia que se tinha sobre o que era o documento e a relação entre o 
historiador e esse documento. 
Ao se propor o abandono da ideia de um documento como testemunho do passado que 
por ele só poderia levar-nos àquilo que realmente aconteceu, abriu-se o precedente para 
que se observassem documentos diversos para construir interpretações do passado, 
documentos que muitas vezes são produzidos a partir de padrões e em série. 
São esses documentos que permitem, por exemplo, que historiadores da escravidão 
verifiquem a incidência de casamentos entre escravos e estabeleçam análises que 
demonstram padrões de constituição de famílias, permanência em localidades 
rompendo com ideias preconcebidas como a da promiscuidade negra, da inexistência de 
famílias escravas ou, ainda, da separação constante de pais e filhos. 
Estudos como esses se inserem no campo da História Social, que é um dos campos 
historiográficos que se servem da História Serial, outro campo é a História da 
Alfabetização que, por exemplo, por meio de assinaturas ou declaração de ter mandado 
escrever o testamento, o registro de casamento ou outros documentos cartoriais 
consegue mapear em determinadas localidades padrões de instrução e alfabetização. A 
História do Livro e da Leitura também se servirá desse campo da História e, por meio da 
análise de séries de documentos como fluxo de produção, distribuição, relatórios de 
editores, correspondências, busca estabelecer as tendências e hábitos de leitura e 
consumo de livros em diferentes grupos sociais. 
 
➕ Pesquise mais 
Para que você possa ampliar suas leituras e conhecimentos sobre o tema, sugerimos a 
leitura dos seguintes textos: 
• História serial e história quantitativa no movimento dos Annales, de José Costa D’ 
Assunção Barros; 
• História Econômica: algumas questões metodológicas, de Luciana Lambert 
Pereira 
Introdução da unidade 
O estudo da Historiografia é algo que não apenas nos possibilita 
conhecer o que já foi dito, escrito e produzido por e sobre outros 
historiadores, mas, principalmente, que nos ajuda a definir os 
encaminhamentos que pretendemos dar às nossas próprias aspirações 
enquanto historiadores. 
Agora que você já teve contato com as primeiras discussões que 
analisam nosso campo de atuação e nosso ofício, convidamos você a 
ampliar ainda mais seus conhecimentos e habilidades. Sem deixar de 
lado as discussões sobre a prática de nosso ofício, a proposta para esta 
unidade é a de trazer para o palco novos atores que as correntes 
históricas estudadas até o momento não privilegiaram. 
Trata-se de afastar-se de uma História focada na elite, baseada em 
análises de documentos oficiais, produzidos pela e para a elite e 
verificar como os estudos dos subalternos, dos excluídos e 
marginalizados adentrou o campo historiográfico identificando esses 
novos personagens como agentes históricos. 
Considerações iniciais 
O incômodo com uma História construída a partir de documentos produzidos com foco 
na elite, em seus discursos e interpretações sobre o que era e como se organizava o 
https://www.revistas.ufg.br/historia/article/%20view/21693
https://anpuh.org.br/uploads/anais-simposios/pdf/2019-01/1548206369_3be6a0a0bbcc555958194da64a18d92c.pdf
mundo, é uma inquietação que não atingiu apenas os historiadores franceses da primeira 
metade do século XX. 
Essa também seria a motivação para outra grande mudança no campo historiográfico, 
especialmente aquele voltado para os estudos dos mundos do trabalho, em que se 
destaca a figura do historiador inglês Edward Palmer Thompson (1924-1993), um dos 
mais conhecidos e aclamados historiadores do século XX. 
O jovem Thompson fundaria uma revista, a New Reasoner, e mais tarde, em 1958, a 
chamada New Left Review, que agregaria nomes como Christopher Hill (1912-
2003), Stuart Hall (1932-2014), Eric Hobsbawm (1917-2012), entre outros. 
 
O historiador inglês colocou em discussão a necessidade de renovação do marxismo 
criticando duramente o viés autoritário e positivista apresentado em vários trabalhos, 
sempre tendo a democracia e o humanismo como premissas. Sua obra é fruto de uma 
geração que entendia o marxismo como abertura crítica, formada por historiadores 
sociais, que produziram algumas das mais importantes obras de análise sobre as 
sociedades humanas. 
Em 1966, Thompson publicou um breve artigo sobre aquilo que passaria a ser chamado 
de a História “vista de baixo”. Nesse artigo, o historiador registrava os problemas das 
análises realizadas sobre as classes operárias, identificando como, em sua maioria, 
estavam focadas em entidades de elite e patronais, que eram quem produzia os 
documentos sobre o tema, ou naquelas produzidas pelo radicalismo dos líderes dos 
movimentos operários como o cartismo. 
Para ele, com a Revolução Francesa e a Revolução Industrial, a movimentação e 
organização de operários e outros agentes do povo produziram uma nova massa 
documental, que finalmente permitiu uma nova forma de observar o passado, não pelos 
silêncios na documentação, mas pela enorme massa produzida por esses indivíduos, que 
viram seu universo ser totalmente modificado por novas formas econômicas e de 
trabalho. 
🔁 Assimile 
Nesse sentido, o simples estudo quantitativo − de mudanças de preço, no padrão de vida, 
de deslocamentos −, não seria suficiente para demonstrar as alterações no modo de vida 
dos milhões de indivíduos que foram transportados de um mundo agrário para o 
industrial. 
A proposta de Thompson é a de, a partir dessa nova massa documental, demonstrar não 
apenas a vida cotidiana do homem notempo, mas que estes, mesmo em condição de 
subalternos − operários, vendedores e outras categorias – apropriaram-se de ideias e 
ideais e construíram para si mesmos a 
História. Colocando, portanto, aqueles que vêm de baixo como centrais nas mudanças 
ocorridas em seu tempo, instituindo-os como agentes históricos. 
Classe como fenômeno histórico 
Em seu clássico “A formação da classe operária inglesa” (1963), Thompson constrói um 
quadro, no qual retrata as experiências de um grande número de trabalhadores na 
Inglaterra do final do século XVIII e início do século XIX. Sua proposta é a de demonstrar 
que o processo histórico da Revolução Industrial e a implantação do sistema fabril não 
são, por si só, geradores externos da classe operária inglesa, destacando como as 
alterações nas relações de trabalho, oriundas da nova realidade econômica, influenciam 
o fazer-se de tal classe. 
Uma das críticas que Thompson tece é à visão de que os instrumentos físicos de 
produção seriam os responsáveis pelo surgimento das novas relações sociais, hábitos 
culturais e instituições gerando a equação: energia do vapor + indústria algodoeira = 
nova classe operária. 
O autor descarta a ideia de uma independência entre a dinâmica de crescimento 
econômico e a dinâmica da vida social e cultural, de que uma mudança nos meios de 
produção cria autonomamente uma nova classe social. 
Para o historiador inglês, a instauração de uma nova forma de produção não rompe ou 
impede a continuidade de tradições políticas e culturais. Estas acabam sendo 
reordenadas no universo operário a partir das novas realidades de seus articuladores, ou 
seja, não são apagadas ou substituídas por outras – o que caracterizaria uma nova e 
independente classe social. 
Thompson também rompe com a ideia de classe como um conceito ou categoria de 
análise pronto, fechado, que poderia ser aplicado a qualquer realidade ou sociedade que 
estivesse inserida no processo industrial fabril. 
______ 
🔁 Assimile 
Mesmo para casos muito aproximados, como França e Inglaterra, em que as classes se 
apresentam sob as mesmas bases – burguesia e camponeses/operários –, há seres 
humanos que possuem vivências, tradições e ideias de direito diversas que acabam por 
construir classes também diversas. 
É exatamente a dinâmica dada pelas experiências dessas pessoas, dentro do momento 
de intensas mudanças sociais, políticas e econômicas que será o foco da análise de 
Thompson, para compreender como a classe operária inglesa se constituiu. 
______ 
 
Levando em conta que grupos variados de profissionais ingleses se organizavam de 
formas múltiplas muito antes do surgimento da indústria algodoeira, Thompson propõe 
que é dessa união, dessa multiplicidade de experiências, que surge a classe operária 
inglesa, na medida em que crescia a consciência de uma identidade de interesses desses 
trabalhadores em oposição a outros grupos. 
A classe operária inglesa, portanto, não surgiu como fruto da Revolução Industrial ou do 
sistema fabril, mas fez-se a partir da experiência dos indivíduos que a constituíram, 
experiência que se deu para além do aspecto econômico. 
Por se tratar de um fenômeno histórico, agrega também fatores sociais, culturais e 
políticos. Além disso, diz respeito às relações humanas e, como tal, não pode ser gerada 
por aspectos exteriores – uma vez que, mesmo sendo a experiência de uma classe 
determinada pelas relações de produção, essas são mutáveis e impostas a agentes 
históricos diferenciados: ingleses livres, portadores de noções de igualdade e de direito e 
de tradições políticas, e não uma massa amorfa a ser modelada pelo Sistema Fabril. 
A classe operária forma-se a si própria enquanto é formada em um período de duras 
mudanças nas relações de trabalho, em um momento de intensa agitação e de circulação 
de ideias de “liberdade” e de “direito” na Europa, de crescimento da população e de 
desmascaramento das relações de exploração. 
______ 
📝 Exemplificando 
Em períodos anteriores ao da Revolução Francesa e Industrial, grupos sociais 
dominantes e dominados mantiveram acordos que garantiam a manutenção dos 
sistemas sociais existentes. As tradições, especialmente aquelas constituídas em 
relações aproximadas entre senhores e servos, patrões e empregados, estavam calcadas 
em um sistema de dominação e dependência conhecido como paternalismo, em que o 
senhor tinha como obrigação proteger, prover e muitas vezes interceder por seus 
subordinados, que em contrapartida tinham como dever retribuir não apenas 
monetariamente, mas em lealdade e respeito. 
Mesmo que não registradas em leis, as obrigações senhoriais eram compreendidas como 
direito pelos camponeses, que cobravam aquilo que entendiam ter sido estabelecido pela 
tradição. Com as mudanças nas relações de trabalho, dadas pela Revolução Industrial, 
essas relações protetorais foram reordenadas. 
O afastamento entre patrão e empregado, o abandono das obrigações e direitos 
tradicionais, rompem o paternalismo, conferindo liberdade ao trabalhador, mas também 
o deixa desprotegido e à mercê de um novo sistema ao qual ele precisa se adaptar. É no 
processo de inserção nessa nova realidade que os trabalhadores se unem e se 
reconhecem como iguais, criando outras práticas culturais e formas de estar no mundo. 
______ 
A classe para Thompson acontece quando alguns homens, como resultado de 
experiências comuns (herdadas ou partilhadas), sentem e articulam a identidade de seus 
interesses entre si, contra outros homens cujos interesses diferem (e geralmente se 
opõem) dos seus (THOMPSON, 1987a). Essa inovação rompe a forma binária de entender 
a classe: meios de produção – trabalhadores, e introduz um novo elemento: a 
experiência. 
Nessa nova realidade, as relações sociais colocam os trabalhadores em uma condição 
real de exploração e essa exploração faz com que os trabalhadores compartilhem uma 
experiência de oposição de interesses aos de seus exploradores. Assim, a soma dessas 
experiências compartilhadas em um ambiente de exploração gera a consciência de 
classe. 
A exploração e a experiência na formação 
da classe 
Para o historiador inglês, as relações entre patrões e empregados 
tornaram-se mais duras e menos pessoais na medida em que o povo foi 
submetido ao mesmo tempo à intensificação da exploração econômica 
e da opressão política. 
Assim, apesar de um aumento na liberdade dos trabalhadores, sem um 
trato direto e protetoral com o patrão, há um abandono de práticas 
tradicionais de proteção e lealdade que matizavam as relações entre 
dominantes e dominados. É exatamente esse afastamento que levava o 
trabalhador a ligar-se e buscar apoio entre aqueles que passavam pela 
mesma experiência de opressão e exploração. Essa experiência gera, 
para Thompson, uma nova necessidade de organização do operariado. 
______ 
🔁 Assimile 
Esse ponto aparece como central em sua análise, afinal, são as relações 
de trabalho modificadas – as velhas tradições deixadas ou 
ressignificadas – e as novas criadas no interior desse conturbado 
período histórico que permitem perceber como a nova classe social se 
faz. 
______ 
Para Thompson, é exatamente a experiência de viver o período de 
mudança nas bases das relações entre dominantes e dominados, de 
criar novas formas de associação, de organizar-se e de estabelecer 
laços identitários que geram uma consciência de classe. Assim, classe 
é um fenômeno histórico e como tal traz uma noção de relação 
histórica: trata-se de algo que só pode ser compreendido em uma 
relação entre as mudanças no campo econômico e político e da tomada 
de consciência de uma experiência comum que constrói a própria 
classe. 
Para o caso da classe operária inglesa, o seu fazer-se enquanto classe 
se dá na experiência de opressão e exploração causada pela mudança 
das formas de trabalho, que obrigam os indivíduos a reinventarem 
suas formas de ser e estar no mundo. 
💭 Reflita 
De acordo com Thompson, classe não é um conceito fechado, dado, 
pronto,mas uma relação que só pode ser compreendida a partir de 
análises que abarquem o campo econômico e político e da tomada de 
consciência de uma experiência comum. Essa argumentação criaria a 
impossibilidade de se pensar em termos de classes as sociedades, 
como a brasileira, do período escravista? 
A discussão sobre o padrão de vida e a 
consciência de classe 
Outra grande contribuição de Thompson para os estudos dos 
subalternos é a busca por uma análise qualitativa das fontes. 
O historiador britânico criticou o trabalho produzido pela nova 
ortodoxia empirista − fruto do sucesso da História Quantitativa −, muito 
mais preocupada com os dados do que com as mudanças sociais e 
culturais. Esse tipo de abordagem centrada na ideia das fontes como 
meio para criar grandes panoramas e verificar mudanças, preocupada 
com dados “quantitativos”, é, para o historiador inglês, fragmentada, 
pois deixa de lado o processo como um todo, relegando à margem as 
informações qualitativas. 
______ 
🔁 Assimile 
É, exatamente, esse tipo de informação qualitativa que permite 
vislumbrar como a experiência da Revolução Industrial foi sentida 
pelos trabalhadores, como a classe pode perceber-se como classe. 
______ 
 
A crítica de Thompson se estabelece especialmente sobre uma 
constante busca por verificar mudanças no padrão de vida dos 
operários. Por meio da utilização de uma massa de fontes sobre 
trabalhadores com objetivo de simplesmente aferir modificações nas 
condições materiais de vida dos trabalhadores, especialmente para 
melhor, deixando de lado fontes que poderiam oferecer informações 
sobre os aspectos subjetivos – obtidas, por exemplo, em panfletos, 
anotações, produções literárias – que permitem uma leitura de outros 
aspectos da vida desses operários. 
A relação dessas duas experiências no período da formação da classe 
operária inglesa – uma ligeira melhoria no padrão material médio, 
entre 1790 e 1840, e ao mesmo tempo da exploração, da miséria 
humana e da insegurança, e principalmente a maneira como ela é 
sentida pelos indivíduos – é para Thompson a chave para o 
entendimento da expressão cultural e política da consciência de classe 
operária. 
E aqui está a chave para o fazer-se da classe operária de Thompson: 
não basta existir uma infraestrutura econômica que dita 
ordinariamente a superestrutura política e social, é a existência de 
indivíduos inseridos em lugares sociais diferentes dentro desse 
sistema que produz, por meio da experiência de grupo, formas culturais 
e históricas próprias – esses indivíduos constroem a si mesmos 
enquanto classe, por meio da consciência dessa experiência comum. 
Costumes em comum: a cultura dos 
trabalhadores 
Outro ponto crucial para o entendimento da proposta de uma História “vista de baixo” é 
compreender o papel da cultura. 
Para Thompson, o costume e a cultura só serão passíveis de serem observados se forem 
contextualizados, sempre levando em consideração as transformações históricas, por 
meio de uma análise pautada em uma vasta documentação e dentro de um espaço de 
tempo determinado – recorte temporal. 
 
Nessa perspectiva, a ação das camadas populares observadas por meio da documentação 
evidencia o seu protagonismo, estabelecendo-os enquanto sujeitos históricos, com 
motivações racionais, autônomas e coerentes. 
Em sua análise, a cultura é dinâmica, construída e em construção pela inter-relação dos 
fatores sociais, políticos e econômicos. Talvez o mais importante para apreender aquilo 
que Thompson propõe seja compreender como, por meio dos enfrentamentos entre 
dominantes e dominados, registrados em processos, cartas, discussões paroquiais, 
jornais etc., práticas tradicionais são acionadas com estatuto de direitos adquiridos para 
exigir a permanência de determinados espaços de proteção ante mudanças tão drásticas 
nas relações políticas e econômicas, assim como as novas leis e liberdades são 
acionadas para garantir novos direitos e impedir novas formas de opressão. 
 
🔁 Assimile 
É na construção desses lugares e papéis sociais que os homens e mulheres comuns 
exercem seu protagonismo como agentes históricos, capazes de influenciar, criar e 
modificar não apenas suas histórias pessoais, mas principalmente a história do 
momento e local em que vivem. 
A História “vista de baixo”, a questão das 
fontes 
É importante ressaltar que Edward Thompson não é o primeiro e nem o único 
historiador a lidar com a História “vista de baixo”, mas ele articula de tal maneira os 
problemas e a importância do estudo da história a partir de uma documentação 
produzida por aqueles que compõem as classes subalternas, que o próprio termo passa a 
se popularizar e a ser diretamente ligado à sua produção. 
As fontes são cruciais para Thompson: a construção de sua História do fazer-se da classe 
operária inglesa e dos costumes dos trabalhadores é sempre embasada em uma vasta 
documentação. Dessa forma, o diálogo empírico − o modo (ou técnicas) empírico(as) de 
investigação − é uma marca fundamental dessa forma de se fazer e entender a análise do 
passado. 
______ 
🔁 Assimile 
Apenas verificar por meio de documentos oficiais, padrões de preço, deslocamento, 
mudanças na forma de viver não é suficiente para compreender as modificações das 
relações que compõem a tomada da consciência de classe. 
______ 
O historiador precisa, portanto, recorrer aos registros fornecidos pelos próprios agentes 
históricos que pretende analisar. A literatura, a música, os registros escritos e imagéticos 
produzidos aos milhares no decorrer do processo de modificação das relações de 
trabalho, sociais e pessoais na Revolução Industrial permitiu ao historiador construir a 
sua análise. 
Segundo Jim Sharpe, essa profusão de documentação, produzida pelos operários 
ingleses, é ao mesmo tempo um grande ganho para a História “vista de baixo” e um de 
seus principais problemas, na medida em que acabaria por restringir o estudo dos 
subalternos ao recorte dado a partir de 1789, com a Revolução Francesa e com a 
proliferação dos movimentos operários (SHARPE apud BURKE, 1992). 
O aumento dos movimentos de massa produz registros múltiplos que permitem ao 
historiador um estudo profícuo das relações estabelecidas entre patrões e empregados, 
mas como processar esse tipo de análise para outros locais e outros grupos? 
Esse problema foi resolvido com direcionamentos múltiplos com destaque para a busca 
por novas formas de abordar documentações tradicionais como processos da inquisição, 
documentos cartoriais, processos cíveis e crimes, registros paroquiais. Nessa nova forma 
de se fazer a História dos subalternos, os registros oficiais, observados seja de forma 
isolada ou serial, são tomados tendo como princípio a ideia de que o principal é fazer uso 
deles para algo que seu compilador jamais imaginaria que seria usado. 
______ 
📝 Exemplificando 
Pense que, durante um processo inquisitorial no período do Santo Ofício no Brasil, uma 
vasta documentação, agregando denúncias, testemunhos, inquirições e sentenças tenha 
sido produzida a partir da delação de um indivíduo acusado de ser um “feiticeiro”. Ao 
realizar esses registros, todos os envolvidos eram movidos pelas mais diversas intenções 
e obrigações. 
Um historiador no século XXI, no decorrer de seu estudo sobre as práticas religiosas 
africanas que atravessaram o Atlântico, busca compreender como essas práticas passam 
a operar aqui de forma diversa daquela de seu local de origem. Ao se deparar com essa 
documentação do Santo Ofício, encontra descrições minuciosas e recorrentes de 
“feitiços”, “mandingas”, instrumentos utilizados pelo acusado e, a partir disso, consegue 
estabelecer relações com práticas comuns na região de seu estudo, mas também com 
locais da África de que tais práticas podem ter migrado. 
Os produtores desses documentos tinham, sim, intenções. Esses documentos seguiam 
regras de produção e tinham uma finalidade, mas a utilização que o historiador social faz 
dele é totalmente diversa, buscando

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