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AULA 6 GESTÃO DO SUAS – PLANOS DE ASSISTÊNCIA SOCIAL E PACTO DE APRIMORAMENTO DO SUAS Profª Adriana Zanqueta Wilbert Ito 2 TEMA 1 – DESAFIOS DA GESTÃO DA POLÍTICA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL A Política Nacional de Assistência Social (PNAS), ao definir que a gestão seria elaborada de forma democrática e participativa, já apresentou desafios em sua constituição. Trouxe no seu bojo uma ressignificação do formato de desenvolver os processos de política pública, em especial na área da assistência social, cuja referência de cultura era a de assistencialismo. A Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social (NOB/Suas), ao pôr em tela conceitos como descentralização, comando único, níveis de gestão, instâncias de pactuação, porte dos municípios e território, intersetorialidade, articulação interinstitucional, rede socioassistencial, cofinanciamento, como também o controle social e o protagonismo dos usuários dos programas e serviços, exigiu dos gestores, dos trabalhadores e da própria sociedade uma nova forma de condução das ações públicas de assistência social (Brasil, 2005b). Os pressupostos da PNAS sustentam o fortalecimento da proteção social básica e especial e a provisão de um conjunto de seguranças sociais e de defesa de direitos – e fazer a gestão dessa política vai além da tomada de atitudes administrativas e funcionais (Brasil, 2008). Nesse novo processo de gestão, é necessário agregar conhecimentos técnicos, dominar a informatização, pensar novas estratégias de intervenção, administrar resistências e conflitos, estabelecer consensos, criar alianças e estabelecer pactos, o que corrobora com a reflexão de Nogueira (2004, p. 243, citado por Brasil, 2008, p. 15-16) de que: Mais que de talentos individuais, as várias instâncias subnacionais vão depender de uma organização e um fluxo de comunicação interna e externa, que se mostre capaz de dinamizar e coordenar um esforço coletivo e aglutinador. Sem dúvida, o maior desafio da gestão institucional em qualquer contexto de mudanças “é dar curso a uma dinâmica de reforma intelectual e moral que tenha potência para criar novas hegemonias. Alguns desafios precisam ser constantemente observados, como: a. Descentralização da política de assistência social nas três esferas do governo e reordenamento institucional: a Constituição Federal (CF) de 1988 instituiu o processo de descentralização, permitindo que os municípios tivessem autonomia político-institucional, enfatizando a necessidade de se olhar para as demandas locais (Brasil, 1988). Nesse sentido, um dos desafios é que, nesse processo de pactuação, os 3 municípios receberam uma carga demasiada de responsabilidades, enquanto os estados, por sua vez, ficaram com poucas atribuições. Nesse cenário, foram surgindo muitos problemas, entre eles: as dificuldades de execução dos repasses financeiros, por conta de uma legislação burocrática; a redução da capacidade operacional, que, por vezes, privilegia convênios com a rede privada. Outra questão que demanda um olhar especial é como implantar “[...] fóruns internos dos equipamentos e unidades públicos, que envolvam gestores e trabalhadores da área para discutir e consensuar, na dimensão gerencial estratégica, as referências do sistema, bem como os modos de operacionalização” (Brasil, 2008, p. 22). b. Democratização do Estado e estabelecimento de um controle social: a democratização do Estado ocorre por intermédio da descentralização da gestão nas três esferas do governo, atribuindo ao reordenamento como que uma possibilidade de enfrentar as desigualdades sociais por intermédio da prestação de serviços e benefícios socioassistenciais e da criação de canais de participação e controle social, tanto pelos usuários das políticas públicas quanto pelos segmentos da sociedade civil organizada. Um dos problemas enfrentados nesse campo é que, por vezes, por conta de falta de maturidade política pública, ocorre apenas a transferência de poder de uma esfera para outra, tornando o processo ainda mais centralizado e autoritário – o que podemos chamar de prefeiturização. Nesses casos, “os mecanismos descentralizadores de gestão servem mais a fins políticos que visam instrumentalizar a participação popular como forma de legitimação do poder instituído, ou viabilizar o acesso às transferências de recursos federais” (Brasil, 2008, p. 25). c. Níveis de gestão no âmbito do Suas e as responsabilidades dos municípios: os municípios se habilitam para a gestão inicial, básica e plena das políticas públicas de assistência social. Acredita-se que um dos grandes desafios, nos últimos tempos, com o desmonte de muitas políticas públicas, é manter as responsabilidades assumidas com qualidade e segundo os pressupostos do Suas – ou seja, não retroceder à lógica assistencialista, para o atendimento das demandas da assistência social (Brasil, 2008). 4 d. Gestão do Suas e responsabilidades dos estados: o desafio dos estados é cumprir as responsabilidades de prestar apoio técnico e financeiro aos municípios, de forma a garantir o aprimoramento do Suas (Brasil, 2008). e. Articulação interinstitucional: a complexidade das necessidades oriundas dos problemas presentes na sociedade, em especial das condições de pobreza e desigualdade social, mas também das desigualdades regionais e locais dos estados e municípios, demanda da política de assistência social um intercâmbio com outras políticas públicas, até porque as demandas sociais precisam ser atendidas com base em uma abordagem totalizante e não dicotômica (Brasil, 2008). f. Gestão estratégica, quer seja, de planejar, monitorar e avaliar a política de assistência social: o gestor público, entre tantas atribuições, tem que ter a agilidade de tomar iniciativas que gerem recursos para se compensar a insuficiência dos fundos públicos. Diante disso, o processo de planejamento participativo é um complexo desafio, pois os grupos e segmentos sociais envolvidos não são homogêneos. Organizações parceiras, beneficiários e financiadores veem a realidade quase sempre sob o prisma dos seus objetivos específicos, dificultando a busca de acordos. (Brasil, 2008, p. 49) Sendo assim, é necessário, para o melhor encaminhamento dos processos ter habilidade de negociação e convencimento, de forma a se agregar adesão às ações das políticas públicas. TEMA 2 – MODELO DE GESTÃO DA PROTEÇÃO SOCIAL NO BRASIL Magri (2013) contribui para que possamos pensar o modelo de gestão da proteção social no Brasil. Corroborando com Lobato (2004, citado por Magri, 2013, p. 7), parte-se do pressuposto de que “a Seguridade Social agrega um conjunto de direitos que se configuram no formato de benefícios, os quais são providos pelo Estado”, o que demanda uma nova arquitetura institucional, em várias esferas: ética, política e informacional, para o sucesso da PNAS. Spostati (2009, p. 13) ratifica essa reflexão afirmando que: A Constituição Federal (CF) brasileira de 1988, ao afiançar os direitos humanos e sociais como responsabilidade pública e estatal, operou, ainda que conceitualmente, fundamentais mudanças, pois acrescentou na agenda dos entes públicos um conjunto de necessidades até então consideradas de âmbito pessoal ou individual. Nesse caminho, inaugurou uma mudança para a sociedade brasileira ao introduzir a 5 seguridade como um guarda-chuva que abriga três políticas de proteção social: a saúde, a previdência e a assistência social. As constituições anteriores já reconheciam o papel da previdência social em assegurar a maior parte das atenções da legislação social do trabalho. No Brasil, a seguridade social foi assentada na CF de 1988 (Brasil, 1988) com base em um tripé de políticas públicas: previdência social (política contributiva); saúde, cujo direito foi estendido para todos os cidadãos brasileiros, de formanão contributiva; e assistência social, também não contributiva e direcionada a quem dela precisar. No caso da PNAS, foi necessário romper com uma história hegemônica de uma política voltada para atender pessoas pobres, frágeis e carentes e se assumir a estrutura de uma política pública voltada a atender direitos sociais. Sposati (2009) menciona alguns conceitos fundamentais implicados nessa mudança de concepção proporcionada pelo PNAS: a. Modelo de proteção social não contributivo: segundo a autora, podemos entender esse modelo como uma referência a ser seguida, a ser executada, como: [...] um conjunto de elementos e de relações que, juntos, criam um sistema de referências que simula e prevê aonde se quer chegar. [...] um meio de dar coerência e comunicar uma concepção, uma ideia a ser concretizada. Social – no caso, esse modelo diz respeito às necessidades e objetivos sociais que se constituem nas relações em sociedade. (Sposati, 2009, p. 20) b. Proteção social: configura-se como uma ideia de preservação da vida, das relações da vida em sociedade via efetivação de políticas públicas. Segundo Sposati (2009): Esse sentido preservacionista é que exige tanto a noção de segurança social como a de direitos sociais. A Política Nacional de Assistência Social (PNAS) de 2004 afirma que a proteção social deve afiançar segurança de: • sobrevivência: de rendimento; de autonomia; • acolhida; • convívio: de vivência familiar. As políticas sociais são consideradas, assim, instrumentos que têm o objetivo de garantir a segurança dos cidadãos em um patamar coletivo, possibilitando preservar a sua dignidade e a sua qualidade. c. Aspecto não contributivo: se os benefícios previdenciários estão disponíveis apenas para as pessoas que recolhem uma quantia mensal destinada para a previdência, a proteção é contributiva porque é pré-paga 6 e só se destina aos filiados e não a toda a população. No caso da PNAS, essa proteção fica sob responsabilidade do Estado e é financiada por orçamento público. Com isso, o recurso público é destinado apenas para as pessoas que se encontram em condições de vulnerabilidade ou de risco social. Sposati (2009) afirma que a CF de 1988 (Brasil, 1988) atribui à noção de seguridade social a proteção social como uma possibilidade de gerar garantias, afiançadas pela sociedade brasileira, aos cidadãos. Assim sendo, “a proteção social não contributiva significa que o acesso aos serviços e benefícios independe de pagamento antecipado ou no ato da atenção” (Sposati, 2009, p. 22). TEMA 3 – INSTIGANDO A INTERSETORIALIDADE Historicamente, as políticas sociais foram elaboradas de maneira segmentada e setorizada. A partir da CF de 1988 (Brasil, 1988), presume-se que a seguridade social seja proporcionada de forma articulada pelas políticas públicas. Até os dias atuais, porém, presenciamos a existência de resquícios daquela antiga forma de pensar as políticas sociais, no nosso cotidiano. Ao tratar o cidadão a partir de sua especificidade, as políticas sociais se esquecem de que essas perpassam por uma relação muito mais ampla e, que muitas vezes independem da vontade pessoal do indivíduo. Não basta atuar diante de um problema de forma isolada, pois ele pode ter raízes mais complexas e que necessariamente vão exigir uma maior intervenção. Mas essa tem sido a tônica de nossas políticas sociais: atuar como paliativo, sem contudo ir ao foco do problema, ou então, sem dar uma resposta mais coerente. Para que haja um olhar e um atendimento totalizante às necessidades dos cidadãos é importante que se tenha uma conexão entre as áreas e os setores responsáveis pelas políticas públicas. Porém, muitos desafios estão postos para que a intersetorialidade e, também, a interdisciplinaridade saiam do papel. Um desses desafios é o compartilhamento das informações sobre o tipo de ações, objetivos e metas desenvolvidas por cada área e quais são ou foram os resultados alcançados. Isso implicaria a existência de um planejamento intersetorializado. Outros nós significativos são os orçamentos públicos. Segundo Gonçalves (2012, p. 90), [...] uma vez que as rubricas dos orçamentos públicos são setorializadas o que reforça a dificuldade de financiamento das ações intersetoriais, compartilhamento de poder entre os atores envolvidos e consequentemente, a agilização e resolutividade das ações. A gestão 7 orçamentária por rubricas constitui um nó central para o desenvolvimento da intersetorialidade. A autora ressalta que o orçamento é como um fio condutor, cuja intersetorialização facilitaria muito a incorporação de uma prática transversal entre as políticas públicas, tanto na questão estrutural, quanto nas questões gerencial e técnica. Nesse sentido, Gonçalves (2012) propõe a criação de fóruns, comitês, grupos de trabalho, espaços que proporcionem diálogos e reflexões a respeito, em um trabalho de forma participativa e democrática. Um dos maiores desafios da materialização da intersetorialidade é a compreensão dessa prática como um dos elementos da gestão das políticas públicas. Assim sendo, a elaboração de diagnósticos comuns entre as áreas, com adoção de estratégias combinadas de resolução dos problemas, é um dos meios que possibilitam pôr em prática a intersetorialidade. No caso das políticas públicas, essa prática deve perpassar pelas três esferas do governo, as quais devem estar articuladas. Para que a intersetorialidade funcione de fato, deve-se caracterizá-la como uma política de governo; dessa feita, ela deve ser regulamentada. Ainda na perspectiva de Gonçalves (2012), a intersetorialidade requer muitas competências e habilidades, entre elas a de saber estabelecer bons processos de diálogo, tomar boas decisões, ter bom-senso, apresentar resolutividade para os problemas presentes no cotidiano das relações sociais. No caso das políticas públicas, é fundamental a articulação de um sistema de monitoramento integrado do orçamento e da gestão, o que por sua vez demanda também um planejamento integrado, o qual deve subsidiar as informações que contemplem as decisões no âmbito da gestão. Destarte, isso implica desenvolver um processo de gestão diferenciado, mudar os paradigmas de pensar e agir em face dos problemas sociais, com uma articulação entre as diferentes áreas e setores da gestão, no momento de se buscar respostas que atendam às demandas da sociedade de forma efetiva. TEMA 4 – ARTICULAÇÃO DA REDE SOCIOASSISTENCIAL No que tange ao tema a ser trabalhado neste tópico, num primeiro momento, é fundamental que a equipe da gestão desenvolva o mapeamento dos serviços públicos existentes nos territórios de abrangência de uma política pública, no nosso caso a de assistência social. É importante identificar a quantidade de 8 serviços, as características do público atendido, a natureza de atenções ofertadas, a cobertura, a quantidade de trabalhadores por serviços. É fundamental se verificar os serviços que são oferecidos à população e os inexistentes, aqueles que são necessários e fazem falta. Após identificados os serviços, carece realizar- se uma aproximação para identificar os seus objetivos e intencionalidades. A rede somente se sustentará produtiva quando houver um alinhamento de expectativas e definição dos papéis de cada instituição no atendimento das demandas da sociedade. Para isso, criar um sistema de comunicação é primordial. Segundo Brasil (2008, p. 42): Um sistema bem organizado e articulado de comunicação, com canais formais e contínuos será sempre fundamental na realimentação das relações, na revitalização dos compromissos, sendo base para a capacidade de autorregulação exigida. Mobilizar redes significa pôr em ação, de forma coordenada e deliberada, os territórios nos quais os indivíduos se inserem. Sendo construções coletivas, decorrem de relacionamentos, negociações, compatibilizaçãode interesses, pactuações, movimentos de adesão e interação. As instituições que compõem a rede socioassistencial devem construir uma lógica de pensamento que lhes possibilite ter um entendimento do papel do Estado e da sociedade civil e ter uma compreensão das relações de poder, das metodologias de trabalho, criando um acordo bem fundamentado. No caso da PNAS, o Centro de Referência de Assistência Social (Cras) é considerado a porta de entrada do sistema, que deve acolher as necessidades da população. Sendo assim, determina-se que, ao se implementar o Cras, se estabeleça um território de proteção social básica (Brasil, 2008). E, justamente por conta de seu papel de acolhimento das demandas é que o gestor desse aparelho social deve organizar e coordenar a rede local dos serviços socioassistenciais. O propósito dessa estruturação é o de propiciar o acesso das famílias, principalmente daquelas que vivem em condições de vulnerabilidade e/ou risco social, a uma rede de serviços que lhes ofereçam a proteção básica dos seus direitos sociais, a redução do ciclo de pobreza e da exclusão social. Todo esse trabalho pressupõe que as ações sejam desenvolvidas de forma interdisciplinar, intersetorial e interinstitucionalmente. Dessa forma, é possível ampliar a compreensão das demandas oriundas das famílias que necessitam de apoio para, por sua vez, assumirem as atribuições de proteção em relação aos seus membros. Estabelecer o fluxo de trabalho e colocar em prática os processos de referência e 9 contrarreferência fomentam as possibilidades de fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários. A rede socioassistencial, para ser completa, é composta por instituições e serviços dos órgãos públicos e da rede público-privada formada por organizações não governamentais (ONGs) e entidades sociais. É importante salientar que é possível mobilizar a rede da sociedade civil. Sendo assim: Na lógica de Sistema, e sob o princípio das matricialidades, as ações e programas desenvolvidos pelos órgãos gestores, os CRASs e outros serviços prestados diretamente pelas esferas governamentais, têm que estar integrados. Não se pode integrar “para fora”, quando não se tem uma efetiva integração “para dentro”. Se as políticas municipal e estadual constituírem totalidades, a articulação com as organizações não governamentais, entidades sociais, movimentos comunitários, centros de defesa e redes espontâneas se farão em direção bem definida, complementando e cooperando a partir de eixos e diretrizes claramente explicitadas. (Brasil, 2008, p. 43-44) Outro elemento utilizado para implantar a intersetorialidade é a definição de microterritórios de atuação, os quais permitem se efetivar um sistema de conexões para o enfrentamento das diferentes necessidades sociais verificadas nos locais em que se presta assistência social, contemplando-se assim a integralidade das atenções voltadas à população. A proximidade que a equipe técnica do Cras estabelece com as famílias proporciona, por outro lado, a criação de vínculos com as famílias. E é nesse contexto que surgem as redes sociais informais, As organizações societárias de base ou as ações compartilhadas por diversos sujeitos sociais, [que] propiciam a construção de vínculos de proximidade e de pertencimento, abrindo oportunidades de potencialização de redes de relações sociais apoiadas por laços de parentesco, de conterraneidade, de vizinhança, de associações políticas, importantes aos processos de troca e constituição de sociabilidades coletivas. (Brasil, 2008, p. 44) Nesses espaços de interlocução e diálogo se constroem identidades coletivas ou redes, que contam com a participação de sujeitos de vários espaços como: associações de moradores, igrejas, escolas, espaços esportivos e culturais, entre outros. Também o enfrentamento de problemas e adversidades comuns acaba transformando os territórios em espaços de resistência e de organização coletiva envolvendo indivíduos e coletividades em ações reivindicatórias e mesmo mobilizações espontâneas, ancorando identidades coletivas que impulsionam mudanças nas condições de vida de todos. É muito comum, nesses espaços, 10 portanto, os sujeitos elaborarem suas próprias estratégias de sobrevivência e de vida em sociedade, coletivamente (Brasil, 2008). Segundo a PNAS e a NOB/Suas (Brasil, 2005b, 2012), o Cras tem como uma de suas atribuições mapear e articular a rede socioassistencial, incentivando o processo de participação, de cooperação e de coprodução democrática. Assim sendo, surgem desafios como os de mediar as diferenças na direção do estabelecimento de acordos e consensos, para se estabelecer uma agenda comum no que tange à política pública. Nesse caso, a rede socioassistencial tem uma atribuição política de fortalecer o Suas. Sendo assim, a NOB/Suas define essa rede como [...] um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, que ofertam e operam benefícios, serviços, programas e projetos, o que supõe a articulação entre todas estas unidades de provisão de proteção social, sob a hierarquia de básica e especial e ainda por níveis de complexidade. (Brasil, 2005b, p. 94) Para tanto, a referida normatização estabelece os seguintes parâmetros para organização da rede socioassistencial: a) oferta, de maneira integrada, de serviços, programas, projetos e benefícios de proteção social para cobertura de riscos, vulnerabilidades, danos, vitimizações, agressões ao ciclo de vida e à dignidade humana e à fragilidade das famílias; b) caráter público de corresponsabilidade e complementaridade entre as ações governamentais e não governamentais de assistência social evitando paralelismo, fragmentação e dispersão de recursos; c) hierarquização da rede pela complexidade dos serviços e abrangência territorial de sua capacidade face à demanda; d) porta de entrada unificada dos serviços para a rede de proteção social básica através de unidades de referência e para a rede de proteção social especial por centrais de acolhimento e controle de vagas; e) territorialização da rede de assistência social sob os critérios de: oferta capilar de serviços baseada na lógica da proximidade do cotidiano de vida do cidadão; localização dos serviços para desenvolver seu caráter educativo e preventivo nos territórios com maior incidência de população em vulnerabilidades e riscos sociais; f) caráter contínuo e sistemático, planejado com recursos garantidos em orçamento público, bem como com recursos próprios da rede não governamental; g) referência unitária em todo o território nacional de nomenclatura, conteúdo, padrão de funcionamento, indicadores de resultados de rede de serviços, estratégias e medidas de prevenção quanto a presença ou agravamento e superação de vitimizações, riscos e vulnerabilidades sociais. (Brasil, 2005b, p. 95) Vale ressaltar que o art. 3º da Lei Orgânica da Assistência Social (Loas) define o conceito de entidades e organizações de assistência social, em conformidade com a PNAS e com o Suas, compreendendo-as como parte da rede privada prestadora de serviços, atendimentos, assessoramentos e defesa de 11 direitos (Brasil, 1993, 2008). E a Resolução do Conselho Nacional de Assistência Social (Cnas) n. 191/2005 institui as orientações do artigo referido quanto às características essenciais dessas entidades e organizações, no âmbito da PNAS: elas devem consistir em entidades públicas sem fins lucrativos, que desenvolvam serviços de forma continuada na perspectiva da proteção social e da defesa dos direitos socioassistenciais da população (Brasil, 2005a). TEMA 5 – ELEMENTOS DE REFLEXÃO ATUAL SOBRE O SUAS O Suas desafia as três esferas de governo a elaborar uma nova cultura institucional, de forma a consolidar e fortalecer a descentralização da PNAS. Para tanto, é necessário estabelecer um novo ordenamento institucional, o que demandarepensar os papéis de cada esfera, quais procedimentos devem ser tomados, os seus fluxos e as respectivas atribuições institucionais. Construir todo esse processo de maneira democrática é o maior desafio do Suas, o que exige: - Apropriação e incorporação dos novos pressupostos, matrizes conceituais, nomenclaturas e modos de operação do SUAS, por todos os envolvidos – gestores, profissionais, conselheiros, direções de organizações não governamentais, entidades de assistência social, fóruns e movimentos sociais; - Processamento de alterações estruturais, mudanças administrativas e funcionais, nas três esferas de governo para garantir sustentabilidade do Sistema; - Estruturação e implementação das ações de proteção social básica e especial, de maneira integrada e articulada regionalmente; - Definição de padrões de qualidade e cobertura para os serviços socioassistenciais, em articulação com os benefícios, tanto de prestação continuada como os eventuais; - Ampliação de recursos para o cofinanciamento dos benefícios, programas, serviços e projetos, nas três esferas de governo; - Ampliação e aperfeiçoamento do exercício do controle social, aprofundamento dos mecanismos democráticos e participativos, construção de novos espaços e estratégias de participação nos territórios e nas unidades de prestação de serviços, investimento na organização e protagonismo dos usuários da política de assistência social; - Aprofundamento da intersetorialidade da assistência social com as demais políticas sociais, bem como da articulação interinstitucional com as entidades de assistência social e organizações não governamentais, na perspectiva de consolidar o trabalho em rede; - Ampliação de sistemas permanentes de informação, monitoramento e avaliação da política de assistência social, que alimentem o SUAS e possibilitem o redirecionamento e maior abrangência e efetividade aos serviços socioassistenciais; - Investimento na capacitação de gestores e do corpo técnico, na direção da educação continuada, bem como no estabelecimento de uma política de gestão do trabalho que atenda às exigências de qualificação permanente do SUAS (Brasil, 2008, p. 51). 12 Muitos são os desafios que precisam ser enfrentados e priorizados, de forma a alinhar as instâncias de pactuação e de controle social para que se fortaleça a PNAS como política pública que visa enfrentar as desigualdades sociais. Este movimento dinâmico e contraditório põe em questão o desafio da mudança de cultura política – profunda e radical – na assistência social, que assuma definitivamente a perspectiva de política pública no campo do direito, da seguridade social, da universalidade da proteção social e da primazia da responsabilidade estatal, sem abdicar da participação dos segmentos organizados da sociedade civil que comungam com os valores e princípios que fundamentam a PNAS e o SUAS, em pleno desenvolvimento em todo o território nacional. (Brasil, 2008, p. 52) Em todo o contexto histórico de vigência da PNAS, desde a CF de 1988, que assegura a assistência como um dos eixos do tripé da seguridade social, muitas conquistas se efetivaram no que tange à fomentação dessa política pública (Brasil, 1988, 2005). Mas, com a aprovação, no Senado Federal, da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n. 55/2016, a qual define o congelamento dos investimentos públicos durante 20 anos, as políticas públicas tiveram seus orçamentos reduzidos, dificultando a manutenção dos direitos garantidos, quanto mais a sua ampliação (Brasil, 2016). É possível observar, também, que, apesar de todo o processo de amadurecimento referente ao conceito da assistência social como política pública, os resquícios dos padrões assistencialistas sempre estão presentes, demandando processos de formação e reflexão sistemáticos, até porque, a cada gestão nova, geralmente mudam os seus protagonistas. Com esse processo de congelamento de investimentos (Brasil, 2016), mais difícil fica a realização de concursos públicos para garantir a manutenção de equipes concursadas e efetivas. Na esfera do controle social, também não é diferente: há muita rotatividade de conselheiros, o que demanda que haja um processo de formação permanente e continuado para se fomentar o protagonismo, em especial o dos usuários. Pensar nas dificuldades apontadas deve servir como uma mola propulsora dos movimentos de defesa dos direitos conquistados. Ainda na década de 1990, Ferreira (1999, p. 72-73) já apontava desafios que ainda estão presentes em nossa realidade, senão vejamos: ➢ a garantia da primazia do Estado no financiamento e execução da política assistencial; ➢ respeito aos critérios de necessidades locais para formulação de benefícios, programas, projetos e serviços; ➢ a ampliação da capacidade de atendimento da demanda; 13 ➢ planejamento da política de assistência de modo articulado às demais políticas sociais; ➢ a consideração ao processo de elaboração dos planos municipais e estaduais como um momento de participação cidadã e como estratégia de resposta coletiva às necessidades sociais; ➢ garantir o comando único em cada esfera de governo; estabelecer uma relação de efetiva corresponsabilidade com organizações não governamentais, e não de transferência de responsabilidade; ➢ reforçar a democracia participativa, ou seja, reforçar a autonomia dos conselhos, garantindo-os como espaços de acompanhamento, controle e reivindicação; ➢ acompanhar o trabalho das comissões bipartites e tripartites para que não se transformem em espaços de esvaziamento dos conselhos; ➢ fomentar a participação dos usuários nos conselhos e fortalecer os fóruns de defesa da assistência social como espaços concretos de socialização de informações e articulação da sociedade civil. ➢ garantir um percentual do orçamento da seguridade para a assistência social; ➢ definir critérios objetivos, precisos e transparentes para partilha de recursos entre estados, municípios e distrito federal; ➢ estabelecer uma dinâmica automática, constante e regular de transferência de recursos; ➢ reforçar os fundos como instâncias transparentes de gestão; ➢ garantir a visibilidade dos critérios de aplicação e transferência de recursos e ➢ estabelecer uma relação contínua e democrática entre fundos, conselhos e órgão gestor da assistência social. Pereira (2009) promove reflexões interessantes sobre o assunto. Sendo as políticas públicas uma composição de questões econômicas e sociais e tendo o Estado como seu formulador e executor, é interessante observar que os direitos sociais ficam subordinados a uma lógica mercantilista. É contraditório perceber que, por mais que se lute e se afirmem os direitos sociais, esses encontram-se significativamente limitados pela manutenção do direcionamento neoliberal da política econômica. Como resultado disso, se produz uma política social pobre, para os pobres. Ainda segundo a autora, seria importante desenvolver políticas que afirmassem os princípios da seguridade social, em especial a articulação entre as políticas públicas que a compõem (Pereira, 2009). Sendo assim, pensar em uma política pública separada da política econômica seria uma ilusão. Finalizaremos esta aula corroborando com Pereira (2009, p. 13), para quem: a existência de uma política econômica neoliberal é possível e indica a ausência e/ou drástica redução da política social. Mas, uma política social de cunho universalista e baseada nos princípios da Seguridade Social exige uma política econômica radicalmente oposta da que vem sendo implementada até os dias atuais. Desta feita, seguem inúmeros e estruturantes os desafios no cenário da PNAS, no Brasil, demandando muita resistência para continuar a jornada da preservação dos direitos sociais já conquistados. 14 REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, 5 out. 1988.Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 22 jun. 2021. _____. Emenda Constitucional n. 95, de 15 de dezembro de 2016. Diário Oficial da União, Brasília, 16 dez. 2016. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc95.htm>. Acesso em: 22 jun. 2021. _____. Lei n. 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Diário Oficial da União, 8 dez. 1993. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8742.htm>. Acesso em: 22 jun. 2021. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Conselho Nacional de Assistência Social. Resolução n. 191, de 10 de novembro de 2005. Diário Oficial da União, Brasília, 17 nov. 2005a. Disponível em: <https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=101643>. Acesso em: 22 jun. 2021. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Secretaria Nacional de Assistência Social. CapacitaSuas volume 2: desafios da gestão do Suas nos municípios e estados. 1. ed. Brasília, 2008. _____. Norma Operacional Básica NOB-Suas. Brasília, 12 dez. 2012. _____. Política Nacional de Assistência Social Pnas/2004: Norma Operacional Básica NOB/Suas. Brasília, nov. 2005b. FERREIRA, I. B. Assistência social: os limites à efetivação do direito. Revista Katálysis, Florianópolis, n. 4, p. 65-74, jan. 1999. GONÇALVES, E. J. Sistema Único de Assistência Social: o desafio da intersetorialidade na PNAS. 129 f. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) – Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2012. MAGRI, A. J. Gestão da PNAS: implicações à garantia da proteção social. In: JORNADA INTERNACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS, 6., 2013, São Luiz. Anais... São Luís: Ufma, 2013. 15 PEREIRA, L. D. Políticas públicas de assistência social brasileira: avanços, limites e desafios. In: ENCONTRO DE GEÓGRAFOS DA AMÉRICA LATINA, X., 2009, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: Cibergeo, 2009. v. 26. Disponível em: <http://www.cpihts.com/PDF02/Larissa%20Dahmer%20Pereira.pdf>. Acesso em: 22 jun. 2021.
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