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AULA 6

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AULA 6 
GESTÃO DO SUAS – PLANOS DE 
ASSISTÊNCIA SOCIAL E PACTO 
DE APRIMORAMENTO DO SUAS 
Profª Adriana Zanqueta Wilbert Ito 
 
 
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TEMA 1 – DESAFIOS DA GESTÃO DA POLÍTICA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA 
SOCIAL 
A Política Nacional de Assistência Social (PNAS), ao definir que a gestão 
seria elaborada de forma democrática e participativa, já apresentou desafios em 
sua constituição. Trouxe no seu bojo uma ressignificação do formato de 
desenvolver os processos de política pública, em especial na área da assistência 
social, cuja referência de cultura era a de assistencialismo. A Norma Operacional 
Básica do Sistema Único de Assistência Social (NOB/Suas), ao pôr em tela 
conceitos como descentralização, comando único, níveis de gestão, instâncias de 
pactuação, porte dos municípios e território, intersetorialidade, articulação 
interinstitucional, rede socioassistencial, cofinanciamento, como também o 
controle social e o protagonismo dos usuários dos programas e serviços, exigiu 
dos gestores, dos trabalhadores e da própria sociedade uma nova forma de 
condução das ações públicas de assistência social (Brasil, 2005b). 
Os pressupostos da PNAS sustentam o fortalecimento da proteção social 
básica e especial e a provisão de um conjunto de seguranças sociais e de defesa 
de direitos – e fazer a gestão dessa política vai além da tomada de atitudes 
administrativas e funcionais (Brasil, 2008). Nesse novo processo de gestão, é 
necessário agregar conhecimentos técnicos, dominar a informatização, pensar 
novas estratégias de intervenção, administrar resistências e conflitos, estabelecer 
consensos, criar alianças e estabelecer pactos, o que corrobora com a reflexão 
de Nogueira (2004, p. 243, citado por Brasil, 2008, p. 15-16) de que: 
Mais que de talentos individuais, as várias instâncias subnacionais vão 
depender de uma organização e um fluxo de comunicação interna e 
externa, que se mostre capaz de dinamizar e coordenar um esforço 
coletivo e aglutinador. Sem dúvida, o maior desafio da gestão 
institucional em qualquer contexto de mudanças “é dar curso a uma 
dinâmica de reforma intelectual e moral que tenha potência para criar 
novas hegemonias. 
Alguns desafios precisam ser constantemente observados, como: 
a. Descentralização da política de assistência social nas três esferas do 
governo e reordenamento institucional: a Constituição Federal (CF) de 
1988 instituiu o processo de descentralização, permitindo que os 
municípios tivessem autonomia político-institucional, enfatizando a 
necessidade de se olhar para as demandas locais (Brasil, 1988). Nesse 
sentido, um dos desafios é que, nesse processo de pactuação, os 
 
 
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municípios receberam uma carga demasiada de responsabilidades, 
enquanto os estados, por sua vez, ficaram com poucas atribuições. Nesse 
cenário, foram surgindo muitos problemas, entre eles: as dificuldades de 
execução dos repasses financeiros, por conta de uma legislação 
burocrática; a redução da capacidade operacional, que, por vezes, 
privilegia convênios com a rede privada. Outra questão que demanda um 
olhar especial é como implantar “[...] fóruns internos dos equipamentos e 
unidades públicos, que envolvam gestores e trabalhadores da área para 
discutir e consensuar, na dimensão gerencial estratégica, as referências do 
sistema, bem como os modos de operacionalização” (Brasil, 2008, p. 22). 
b. Democratização do Estado e estabelecimento de um controle social: 
a democratização do Estado ocorre por intermédio da descentralização da 
gestão nas três esferas do governo, atribuindo ao reordenamento como 
que uma possibilidade de enfrentar as desigualdades sociais por 
intermédio da prestação de serviços e benefícios socioassistenciais e da 
criação de canais de participação e controle social, tanto pelos usuários 
das políticas públicas quanto pelos segmentos da sociedade civil 
organizada. Um dos problemas enfrentados nesse campo é que, por vezes, 
por conta de falta de maturidade política pública, ocorre apenas a 
transferência de poder de uma esfera para outra, tornando o processo 
ainda mais centralizado e autoritário – o que podemos chamar de 
prefeiturização. Nesses casos, “os mecanismos descentralizadores de 
gestão servem mais a fins políticos que visam instrumentalizar a 
participação popular como forma de legitimação do poder instituído, ou 
viabilizar o acesso às transferências de recursos federais” (Brasil, 2008, p. 
25). 
c. Níveis de gestão no âmbito do Suas e as responsabilidades dos 
municípios: os municípios se habilitam para a gestão inicial, básica e plena 
das políticas públicas de assistência social. Acredita-se que um dos 
grandes desafios, nos últimos tempos, com o desmonte de muitas políticas 
públicas, é manter as responsabilidades assumidas com qualidade e 
segundo os pressupostos do Suas – ou seja, não retroceder à lógica 
assistencialista, para o atendimento das demandas da assistência social 
(Brasil, 2008). 
 
 
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d. Gestão do Suas e responsabilidades dos estados: o desafio dos 
estados é cumprir as responsabilidades de prestar apoio técnico e 
financeiro aos municípios, de forma a garantir o aprimoramento do Suas 
(Brasil, 2008). 
e. Articulação interinstitucional: a complexidade das necessidades 
oriundas dos problemas presentes na sociedade, em especial das 
condições de pobreza e desigualdade social, mas também das 
desigualdades regionais e locais dos estados e municípios, demanda da 
política de assistência social um intercâmbio com outras políticas públicas, 
até porque as demandas sociais precisam ser atendidas com base em uma 
abordagem totalizante e não dicotômica (Brasil, 2008). 
f. Gestão estratégica, quer seja, de planejar, monitorar e avaliar a 
política de assistência social: o gestor público, entre tantas atribuições, 
tem que ter a agilidade de tomar iniciativas que gerem recursos para se 
compensar a insuficiência dos fundos públicos. Diante disso, 
o processo de planejamento participativo é um complexo desafio, pois 
os grupos e segmentos sociais envolvidos não são homogêneos. 
Organizações parceiras, beneficiários e financiadores veem a realidade 
quase sempre sob o prisma dos seus objetivos específicos, dificultando 
a busca de acordos. (Brasil, 2008, p. 49) 
Sendo assim, é necessário, para o melhor encaminhamento dos processos 
ter habilidade de negociação e convencimento, de forma a se agregar adesão às 
ações das políticas públicas. 
TEMA 2 – MODELO DE GESTÃO DA PROTEÇÃO SOCIAL NO BRASIL 
Magri (2013) contribui para que possamos pensar o modelo de gestão da 
proteção social no Brasil. Corroborando com Lobato (2004, citado por Magri, 2013, 
p. 7), parte-se do pressuposto de que “a Seguridade Social agrega um conjunto 
de direitos que se configuram no formato de benefícios, os quais são providos 
pelo Estado”, o que demanda uma nova arquitetura institucional, em várias 
esferas: ética, política e informacional, para o sucesso da PNAS. 
Spostati (2009, p. 13) ratifica essa reflexão afirmando que: 
A Constituição Federal (CF) brasileira de 1988, ao afiançar os direitos 
humanos e sociais como responsabilidade pública e estatal, operou, 
ainda que conceitualmente, fundamentais mudanças, pois acrescentou 
na agenda dos entes públicos um conjunto de necessidades até então 
consideradas de âmbito pessoal ou individual. Nesse caminho, 
inaugurou uma mudança para a sociedade brasileira ao introduzir a 
 
 
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seguridade como um guarda-chuva que abriga três políticas de proteção 
social: a saúde, a previdência e a assistência social. As constituições 
anteriores já reconheciam o papel da previdência social em assegurar a 
maior parte das atenções da legislação social do trabalho. 
No Brasil, a seguridade social foi assentada na CF de 1988 (Brasil, 1988) 
com base em um tripé de políticas públicas: previdência social (política 
contributiva); saúde, cujo direito foi estendido para todos os cidadãos brasileiros, 
de formanão contributiva; e assistência social, também não contributiva e 
direcionada a quem dela precisar. No caso da PNAS, foi necessário romper com 
uma história hegemônica de uma política voltada para atender pessoas 
pobres, frágeis e carentes e se assumir a estrutura de uma política pública 
voltada a atender direitos sociais. 
Sposati (2009) menciona alguns conceitos fundamentais implicados nessa 
mudança de concepção proporcionada pelo PNAS: 
a. Modelo de proteção social não contributivo: segundo a autora, podemos 
entender esse modelo como uma referência a ser seguida, a ser 
executada, como: 
[...] um conjunto de elementos e de relações que, juntos, criam um 
sistema de referências que simula e prevê aonde se quer chegar. [...] um 
meio de dar coerência e comunicar uma concepção, uma ideia a ser 
concretizada. Social – no caso, esse modelo diz respeito às 
necessidades e objetivos sociais que se constituem nas relações em 
sociedade. (Sposati, 2009, p. 20) 
b. Proteção social: configura-se como uma ideia de preservação da vida, das 
relações da vida em sociedade via efetivação de políticas públicas. 
Segundo Sposati (2009): 
Esse sentido preservacionista é que exige tanto a noção de segurança 
social como a de direitos sociais. A Política Nacional de Assistência 
Social (PNAS) de 2004 afirma que a proteção social deve afiançar 
segurança de: 
• sobrevivência: de rendimento; de autonomia; 
• acolhida; 
• convívio: de vivência familiar. 
As políticas sociais são consideradas, assim, instrumentos que têm o 
objetivo de garantir a segurança dos cidadãos em um patamar coletivo, 
possibilitando preservar a sua dignidade e a sua qualidade. 
c. Aspecto não contributivo: se os benefícios previdenciários estão 
disponíveis apenas para as pessoas que recolhem uma quantia mensal 
destinada para a previdência, a proteção é contributiva porque é pré-paga 
 
 
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e só se destina aos filiados e não a toda a população. No caso da PNAS, 
essa proteção fica sob responsabilidade do Estado e é financiada por 
orçamento público. Com isso, o recurso público é destinado apenas para 
as pessoas que se encontram em condições de vulnerabilidade ou de risco 
social. Sposati (2009) afirma que a CF de 1988 (Brasil, 1988) atribui à 
noção de seguridade social a proteção social como uma possibilidade de 
gerar garantias, afiançadas pela sociedade brasileira, aos cidadãos. Assim 
sendo, “a proteção social não contributiva significa que o acesso aos 
serviços e benefícios independe de pagamento antecipado ou no ato da 
atenção” (Sposati, 2009, p. 22). 
TEMA 3 – INSTIGANDO A INTERSETORIALIDADE 
Historicamente, as políticas sociais foram elaboradas de maneira 
segmentada e setorizada. A partir da CF de 1988 (Brasil, 1988), presume-se que 
a seguridade social seja proporcionada de forma articulada pelas políticas 
públicas. Até os dias atuais, porém, presenciamos a existência de resquícios 
daquela antiga forma de pensar as políticas sociais, no nosso cotidiano. 
Ao tratar o cidadão a partir de sua especificidade, as políticas sociais se 
esquecem de que essas perpassam por uma relação muito mais ampla 
e, que muitas vezes independem da vontade pessoal do indivíduo. Não 
basta atuar diante de um problema de forma isolada, pois ele pode ter 
raízes mais complexas e que necessariamente vão exigir uma maior 
intervenção. Mas essa tem sido a tônica de nossas políticas sociais: 
atuar como paliativo, sem contudo ir ao foco do problema, ou então, sem 
dar uma resposta mais coerente. 
Para que haja um olhar e um atendimento totalizante às necessidades dos 
cidadãos é importante que se tenha uma conexão entre as áreas e os setores 
responsáveis pelas políticas públicas. Porém, muitos desafios estão postos para 
que a intersetorialidade e, também, a interdisciplinaridade saiam do papel. Um 
desses desafios é o compartilhamento das informações sobre o tipo de ações, 
objetivos e metas desenvolvidas por cada área e quais são ou foram os resultados 
alcançados. Isso implicaria a existência de um planejamento intersetorializado. 
Outros nós significativos são os orçamentos públicos. Segundo Gonçalves 
(2012, p. 90), 
[...] uma vez que as rubricas dos orçamentos públicos são setorializadas 
o que reforça a dificuldade de financiamento das ações intersetoriais, 
compartilhamento de poder entre os atores envolvidos e 
consequentemente, a agilização e resolutividade das ações. A gestão 
 
 
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orçamentária por rubricas constitui um nó central para o 
desenvolvimento da intersetorialidade. 
A autora ressalta que o orçamento é como um fio condutor, cuja 
intersetorialização facilitaria muito a incorporação de uma prática transversal entre 
as políticas públicas, tanto na questão estrutural, quanto nas questões gerencial 
e técnica. Nesse sentido, Gonçalves (2012) propõe a criação de fóruns, comitês, 
grupos de trabalho, espaços que proporcionem diálogos e reflexões a respeito, 
em um trabalho de forma participativa e democrática. 
Um dos maiores desafios da materialização da intersetorialidade é a 
compreensão dessa prática como um dos elementos da gestão das políticas 
públicas. Assim sendo, a elaboração de diagnósticos comuns entre as áreas, com 
adoção de estratégias combinadas de resolução dos problemas, é um dos meios 
que possibilitam pôr em prática a intersetorialidade. No caso das políticas 
públicas, essa prática deve perpassar pelas três esferas do governo, as quais 
devem estar articuladas. Para que a intersetorialidade funcione de fato, deve-se 
caracterizá-la como uma política de governo; dessa feita, ela deve ser 
regulamentada. 
Ainda na perspectiva de Gonçalves (2012), a intersetorialidade requer 
muitas competências e habilidades, entre elas a de saber estabelecer bons 
processos de diálogo, tomar boas decisões, ter bom-senso, apresentar 
resolutividade para os problemas presentes no cotidiano das relações sociais. No 
caso das políticas públicas, é fundamental a articulação de um sistema de 
monitoramento integrado do orçamento e da gestão, o que por sua vez demanda 
também um planejamento integrado, o qual deve subsidiar as informações que 
contemplem as decisões no âmbito da gestão. Destarte, isso implica desenvolver 
um processo de gestão diferenciado, mudar os paradigmas de pensar e agir em 
face dos problemas sociais, com uma articulação entre as diferentes áreas e 
setores da gestão, no momento de se buscar respostas que atendam às 
demandas da sociedade de forma efetiva. 
TEMA 4 – ARTICULAÇÃO DA REDE SOCIOASSISTENCIAL 
No que tange ao tema a ser trabalhado neste tópico, num primeiro 
momento, é fundamental que a equipe da gestão desenvolva o mapeamento dos 
serviços públicos existentes nos territórios de abrangência de uma política pública, 
no nosso caso a de assistência social. É importante identificar a quantidade de 
 
 
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serviços, as características do público atendido, a natureza de atenções ofertadas, 
a cobertura, a quantidade de trabalhadores por serviços. É fundamental se 
verificar os serviços que são oferecidos à população e os inexistentes, aqueles 
que são necessários e fazem falta. Após identificados os serviços, carece realizar-
se uma aproximação para identificar os seus objetivos e intencionalidades. A rede 
somente se sustentará produtiva quando houver um alinhamento de expectativas 
e definição dos papéis de cada instituição no atendimento das demandas da 
sociedade. 
Para isso, criar um sistema de comunicação é primordial. Segundo Brasil 
(2008, p. 42): 
Um sistema bem organizado e articulado de comunicação, com canais 
formais e contínuos será sempre fundamental na realimentação das 
relações, na revitalização dos compromissos, sendo base para a 
capacidade de autorregulação exigida. Mobilizar redes significa pôr em 
ação, de forma coordenada e deliberada, os territórios nos quais os 
indivíduos se inserem. Sendo construções coletivas, decorrem de 
relacionamentos, negociações, compatibilizaçãode interesses, 
pactuações, movimentos de adesão e interação. 
As instituições que compõem a rede socioassistencial devem construir uma 
lógica de pensamento que lhes possibilite ter um entendimento do papel do Estado 
e da sociedade civil e ter uma compreensão das relações de poder, das 
metodologias de trabalho, criando um acordo bem fundamentado. No caso da 
PNAS, o Centro de Referência de Assistência Social (Cras) é considerado a porta 
de entrada do sistema, que deve acolher as necessidades da população. Sendo 
assim, determina-se que, ao se implementar o Cras, se estabeleça um território 
de proteção social básica (Brasil, 2008). E, justamente por conta de seu papel de 
acolhimento das demandas é que o gestor desse aparelho social deve organizar 
e coordenar a rede local dos serviços socioassistenciais. 
O propósito dessa estruturação é o de propiciar o acesso das famílias, 
principalmente daquelas que vivem em condições de vulnerabilidade e/ou risco 
social, a uma rede de serviços que lhes ofereçam a proteção básica dos seus 
direitos sociais, a redução do ciclo de pobreza e da exclusão social. Todo esse 
trabalho pressupõe que as ações sejam desenvolvidas de forma interdisciplinar, 
intersetorial e interinstitucionalmente. Dessa forma, é possível ampliar a 
compreensão das demandas oriundas das famílias que necessitam de apoio para, 
por sua vez, assumirem as atribuições de proteção em relação aos seus membros. 
Estabelecer o fluxo de trabalho e colocar em prática os processos de referência e 
 
 
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contrarreferência fomentam as possibilidades de fortalecimento dos vínculos 
familiares e comunitários. 
A rede socioassistencial, para ser completa, é composta por instituições e 
serviços dos órgãos públicos e da rede público-privada formada por organizações 
não governamentais (ONGs) e entidades sociais. É importante salientar que é 
possível mobilizar a rede da sociedade civil. Sendo assim: 
Na lógica de Sistema, e sob o princípio das matricialidades, as ações e 
programas desenvolvidos pelos órgãos gestores, os CRASs e outros 
serviços prestados diretamente pelas esferas governamentais, têm que 
estar integrados. Não se pode integrar “para fora”, quando não se tem 
uma efetiva integração “para dentro”. Se as políticas municipal e 
estadual constituírem totalidades, a articulação com as organizações 
não governamentais, entidades sociais, movimentos comunitários, 
centros de defesa e redes espontâneas se farão em direção bem 
definida, complementando e cooperando a partir de eixos e diretrizes 
claramente explicitadas. (Brasil, 2008, p. 43-44) 
Outro elemento utilizado para implantar a intersetorialidade é a definição 
de microterritórios de atuação, os quais permitem se efetivar um sistema de 
conexões para o enfrentamento das diferentes necessidades sociais verificadas 
nos locais em que se presta assistência social, contemplando-se assim a 
integralidade das atenções voltadas à população. A proximidade que a equipe 
técnica do Cras estabelece com as famílias proporciona, por outro lado, a criação 
de vínculos com as famílias. E é nesse contexto que surgem as redes sociais 
informais, 
As organizações societárias de base ou as ações compartilhadas por 
diversos sujeitos sociais, [que] propiciam a construção de vínculos de 
proximidade e de pertencimento, abrindo oportunidades de 
potencialização de redes de relações sociais apoiadas por laços de 
parentesco, de conterraneidade, de vizinhança, de associações 
políticas, importantes aos processos de troca e constituição de 
sociabilidades coletivas. (Brasil, 2008, p. 44) 
Nesses espaços de interlocução e diálogo se constroem identidades 
coletivas ou redes, que contam com a participação de sujeitos de vários espaços 
como: associações de moradores, igrejas, escolas, espaços esportivos e culturais, 
entre outros. Também o enfrentamento de problemas e adversidades comuns 
acaba transformando os territórios em espaços de resistência e de organização 
coletiva envolvendo indivíduos e coletividades em ações reivindicatórias e mesmo 
mobilizações espontâneas, ancorando identidades coletivas que impulsionam 
mudanças nas condições de vida de todos. É muito comum, nesses espaços, 
 
 
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portanto, os sujeitos elaborarem suas próprias estratégias de sobrevivência e de 
vida em sociedade, coletivamente (Brasil, 2008). 
Segundo a PNAS e a NOB/Suas (Brasil, 2005b, 2012), o Cras tem como 
uma de suas atribuições mapear e articular a rede socioassistencial, incentivando 
o processo de participação, de cooperação e de coprodução democrática. Assim 
sendo, surgem desafios como os de mediar as diferenças na direção do 
estabelecimento de acordos e consensos, para se estabelecer uma agenda 
comum no que tange à política pública. Nesse caso, a rede socioassistencial tem 
uma atribuição política de fortalecer o Suas. Sendo assim, a NOB/Suas define 
essa rede como 
[...] um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, 
que ofertam e operam benefícios, serviços, programas e projetos, o que 
supõe a articulação entre todas estas unidades de provisão de proteção 
social, sob a hierarquia de básica e especial e ainda por níveis de 
complexidade. (Brasil, 2005b, p. 94) 
Para tanto, a referida normatização estabelece os seguintes parâmetros 
para organização da rede socioassistencial: 
a) oferta, de maneira integrada, de serviços, programas, projetos e 
benefícios de proteção social para cobertura de riscos, vulnerabilidades, 
danos, vitimizações, agressões ao ciclo de vida e à dignidade humana e 
à fragilidade das famílias; 
b) caráter público de corresponsabilidade e complementaridade entre as 
ações governamentais e não governamentais de assistência social 
evitando paralelismo, fragmentação e dispersão de recursos; 
c) hierarquização da rede pela complexidade dos serviços e abrangência 
territorial de sua capacidade face à demanda; 
d) porta de entrada unificada dos serviços para a rede de proteção social 
básica através de unidades de referência e para a rede de proteção 
social especial por centrais de acolhimento e controle de vagas; 
e) territorialização da rede de assistência social sob os critérios de: oferta 
capilar de serviços baseada na lógica da proximidade do cotidiano de 
vida do cidadão; localização dos serviços para desenvolver seu caráter 
educativo e preventivo nos territórios com maior incidência de população 
em vulnerabilidades e riscos sociais; 
f) caráter contínuo e sistemático, planejado com recursos garantidos em 
orçamento público, bem como com recursos próprios da rede não 
governamental; 
g) referência unitária em todo o território nacional de nomenclatura, 
conteúdo, padrão de funcionamento, indicadores de resultados de rede 
de serviços, estratégias e medidas de prevenção quanto a presença ou 
agravamento e superação de vitimizações, riscos e vulnerabilidades 
sociais. (Brasil, 2005b, p. 95) 
Vale ressaltar que o art. 3º da Lei Orgânica da Assistência Social (Loas) 
define o conceito de entidades e organizações de assistência social, em 
conformidade com a PNAS e com o Suas, compreendendo-as como parte da rede 
privada prestadora de serviços, atendimentos, assessoramentos e defesa de 
 
 
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direitos (Brasil, 1993, 2008). E a Resolução do Conselho Nacional de Assistência 
Social (Cnas) n. 191/2005 institui as orientações do artigo referido quanto às 
características essenciais dessas entidades e organizações, no âmbito da PNAS: 
elas devem consistir em entidades públicas sem fins lucrativos, que desenvolvam 
serviços de forma continuada na perspectiva da proteção social e da defesa dos 
direitos socioassistenciais da população (Brasil, 2005a). 
TEMA 5 – ELEMENTOS DE REFLEXÃO ATUAL SOBRE O SUAS 
O Suas desafia as três esferas de governo a elaborar uma nova cultura 
institucional, de forma a consolidar e fortalecer a descentralização da PNAS. Para 
tanto, é necessário estabelecer um novo ordenamento institucional, o que 
demandarepensar os papéis de cada esfera, quais procedimentos devem ser 
tomados, os seus fluxos e as respectivas atribuições institucionais. Construir todo 
esse processo de maneira democrática é o maior desafio do Suas, o que exige: 
- Apropriação e incorporação dos novos pressupostos, matrizes 
conceituais, nomenclaturas e modos de operação do SUAS, por todos 
os envolvidos – gestores, profissionais, conselheiros, direções de 
organizações não governamentais, entidades de assistência social, 
fóruns e movimentos sociais; 
- Processamento de alterações estruturais, mudanças administrativas e 
funcionais, nas três esferas de governo para garantir sustentabilidade do 
Sistema; 
- Estruturação e implementação das ações de proteção social básica e 
especial, de maneira integrada e articulada regionalmente; 
- Definição de padrões de qualidade e cobertura para os serviços 
socioassistenciais, em articulação com os benefícios, tanto de prestação 
continuada como os eventuais; 
- Ampliação de recursos para o cofinanciamento dos benefícios, 
programas, serviços e projetos, nas três esferas de governo; 
- Ampliação e aperfeiçoamento do exercício do controle social, 
aprofundamento dos mecanismos democráticos e participativos, 
construção de novos espaços e estratégias de participação nos 
territórios e nas unidades de prestação de serviços, investimento na 
organização e protagonismo dos usuários da política de assistência 
social; 
- Aprofundamento da intersetorialidade da assistência social com as 
demais políticas sociais, bem como da articulação interinstitucional com 
as entidades de assistência social e organizações não governamentais, 
na perspectiva de consolidar o trabalho em rede; 
- Ampliação de sistemas permanentes de informação, monitoramento e 
avaliação da política de assistência social, que alimentem o SUAS e 
possibilitem o redirecionamento e maior abrangência e efetividade aos 
serviços socioassistenciais; 
- Investimento na capacitação de gestores e do corpo técnico, na direção 
da educação continuada, bem como no estabelecimento de uma política 
de gestão do trabalho que atenda às exigências de qualificação 
permanente do SUAS (Brasil, 2008, p. 51). 
 
 
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Muitos são os desafios que precisam ser enfrentados e priorizados, de 
forma a alinhar as instâncias de pactuação e de controle social para que se 
fortaleça a PNAS como política pública que visa enfrentar as desigualdades 
sociais. 
Este movimento dinâmico e contraditório põe em questão o desafio da 
mudança de cultura política – profunda e radical – na assistência social, 
que assuma definitivamente a perspectiva de política pública no campo 
do direito, da seguridade social, da universalidade da proteção social e 
da primazia da responsabilidade estatal, sem abdicar da participação 
dos segmentos organizados da sociedade civil que comungam com os 
valores e princípios que fundamentam a PNAS e o SUAS, em pleno 
desenvolvimento em todo o território nacional. (Brasil, 2008, p. 52) 
Em todo o contexto histórico de vigência da PNAS, desde a CF de 1988, 
que assegura a assistência como um dos eixos do tripé da seguridade social, 
muitas conquistas se efetivaram no que tange à fomentação dessa política pública 
(Brasil, 1988, 2005). Mas, com a aprovação, no Senado Federal, da Proposta de 
Emenda à Constituição (PEC) n. 55/2016, a qual define o congelamento dos 
investimentos públicos durante 20 anos, as políticas públicas tiveram seus 
orçamentos reduzidos, dificultando a manutenção dos direitos garantidos, quanto 
mais a sua ampliação (Brasil, 2016). 
É possível observar, também, que, apesar de todo o processo de 
amadurecimento referente ao conceito da assistência social como política pública, 
os resquícios dos padrões assistencialistas sempre estão presentes, demandando 
processos de formação e reflexão sistemáticos, até porque, a cada gestão nova, 
geralmente mudam os seus protagonistas. Com esse processo de congelamento 
de investimentos (Brasil, 2016), mais difícil fica a realização de concursos públicos 
para garantir a manutenção de equipes concursadas e efetivas. Na esfera do 
controle social, também não é diferente: há muita rotatividade de conselheiros, o 
que demanda que haja um processo de formação permanente e continuado para 
se fomentar o protagonismo, em especial o dos usuários. 
Pensar nas dificuldades apontadas deve servir como uma mola propulsora 
dos movimentos de defesa dos direitos conquistados. Ainda na década de 1990, 
Ferreira (1999, p. 72-73) já apontava desafios que ainda estão presentes em 
nossa realidade, senão vejamos: 
➢ a garantia da primazia do Estado no financiamento e execução da 
política assistencial; 
➢ respeito aos critérios de necessidades locais para formulação de 
benefícios, programas, projetos e serviços; 
➢ a ampliação da capacidade de atendimento da demanda; 
 
 
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➢ planejamento da política de assistência de modo articulado às 
demais políticas sociais; 
➢ a consideração ao processo de elaboração dos planos municipais 
e estaduais como um momento de participação cidadã e como estratégia 
de resposta coletiva às necessidades sociais; 
➢ garantir o comando único em cada esfera de governo; estabelecer 
uma relação de efetiva corresponsabilidade com organizações não 
governamentais, e não de transferência de responsabilidade; 
➢ reforçar a democracia participativa, ou seja, reforçar a autonomia 
dos conselhos, garantindo-os como espaços de acompanhamento, 
controle e reivindicação; 
➢ acompanhar o trabalho das comissões bipartites e tripartites para 
que não se transformem em espaços de esvaziamento dos conselhos; 
➢ fomentar a participação dos usuários nos conselhos e fortalecer 
os fóruns de defesa da assistência social como espaços concretos de 
socialização de informações e articulação da sociedade civil. 
➢ garantir um percentual do orçamento da seguridade para a 
assistência social; 
➢ definir critérios objetivos, precisos e transparentes para partilha de 
recursos entre estados, municípios e distrito federal; 
➢ estabelecer uma dinâmica automática, constante e regular de 
transferência de recursos; 
➢ reforçar os fundos como instâncias transparentes de gestão; 
➢ garantir a visibilidade dos critérios de aplicação e transferência de 
recursos e 
➢ estabelecer uma relação contínua e democrática entre fundos, 
conselhos e órgão gestor da assistência social. 
Pereira (2009) promove reflexões interessantes sobre o assunto. Sendo as 
políticas públicas uma composição de questões econômicas e sociais e tendo o 
Estado como seu formulador e executor, é interessante observar que os direitos 
sociais ficam subordinados a uma lógica mercantilista. É contraditório perceber 
que, por mais que se lute e se afirmem os direitos sociais, esses encontram-se 
significativamente limitados pela manutenção do direcionamento neoliberal da 
política econômica. Como resultado disso, se produz uma política social pobre, 
para os pobres. Ainda segundo a autora, seria importante desenvolver políticas 
que afirmassem os princípios da seguridade social, em especial a articulação 
entre as políticas públicas que a compõem (Pereira, 2009). Sendo assim, pensar 
em uma política pública separada da política econômica seria uma ilusão. 
Finalizaremos esta aula corroborando com Pereira (2009, p. 13), para 
quem: 
a existência de uma política econômica neoliberal é possível e indica a 
ausência e/ou drástica redução da política social. Mas, uma política 
social de cunho universalista e baseada nos princípios da Seguridade 
Social exige uma política econômica radicalmente oposta da que vem 
sendo implementada até os dias atuais. 
Desta feita, seguem inúmeros e estruturantes os desafios no cenário da 
PNAS, no Brasil, demandando muita resistência para continuar a jornada da 
preservação dos direitos sociais já conquistados. 
 
 
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REFERÊNCIAS 
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<http://www.cpihts.com/PDF02/Larissa%20Dahmer%20Pereira.pdf>. Acesso em: 
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