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TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS Giovani Zanetti Neto Instituto Federal do Espirito Santo – Ifes Centro de Referência em Formação e em Educação a Distância - Cefor Rua Barão de Mauá, 30 - Jucutuquara, Vitória - ES, 29040-860 Telefone geral: (27) 3198-0900 https://cefor.ifes.edu.br/ Material originalmente produzido para o Centro de Referência em Formação e em Educação a Distância (Cefor) do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo (Ifes). Como citar: ZANETTI NETO, G. Tendências Pedagógicas. Apostila digital. Vitória: Ifes, 2021. Disponível para download. Sumário ALGUNS CONCEITOS .......................................................................................................... 4 Pedagogia .......................................................................................................................... 5 Epistemologia .................................................................................................................... 6 Ideologia ............................................................................................................................ 7 Abordagem Educacional ................................................................................................... 8 Metodologia ...................................................................................................................... 9 Didática, Sequência Didática e Unidade Didática ........................................................... 10 Mediação ......................................................................................................................... 12 Práticas Pedagógicas ....................................................................................................... 13 TIPOLOGIA DE CONTEÚDOS ............................................................................................ 15 Tipologia de Conteúdos .................................................................................................. 16 BREVE HISTÓRIA DAS IDEIAS PEDAGÓGICAS ................................................................. 19 O Pensamento Pedagógico Grego ................................................................................. 20 O Pensamento Pedagógico Romano .............................................................................. 22 O Pensamento Pedagógico Medieval: Cristãos e Mulçumanos ...................................... 24 O Pensamento Pedagógico Renascentista ...................................................................... 26 O Nascimento do Pensamento Pedagógico Moderno ................................................... 28 A FUNÇÃO DA EDUCAÇÃO .............................................................................................. 30 TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS ........................................................................................... 33 Introdução ....................................................................................................................... 34 Tendência Pedagógica Tradicional ................................................................................. 36 Tendência Pedagógica da Escola Nova .......................................................................... 38 Tendência Pedagógica Centrada na Pessoa ................................................................... 41 Tendência Pedagógica Tecnicista ................................................................................... 44 Tendência Pedagógica Crítica ......................................................................................... 47 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 51 4 Seção 1 ALGUNS CONCEITOS Com o objetivo de fundamentar a reflexão sobre o tema Tendências Pedagógicas, revisitaremos aqui alguns conceitos de termos comumente utilizados na área de educação. Como veremos, a acepção dos conceitos remonta à Grécia Antiga, assim vamos aproveitar um trecho do livro “A República”, escrito pelo filósofo grego Platão, que viveu entre 428 e 347 a.C., para ilustrar a permanência das reflexões sobre o tema Educação ao longo da história: Glauco — Seria uma excelente educação. Sócrates — E, decerto, por esta razão, meu caro Glauco, que a educação musical é a parte principal da educação, porque o ritmo e a harmonia têm o grande poder de penetrar na alma e tocá-la fortemente, levando com eles a graça e cortejando-a, quando se foi bem-educado “A República” Platão Cerca de 380 a.C. p. 124 5 Pedagogia O termo pedagogia deriva das palavras gregas: Ø Paidós: criança Ø Agodé: condução Assim, o termo Paidagogos origina-se da junção de paidós (criança) e agogos (condutor), ou seja, “aquele que conduz a criança” em sua formação. De acordo com o Dicionário Online de Português, a Pedagogia tem dois sentidos: Ø Ciência cujo objeto de análise é a educação, seus métodos e princípios; reunião das teorias sobre educação e sobre o ensino. Ø Reunião das práticas e métodos que garantem a adequação entre o conteúdo didático e as pessoas que se utilizaram dele. Da mesma forma, o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, indica os mesmo dois sentidos para o termo: Ø Ciência da educação Ø Método para ensinar Assim, podemos conceituar a a Pedagogia como a "ciência que investiga a teoria e a prática da educação nos seus vínculos com a prática social global" (LIBÂNEO, 2003, p.13), ficando claro que o termo atualmente se relaciona a qualquer faixa etária e à processos de ensino e aprendizagem que ocorrem nos mais variados contextos, tanto escolares quando não escolares. O objetivo de tratar esse conceito é que, não raro, encontramos professores e professoras que dissociam sua prática docente do universo dos profissionais da pedagogia, como se essa fosse uma responsabilidade de um setor específico da escola. É importante afirmar que a dimensão pedagógica abarca todo o processo de ensino e aprendizagem. 6 Epistemologia O termo epistemologia deriva das palavras gregas: Ø Episteme: conhecimento, ciência Ø Logos: discurso, estudo Atualmente, a Epistemologia é entendida como a Teoria do Conhecimento. Seus problemas de análise envolvem a concepção do conhecimento tido como verdadeiro, algo como o conhecimento do conhecimento ou o estudo do conhecimento. De acordo com o dicionário de Filosofia de Abbagnano (2007) o "problema cujo tratamento é tema específico da teoria do Conhecimento é a realidade das coisas ou, em geral, do mundo externo" (ABBAGNANO, 2007, p.183). De acordo com o autor, a Teoria do Conhecimento se fundamenta em dois pressupostos: Ø O conhecimento é uma "categoria" do espírito, uma "forma" da atividade humana ou do "sujeito", que pode ser indagada em universal e em abstrato, isto é, prescindindo dos procedimentos cognoscitivos particulares de que o homem dispõe fora e dentro da ciência; Ø O objeto imediato do conhecimento é, como acreditava Descartes, apenas a ideia ou a representação; O importante aqui, em relação ao conceito, é observar que não é possível considerar qualquer conhecimento per si, ou seja, de forma isolada e desconectado de um contexto histórico. Dessa maneira, qualquer conteúdo ou metodologia de ensino possui um processo histórico de construção, e estudar tal processo é identificar os pressupostos teóricos que os fundamentam. 7 Ideologia O termo ideologia surge no início do século XIX entre pensadores franceses com o sentido de uma “ciência natural da aquisição, pelo homem, de ideias calcadas no real” (CHAUÍ, 1984, p.25). Esses intelectuais defendiam uma nova moral e pedagogia baseadas em pressupostos científicos, e se afastavam conceitos religiosos e metafísicos que naquelemomento imperavam. Todavia, a partir do positivista Augusto Conte o termo ideologia passa a ter dois significados: Ø O significado primeiro de atividades filosófica-científica que estuda as ideias Ø E passa também a significar o conjunto de ideias de uma época. Por sua vez, o sociólogo Durkheim atacou o conceito de ideologia como algo não científico, inteiramente individual e subjetivo, sendo assim um tipo de saber tradicional, que não respeita os critérios científicos de produção conhecimento. Em Karl Marx, por sua vez, o termo tem o sentido de instrumento de reprodução do status quo. A ideologia é seria uma inversão da realidade, algo como uma falsa consciência sistemática da realidade, através da qual as classes dominantes que predominam em cada sociedade, produzem as ideias dominantes que tendem a ocultar a verdadeira face da realidade. Fazendo assim parte dos sistemas de dominação. Por fim, temos em Abbagnano (2007) o seguinte conceito: “(...) pode-se denominar Ideologia toda crença usada para o controle dos comportamentos coletivos, entendendo-se o termo crença em seu significado mais amplo, como noção de compromisso da conduta, que pode ter ou não validade objetiva”. O conceito de ideologia é polissêmico, podendo ser entendido em uma perspectiva a priori neutra, a partir do senso comum, como “conjunto de ideias, princípios”. Contudo, em uma visão crítica, politizada, a ideologia se relaciona aos sistemas de dominação presentes em qualquer sociedade. O importante é, antes de utilizar o conceito, de referenciar o termo ao referencial teórico utilizado. 8 Abordagem Educacional O termo abordagem tem aqui o mesmo sentido de perspectiva: Ø Perspectiva: modo como se concebe ou se analisa uma situação Ø Perspectiva: panorama, vista Sendo assim, uma perspectiva educacional, ou abordagem educacional, tem o sentido de uma proposta geral para a educação, uma intenção geral para a finalidade da educação. Temos então uma uma proposta geral para a educação, mas que não apresenta, desenvolve ou propõe uma metodologia de ação específica. Exemplos: Ø Educação para Cidadania Ø Educação Crítica Ø Abordagem Ciência, Tecnologia e Sociedade Ø Abordagem Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática Abordamos esse conceito para marcar uma distinção entre uma “Abordagem Educacional” e um “Metodologia de Ensino”. Por exemplo, ao defender uma Educação para a Cidadania como vetor para o processo educativo, se está propondo um sentido e um objetivo amplo, contudo não se determina uma metodologia estrutura para a ação educativa. A abordagem Educacional se relaciona ao objetivo geral pretendido, mas não necessariamente e ao método para atingi-lo. 9 Metodologia A palavra “método” origina-se do grego methodos, composta pelas raízes: Ø Meta: por, através de Ø Hodos: caminho Dessa forma, tem por significado um “conjunto de procedimentos racionais, baseados em regras que visam atingir um objetivo determinado” (JAPIASSU, 2001). Pensando na Metodologia Científica, o conceito indica a descrição de como a pesquisa foi realizada: quais técnicas e métodos foram utilizados, em qual sequencia, qual foi o tipo de pesquisa, quem foram os sujeitos da pesquisa, quais instrumentos de coleta de dados foram utilizados e como esses dados foram analisados. Por sua vez, no contexto da educação podemos utilizar o conceito de Metodologia de Ensino, ou Método de Ensino, como “as ações do professor pelas quais se organizam as atividades de ensino e dos alunos, para atingir objetivos de trabalho docente em relação a um conteúdo específico” (LIBÂNEO, 2003, p.167). 10 Didática, Sequência Didática e Unidade Didática O termo Didática tem por sentido, de acordo com o Dicionário Online de Português: Ø Arte de ensinar, de transmitir conhecimentos por meio do ensino. Ø Conjunto de teorias e técnicas relativas à transmissão do conhecimento. Por sua vez, o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa indica: Ø Arte de ensinar com método os princípios de uma ciência ou as regras e preceitos d e uma arte. Ø Ciência que estuda os métodos e técnicas para ensinar. O termo apresenta tanto o sentido de “prática” em si mesma, quanto de uma “ciência” que estuda algo. A Didática é um dos ramos da Pedagogia, tendo em Libâneo (2003) a definição de “disciplina que estuda os objetivos, o conteúdos, os meios e as condições do processo de ensino” (LIBÂNEO, 2003, p.13) Já o termo Unidade Didática representa as partes, seções, unidades, de um programa escolar de uma disciplina. A estrutura da Unidade Didática é definida pelos objetivos e conteúdos da disciplina. Por sua vez, o termo Sequência Didática expressa a forma, a estrutura, como as atividades de ensino serão realizadas. Na definição de Zabala, a sequencia didática consiste em uma “série ordenada e articulada de atividades que formam as unidades didáticas” (1998, p. 53). 11 Vejamos um exemplo de sequencia didática de uma aula tradicional expositiva comparada com uma sequencia didática de uma metodologia de Sala de Aula Invertida. Aula Tradicional Sala de Aula Invertida Antes da Aula - Docente: elabora material de estudo Estudantes: estudam o conteúdo da aula Durante a Aula Docente: realiza uma introdução ao conteúdo da aula, realiza um pequeno histórico do conceito e contextualiza sua abrangência e aplicações Docente: realiza a comunicação da lição de forma expositiva Docente: resolve no quadro um exercício como exemplo Docente: indica aos estudantes uma lista de exercícios a serem resolvidos Docente: realiza uma introdução ao conteúdo da aula, realiza um pequeno histórico do conceito e contextualiza sua abrangência e aplicações Docente: promove avaliações do conteúdo estudado pelos estudantes Estudantes: realizam exercidos e atividades em grupo sob a supervisão do docente Depois da Aula Estudantes: realizam a lista de exercício de forma individual - De forma ilustrada, assim podemos representar a sequencia didática da prática pedagógica Sala de Aula Invertida. 12 Mediação O conceito de Mediação é central nos processos de ensino e aprendizagem. As teorias da aprendizagem baseadas na mediação valorizam a dimensão interna – cognitiva e afetiva – dos estudantes. Essas teorias defendem que somente expor os estudantes aos conteúdos não é suficiente para promover a aprendizagem, sendo necessário criar situações de conflitos cognitivos, como em Piaget, ou de operar em uma zona potencial de aprendizagem, como em Vigotski, para efetivamente promover uma aprendizagem significativa, uma aprendizagem que resulte em modificações nos conceitos internos dos estudantes. A literatura indica dois tipos de Mediação: Ø Mediação realizada pelo docente, ou Mediação Relacional. A Mediação Relacional é, antes de tudo, uma relação pedagógica afetiva. Implica em instalar o estudante no centro do processo pedagógico, identificar as características dos agentes e como estão estabelecidas as relações entre eles e mapear o contexto social e econômico. Considerar diferentes níveis de desenvolvimento real. Valoriza a atividade pedagógica tutorada ao invés da autodescoberta. Ø Mediação por signos e instrumentos, ou Mediação Semiótica. A Mediação Semiótica diz respeito ao discurso utilizado pelo docente, uma vez que “a palavra é o instrumento mais rico para transmitir a experiência histórica da humanidade” (SACRISTÁN, GÓMEZ, 1998, p.41). Cada termo utilizado em uma aula possui uma história que pode ser utilizada para refletir sobre o conteúdo trabalhado. Concomitantemente, a utilização de imagens, símbolos e demais linguagens não verbais explora outras estruturas cognitivas dos estudantes. No campo dos instrumentos, a perspectiva é que o estudante possa vivenciar todo o aparato instrumental e tecnológico disponibilizado pela ciência 13 PráticasPedagógicas Embora possamos considerar como o mesmo sentido do termo “Práticas Pedagógicas” os termos “prática de ensino”, “sequencia de ensino” ou “sequencia de aprendizagem”, a escolha dessa expressão é assim justificada: Ø Por “práticas” indicamos a necessidade de que os objetivos do processo educativo – os conteúdos de ensino – sejam articulados em uma sequencia didática lógica, estruturada e organizada de atividades. Ø Por “pedagógicas” defendemos o caráter educacional das práticas de ensino, ou seja, não é possível desconsiderar a fundamentação teórica e o processo histórico por traz de cada ação educativa. Toda prática de ensino está ancorada em um contexto histórico que a precede, o qual professoras e professores reproduzem ainda que de forma inconsciente. 14 Utilizamos aqui a alegoria do iceberg – no qual apenas cerca de 10% do volume fica aparente sobre a água – para ilustrar a situação: de fato, a materialidade de ação realizada pelo/a docente em sala de aula representa a ponta de um iceberg de fundamentações teóricas, experiências empíricas e reflexões filosóficas. ”Iceberg Pedagógico” Elaboração: o próprio autor. 2021 15 Seção 2 TIPOLOGIA DE CONTEÚDOS Nessa seção abordaremos a Tipologia de Conteúdos com o objetivo de refletir sobre o conceito de conteúdos de ensino. Sócrates — Mas que educação lhes proporcionaremos? Será possível encontrar uma melhor do que aquela que foi descoberta ao longo dos tempos? Ora, para o corpo temos a ginástica e para a alma, a música. Adimanto — Certamente. “A República” Platão Cerca de 380 a.C. p. 83 16 Tipologia de Conteúdos Sacristán (1998) indica que o processo educativo se organiza em torno dos “conteúdos de ensino”. Embora seja um termo polissêmico e complexo, a definição e escolha dos conteúdos de ensino se encontra na base da organização curricular, o que acaba influenciando também as práticas pedagógicas utilizadas pelos/as docentes. Observa-se que, tipicamente, é realizada uma abordagem disciplinar ao ensino: ensino de matemática, ensino de história, português ou línguas. Dessa forma encontramos a perspectiva da didática específica de cada disciplina, como por exemplo, a didática do ensino de ciências, ou a didática do ensino de língua estrangeira. Contudo, outra perspectiva de análise seria pela Tipologia de Conteúdos: assim observamos que há uma semelhança entre a forma de apreender certos tipos de conteúdos, e, assim, que há uma semelhança na forma ensina-los, independentemente da disciplina em questão. Alguns autores trabalham com a classificação dos conteúdos em Conteúdos, Habilidades e Atitudes, enquanto outros pesquisadores propõem os termos conteúdo Conceituais, conteúdos Procedimentais e conteúdos Atitudinais. Os tipos de conteúdo são assim estruturados à luz de Pozo e Crespo (2009), Sacristán e Gómez (1998) e Zabala (1995): Ø Conteúdos Conceituais (Conteúdos): Tendem a ser o eixo estruturante para o currículo do ensino. Envolvem fatos, dados, conceitos, princípios e teorias científicas. Abarca os conhecimentos científicos historicamente acumulados. Se dividem em conteúdos factuais, conceitos e princípios. Ø Conteúdos Procedimentais (Habilidades): relacionados ao saber fazer e à experiência prática. Envolve aprender técnicas, métodos, habilidades e estratégias de ação relativas à cultura científica. Compreende habilidades relativas à metodologia 17 científica: observação, aquisição de dados, tratamento de dados, análise de dados, tratamento matemático e comunicação de resultados. Ø Conteúdos Atitudinais (Atitudes): possuem natureza implícita e relacionam-se a uma ética. Envolve regras, atitudes, normas e valores dos sujeitos que incidem sobre seu comportamento. Pode-se considerar como conteúdos atitudinais a atitude cientifica, o respeito à aprendizagem da ciência e a reflexão sobre as implicações sociais da ciência. Tipo de Conteúdos Sub Categorias Descrição Exemplos Conceituais Factuais São descritivos e concretos. Fatos, acontecimentos, situações, dados, fenômenos concretos e singulares Datas históricas Altura de uma montanha Estrutura de um composto químico Temperatura de ebulição de um elemento Conceitos São abstratos. Descrevem relações de causa e efeito ou de correlação Cidade Densidade Demografia Romantismo Princípios São abstratos. Leis ou regras que relacionam conceitos Relação entre demografia e território Regras de uma corrente literária Conexões entre axiomas Procedimentais São ações ordenadas orientadas a um fim específico. Regras, técnicas, métodos, estratégias, procedimentos Ler Desenhar Classificar Recortar Saltar Soldar Atitudinais Valores Ideias éticas que permitem à pessoa emitir um juízo sobre condutas e seu sentido Solidariedade Respeito Responsabilidade Liberdade Atitudes Predisposições relativamente estáveis das pessoas para atuar de certa maneira Cooperar com um grupo Ajudar a um colega Respeitar o meio ambiente Participar das tarefas escolares Normas Regras sociais de comportamento a seguir em determinadas situações Indicam o que se pode fazer o o que não se pode fazer em determinada coletividade 18 Alguns exemplos que ilustram essa proposta de Tipologia de Conteúdos podem ser assim elaborados: Ø Unidade Didática: Bacia Hidrográfica do Rio Doce • Conteúdos Conceituais: Em um primeiro momento são abordadas informações como o nome do rio, nome dos afluentes, local da nascente, as populações ribeirinhas e extensão. Mas conjuntamente com essas informações desenvolve-se também os os conceitos de, por exemplo, bacia hidrográfica, população e afluente. • Conteúdo Procedimentais: Essa ação educativa é realizada através de mapas, assim os estudantes trabalham concomitantemente a habilidade da leitura de mapas e seus símbolos. • Conteúdos Atitudinais: A unidade didática permite a abordagem das questões relacionadas à conservação do meio ambiente e às questões ecológicas, e aos crimes ambientais. Ø Unidade Didática: Pneumática Industrial • Conteúdos Conceituais: Apresentação de informações e dados sobre os equipamentos pneumáticos, como válvulas e atuadores, associados a características do ar comprimido e aos conceitos de pressão e vazão. Engloba a habilidade de projetar sistemas pneumáticos, interligando corretamente seus dispositivos em determinada lógica de operação. • Conteúdo Procedimentais: Envolve executar a montagem física de sistemas pneumáticos previamente projetados. • Conteúdos Atitudinais: Diz respeito ao desenvolvimento da capacidade de identificar erros de montagem dos sistemas e, principalmente, da capacidade de analisar problemas de funcionamento em sistemas em operação. 19 Seção 3 BREVE HISTÓRIA DAS IDEIAS PEDAGÓGICAS Nessa seção trabalharemos com a obra História das Ideais Pedagógicas, do filósofo da educação brasileiro Moacir Gadotti. Esse livro, lançado originalmente em 1993, apresenta uma história do surgimento e desenvolvimento de ideias sobre a educação, em um período que vai da antiguidade até os dias atuais. Abordaremos nessa seção os cinco primeiros períodos analisados pelo autor: Pensamento Pedagógico Grego Pensamento Pedagógico Romano Pensamento Pedagógico Medieval: Cristãos e Mulçumanos Pensamento Pedagógico Renascentista Nascimento do Pensamento Pedagógico Moderno Sócrates — Nós não começamos contando fábulas às crianças? Geralmente são falsas, embora encerrem algumas verdades. Utilizamos essas fábulas para a educação das crianças antes de levá-las ao ginásio. Adimanto — É verdade. “A República” Platão Cerca de 380 a.C. p. 84 20 O Pensamento Pedagógico Grego Retornaremos aqui à obra “A República” de Platão (428-347a.C.), na qual o discípulo de Sócratesdescreve, através dos diálogos socráticos, as ideias do mestre sobre diversas temáticas, sendo uma delas a Educação. Na obra, a Educação tem por objetivo final a formação do homem moral, no sentido da busca da virtude, da excelência e da qualidade, em um processo essencialmente ético no contexto da vida social e política, com vistas a um Estado ideal (PAVIANI, 2008). De fato, tal educação tinha o propósito de conduzir a humanidade para fora de seu estado de alienação, conforme ilustrado do mito da caverna de Platão. De acordo com Gadotti (2003) o mundo grego legou à civilização ocidental diversas perspectivas pedagógicas, contudo, em Sócrates, Platão e Aristóteles é que encontramos as maiores influências no campo da educação. Não podemos esquecer, todavia, que a sociedade grega daquele momento histórico era estratificada e baseada na escravidão, na superioridade militar e sustentada economicamente por colônias. A quantidade de homens livres, a quem se destinava a educação e as benesses da liberdade política, era limitada à uma elite de cidadãos, para os quais o trabalho manual não fazia sentido algum. Destacamos também que à época existiam cidades-estados independes, como Atenas, Esparta, Creta, Tebas e Troia, sendo que cada cidade-estado possuía seus próprios valores e objetivos para a educação. Feitas essas considerações, a Grécia “atingiu o ideal mais avançado da educação na Antiguidade: a Paidéia, uma educação integral que consistia na integração da cultura da sociedade e a criação individual de uma outra cultura em uma influência recíproca” (GADOTTI, 2003, p.30). Enquanto em Esparta prevalecia o culto às virtudes guerreiras, no humanismo ateniense valorizava-se o desenvolvimento intelectual, o conhecimento da verdade e busca do bem e do belo. Platão defendia ainda o ensino público e vinculado às questões da comunidade. 21 Em relação à estruturação do ensino, podemos estruturar as propostas de estruturação educacional, a partir do pensamento grego clássico, da seguinte forma: Ø Escola Primária: leitura, escrita e fundamentos da matemática Ø Escola Secundária: educação física (atletismo, lutas), educação artística (música, canto, dança), estudos literários (interpretação de texto, estudo das obras clássicas, gramática) e científicos (matemática, geometria, aritmética e astronomia) Ø Ensino Superior: retórica (estudo das leis da oratória) e filosofia (lógica, cosmologia, metafísica, ética, politica e teodiceia) 22 O Pensamento Pedagógico Romano No Império Romano haviam mais escravos do que na Grécia Antiga. Os escravos e o vasto império de colônias conquistadas, assim como na Grécia Antiga, garantiam a produção material da existência das elites, que podiam assim dedicar-se à estudos essencialmente humanistas. A Roma Antiga foi a herdeira do pensamento clássico grego, adaptando o conceito da Paidéia grega para a Humanitas romana. Tendo o latim como língua oficial, o império romano introduziu o latim em seus territórios ocupados, tornando-o, como legado, a língua central da intelectualidade medieval. Os temas gerais da educação eram a agricultura, a política e guerra, sendo que o nobre romano teria como meta o domínio desses conhecimentos. Assim como na Grécia Antiga, os educadores romanos desenvolveram narrativas acerca do objetivo da educação. Sêneca (4 a.C. a 65) defendia a educação para a vida com o lema “não se deve ensinar para a escola, mas para a vida”. Por sua vez, outros pensadores associavam a educação aspectos como a formação do caráter, a realização de um homem pleno (filósofo, poeta, jurista, ator) e a valorização da oratória como elemento político de organização do império. O sistema de educação romano assim se estruturava: Ø Escolas do Ludi-magister: reesposáveis pela educação elementar Ø Escolas da Gramática: que corresponderia ao ensino secundário Ø Escolas de Educação superior: retórica, direito e filosofia (que dariam origem às universidades da Idade Média) 23 A sociedade romana era composta pelos patrícios (compunham a classe aristocrática, eram os grandes proprietários de terra e detinham o poder politico), pelos pequenos proprietários, comerciantes e artesãos (livres, mas sem poder político) e pelos escravos. Todavia, com a expansão cada vez maior do império romano, a classe aristocrática precisou ceder espaço aos comerciantes e artesãos, bem como permitir a estruturação de uma classe de burocratas – funcionários do estado – destinados a preparar os administradores demandados pelo vasto império romano. Assim, “pela primeira vez na história, o Estado se ocupa diretamente da educação, formando seus próprios quadros. Para vigiar as escolas, foram treinados o supervisores- professores” (GADOTTI, 2003, p.44). Todavia, o estado romano era utilitarista e militarista, sendo que essas características estavam presentes na educação: o objetivo final da educação era servir à manutenção do império romano e suas conquistas. Um exemplo que ilustra tal pragmatismo grego se encontra na metodologia de ensino da humanitas, destinada a estudantes da escola do “gramático”. Segue um exemplo de sequencia didática nesse contexto: • Ditado de um fragmento do texto, a título de exercício ortográfico; • Memorização do fragmento • Tradução do verso em prosa e vice-versa • Expressão de uma mesma ideia em diversas construções • Análise das palavras e frases • Composição literária 24 O Pensamento Pedagógico Medieval: Cristãos e Mulçumanos O período composto pela Grécia Antiga e pelo Império Romano constituiu a cultura greco- romana e perdurou até a decadência de Roma, entre os séculos II e V d.C. A antiga cultura foi então substituída ou modulada pela ideologia da Igreja Cristã. Pontua-se, contudo, que esse foi um processo que se inicia no séc. I e vai se ampliando até a adoção do cristianismo como religião oficial de Roma por Constantino no séc. IV. Paralelamente à história europeia, o Oriente Médio produziria o Império Árabe nos séculos VI e VII a partir de uma nova religião: o Islamismo. E como veremos, os Árabes também produziram uma pedagogia própria. É importante, contudo, observar que os criadores da igreja cristã tinham a preocupação de universalizar o cristianismo, tendo então criado um corpo de doutrinas, dogmas, culto e disciplina, e paralelamente elaboraram uma educação que possuía duas vertentes: uma educação para o povo, catequética e dogmática, e uma outra educação para o corpo de sacerdotes, de caráter humanista, filosófico e teológico. Assim temos que os estudos medievais para as classes sacerdotais compreendiam: Ø O Trivium: gramática, dialética e retórica Ø O Quadrivium: aritmética, geometria, astronomia e música A partir do séc. IX na Europa a organização do ensino no assim se estruturou: Ø Educação elementar (escolar paroquiais): ministradas por sacerdotes, tinha o objetivo de doutrinar as massas camponesas, e não de instruir. Ø Educação secundária: ministradas nas escolas monásticas (monastérios) e destinadas a sacerdotes. Ø Educação superior: ministradas nas escolas imperiais. 25 Por sua vez, o mundo islâmico a educação herdou mais fortemente os valores clássicos do período greco-romano, os quais permaneceram no pensamento de seus principais filósofos. Sábios como Ibn Sina (980 a 1037) e Al-Biruni (973-1048) desenvolveram estudos em todas as áreas do conhecimento de então, como matemática, física, astronomia, poesia, música, medicina, linguística. A civilização islâmica dominou a península arábica e o norte da África por séculos após o séc. VII, tendo ocupado a península Ibérica por 800 anos. As trocas culturais promovidas pelos mulçumanos na Europa cristã ocupada fizeram com que o o pensamento essencialmente religioso e dogmático da cristandade da alta Idade Média, se encontrasse com o pensamento racional clássico mantido e desenvolvidopelos pensadores árabes. Dessa junção surgiu a escolástica, escola de pensamento cristã medieval que procurou conciliar razão histórica (a partir de Platão e Aristóteles) com a fé cristã. São Tomás de Aquino (1224/5 a 1274) foi o maior expoente da escolástica. É importante finalizar esse capitulo destacando que enquanto o clero seguia a lógica da educação cristã – dogmática para o povo e filosófica-humanista para a classe sacerdotal – os demais grupos sociais medievais possuíam suas formas próprias de educação. Para a nobreza, cuja principal tarefa era a administração e a guerra, o ideal de homem era a do cavaleiro com formação nas sete artes liberais: cavalgar, atirar com o arco, lutar, caçar, jogar xadrez e versificar. Já as classes trabalhadoras tinham somente a tradição oral e os ensinamentos passados de pai para filho ou dentro das Corporações de Ofício (associais de trabalhadores de atividades específicas, como construtores, marceneiros e artesãos). Em especial, é importante lembrar que às mulheres mediáveis, consideradas já de partida – desde o texto bíblico – como pecadoras, somente era possível a educação religiosa nos conventos femininos, e caso fossem “vocacionadas”. Mas somente eram vocacionadas “aquelas que tinham a vocação principal: ser proprietárias de terra ou herdeiras. Assim, a Igreja, impedindo ainda o casamento de padres e freiras, constitui-se no maior latifúndio do globo” (GADOTTI, 2003, p.58) enquanto os conventos se transformavam em poderosas instituições financeiras. 26 O Pensamento Pedagógico Renascentista O Renascimento marca a passagem da Idade Média para a Idade Moderna. O declínio do sistema feudal, a diminuição do poder do clero e da nobreza, a ascensão da burguesia, a era das grandes invenções e navegações e a intensificação do comercio engendraram profundas modificações sociais. Como resultado, desenvolveu-se um movimento artístico e científico denominado de Renascimento. No campo da educação, é possível se falar em um renascimento pedagógico que resgatou os valores da cultura greco-romana, se distanciando da perspectiva religiosa medieval. A educação renascentista valorizou os conhecimentos ligados diretamente ao homem, à sociedade e aos interesses humanos. Todavia, em consonância com o momento histórico no qual a burguesia ampliava seu poder, “a educação renascentista preparou a formação do homem burguês. Daí a educação não chegar às massas populares. Caracterizava-se pelo elitismo, pelo aristocratismo e pelo individualismo liberal” (GADOTTI, 2003, p.62). Nesse período ocorre uma crítica a uma educação excessivamente formal, clássica, livresca, enciclopédica e desconectada dos problemas concretos da sociedade. Por exemplo, temos o pensamento de François Rabelais (1483 a 1553), que defendia o cuidado do corpo e as atividades físicas e que tinha a natureza – e não os livros – como um referencial de investigação. Ou Erasmo Deisério (1467 a 1536), defensor da formação de um ser humano inteligente e livre a partir do desenvolvimento da razão humana. E ainda Michel de Montaigne (1533 a 1592) que atacava o enciclopedismo e indicava que as crianças deveriam aprender o que terão de fazer quando adultos. Nesse contexto, é possível indicar que o Renascimento lançou, no campo pedagógico, algumas das ideias que nos séculos XIX e XX iriam subsidiar o conceito de uma educação pragmática, voltada à problemas concretos, sob a égide do pensamento científico. 27 Nesse período ocorreram dois eventos históricos que tiveram impactos na educação dos séculos seguintes: a Reforma Protestante e Contrarreforma Católica. A Reforma Protestante teve em Martinho Lutero (1483 a 1546) sua figura central, que levou para o campo religioso a exaltação renascentista do indivíduo e seu livre-arbítrio. Politicamente, a Reforma começou como uma oposição aos abusos do clero católico e ao poder temporal da Igreja, e terminou por dividir a Igreja do Ocidente entre os reformadores protestantes e os católicos romanos. No campo educacional, a principal consequência da Reforma foi “a transferência da escola para o controle do Estado, nos países protestantes. Mas não consistia ainda em uma escola pública, leiga, obrigatória, universal e gratuita (...). Era uma escola público religiosa” (GADOTTI, 2003, p.65). Como resposta, a Igreja Católica promoveu a Contrarreforma a partir da década de 1530. No Concílio de Trento (1545), a Igreja Católica Romana editou uma série de ações destinadas a conter a Reforma Protestante, e também de reformar a própria Igreja. Nesse período, foi fundada por Inácio de Loyola (1491 a 1556) a Companhia de Jesus (1534), a ordem religiosa dos Jesuítas que se dedicou ao trabalho missionário e educacional. Os Jesuítas se opunham ao espírito crítico e privilegiavam os dogmas religiosos em detrimento de uma educação humanista. Também aqui a educação popular foi desprezada. Quando da atuação da Companhia de Jesus nas colônias europeias – como o Brasil – reservava a formação burguesa para as elites, enquanto que destinava os princípios da religião cristã ao povo e a catequese aos povos indígenas. 28 O Nascimento do Pensamento Pedagógico Moderno Os fundamentos da ciência contemporânea – e o mundo no qual vivemos hoje – tem suas raízes no período histórico compreendido entre os séculos XVI e XVII. Além do desenvolvimento dos estudos em matemática, astronomia, geografia, biologia e medicina, das técnicas de manufatura e das artes, esse período marca o desenvolvimento do método científico moderno. Tendo o livro Discurso do Método (1637), do filósofo e matemático francês Rene Descartes (1596 a 1650), como obra central, o método científico moderno estabeleceu a substituição da fé pela razão na produção do conhecimento tido como válido, afastando-se do ensino filosófico de caráter humanista e elegendo a matemática como “modelo de ciência perfeita” (GADOTTI, 2003, p.77). De acordo com Gadotti (2003), o “pensamento pedagógico moderno caracteriza-se pelo realismo” (GADOTTI, 2003, p.78). Pensadores como John Locke (1632-1704) questionavam se saberes relacionados a aplicações práticas não deveriam ser objetivo da educação. Locke também desenvolveu o conceito de inatismo, ideia pela qual o que existe na mente humana foi primeiramente uma experiência sensorial. Ou seja, todo conhecimento teria sua origem nos sentidos, nas experiências sensoriais. Essa perspectiva se opõe ao formalismo humanista e coloca a “superioridade do domínio do mundo exterior sobre o domínio do mundo interior”, ou seja, “a supremacia das coisas sobre as palavras” (GADOTTI, 2003, p.78). Abriu-se assim o campo para as ciências naturais e para o estudo da natureza, e para a a percepção de que “o conhecimento só possuía valor quando da preparava para a vida e para a ação” (GADOTTI, 2003, p.78). No contexto da educação, João Amos Comênio (1592 a 1670) publicou a obra Didática Magna (1657), na qual propõe ensino o conhecimento das coisas ou invés das palavras, ou seja, Comênio criticou o método de ensino baseada na memorização de informações e 29 dados e defendeu uma sistematização mais racional para o ensino. O autor de Didática Magna é considerado o pai da Pedagogia Moderna, e “para quem a metodologia de ensino deve estar acima de qualquer questão em termos educacionais” (BATISTA, 2017, p.257). O texto de Comênio é surpreendentemente atual, defendendo uma “educação que interpretasse e alargasse a experiência de cada dia” (GADOTTI, 2003, p.80) e que se preocupava em despertar o interesse do estudante, além de reconhecer o direito de todos ao saber e de defender que a educação deveria acontecer ao longo de toda a vida. O sistema educacional de Comênio é um sistema articulado de escolas, que compreendia um período de 24 anos e era dividido em quatro escolas: Ø Escola Materna: 0 a 6 anos. Desenvolvimento da falae dos sentidos. Ø Escolar Elementar (Vernácula): 6 a 12 anos. Língua materna, leitura, escrita, canto, ciência sociais, aritmética. Ø Escola Latina (Ginásio): 12 aos 18 anos. Estudo das ciências e o latim. Ø Academia (Universidade): 18 a 24 anos. Orientada aos trabalhos práticos, destinada à formação dos funcionários e orientadores. Na dimensão do direito à educação, ainda não estava posta a questão da democratização do ensino. A divisão entre trabalho intelectual e trabalho manual – um espelho da divisão social – garantia uma educação predominante para a classes dominantes. Todavia, com o crescente aumento de poder da burguesia surge a luta das camadas populares pelo acesso à escola, pois “o acesso à formação tornou-se essencial para articular seus interesses e elaborar sua própria cultura de resistência” (GADOTTI, 2003, p.79) 30 Seção 4 A FUNÇÃO DA EDUCAÇÃO Essa seção possui o objetivo de apresentar a reflexão sobre a função da educação a ser desenvolvida na disciplina Tendências Pedagógicas. Glauco — Tais são as vantagens que se esperam da educação pela música. Sócrates — Quando aprendíamos as letras, só considerávamos que as conhecíamos suficientemente ao nos darmos conta de que os seus elementos, em pequeno número, mas dispersos em todas as palavras, já não nos escapavam e, nem numa palavra curta nem numa comprida, não os desprezávamos, como inúteis de serem notados; então, ao contrário, esforçávamo-nos por distingui-los, convencidos de que não existia outra maneira de aprender a ler. “A República” Platão Cerca de 380 a.C. p. 125 31 Hoje, mais de dois milênios depois da obra “A República”, qual a função da Educação? Diferentes autores/as valorizam distintas dimensões da Educação, principalmente em função do objetivo final pretendido. De forma muito resumida e didática, é possível indicar que os objetivos dos processos educativos envolvem uma ou mais das metas a seguir: Ø Transmitir os conteúdos acumulados historicamente Ø Desenvolver as capacidades humanas Ø Capacitar para uma profissão Ø Formar um cidadão crítico Tais objetivos, contudo, foram sendo constituído ao longa da história como fruto de processos sociais e políticos. Os contextos sócio-políticos, as reflexões filosóficas e os desenvolvimentos teóricos que fundamentam tais perspectivas, longe de serem simples de serem mapeados, compõem um complexo de objetivos, metas e funções para a educação, que podem ser sistematizados de forma didática no conjunto de estudos chamado, no Brasil, de Tendências Pedagógicas. Nesse texto, abordaremos as Tendências Pedagógicas a partir de cinco perspectivas: Ø Tendência Tradicional Ø Tendência da Escola Nova Ø Tendência Centrada na Pessoa Ø Tendência Tecnicista Ø Tendência Crítica No Brasil, um dos principais textos que abordam as Tendências Pedagógicas se encontra no livro “Democratização da Escola Pública: a pedagógica crítico-social dos conteúdos”, publicada originalmente em 1985 por José Carlos Libâneo. A esse texto base serão adicionadas as análises de Gadotti (2003) Pozo e Crespo (2009) Saviani (2006), Sacristan (2007) e Zabala (1998). 32 A Perspectiva Tradicional, ou Pedagogia Liberal Tradicional, se caracteriza “por acentuar o ensino humanístico, de cultura geral, no qual o aluno é educado para atingir, por esforço próprio, sua plena realização” (LIBÂNEO, 2014, p.22). Ou seja, nessa perspectiva o acesso aos conteúdos historicamente produzidos e acumulados é o objetivo final do processo educativo. Por sua vez, a Perspectiva da Escola Nova, identificada por Libâneo (2003) como Pedagogia Liberal Renovada Progressivista, ocorre um deslocamento da cultura geral para a aplicações mais pragmáticas que visam a adaptação ao meio como objetivo final da educação. A Perspectiva Centrada na Pessoa, a qual Libâneo (2003) identifica por Pedagogia Liberal Renovada Não-diretiva, ressalta aspectos psicológicos da formação do sujeito, valorizando as relações interpessoais e a auto-realização. Na Perspectiva Tecnicista, ou Pedagogia Liberal Tecnicista conforme Libâneo (2014) ocorre a valorização da forma (a técnica, o como fazer) em detrimento do conteúdo em si, principalmente em sua dimensão epistemológica e sua interconexão com a realidade. O foco incide sobre a formação de mão-de-obra para uma sociedade industrial e tecnológicas (LIBÂNEO, 2014, p.22). Por fim, a Perspectiva Crítica agrupa o conjunto de tendências identificadas por Libâneo (2014) como as pedagogias Libertadora, a Libertária e a Crítico-social do Conteúdos. Engloba tendências identificadas como progressistas para a Educação que “partindo de uma análise critica das realidades sociais, sustentam implicitamente as finalidades sociopolíticas da educação” (LIBÂNEO, 2014, p.33) 33 Seção 5 TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS É aqui proposta uma organização para a abordagem das Tendências Pedagógicas: Tendência Tradicional; Tendência da Escola Nova; Tendência Centrada na Pessoa; Tendência Tecnicista e Tendência Crítica. Adimanto — E o que é necessária fazer? Sócrates — Exatamente o contrário: proporcionar aos adolescentes e às crianças uma educação e uma cultura adequadas à sua juventude. “A República” Platão Cerca de 380 a.C. p. 273-274 34 Introdução Uma primeira reflexão é que é importante observar que não há, à priori, uma relação direta entre uma “prática de ensino” e uma “tendência pedagógica”: são conceitos diferentes. Ø Uma “prática de ensino” consiste em uma sequência ordenada e estruturada de atividades, objetivando a apreensão de um conteúdo previamente definido. Ø Uma “tendência pedagógica” diz respeito à finalidade da educação, envolvendo um modelo de sociedade, de sujeito, de escola e de processo educativo. Depois, é importante citar que Libâneo (2014) divide as tendências pedagógicas entre “Liberais” e “Progressistas”. De acordo com o autor: Ø A doutrina liberal surge como justificativa do sistema capitalista, sendo a pedagogia liberal uma expressão de uma sociedade organizada pelo conceito da propriedade privada dos meios de produção. Ø O termo progressista designa as tendências que analisam criticamente as realidades sociais e sustentam as finalidades sociopolíticas da educação. De acordo com Libâneo (2014): “A educação brasileira, pelo menos nos últimos cinquenta anos, tem sido - marcada pelas tendências liberais, nas suas formas ora conservadora, ora renovada. Evidentemente tais tendências se manifestam, concretamente, nas práticas escolares e no ideário pedagógico de muitos professores, ainda que estes não se deem conta dessa influência” (LIBÂNEO, 2014, p.22). Sendo assim o papel da escola, na perspectiva liberal, é preparar os indivíduos para assumir funções sociais, tendo por referencia os valores e normas sociais estabelecidos em determinado contexto sócio histórico. 35 Sobre a pedagogia progressista, Libâneo (2014) defende que essa abarca práticas sociais da educação que visam refletir criticamente sobre a realidade social vivida tendo por horizonte perspectivas distintas ou alternativas à doutrina liberal. De forma didática, as propostas de Libâneo (2014) podem ser condensadas no quadro a seguir: Classificação das tendências pedagógicas de acordo com Libâneo (2014) Pedagogia Liberal Tradicional Renovada Progressivista Renovada não-diretiva Tecnicista Pedagogia Progressista Libertadora Libertária Crítica-social dos conteúdos Nesse curso, o pensamento de Libâneo (2014) será modulado pelas reflexões de Pozo e Crespo (2009), Sacristan (2007) e Zabala (1998), de forma que as Tendências Pedagógicas foram assim organizadas: Ø Tendência Tradicional Ø Tendência da Escola Nova Ø Tendência Centrada na Pessoa Ø Tendência Tecnicista Ø Tendência Crítica 36 TendênciaPedagógica Tradicional O termo “Tendência Tradicional” se relaciona aos conceitos de “Tendência Liberal Tradicional” de Libâneo (2014) e “Perspectiva Acadêmica” de Sacristán e Gómez (1998). De acordo com pesquisador brasileiro Libâneo (2014, p.24 a 25) o papel da escola envolve a “preparação intelectual e moral dos alunos para assumir sua posição na sociedade”, sendo que os conteúdos de ensino “são os conhecimentos e valores sociais acumulados”. No campo do relacionamento entre professor e aluno ocorre a transmissão de conhecimentos sem reflexão sobre os conteúdos estudos e em uma relação autoritária, com valorização dos métodos de exposição verbal e demonstração. Em relação aos pressupostos de aprendizagem, o ensino “consiste em repassar conhecimentos para o espírito da criança” e ainda que o processo de aprendizagem da criança é o mesmo que do adulto. O autor destaca ainda essa perspectiva é a mais presente na nossa história educacional. Por sua vez, os espanhóis Sacristán e Gómez (1998, p. 354 a 356) analisam a formação de professores na Perspectiva Acadêmica e ressaltam que “o ensino é, em primeiro lugar, um processo de transmissão de conhecimento e de aquisição da cultura pública que a humanidade acumulou”. Sendo assim, o “docente é concebido como um especialista nas diferentes disciplinas que compõem a cultura”. Libâneo (2014) identifica duas orientações nessa tendência pedagógica: a clássico- humanista e a humano-científica. Em Sacristán e Gómez (1998) encontramos também duas divisões que possuem sentidos bem próximos: enfoque enciclopédico e enfoque compreensivo. Ø Enfoque Enciclopédico: tem por concepção de ensino a “transmissão dos conteúdos da cultura” e por objetivo da aprendizagem a “acumulação de conhecimentos”. Logo, o professor precisa ser um especialista nos ramos da ciência nos quais atua, sendo que “quanto mais conhecimentos possua, melhor poderá desenvolver sua 37 função de transmissão”. Assim valoriza-se o “saber” e não o “saber ensinar”, tendo a formação didática e pedagógica do professor pouca importância. Fica claro que os estudantes são tratados de forma homogênea, como se todos tivessem a mesma capacidade e a mesma forma de aprender. Ø Enfoque Compreensivo: nesse enfoque, o conhecimento disciplinar continua ainda sendo o objetivo principal do processo educativo, ou seja, o objetivo ainda é colocar a estudante em contato com “as aquisições científicas e culturais da humanidade”. Contudo, esse enfoque traz uma diferença: a preocupação com os processos de investigação científica que possibilitaram a formação dos conhecimentos. No Enfoque Compreensivo, a questão da epistemologia das ciências passa ser relevante para a formação do professor, assim como a história e a filosofia das ciências. Para além do conteúdo científico, é importante aqui analisar e aprender como aquele conteúdo científico foi produzido. Assim, o professor: “(...) não pode ser visto como uma enciclopédia, mas como um intelectual que compreende logicamente a estrutura da matéria e que entende de forma histórica e evolutiva os processos e vicissitudes de sua formação como disciplina desenvolvida em sua comunidade acadêmica” (SACRISTÁN e GÓMEZ, 1998, p.355). Finalizando essa seção, podemos indicar que ciência – os conteúdos científicos e os processos de investigação científica – está no centro da Tendência Tradicional. Não é dada muita importância às questões didáticas e pedagógicas, pois o mais importante é a transmissão de conteúdos e valores historicamente produzidos e acumulados pela humanidade e dos processos que os constituíram. Sendo “claramente uma aprendizagem apoiada na teoria, procedente da investigação científica e que se refere fundamentalmente ao âmbito das ciências e das artes liberais” (SACRISTÁN e GÓMEZ, 1998, p.356). O termo “artes liberais” se refere ao Trivium - gramática, retórica e lógica - e Quadrivium - aritmética, geometria, música e astronomia – da Idade Média, indicando que a Tendência Tradicional não tem, originalmente, relação com o saber de caráter mais técnico e profissionalizante. 38 Tendência Pedagógica da Escola Nova Os termos “escola nova” e “escolanovismo” ficaram marcados na pedagogia brasileira como um movimento de renovação da educação, que propôs a escola como um agente do processo de democratização, defendeu a utilização de metodologias de ensino orientadas aos estudantes e repensou os conteúdos escolares em função dos problemas concretos do mundo do trabalho. Tendo por lema “aprender a aprender”, a Escola Nova tem suas raízes no séc. XIX na Europa e nos EUA. Surgiu em oposição à tendência tradicional, a qual criticava por focar em demasia no conhecimento livresco e enciclopédico, por ter o docente como principal ator do processo educacional, por desprezar as características de aprendizagem dos estudantes e por ser uma escola apartada da vida cotidiana e real dos sujeitos. Sua principal figura foi John Dewey (1859 a 1952), educador norte-americano que no campo da filosofia da educação defendeu a corrente do pragmatismo: a noção de que os conhecimentos precisam servir para a resolução de problemas do mundo real. Logo, o fazer estava no centro dos processos de ensino, através da proposição de atividades manuais e orientadas a resolução de problemas concretos. Dentre as características do pensamento educacional de Dewey é possível indicar: Ø A escola como espaço da vivência e desenvolvimento dos ideais democráticos; Ø Processos de ensino baseados no aprender fazendo (learning by doing); Ø Valorização das atividades didáticas baseadas na investigação; Ø Consideração das diferenças cognitivas e estágios de desenvolvimento dos estudantes; Ø Estimulo à cooperação entre os estudantes pela realização coletiva de tarefas; Ø A seleção de conteúdos que reflitam problemas concretos do mundo real, vivenciados pelos estudantes e de relevância social. 39 No Brasil, esse ideário pragmático para a educação influenciou os educadores das primeiras décadas do séc. XX, tendo por culminância o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932). O Manifesto foi redigido por um grupo de intelectuais que pensava a reconstrução educacional como um caminho para a reconstrução social do país, defendendo que “a educação é uma função essencialmente pública, e baseado nos princípios da laicidade, gratuidade, obrigatoriedade, co-educação e unicidade da escola” (SAVIANI, 2006, p. 33). De fato, a primeira frase do Manifesto assim indica: “Na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva em importância e gravidade o da educação” (MEC, 2010, p. 33) De acordo com Libâneo (2014, p. 26 a 27), na dimensão da organização do processo educacional, a “finalidade da escola é adequar as necessidades individuais ao meio social e, para isso, ela deve se organizar de forma a retratar (...) a vida”. Sendo assim, os conteúdos de ensino valorizam processos mentais e habilidades cognitivas, enquanto que o método de ensino tem por foco o aprender fazendo e a valorização das “tentativas experimentais, a pesquisa, a descoberta, o estudo do meio natural e social, o método de solução de problemas”. Essa abordagem educacional teve por referencia educadores como Montessori, Decroly e Cousinet, além do próprio Dewey. A perspectiva da Escola Nova também é chamada de Escola Ativa ou Escola Progressista, e é uma referencia importante para entender as chamadas “metodologias ativas de ensino”, que tanta importância ganhariam no séc. XXI., principalmente em relação ao papel do docente, que deixa de ser aquele que detém e transmite o conhecimento, passa a ser aquele que organiza e faz a mediação do processo de ensino e aprendizagem. No campo da formação de professores, Sacristán e Gómez (1998) identificam essa tendência como a Perspectiva Prática, na qual o professor deve ser capacitado para resolver os problemase conflitos que configuram a sala de aula. Assim, “a formação do professor/a se 40 baseará na aprendizagem da prática, para a prática e a partir da prática” (SACRISTÁN e GÓMEZ, 1998, p.363). De acordo com esses autores, a Perspectiva Prática, desenvolveu-se em dois enfoques: o Tradicional e o Reflexivo sobre a Prática. Ø Perspectiva Prática com Enfoque Tradicional: o fazer docente é algo que se aprende no dia a dia da sala de aula através da tentativa e erro, originando uma sabedoria da profissão que é transmitida de geração em geração. Valoriza-se assim a prática empírica na resolução dos problemas escolares. Acaba por reproduzir vícios, preconceitos e mitos da prática docente para os novos professores. “A força do ambiente, a inércia dos comportamentos dos grupos de docentes, estudantes e da própria instituição, a pressão das expectativas sociais e familiares, vão minando os interesses, as crenças e as atitudes dos docentes novatos, acomodando-os (...) aos ritmos habituais do conjunto social que forma a escola” (SACRISTÁN e GÓMEZ, 1998, p.364). Ø Perspectiva Prática com Enfoque Reflexivo sobre a Prática: critica a racionalidade técnica na formação do docente. Indica a noção de que frente aos problemas escolares enfrentados pelo docente é necessária uma atitude reflexiva. “Os problemas práticos da aula (...) exigem tratamento específico, pois, em boa medida, são problemas singulares, fortemente condicionados pelas características situacionais do contexto e pela própria história da aula com grupo social” (SACRISTÁN e GÓMEZ, 1998, p.365). 41 Tendência Pedagógica Centrada na Pessoa Libâneo (2014) identifica essa perspectiva como a tendência liberal renovada não-diretiva. Trata-se de uma pedagogia centrada no aluno, que tende a valorizar o desenvolvimento de atitudes e que dialoga fortemente com a dimensão psicológica do estudante. O foco está na auto-realização do sujeito através de um processo de desenvolvimento interior que tem a escola como suporte, ou seja, o processo educativo tem por objetivo criar condições para o desenvolvimento da personalidade do estudante e das características que lhe são próprias. O autor principal dessa perspectiva é o psicólogo norte-americano Carl Rogers (1902 a 1987). A abordagem psicológica de Rogers se afasta dos conceitos mecanicistas da Behaviorismo de Skinner e Watson e também da dimensão das forças inconscientes da Psicanálise de Freud. Rogers propôs que os sujeitos possuem: (...) uma motivação única, inata e imprescindível: a tendência a atualizar e desenvolver nossa capacidade e nosso potencias, desde os aspectos biológicos até os aspectos psicológicos mais sofisticados do nosso ser” (SCHULTZ e SHULTZ, 2002, p.314). Carl Rogers chamou essa motivação intrínseca de “tendência atualizante” do sujeito, trabalhando com o conceito de self como a essência da sua teoria da personalidade. Os estudos de Rogers o levaram a defender que a consciência do autoconhecimento, o discernimento pessoal e a auto responsabilidade são mais importantes para o comportamento do sujeito do que a influências do seu ambiente familiar e social. Mesmo não sendo um educador, Carl Rogers escreveu sobre o tema e seus textos influenciaram uma perspectiva educacional na qual o autodesenvolvimento e a realização pessoal são o foco do processo de ensino e aprendizagem. Dessa maneira, as metodologias de ensino, os materiais didáticos, a seleção dos conteúdos e os sistemas de avaliação tendem a serem orientados pelo objetivo final de criar um ambiente psicológico propício ao desenvolvimento psicológico, interior, do self do estudante. 42 Nessa perspectiva educacional, os objetivos pessoais dos estudantes orientam o planejamento do curso, de forma que suas expectativas e necessidades modulem o currículo a ser realizado: trabalha-se com o conceito de uma concepção dinâmica do currículo. O currículo é entendido como o espaço no qual saberes são excluídos ou incluídos, orientando-se por distintas formas de socialização e de significados sociais, culturais, históricos e políticos (COSTA e FERNANDES, 2020). O dialogo e a negociação constituem a base do relacionamento entre docente e estudante: “(...) o professor e a professora aceitam os alunos e as alunas como são, permitem que expressem os seus sentimentos com liberdade e planejam atividades de aprendizagem com e não para eles (para elas), o clima da sala de aula será diferente, livre de tensões e pressões emocionais e os resultados numa direção de objetivos democráticos” (COSTA e FERNANDES, 2020, p. 25). Em relação aos materiais didáticos e às metodologias de ensino, a perspectiva direciona ao uso de formas variadas de interação com os estudantes, exatamente como forma permitir a expressão individual de cada sujeito: (...) o professor ou a professora deve apresentar aos alunos e às alunas uma gama de materiais e recursos, como: discussão em sala de aula, aula expositiva, leitura de artigos relacionados ao tema, documentários, visitas a ambientes e outros, que possam facilitar o processo e contribuir para atingir as metas por eles propostas” (COSTA e FERNANDES, 2020, p. 26). 43 Carl Rogers foi o mais influente teórico no campo das teorias humanísticas. No campo da educação, alguns aspectos podem ser assim resumidos (LIMA, BARBOSA e PEIXOTO, 2018): Ø Não é possível adotar um método único de ensino; Ø Valorização dos interesses dos alunos; Ø Docente como facilitador do processo educacional; Ø Defesa de uma aprendizagem singular e livre; Ø Relação empática com o estudante; Ø Uso de metodologias de ensino estimulantes. Fica claro que nessa proposta não faz sentido estruturar totalmente o processo educacional antecipadamente, de forma independente dos seus sujeitos. A ideia é justamente a construção coletiva do processo de ensino e aprendizagem através do dialogo entre seus docente e estudantes. Tem-se assim uma perspectiva para a escola na qual: O desafio das instituições de ensino seja proporcionar uma atmosfera favorável onde estudante e professores se sintam livres para novas descobertas, sem sofrer pressões ou censuras externas, com auto aceitação, sendo apenas o que se é sem se enganar” (LIMA, BARBOSA e PEIXOTO, 2018, p. 164). 44 Tendência Pedagógica Tecnicista Em 1911, o engenheiro norte-americano Frederick W. Taylor lançou o livro “Princípios da Administração Científica”. Sua proposta foi a de organizar a administração das empresas a partir de critérios científicos, utilizando variáveis claramente definidas e mensuráveis. Assim, Taylor inaugurou a ideia de que a gestão de processos não podia ser algo feito de forma intuitiva pelos que trabalhavam: deveria ser planejada por especialistas em administração. Como resultado, o Taylorismo tornou-se ao lado do Fordismo a base da produção industrial em quase todo o século XX. No mundo da educação encontramos essa perspectiva na Tendência Pedagógica Tecnicista. Nela o processo educativo é visto como um processo similar ao da indústria. Primeiramente há uma divisão clara dos papeis: o professor ministra conteúdos e o estudante recebe e fixa as informações. Não espaço para a colaboração entre professores e estudantes, os saberes e a realidade desses últimos não são consideradas. Existe a primazia do conteúdo, que é inquestionável, assim os debates e as discussões não têm lugar, uma vez que não é necessário refletir sobre o conteúdo: deve-se apenas incorpora- lo. Essa perspectiva está por detrás de termos como “instrução”, “material instrucional” e “sistemas de instrução”. O conceito de instrução remete à transmissão unidirecional e não reflexiva do conteúdo, modulado por “procedimentos e técnicas necessárias ao arranjo e controle das condições ambientais que assegurem a transmissão/recepção de informações” (LIBÂNEO, 2014, p. 30). 45 Assim,os sistemas instrucionais se apoiam na aplicação princípios científicos comportamentais e de tecnologia para atingir o objetivo final. De acordo com Libâneo, (2014), basicamente os sistemas instrucionais se organizam em três etapas: Ø Etapa 1: definição dos comportamentos e conteúdos finais; Ø Etapa 2: ordenação sequencial dos passos da instrução; Ø Etapa 3: execução da sequencia de instruções. Essas etapas são associadas à definição previa dos programas, materiais didáticos e processos de avaliação. E seguindo a separação entre quem planeja e quem executa, advinda do Taylorismo, na concepção tecnicista toda a metodologia e materiais didáticos e de avaliação podem ser elaborados por especialistas técnicos, cabendo aos professores e professoras o papel de executar a instrução. No Brasil, durante o período da ditadura militar (1964 a 1985), o MEC celebrou acordos – à época secretos – com os EUA, conhecidos como Acordos MEC-USAID. Esses acordos foram concretizados nas Lei 5.540/68 (a chamada “Reforma Universitária Militar”) e Lei 5.692/71 (que alterou a estrutura do sistema educacional para primeiro, segundo e terceiro graus). Uma das características desses acordos foi exatamente a organização do processo educativo ao redor de uma pedagogia tecnicista, adotando uma concepção produtivista de escola (SAVIANI, 2006). Foi também desse período a emergência do ensino técnico profissionalizante no ideário proposto pela gestão nacional da educação, deixando claro, todavia, que a tendência pedagógica tecnicista não se restringe ao ensino de caráter técnico. 46 No campo da formação de professores, Sacristán e Gómez (1998) retomam o termo racionalidade técnica com o sentido de herança do positivismo: De acordo com o modelo de racionalidade técnica, a atividade profissional é instrumental, dirigida à solução de problemas mediante a aplicação rigorosa de teorias e técnica científicas” (SACRISTÁN E GÓMEZ, 1998, p. 356). Os autores espanhóis indicam dois enfoques dentro da dimensão de formação de professores na perspectiva tecnicista: modelo de treinamento e modelo de tomada de decisões. Ø Modelo de Treinamento: baseiam-se no modelo processo-produto, cujo objetivo final é o treinamento dos professores em técnicas, habilidades e atitudes que são entendidas com as mais eficientes para o processo de aprendizagem. Ø Modelo de Tomada de Decisões: é uma abordagem mais elaborada sobre a questão da eficiência. Defende que, para além do treinamento em determinados padrões de ação docente, é previsto que os professores tenham a capacidade de avaliar cenários do processo educativo e refletir sobre as técnicas de intervenção mais apropriadas. 47 Tendência Pedagógica Crítica Libâneo (2014) identifica uma linha de tendências pedagógicas que denomina de “pedagogias progressistas”: realizam a critica das realidades sociais e defendem um posicionamento sociopolítico para a educação. Libâneo (2014) às classifica em Libertadora, Libertária e a Crítico-social dos Conteúdos. Por sua vez, Sacristán e Gómez (1998) utilizam o termo Perspectiva de Reflexão na Prática para a Reconstrução Social para caracterizar “o ensino como uma atividade crítica, uma prática saturada de opções de caráter ético” (SACRISTÁN e GÓMEZ, 1998, p.373). Nesse texto vamos utilizar o termo Tendência Pedagógica Crítica para identificar essa perspectiva para a educação. Essa tendência tem no educador brasileiro, pernambucano de Recife, Paulo Freire, um dos seus principais pensadores. Paulo Reglus Neves Freire (1921 a 1997), atualmente uma referencia mundial em educação, desenvolveu suas ações no campo da educação popular. Após uma exitosa experiência de alfabetização de adultos em Angicos, interior do Rio Grande do Norte, em 1963, foi convidado pelo governo de João Goulart a desenvolver um Plano Nacional de Alfabetização. Mudou-se então para Brasília e, trabalhando à serviço do MEC, estruturou um programa de alfabetização destinado a atender 1,8 milhões de pessoas no ano de 1964. Não houve tempo. O programa foi extinto em 14 de abril de 1964, treze dias após o golpe militar. Paulo Freire foi preso e exilado (HADDAD, 2019). Uma primeira aproximação ao pensamento de Freire, para a compreensão da tendência pedagógica crítica, pode ser feita pela comparação entre os conceitos de “educação bancária” e “educação problematizadora”: 48 Ø Educação Bancária: termo cunhado como uma critica a educação de caráter mecânico e focada somente no conteúdo: “para sintetizar o modelo de educação tradicional. (...) na educação tradicional o professor encarna a centralidade do processo educativo, cabendo aos estudantes apenas receber os conteúdos. Assim, o docente faria sistemáticos “depósitos” de conteúdos aos estudantes, e ao final de um período de tempo a prova faria a conferencia do resultado desses depósitos” (ZANETTI NETO, 2019, p. 40). Não relação subjetiva entre docente e estudante, apenas a transmissão unilateral de um conteúdo de forma não problematizada. Ø Educação Problematizadora: assenta-se na crença da humanização dos educadores e dos educandos, sendo que cabe ao educador realizar a mediação do conteúdo e também promover a problematização do conteúdo. Considera-se que o conteúdo não é um saber estático e acabado, mas sim um saber advindo da experiência humana e em constante movimento dialético (STREK, REDIN e ZITKOSKI, 2010, p. 134 a 136). Para Freire a educação problematizadora consiste na “força criadora do aprender de que fazem parte a comparação, a repetição, a constatação, a dúvida rebelde, a curiosidade facilmente satisfeita” (FREIRE, 2013, p.28). Libâneo (2014) identifica como Tendência Progressista Libertadora movimentos típicos da educação não-formal (que acontece fora dos espaços escolares formalmente constituídos) e que operam pela análise crítica da sociedade. Já na educação formal, Libâneo (2014) usa o termo Tendência Progressista Libertária para designar uma proposta que “espera que a escola exerça uma transformação na personalidade dos alunos num sentido libertário e autogestionário” (LIBÂNEO, 2014, p.37). Por fim, apresenta a Tendência Progressista Crítico-social dos Conteúdos como uma síntese de pedagogia progressista na qual a dimensão crítica está presente, contudo a dimensão dos conteúdos também é fundamental. Na Tendência Progressista Crítico-social dos Conteúdos, os conteúdos são universais e culturais, representando os saberes historicamente acumulados pela humanidade. A diferença é que: 49 “Embora se aceite que os conteúdos são realidades exteriores ao aluno, que devem ser assimilados e não simplesmente reinventados, eles não são refratários às realidades sociais. Não basta que os conteúdos sejam apenas ensinados, ainda que bem ensinados; é preciso que se liguem, de forma indissociável, à sua significação humana e social” (LIBÂNEO, 2014, p.41). Ou seja, registra-se um duplo objetivo: a assimilação dos conteúdos; a reflexão crítica sobre esses conteúdos na vida dos estudantes e em sua realidade social. Sacristán e Gómez (1998) pensam a formação de professores nessa perspectiva crítica considerando que o processo de ensino e aprendizagem precisa refletir, em suas ações concretas, valores éticos e um sentido de emancipação dos sujeitos. O papel do professor é então fundamental: “O professor/a é considerado um profissional autônomo que reflete criticamente sobre a prática cotidiana para compreender tanto as características dos processos de ensino-aprendizagem quanto do contexto em que o ensino ocorre, de modo que sua atuação reflexiva facilite o desenvolvimento autônomo e emancipador dos participam do processo educativo” (SACRISTÁN e GÓMEZ, 1998, p.373). 50 Os autores espanhóis identificam duas vertentes para essa tendência: o enfoque de crítica e reconstrução social, e o enfoque de investigação-ação e formaçãodo professor para a compreensão. Ø Enfoque de crítica e reconstrução social: considera como objetivo final da educação construir uma sociedade mais justa e igualitária através do desenvolvimento da consciência social dos sujeitos. Visa a emancipação tanto individual quanto coletiva para transformar a injusta sociedade atual. O professor é considerado um intelectual transformador, com o claro compromisso político de provocar a formação da consciência dos cidadãos na ordem crítica da ordem social da comunidade em que vivem” (SACRISTÁN e GÓMEZ, 1998, p.377). Assim, a formação do docente precisaria se orientar por três aspectos: aquisição de bagam política e cultural; desenvolvimento da capacidade reflexiva; desenvolvimento de atitudes políticas. Ø Enfoque de investigação-ação e formação do professor para a compreensão: a prática docente é intelectual e autônoma e não pode ser reduzida a uma técnica de ensino. Trata-se um processo colaborativo de reflexão cooperativa na qual o “professor/a aprende a ensinar e ensina porque aprende”. A intervenção do docente não tem o objetivo de substituir a compreensão que o estudante já tem, mas de produzir reelaborações. A própria escola assim contemplaria dois campos de ação: a formação dos alunos, e também a formação continua dos docentes através da investigação reflexiva da própria prática. 51 REFERÊNCIAS ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. Dialética, Epistemologia (verbetes). Tradução da 1.ª edição brasileira coordenada e revisada por Alfredo Bossi; revisão da tradução e tradução de novos textos Ivone Castilho Benedetti. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. BATISTA, D. E. A didática de Comênio: entre o método de ensino e a viva voz do professor. Revista Pro-posições. V. 28, Suppl.1 2017. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/pp/v28s1/0103-7307-pp-28-s1-0256.pdf CHAUI, Marilena. O que é ideologia. São Paulo: Abril Cultural; Brasiliense, 1984. – (Coleção Primeiros Passos) COSTA, C. M. FERNANDES, R. S. Aprendizagem centrada na pessoa: a atualidade da proposta educacional de Carl Rogers. Comunicações Piracicaba | v. 27 | n. 2 | p. 21-40 | maio-ago. 2020. 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