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HISTÓRIA DA RELIGIÃO Programa de Pós-Graduação EAD UNIASSELVI-PÓS Autoria: Robson Stigar CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090 Reitor: Prof. Hermínio Kloch Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Ivan Tesck Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Prof.ª Bárbara Pricila Franz Prof.ª Tathyane Lucas Simão Prof. Ivan Tesck Revisão de Conteúdo: Welder Lancieri Marchini Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais Revisão Pedagógica: Bárbara Pricila Franz Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Copyright © UNIASSELVI 2017 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. 221.9 R854h Stigar, Robson História da religião / Robson Stigar. Indaial : UNIASSELVI, 2017. 164 p. : il. ISBN 978-85-69910-62-6 1. História - Teologia. I. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. Robson Stigar É doutorando em Ciência da Religião na PUCSP. Possui mestrado em Ciência da Religião pela PUCSP; MBA em Gestão Educacional; Especialização em Filosofia da Arte; Especialização em Catequética; Especialização em Educação, Tecnologia e Sociedade; Especialização em Ensino Religioso; Especialização em Psicopedagogia; Especialização em História do Brasil; Aperfeiçoamento em Ensino de Filosofia; Aperfeiçoamento em Sociologia Politica pela UFPR. É bacharel em Teologia; licenciado em Filosofia pela PUCPR; Licenciado em Pedagogia pela UNINTER. Atua como professor na Educação Básica e no Ensino Superior. Autor do Livro “O Ensino Religioso e sua Historicidade”, possui vários artigos científicos publicados em periódicos e artigos livres em jornais de circulação. Sumário APRESENTAÇÃO ..................................................................... 7 CAPÍTULO 1 Introdução à História da Religião ....................................... 9 CAPÍTULO 2 As Religiões Orientais ......................................................... 57 CAPÍTULO 3 As Religiões Ocidentais ..................................................... 109 CAPÍTULO 4 As Religiões Afro-Brasileiras e Indígenas ..................... 139 APRESENTAÇÃO Entendemos a presente obra como relevante, uma vez que precisamos cada vez mais de subsídios e conhecimentos sobre as Culturas e Tradições Religiosas, tanto a Ocidental como a Oriental, permitindo assim um Diálogo Inter-religioso e a Paz Mundial que segundo Hans Kung só será possível se o mesmo partir das Religiões. No primeiro capitulo a obra procuramos refletir sobre a relação do Ser Humano com a Religião, se existe ou não uma religião natural ou se ela é apenas uma estrutura do produto de uma determinada cultura. Temos também os diversos conceitos etimológicos estabelecidos sobre o termo religião que foram elaborados ao longo da História. No segundo capitulo temos as Religiões Orientais, onde apresentamos as suas principais características, a fim de compreender as suas origens e ramificações. Procura ainda analisar as influências histórico-cultural de cada uma dessas grandes religiões presentes no Oriente, bem como conhecer um pouco da história do Budismo, do Hinduísmo, do Taoísmo, do Xintoísmo e do Confucionismo. No terceiro capitulo são apresentadas as grandes Religiões do Ocidente e suas principais características, a fim de conhecer suas origens e ramificações que ocorreram ao longo da história, objetivando entender um pouco mais da História das Religiões ocidentais e de sua influência na História Geral. No quarto e último capitulo temos as Culturas e Tradições Religiosas Afro- brasileiras e Indígenas. Procuramos apresentar as suas principais características, as suas origens e ramificações. Buscamos ainda diferenciar a Umbanda do Candomblé, conhecer o Sincretismo Religioso e por fim conhecer um pouco do Sentido Religioso, do Sagrado e do Transcendente para a Cultura Indígena. A atual sociedade vive sob efeitos de novos Paradigmas, sendo o Pluralismo Religioso um deles. Neste sentido a presente obra proporciona um espaço de formação e reflexão para aqueles interessados possam aprimorar seus conhecimentos nesta área da Teologia e Ciência da Religião. O autor. CAPÍTULO 1 Introdução à História da Religião A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: � Compreender a relação do ser humano com a religiosidade ao longo da História. � Estudar os conceitos de religiões elaborados ao longo da História. � Conhecer as constituintes das religiões. � Entender as classificações de religião. � Diferenciar o sagrado do profano. � Fazer a análise da Ciência da Religião e sua relação com a História. 10 História da Religião 11 Introdução à História da Religião Capítulo 1 Contextualização Neste capítulo vamos estudar sobre a relação do ser humano com a religiosidade e como ela se desenvolveu ao longo da História da humanidade. Também vamos conhecer os diversos conceitos etimológicos estabelecidos sobre o termo religião que foram elaborados ao longo da História, também pretendemos passar pelas constituintes das religiões e suas classificações, procurando entender suas origens e gênesis. Por fim, pretendemos diferenciar o sagrado do profano e fazer uma análise da Ciência da Religião e sua relação com a História. O Ser Humano e a Religião A busca por uma religião nos leva diretamente ao núcleo do problema da existência ou não de uma religião natural ou se ela é apenas uma estrutura do produto de uma determinada cultura. Se a religião é natural, somos conduzidos necessariamente à questão: de que maneira se considera a religião como constitutiva da natureza humana? Uma resposta a esta pergunta pode ser alcançada se considerarmos as ideias de Eliade (1993) e de Otto (1996), que entendem que a religião possui um caráter Numinoso. Numinoso é uma expressão de origem latina utilizada por Rudolf Otto. Numine significa divindade, Oso corresponde a cheio, assim, podemos afirmar que Numinoso significa cheio de divindade. Assim, ao estudar o Numinoso, podemos dizer que Otto quer apreender o racional e o irracional na ideia de Deus. Essa característica coloca no sujeito que experimenta a experiência religiosa toda a capacidade de se direcionar para o divino mediante um sentimento irresistível de dependência do Criador. Neste sentido, Eliade (1993) entende que o homem possui dentro de si uma inclinação natural ao comportamento religioso. 12 História da Religião Esse ser religioso produz ritos, articula comportamentos e formula distintas religiões sempre com o mesmo objetivo: reverenciar o Criador. E deste modo, somos chamados a entender e viver esta dimensão sagrada da existência humana que rompe com a normalidade e a repetição da vida humana. Por outro lado, se somos religiosos por um simples ato da cultura humana, conforme aponta Hock (2010), temos de entender o comportamento religioso simplesmente como mais um entre os tantos outros que temos. Nesta hipótese, não há nada de especial em ter ou não ter uma conduta religiosa, visto que ter ou não ter tal conduta é um hábito humano totalmente desprovido de qualquer relação divina. Neste sentido, ter uma conduta religiosa seria – conforme apontam alguns sociólogos – um hábito. Segundo Berger (1985), temos hábitos religiosos assim como orações individuais e em comunidade. Logo, não somos seres ligados a uma divindade que queremos reverenciar, apenas cumprimos atividades do cotidiano de modo repetitivo que produz um certo costume religioso em nós. Ambas as hipóteses descritas neste texto possuem problemas e qualidades. Inicialmente apontaremos algumas para que tenhamos a percepção da importância de se entender a religião em nosso mundo contemporâneo.A hipótese de que temos uma religião por sermos seres religiosus é importante para entendermos como o homem se relaciona com o ser divino, ou com os seres divinos, desde os primórdios de sua existência na Terra. Neste aspecto, estudar as civilizações do passado e entender seu modo de reverenciar a Deus ou aos deuses é um modo de entender porque somos seres que veneram a divindade em nosso tempo. Esta hipótese nos coloca no centro do problema e do drama humano: como podemos saber o que a divindade que nos criou quer de nós? Eis aí o conflito interior do homem, muito bem relatado pelos textos das grandes tradições religiosas do Ocidente. O homem precisa se voltar para seu Criador através dos textos, ritos e religião para se religar ao ser que o colocou nesta existência. Esse drama humano pode nos levar às mais belas experiências místicas que já experimentamos e elevar nosso ser ao divino, mas ao mesmo tempo pode produzir uma angústia terrível naqueles sujeitos que não conseguem ter nenhum sentimento ou vivência da dimensão religiosa do humano. A hipótese de que temos uma religião por sermos seres religiosus é importante para entendermos como o homem se relaciona com o ser divino, ou com os seres divinos, desde os primórdios de sua existência na Terra. 13 Introdução à História da Religião Capítulo 1 O limite desta forma de entender a religião consiste justamente em colocar em lados opostos os que possuem este tipo de sentimento de dependência e reverência com relação ao divino e aqueles que nada possuem em seu interior de tal percepção do divino ou da religião. Neste aspecto, a religião estaria limitada ao grupo de homens e mulheres que possui este íntimo de religioso em si, enquanto que aos demais ficaria difícil se encaixar em uma conduta religiosa, pois não se sentem como parte. Já a hipótese de que a religião é um hábito humano e como tal se reduz a isso e nada mais amplia o espectro de indivíduos que alcança, em detrimento da divindade e da sacralidade da experiência religiosa. Nesta hipótese, não há nenhuma relação com o divino em termos de sentimento interior de dependência ou de vivência de uma experiência mística original. Esta perspectiva resume a vivência religiosa ao aspecto formal de um hábito que, conforme aponta Berger (1985), é semelhante a qualquer outro hábito. Em outros termos, a religião como hábito humano tira toda a possibilidade de transcendência com relação com o divino, mas permite uma perspectiva social e cultural para com a existência humana. Neste aspecto, há um ganho social em detrimento do espiritual. O ser humano parece naturalmente tender ao caminho de uma religião. Somos seres que queremos encontrar o significado das coisas, por isso começamos a questionar. As interrogações são verdadeiramente profundas, pois queremos ir além de nossas capacidades. Um dos questionamentos é a questão Religião e Religiosidade. O que é religião? E nós, que desejamos saber o que é a religião, que já sabemos que ela se apresenta como uma rede de símbolos, temos de parar por um momento para nos perguntar sobre o que ocorreu com aqueles que herdamos. Que fizeram conosco? Que fizemos com eles? E para compreender o processo pelo qual nossos símbolos viraram coisas e construíram um mundo, para depois envelhecer e desmoronar em meio a lutas, temos de reconstruir uma história. Porque foi em meio a uma história cheia de eventos dramáticos, alguns grandiosos, outros mesquinhos, que se forjaram as primeiras e mais apaixonadas respostas à pergunta “o que é a religião?” (ALVES, 1999, p. 18). Estes eventos dramáticos que forjaram a maior parte das religiões. Segundo Alves (1999), a religião procura responder a dilemas humanos sem solução aparente. Neste aspecto, o Homo religiosus definido por Otto (1996) nos aparece como sendo uma imposição da natureza humana. Tendemos ao sagrado de modo que, homens que somos, queremos entender o divino mesmo estando distantes dele. O ser humano parece naturalmente tender ao caminho de uma religião. 14 História da Religião Desta maneira, o processo histórico de constituição das religiões, em especial a monoteísta, esteve ligado diretamente ao modo como o homem se relacionou com o sagrado. Tudo o que não pode ser explicado de modo racional acabou por ser constituído como sagrado, e por natural consequência, o rito religioso. No processo histórico através do qual nossa civilização se formou, recebemos uma herança simbólico-religiosa, a partir de duas vertentes. De um lado, os hebreus e os cristãos. Do outro, as tradições culturais dos gregos e dos romanos. Com estes símbolos vieram visões de mundo totalmente distintas, mas eles se amalgamaram, transformando-se mutuamente, e vieram a florescer em meio às condições materiais de vida dos povos que os receberam. E foi daí que surgiu aquele período de nossa história batizado como Idade Média (ALVES, 1999, p. 18). O processo de desenvolvimento da religião no Ocidente aliou dois aspectos. A herança dos hebreus e seu monoteísmo; e a filosofia grega e seus aspectos racionais e diversificados. Ao estudarmos a religião no Ocidente encontramos três grandes religiões monoteístas, a saber: Judaísmo, Cristianismo e Islamismo. Estes grupos religiosos, segundo Eliade (1993), misturam- se com outros grupos menores para formar uma complexa teia de manifestações religiosas. Em seu Tratado da História das Religiões, Eliade (1993) faz uma descrição minuciosa das religiões no Ocidente, tendo em mente a hierofania, ou seja, a manifestação de Deus. Desta forma, elabora uma complexa descrição das religiões europeias, africanas, americanas, indianas, budistas, entre outras. Em sua obra, Eliade (1993) recorre a elementos da natureza, símbolos solares, aspectos da cultura de diferentes povos para expor seus significados religiosos. Desta maneira, tenta englobar fenômenos agrícolas, cosmopolitas e manifestações tribais para articular uma explicação sobre o imenso campo religioso. Tendo como ponto de partida a manifestação do Sagrado no espaço dos templos de cada religião mencionada, Eliade (1993) quer explicar como o mito se articula dentro do sistema religioso. Seu método comparativo procura expor a A religião no Ocidente encontramos três grandes religiões monoteístas, a saber: Judaísmo, Cristianismo e Islamismo. Hierofania, ou seja, a manifestação de Deus. 15 Introdução à História da Religião Capítulo 1 morfologia e a estrutura das religiões e dos mitos para nos trazer o simbolismo e o significado de cada comportamento religioso. Ao contrapor Sagrado e Profano, Eliade (2008) quer estabelecer uma estrutura de explicação para podermos entender como funcionam os grandes movimentos religiosos e suas consequências. Todos estes movimentos aparentemente contraditórios, de unificação e fragmentação, de identificação e de separação, de atração e de resistência ou de repulsão, poderão ser mais claramente apreendidos quando examinadas as diferentes técnicas de aproximação e manipulação do Sagrado (ELIADE, 2008, p. 377). Para Eliade (2008), a dialética entre as hierofanias abre a possibilidade da redescoberta de valores religiosos que se encontram no meio social. Desta maneira, a história das religiões se encontra em um drama, ou seja, a necessidade constante da redescoberta destes valores que nunca são definitivos. Cabe ao historiador das religiões o constante reavivamento destes valores. Neste sentido, uma pesquisa histórica precisa de constante revisão e não existe uma única maneira para entender o modo rígido de funcionamento de uma religião. À medida que se encontram novos elementos, a pesquisa assume novas proporções, sem perder de vista o que já foi pesquisado e o que há a ser pesquisado. Poderemos, então, produzir um constante reavivamento na pesquisa da história da religião se tivermos estas prerrogativas em mente. Logo,a história da religião não é algo fixo, imutável, mas, ao mesmo tempo, não pode ser qualquer coisa, por isso é importante uma boa historiografia para que a pesquisa produza bons frutos. Eis a tarefa do historiador da religião: procurar no passado, e no presente, elementos que lhe permitam, mediante sua escolha de referências epistemológicas e historiográficas, uma pesquisa acurada e clara sobre a relação entre o homem e a religião, desvendando práticas religiosas e permitindo releituras das práticas atuais. A história da religião não é algo fixo, imutável, 16 História da Religião Contudo, não podemos esquecer que o eixo do conhecimento mudou na modernidade e valorizou muito o homem, em detrimento da divindade. Esse aspecto foi muito bem lembrado por Alves (1999). Segundo o autor, a modernidade se libertou das amarras dos conceitos medievais de religião, colocou o conhecimento humano como prioridade na busca pela verdade natural, neste sentido o homem deixou de estar preso aos conceitos medievais e limitados para postular e buscar o infinito. Tudo girava em torno de um núcleo central, temática que unificava todas as coisas: o drama da salvação, o perigo do inferno, a caridade de Deus levando aos céus as almas puras. E é perfeitamente compreensível que tal drama tenha exigido e estabelecido uma geografia que localizava com precisão o lugar das moradas do demônio e as coordenadas das mansões dos bem-aventurados. Se o universo havia saído, por um ato de criação pessoal, das mãos de Deus — e era inclusive possível determinar com precisão a data de evento tão grandioso e se Ele continuava, pela sua graça, a sustentar todas as coisas, concluía-se que tudo, absolutamente tudo, tinha um propósito definido. E era esta visão teleológica da realidade (de tetos, que, em grego, significa fim, propósito) que determinava a pergunta fundamental que a ciência medieval se propunha: “para quê”. Conhecer alguma coisa era saber a que fim ela se destinava. E os filósofos se entregavam à investigação dos sinais que, de alguma forma, pudessem indicar o sentido de cada uma e de todas as coisas. E é assim que um homem como Kepler dedica toda sua vida ao estudo da astronomia na firme convicção de que Deus não havia colocado os planetas no céu por acaso. Deus era um grande músico-geômetra, e as regularidades matemáticas dos movimentos dos astros podiam ser decifradas de sorte a revelar a melodia que Ele fazia os planetas cantarem em coro, no firmamento, para o êxtase dos homens. No final de suas investigações ele chegou a representar cada um dos planetas por meio de uma nota musical. O que Kepler fazia em relação aos planetas os outros faziam com as plantas, as pedras, os animais, os fenômenos físicos e químicos, perguntando-se acerca de suas finalidades estéticas, éticas, humanas. De fato, era isto mesmo: o universo inteiro era compreendido como algo dotado de um sentido humano. É justamente aqui que se encontra o seu caráter essencialmente religioso (ALVES, 1999, p. 18-19). Deste modo, passamos de um universo religioso para um universo que pode, pela razão humana, ser desvendado e explicado. Embora o processo de secularização daí decorrente tenha produzido uma definição de religião fraca, o religioso não desapareceu do meio cultural, como chegaram a profetizar alguns teóricos da era moderna. 17 Introdução à História da Religião Capítulo 1 Atividade de Estudos: 1) Tendo em vista a mudança conceitual existente acerca da religião na Modernidade, o processo de secularização se torna um fato. Assim, o que é secularização e como ela se desenvolve? Para responder estas duas perguntas, leia a resenha do livro A Era Secular: https://revistas.pucsp.br/index.php/rever/article/ view/26199 ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ O Conceito de Religião Conceituar o termo religião nos permite aprofundar a perspectiva do entendimento e o funcionamento de um determinado grupo religioso. Se sabemos o que os dirigentes, os fiéis e os adeptos de um grupo religioso entendem por religião, sabemos também como pensam e organizam suas atividades em torno dela. O conceito de religião nos dá uma ferramenta a mais no entendimento da dinâmica da conduta diária do sujeito religioso. Ao historiador da religião cabe escolher e dinamizar sua pesquisa para o melhor entendimento do material a ser estudado. Embora saibamos que definir religião é uma tarefa difícil, devemos enfrentá- la para diferenciar nossa atividade daquela simples profissão de fé desencadeada durante os ritos religiosos pelos dirigentes e experimentada pelos fiéis, ou seja, precisamos racionalizar a religião e a religiosidade e não apenas vivenciá-la. A definição de “religião” é produto histórico e cultural que no Ocidente adquiriu um sentido ligado à tradição cristã. O termo “religião”, gerado como fruto histórico de nossa cultura ocidental e sujeito a alterações com o passar do tempo, não possui um significado único, depende da escolha de cada um. Ao contrário, somos nós, com finalidades científicas, que conferimos sentido ao conceito. A definição de “religião” é produto histórico e cultural que no Ocidente adquiriu um sentido ligado à tradição cristã. 18 História da Religião A definição não é aleatória: deve poder ser aplicada a conjuntos reais de fenômenos históricos suscetíveis de corresponder ao vocábulo “religião”, extraído da linguagem corrente e introduzido como termo técnico. Entendemos que uma conceituação acadêmica não deve atender a compromissos religiosos específicos, nem ser vaga ou ambígua, por exemplo, definir “religião” como “visão de mundo”, o que pressuporia que todas as “visões de mundo” fossem religiosas. Se “religião” é definida como “sagrado”, a questão então é saber o que é “sagrado” e o seu oposto, o “profano”. Ainda há os conceitos muito excludentes: a afirmação “acreditar em Deus” deixa de fora todos os politeísmos e o Budismo, enquanto a crença numa realidade sobrenatural ou transcendental também não contempla adequadamente os fenômenos religiosos, por não ser comum a todas as culturas religiosas. É importante mencionar que há uma interligação entre religião e filosofia, pois a reflexão filosófica se ocupa do conteúdo da religião, conferindo substancialidade às suas análises e ideias. Em suma, o estudo da religião implica uma análise crítica da estrutura da religião em questão. Se uma religião tradicional ou revelada? Se possui rito ou não? Como os fiéis se relacionam com ela? Que são os fiéis? Podemos entender religião como: religião é um sistema comum de crenças e práticas relativas a seres sobre-humanos dentro de universos históricos e culturais específicos. De acordo com Hock (2010, p. 17), “o termo religião não é usado de modo uniforme, e até sua derivação terminológica é disputada”. Ao dizer isto, o especialista nos lembra que a definição de religião remonta a Cícero (106-43 a.C.), que em seu tratado De Natura Deorum (Sobre a natureza dos deuses) define religião como Em suma, o estudo da religião implica uma análise crítica da estrutura da religião em questão. Se uma religião tradicional ou revelada? Se possui rito ou não? Como os fiéis se relacionam com ela? Que são os fiéis? 19 Introdução à História da Religião Capítulo 1 cultus deorum, ou seja, culto aos deuses, como cultivo ou adoração dos deuses, estando em evidência o comportamento ritual correto (HOCK, 2010, p. 18). O debate acerca dos termos e definições de religião adquiriu grande desenvolvimento na antiguidade romana. Isso significa que não há um consenso geral, apenas como dissemos anteriormente, que se usa mais uma ou outra definição dependendodo contexto. A definição de religião é uma das questões mais controversas no âmbito do estudo e da pesquisa em História da Religião. Vejamos abaixo as definições utilizadas. O termo religião vem do latim “religare”, termo que significa religação: • Re-Legere (re-ler): ler de novo ou reunir; • Re-Ligare (re-ligar): ligar o homem ao Transcendente; • Re-Elegire (re-eleger): tornar a escolher. A definição de religião como religação pode ser manifestada de vários modos: temor, fascínio. Podemos ainda incluir valores morais, como a santidade e uma relação pessoal direta com a divindade. Dentre esses sentimentos de religação que mencionamos o de dependência é o que mais aparece no cotidiano, que por vezes se desdobra em um sentimento de interdependência. Em outras palavras, além de Deus, dependemos uns dos outros. Podemos considerar importante também mencionar a forma como o homem está religiosamente vinculado a uma realidade. Em um primeiro aspecto, a realidade em debate se encontra de alguma maneira no próprio homem, chamamos essa experiência de religião imanente. Em um segundo modo, a realidade divina está infinitamente além do homem. A este modo nominamos de religião transcendente. Imanente significa a realidade da religião do homem e que o significado da religação é concreto no mundo em que o homem está inserido. É interior ao ser humano. Transcendente, por sua vez, significa aquilo além do ente, isto é, aquilo que está além do homem, fora da realidade concreta. 20 História da Religião Isso significa que ao adotar uma definição de religião temos que ser cientes dos limites. No caso de seguirmos a definição de religião imanente, o limite se encontra no objeto em que se experimenta ou sente ou ainda se pensa, pois a dificuldade em sair do concreto impõe uma barreira intransponível. Por outro lado, se seguirmos a religião transcendente, o objeto de adoração ou de crença está tão distante, inatingível, que temos dificuldade em estabelecer um vínculo. No mundo contemporâneo existem inúmeras denominações religiosas, ou se quisermos, tipos de religião, a religião revelada e a religião natural. a) Religião revelada: é um tipo de manifestação de Deus ao homem que ocorre em um determinado momento da história. Neste caso, Deus pode se revelar a um homem ou a um povo que ele elegeu. Ou ainda, a revelação pode ser completamente individual, de foro íntimo, e pode ocorrer em um determinado momento da vida do homem. Neste aspecto, a religião revelada a um povo tende a ser institucional e a religião revelada a um homem tende a ser pessoal. b) Religião natural: é uma série de normas, verdades ou princípios que não se opõem à religião revelada. Agora que sabemos detalhadamente o que é religião, passamos a relacioná- la com os diferentes aspectos do saber humano, começamos por relacioná-la com a filosofia, para entendermos como a religião articula seu raciocínio e modo de expressão com a filosofia. Filosofia e religião encontram-se no que tange à reflexão do conceito de religião, que é eminentemente filosófico. Além disso, é possível dizer que a filosofia é fundamentalmente religiosa. Logo, entendemos que Filosofia e Religião se complementam e se enriquecem. A Filosofia estuda e se ocupa da linguagem da religião. A religião pode ser qualquer uma, pois o importante é analisar os aspectos estruturais, valores, formas e relações entre os conceitos. Na história da religião tivemos muitos elementos que remontam a experiências religiosas. Segundo Eliade (1996), os diferentes símbolos religiosos expressam uma unidade fundamental entre as religiões. Esta hipótese retomada por Eliade (1996) é completamente imposta ao mundo multicultural e facetado em que vivemos. Embora Sêneca (65 a.C.) tenha exposto brilhantemente que a multiplicidade dos símbolos e cultos são aspectos de um Deus único, percebemos que o mundo contemporâneo recupera inúmeras características do paganismo da época romana. 21 Introdução à História da Religião Capítulo 1 A disputa entre as diferentes correntes religiosas aponta a diversidade de ideias no mundo ocidental antigo. Esse processo de contraposição de ideias religiosas continuou na chamada Idade Média. Queremos destacar aqui a riqueza das diferentes expressões religiosas no Ocidente e no Oriente, que, de acordo com vários historiadores, filólogos e arqueólogos, representam a vontade do homem em falar do Sagrado. Podemos resumir a disputa atual entre os historiadores da religião, de acordo com Eliade (1993), em dois grupos: os que centram atenção nas estruturas específicas dos fenômenos religiosos; e os que preferem o contexto histórico desses fenômenos religiosos. Isso significa que o primeiro grupo quer entender a essência da religião, enquanto que o segundo preocupa-se em decifrar e apresentar a história da religião. De acordo com Eliade (1992), o importante para o estudo da religião é tentar mostrar como a experiência religiosa se manifesta. Neste sentido, para o homem religioso o espaço não é homogêneo, existem quebras, existem partes do espaço, diferentes das outras. Para exemplificar isso, Eliade (1992) apresenta uma passagem bíblica conhecida: “não te aproximes daqui, disse o senhor a Moisés; tira as sandálias de teus pés, porque o lugar onde te encontras é uma terra santa” (ÊXODO, 3:5). Neste caso, verificamos que existe um espaço Sagrado que é forte e significativo e outros que são menos importantes, sem consciência. Deste modo, para o homem religioso, o fato do espaço não ser homogêneo pode ser traduzido pela experiência de uma oposição entre espaço Sagrado e o restante que o cerca. Neste sentido, o espaço Sagrado é o único que existe e é real. Desta forma, o homem que experimenta esta experiência religiosa do Sagrado faz uma experiência primordial que corresponde à fundação do mundo. Quando ocorre a manifestação do Sagrado por uma hierofania, além da ruptura da homogeneidade do espaço, ocorre algo muito mais importante, ou seja, a revelação de uma realidade absoluta. Assim, a manifestação do Sagrado é uma fundação ontológica do mundo, é um ponto fixo. Por outro lado, a experiência profana ocorre no espaço homogêneo e neutro. Neste ambiente podemos dividir o espaço de modo homogêneo. Nesta existência profana não há nenhum estado puro. O homem que optar por uma vida profana não consegue abolir completamente o religioso, mesmo que tente. De acordo com Eliade (1992), o importante para o estudo da religião é tentar mostrar como a experiência religiosa se manifesta. O homem que optar por uma vida profana não consegue abolir completamente o religioso, mesmo que tente. Quando ocorre a manifestação do Sagrado por uma hierofania, além da ruptura da homogeneidade do espaço, ocorre algo muito mais importante, ou seja, a revelação de uma realidade absoluta. Assim, a manifestação do Sagrado é uma fundação ontológica do mundo, é um ponto fixo. 22 História da Religião Outra perspectiva de entendimento da religião parte do pensador alemão Hans-Jürgen Greschat (2006), que entende a religião como uma totalidade que deve ser estudada sistematicamente, contudo, o especialista em religião deve ter em mente que o objeto Religião não existe apenas na cabeça dos pesquisadores. Neste sentido, o objeto Religião é algo concreto, real. De acordo com Greschat (2006), a maioria das religiões é clara, com fronteiras bem delimitadas e, por conseguinte, é fácil distinguir quem está dentro e quem está fora. Aqueles que nascem em uma tradição religiosa já fazem parte dela, os que nascem fora dela precisam ser adotados; neste sentido, a maioria das religiões insiste em adotar o estrangeiro, enquanto há outras religiões que querem a conversão. Podemos entender desta reflexão que as religiões integram os seres humanos. Quando os indivíduos desaparecem ou migram, a sua religião deixa de existir, isso significa queo indivíduo precisa reorganizar a sua religião ou se converter a outra, de modo que em alguns casos surgem novas religiões. O objeto Religião não pode ser considerado como um todo compacto e uniforme, pois varia de acordo com a experiência individual de cada sujeito. Para Greschat (2006), as religiões encontram-se em constante transformação, mesmo que sua doutrina esteja solidificada, pois é a dinâmica entre o passado e o presente que as mantém vivas. Essa força vital das religiões coloca em movimento e dá sentido à existência dos crentes. Assim, os textos sagrados constituem um elemento fundamental para solidificação e expansão de uma religião. Este aspecto, aliado à tradição oral, permite à religião difundir suas tradições. Conforme aponta Max Müller (1873), o desenvolvimento da astronomia, da gramática, da filologia e da sociologia contribuiu para o entendimento do que é religião. Em suma, para Greschat (2006), uma religião é semelhante a uma casa, algumas são grandes, outras pequenas, mas cada uma delas tem suas particularidades, sótãos, porões, dentre outros, e para conhecê-las bem é preciso muito tempo de pesquisa. Isso implica entender o modo de funcionamento de um sistema religioso como uma estrutura. Desta maneira, para entendê-la precisamos desmontar as partes, desta forma facilitaremos nossa pesquisa. Uma estrutura é composta de um alicerce, de uma base, de uma aparência externa, de divisões e cobertura. Isso vale, portanto, para o entendimento de uma religião. 23 Introdução à História da Religião Capítulo 1 SOARES, Afonso Maria Ligorio. A teologia em diálogo com a Ciência da Religião. In: Revista Ciberteologia. v. 2. n. 5, 2009. Disponível em: <http://ciberteologia.paulinas.org.br/ciberteologia/wp- content/uploads/2009/06/01ateologiaemdialogo.pdf>. Acesso em: 4 maio 2017. Atividade de Estudo: 1) Ao estudarmos a religião e sua conceituação, percebemos que duas áreas do conhecimento nos ajudam a compreendê-la: a teologia e a ciência da religião. Entretanto, ambas possuem uma estrutura epistemológica e metodológica própria. Neste sentido, leia o artigo: RUTHES, Vanessa Roberta Massambani; STIGAR, Robson; TORRES, Valéria Rocha. Ciência da Religião e Teologia: há diferença de propósitos explicativos? In: Revista Kerygma. v. 10. n. 1. 2014. Disponível em: <https://revistas.unasp.edu.br/ kerygma/article/download/599/637>. Acesso em: 4 maio 2017. A partir da leitura, crie um esquema comparativo que demonstre qual é a estrutura epistemológica da teologia e da ciência da religião. 24 História da Religião As Constituintes Das Religiões O que compõe uma religião? Os elementos que organizam e compõem uma religião podem nos ajudar no seu entendimento. Sem estes elementos ou partes ficamos com um todo, unido, muitas vezes difícil de ser entendido, dado o peso e o caráter sólido de uma religião. Somos lembrados de modo constante de que a religião é, antes de qualquer coisa, um produto humano, é fruto do nosso desejo de divindade ou de nosso hábito. Por vezes, esquecemos que o que compõe a religião, além de suas doutrinas, regras morais e hábitos, é o homem. O ser humano que, com suas dificuldades e preocupações cotidianas, procura sair dessa platitude da existência, linear, fria e sem sentido. Uma religião é composta pelo texto sagrado, pelo carisma pela instituição e pelo rito. Evidentemente que isto varia de acordo com as diferentes religiões, e isso também é característica da riqueza das religiões. É importante mencionar também as formas e as expressões dos fiéis. [...] ela nos obriga a levar a sério também os fiéis de outras religiões e não somente usá-los como instrumentos ou estudá-los de um ponto de vista distante, como o de biólogos que observam um grupo de chimpanzés. Nossas conclusões sobre determinada religiosidade alheia estão corretas? (GRESCHT, 2005, p. 160). A interrogação apresentada pelo catedrático de Marburg (Alemanha) é importante, porque remete à questão biológica de que, se somos naturalmente religiosos ou adquirimos essa condição. No cristianismo, o Cristo constitui a religião com a comunidade dos fiéis. É na comunidade dos primeiros cristãos que se organizou o seio da religião que posteriormente se difundiu. O Cristo, na história humana, representa a perfeita união do homem com Deus. É pela cruz que Cristo nos colocou novamente no caminho da salvação e, ao morrer e ressuscitar no terceiro dia, nos fez homens novos. A santa Igreja, ao instituir os ministérios e a doutrina, estabelece os passos para o homem caminhar rumo à salvação. É na tradição da Igreja que se coloca o homem como imagem e semelhança de Deus. Este homem que, ao receber a verdade da vida de Cristo, transforma o mundo, e com ciência faz da humanidade uma obra que glorifica Deus. Eis que o magistério da Igreja revela toda a dimensão antropológica e divina da mensagem de Deus. Pelo seu rito e pela doutrina é que podemos entender como o homem deve se guiar rumo à salvação na busca pela eternidade. O ser humano que se coloca no caminho da verdade revelada por Cristo se aproxima dos caminhos de Deus e eleva seu ser na direção da eternidade. 25 Introdução à História da Religião Capítulo 1 Esta dupla dimensão - humana e divina - de nossa existência nos leva aos bons atos, mediante nosso discernimento, pois somos seres livres. A liberdade de escolher nos conduz para onde quisermos ir. Esta condição radical da liberdade humana pode nos salvar ou pode nos condenar, depende de nossas decisões, pois Deus e a Igreja já nos apontaram o caminho a seguir. Eis que precisamos questionar: o que é a Igreja? Para que serve? Para responder, devemos lembrar as palavras de Cristo: “tu és Pedro e sobre ti assentarei a minha Igreja”. Ora, Ele mesmo nos disse que a Igreja é a instituição que pelo seu magistério deve nos alimentar na busca da fé deste homem multifacetado em nossos dias por se esquecer do papel da Igreja. Na perspectiva teológica, a resposta de Cristo é forte, pois nos coloca na comunidade dos fiéis e nos retira de todo tipo de individualismos em que o mundo contemporâneo nos coloca. É a lembrança viva de que no magistério da Igreja se realiza a nossa fé. As experiências religiosas organizadas pela Igreja em seu cânon são apresentadas ou expressas de maneira humana e revelam a experiência divina. As experiências humanas partem da revelação do Cristo na história humana. Segundo os teólogos, nossas experiências religiosas ocorrem de modo dialético, pois temos o conteúdo da fé de um lado e, de outro, o conteúdo da fé em si. Este movimento produz experiências nas quais a revelação se afirma. A importância da liturgia para se manifestar o conteúdo da fé. A liturgia aponta o caminho para se criar experiências religiosas humanas. É dentro deste ambiente que a experiência criatural fundamental renova e estabiliza sua fé sob os apontamentos da doutrina da Igreja. No entanto, a experimentação de Deus na liturgia eclesial só é possível por causa do contato diário com o homem do mundo que se coloca de carne e osso diante de nós. Se Greschat (2005) relembra a importância dos fiéis na constituição da religião, Urbano Zilles (2002) nos lembra da dimensão religiosa do humano. Para Zilles (2002), a dimensão religiosa engloba diversas dimensões do ser humano, e embora diversas, não se excluem, elas se completam. Desta maneira, se quisermos conhecer detalhadamente o ser humano, devemos entrar em cada uma destas características sem excluir anteriormente as diversidades de entendimento. Para Zilles (2002), a dimensão religiosa engloba diversas dimensões do ser humano, e embora diversas, não se excluem, elas se completam. 26 História da Religião O que se significa com a palavra religião e religioso. Talvez tal pressuposição esteja certa enquanto se refere às manifestações mais ostensivas, mas quando se trata deprecisar a essência da religião, logo surgem dificuldades sem fim. Quem poderá fixar os limites entre o verdadeiramente religioso e o puramente cultural, folclórico ou social? [...]. Se compararmos o fenômeno religioso com o fenômeno social ou similar, podemos dizer que designamos a estrutura especial do homem definida por sistema de relações com os outros homens [...]. No fundo de toda a situação verdadeiramente religiosa encontra- se a referência aos fundamentos últimos do homem: quanto à origem, quanto ao fim e quanto à profundidade. O problema religioso toca o homem em sua raiz ontológica. Não se trata de fenômeno superficial, mas implica a pessoa como um todo. Pode caracterizar-se o religioso como zona do sentido da pessoa. Em outras palavras, a religião tem a ver com o sentido último da pessoa, da história e do mundo. Fonte: Zilles (2002, p. 5-6). No mundo moderno, as diferentes constituições da religião se confrontam e fragmentam a realidade dos fiéis. A transformação da sociedade ocidental em sociedade secular teve seu ponto culminante na formulação da filosofia iluminista, que exaltou a razão de maneira exagerada. Os desdobramentos da moderna forma de ver o mundo causaram a retirada da religião do âmbito público, relegando-a ao privado. Por isso a salvação se transferiu do nível público para o particular, enfatizando o subjetivismo e o relativismo moral. A salvação no mundo moderno mudou de foco, saiu da esfera religiosa e se inclinou para o lugar secular. É no meio secular que o homem procura a salvação, porque o âmbito religioso é restrito a alguns, enquanto que o meio secular é universalmente acessível. É na política que o homem pode resolver seus problemas particulares e existenciais, porque Deus está muito longe de suas possibilidades. Um exemplo disto é o crescente aumento de organizações civis, sem nenhuma ideologia religiosa, que buscam, por meio de suas ações, defender uma causa específica para o benefício de um grupo de pessoas. Este fenômeno é uma das consequências do esclarecimento moderno. O desenvolvimento moral não esteve em sincronia com o avanço científico. Portanto, o conhecimento do bem e do mal não significa necessariamente uma atitude ética equilibrada e coerente. 27 Introdução à História da Religião Capítulo 1 Esta confusão gera problemas de ordem fundamental para a teologia e o fundamento desta, porque as ciências naturais possuem um largo campo de atuação e muito mais credibilidade acadêmica do que a Filosofia e a Teologia. A tomada de decisão política sobre os fatos sociais leva em si uma transformação da secularização em uma entidade dominante. Por isso, tanto a expansão da democracia e do progresso econômico e tecnológico no mundo como as guerras e as revoluções com suas centenas de milhões de mortos foram fruto de decisões. Esta linha de argumentação conduz inevitavelmente a uma pergunta: qual é o fundamento das decisões enquanto tais? Diante desta perspectiva, a herança perversa da modernidade está intimamente associada ao fato de a política se basear numa teologia política não assumida. O mal emerge com seu pior rosto quando a política oculta habilmente seu vínculo com a religião. Como explica Voegelin (1965), em “A nova ciência do político”, a política moderna pretende abandonar a transcendência em nome da imanência, mas dando a esta o mesmo significado. Em palavras mais simples, a política moderna pretende ingenuamente construir o Paraíso na Terra! Em “A transparência do mal”, Baudrillard (1991) afirma que o bem consiste em uma dialética entre o bem e o mal. Em contraste, o mal se derivaria da negação dessa dialética, na desunião radical entre bem e mal. Concordando metaforicamente, poderia ser afirmado que o bem consiste numa dialética entre a “Cidade de Deus” e a “Cidade dos Homens” (na terminologia de Santo Agostinho (1983)). A redenção e a forma de se livrar do mal na modernidade mudaram do meio estrito da Igreja para se fundar na técnica, ou seja, o homem pode se salvar mediante o uso de máquinas que o transformem em algo mais que o humano. Este ser pós-humano constrói uma religião implícita, que aparece sob outras categorias, sendo importante a teologia mudar o modo de abordar tais questões. Com efeito, o mal deixou de estar associado unicamente à questão da fé ou da crença, passou a fazer parte de discursos retóricos dos acadêmicos, reflete-se com frequência sobre o modo de se redimir dos pecados na esfera civil e pública. Contudo, a religião passou a ser subjetiva, de tal forma que as categorias desse homem pós-humano não são suficientes para explicar a realidade do homem robotizado, tecnologicamente evoluído, mas moralmente fracassado. Na perspectiva da Sociologia da religião, há uma preocupação com os elementos constitutivos da religião que estão ligados à prática social da religião. A 28 História da Religião religião possui várias dimensões e uma delas é justamente o aspecto social que envolve ritos e hábitos, culturas que se mostram na experiência humana como modos ou hábitos. Para Berger (1985), a religião é um campo simbólico específico que opera de diferentes modos e permite a intercambialidade de artigos religiosos e ideias religiosas. Esta forma de expressão da dinâmica da religião aparece de diferentes modos nas igrejas, nos ritos e nos modos de vida dos sujeitos, variando de classe para classe, por isso o mesmo conceito de religião não pode ser aplicado para as diferentes camadas sociais, cada classe consome sua própria forma de religião. Embora a definição de religião possa ser questionada de diferentes modos, temos que entender a necessidade de uma definição provisória ou de trabalho plausível. Nas palavras de Durkheim (1977), gostaria de colocar em evidência a razão fundamental que permite preparar melhor os espíritos, a fim de aceitar a explicação que propus da religião. Essa razão diz respeito a uma característica fundamental da religião, mas que não é imediatamente perceptível, precisamente porque é essencial, aparece progressivamente, na medida em que o estudo avança. Esse caráter é o que poderíamos chamar de virtude dinamogênica de toda espécie de religião. Em uma primeira abordagem, a religião se apresenta como um sistema de representações. Por isso foi geralmente concebida como uma especulação sobre o sonho ou sobre a morte, sobre a natureza infinita ou sobre o ideal. Parece que todo o problema consiste em procurar como, para além do real, o espírito humano chegou a conceber alguma coisa que ele não pode conhecer pelos mesmos processos que a realidade empírica. Para resolver a questão colocada nestes termos, a palavra ideal é particularmente cômoda, porque tem um duplo sentido. O ideal é, num certo sentido, uma coisa humana; ele se elabora nas nossas consciências. Mas, ao mesmo tempo, ele parece voltar-se para um não sei quê, que supera o dado. Parece, pois, que se conseguirmos explicar como os homens chegaram a pensar outra coisa além daquilo que é, teríamos, ao mesmo tempo, explicado aquilo que há de mais fundamental na mentalidade religiosa. Aí não está, entretanto, o essencial da religião. Esta é, antes de tudo, da ordem da ação (DURKHEIM, 1977, p. 38). Neste sentido, a religião é muito mais do que um sistema de sentido que se entrelaça na solidariedade mecânica das sociedades arcaicas, mas na modernidade assume a definição de solidariedade orgânica, os indivíduos particulares é que conferem legitimidade ou sentido para a religião. 29 Introdução à História da Religião Capítulo 1 Assim, as forças religiosas só podem ser forças naturais. Por outro lado, como elas têm, manifestamente, a função de agir sobre os espíritos, é preciso que sejam forças morais. É preciso que elas emanem de consciências, pois somente as consciências podem agir sobre as consciências. Ora, na natureza, no mundo observável, as únicas forças que são superioresàquelas de que dispõe o indivíduo enquanto indivíduo, são aquelas que são produzidas pela covalência e a fusão de uma pluralidade de forças individuais numa mesma resultante: são as forças coletivas. As únicas consciências que estão acima da consciência do indivíduo são as consciências dos grupos. Todavia, a superioridade de que falo não é puramente física: ela é moral. Com efeito, a sociedade é, ao mesmo tempo, autora e depositária de todos esses bens intelectuais cujo conjunto constitui a civilização onde se nutrem as consciências humanas. A sociedade é, pois, a fonte eminente da vida moral na qual se alimenta a vida moral dos indivíduos. A religião, como construtora de um sentido moral único e amplo, produz em seu bojo um sentido universal que lhe garante legitimidade histórica e teológica. Além disso, seu aspecto prático, como bem ressalta a sociologia da religião de Durkheim, permite entender que nós passamos de uma sociedade puramente coletiva e com uma solidariedade mecânica para uma sociedade fragmentada e dividida em inúmeros campos de atuação, em que opera a solidariedade orgânica. Com efeito, o que outrora produzira um modelo de religião fundado na moral coletiva, na chamada modernidade estabelece elementos de uma moral fragmentada pela lógica do mercado e operando com uma moral individual e não coletiva. Através da sociologia percebemos que a religião é, sobretudo, um produto do homem, uma construção: é através da exteriorização que a sociedade é um produto humano. É através da objetivação que a sociedade se torna uma realidade sui generis. É através da interiorização que o ser humano é um produto da sociedade (BERGER, 2004, p. 16). O termo sui generis indica algo que não tem semelhança alguma com outra realidade, ou seja, é algo original e singular. A religião, como construtora de um sentido moral único e amplo, produz em seu bojo um sentido universal que lhe garante legitimidade histórica e teológica. 30 História da Religião Para entendermos como o homem produz religião e sentido, precisamos descobrir como funcionam os mecanismos sociais e o modo de construção destes. “A existência humana é um contínuo ‘pôr-se em equilíbrio’ do homem com seu corpo, do homem com seu mundo. É nesse processo que o homem produz o mundo” (BERGER, 2004, p. 18). A produção do mundo, por sua vez, implica a produção de religião. Neste sentido, a religião “é a cosmificação feita de maneira sagrada” (BERGER, 2004, p. 38). E mais ainda: A parte historicamente decisiva da religião no processo de legitimação é explicável em termos da capacidade única da religião de “situar” os fenômenos humanos em um quadro cósmico de referência. [...] A legitimidade religiosa pretende relacionar a realidade humanamente definida com a realidade última, universal e sagrada. [...] os nomoi humanamente construídos ganham um status cósmico (BERGER 1985, p. 48-49). A palavra “mundo” em “O dossel sagrado” deve ser entendida fenomenologicamente, ou seja, “omitindo-se a questão do seu estatuto ontológico último” (BERGER, 1985, p. 15). Por “mundo dos homens” entende-se uma realidade que, por não vir pronta da natureza como a do mundo biológico dos animais, precisa ser construída pelos homens. Segundo Abbagnano (1999), a fenomenologia deve ser entendida como a área do conhecimento que estuda os diversos fenômenos e sua manifestação na realidade. Uma realidade peculiar, explicada por Berger (1985, p. 18) nos seguintes termos: “Como os outros mamíferos, o homem está em um mundo que precede o seu aparecimento. Em oposição aos outros mamíferos, este mundo não é simplesmente dado, pré-fabricado para ele. O ser humano precisa fazer um mundo para si”. Mais adiante ele afirma que o homem, “biologicamente privado de um mundo do homem, constrói um mundo humano. Esse mundo, naturalmente, é a cultura” (BERGER, 1985, p. 19). O autor entende a cultura como o produto da atividade e da consciência humanas, ou seja, o conjunto de tudo aquilo que constitui o mundo socialmente construído dos homens. E a religião entra em cena como o meio necessário para a manutenção desse mundo. Não é à toa que Berger (1985, p. 15) inicia seu texto dizendo: “Toda 31 Introdução à História da Religião Capítulo 1 sociedade humana é um empreendimento de construção do mundo. A religião ocupa um lugar destacado nesse empreendimento”. Embora, como pesquisador, tenha que ressaltar a dificuldade deste conceito amplo de cultura derivado da sociologia de Berger (1985). No entanto, a construção artificial exige uma manutenção artificial, visto que o mundo humano não se mantém de modo natural. O mundo socialmente construído pelos homens se apresenta estruturalmente muito menos sólido do que o mundo biológico dos animais: “Todos os mundos socialmente construídos são intrinsecamente precários” (BERGER, 1985, p. 42). Isso implica a necessidade dos esforços para se manter o mundo humano em pé. Essa manutenção se realiza por meio de discursos legitimadores, sendo o discurso da religião o mais eficaz para tal tarefa. Isso se deve ao fato de que a legitimação religiosa fundamenta a ordem social em origens que transcendem a história e o homem (KAWAUCHE, 2003, s.p.). Nas palavras do autor: “a religião foi historicamente o instrumento mais amplo e efetivo de legitimação. Toda legitimação mantém a realidade socialmente definida. A religião legitima de modo tão eficaz porque relaciona com a realidade suprema as precárias construções da realidade erguidas pelas sociedades empíricas” (BERGER, 1985, p. 45). Temos então o princípio das ideologias: os discursos legitimadores ajudam a sustentar os mundos humanos. Todavia, a legitimação por si só não garante a manutenção do mundo – antes de tudo, é preciso que haja condições na estrutura da sociedade para que a legitimação tenha efeito. Berger (1985) acredita que a realidade (objetiva e subjetiva) perdurável do mundo construído depende de processos sociais específicos “que permanentemente reconstroem e mantêm os mundos particulares em apreço” (BERGER, 1985, p. 58). O mecanismo de rememoração das “respostas legitimadoras” através do ritual religioso é inútil se não houver uma “base” estrutural que garanta a validade das legitimações. Esse pré-requisito de qualquer sociedade é o que Berger denomina “estrutura de plausibilidade” (BERGER, 1985, p. 58). 32 História da Religião Não basta que as respostas legitimadoras sejam repetidas indefinidamente. É preciso que a sociedade esteja estruturada de tal forma que essas respostas façam sentido. Afinal, a construção social do mundo se movimenta em direção oposta ao caos, visando um sentido para o universo, ou seja, uma teodiceia. Quanto melhor a estrutura de plausibilidade da sociedade, mais autoexplicável é o mundo e, consequentemente, menos discursos legitimadores são necessários para a sua manutenção. No limite, o que se deseja é uma estrutura de plausibilidade que seja capaz de resistir não apenas aos “fenômenos anímicos [...] do sofrimento, do mal e, sobretudo, da morte” (BERGER, 1985, p. 65), mas a todo e qualquer tipo de ameaça à integridade da estrutura, por exemplo, um sentido de mundo alternativo oferecido por uma outra sociedade. E ainda, no caso de uma situação de pluralidade de sistemas religiosos, Berger faz uma analogia geográfica, comentando que a manutenção desses sistemas “envolve a proteção dos limites territoriais de cada estrutura de plausibilidade, estendê-los se possível e a manter controles eficazes sobre os desviados dentro dos respectivos territórios” (BERGER, 1985, p. 2). A manutenção de uma estrutura de plausibilidade é de tal importância na realidade socialmente construída, que os esforços da sociedade são não apenas defensivos, mas também ofensivos. Berger (1985, p. 60) ilustra isso com o seguinte exemplo: [...] a ameaça mútua do Cristianismo e do Islã na Idade Média exigiu que os teólogosde ambos os mundos sociorreligiosos produzissem legitimações que defendiam o próprio mundo de cada um contra o mundo contrário (e que, por sinal, incluíam uma ‘explicação’ do outro mundo nos termos do seu próprio mundo). Para falarmos deste problema, destacamos que manter íntegra a estrutura de plausibilidade de um mundo socialmente construído (seja ele religioso ou não) é uma questão tão crucial para a sociedade (ou melhor, para os ‘promotores’ institucionais dos mundos) a ponto de justificar, sem nenhuma crise de consciência, as guerras mais violentas contra todas as estruturas adversárias (KAWAUCHE, 2003). A sociologia da religião não pretende dar uma explicação definitiva sobre a realidade humana em sua pesquisa sobre a religião, seu interesse é muito mais modesto, ou seja, quer na verdade estabelecer um olhar diferenciado a partir de dento da religião e da vivência desta. Berger (1995) procura no hábito religioso o conceito que lhe dê uma percepção que até o momento estava esquecida. Pluralidade de sistemas religiosos, “envolve a proteção dos limites territoriais de cada estrutura de plausibilidade, estendê-los se possível e a manter controles eficazes sobre os desviados dentro dos respectivos territórios” (BERGER, 1985, p. 2). 33 Introdução à História da Religião Capítulo 1 Quer seja com conflitos ou posturas liberais, a secularização é um processo irreversível dentro da sociedade ocidental, visto que cada indivíduo procura sua própria narrativa de sentido, ou seja, sua própria religião, não existe mais o dossel sagrado e universal que outrora mantinha a sociedade coesa e em bloco. Parece que estamos destinados a experimentar a experiência da fragmentação e particularização da religião, e este processo resulta a retomada da velha regra de Protágoras: “o homem é a medida de todas as coisas”. Sob esta realidade surgem inúmeras denominações religiosas que tornam o campo de pesquisa do historiador da religião muito fecundo. Desta maneira, pesquisar os desdobramentos e as implicações das religiões no mundo contemporâneo nos apresenta vários desafios para o entendimento deste homem. E isso é fruto dessa dissolução da religião tradicional em diferentes modos e expressões de espiritualidade do mundo em que vivemos. Pouca gente aceita os dilemas e o fardo moral de uma grande religião. A unidade social outrora presente na sociedade se pulverizou e somos bombardeados constantemente por mensagens que chegam a ser conflitantes sobre a estrutura das religiões. As manifestações dos crentes de diferentes grupos religiosos mostram que eles desconhecem a sua própria religião e procuram em outras aquilo que está na sua própria. Há de certo modo uma confusão dos fiéis e das próprias organizações religiosas naquilo que passam aos seus seguidores. Não só uma vez vemos e ouvimos mensagens ambíguas que são desmentidas pelo próprio contratestemunho de muitos religiosos. Para não ficarmos na superficialidade de comentários ou opiniões vazias, precisamos entender cada elemento da religião que nós pesquisamos. Ao historiador da religião cabe a tarefa de clarificar essas dinâmicas difusas do mundo contemporâneo. Para aprofundar os fatores constituintes da religião, consulte o site: Espaço acadêmico. Disponível em: <https://www. espacoacademico.com.br/024/24ckawauche.htm>. Acesso em: 4 maio 2017. 34 História da Religião Artigo: STIGAR, Robson. A concepção de religião para Max Weber: um olhar a partir da ciência da religião. In: Revista Kerygma, v. 11, n. 2, 2º semestre/2015. Disponível em: <https://revistas.unasp. edu.br/kerygma/article/view/770/713>. Acesso: em: 4 maio 2017. As Classificações Das Religiões A classificação de uma religião sempre implica escolher critérios, por isso ela não é definitiva. Deste modo, a classificação que propomos é puramente para fins acadêmicos de pesquisa e em nenhum momento possui a pretensão de ser uma definição rígida e última sobre os grupos religiosos. Cabe a questão: por que, então, na disciplina de História da Religião devemos classificar as religiões? Esta questão é pertinente: precisamos de uma classificação dos modelos de religião por dois motivos principais: 1- organizar a pesquisa e o material para o estudo de uma religião; 2- formular críticas e explicações pontuais, evitando generalidades e perspectivas sobre uma religião. Isso nos garante certa tranquilidade e agiliza o processo de identificação de certas características de uma religião pesquisada pelo historiador da religião. Assim ganhamos tempo e qualidade na pesquisa que desenvolvemos. Para podermos pesquisar e entender a estrutura das religiões, precisamos classificar e esclarecer qual é o significado de cada uma das denominações religiosas estudadas. Para estabelecermos uma classificação provisória dos grupos religiosos considerando suas estruturas, de acordo com Hock (2010), definimos algumas características, que têm como objetivo organizar o estudo da história da religião (HOCK, 2005, p. 97-99): Classificação provisória dos grupos religiosos. 35 Introdução à História da Religião Capítulo 1 • O tipo orientado pelo ambiente e pela língua: neste caso há uma relação mútua entre sagrado e profano. Seriam as religiões pré-históricas e do norte da Eurásia. • O tipo culturalmente desintegrado: essa manifestação coloca Sagrado e Profano em polos distintos. Citamos como exemplo antigas religiões sul- americanas e religiões tradicionais do Mediterrâneo. • O tipo orientado por ritos: esse grupo enfatiza os ritos e corresponde a uma ética independente. Os exemplos mais conhecidos são as religiões índicas antigas (védicas), antiga religião Bön do Tibete ou as religiões cananeias. • O tipo relacionado com o tempo: essa religião compreende a religião linear do tempo com conceitos de início e fim do mundo. Mencionamos aqui o Cristianismo Primitivo e o Islamismo Primitivo. • O tipo orientado por normas: esta religião se manifesta por ritos, mas a prática ocorre a partir de uma vivência ética. As mais conhecidas são o Confucionismo e o Judaísmo Rabínico. • O tipo sincretista complexo: este grupo religioso une temporariamente elementos diversificados em diferentes culturas, causando uma diversidade de características religiosas. Exemplos destas manifestações são: Umbanda, Candomblé e, ainda, religiões helênico-sincretistas. • O tipo sintético complexo: este grupo religioso une elementos de diferentes origens de modo definitivo. As religiões mais conhecidas deste grupo são Judaísmo Moderno, grupos de Cristianismo, grupos de Islamismo e o Budismo Maaiana. Estes diferentes grupos evidenciam que vivemos em uma época de crise. “Crise moral do mundo ocidental [...]: a destruição de toda e qualquer tradição, de um sentido de vida mais abrangente, de padrões éticos imprescindíveis [...]” produziu seres que “não sabem mais que preferências seguir, que prioridades colocar e que imagens orientadoras escolher” (KÜNG, 2004, p. 28-29). As mudanças substanciais em nossa sociedade colocam os extremismos em evidência, e os conflitos devem ser evitados, este é o motivo do estudo das religiões. Se conhecermos bem as dificuldades das nossas expressões radicais de religião, poderemos evitar os conflitos. 36 História da Religião Existem sete dimensões de mudanças que devem ser consideradas: a política mundial deixou de ser eurocêntrica para tornar-se policêntrica; não é mais colonialista e imperialista, mas, sim, de cooperação internacional; no campo da economia, o capitalismo e o socialismo são substituídos por um tipo ecossocial de mercado; a sociedade industrial é substituída pela de serviços e de comunicação; nas relações sociais, evidencia-se o surgimento de um sistema pós- patriarcal nas relações de gênero; a cultura passa a ser entendida não mais como ideologia, mas como pluralista e integral; e, por fim, no campo dareligiosidade começa-se a buscar uma comunidade mundial multiconfessional ou ecumênica. Fonte: Küng (2004, p. 45-46). Segundo o teólogo Küng (2004, p. 46), “uma decadência de valores, mas uma fundamental transformação de valores”, que possibilitaria o desenvolvimento do ser humano todo e de todos os humanos. Mas, para tanto, seriam necessárias quatro passagens: a passagem de uma ciência desvinculada da ética para uma eticamente responsável; de uma tecnocracia subjugadora para uma tecnologia que serve à promoção da humanidade; de uma indústria que degrada o meio ambiente para uma que promova os verdadeiros interesses e necessidades da humanidade em harmonia com a natureza; e de uma democracia formal e de direito para uma vivencial, na qual haja a reconciliação da liberdade e da justiça. Fonte: Küng (2004, p. 46-47). A busca pela paz pode ser conquistada com diálogo e abertura ao debate, evitando a perda de vidas. Sabemos dos limites da racionalidade humana, mas podemos construir um diálogo frutífero se nos colocarmos em posição de compreensão para com o outro. A busca pela paz pode ser conquistada com diálogo e abertura ao debate, evitando a perda de vidas. 37 Introdução à História da Religião Capítulo 1 A concordância de que se pode resolver conflitos sociais de uma forma não violenta. O que pressupõem uma ordem econômica e uma ordem jurídica? A concordância no desejo de orientar por determinadas ordenanças e leis. O que pressupõem as instituições que sustentam essas ordens, mas que constantemente estão em transformação? Resposta: o desejo de pelo menos silenciosamente concordar sempre de novo com elas. Fonte: Küng (2004, p. 59-60). Isto significa que existe o temor do obscurantismo fundado no extremismo religioso, o que se finda na retomada de sentimentos arcaicos. Num outro sentido, a contrariedade à fé cientificista no progresso, oriunda de um naturalismo cru que dissolve a moral. [...] Mas isto não é espantoso, visto que a contemporaneidade possui como característica própria este fundamentalismo islâmico, e em outros momentos um fundamentalismo cristão, porém, apesar de o fundamentalismo ser um fenômeno moderno, “o que impressiona de imediato é a não contemporaneidade dos motivos e dos meios. Ela (atitude) é o reflexo da diferença temporal entre cultura e sociedade” (HABERMAS, 2004, p. 136). [...] Por isso podemos dizer que os argumentos dos terroristas são anteriores à separação entre Igreja e Estado. Com efeito, “o que é decisivo é que a mudança de mentalidade, que se exprime politicamente por meio da separação entre Religião e o Estado vê-se claramente bloqueada por sentimentos de humilhação” (HABERMAS, 2004a, p. 137). Isso ocorre em diferentes partes do mundo, mesmo na Europa, onde existem sentimentos ambivalentes frente à secularização (SCHUCK, 2010, p. 27-28). A busca pela paz em meio ao mundo europeu secularizado esbarra na ineficácia dos mecanismos de controle do Estado, não queremos um Estado medieval, mas ao mesmo tempo precisamos de um Estado moderador. Existe, assim, uma radicalização entre as diferentes expressões secularizadas da modernidade. [...] Isto significa que a guerra contra o terrorismo não é uma guerra, na verdade é um choque funesto entre dois mundos, civilizações diferentes, e concepções de mundo divergentes. Assim, o que se espera não é um Estado com fundamento em Hobbes, garantidor da paz universal pelo uso da força e da imposição do medo, mas um poder modelador que permita um mínimo de civilidade em escala mundial. “No estágio em que estamos não podemos esperar por nada além de um artifício da Razão e por um pouco de autoconsciência” (HABERMAS, 2004, p. 137). Contudo, 38 História da Religião para esperarmos por isso, precisamos entender bem o que significa a distinção entre secularização na sociedade pós- secular e razão moderna. É por isso que Habermas retoma a clássica distinção entre fé e saber (SCHUCK, 2010, p. 28). O estudo da religião requer uma gama de características diversas que englobe os diferentes campos de conhecimento presentes na academia para evitar a intolerância e o proselitismo. Desta maneira, o conhecimento que se funda na diversidade adquire abrangência, contudo pode carecer de profundidade. A ciência da religião, inserida na dinâmica da sociedade do século XXI, sofre duplamente a influência dos fenômenos radicais por um lado e, por outro, a total liberalização. A contingência e singularidade assumem papéis importantes na estruturação do conhecimento durante os séculos XVIII e XIX. Os estudos realizados nas diferentes áreas de conhecimento, especialmente historiografia, filologia, sociologia e a antropologia, contribuíram substancialmente no alargamento do conceito de religião. O Eurocentrismo começa a sofrer os primeiros abalos mediante o conhecimento de novas culturas. Mediante a consideração de que “imediatamente relevante é o objeto “religião”, ou seja, qualquer crença ou sensação religiosa subjetiva, bem como expressão religiosa manifesta empiricamente e acessíveis por pesquisadores da religião” (GRESCHAT, 2006, p. 32). Desta sorte, o conhecimento expresso de maneira integrada garante uma abrangência maior sem deixar de mostrar a singularidade e profundidade de diversas áreas de conhecimento. Isto permite perceber a importância do contato direto com o objeto “religião”. Substancialmente, o ensinamento parece ser a necessidade de produzir conhecimento e não apenas reproduzir (SCHUCK, 2010, p. 28-29). O avanço das ciências nos séculos referidos e de modo especial no século XX permitiu aprofundar substancialmente os conhecimentos acerca da religião. No entanto, o conhecimento por vezes ainda se autoexclui, porque os denominados ateus defendem a impossibilidade de sustentar o Deus tradicional, enquanto que a corrente dos que entendem a importância da divindade se apoia na experiência prática da religião. O modo de compreender a realidade e entender a formação do conhecimento acaba por excluir completamente todas as formas de incluir Deus no discurso da ciência. O conhecimento envolve somente o saber acerca do que se pode demonstrar e mensurar. A crise decorrente desse problema provém principalmente do modelo epistêmico adotado fundado no ceticismo dogmático. Por outro lado, os que defendem uma postura que inclui a divindade no discurso argumentam em prol de uma sociedade mais justa invocando a presença de uma divindade. Os pensadores de vertente social argumentaram por um caminho totalmente ateu por muito tempo, especialmente nos anos de 1960 a 1970, mas 39 Introdução à História da Religião Capítulo 1 lentamente a permanência da religiosidade de fato transformou o modo de pensar de alguns sociólogos. Entre os pensadores da Escola de Frankfurt, o exemplo dessa tendência é Habermas, enquanto professor universitário tendeu mais para a primeira corrente; contudo, após a aposentadoria em 1994, assumiu uma preocupação maior com a religião e sua presença na sociedade contemporânea. A modernidade é um processo que ataca a religião tradicional e que permanece dentro desse âmbito. O objeto de estudo não muda de lugar, mas assume uma nova forma de se expressar, de se impor. Para Habermas, “a moral do igual respeito por cada um vale independentemente de qualquer tipo de contexto religioso” (HABERMAS, 2007a, p. 239). Deste modo, a religião não pode ser usada como justificativa ética, visto que a ética se configura como condição de sobrevivência em sociedade (SCHUCK, 2010, 29-30). No contexto contemporâneo da Ciência da Religião emerge uma nova forma de abordagem, “afastando-se tanto das escolas fenomenológicas como científico-sociais da religião. Trata-se da aplicação de princípios e métodos darwinianos aos objetos de estudo clássicos, uma aplicação tão promissora quanto controversa” (CRUZ, 2007, p. 261). Com efeito, as diferentes áreas de conhecimentoprocuraram uma solução para o fenômeno religioso e as práticas religiosas das diferentes culturas. Estudar a real experiência religiosa das diferentes culturas presentes na contemporaneidade parece ser o principal desafio da Ciência da Religião. O homem contemporâneo se depara com uma contradição fundamental: de um lado floresce um ateísmo radical, enquanto que, por outro, o radicalismo religioso serve para justificar atentados armados e intervenções militares. A definição de religião é muito controversa e difícil. A pergunta que suscita é uma aporia da razão teórica, como formulara Kant, e responder ao que é a religião seria demasiado para a limitação do humano. Assim, buscar os fundamentos últimos de uma ciência da religião é uma tarefa humanamente impossível (SCHUCK, 2010). Por isso, alguns teóricos preocupar-se-ão em estudar a religião partindo do fenômeno, de como ela é manifesta na dimensão da existência humana. Preocupar-se-ão, não em definir o que é, mas como as pessoas vivem suas religiões. Os chamados fenomenólogos da religião preocupar-se-ão com o modo de funcionamento do sistema religioso. Porque seu fundamento é o relativismo de Protágoras e a teoria da ação de Wittgenstein, ou seja, não importa a verdade, 40 História da Religião mas como se usam os termos religiosos na prática, pelo uso é que se justificam as atitudes e os ritos dentro de uma determinada religião. É claro que esta postura possui problemas em seu bojo, contudo ela se aproxima mais de como funciona o sistema de crenças na sociedade do século XXI. Aparentemente, alguns pensadores caminham para lados diferentes, mas se olharmos mais de perto perceberemos que: apesar de usarem métodos de abordagem diferentes, ambos concordam sobre um tema, a religião serve como reserva de conteúdo para os juízos morais. Mesmo na sociedade chamada por muitos de pós-metafísica ainda existe um ponto de reserva semântica para as atitudes do ser humano (SCHUCK, 2010). A pluralidade que constatamos no mundo contemporâneo é fruto da fragmentação da sociedade em que vivemos. A religião não desapareceu, ela está pulverizada, espalhada em diferentes campos de vivência espiritual. Assim, o mundo permeado por diferentes cosmovisões se mostra com dificuldades de dialogar. Sob a pretensa afirmação de que cada cultura é diferente se esconde um dogmatismo, da mesma maneira se verifica essa tendência nos que afirmam a universalidade de uma visão de mundo. A dificuldade parece justamente estar nos exageros da razão ou da crença, contudo é muito vulnerável falar de equilíbrio quando se define religião, fé, conhecimento, verdade e outras definições que parecem soar ingênuas frente à promiscuidade semântica da contemporaneidade. Talvez a persistência da presença da religião no âmbito público seja uma resposta à falta de sentido que a filosofia contemporânea projetou sobre o ser humano. Porque não crer em nada e nem mesmo no próprio homem parece desesperador, uma vez que construímos nossa vida sobre crenças muitas vezes frágeis (SCHUCK, 2010). O meio em que vivemos, ao contrário do que muita gente pensou e pensa, está permeado pelo âmbito religioso, e isso é uma percepção do mundo em que vivemos. Como mencionamos anteriormente, o fiel encontra-se em outra esfera, sua demanda não pode mais ser respondida pela religião tradicional, mas ao mesmo tempo ele procura nela o sustentáculo semântico para continuar a existir. Esta angústia individual se reflete na esfera pública, se o filósofo perdeu seu papel de intelectual e o sacerdote não é mais a única 41 Introdução à História da Religião Capítulo 1 autoridade a ser ouvida quando assunto é fé, os estados nacionais se encontram em uma aporia; refutam a religião e, com ela, muitos fiéis aceitam as diversidades e negam se a preceito axiomático de laicidade. Novamente uma narrativa cosmológica, [...] não serve para explicar a dinâmica entre fé saber no mundo contemporâneo. O próprio Habermas se posiciona frente à filosofia da história de Hegel com algumas ressalvas importantes e, além do mais, a dinâmica do século XX e início do XXI apresentou certa negação ao postulado hegeliano de que a filosofia do espírito substituiria a religião (SCHUCK, 2010, p. 45). Poderíamos, no entanto, devolver o problema ao apresentar os limites da sociologia e da filosofia, pois a autofundação da razão em nível ontológico não prova nada. Partindo de uma visão teológica sistemática se poderia, por exemplo, evocar a união ontológica de Deus com o homem e seus graus de hierarquia, usando a filosofia como instrumento. Assim, a religião seria a forma do ser humano agradecer a Deus por existir, uma vez que Deus é o único ser que é. Portanto, no problema da dinâmica da sociedade pós-secular podemos perceber que existe uma variedade muito grande de posicionamentos possíveis frente à fé em relação ao conhecimento. A dinâmica presente no processo de secularização não pode ser considerada apenas por um dos lados, ou seja, o Iluminismo não suprimiu definitivamente as noções de religião do âmbito acadêmico e tampouco da vida dos cidadãos secularizados. O resultado deste processo de secularização é um conjunto de religiões jovens que podem ser chamadas até de tipos de espiritualidades que não se permitem a um significado global da moral. Suas perspectivas são sempre relativas e pontuais, nunca há uma definição universal de sentido religioso em questão. Sempre se resumem a experiências religiosas particulares e limitadas. Deste modo, classificá-las torna-se uma tarefa difícil, pois elas possuem características muito voláteis e que variam muito de um período para outro, ou mesmo de indivíduos. Desta maneira, o historiador da religião deve estar atento ao modo como estas religiões jovens se organizam e se caracterizam. O Sagrado E O Profano Ao nos defrontarmos com o mundo em que vivemos, temos diferentes percepções, mas duas aparecem de imediato em nossa existência: o sagrado e o profano. Quer por causa das proibições e dos interditos ou pela percepção do sublime e do belo, somos levados a entender que no mundo existem duas dimensões básicas. 42 História da Religião Esta divisão entre coisas e atos sagrados e profanos reforça o comportamento religioso nos sujeitos e lhe confere certa maneira natural de agir. Devemos evitar as coisas profanas e buscar as sagradas, devemos evitar as atitudes profanas e procurar as sagradas. Neste sentido, somos guiados novamente no caminho do qual nos desviamos por razões de desobediência do Criador. Por isso, a dimensão do sagrado que irrompe e deixa o profano submetido a ele. Ao se manifestar no tempo o sagrado se sobrepõe ao profano como evento hierofânico. Essa hierofania se impõe e garante uma experiência do divino ao sujeito. Embora o mundo contemporâneo tente negar essa dinâmica, ela se faz presente e não depende da vontade dos indivíduos. A manifestação do Sagrado é independente, é vontade do Criador. Deus decide em qual local e tempo a experiência se manifestará. No mundo contemporâneo, o homem vive imerso em uma dimensão totalmente profana e sem sentido de sacralidade, isto ficou pelo caminho. O desenvolvimento científico e tecnológico nos colocou em outra dimensão, somos seres que vivemos cheios de aparatos para nos colocar a par de tudo o tempo todo. O caráter sagrado dos deuses se perdeu. Parece até que nós somos os novos seres divinos. Não cabe em nosso tema descrever a história da lenta dessacralização da morada humana. Este processo faz parte integrante da gigantesca transformação do mundo assumida pelas sociedades industriais - transformação que se tornou possível pela dessacralização do Cosmo, a partir do pensamento científico e, sobretudo, das descobertas sensacionais da física e química. Mais tarde, teremos ocasião de indagar se esta secularização da Natureza é realmente definitiva, se não há nenhuma possibilidade,
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