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AULA 4 - DIREITOS HUMANOS E RELIGIÃO

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DIREITOS HUMANOS E 
RELIGIÃO 
AULA 4 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Prof. Marlon Ronald Fluck 
 
 
 
 
 
 
 
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CONVERSA INICIAL 
Estamos dando início ao estudo de direitos humanos e religião. Nesta 
aula, vemos como isso se deu no direito inquisitorial e no direito canônico. 
Nos séculos XII e XIII, surgiram movimentos de opção pela pobreza, 
classificados como heresia por criticarem o catolicismo. 
O catolicismo era entendido então como cimento da sociedade. Criou-se 
uma legislação para conversão do herético, justificando o uso da tortura 
inquisitorial. 
A purificação do Catolicismo justificava a Inquisição e as Cruzadas. 
O IV Concílio Laterano (1215) estabeleceu punição aos hereges e 
confisco dos seus bens. 
Em 1252, o Papa Inocêncio IV autorizou a tortura como meio de alcançar 
informação e confissão. 
Abordaremos a dimensão do direito papal, o surgimento dos manuais 
inquisitoriais, o estabelecimento do diagnóstico, a bruxaria e o direito canônico. 
Finalizaremos com uma abordagem sobre o direito canônico. 
TEMA 1 – DIREITO PAPAL 
O papa se denominava Vigário de Cristo, indicando autoridade sobre 
incrédulos e tendo autoridade terrestre. 
O Código de direito canônico foi visto como algo totalmente necessário 
para a Igreja, para que se organizasse o poder sagrado e a administração dos 
sacramentos (João Paulo II, 2017, p. 15). As coleções existem desde 429 d.C., 
tendo florescido nos dez primeiros séculos em diversos lugares. No Concílio de 
Trento (1545-1563 d.C.) foram promulgados, mas nunca reunidos numa 
coletânea única. Somente no Vaticano I surgiram como coletânea, bem como no 
Vaticano II, mas tomando forma revista em 1983 (Lorscheiter, 2017, p. 21) 
O papa Inocêncio IV, em 1252, deu à violência primazia sobre a 
persuasão no trato da heresia. 
Generalizadas práticas jurídicas inquisitoriais viabilizaram o genocídio 
humano, no trato das heresias. 
Além de albigenses e cátaros, sofreram essas práticas os pré-
reformadores valdenses, João Huss e Jerônimo Savonarola. 
 
 
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Agora, em 1484, o Papa Inocêncio VIII passou a dar a professores de 
teologia poderes para julgar se alguém está praticando bruxaria. A repressão às 
heresias passou a acompanhar “a ambição do poder temporal e a centralização 
e unificação dogmática do Cristianismo” (Byington, 2010, p.29) 
As mulheres foram impossibilitadas pela Igreja Católica Romana de 
ministrar os sacramentos e ocupar cargos em igualdade de condições com os 
homens. 
Os acusados passaram a ser passiveis de julgamento para que se 
esclareça se são puníveis por heresia. A bruxaria é vista como alta traição contra 
a Majestade de Deus (Kramer; Sprenger, 2010, p. 55). 
TEMA 2 – MANUAIS INQUISITORIAIS 
A prescrição de torturas e execuções de mulheres acusadas de bruxaria, 
exemplificada em O martelo das feiticeiras, partia do princípio de que elas eram 
suspeitas porque a mulher foi feita da costela torta de Adão, não podendo 
nenhuma mulher, portanto, ser reta. O livro foi, portanto, um instrumento a mais 
para marcar a supremacia masculina na história do Ocidente. A mulher foi se 
tornando gradativamente propriedade do marido. Já não mais imperam os 
princípios feminino e masculino que governam juntos na humanidade, mas sim 
passa a imperar a lei do mais forte, gerando a dependência econômica da mulher 
e sua submissão psicológica até hoje existente (Muraro, 2010, p. 7-8). 
Figura 1 – Martelo das feiticeiras 
 
Crédito: Jelena Aloskina/Shutterstock. 
 
 
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O manual foi aprovado, em 1484, pelo papa Inocêncio VIII, regularizando 
do amplo holocausto de mulheres suspeitas de heresia daí decorrente. 
Feiticeiras e adivinhas ficaram sujeitas à pena de morte devido ao texto 
de Deuteronômio 18. 9-12, 19 e 20. 
Figura 2 – Xilogravura da queima de mulheres de 1580 
 
Crédito: Xilogravura de 1580 - Knauf-Museum Zeigt Den “Hexenwahn In Franken”. 
Durante três séculos, o livro Martelo das feiticeiras foi visto como a “Bíblia 
do inquisidor”, sendo que nele “a Demonologia e o ódio às mulheres cresceram 
às expensas da despotencialização do papel cultural revolucionário dos 
símbolos de Cristo e da Igreja” (Byington, 2010, p. 20-21). 
Na conceituação da mulher, a visão que transparece no manual era 
bastante negativa: 
Da perversidade das mulheres fala-se no Eclesiástico, 25: ‘Não há 
veneno pior que o das serpentes; não há cólera que vença a da mulher. 
É melhor viver com um leão e um dragão que morar com uma mulher 
maldosa.’ E entre o muito que, nessa passagem escriturística, se diz 
da malícia da mulher, há uma conclusão: ‘Toda a malícia é leve, 
comparada com a malícia de uma mulher.’ Pelo que S. João 
Crisóstomo comenta sobre a passagem ‘É melhor não se casar’ 
(Mateus, 19): ‘Que há de ser a mulher senão uma adversária da 
amizade, um castigo inevitável, um mal necessário, uma tentação 
natural, uma calamidade desejável, um perigo doméstico, um deleite 
nocivo, um mal da natureza, pintado de lindas cores. Portanto, sendo 
pecado dela divorciar-se, conviver com ela passa a ser tortura 
necessária: ou cometemos o adultério, repudiando-a, ou somos 
obrigados a suportar as brigas diárias.’ Diz Cícero no segundo livro de 
sua Retórica: ‘A lascívia multímoda dos homens leva-os a um só 
pecado, mas a lascívia unívoca das mulheres as conduz a todos os 
 
 
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pecados; pois que a raiz de todos os vícios da mulher é a cobiça,’ E diz 
Sêneca no seu Tragédias: ‘A mulher ou ama ou odeia. Não há meio 
termo. E as suas lágrimas são falazes, porque ou brotam de verdadeiro 
pesar, ou não passam de embuste. A mulher que solitária medita, 
medita no mal.’ [...] em muitas vituperações que lemos contra as 
mulheres, o vocábulo mulher é usado para indicar a lascívia da carne. 
Conforme é dito: ‘Encontrei uma mulher mais amarga que a morte e 
uma boa mulher subordinada à concupiscência carnal.’ 
Outros têm ainda proposto muitas outras razões para explicar o maior 
número de mulheres supersticiosas do que de homens. E a primeira 
está em sua maior credibilidade; e, já que o principal objetivo do diabo 
é corromper a fé, prefere então tocá-las. Ver Eclesiástico, 19: ‘Aquele 
que é crédulo demais tem um coração leviano e sofrerá prejuízo.’ 
A segunda razão é que as mulheres são, por natureza, mais 
impressionáveis e mais propensas a receberem a influência do espírito 
descorporificado; e quando se utilizam com correção dessa qualidade 
tornam-se virtuosíssimas, mas quando a utilizam para o mal tornam-se 
absolutamente malignas. 
A terceira razão é que, possuidoras de língua traiçoeira, não se abstêm 
de contar às suas amigas tudo o que aprendem através das artes do 
mal; e, por serem fracas, encontram modo fácil e secreto de se 
justificarem através da bruxaria. Ver a passagem do Eclesiástico, já 
mencionada: ‘É melhor viver com um leão ou um dragão que morar 
com uma mulher maldosa.’ ‘Toda a malícia é leve, comparada com a 
malícia de uma mulher.’ E podemos aí aditar que agem em 
conformidade com o fato de serem muitíssimo impressionáveis. 
(Kramer; Sprenger, 2010, p. 114-116) 
A extensão da aplicação desse manual do inquisidor das bruxas foi 
espantosa. Nos séculos XV e XVI foram milhares de execuções, geralmente 
queimadas como bruxas nas fogueiras na Alemanha, Itália, França, Inglaterra. 
“Muitos escritores estimaram que o número total de mulheres executadas subia 
à casa dos milhões, e as mulheres constituíam 85% de todos os bruxos e bruxas 
que foram executados” (Muraro, 2010, p. 13). 
Com o desenvolvimento histórico ocorre uma “inferiorização patriarcal da 
mulher na vida institucional da Igreja, principalmente na sua impossibilidade de 
ministrar os sacramentos e ocupar cargos em igualdade de condições com os 
homens” (Byington, 2010, p. 33). 
Os tribunais surgidos da Inquisição católica atingiram profunda e 
obsessivamente as mulheres, normatizando detalhadamente seu 
comportamento. Sendo as mulheres vinculadas à sexualidade, passaram a ser 
vistascomo agentes com maior “convivência com o demônio” (Muraro, 2010, 
p.14-15). Por meio do prazer, sendo Satanás o senhor deste, as feiticeiras 
produzem uma série de males, dos quais só há resgate por meio de tortura e 
morte (Muraro, 2010, p. 16). 
O Martelo das feiticeiras tem sido entendido como 
A continuação popular do Segundo Capítulo do Gênesis torna-se a 
testemunha mais importante da estrutura do patriarcado e de como 
 
 
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esta estrutura funciona concretamente sobre a repressão da mulher e 
do prazer. 
De doadora da vida, símbolo da fertilidade para as colheitas e os 
animais, agora a situação se inverte: a mulher é a primeira e a maior 
pecadora, a origem de todas as ações nocivas ao homem, à natureza 
e aos animais. 
Durante três séculos o Malleus foi a bíblia dos Inquisidores e esteve na 
banca de todos os julgamentos. Quando cessou a caça às bruxas, no 
século XVIII, houve grande transformação na condição feminina. 
(Muraro, 2010, p. 16) 
As mulheres passam a ser reduzidas ao ambiente doméstico. O saber 
feminino tornou-se clandestino. Não se questiona mais o sistema de controle que 
foi assim gerado. Esse manual passou a ser tido como se fosse a Bíblia do 
praticante da Inquisição sobre as pessoas suspeitas de serem bruxas. A 
demonologia e o ódio às mulheres cresceram lado a lado. A mulher era colocada 
sob suspeita como colaboradora do demônio. 
A pena de morte passou a ser autorizada como modo de combate às 
heresias a partir da publicação do manual Martelo das feiticeiras, no final do 
século XV. 
TEMA 3 – ESTABELECIMENTO DO DIAGNÓSTICO 
As bruxas assumiam fidelidade ao mal: injuriando, mas não curando; 
curando por meio de pacto com o diabo, não injuriando; injuriando e curando. 
O primeiro tipo matava e devorava crianças. 
As bruxas iniciantes renunciavam à religião cristã, à adoração de Maria e 
à veneração dos sacramentos. 
A mulher é vista como sendo “sempre mais fraca em manter e em 
preservar a sua fé”, o que decorre de sua própria natureza (Kramer; Sprenger, 
2010, p. 117). 
Continuando na avaliação, o Código diz: 
As mulheres possuem também memória fraca; e nelas a indisciplina é 
um vício natural: limitam-se a seguir seus impulsos sem qualquer 
senso do que é devido; e sua instrução segue a medida de sua 
indisciplina, pois muito pouco lhes é dado guardar na memória. Assim 
diz Teofrasto: ‘Quando entregamos a tutela de nossa casa para a 
mulher, reservando, porém, para nossa própria decisão algum ínfimo 
pormenor, julga estarmos manifestando para com ela grave falta de 
consideração e de confiança, julga estarmos incitando briga; a menos 
que rapidamente nos aconselhemos, resolvendo o problema, ela nos 
vai preparar veneno, vai consultar videntes e feiticeiros e acabar 
transformando-se numa bruxa.’. (Kramer; Sprenger, 2010, p. 118) 
 
 
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As bruxas têm vínculo da pior espécie com os demônios, “mormente pelo 
seu comportamento como mulheres que, como todas as outras, se deleitam com 
coisas fúteis e vãs” (Kramer; Sprenger, 2010, p. 236). 
As bruxas parteiras são as que cometem os maiores males. Elas prestam 
serviço ao diabo: 
Algumas crianças inocentes são oferecidas aos demônios não pelas 
suas mães, mas pelas parteiras, que secretamente as tiram do braço 
materno, depois de as haverem retirado do útero da mãe honesta. Tais 
crianças não são por completo afastadas da graça e talvez nem 
venham a ter propensão para tais crimes. Talvez, isso sim, possam vir 
a cultivar as virtudes de suas mães. [...] quando uma bruxa oferece um 
recém-nascido ao diabo, confia a sua alma e o seu corpo a ele, como 
seu princípio e seu fim na danação eterna; pelo que, não sem algum 
milagre, será capaz a criança de livrar-se do pagamento de débito tão 
pesado. (Kramer; Sprenger, 2010, p. 288) 
O demônio exigia uma entrega completa a ele permanentemente. Bruxas 
podem, pelo toque de mão, privar um homem do pênis, transformando-o em 
besta. 
As mulheres são vistas como “mais fracas na mente e no corpo”, sendo 
consequência disso que elas “se entreguem com mais frequência aos atos de 
bruxaria”. Falta-lhes a retidão dos homens. Elas são animal imperfeito, sempre 
decepcionando a mente (Kramer; Sprenger, 2010, p.116). 
TEMA 4 – BRUXARIA E DIREITO CANÔNICO 
 As bruxas ofereciam recém-nascidos ao diabo. 
Aplicavam malefício aos animais e tinham poder de manipulação das 
tempestades com alvo de tirar vidas. As forças que utilizavam eram tidas como 
capazes de “provocar tempestades, de provocar males, mesmo sem o auxílio de 
qualquer força superior” (Kramer; Sprenger, 2010, p. 64) As artes diabólicas são 
descritas como não tendo surgido repentinamente, mas no decurso do tempo. 
As bruxas, “para realizar seus malefícios, de fato cooperam com o diabo” 
(Kramer; Sprenger, 2010, p.70). Na visão do direito canônico, “não há 
possibilidade de utilizarem tais formulas mágicas sem invocação diabólica tácita” 
(Kramer; Sprenger, 2010, p.75). 
Inclusive é assim que é atribuido aos demônios o poder de “interferir com 
o processo normal de copulação e de concepção, ao obterem sêmen humano e 
transferirem-no” (Kramer; Sprenger, 2010, p. 79). 
Os atos das bruxas são de 
 
 
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natureza tal que não podem ser realizados sem o auxílio de demônios 
[...] Bruxas são assim chamadas por causa da atrocidade de seus 
malefícios; perturbam os elementos e confundem a mente dos homens 
sem se utilizarem de qualquer porção venenosa, apenas pela força de 
seus encantamentos – a destruir almas e a provocar toda sorte de 
efeitos que não podem ser causados pela influência dos corpos 
celestes com a mera intermediação de um homem. (Kramer; Sprenger, 
2010, p. 96) 
 O manual prescrevia infinidade de remédios contra a feitiçaria. A bruxaria 
afeta todo o relacionamento sexual dos seres humanos. O diabo afeta as 
mulheres, de tal forma que “chegam a considerar os seus maridos tão 
repugnantes que não lhes permitem, em hipótese alguma, deitar-se com elas” 
(Pedro de Palude, citado por Kramer; Sprenger, 2010, p. 136). 
Poder-se-ia afirmar também que, sendo as bruxas em sua maioria 
mulheres, procuram mais os homens do que a outras mulheres para 
copularem. Agem também afrontando mulheres casadas, 
aproveitando-se de todas as oportunidades para o adultério quando 
então o homem passa a ser capaz de copular com outras mulheres 
mas não com a sua própria; de forma semelhante as mulheres passam 
a procurar outros amantes. (Kramer; Sprenger, 2010, p. 136) 
Os espíritos malignos “inflamam o desejo de alguns homens perversos 
para com determinada mulher e o esfriam para com outra”. Aí incide também a 
influência dos astros (Kramer; Sprenger, 2010, p. 202). 
As bruxas procuram fazer o mal por meio da invocação dos demônios, 
bem como “saem a percorrer o mundo e a coletar o sêmen das coisas que lhes 
interessam, e através dele, com a permissão de Deus, produzem novas 
espécies” (Kramer; Sprenger, 2010, p. 152). O diabo cria a “convicção ilusória 
dos pagãos que dizem serem os homens e as velhas transformados em 
lobisomens” (Kramer; Sprenger, 2010, p. 154). 
São descritos tipos de bruxas, sendo que as mais poderosas 
Desencadeiam tempestades danosas com raios e trovões, causam a 
esterilidade de homens e de animais; fazem oferenda de crianças aos 
demônios, as quais acabam matando e devorando. Mas só as que não 
renasceram pelo batismo na pia batismal: as batizadas são incapazes 
de devorar crianças sem a permissão de Deus. São capazes também, 
fora da vista de outras pessoas, de jogar crianças que brincam pelas 
ribanceiras dentro d’água (mesmo à vista dos pais); de fazer cavalos 
enlouquecerem sob as rédeas dos próprios cavaleiros; de se 
transportar de um lugar a outro, em corpo físico ou na imaginação; de 
interferir na ação de Juízes e de Magistrados, impedindo-os de puni-
las; de manter-se, a si próprias e a outros, em silêncio, sob tortura; de 
causar grande pavor nos que as capturam, os quais se veem 
acometidos de violentos tremoresnas mãos; de revelar a outros coisas 
ocultas e de predizer eventos futuros, através do que lhes é 
comunicado pelos demônios, embora tal fenômeno possa, de vez em 
quando, ter causa natural [...]; são capazes também de ver o que está 
ausente; de virar a cabeça dos homens para o amor ou para o ódio 
 
 
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desmedidos; de, por vezes, atingir a quem lhes aprouver com raios; e 
de, até mesmo, fulminar com raios homens e animais; de deixar sem 
efeito os desejos procriadores, e até mesmo a força carnal da cópula, 
e de causar o aborto e a morte do feto no útero materno a um simples 
toque no ventre; de, por vezes, enfeitiçar homens e mulheres por mero 
olhar, sem os tocar, e de causar-lhes, dessa forma, a morte; de dedicar 
os próprios filhos aos demônios; e, em suma, como já foi dito antes, de 
causar todos os flagelos que as demais bruxas só conseguem provocar 
em certa medida, desde que a Justiça Divina assim o permita. Todas 
essas coisas, tal classe de feiticeiras – de todas as classes a mais 
poderosa – é capaz de fazer, mas não de desfazer. (Kramer; Sprenger, 
2010, p. 214-215) 
Figura 3 – Mulheres na Inquisição 
 
Crédito: Everett Collection/Shutterstock. 
Apresenta normas de regulamentação, imposição de penas de morte a 
judeus e confisco de bens. 
Conclui com medidas contra bruxaria e heresia. 
Apresenta todas as normas do processo inquisitorial. 
Tudo é aprovado pela Faculdade de Teologia de Colônia e pelo Papa. 
 
 
 
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Figura 4 – Mulher sendo queimada pelos inquisidores 
 
Crédito: Matrioshka/Shutterstock. 
Para o manual, a conclusão é que 
Toda bruxaria tem origem na cobiça carnal, insaciável nas mulheres. 
Ver Provérbios 30: ‘Há três coisas insaciáveis, quatro mesmo que 
nunca dizem: Basta!’ A quarta é a boca do útero. Pelo que, para 
saciarem a sua lascívia, copulam até mesmo com demônios. 
Poderíamos ainda aditar outras razões, mas já nos parece 
suficientemente claro que não admira ser maior o número de mulheres 
contaminadas pela heresia da bruxaria. E por esse motivo convém 
referir-se a tal heresia culposa como a heresia das bruxas e não a dos 
magos, dado ser maior o contingente de mulheres que se entregam a 
essa prática. E abençoado seja o Altíssimo, Que até agora tem 
preservado o sexo masculino de crime tão hediondo: como Ele veio ao 
mundo e sofreu por nós, deu-nos, a nós homens, esse privilégio. 
(Kramer; Sprenger, 2010, p. 121) 
As bruxas parteiras são vistas como sendo aquelas que os piores males 
produzem. Elas é que oferecem as crianças ao demônio (Kramer; Sprenger, 
2010, p.156) 
A penalidade atribuida às bruxas é “o confisco de seus bens e a 
decapitação” (Kramer; Sprenger, 2010, p. 175). Os pecados das bruxas são 
maiores porque, “não se satisfazendo com seus próprios pecados e com a sua 
perdição, arrastam consigo muitos e muitos inocentes” (Kramer; Sprenger, 2010, 
p.186). 
Atribui-se às bruxas a “cópula carnal com os demônios”. O diabo aparece 
às bruxas “em forma de homem, reclamando-lhes a fidelidade que será firmada 
em voto solene. Em troca, promete-lhes a prosperidade mundana e longevidade” 
(Kramer; Sprenger, 2010, p .215). No manual há o alerta de que “os demônios 
dão muita atenção à força ou virtude procriadora do sêmen, e tal virtude é mais 
abundante e mais bem preservada no esperma colhido durante o ato carnal” 
 
 
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(Kramer; Sprenger, 2010, p. 238). Há inclusive o reconhecimento de que as 
bruxas “impedem, diretamente, a ereção do membro próprio à frutificação”, pois 
são “capazes de viciar e de perverter o uso natural de qualquer membro”. O 
homem é tornado impotente “através da força oculta das ilusões demoníacas”, 
impedindo a cópula no homem e a concepção na mulher (Kramer; Sprenger, 
2010, p. 246). 
 Os corpos humanos são movidos pelas almas. Somente Deus penetra na 
alma. Os demônios, com a permissão divina, podem penetrar nos corpos, “onde 
podem causar impressões sobre as faculdades internas correspondentes aos 
órgãos internos” (Kramer; Sprenger, 2010, p. 259). “Os homens por vezes são 
substancialmente possuídos por demônios a pedido das bruxas” (Kramer; 
Sprenger, 2010, p. 266). 
O manual expressa a ideia de uma possessão ininterrupta por parte de 
espíritos diabólicos. Assim, os demônios, a pedido das bruxas e com a 
permissão de Deus, são capazes de inflingir tormentos (Kramer; Sprenger, 2010, 
p. 273). Considera-se o crime de bruxaria como o que “excede em perversidade 
todos nas suas atividades ou na sua reputação” (Kramer; Sprenger, 2010, p. 
276). 
TEMA 5 – DIREITO CANÔNICO 
A normatização do relacionamento da Igreja Católica Romana com 
subordinados se deu por meio de estatutos jurídicos da hierarquia, determinando 
a atuação da igreja e fiéis, habilitando um modelo hierárquico baseado no papa 
e nos bispos. 
 
 
 
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Figura 5 – Direito canônico 
 
Crédito: Fresnel/Shutterstock. 
O direito canônico incorpora cânones em vigor na Igreja Católica. Tendo 
sido promulgado em 1917, teve modificações no Vaticano II e revisões em 1983 
e versa sobre canonização de santos, poder do papa de julgar a magistratura do 
estado, cardeais, bispos e causas a seu juízo. 
 Em Martelo das feiticeiras, as bruxas chegam a expressar que “são 
capazes de enfeitiçar os seus juízes por mau-olhado: gabam-se publicamente 
de que não podem ser condenadas” (Kramer; Sprenger, 2010, p. 282). Os 
maiores males são cometidos pelas parteiras, as quais “ofendem a Fé na sua 
heresia diabólica”. Elas oferecem o recém-nascido ao diabo em ritual blasfemo. 
(Kramer; Sprenger, 2010, p. 285). 
 Sobre o efeito dos exorcismos se sublinha que eles nem sempre 
Se revelam eficazes na repressão dos demônios no caso das aflições 
corporais, porque estas só são curadas pelo arbítrio de Deus; mas 
sempre são eficazes contra as molestações diabólicas para as quais 
foram instituídos, como, por exemplo, no caso de homens possuídos 
pelo diabo, ou no caso do exorcismo de crianças. (Kramer; Sprenger, 
2010, p. 310) 
 Para receber ajuda do diabo, está claro que é necessário invocá-lo. Com 
isso, fica claro que, “pelo simples fato de pedir ajuda ao diabo a pessoa já se 
torna um apóstata da fé”. Assim se constitui a apostasia, pois “tudo o que se 
 
 
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recebe por obra do demônio acarreta na detratação da Fé” (Kramer; Sprenger, 
2010, p. 293). 
 Os crimes das bruxas “não são exclusivamente eclesiásticos, são também 
civis em decorrência do prejuízo temporal que causam”. Os líderes civis devem 
banir de seus domínios todos os culpados de bruxaria ou heresia. O pecado mais 
grave está em corromper a fé. Hereges e apóstatas “deverão ser imediatamente 
punidos com a morte tão logo sejam considerados culpados” (Kramer; Sprenger, 
2010, p. 305). 
 Sobre a forma de retirar os efeitos da bruxaria é evidente que “nenhuma 
bruxaria pode ser removida por forças naturais, embora possa ser mitigada” 
(Kramer; Sprenger, 2010, p. 319). 
 A aflição corporal era vista como “o sinal visível do homem que fora 
excomungado”. A excomunhão era usada como “remédio para os possuídos” 
(Kramer; Sprenger, 2010, p. 343). 
 Os demônios são vistos como “capazes de transformar os corpos, de 
várias maneiras [...] como é evidente no caso dos que são enfeitiçados” (Kramer; 
Sprenger, 2010, p. 361-362). Há uma “guerra declarada entre os homens e os 
demônios, a impedir que os primeiros usem do auxílio dos segundos, seja por 
pacto tácito, seja pelo pacto explícito” (Kramer; Sprenger, 2010, p. 363). 
 A magia é entendida como oriunda de Zoroastro e algo do que as 
paróquias devem ser libertas (Kramer; Sprenger, 2010, p. 378). Quando alguém 
é acusado, isso não pode ser baseado em pouca evidência. É necessário que 
três ou quatro pessoas de boa reputação deponham a respeito da verdade sobre 
a existência de alguma heresia naquela paróquia. Isso não pode se basear 
somente em presunção. Há todo um processo argumentativo a se efetivar. As 
testemunhas precisam ser de qualidade (Kramer; Sprenger,2010, p. 401-403). 
 A heresia é como uma peste criada por Satanás e o demônio, com veneno 
insuflado nos frutos das vinhas (Kramer; Sprenger, 2010, p. 496). 
 O livro Martelo das feiticeiras devia servir para “sentir-se encorajados para 
despertar ódio no coração das pessoas contra esta pestilenta heresia maléfica e 
contra todos os atos hediondos de bruxaria, para que todos os homens de bem 
possam ser advertidos e salvaguardados” (Kramer; Sprenger, 2010, p. 520). 
 
 
14 
NA PRÁTICA 
Os papas almejavam domínio terrestre em uma sociedade cristã 
centralizada. O Papa, como vigário de Cristo, advogava autoridade sobre todos, 
também sobre incrédulos. Isso se aplicava a todas as dimensões, inclusive a 
terrena. Surgiu então o Código do direito canônico, no qual a bruxaria foi 
classificada como alta traição. 
Advogava-se que as mulheres eram mais propensas ao mal, pois feitas 
de uma costela torta do homem. Com isso, elas teriam a propensão de realizar 
“coisas tortas”. 
Descritas como entregando-se ao demônio e afetando a natureza, as 
mulheres foram impossibilitadas de administrar os sacramentos e ocupar cargos 
em igualdade de condições com os homens. 
Surgem os manuais inquisitoriais, como o Martelo das feiticeiras (de 
1484), o qual regulariza o holocausto de mulheres suspeitas de heresias. O 
manual se torna instrumento da supremacia masculina no Ocidente, servindo por 
três séculos como a bíblia do inquisidor. Tornou-se meio de inferiorização 
patriarcal da mulher, bem como normatizou o comportamento feminino. 
As mulheres passaram a se tornar suspeitas como colaboradoras do 
demônio e, quando se deixam mover pela bruxaria, manifestam fidelidade ao 
mal. Nesse contexto, elas são vistas como mais fracas na mente e no corpo. 
Como bruxas, elas têm vínculo da pior espécie com os demônios. E quando são 
parteiras, cometem os maiores males. Nessa situação, ofereciam os recém-
nascidos ao diabo. 
FINALIZANDO 
O manual Martelo das feiticeiras prescrevia uma infinidade de remédios 
contra a feitiçaria, visto que se entendia a bruxaria afetando todo o 
relacionamento sexual dos seres humanos. 
O direito eclesiástico ajudou a compor o direito comum social, auxiliando 
a garantir melhor a justiça e, consequentemente, os direitos humanos em geral. 
 
 
 
 
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REFERÊNCIAS 
BYINGTON, C. A. B. O martelo das feiticeiras – Malleus maleficarum à luz de 
uma teoria simbólica da história. In: KRAMER, H.; SPRENGER, J. O martelo 
das feiticeiras – Malleus maleficarum. 21. ed. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 
2010, p. 19-41. 
HOUAISS, A.; VILLAR, M. S. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio 
de Janeiro: Objetiva, 2001. 
JOÃO PAULO II. Código de direito canônico: Codex iuris canonici. São Paulo: 
Loyola, 2017. 
KRAMER, H.; SPRENGER, J. O martelo das feiticeiras – Malleus maleficarum. 
21. ed. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2010. 
LORSCHEITER, I. Prefácio. In: JOÃO PAULO II. Código de direito canônico: 
Codex iuris canonici. São Paulo: Loyola, 2017. P.21-31. 
MURARO, R. M. Breve introdução histórica. In: KRAMER, H.; SPRENGER, J. O 
martelo das feiticeiras – Malleus maleficarum. 21. ed. Rio de Janeiro: Rosa dos 
Tempos, 2010, p. 5-17.

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