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1 1 0 A U T O R E S C O R I N G A S PA R A U S A R N A R E D A Ç Ã O @PROFRAPHAELREIS 2 Este é um material único e inédito no mercado de redações para Concursos Públicos. São apresentados 10 autores coringas e 10 modelos de redação com a aplicação das reflexões desses pensadores. O argumento de autoridade é um excelente recurso que, quando aplicado de forma contextualizada, garante análise crítica, informatividade e fundamentação consistente. COPYRIGHT 10 Autores Coringas para usar na Redação |1ª Edição Professores convidados: Profª Jacqueline Vieira e Waldyr Imbroisi © 2022 Todos os direitos pertencem à empresa Raphael de Oliveira Reis Concursos e Vestibulares É proibido copiar, distribuir, reproduzir e comercializar. Valorize o trabalho do Prof ;) Olá, pessoal! Tudo em paz? Eu sou o Professor Raphael Reis. Sou considerado referência na redação de concursos públicos. De fato, os meus alunos apresentam desempenho acima da média – sempre temos notas máximas nos mais diversos certames. Ademais, eu sou o único professor que acertou, até o momento, doze temas consecutivos em revisão de véspera para concursos organizados pela banca FCC 1 0 A U T O R E S C O R I N G A S PA R A U S A R N A R E D A Ç Ã O @PROFRAPHAELREIS 3 (desde 2018) e seis temas consecutivos em concursos organizados pela banca Cesbraspe – isso tudo registrado e gravado nas aulas de revisão. Atuo como professor do Estratégia Concursos desde 2016 (Redação, Atualidades e Humanas) e da Rede de Ensino Apogeu desde 2018 (História). Fiz minha graduação em História (UFJF), especialização em Políticas Públicas e Gestão Social (UFJF) e mestrado em Sociologia da Educação (UFJF). Site: www.professorraphaelreis.com.br YouTube: Professor Raphael Reis Telegram: profrapha Instagram: @profraphaelreis Oi, pessoal! Tudo bem? Eu sou a Jacqueline Vieira, professora de língua portuguesa, literatura e redação. Formei-me em Letras pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) em 2007 e leciono desde então. Em 2008, cursei, também na UFJF, a especialização em Ensino de Língua Portuguesa. Tenho experiência docente tanto na rede privada quanto na rede pública (municipal e estadual) e, ao longo desses anos, tive a oportunidade de trabalhar em todas as etapas de ensino (ensino fundamental e ensino médio, além da educação de jovens e adultos), o que me permitiu identificar na prática as dificuldades e as necessidades que os alunos podem apresentar no aprendizado da norma-padrão da língua portuguesa e no processo de aquisição da escrita em cada fase de sua formação. 1 0 A U T O R E S C O R I N G A S PA R A U S A R N A R E D A Ç Ã O @PROFRAPHAELREIS 4 Atuo há quatro no ensino a distância, lecionando português e realizando correção de redações de alunos que se preparam para vestibulares (Enem e outros) e para diversos concursos públicos no país inteiro. Instagram: @profjacvieira E-mail: professorajacquelinevieira@gmail. com Eu sou o professor Waldyr Imbroisi. Sou professor de redação e Língua Portuguesa, há dez anos especialista na prova do Enem. Nos últimos anos, tenho marcado presença com alunos nota 1000, a mais cobiçada do Exame e obtida por apenas meia centena de candidatos. Um millennial no centro do mundo, estou imerso em meu tempo, nas questões do agora e no potencial da linguagem como instrumento comunicativo. Instagram: @waldyrimbroisi 5 1 0 A U T O R E S C O R I N G A S PA R A U S A R N A R E D A Ç Ã O @PROFRAPHAELREIS 6 1. A SOCIOLOGIA DE BAUMAN APLICADA À REDAÇÃO Zygmunt Bauman é um senhor simpático, famoso pela elaboração do conceito versátil de “Modernidade Líquida” ou “Sociedade Líquida”. Seu pensamento nos ajuda a entender diversos temas da nossa sociedade, por isso você terá contato com essa sofisticada sociologia que irá ampliar o seu entendimento sobre a realidade social, bem como a sua capacidade de construir argumentos bem fundamentados. Bauman foi filósofo e sociólogo por formação, mas eu diria que foi um “humanista” no sentido de seu amplo conhecimento sobre diversas áreas do saber. Nasceu na Polônia, em 1925, no contexto entreguerras marcado pela crise do Estado liberal e pela ascensão dos regimes totalitaristas. Ainda jovem, integrou as tropas militares soviéticas atuando em batalhas na Segunda Guerra – chegou, inclusive, ao posto de major do Exército polonês. Filiou-se ao Partido Operário Unificado Polaco e fez a sua formação em filosofia e sociologia na Academia de Política e Ciências Sociais de Varsóvia. 1 0 A U T O R E S C O R I N G A S PA R A U S A R N A R E D A Ç Ã O @PROFRAPHAELREIS 7 Em 1953, foi excluído das forças armadas, devido ao envolvimento de seu pai com o projeto sionista de Israel. Desempregado, Bauman dedicou-se ao mestrado em sociologia e tornou-se professor-assistente na universidade de Varsóvia. Afastou-se da ortodoxia marxista e aproximou-se de autores como Gramsci e Georg Simmel. Mais tarde abandonou a vertente marxista e passou a criticar o partido comunista polonês. Em 1968 é expulso da Polônia e vai fazer a sua carreira sociológica na Universidade de Leads, permanecendo nessa instituição até 1990, quando se aposenta. Modernidade Líquida é o conceito principal de Zygmunt Bauman que perpassa diversas obras do autor, sendo consolidado na obra “Modernidade Líquida”. As reflexões sobre o mundo líquido podem ser aplicadas a praticamente qualquer assunto da contemporaneidade pós-2ª Guerra Mundial. Assim, fica fácil para você, aluno de Concursos Públicos, já que qualquer tema que for cobrado em sua prova será um problema concernente a essa realidade. Se há uma sociedade líquida, é porque em algum momento existiu uma sociedade sólida, não é mesmo? Nessa perspectiva, para fazer um contraponto de formatos de sociedade, Bauman vai dizer que a sociedade sólida é aquela que foi gerada pelo sonho iluminista, estruturado em um projeto racional de sociedade, cuja confiança no progresso científico levaria a humanidade a desfrutar de uma sociedade livre e justa. Ao longo da Idade Moderna, os pensadores tinham um projeto coletivo de organização da sociedade. Os filósofos iluministas liberais defendiam uma sociedade civil organizada pelas leis, as quais balizariam a ação humana e as ideias de liberdade e de igualdade. Além disso, havia uma grande preocupação em discutir os valores éticos e a emancipação do sujeito por meio do conhecimento. Embora os meios fossem diferentes, a corrente marxista também defendia um projeto coletivo de sociedade para romper com a exploração por meio da atuação (práxis) dos proletários, com o objetivo de construir uma sociedade socialista que culminaria na liberdade do indivíduo e na erradicação das desigualdades sociais. Essa ideia de progresso da humanidade, defendida tanto por autores liberais como por autores marxistas, se esvai após a Segunda Guerra Mundial. O ser humano foi colocado em seu lado mais sombrio, tendo o holocausto judaico como símbolo da desumanização. Em seguida, o mundo foi polarizado entre as duas superpotências: os EUA, representantes do modelo capitalista, e a URSS, representante do socialismo. Conquanto seja comum o termo “Guerra Fria”, sabemos que as décadas de 1950, 1960, 1970 e 1980 foram marcadas por tensões e por muitos combates armados, com o risco iminente de uma guerra nuclear que poderia colocar a própria existência humana em xeque. Ademais, a globalização transformou a agenda política, econômica e cultural a 1 0 A U T O R E S C O R I N G A S PA R A U S A R N A R E D A Ç Ã O @PROFRAPHAELREIS 8 partir da década de 1990, acentuando diversos conflitos. O contexto descrito acima é a Modernidade Líquida defendida por Bauman, na qual a liquidez marca uma sociedade sem forma,sem projetos coletivos de transformação, permeada por incertezas e por medos. - Prof., de forma objetiva e didática, qual é o conceito de Modernidade Líquida? Sociedade Líquida é um mundo sem forma, de mudanças rápidas e frequentes. É um momento de incertezas, de medos, de ausência da concepção de progresso e de projetos coletivos para a humanidade. As relações sociais e institucionais estão fragilizadas. A sociedade sólida, construída ao longo da Idade Moderna e início da Idade Contemporânea, se mostrou ineficiente para concretizar os seus ideais de progresso e, com isso, foi surgindo o estado liquefeito de sociedade, no qual os padrões de referência, como Estado, classe, liberdade, igualdade foram incorporados pela lógica capitalista, por uma racionalidade instrumental. Essa racionalidade instrumental acentuada pela globalização traz um paradoxo: a riqueza concentrada em um pequeno grupo social, enquanto a maioria da população vivencia a pobreza – isso se dá em escala mundial. Ademais, é uma sociedade que propaga a felicidade nos termos liberais de aquisição de bens materiais, de suprimento dos desejos por meio da conquista material. Porém, cada vez mais, há o avanço da infelicidade, traduzido no aumento de casos de depressão, ansiedade e suicídio. Se por um lado o dinheiro é importante, porque sem ele nenhum indivíduo garante a sua existência material, sabemos que ele não pode ser compreendido como fonte de felicidade, uma vez que amizade, amor, companheirismo, confiança, lealdade, autoestima são valores essenciais ao ser humano e são construídos nas interações sociais, e não nas comerciais. Nesse sentido, Bauman reforça no livro “A Arte da Vida”: Uma vez que os bens capazes de tornar a vida mais feliz começam a se afastar dos domínios não monetários para o mercado de mercadorias, não há como os deter; o movimento tende a desenvolver um impulso próprio e se torna autopropulsor e autoacelerador, reduzindo ainda mais o suprimento de bens que, pela sua natureza, só podem ser produzidos pessoalmente e só podem florescer em ambientes de relações humanas intensas e íntimas. Não precisa ser um gênio para perceber que essa busca pela felicidade, associada ao consumo de mercadorias, se torna interminável, até mesmo porque o mercado vive de novidade, ou CONSUMO 1 0 A U T O R E S C O R I N G A S PA R A U S A R N A R E D A Ç Ã O @PROFRAPHAELREIS 9 seja, o novo é uma busca incessante para satisfazer e criar desejos. Nesse sentido, a obsolescência programada faz com que a solução seja a compra contínua. Outra característica importante para Bauman é perceber que o mercado criou marcas de reconhecimento, isto é, comprar em determinada loja (grife) é mostrar que o indivíduo pertence a uma determinada posição social, além de ganhar o reconhecimento de seus pares ou de quem pretende ser “melhor”. Assim, a identidade do indivíduo líquido se constrói em uma mudança constante baseada nas regras do consumismo. Modelo de Redação: ISOLAMENTO SOCIAL A promessa das redes sociais é aproximar pessoas, melhorar as interações e os relacionamentos. Contudo, na sociedade líquida, marcada por relações inseguras e incertas, a comunicação virtual, paradoxalmente, tem gerado isolamento social. No contexto de sociedade líquida, na qual o filósofo Zygmunt Bauman reflete que os comportamentos são marcados pelo efêmero, percebe-se que a comunicação virtual está reforçando relações fragmentadas. Nesse sentido, pode-se observar a “cultura do cancelamento”, que é um movimento de anular determinadas figuras públicas quando essas se posicionam de forma contrária ao que o seu público gostaria de escutar. Isso gera afastamento, impede a liberdade de expressão e pode ocasionar injustiças. Outro aspecto a ser analisado é a exposição que os jovens realizam no ambiente virtual, reduzindo suas interações com o “mundo real”. Ou seja, o mundo de aparências produzido pelas redes sociais passa a ser parâmetro e definidor do que é amizade, felicidade e sucesso. Isso tem gerado uma distorção da realidade, que pode ser observada no aumento da sensação de solidão e de comportamentos agressivos quando não se alcança o padrão difundido pelo espaço virtual, impedindo que a alteridade e o respeito às subjetividades sejam desenvolvidos como habilidades sociais. Portanto, a comunicação virtual, que se tornou comum nas interações sociais, está gerando isolamento social em vez de aproximar as pessoas e melhorar os relacionamentos. Dessa forma, faz-se necessário incentivar contatos reais entre as pessoas para que habilidades como a alteridade e o respeito às subjetividades possam ser desenvolvidas, melhorando, assim, os relacionamentos sociais. 1 0 A U T O R E S C O R I N G A S PA R A U S A R N A R E D A Ç Ã O @PROFRAPHAELREIS 1 0 2. A SOCIOLOGIA DE BOURDIEU APLICADA À REDAÇÃO Falar de Pierre Bourdieu (1930-2002) não é nada fácil. O “menino” é um dos principais sociólogos do século XX. Possui dezenas de obras publicadas, reflexões sobre diversos temas e muitos conceitos. Então, o meu objetivo aqui é apresentar três deles: habitus, capital cultural e violência simbólica. Para Bourdieu, os indivíduos interagem dentro de uma ordem social. O sujeito não é um produto do determinismo mecânico (objetivismo) nem de uma individualidade consciente, livre de influências e coerções (subjetivismo). Assim, surge o conceito de habitus para a compreensão dessas relações. Habitus são as representações e práticas sociais estruturadas por meio da posição social do sujeito, isto é, os indivíduos assimilam ideias, comportamentos, visões de mundo de acordo com a sua posição social e exteriorizam suas práticas sociais conforme os sistemas de disposições incorporados pelos principais meios de socialização de sua classe. Assim, habitus é percebido como um sistema gerado no passado que orienta uma ação no presente, embora esteja em constante reformulação. O sistema é flexível, pois é adaptável aos estímulos da exterioridade, que influencia na interioridade, fazendo com que a trajetória do indivíduo seja uma mediação entre o passado e o presente. Nesse sentido, de acordo com o sociólogo Jessé Souza, o “habitus seria um sistema de estruturas cognitivas e motivadoras, ou seja, um sistema de disposições duráveis inculcadas desde a mais tenra infância que pré- 1 0 A U T O R E S C O R I N G A S PA R A U S A R N A R E D A Ç Ã O @PROFRAPHAELREIS 1 1 molda possibilidades e impossibilidades, oportunidades e proibições, liberdades e limites de acordo com as condições objetivas”. Para entender melhor o conceito de habitus e posteriormente o conceito de capital cultural, é importante apresentar as noções de campo e espaço social. Bourdieu amplia o conceito de classe marxista para além da concepção de representação de classe como grupo real e definido pela sua posição na relação de produção, portanto um viés do ponto de vista somente econômico. Pierre Bourdieu propõe que as pessoas estão situadas em um espaço social e que a respectiva função da posição que ocupam permite compreender a lógica de suas práticas, como se classificam determinadas produções e como se classificam, inclusive, como membros de uma classe. É no espaço social que se desenvolvem o volume, a estrutura e a evolução dos capitais (econômico, político, simbólico, cultural, etc.) no tempo de um determinado sujeito o qual ocupa determinada posição social. Ainda, é no espaço social que se desenvolvem simbolicamente estilos de vida e gostos de grupos sociais diferentes, logo a prática e o gosto por determinada prática cultural não são facetas simplesmente naturais, singulares ao indivíduo, mas desenvolvidas socialmente por meio da trajetória escolar (anos de estudo) e pela origem social. A posição no espaço social está inserida e interligada à noção de campo. Esseconceito refere- se a certos espaços de posições sociais nos quais determinados tipos de bens são produzidos, consumidos e classificados, existindo disputas por espaço e reconhecimento. No interior de um campo, seja ele político, científico, artístico, religioso etc., há lutas por imposições, definições e legitimações, com o intuito de dominar as produções e classificações. Essas lutas, que podem ser pela apropriação dos bens econômicos ou culturais, são também lutas simbólicas, que engendram sinais distintivos que, ao fim, pretendem impor determinado estilo de vida reconhecido e legítimo. Dessa forma, sinais distintivos, como o cuidado estético com o corpo, o tipo de música, o tipo de leitura, os hábitos alimentares, a escolha do vestuário, os locais que se frequenta, a maneira de andar, a linguagem utilizada, etc., são base para a classificação de pessoas e grupos sociais, além de servirem de parâmetro para atribuirmos prestígio ou desprezo a alguém. Há vários campos na sociedade. Seja no interior de cada um deles, seja na relação que desenvolvem entre si, observam-se disputas de espaço e poder. Nessas lutas travadas, os campos estabelecem relações de força nas quais os sujeitos despendem também forças, obtendo a reprodução de sua existência e lucros proporcionados pelo controle que exercem sobre o capital cultural legitimado, especificamente em seu estado objetivado (bens materiais). No que se refere às reflexões sobre o capital cultural, a premissa fundamental de Bourdieu é que as famílias o transmitem aos filhos de forma direta e indireta, um processo “invisível”. Essa hipótese é indispensável para apreender as desigualdades sociais e o desempenho de 1 0 A U T O R E S C O R I N G A S PA R A U S A R N A R E D A Ç Ã O @PROFRAPHAELREIS 1 2 crianças de diferentes classes sociais, ou seja, os fatores socioeconômicos (origem de classe) influenciam muito o “sucesso escolar”. A formulação do conceito de capital cultural é uma crítica às aptidões naturais, apregoadas pela Teoria do Capital Humano, que percebe o indivíduo como uma microempresa, isto é, o indivíduo precisa se esforçar, investir em sua qualificação e educação, a fim de poder competir no mercado, em suma, concorrer com outros indivíduos. Assim, o indivíduo só depen- deria de si mesmo para obter êxito, tanto na escola, como em outras áreas da vida social. Ao contrário da ideia das aptidões naturais, Bourdieu mostra, através do capital cultural, que elas estão relacionadas ao pertencimento de classe; não são naturais, estão condicionadas ao habitus, que são disposições (atitudes) que orientam as maneiras de agir, pensar e sentir. Os estilos de vida e os julgamentos estéticos não são uma livre escolha do indivíduo (como já ressaltamos anteriormente), mas sim condicionados pela origem de classe. Dessa forma, Bourdieu inverte a lógica da Teoria do Capital Humano, defendida por pensadores liberais, a qual apregoa que a escola é um local de igualdade das oportunidades, de meritocracia e de justiça social. Pelo contrário, afirma Bourdieu: a escola contribui com a reprodução das estruturais sociais e legitima as desigualdades, pois ela não é neutra no que se ensina! Outra crítica de Bourdieu é dirigida aos economistas, os quais desprezam a transmissão familiar do capital cultural, já que privilegiam a conversão monetária que a instituição escolar pode propiciar. Mas, para Bourdieu, a transmissão cultural é, sobretudo, familiar e é responsável pela reprodução das desigualdades sociais. O capital cultural tem três estados, a saber: incorporado, objetivado e institucionalizado. O estado incorporado é aquele cujas disposições são duráveis no organismo, sendo algo que demanda tempo, assimilação; é pessoal e não transmitido por doação ou transmissão hereditária. Nesse caso, o indivíduo pode prolongar suas atividades, por exemplo, os estudos, caso a família consiga assegurar tempo livre e estímulo para isso. Esse é o estado que tem um maior impacto na definição do destino escolar do sujeito. O estado objetivado é um conjunto de propriedades que demanda tempo para ser adquirido. Pode-se citar como propriedades: quadros, móveis, pinturas, DVDs, livros, etc. Esse estado do capital cultural é transferível em sua materialidade e pressupõe capital econômico. Nesse sentido, famílias que já incorporaram determinada prática e bens (posse de livros, quadros, esculturas, aparelhos tecnológicos) tendem a favorecer seus descendentes. Por último, o estado institucionalizado, aquele que certifica a competência cultural. A obtenção do certificado escolar também é um processo de longa duração que passa pelo processo de incorporação, possibilitando comparações 1 0 A U T O R E S C O R I N G A S PA R A U S A R N A R E D A Ç Ã O @PROFRAPHAELREIS 1 3 entre diplomados e suas respectivas diferenciações no espaço social. Nesse estado há uma possível conversão do capital cultural em capital econômico, podendo funcionar como promotor de distinção (benefícios materiais e simbólicos). As crianças pertencentes à elite cultural e à classe média adquiririam com mais facilidade a linguagem, a leitura, o contato com diversas produções culturais, já que herdariam um capital cultural familiar legítimo compatível com o que é exigido pela escola, pelo Estado e pelo mercado, principais instituições da sociedade contemporânea. Já as crianças advindas da classe popular sofreriam uma “violência simbólica”, visto que as habilidades exigidas pela escola (norma culta da língua, prática da leitura, pensamento abstrato, gostos requintados) estariam destoantes do capital familiar herdado. Para a gente pensar de forma prática nessa relação da transmissão familiar do capital cultural com a reprodução das desigualdades sociais, pensa comigo no seguinte exemplo: uma família de classe média, na qual o pai é engenheiro, a mãe médica e há um filho de 5 anos. Por outro lado, há uma configuração familiar na qual o pai é pedreiro, a mãe é doméstica e também há uma criança de 5 anos. Será que as experiências e as oportunidades são as mesmas para essas crianças? Na primeira configuração familiar, a criança olha com admiração para os pais, afinal, eles fazem parte de um sistema simbólico profissional hierarquizado, são profissões valorizadas no espaço social, ou seja, a criança da elite cultural e da classe média irá aspirar ao status dos pais e desenvolverá capital afetivo. Ademais, irá escutar desde cedo a norma culta da língua portuguesa, terá livros em casa, tempo livre para estudo, viagens e passeios, estudará em escolas privadas com boa estrutura e terá contato com pessoas consideradas importantes pela sociedade (capital social). Enquanto isso, a criança da segunda configuração familiar não terá suporte educacional em casa, porque os seus pais não possuem alfabetização e não conseguem garantir acesso aos bens culturais e educacionais legítimos. Além disso, possivelmente terá que trabalhar para ajudar em casa, reduzindo o tempo livre para os estudos. Também não poderá contar o capital social, uma vez que o seu círculo de amizades não está inserido nas posições privilegiadas da hierarquia social. Ficam perguntas incômodas: as pessoas saem do mesmo ponto de partida? As oportunidades econômicas, sociais e simbólicas são iguais? Por fim, apresento o conceito de violência simbólica. A ideia é que a violência não opera somente no campo físico, mas se reproduz na sociedade como se fosse algo natural, passando por imperceptível aos nossos olhos. Esse tipo de violência é aprendido por meio das socializações (família, escola, religião, mídia) que moldam comportamentos dos indivíduos no espaço social. Muitas vezes aquele que exerce a dominação e aquele que é alvo da violência não percebem os mecanismos, uma vez que esses tendem a uma naturalização. Isso pode ser visto noscasos de bullying, que incluem a coação física e psicológica, cujo objetivo é humilhar e inferiorizar o outro. Desse modo, a violência simbólica pode ser vista na dominação 1 0 A U T O R E S C O R I N G A S PA R A U S A R N A R E D A Ç Ã O @PROFRAPHAELREIS 1 4 masculina e nas “piadas” de gênero, classe social ou “raça”, que tentam “brincar” e desqualificar o outro passando por humor, por algo banal. Modelo de Redação: LIBERDADE DOS USUÁRIOS NA INTERNET Ao longo das duas últimas décadas, o acesso à rede mundial de computadores tem se popularizado e, com ele, a possibilidade de que qualquer um pudesse apresentar seu próprio ponto de vista. De fato, a internet é marcada pela abertura do polo da emissão, dando maior liberdade aos usuários para escolherem a fonte das informações, ao contrário do que ocorria com a dominância da imprensa tradicional. Contudo, essa pluralidade deve ser vista com cautela, pois, mesmo sendo um ambiente mais livre do que a mídia historicamente consolidada, a web tem ideias esparsas e sem organização. Em primeira análise, a TV, o rádio, os jornais e as revistas são veículos que atendem a interesses financeiros. Tal percepção foi formulada pelo sociólogo Pierre Bourdieu, segundo o qual a mídia é submetida ao campo econômico, não permitindo a exibição de ideias, notícias e opiniões contrárias às demandas dos anunciantes. Assim, tem-se uma imprensa limitada, em contraposição à crescente liberdade da internet. Entretanto, o usuário da rede não tem segurança com relação à qualidade da informação que vai acessar. Nessa perspectiva, o filósofo italiano Umberto Eco criticava essa abertura da web por exibir as ideias sem nenhuma hierarquia, deixando os internautas perdidos ou dotados apenas de “peças” de conhecimento, sem serem capazes de encaixá-las em uma visão de mundo. Por isso, o usuário constrói sua opinião com base em informações limitadas e fragmentadas. Portanto, a dicotomia estabelecida entre a mídia tradicional e a rede deve ser superada, e ambas devem ser valorizadas, afinal, a diversidade de fontes só tem a agregar ao debate público. Desse modo, quem ganha é o cidadão, que pode contrastar ideias e opiniões de fontes diversas e, por si mesmo, formar a própria opinião. 1 0 A U T O R E S C O R I N G A S PA R A U S A R N A R E D A Ç Ã O @PROFRAPHAELREIS 1 5 3. A SOCIOLOGIA DE DURKHEIM APLICADA À REDAÇÃO Émile Durkheim (1858-1917) nasceu na Alsácia, território francês. Foi um dos pensadores que mais contribuiu para a consolidação da Sociologia como ciência empírica e para sua instauração enquanto disciplina acadêmica. Tornou-se o primeiro professor universitário de Sociologia. Ele é um dos precursores da nova ciência e sofrerá influência das ideias de Saint-Simon e de Auguste Comte. Para esses, a humanidade avança no sentido de seu gradual aperfeiçoamento, governada pela força da lei do progresso. Enxergavam a sociedade industrial como uma fase avançada da sociedade, devido aos avanços técnico-científicos. Durkheim é considerado autor clássico da Sociologia, assim como Karl Marx e Max Weber, por suas ideias terem grande impacto na construção do conhecimento sociológico. O pensamento do sociólogo dá ênfase às instituições sociais, ao seu surgimento e ao seu funcionamento. As instituições, para ele, são instituídas pela coletividade, que se refletirá nas crenças e nos comportamentos. Assim, a vida coletiva não é a soma dos indivíduos, mas um ser distinto, mais complexo e irredutível às partes que o formam. Os fenômenos sociais (aquilo que aparece socialmente) têm sua origem na coletividade, e não em cada um dos seus participantes. Durkheim buscava um método científico que fosse capaz de superar o senso comum e, ao mesmo tempo, fosse objetivo. Embora adotasse critérios das ciências naturais, reconhecia que os objetos sociais tinham suas particularidades e se distinguiam dos fenômenos da 1 0 A U T O R E S C O R I N G A S PA R A U S A R N A R E D A Ç Ã O @PROFRAPHAELREIS 1 6 natureza. Os cientistas sociais investigariam as relações de causa e efeito, as regularidades, a fim de estabelecer leis e regras de ação para o futuro. O objeto da sociologia são os famosos fatos sociais, que iremos explicar minuciosamente. Esses devem ser vistos pelo cientista social como “coisas”, facilitando o afastamento de pré-noções e tratando os seus objetos de estudo de maneira objetiva. Os fatos sociais são tudo aquilo que é exterior ao indivíduo, isto é, que não depende das consciências individuais para existir. Têm uma característica de generalidade, pois são colocados a todos na vida social e possuem característica de coerção. Portanto, um fato social é constituído de exterioridade, generalidade e coercibilidade, sendo algo dotado de vida própria, externo aos membros da sociedade e que exerce sobre eles uma autoridade que os leva agir, a pensar e a sentir sob determinadas maneiras. São exemplos de fatos sociais: a família, a escola, a religião, as Leis, o sistema financeiro, vestimentas de um povo, a forma de organização cultural e política, etc. O caráter externo desses fatos sociais que moldam as formas de pensar, sentir e agir dos indivíduos são internalizados por meio do processo de socialização. Desde crianças somos educados com determinadas formas de nos comportarmos e com regras a serem obedecidas, seja seguir horários, seja como tratar as demais pessoas. Essas normas e esses valores de uma própria sociedade são transmitidos por meio da aprendizagem nas diversas formas de socialização (família, escola, religião, etc.), portanto são externas ao indivíduo. O caráter de generalidade e o de coercibilidade podem ser vistos na medida em que alguém desrespeita determina lei, regra moral ou resiste a não usar, por exemplo, a moeda nacional ou o idioma, o que desencadeará constrangimentos, já que está diante de algo que não depende da vontade individual e poderá ser excluído do grupo. Traduzindo: se alguém viola determinada lei ou regra moral será punido (coerção). Se alguém resiste em falar o idioma de seu país certamente estará excluído de exercer as condições de membro daquela sociedade. Podemos nos perguntar: “então, se os fatos sociais são dados para todos, têm característica exterior e exercem coerção, o indivíduo fica resumido à pressão dos fatos sociais?” Para Durkheim, é possível apresentar comportamentos inovadores e as instituições são passíveis de mudanças, mas, para isso, é necessária a combinação de vários indivíduos em realizar ações que se configurarão em um novo fato social. Dessa forma, por exemplo, pode haver modificações no sistema educativo para se adequar a uma nova realidade. Preocupado com a coesão social e com a integração social na sociedade industrial, Durkheim vai desenvolver o conceito de solidariedade mecânica e orgânica. A primeira é um tipo de solidariedade pertencente às sociedades tradicionais, nas quais os indivíduos se identificam por meio da família, da religião, da tradição, dos costumes. É uma sociedade que tem coesão, porque os indivíduos ainda não se diferenciaram pelas especializações do trabalho, mas se reconhecem a partir dos valores, dos sentimentos e dos objetos sagrados compartilhados. Já a solidariedade orgânica surge nas sociedades mais 1 0 A U T O R E S C O R I N G A S PA R A U S A R N A R E D A Ç Ã O @PROFRAPHAELREIS 1 7 complexas e modernas, nas quais existem maior divisão do trabalho e maior individualidade, pois as pessoas criam autonomia em relação à consciência coletiva. Por meio da divisão do trabalho social, os indivíduos tornam-se interdependentes, garantindo, então, a união social, mas não pelos costumes e tradições. Com isso, o efeito mais importante da divisão do trabalho não é o au- mento da produtividade, mas sim asolidariedade gerada entre os homens. Para garantir a solidariedade orgânica, advinda da divisão do trabalho social, devido às diversas categorias profissionais existentes, é importante entender a importância dos fatos morais na integração dos homens à vida coletiva. Para ele, moral é tudo que promove a solidariedade, tudo que força o indivíduo a contar com o seu próximo, sem se levar pelo seu egoísmo. É um sistema de normas de conduta que prescrevem como o sujeito deve conduzir-se em determinadas circunstâncias. Portanto, quando há conflitos na sociedade, é devido à anomia, isto é, ausência de instituições em condições de regularem valores, normas e regras capazes de manter a integração social. Nesse sentido, nosso pensador irá fazer uma metáfora do funcionamento da sociedade com o corpo humano: é necessário que cada parte funcione bem, para que o todo esteja em pleno funcionamento. Caso contrário, assim como acontece com o corpo humano (doenças), na sociedade apareceriam patologias sociais, a exemplo da violência urbana. Diferente de Marx, ao analisar os conflitos sociais do final do século XIX, devido à relação capital e trabalho, Durkheim vai defender que eles surgiram por causa da anomia, isto é, ausência de instituições e normas integradoras que permitissem a integração da sociedade por meio da divisão social do trabalho, que estava nascendo e se desenvolvendo. Ao estabelecer a solidariedade por intermédio das regulamentações, os diversos atores envolvidos poderiam se expressar sem entrar em conflitos. Apontava que Marx cometeu um grande equívoco ao achar que a economia era o que estruturava a organização entre os homens. Na concepção durkheimiana, o mercado não possui efeito aglutinador das relações entre as pessoas. Émile Durkheim vai fazer análises sobre várias instituições de relevância na sociedade contemporânea, tais como a família, a escola e a religião. Todas elas são fatos sociais e contribuem com a coesão e a integração social, preparando o indivíduo para a vida coletiva, por intermédio de suas normas, regras e valores. A educação ganha grande destaque em seu pensamento, porque ela exerce o fator moralizador por excelência, libertando os indivíduos de visões egoístas e dos interesses materiais. É através da educação, principalmente, que há a preparação de indivíduos para integrar o grupo e a exposição do que a sociedade espera das crianças e jovens. Em resumo, é a escola a principal transmissora dos valores, normas e regras sociais, a fim de estabelecer os laços de solidariedade entre os homens. 1 0 A U T O R E S C O R I N G A S PA R A U S A R N A R E D A Ç Ã O @PROFRAPHAELREIS 1 8 Modelo de Redação: COMBATE ÀS DROGAS Os custos da violência no combate às drogas colocam o Estado em tensão constante devido à insegurança e à sensação de medo, gerando efeitos econômicos e humanos. Assim, são necessários debates mais aprofundados que permitam encontrar soluções eficazes no enfrentamento às drogas. Primeiramente, é importante salientar que o combate às drogas emerge nos centros urbanos, nos quais há o aceleramento do processo de urbanização e o fenômeno da sociedade de massas. Nessa configuração social, a produção e o consumo de drogas são elevados, devido a um contexto que incentiva o individualismo, a busca do sucesso material e a competividade, havendo o aumento das desigualdades sociais. Outro ponto a ser destacado é que essa verdadeira “guerra civil” de combate às drogas gera efeitos econômicos e humanos. Atividades econômicas são interrompidas, escolas são fechadas, há custos para o sistema público de saúde devido às vítimas dessas violências, ocorre perda de vidas, há custo com a manutenção de presídios e propagação do medo e da insegurança na sociedade. Nesse contexto, aparece aquilo que o sociólogo Durkheim denominou de “anomia social”, isto é, desintegração social ocasionada pela falta de instituições capazes de regular a sociedade. Portanto, são necessárias pelo menos duas ações para mitigar o problema. A primeira ação diz respeito à presença do Estado nas áreas de vulnerabilidade social, para que os direitos sociais (educação de qualidade, moradia, lazer, cultura etc.) previstos na Constituição Federal de 1988 sejam, de fato, materializados. Além disso, é preciso ajustar a Lei de Execução Penal para descriminalizar o usuário de drogas, a exemplo das bem-sucedidas políticas públicas portuguesas de enfrentamento aos entorpecentes. 1 0 A U T O R E S C O R I N G A S PA R A U S A R N A R E D A Ç Ã O @PROFRAPHAELREIS 1 9 4. A FILOSOFIA DE GILLES LIPOVETSKY APLICADA À REDAÇÃO Gilles Lipovetsky cunha o conceito de hipermodernidade para substituir a ideia de pós- modernidade. Para ele, há valores da modernidade que estão em sua radicalização na atualidade, por isso hiper. Nessa configuração, as dimensões humanas, econômicas, sociais e culturais estão sob a órbita do hiperconsumo, que gera a “sociedade da moda”. A sociedade da moda não é a era do consumo de massa, mas sim um padrão que substitui aquela sociedade disciplinar de Foucault. Agora, as relações são pautadas na busca incessante do novo, da inovação. Muitos querem a originalidade não seguindo nenhum padrão, porém isso se torna o padrão e reduz a subjetividade. Nesse sentido, a “moda” seduz as pessoas ao consumo e passa a fazer parte da constituição da identidade do sujeito hipermoderno. O indivíduo hipermoderno vive intensamente o presente, no entanto o futuro é a sua maior preocupação. Não há mais garantias de nada. O hiperindivíduo quer pensar sobre o seu futuro, contribuir para a economia e para a política, mas o seu tempo é escasso, ele não tem tempo para nada, e tudo muda muito rápido. O seu tempo presente é transformado em tempo de trabalho. Para o autor, a hipermodernidade é formada pela relação de três elementos: a cultura individualista, a tecnociência e o hiperconsumo. Na modernidade (XVII-XIX), o homem é visto como responsável por si mesmo, buscando na liberdade individual o principal princípio das relações entre Estado e indivíduo. No entanto, a liberdade de escolha era restrita a determinadas convenções. Por outro lado, o hiperindivíduo conquistou o direito de suas escolhas, de querer ser o que quiser e de romper com padrões 1 0 A U T O R E S C O R I N G A S PA R A U S A R N A R E D A Ç Ã O @PROFRAPHAELREIS 2 0 estabelecidos. Assim, o hipercapitalismo criou um novo cenário, proporcionando ao hiperindivíduo uma diversidade de opções de consumo personalizados para satisfazer os seus desejos. Essa personalização, rastreada pelos algoritmos das grandes corporações da internet, detectam interesses e desejos para ofertarem serviços e produtos que seduzem por meio da personalização, garantindo mais movimento, mais sentimento, mais liberdade, mais entretenimento. A busca pela personalização abrange várias áreas e uma delas é o uso da tecnologia que a ciência proporciona para melhorar a estética (aparência) – um dos mercados que mais crescem -, já que as redes sociais e o mercado de trabalho ampliam a exigência de o indivíduo estar bem, seja para aparecer para os outros (com destaque para os influenciadores digitais), seja para aumentar a produtividade. Outra promessa da modernidade era que a felicidade dos indivíduos aumentaria com o avanço científico, que tinha como missão evitar o sofrimento, controlar as intempéries da natureza e proporcionar melhor qualidade de vida às pessoas, ou seja, era uma visão otimista. Entretanto, essa visão otimista foi se arruinando ao longo do século XX: guerras mundiais, desastres nucleares, doenças, problemas ambientais, etc. Dessa forma, para Lipovetsky, “a expectativa de felicidade vinculada a um contínuo progresso foi abalada”. Além disso, a ciência, que na modernidade era vista numa perspectiva humanista (coletiva), passou a seguir a lógica instrumental baseadana busca de rentabilidade, o que aumenta o hiperconsumo, já que a principal preocupação passou a ser a necessidade de o capitalismo encontrar soluções de oferta para o consumidor cada vez mais movido e seduzido pela inovação, pelo novo. Aí está a "sociedade da moda". Modelo de Redação: CONSUMO A sociedade do consumo, desde os seus primórdios, com o desenvolvimento da organização produtiva “fordista-taylorista”, intensificou o individualismo e o consumo como balizadores da felicidade. Com isso, um dos efeitos mais nítidos é uma sociedade endividada e doente. De acordo com o filósofo Gilles Lipovetsky, a hipermodernidade na qual vivemos é caracterizada pelo hiperindividualismo, ou seja, os indivíduos são levados a pensarem somente em seus interesses, realizando-os por meio do consumo. Isso tem gerado uma sociedade endividada, porque, a todo momento, as pessoas precisam comprar para saciar seus desejos. Nesse sentido, para reduzir esse impacto negativo, são necessárias políticas públicas que desenvolvam o compartilhamento de bens públicos, a exemplo do uso de praças. Dessa forma, haverá redução do individualismo e possibilidades de lazer gratuito. 1 0 A U T O R E S C O R I N G A S PA R A U S A R N A R E D A Ç Ã O @PROFRAPHAELREIS 2 1 Outro aspecto relevante é que o hiperconsumo incentiva a felicidade como sinônimo de bens materiais: carro, casa, roupas de marca, viagens etc. Para reduzir esse aspecto negativo, é importante que as escolas desenvolvam conteúdos sobre educação financeira e educação para o consumo, com o objetivo de proporcionar aos alunos conhecimento sobre empréstimos, juros e sustentabilidade, bem como se preparar para um consumo consciente. Ademais, resgatar reflexões filosóficas milenares é essencial para desmistificar que felicidade é uma busca baseada na realização material. Mediante o exposto, fica notório que a sociedade do consumo intensifica o individualismo e reforça uma concepção de felicidade reduzida, o que acarreta, também, o endividamento das pessoas. Para contornar essa situação, conforme apontado anteriormente, faz-se necessário atuação dos governos e conscientização dos indivíduos. 5. A FILOSOFIA DE NIETZSCHE APLICADA À REDAÇÃO O filósofo Nietzsche (1844-1900) nasceu na Alemanha. Assim como Heráclito, suas reflexões foram escritas por meio de aforismos, isto é, uma sentença curta que exprime um conceito, um conselho ou um ensinamento. Escreveu sobre diversos temas: religião, moral, artes e ciências. Dentre suas obras, destaco “Humano, demasiado humano (1881), “Assim falou Zaratustra” (1883) e “O anticristo” (1888). Realizou uma crítica radical da tradição filosófica e dos valores fundamentais da civilização ocidental (massificação, visão de mundo burguesa, conservadorismo cristão, etc.). Influenciou vários filósofos existencialistas e pós-modernos, sendo considerado um pré-existencialista. 1 0 A U T O R E S C O R I N G A S PA R A U S A R N A R E D A Ç Ã O @PROFRAPHAELREIS 2 2 Nietzsche teve influência do pensamento de Schopenhauer (1788-1860), que tecia críticas à filosofia de Hegel, por esse último legitimar as formas de governo e instituições, como se o Estado fosse um estágio avançado do progresso. Para Schopenhauer, a História não é racionalidade e progresso, mas sim acaso cego e enganoso. Defendia também que tudo no mundo depende do sujeito, portanto o mundo e suas coisas são representações, são ilusões. Dessa forma, alcançar a essência das coisas só era possível através do insight intuitivo, no qual a arte pode contribuir com o desprendimento da individualidade do sujeito em imersão pura e plena no objeto. Além disso, Schopenhauer entendia que a essência do mundo é a vontade de viver, uma espécie de impulso cego sem fundamentos ou motivos. No ser humano, essa vontade é o desejo consciente, que, não satisfeito, provoca sofrimento e, se satisfeito, provoca tédio, por já ter conquistado o que era desejado. Assim, para ele, a vida oscila como um pêndulo entre o sofrimento e o tédio. A visão pessimista de Schopenhauer vai decepcionar Nietzsche, que passará a ser um crítico contundente de seu conterrâneo, uma vez que a vontade de viver vai além de um conjunto de pulsões sem outra finalidade que não seja a vida, mas também um impulso de afirmação da vida na direção de uma transcendência criadora, em direção a uma plenitude existencial. Outra crítica de Nietzsche é com a tradição filosófica a partir de Sócrates, que teria negado a intuição criadora da filosofia dos pré-socráticos. Vai distinguir dois princípios: o apolíneo, em referência ao deus grego Apolo, que representava a razão, a clareza e a ordem; e o dionisíaco, em referência ao deus grego da aventura, da fantasia, da desordem. Para o filósofo alemão, esses dois princípios são complementares, mas foram separados na Grécia socrática, que optou pela supremacia da razão – o mundo é uma mescla de turbulências e complexidades. Além da crítica ao Schopenhauer e à tradição filosófica, Nietzsche faz uma crítica intensa aos valores morais. Para ele, o bem e o mal não são noções absolutas, porque esses são elaborados conforme os interesses humanos, sendo assim são produtos histórico-culturais. Essas noções são impostas pelas religiões principalmente. A tradição judaica e a cristã definem o bem e o mal como se fossem vontade de Deus, ou seja, como valor absoluto. Essas noções são absorvidas pelas pessoas, gerando sentimento de dever, culpa, dívida e pecado. Isso gerou uma sociedade de indivíduos medíocres, tímidos, sem criatividade e submissos. Por isso, ele vai cunhar a expressão “moral de rebanho” para mostrar a submissão irrefletida de grande parte das pessoas aos valores dominantes da civilização cristã e burguesa. Qual conclusão ele quer passar com essa crítica aos valores morais? Que se cada pessoa se der conta de que os valores presentes em sua vida são construções humanas, estará no dever de refletir sobre suas concepções morais e questionar o valor de seus valores, enfrentando o desafio de viver por sua própria conta e risco. A partir do final da Idade Média, quando o cristianismo começa a deixar de ser a única explicação possível de mundo, devido à retomada racional nas reflexões filosóficas e ao avançar da investigação científica, seus 1 0 A U T O R E S C O R I N G A S PA R A U S A R N A R E D A Ç Ã O @PROFRAPHAELREIS 2 3 valores absolutos também foram colocados em xeque, o que levou ao niilismo, isto é, expressão afetiva e intelectual da decadência. De acordo com o Dicionário básico de Filosofia, de Japiassú e Marcondes, Niilismo é: Resultado da decadência europeia, a ruína dos valores tradicionais consagrados na civilização ocidental do século XIX. Caracteriza-se pela descrença em um futuro ou destino glorioso da civilização, opondo-se, portanto, à ideia de progresso e, pela afirmação da “morte de deus”, negando a crença em um absoluto fundamento metafísico de todos os valores éticos, estéticos e sociais da tradição. O niilismo nietzschiano deve levar a novos valores que sejam “afirmativos da vida”, da vontade humana, superando os princípios metafísicos tradicionais e a “moral de rebanho” do cristianismo, situando-se além do bem e do mal”. Dessa forma, a filosofia como martelo constitui em criticar os valores tradicionais considerados por Nietzsche como degradantes por não fazerem do ser humano um ser melhor, mas sim o piorarem, e construir novos valores que levariam à libertação de toda ideologia. Assim, a filosofia tinha que ser anticristã, já que o cristianismo eliminava os desejos de tudo aquilo que é natural no ser humano. Nesta perspectiva, Nietzsche decreta a “morte de Deus” (entendida como cultura cristã), isto é, um acontecimento histórico-cultural. Portanto, para combater o niilismo provocadopor essa mudança, Nietzsche defende valores afirmativos da vida, capazes de expandir as energias latentes em nós, sem conformismo, resignação ou submissão. Assim, surge o “super-homem”. O super-homem não é dos quadrinhos rsrs. Aqui é entendido como a pessoa que rompeu com os ressentimentos, medos e valores tradicionais. É o indivíduo que rompe com a lógica do sofrimento em vista de uma recompensa final, como prega o cristianismo. Esses novos valores do super-homem são amor à terra, à realidade, à saúde, à vontade forte, à embriaguez dionisíaca e ao orgulho. Em resumo, para Nietzsche “tudo o que é bom é instintivo”. Modelo de Redação: MORAL E AUTONOMIA Por meio das socializações, os indivíduos aprendem noções de moralidade: bem, mal, certo, errado, justo, injusto. Esses valores, quando introjetados como verdades absolutas, impactam a singularidade e a autonomia dos sujeitos. Em primeiro lugar, é importante apontar que as noções de valores morais são construções culturais e históricas, ou seja, resultado de ações humanas. Nessa perspectiva, instituições religiosas e burguesas tentam impor suas verdades e padrões, gerando aquilo que o filósofo 1 0 A U T O R E S C O R I N G A S PA R A U S A R N A R E D A Ç Ã O @PROFRAPHAELREIS 2 4 Nietzsche denominou de “moral de rebanho”: pessoas que assimilam essas noções sem questionar, tonando-se medíocres, resignadas, sem autonomia para agir e pensar. Nesse contexto, faz-se necessário que os indivíduos desenvolvam valores afirmativos para conquistarem sua emancipação frente a imposições históricas que limitam a liberdade. Assim, ao romper com os valores absolutos e entendê-los como construções culturais, pode-se criar outros mais assertivos, sem carregar culpas e limitações. Nesse sentido, na filosofia existencialista de Sartre, cada pessoa é livre para fazer suas escolhas e, ao mesmo tempo, é responsável por suas ações. Dessa forma, os sujeitos reforçam sua subjetividade e existência sem ficar sob o jugo moral de instituições que ditam o que é certo ou errado. Portanto, fica notório que valores morais são criações humanas e muitas vezes impostos por instituições que querem o monopólio da verdade, reduzindo, assim, a autonomia dos indivíduos. Para romper com uma vida limitada, os indivíduos devem questionar constantemente seus valores, buscando liberdade em suas escolhas e se responsabilizando por elas. 6. A EDUCAÇÃO DE PAULO FREIRE APLICADA À REDAÇÃO Paulo Freire foi um pensador brasileiro fundamental para a área da educação e para a emersão da corrente de educação da pedagogia crítica. Sua obra é estudada, hoje, em todo o mundo, sendo o único teórico brasileiro entre os vinte mais citados na área de humanas internacionalmente e o mais condecorado academicamente da história da nação, com 29 1 0 A U T O R E S C O R I N G A S PA R A U S A R N A R E D A Ç Ã O @PROFRAPHAELREIS 2 5 doutorados honoris causa. Na redação, esse exímio pensador nos oferece importantes reflexões para pensar, sobretudo, os temas relacionados à educação. Paulo Freire nasceu em Recife, Pernambuco, em 1921. Embora tenha sido parte de uma família de classe média, conheceu a pobreza e a fome ainda na infância, em decorrência da crise de 1929. Formou-se em Direito na década de 1940, mas nunca exerceu a profissão: seu desejo era estar em sala de aula, conduzindo processos pedagógicos capazes de estimular a autonomia dos educandos. Em 1961, iniciou experiências de alfabetização de adultos que levariam à criação do seu próprio método. Em 1964, em pleno Regime Militar, Freire foi encarcerado como traidor por 70 dias. Em seguida, foi compelido a deixar o Brasil, tendo trabalhado em diversas áreas e países: no Chile, atuou no Movimento de Reforma Agrária da Democracia Cristã; nos EUA, foi professor visitante de Harvard a partir de 1969; trabalhou por um ano em Cambridge e mudou-se para a Suíça, onde foi consultor educacional do Conselho Mundial de Igrejas; ainda antes de retornar ao Brasil, auxiliou na elaboração de reformas educacionais em países lusófonos na África, particularmente Moçambique e Guiné-Bissau. Seu retorno ao Brasil se deu em 1980. A partir daí, trabalhou intensamente com políticas públicas de educação e na formulação de sua rica e ampla teoria. Freire é autor de uma crítica radical aos métodos tradicionais de ensino. Quando o pernambucano iniciava sua produção acadêmica, em meados da década de 1960, o modelo educacional do país e do mundo atravessava uma crise de metodologias, uma vez que a relação professor-aluno, a sala de aula e os mecanismos de avaliação eram os mesmos utilizados desde a universalização do ensino, séculos antes. Assim, Freire se viu compelido a atualizar as práticas de educação para torná-las compatíveis com as demandas do seu tempo. O principal problema apontado pelo pensador era o caráter bancário do ensino. Ou seja: o professor era visto como o detentor maior do conhecimento, e o objetivo dele em cada aula era passar todo o conteúdo programado, como se fosse um depósito. Assim, os educandos apenas recebiam passivamente as orientações do docente, sem realizar juízo crítico sobre elas ou relacioná-las claramente às próprias vidas. Para medir a eficácia do processo, eram ministradas provas que avaliavam a capacidade do aluno de memorizar as informações. Dessa forma, era como se os estudantes fossem “bancos” em que o professor simplesmente depositava os saberes; na hora da avaliação, eles eram cobrados de volta (embora este parágrafo esteja sendo escrito no passado, você sabe muito bem que esse modelo ainda continua vigente em vários estabelecimentos de ensino que não se preocupam com a formação do aluno, mas, sim, com a memorização de conteúdo). Freire entendia que tal mecanismo era insuficiente para realmente ensinar e, sobretudo, ensinar para a vida. Por isso, ele propõe uma transição radical em dois livros: no primeiro, “Pedagogia do Oprimido”, escrito em 1968 e proibido no Brasil até 1974, o professor reflete sobre os moldes opressores da educação, uma vez que a orientação pedagógica dominante era antidialógica – ou seja, contrária ao diálogo – e pautada na manutenção das condições de 1 0 A U T O R E S C O R I N G A S PA R A U S A R N A R E D A Ç Ã O @PROFRAPHAELREIS 2 6 opressão vigentes na sociedade, desqualificando identidades marginalizadas e impedindo a colaboração e a organização que nos conduziriam a uma verdadeira síntese cultural no país. Essa obra é tão importante, que está entre as três mais citadas no mundo na área de Ciências Humanas. Em 1996, um ano antes da morte de Paulo Freire, é publicado o livro “Pedagogia da Autonomia”, espécie de resumo do pensamento do autor, em que ele defendia que o processo de ensino-aprendizagem não deve ocorrer baseado em conteúdos totalmente fixos, cuja memorização é avaliada. Ao contrário, a educação deve partir dos saberes que cada um carrega, pois, dessa forma, torna-se possível relacionar saberes acadêmicos com a vida de cada estudante. Isso faz com que a prática da educação não seja centrada no professor, que deixa de ser o detentor único dos conhecimentos, e passe a ser centrada no aluno, entendido como uma individualidade com uma história pessoal e uma forma de enxergar a realidade pautada nos próprios saberes. Em última análise, o docente passa a ser um mediador entre o conteúdo e os alunos, não reproduzindo ideias de forma automática e compulsória, mas sim mostrando os caminhos onde cada estudante pode se aprofundar no que lhe interessa e despertando as conexões entre o mundo e os saberes estudados. Pensemos em um exemplo que você conhece perfeitamente. Imagine que você descubra hoje, na internet ou na aula de algum professor, o conceito de “dignidade humana”, de Kant. Você aprendeu que as dignidades são aqueles direitos inegociáveis, que devem ser respeitados sob qualquer circunstância,como a inviolabilidade do corpo ou a vida. Bom, ter essa ideia em mente é um primeiro passo, mas o segundo é dado quando você questiona esse princípio a partir da sua própria visão de mundo e como ele está relacionado às situações de dominação e liberdade. A dignidade vem sendo respeitada no Brasil? Ela é prevista em lei? Por que ela acabou se tornando lei, afinal? O que pode ser feito para que esse princípio possa realmente ser aplicado no país? Então, em resumo, eis a diferença entre as duas metodologias: Ensino bancário é aquele centrado no conteúdo, que entende o professor como detentor dos conhecimentos e espera do aluno memorização dos saberes. O educando é apenas passivo no processo. Pedagogia da autonomia é a abordagem centrada no aluno, que respeita seus saberes prévios e constrói o conhecimento a partir deles. O educando é peça ativa e fundamental do processo. Continuando nosso passeio pelo pensamento de Paulo Freire, o autor entendia que a característica fundamental da educação é ser libertadora. Por isso, entendia que era 1 0 A U T O R E S C O R I N G A S PA R A U S A R N A R E D A Ç Ã O @PROFRAPHAELREIS 2 7 necessário, no processo educacional, explicitar e questionar as condições de opressão a que os educandos são submetidos nos diversos âmbitos da vida social. A um cortador de cana, por exemplo, não bastaria aprender conteúdos tradicionalmente previstos no currículo, mas também entender sua condição de mão de obra, questionar a dignidade de suas condições de vida e compreender as relações da política com seu cotidiano. Contudo, as escolas padeceriam de uma cultura do silêncio. Esse seria uma particularidade cultural brasileira de preferir não expor os conflitos, amenizando-os ou deixando de falar deles. No sistema educacional, a ausência absoluta de discussão sobre os problemas da nação era uma realidade generalizada – lembremos de que o patrono da educação brasileira escrevia durante o Regime Militar brasileiro. Hoje, embora haja maior abertura nas salas de aula, o currículo pouco contempla assuntos prementes para a nação, de modo que a cultura do silêncio permanece viva. Do entendimento pleno das condições em que se encontra e das relações entre os poderes políticos e a própria vida nasce uma compreensão da realidade que amplia os horizontes. Como Freire afirma em A Importância do ato de ler, “a leitura do mundo precede a leitura da palavra”. Essa visão permite ao educando desenvolver a indignação justa, essencial para a mudança social, que consiste na indignação orientada a situações claramente pautadas na injustiça. Assim, entender o funcionamento da sociedade é ser capaz de reconhecer o ator social responsável por cada tarefa e mover ações para pressioná-lo a agir. Falemos agora mais especificamente da “experiência de Angicos”, um dos eventos mais importantes da história da educação Brasileira. No início da década de 1960, Paulo Freire havia começado a trabalhar com alfabetização de adultos, concluindo que era necessário criar um método específico para esse grupo. Em 1963, o método freiriano de alfabetização foi testado na cidade de Angicos, composta majoritariamente por cortadores de cana. Diante da novidade, 300 moradores se inscreveram para ter aulas com Freire e seus colaboradores. A logística para ministrar as aulas dependeu da boa vontade dos habitantes da cidade, que cederam armazéns, postos de saúde e mesmo igrejas para o estudo das primeiras letras. O método era baseado em um conjunto pequeno de palavras, que possuísse exemplos dos fonemas principais da língua portuguesa, acrescidos dos termos trazidos pelas conversas com os estudantes. Depois de 45 dias na cidade e 40 horas de aula, todos os alunos sabiam ler e escrever. A metodologia experimentada em Angicos é uma das mais efetivas e estudadas do mundo quando se trata de alfabetização de adultos. No entanto, ela foi aplicada no Brasil apenas em situações episódicas. Freire foi preso pouco depois do sucesso realizado por algum tempo; foi exilado por anos e voltou ao Brasil apenas na década de 1980. O programa do Governo Federal “Brasil Alfabetizado”, ativo desde 2003, utiliza, desde a sua criação, uma abordagem bem menos efetiva do que a freiriana. A expansão da proposta de sucesso do educador pernambucano como política pública poderia ser uma solução parcial para a taxa de 6% de analfabetos que assola o país, especialmente preocupante entre idosos em solo nacional. 1 0 A U T O R E S C O R I N G A S PA R A U S A R N A R E D A Ç Ã O @PROFRAPHAELREIS 2 8 Modelo de Redação: EDUCAÇÃO DOMICILIAR O sociólogo Émile Durkheim conceituou dois termos importantes, o de socialização primária e secundária, como sendo pilares essenciais na construção dos indivíduos: família e escola, respectivamente. No entanto, muitas vezes esses seguimentos entram em embates sobre certas escolhas para a vida dos mais novos. Nesse sentido, percebe-se a presença dessa discussão quando a pauta é o ensino domiciliar, em que há a defesa da saída dos alunos das instituições escolares para terem apenas o homeschooling. Sendo assim, a partir dessas divergências, os envolvidos não enxergam que a melhor solução é o ensino com ambas as partes atuando, já que o abandono total das escolas é nocivo, e o acompanhamento familiar é totalmente benéfico. Em primeira análise, é importante ressaltar que a escola é o principal meio para o aluno ter contato com diferentes realidades e, assim, ter capacidade de entender a vida ao seu redor. Dentro dessa perspectiva, o filósofo Paulo Freire, por meio de suas análises, afirmou que a leitura do mundo precede a do livro, uma vez que a relevância de se compreender os fenômenos a que outros cidadãos estão submetidos é muito maior comparada à necessidade de priorizar o tempo todo a teoria escrita. Isso posto, fica claro que o ambiente escolar é fundamental para os pupilos terem ciência das inúmeras ramificações sociais existentes, a partir do contato com outros alunos. Dessa forma, entende-se que a retirada desse convívio gera alienação dos mais jovens. Diante disso, compreende-se que o mais viável é a conciliação dos estudos escolares com os domiciliares. Sob essa ótica, a ONG Khan Academy, organização educacional digital que oferece gratuitamente diversos conteúdos tanto teóricos quanto práticos para pessoas de vários países, surge como uma alternativa para os pais que gostariam de possuir mais controle dos conteúdos oferecidos aos filhos. Nesse sentido, o homeschooling não gerará prejuízo, apenas a intensificação da absorção de saberes por intermédio do direcionamento dado pelos mais velhos. Portanto, visando mitigar os entraves à resolução da problemática e buscando conciliar os benefícios da socialização primária e da secundária, medidas são requisitadas. Para tanto, as escolas devem realizar projetos para ampliar a dinâmica do ensino, por meio da convocação dos responsáveis pelos alunos, com o intuito de encontrar a melhor maneira de ambas as partes atuarem na educação, a fim de mostrar o papel fundamental da escola na ampliação das perspectivas sociais e de sugerir o acompanhamento dos familiares usando a Khan Academy. Assim, os dois seguimentos provocarão sucesso crítico e intelectual nos jovens. 1 0 A U T O R E S C O R I N G A S PA R A U S A R N A R E D A Ç Ã O @PROFRAPHAELREIS 2 9 7. A FILOSOFIA DE MANUEL CASTELLS APLICADA À REDAÇÃO Pare um pouco e observe o que você está fazendo: pela tela do computador, do smartphone ou de outro dispositivo, você está lendo um e-book que foi produzido por professores que, possivelmente, moram longe de você. O mesmo se repete para aulas remotas ou mesmo vídeos curtos: o acesso a esses recursos é significativamente mediado pelos dispositivos digitais. Mas aposto que não é apenas no estudo que você usa os recursos da internet. Ao longo do dia, vemos que estamosimersos no mundo virtual a todo instante: nossa comunicação com amigos e familiares não funciona mais sem WhatsApp ou outras ferramentas de mensagem instantânea; ao procurar um endereço, um estabelecimento ou um telefone, ninguém cogita olhar a “lista telefônica”, mas sim buscar no Google; cada encontro ou evento é devidamente registrado e passado para as redes, onde travamos relações com centenas – ou milhares – de pessoas. É sobre esse mundo que se debruça Manuel Castells (1942 – em atividade), sociólogo espanhol. O autor chama a atenção para o tamanho e a penetração das mudanças desencadeadas pela rápida popularização da internet. Em comparação a todas as demais revoluções nas tecnologias de informação e comunicação, nenhuma gerou tanta dependência, se espalhou tão rapidamente ou causou transformações tão significativas. Vejamos: a escrita, primeira tecnologia de registro permanente de informações, foi inventada há pouco mais de 5.000 anos na Suméria, no Oriente Médio. De lá, ela se expandiu ao longo 1 0 A U T O R E S C O R I N G A S PA R A U S A R N A R E D A Ç Ã O @PROFRAPHAELREIS 3 0 da costa do Mediterrâneo, rapidamente chegando a Cartago e Grécia, que desenvolveram seus próprios alfabetos. O Império Romano adaptou as letras e fonemas gregos à língua latina, e daí vieram os caracteres que você lê agora. A invenção de um código capaz de reproduzir a linguagem – o alfabeto – e mantê-la registrada, em vez de apenas na oralidade, foi uma das tecnologias mais impressionantes que a humanidade já inventou e, talvez, a única que se compare à internet. O livro, aos poucos, se tornou o veículo dos conhecimentos escritos – aos poucos porque, na Antiguidade Clássica e ao longo da Idade Média, os materiais necessários para um livro eram extremamente caros. Além disso, a única forma de registrar os saberes era escrevendo à mão, um ofício que só os monges puderam fazer durante muitos séculos. Um dos problemas fundamentais da difusão de informações era, portanto, o preço e a restrição de acesso aos livros. Um outro entrave, não menos importante, era a ausência de educação universal: poucos eram capazes de ler. Esses dois empecilhos começaram a ser enfrentados nos séculos XV e XVI. Na década de 1440, um alemão chamado Johannes Gutenberg inventou a prensa hidráulica – instrumento capaz de reproduzir, por meio da pressão de uma placa metálica forjada com as letras de uma lauda, qualquer número de cópias de uma mesma página. Em cinco anos, conseguiu imprimir entre trezentas e quinhentas bíblias, feito notável em uma era marcada pela lentidão da cópia manual dos monges. No século seguinte, outro alemão, Martinho Lutero, abalou o mundo com uma série de críticas à Igreja Católica que levaram ao nascimento do Protestantismo, corrente Cristã que valorizava a capacidade de leitura individual dos textos sagrados. Assim, a expansão da educação e da alfabetização da população ganhou impulso, principalmente em países protestantes. Daí em diante, a prensa foi sendo aperfeiçoada de diversas maneiras, permitindo a proliferação dos jornais e o barateamento da produção de materiais didáticos no século XVIII. O século XX viu nascer o computador e as máquinas de fotocópias, popularmente conhecidas como “xérox”, que causaram breve reviravolta no mundo da difusão da informação. Revolução mesmo começaria em meados da década de 1990, quando a internet, inventada na década anterior, chegava aos poucos às casas da população. Daí por diante, você conhece muito bem: os anos 2000 viram nascer a Wikipedia, o YouTube, o Facebook e, principalmente, o smartphone em 2007, artefato que colocou o mundo na palma das mãos. Hoje, apenas quinze anos depois da invenção desses “computadores portáteis”, há 440 milhões deles em uso em nosso país, conforme pesquisa divulgada pela FGV em maio de 2021 – isso mesmo, praticamente dois por pessoa. O acesso total à rede do brasileiro gira em torno de 74%, de acordo com o levantamento da TIC Domicílios 2019, sendo que 97% dos usuários utilizam smartphones para navegar na web. A inclusão digital é um caminho sem volta. É sobre esse cenário que Castells disserta. De acordo com o autor, tal disseminação veloz e massiva da rede mundial de computadores define nosso período como a Era Digital. Nesse contexto, a internet tornou-se rapidamente essencial em quase todos os campos da vida. Há, portanto, dependência generalizada da rede. 1 0 A U T O R E S C O R I N G A S PA R A U S A R N A R E D A Ç Ã O @PROFRAPHAELREIS 3 1 Exatamente por isso, a Era Digital cria um novo e mais profundo abismo entre grupos sociais: enquanto 74% dos brasileiros têm acesso à rede, os 26% restantes estão excluídos de todos os benefícios e possibilidades do mundo virtual. Isso implica desde o maior gasto de tempo para descobrir uma informação até a limitação dos estudos e das chances de conseguir um emprego. Assim, os excluídos digitais encontram inúmeras barreiras para gozar plenamente da cidadania e inúmeras desvantagens competitivas – no mercado e na educação, por exemplo –, tornando suas possibilidades de vida ainda mais distantes das chances obtidas por quem pode pagar pelos aparelhos eletrônicos e pela conexão, bem como possui conhecimentos para uso adequado das redes. Isso também se manifesta na diferença entre países: enquanto alguns possuem acesso extremamente restrito (o continente africano, por exemplo, tem em média 16% das pessoas conectadas), outros estão completamente integrados à rede (Na Estônia, pequeno país europeu, é possível resolver questões burocráticas e mesmo votar pela web!). Evidentemente, esse estado de coisas, relacionado à desigualdade de riquezas entre as nações, afasta ainda mais países pobres e ricos. Além disso, há uma alteração no balanço dos poderes depois da revolução da internet. O controle dos meios de produção não é mais a condição dominante de enriquecimento e ascensão, pois a capacidade de armazenar, produzir, acessar e operacionalizar com dados torna-se a nova força econômica e política. Perceba como isso está presente na sua vida: os dados que você oferece nas redes sociais são usados para direcionar propaganda personalizada às suas necessidades e vontades. A capacidade imensa de difusão de informações por disparos automáticos e impulsionamentos permite a expansão das Fake News e a formação da opinião pública com base nas ideias mais “viralizadas”. Mark Zuckerberg, dono do Facebook, Instagram e WhatsApp, não fez fortuna com fábricas ou fazendas, mas com dados. É, de fato, um novo mundo que acaba de começar. Vale ainda a pena destacar mais um aspecto da teoria de Castells: a correlação entre a rede e a democracia. De acordo com o pensador, há algumas décadas já vem ocorrendo uma crise nos sistemas democráticos, marcada pela perda de confiança da população em seus representantes e, por consequência, pela escolha de muitos de se afastarem da política. A internet ajudou a sedimentar tal crise, posto que permitiu a circulação de volumes enormes de informações (falsas e verdadeiras) que, de um lado, se tornam instrumento de fiscalização do poder público e, de outro, deixam a população desiludida com relação à solução dos problemas comuns. Nesse sentido, Castells acredita no poder da internet de revitalizar a democracia, porém, ao mesmo tempo, afirma que um povo sem educação para o uso da rede pode ter muitos problemas com essa ferramenta, notadamente a expansão descontrolada de notícias falsas. Modelo de Redação: 1 0 A U T O R E S C O R I N G A S PA R A U S A R N A R E D A Ç Ã O @PROFRAPHAELREIS 3 2 ACESSO À INTERNET NO BRASIL Durante toda a história da humanidade, a comunicação foi, e ainda é, um dos principais fatores para a evolução. Em vista disso, durante o século XV, a invenção da prensahidráulica revolucionou a forma e a velocidade com que as informações eram passadas; já na atualidade, a Revolução Técnico-Científica levou a informatividade a um nível jamais visto e a uma rapidez que impressiona até mesmo a população do século XXI. Nesse sentido, a internet passou a ser componente fundamental da sociedade, tornando-se um direito humano e uma forma de exercer a cidadania e, por isso, deve ser garantida aos brasileiros. Decerto, os avanços hodiernos constituíram uma nova configuração das relações interpessoais e econômicas. Segundo o sociólogo Manuel Castells, a era digital é a geração em que o processamento e a transmissão de dados são fontes importantes de produtividade e poder, o que cria dependência dos instrumentos tecnológicos para a ascensão de um país. Diante disso, é evidente que o Brasil não tem aproveitado o potencial e as oportunidades que a internet oferece, tanto para modernizar setores de produção, quanto para melhorar a educação dos jovens. Com isso, o contato de grande parte da população com a tecnologia fica prejudicado, e um direito é violado. Além disso, a gestão do país poderia ser facilitada se o processamento de dados fosse bem utilizado. Um exemplo disso é a Estônia, conhecida por ser uma democracia digital em que quase tudo pode ser resolvido pela rede e por ser o primeiro lugar a realizar eleições pela internet. Contudo, toda essa evolução só se torna possível graças ao empenho do Estado estoniano em tornar o acesso à tecnologia algo fácil e gratuito, por meio da disponibilização de wi-fi de qualidade em todos os ambientes públicos, integrando toda a população ao meio digital. Essa realidade é completamente diferente da brasileira, porém deve ser tomada como modelo para que os problemas da nacionalização do acesso à internet sejam resolvidos. Portanto, é imprescindível a tomada de medidas para que a inserção à rede seja democratizada. Para isso, cabe ao Ministério da Tecnologia, juntamente com as escolas, desenvolver projetos de educação tecnológica nas instituições públicas, mediante a construção de laboratórios de informática e a disponibilização de wi-fi nos ambientes escolares, pois é necessário que os jovens aprendam a usufruir da produtividade da era digital, a fim de tornar os avanços um fator de poder econômico para o Brasil. Ademais, o Ministério do Desenvolvimento Social deve garantir a instalação de internet gratuita em espaços públicos, como nos ônibus e nas praças, da mesma forma que a Estônia. Assim, o acesso à web se tornaria definitivamente democrático, e um direito humano seria assegurado. 1 0 A U T O R E S C O R I N G A S PA R A U S A R N A R E D A Ç Ã O @PROFRAPHAELREIS 3 3 8. A ANTROPOLOGIA DE DARCY RIBEIRO APLICADA À REDAÇÃO Darcy Ribeiro (1922 – 1997) foi um dos mais ativos e importantes intelectuais brasileiros do século XX. Nascido em Montes Claros, mudou-se para Belo Horizonte para estudar Medicina; porém, ao conhecer mais profundamente as disciplinas sociais, trocou seu curso e foi para a Sociologia, estudando com afinco vários campos dentro das Humanidades. Nos primeiros anos da sua vida profissional, nas décadas de 1940 e 1950, dedicou-se ao estudo aprofundado das tribos indígenas brasileiras, tendo vivido em várias comunidades autóctones do Brasil por anos – em especial, passou longo tempo entre os Guaikuru, período que lhe rendeu a escrita da obra Kadiwéu, um dos textos antropológicos brasileiros mais lidos no exterior. Trabalhou no Serviço de Proteção ao Índio (órgão que antecedeu a FUNAI) e foi um dos responsáveis pela criação do Parque Indígena do Xingu, a maior reserva do gênero no planeta, cuja manutenção é fundamental para a preservação das populações nativas e os biomas brasileiros. Em paralelo, desenvolveu diversos trabalhos no âmbito da educação, dando-lhe as condições necessárias para assumir o Ministério da Educação no Brasil entre 1962 e 1963. Sua maior realização no período foi a criação da Universidade de Brasília, até hoje uma das mais respeitadas em solo nacional. Por ocasião do golpe civil-militar de 1964, foi destituído de suas funções e, em 1968, obrigado a se exilar; no exterior, foi chamado a participar de reformas 1 0 A U T O R E S C O R I N G A S PA R A U S A R N A R E D A Ç Ã O @PROFRAPHAELREIS 3 4 universitárias em vários países, como Chile, Peru, Venezuela, México e Uruguai. Ao retornar ao país natal, chegou a ser vice-governador do Rio, ocasião em que idealizou, planejou e dirigiu a implantação dos Centros Integrados de Ensino Público (os CIEPs, apelidados de “brizolão” pelos cariocas), unidades educacionais que ofereciam alimentação, ensino regular e atividades culturais em tempo integral (esses colégios, infelizmente, foram sucateados em seguida e não cumprem mais as funções idealizadas por Darcy). Foi educador, romancista, ensaísta e político, mas, de todas as suas realizações, a maior de todas – inclusive em sua opinião – foi a publicação da obra O Povo Brasileiro. Ele levou trinta anos escrevendo e reescrevendo esse livro, uma análise histórico-antropológica da nação, e só o concluiu pouco antes de falecer (Darcy estava internado em um hospital para tratar o câncer que eventualmente o mataria, e deixou a clínica para se refugiar em Maricá e concluir seu trabalho). É sobre essa obra-prima que falaremos mais detidamente. Em O Povo Brasileiro, Darcy Ribeiro tem por objetivo fundamental responder à seguinte pergunta: Por que o Brasil não deu certo? Embora pareça partir de uma análise pessimista, Darcy entendia a necessidade de questionar a fundo as condições que tornam nosso país desigual, injusto e subdesenvolvido para, de posse dessas reflexões, sermos capazes de construir o Brasil que queremos. O autor faz um esforço sistêmico de análise de relatos e dados para pensar sobre a colonização brasileira e defender que, ao contrário do senso comum – que imagina índios e portugueses convivendo pacificamente, trocando bens e serviços –, o processo de conquista do nosso território foi extremamente violento. De maneira direta, somente chegou até nós o testemunho do opressor, do dominador; a visão dos povos nativos brasileiros sobre a vinda dos portugueses foi passada apenas oralmente entre os membros de suas tribos e subsistiu muito pouco até os dias atuais; por isso, fomos levados, enquanto nação, a acreditar por séculos que a chegada dos europeus foi seguida da subserviência dos índios, que se dobraram ao dominador e passaram a servi-lo. O Romantismo, escola literária que se desenvolveu no século XIX e foi, inclusive, patrocinada pelo imperador D. Pedro II, ajudou fortemente a criar esse mito: nos romances e poemas do período, o índio aparece como alguém que se maravilha com as vestes, os hábitos e as armas dos invasores, decidindo espontaneamente ceder sua servidão ao colonizador por considerá- lo superior. Darcy Ribeiro nos mostra que essa imagem não faz o menor sentido, mas foi construída deliberadamente, com o propósito de dar à violenta empresa colonizatória um tom justificável. Ao contrário do senso comum, indígenas combateram pelos seus territórios, resistiram à escravidão e não deixaram de lado suas crenças. Foram “irredutíveis em sua identificação étnica” e tão aguerridos quanto eram perseguidos. Em um momento inicial, houve efetivo escambo entre invasores e nativos: não conhecendo uns aos outros, a entrega de presentes de ambos os lados foi o contato primeiro entre dois mundos. Pouco depois, os portugueses passaram a se ver completamente dependentes dos índios, pois eles, homens europeus pouco 1 0 A U T O R E S C O R I N G A S PA R A U S A R N A R E D A Ç Ã O @PROFRAPHAELREIS 3 5 acostumados ao calor, aos mosquitos, aos animais da floresta e às matas fechadas, precisavam dos saberes autóctones para abrir trilhas, encontrar água ou tratar enfermidades. Esses serviços eram pagoscom objetos, que, aos poucos, perderam interesse para os índios. Foi aí que a escravidão dos nativos se iniciou com vigor: eles passaram a ser submetidos ao jugo português. Muitas estratégias, alianças, traições e covardias foram usadas nessa guerra sangrenta. Mais de uma vez os colonizadores formaram parcerias com tribos locais que tinham outra comunidade indígena como inimiga para atacarem-na em conjunto e, depois de encerrada a batalha, escravizavam aqueles que os haviam ajudado – foi o caso, por exemplo, dos Potiguara na expulsão dos holandeses do Nordeste brasileiro. As doenças, que exterminaram populações autóctones inteiras, nem sempre se espalharam em virtude do acaso: os responsáveis pela capitania de Ilhéus “presentearam” os índios locais com roupas infectadas por varíola, usando uma espécie de “arma química” no assassinato dos habitantes da região. A catequização também era um instrumento de guerra, uma vez que apartava os donos da terra dos seus valores e costumes e fragilizava a relação entre as tribos. Se a mão de obra indígena foi fundamental para o reconhecimento, a conquista e a exploração inicial do território, o trabalho africano foi responsável por gerar lucros inestimáveis à metrópole portuguesa. Tenha- se em mente que, dado o vastíssimo território brasileiro e a extensão das terras que pertenciam a cada colono, era impossível a qualquer um deles produzir por si em suas propriedades; era imperativo que houvesse mão de obra barata – no caso, escrava – para se efetivar a colonização. Assim, com a dominação portuguesa do litoral, os índios que viviam na costa foram exterminados ou forçados a migrar para o interior, demandando a escravidão negra, que gerou um comércio cruel e extremamente lucrativo pelos mares. Da mesma forma que os nativos brasileiros, os africanos trazidos à força ao território nacional também não se entregaram espontaneamente às ordens dos colonos, mas resistiram de todas as formas possíveis. Um exemplo paradigmático de revolta dos cativos ocorreu na Bahia em 1814, quando um contingente de africanos refugiados em um quilombo uniu-se a vários escravizados e juntos protagonizaram a destruição de propriedades e a morte dos “senhores”, sendo, posteriormente, duramente reprimidos. Várias outras sublevações ocorreram ao longo das eras Colônia e Império, sempre com o objetivo de alcançar a liberdade. A fuga e a formação de quilombos foram também formas de resistência continuamente empregadas. O quilombo dos Palmares, mais famosa dessas organizações, subsistiu por mais de um século e meio, alcançando cerca de vinte mil habitantes. Zumbi, líder dos resistentes no século XVII, organizou táticas de guerrilha, com ataques surpresa a engenhos cujo objetivo era libertar africanos e se apoderar de armas e itens importantes para a vida comum. Foi necessária a formação de um exército, munido, inclusive, de armas de artilharia, para vencer as forças negras que se insurgiam contra a dominação branca. Esses 1 0 A U T O R E S C O R I N G A S PA R A U S A R N A R E D A Ç Ã O @PROFRAPHAELREIS 3 6 assentamentos de fugitivos não ficavam apenas em áreas remotas; havia um grande e poderoso quilombo no centro do Rio de Janeiro, mantido firme inclusive ao longo da época do Império. Muitas foram as consequências dessa forma de colonização. Primeiramente, vale destacar a cultura nacional construída em uma dicotomia de valores: de um lado, os senhores, que não trabalham; do outro, os cativos, a mão de obra. Isso formou um pensamento, até hoje presente no Brasil, de que o trabalho manual é indigno e inferior; a elite do país vive com essa ideia até atualmente, considerando que as funções práticas devem ser terceirizadas a outras pessoas, de preferência, cuja atividade seja barata. Nesse campo, temos também heranças perversas da nossa formação: os senhores e poderosos fizeram do Brasil um moinho de gastar gente, no dizer de Darcy Ribeiro: a população, para eles, “não constitui um povo, mas uma força de trabalho, ou melhor, uma fonte energética desgastável nas façanhas empresariais”. Até este momento, impera na mentalidade elitista nacional a ideia de que os empregados não devem ter direitos, mas sim dedicar-se por completo às demandas dos patrões, baseada em um preconceito classista profundamente arraigado. O medo constante das revoltas, intensificado pela imensa quantidade de cativos no Brasil, deixava os senhores em pânico: “…as elites dirigentes, primeiro lusitanas, depois luso- brasileiras e, afinal, brasileiras, viveram sempre e vivem ainda sob o pavor pânico do alçamento das classes oprimidas”. O resultado disso foi repressão constante e a preparação dos brancos para o combate iminente a negros e índios. Da mesma forma, contemporaneamente, qualquer manifestação popular é vista com desconfiança, de modo que o Poder Público tende a reprimir, com agressividade, qualquer protesto – haja vista, inclusive, as preocupações recentes do governo brasileiro e a menção a uma possível volta do AI-5, mecanismo repressor outorgado durante da ditadura civil-militar. Finalmente, percebemos que a nossa formação foi totalmente pautada na violência, em todos os momentos da História brasileira, desmentindo o mito comumente aceito de que somos uma nação pacífica e oferecendo importantes reflexões para pensar esse fenômeno na contemporaneidade. Esse processo de formação inevitavelmente marcou a identidade da jovem nação brasileira. O ponto fundamental discutido por Darcy Ribeiro é o fato de que temos três matrizes étnicas de formação: europeia, africana e indígena. A primeira delas, branca, é praticamente portuguesa, pois, mesmo nosso país tendo recebido levas significativas de migrantes de outros países, a cultura, as instituições e os hábitos mais marcantes do país são de origem lusitana; a segunda é formada por uma miríade de povos originários do continente africano, falantes de línguas diversas, crentes em religiões múltiplas e cada um com suas características próprias; a última é construída pelas centenas de etnias indígenas presentes em território verde e amarelo, tão diversas quanto a nação é extensa. Porém, diante dessa multiplicidade de vidas e culturas, ao longo da formação do Brasil, houve um privilégio dado à herança da matriz europeia e um apagamento dos traços das duas outras vertentes, formando um povo com dificuldades de encontrar a si mesmo. 1 0 A U T O R E S C O R I N G A S PA R A U S A R N A R E D A Ç Ã O @PROFRAPHAELREIS 3 7 Darcy Ribeiro aponta a mestiçagem como a origem da brasilidade. Nesse aspecto, o primeiro habitante do país com consciência da sua condição foi o mameluco, indivíduo nascido da união entre um português e uma índia. Quando os invasores chegaram às nossas terras, somente com homens embarcados nos navios, eles rapidamente se relacionaram com as mulheres autóctones, formando uma geração de híbridos com identidade nula. Eles sofreram uma dupla negação: não eram plenamente reconhecidos pelos seus pais, uma vez que, não sendo europeus, não eram considerados por seus genitores paternos nada além de uma mão de obra valiosa e fruto ocasional de investidas “amorosas”. Ao mesmo tempo, as tribos tupi que primeiro se relacionaram com os europeus viam os rebentos como pertencentes aos pais homens, de modo que os nascidos da união entre dois mundos não eram aceitos como membros das tribos de suas mães, elas mesmas, em larga medida, desgarradas de seus povos originais. Em outro campo, o nascimento de negros, filhos de africanos entre si ou africanos com brasileiros, dava origem a uma geração brasileira. Isso ocorria porque, completamente apartados das terras de origem dos seus pais, os negros nascidos no Brasil não tinham outra alternativa senão aprender o português, a língua do colonizador.Afastados de seus lugares e ritos sagrados, absorveram rapidamente o Cristianismo. Porém, da mesma forma que os mestiços brasilíndios, essas populações mantinham a força de suas tradições marcadas na construção de uma cultura brasileira: as línguas africanas, principalmente do ramo Banto, exercem influência profunda em nosso idioma e sotaque, desde a sintaxe até a pronúncia das vogais, enquanto a integração deles ao catolicismo foi fortemente marcada pelo sincretismo com as crenças tradicionais africanas (a umbanda, por exemplo, uma religião brasileira, é construída por traços cristãos e iorubá). Vários expedientes foram usados para violentar as culturas indígenas e negras no Brasil. Um deles foi o processo de generalização: todos os grupos que eram aliados dos portugueses eram chamados “tupi”, enquanto qualquer outro que não se dobrasse à dominação eram “tapuias” (ou inimigos); essa categorização simplista escondia as centenas de grupos diferentes na nação e reverbera até hoje. Da mesma maneira, todos os africanos trazidos ao Brasil eram considerados “da Guiné”, um dos portos de onde embarcavam os cativos; porém, havia indivíduos de diversas etnias e regiões distintas, trazendo ao Brasil dezenas de crenças e infindos costumes típicos de cada povo. Outra técnica utilizada era a separação dos membros de mesmas etnias ou a motivação de conflitos entre eles. Portugueses se uniram com nativos para atacar rivais históricos, só para depois dominar seus antigos aliados; os negros levados à fazenda eram, via de regra, de localidades distintas, a fim de impedir que a unidade linguística e cultural os colocasse em conjunto contra o dominador. A proibição das práticas de cada grupo (das pajelanças e calundus dos índios e dos diversos rituais africanos) bem como a catequização compulsória também contribuíram para que nosso país, aos poucos, construísse um sistema de valor que desprezava as culturas negras e nativas enquanto colocava falsamente a matriz branca como a única formadora da nossa identidade. Por essa razão é tão difícil discernir uma cara para o 1 0 A U T O R E S C O R I N G A S PA R A U S A R N A R E D A Ç Ã O @PROFRAPHAELREIS 3 8 Brasil: facetas de imensa importância na sua construção foram não apenas ignoradas, mas deliberadamente destruídas. Modelo de Redação: DIVERSIDADE BRASILEIRA Após a Independência do Brasil em 1822, ascendeu o Romantismo, um movimento artístico e literário que buscou criar uma identidade comum a todos os brasileiros. Nessa perspectiva, José de Alencar foi fundamental ao idealizar, em suas obras, a figura do índio, elevando-o à categoria de herói nacional, e exaltar a exuberante natureza local. Porém, um dos grandes desafios do escritor, presente também nos dias de hoje, é a dificuldade de abranger a pluralidade de povos que se estabeleceram no país. Assim, urge valorizar a diversidade cultural no Brasil, ainda desconhecida pela maioria da população. É fato que a cultura brasileira apresenta um caráter plural, decorrente de um processo de múltiplas interações. Nesse sentido, Darcy Ribeiro, em sua obra “O Povo Brasileiro”, destaca a formação da matriz identitária composta por índios, negros e portugueses. O renomado antropólogo afirma, também, que durante séculos houve, no Brasil, a valorização de uma cultura autointitulada superior em detrimento de outras consideradas inferiores, reflexo do período colonial e sua característica exploratória, concluindo, assim, que o desconhecimento da história leva ao não pertencimento do indivíduo à identidade cultural nacional. Além disso, o caráter plural do patrimônio brasileiro não é abordado na maioria das escolas. A criação de uma lei que definisse como obrigatória a adoção, no currículo escolar, da multiplicidade cultural já ocorreu. Entretanto, quer pelo desconhecimento, quer pela falta de capacitação dos professores, isso não acontece e, dessa maneira, a formação de jovens que valorizam e se orgulham de suas raízes culturais é prejudicada. Portanto, medidas que visem retomar o ideal do movimento romântico, valorizando a diversidade cultural, devem ser tomadas. Desse modo, cabe ao Estado investir em educação de qualidade, pautada na capacitação de professores, por meio de palestras e debates públicos, para que esses profissionais conheçam a história identitária do país e possam transmiti-la aos jovens, a fim de promover, como corroborado por Darcy Ribeiro, o sentimento de pertencimento do cidadão. Somente assim será possível compreender e valorizar a diversidade cultural do país. 1 0 A U T O R E S C O R I N G A S PA R A U S A R N A R E D A Ç Ã O @PROFRAPHAELREIS 3 9 9. A GEOGRAFIA DE MILTON SANTOS APLICADA À REDAÇÃO Milton Santos (1926-2001) é o mais conhecido e prestigiado geógrafo brasileiro. Nasceu no interior da Bahia em uma família de professores, aprendendo desde cedo as primeiras letras. Foi para um colégio interno aos 10 anos, onde começou a se destacar e mesmo dar aulas a partir dos 13. Despertou, então, um interesse genuíno pela Geografia. Formou-se em Direito na Universidade Federal da Bahia, mas não se interessou pelo exercício da profissão: atuou como jornalista, professor e pesquisador. Na década de 1950, foi convidado a realizar seu doutorado na França, onde morou por três anos. De volta ao Brasil, realizou diversos trabalhos ligados à área da Geografia e se preparou para ingressar como professor na mesma universidade em que se formou; contudo, o golpe militar de 1964 frustrou seus planos. Ele foi encarcerado por algum tempo, sofreu um AVC na prisão e, em seguida, cumpriu seis meses de reclusão domiciliar, impedido de deixar o país; depois disso, aceitou um dos diversos convites do exterior para atuar como docente – só para se ter uma ideia, Milton deu aulas em Sorbonne, Toulouse-Le Mirail, Columbia, Toronto e MIT; trabalhou para a ONU em diversos países e para a Organização Internacional do Trabalho na América Latina. Esteve em franco diálogo com intelectuais de todo o mundo e publicou artigos e livros em outras línguas – alguns dos quais, até hoje, permanecem sem tradução para o português. Vivenciou na pele o racismo em diversos momentos de sua vida, com destaque para o período de nove dias em que esteve como professor do University College London. Devendo permanecer um ano no país, não conseguiu encontrar moradia – os proprietários não 1 0 A U T O R E S C O R I N G A S PA R A U S A R N A R E D A Ç Ã O @PROFRAPHAELREIS 4 0 aceitavam alugar residências naquela área para um negro. A universidade, tampouco, lhe prestou qualquer auxílio para encontrar onde morar, forçando-lhe a partir. Mesmo lidando com dificuldades terríveis, como o exílio e o racismo, as contribuições que Milton desenvolveu ao longo de sua vida para o pensamento social são inestimáveis: prova disso foram os dezesseis doutorados honoris causa que ganhou em vida, bem como o prêmio Vautrin Lud, em 1994, prêmio mais importante da área e considerado o Nobel da Geografia. Foi o único latino-americano que já recebeu a horaria até hoje e o único negro até 2017. Para Milton Santos, o espaço não poderia ser definido exclusivamente pela paisagem ou pelas construções existentes; ele é, na verdade, um conjunto indissociável de objetos e relações. Isso significa que as ações executadas em cada local, a relação afetiva, econômica e social que os habitantes têm entre si e em relação ao espaço e, finalmente, a relação do lugar com outros ambientes determinam, em conjunto, o sentido de cada localidade. Podemos pensar nesses termos quando refletimos, por exemplo, sobre uma praça ou um parque na sua cidade. Se for um ambiente público abandonado, mal iluminado e perigoso aos passantes, ele será totalmente diferente de um local com presença maciça de pessoas e atividades. No primeiro caso, o espaço oferecerá, talvez, medo às pessoas e a sensação de estranhamento,ficará exposto à prática de crimes e atividades prejudiciais à sociedade e terá uma imagem, entre a população, negativa, o que define, em última instância, o seu sentido social. Quando uma praça é aproveitada, por outro lado, para atividades de interesse coletivo, como feiras ao ar livre, apresentações artísticas e culturais ou mesmo conversas entre amigos, estando frequentemente ocupada, sua função na sociedade é completamente diferente e a percepção dos habitantes é positiva – em muitos casos, a praça é, de fato, o espaço prioritário de lazer e diversão, principalmente em cidades de pequeno porte, sendo um ambiente de encontro. Eis um bom exemplo para compreendermos como o espaço se define não só pelos bancos, barracas de lanches ou árvores presentes, mas, principalmente, pelas relações estabelecidas em seu interior e entre ele e outros locais da cidade. Podemos, ainda, pensar sobre a situação de comunidades periféricas em que o narcotráfico ou a milícia assumem o domínio local. Há características infraestruturais, como a ausência de serviços básicos (saneamento, luz elétrica, asfaltamento) e a precariedade de boa parte das moradias; porém, só se pode entender as favelas dominadas pelo poder paralelo quando levamos em consideração a situação de abandono dos moradores, a ausência histórica e insistente do Estado, a possibilidade de emersão de um líder (pelo carisma, pelo auxílio aos moradores ou pela violência), a construção de redes de contato, trabalho coletivo e proteção mútua e, por fim, a própria identidade da comunidade diante dos outros espaços da cidade, marcada, via de regra, pelo status da marginalidade. Com este segundo exemplo, percebemos claramente a importância da noção de espaço para Milton Santos e, ainda, damos alguns passos para compreender um conceito de vital importância para o eminente geógrafo brasileiro: as relações entre centro e periferia. Veja bem: Milton foi o primeiro a formular a ideia (que você verá mais profundamente ainda nesta aula) de que a urbanização brasileira foi tardia e acelerada, gerando, como consequência, inviabilidade de ampliar a oferta de serviços e condições de vida para a imensa gama de 1 0 A U T O R E S C O R I N G A S PA R A U S A R N A R E D A Ç Ã O @PROFRAPHAELREIS 4 1 pessoas que desaguavam nos centros urbanos. As populações mais pobres e sem condições acabaram por ocupar as áreas periféricas, onde os custos eram mais baixos e os serviços, precários ou inexistentes. Isso pode parecer um desdobramento direto da desigualdade do país; porém, para Milton, esse modelo amplia as diferenças sociais existentes e cria mais pobreza. Vamos entender como isso funciona. A princípio, podemos pensar nos espaços periféricos como, eles mesmos, bolsões de pobreza. Pensemos em um local sem saneamento básico, sem luz e sem atendimento à saúde. A falta desses direitos fundamentais é, em si mesma, uma marcação da pobreza, uma vez que ser pobre não significa apenas não possuir rendimentos adequados, mas também não ter acesso aos requisitos básicos para uma vida digna. Assim, o morador dessa comunidade estará exposto a doenças (como cólera, leptospirose e esquistossomose) em decorrência da ausência de esgoto tratado; não poderá estender atividades diárias para além do pôr do sol, exceto se com o uso de velas; e não terá meios de ser atendido com prontidão em casos de doenças ou dores incapacitantes, exigindo-se um deslocamento difícil e custoso aos enfermos. Porém, o processo de ampliação e criação da pobreza vai ainda além disso, pois a relação centro-periferia é sempre uma relação entre um espaço com ampla circulação de capitais e serviços e um desprovido dessas benesses. Por isso, via de regra, o morador de um bairro mais pobre, afastado do centro, precisará circular pelas regiões centrais da cidade se quiser trabalhar, ir ao médico ou resolver assuntos burocráticos. Para chegar ao centro, será necessária uma longa caminhada – muitas vezes praticamente impossível de ser feita – ou o pagamento de passagens; dos dois modos, há subtração de tempo do periférico, que não precisaria ocorrer se as ofertas de emprego e serviços estivessem disponíveis na sua localidade de origem. Caso se trate de um emprego na região central, parte do salário do morador da periferia estará sempre comprometido, bem como uma, duas ou até três horas de ônibus ou outros meios, para ir e voltar. Não raro ouvimos pessoas dizerem que vão “tirar o dia para ir à cidade”, pois, dado o preço e o desgaste do deslocamento, aqueles que habitam longe da região central tiram um dia para resolver o máximo de questões possível na localidade com serviços e possibilidades disponíveis. Essa situação faz com que o morador da periferia consuma seus recursos e suas energias no trânsito para as áreas endinheiradas, limitando suas possibilidades de crescimento pessoal e econômico. Ela é tão marcante que faz com que alguns prefiram morar na rua: uma reportagem do G1 em 2017 mostrou como pessoas que pagavam aluguel decidiram passar a dormir nas calçadas da cidade, pois o preço da moradia e do transporte consumia praticamente todos os seus recursos; assim, pessoas com carteira assinada têm optado por viver sem a segurança de um teto, uma vez que a organização da cidade em centro- periferia drena tudo o que os moradores periféricos têm disponível. A periferia, inclusive, está sempre em expansão: quando o mercado imobiliário e os donos do dinheiro nos ambientes urbanos miram uma área para ser valorizada, são feitos investimentos em construções, áreas de lazer e lojas de padrão financeiro altíssimo; isso eleva o custo de vida 1 0 A U T O R E S C O R I N G A S PA R A U S A R N A R E D A Ç Ã O @PROFRAPHAELREIS 4 2 na região, incluindo aluguéis, IPTU e valores dos produtos, fazendo com que a parcela mais pobre residente ali seja compelida a se mudar. Para além do ambiente urbano, também são criadas relações centro-periferia entre cidades, estados e países. É possível dizer que há cidades periféricas às grandes urbes e paí- ses periféricos às nações ricas, situação que ganhou força imensa com o processo de globalização. Essas relações, em todas as suas dimensões, são marcadas pela submissão das periferias ao centro, de modo que elas apenas oferecem o que é demandado pelos espaços com maior circulação de capital. Dentro das cidades, vimos como um bairro afastado acaba sendo repositório de mão de obra, principalmente, para serviços nas regiões centrais; em termos de nações, fenômenos semelhantes se dão: os países mais pobres acabam criando espaços derivados, ou seja, locais construídos ou modificados não para atender as necessidades de sua população, mas sim as demandas das áreas centrais. Um entre muitos exemplos que podem ser citados é a produção de soja no Brasil; o grão, maior produto agrícola do país, não é usado para consumo interno, mas para exportação em larga escala. Seu cultivo ocupa 35 milhões de hectares, uma área do tamanho da Alemanha, e é realizado para satisfazer necessidades dos países compradores. 1 0 A U T O R E S C O R I N G A S PA R A U S A R N A R E D A Ç Ã O @PROFRAPHAELREIS 4 3 Modelo de Redação: MOBILIDADE URBANA Na década de 1960, o então presidente Juscelino Kubitschek botou em prática um amplo plano de implantação do modelo rodoviário de transporte, investindo em rodovias por todo o país e incentivando a produção e importação de veículos. Na época, o ideal automobilístico era visto como exemplo de modernização; contudo, décadas depois, os problemas dessa hipertrofia de automóveis são vistos com clareza no Brasil, pois os centros urbanos ficam paralisados por congestionamentos terríveis, prejudicando a todos e, principalmente, os moradores de áreas periféricas. Em primeira análise, é preciso compreenderos problemas diretos decorrentes da grande quantidade de carros nas ruas. Nesse sentido, é importante perceber que a escolha pela locomoção individual faz com que haja muitos veículos nas vias, inviabilizando uma velocidade adequada do tráfego e o pleno usufruto do direito à cidade. Nas piores situações, congestionamentos paralisam as grandes urbes brasileiras por longas extensões: São Paulo já chegou a ter quase 350 quilômetros de ruas paradas por causa do número de automóveis em circulação. A opção mais adequada para evitar esses problemas seria a adesão maciça ao transporte coletivo, que, infelizmente, não ocorre pela baixa qualidade do serviço oferecido. Como consequência da desgastante lentidão do tráfego nos grandes centros, os moradores das zonas periféricas sofrem com o simples deslocamento ao trabalho. Compelidos a tomar ônibus ou outras conduções, que não são oferecidas pelas prefeituras de maneira satisfatória e compatível com as necessidades da população, são obrigados a permanecer horas esperando para chegar ao serviço e voltar às suas casas. Dentro dessa perspectiva, a relação com o transporte entre os mais pobres é um exemplo do que o geógrafo Milton Santos denuncia como a relação centro-periferia, em que as áreas afastadas das zonas mais ricas são pouco providas de postos de trabalho e seus habitantes são forçados a se deslocar com frequência às regiões centrais, enfrentando transporte de baixa qualidade e tráfego intenso para trabalhar. Portanto, é fundamental resolver os problemas de deslocamento nos centros urbanos para garantir melhor qualidade de vida a todos. Para isso, é necessário que a população faça a sua parte e realize uma adesão em massa ao transporte coletivo, que comporta mais pessoas ocupando menor espaço nas vias. Por outro lado, em paralelo, cabe às prefeituras a implantação de redes de condução públicas de qualidade, por meio da análise cuidadosa do trânsito diário de pessoas e das ruas mais congestionadas, com foco principal em integrar satisfatoriamente os moradores de comunidades periféricas, para que seja possível circular pelas urbes sem o imenso consumo de tempo que vigora hoje. Dessa maneira, o legado de Juscelino Kubitschek poderá ser melhor aproveitado pelos habitantes de cidades inteligentes, que usam as vias em benefício de todos. 1 0 A U T O R E S C O R I N G A S PA R A U S A R N A R E D A Ç Ã O @PROFRAPHAELREIS 4 4 10.AILTONKRENAK APLICADO À REDAÇÃO Aílton Krenak (1953-) é uma das mais proeminentes lideranças indígenas da atualidade. Nascido em Minas Gerais e pertencente a uma população que vive às margens do Rio Doce, sua biografia é repleta de ações que foram fundamentais na luta por maior dignidade para as populações nativas do país. Atuou como produtor gráfico, jornalista, educador e fomentador cultural. A partir da década de 1980, Aílton passou a dedicar-se integralmente à causa dos autóctones. Idealizou, juntamente com Chico Mendes, ambientalista reconhecido internacionalmente, a Aliança dos Povos da Floresta, iniciativa que uniu índios, seringueiros, pequenos pescadores e outras comunidades que viviam com os recursos disponíveis nas florestas para a integração e exploração sustentável do meio. Essa iniciativa recebeu validações positivas no Brasil e no exterior e, embora não esteja em funcionamento da mesma maneira que foi criada, permitiu a conexão, a integração e o trabalho conjunto entre diversos povos tradicionais, tendo frutos até o presente na organização das comunidades nativas do território nacional. Fundou o Núcleo de Cultura Indígena, organização não governamental ainda em atividade na Serra do Cipó́. Essa iniciativa teve o objetivo de fomentar a produção cultural, conectar agentes de cultura de diversos contextos e divulgar a produção realizada pelas comunidades tradicionais do país. No ano de 1987, Krenak participou da Constituinte (processo de construção de uma Constituição para o Brasil), quando fez um dos mais intensos discursos da história do Congresso Nacional com a face pintada com a tinta de jenipapo, típica forma de demonstração de luto e indignação, denunciando o desrespeito sistêmico para com os autóctones do país. A partir dos anos 1990, teve livros publicados, fez parte da produção de documentários e passou a ser convidado para diversas entrevistas e eventos acadêmicos. Em um deles, em 1 0 A U T O R E S C O R I N G A S PA R A U S A R N A R E D A Ç Ã O @PROFRAPHAELREIS 4 5 Portugal (2015), expôs as suas “Ideias para adiar o fim do mundo”, nome dado a uma publicação posterior: para ele, a ganância humana se utiliza de modo completamente ilógico dos recursos disponíveis, de modo que, no futuro, aquilo que seria considerado a natureza restará apenas em alguns locais recônditos, como um souvenir do passado. Ele discute a tendência contemporânea de homogeneizar tudo e contar sempre as mesmas narrativas, apagando formas diversas de subjetividades – como aquelas que ordenam a vida dos muitos povos indígenas, cada um com suas crenças e formas de ver o mundo. Adiar o fim dos tempos é reconhecer que nós, humanos, somos também natureza, e dar a nós a oportunidade de contar sempre novas histórias. Sua atuação se estende à questão ambiental, dado que a preservação das áreas de ocupação das populações tradicionais garante a manutenção do hábitat de espécies vegetais e animais. Dentro desse escopo, a aldeia Krenak foi violentamente afetada por um dos maiores crimes ambientais do Brasil: o rompimento da barragem da Samarco, em Mariana. O Rio Doce, considerado pelos nativos locais como uma entidade sagrada, na qual colhiam água para beber, pescavam o seu alimento e navegavam para se locomover, deixou de ser a fonte da aldeia, que passou a ser abastecida por caminhões-pipa. Em 2018, no documentário “Guerras do Brasil”, disponível na Netflix, afirmou com dureza: “Nós estamos em guerra. O seu mundo e o meu mundo estão em guerra nesse momento”. Ele critica a “falsificação ideológica” dos nossos tempos, que finge não haver conflito entre a nossa civilização e as populações indígenas. Na opinião de Aílton, há guerra em todo lugar, o tempo todo, e os povos autóctones estão, hoje, extremamente ameaçados por um ocidente globalizado que insiste em se expandir. Modelo de Redação: O RESPEITO ÀS CULTURAS INDÍGENAS Os povos nativos do Brasil constituem uma parte fundamental da formação nacional e desde o período das Grandes Navegações sofreram com a violência e a perseguição a suas culturas. Sabe-se que a colonização portuguesa da América, no século XVI, foi marcada pela escravização da mão de obra indígena, o que levou à diminuição dessa parcela da população devido às agressões sofridas. Além disso, o eurocentrismo imposto fez com que inúmeros costumes e tradições fossem anuladas. Dentro dessa perspectiva, os acontecimentos históricos fizeram com que o desrespeito e a desvalorização do índio, bem como os conflitos e ataques contra esses povos, se perpetuassem na contemporaneidade, fazendo-se necessárias medidas para combater tal problemática. Em primeira análise, deve-se ressaltar a importância do povo nativo para a constituição da identidade nacional. Segundo o antropólogo Darcy Ribeiro, a matriz étnica do Brasil é 1 0 A U T O R E S C O R I N G A S PA R A U S A R N A R E D A Ç Ã O @PROFRAPHAELREIS 4 6 composta pela mestiçagem entre brancos, negros e índios, porém a vertente europeia se sobrepôs às demais de forma violenta e opressora, fazendo com que parte da cultura brasileira fosse subjugada. Dessa maneira, a sociedade não legitima as heranças e os valores deixados por esses povos, o que também dificulta a compreensão sobre sua relevância e a necessidade das lutas indígenas por direitos mais justos. Além disso, as terras de propriedade indígena são desrespeitadas e invadidas no Brasil. A Constituição de 1988 prevê a demarcaçãode terras indígenas, visando à manutenção das tradições e o bem-estar nas comunidades, contudo, devido à atual expansão do agronegócio, as propriedades ocupadas pelos povos autóctones têm sido atacadas por fazendeiros. Ratifica-se, assim, a afirmação do ativista e educador Aílton Krenak, segundo o qual existe uma guerra acontecendo neste momento contra as populações tradicionais, mesmo que esse massacre não receba tanta evidência midiática. Portanto, sabendo que a matriz étnica indígena é parte importante da formação brasileira, são necessárias medidas no que tange à maior proteção e valorização desses povos. Nesse viés, cabe ao Ministério da Família e Direitos Humanos e à Fundação Nacional do Índio (FUNAI) assegurar a ocupação devida das terras, por meio de maior fiscalização das áreas habitadas e também de demarcações de mais regiões, pois esse é um direito constitucional básico, a fim de garantir que as tribos tenham seu espaço de pertencimento seguro e sem guerras. Finalmente, as escolas devem realizar estudos mais profundos sobre as heranças indígenas, para que se promova a valorização de tais povos e se apaguem as heranças funestas da época da colonização. 47 1 0 A U T O R E S C O R I N G A S PA R A U S A R N A R E D A Ç Ã O @PROFRAPHAELREIS 4 8 1. Tamanho dos períodos: Para escrever um bom texto dissertativo-argumentativo, é fundamental pensar na organização de cada parágrafo, o que inclui ter atenção no tamanho dos períodos escritos. Dessa forma, em uma redação para um concurso público, não é recomendável a construção de períodos demasiadamente longos, porque isso pode comprometer a coesão textual e, consequentemente, a própria compreensão do texto, além de criar mais condições para a ocorrência de desvios gramaticais, tais como emprego de pontuação incorreta, erros de concordância etc. Leia o fragmento a seguir: No fragmento de redação anterior, vê-se que o aluno construiu o parágrafo baseando-se num período que, além de ser o único do parágrafo, é bastante longo, contendo cinco linhas. Como é possível notar no trecho em questão, houve um desvio referente ao emprego da vírgula após a conjunção adversativa “contudo”, pois é sabido que só é possível isolar entre vírgulas conjunções adversativas, como o “contudo”, se elas estiverem deslocadas da posição original (entre as orações as quais liga), o que não é o caso. O período longo pode ter contribuído para a confusão com relação à regra de pontuação, gerando o erro. Por outro lado, não é adequado formar períodos excessivamente curtos, uma vez que esse tipo de construção deixa o texto muito fragmentado, prejudicando a coesão e dificultando o entendimento. Como resolver? Escrever as ideias que são relacionadas em um mesmo período (respeitando a sequência lógica: introdução da ideia do parágrafo, desenvolvimento dessa ideia e, por fim, conclusão) e, ao concluir aquela ideia, dar início a novo período, de preferência, empregando conectivos que possam garantir a ligação entre as partes do texto, favorecendo tanto a coesão quanto a coerência. Dessarte, será possível escrever períodos com tamanhos adequados. 1 0 A U T O R E S C O R I N G A S PA R A U S A R N A R E D A Ç Ã O @PROFRAPHAELREIS 4 9 2. Quantidade de períodos no parágrafo: A fim de que a ideia proposta para cada parágrafo de um texto dissertativo-argumentativo seja desenvolvida de modo completo, o parágrafo deve ser composto por introdução da ideia central do parágrafo em questão, desenvolvimento dessa ideia e conclusão/fechamento. Partindo-se dessa premissa, pode-se afirmar que não é adequado organizar o parágrafo com um único período e que a sequência apresentada para a construção do parágrafo leva à necessidade de elaboração de aproximadamente três períodos, os quais trarão ideias que se agregarão às outras de modo coeso e organizado. Veja: No exemplo anterior, vê-se que o aluno organizou o seu parágrafo de introdução em um único período, no qual não houve respeito às etapas clássicas (introdução-desenvolvimento- fechamento), uma vez que não se desenvolve brevemente o assunto apresentado no parágrafo. Dessa maneira, o parágrafo, escrito com tamanho reduzido, acabou deixando a desejar quanto à qualidade da informação apresentada. 3. Quantidade de linhas por parágrafo: De fato, não há uma quantidade fixa de linhas que devam compor os parágrafos do texto dissertativo-argumentativo. O que se sabe é que, sendo os parágrafos de argumentação os mais importantes desse tipo textual, é natural que eles sejam um pouco maiores que os de introdução e conclusão. Dessa maneira, é pertinente escrever mais ou menos a mesma quantidade de linhas em cada parágrafo argumentativo, bem como é adequado compor tanto a introdução quanto a conclusão com um número aproximado de linhas escritas. Em um texto de 26 linhas e quatro parágrafos, por exemplo, têm-se, aproximadamente, cinco linhas de introdução, oitos linhas em cada parágrafo de desenvolvimento (argumentação) e cinco linhas de conclusão. Veja o exemplo: 1 0 A U T O R E S C O R I N G A S PA R A U S A R N A R E D A Ç Ã O @PROFRAPHAELREIS 5 0 O exemplo em questão mostra um parágrafo de desenvolvimento demasiadamente longo, com doze linhas, ao passo que a conclusão é excessivamente curta, apresentando apenas duas linhas. Como o aluno construiu uma argumentação prolongada, restou pouco espaço para tecer sua conclusão, deixando-a, de certo modo, superficial. 4. Repetições excessivas: Muitos incorrem na repetição frequente de determinados termos ao longo do parágrafo e/ ou do texto, o que deixa a leitura exaustiva. Por mais que um vocábulo seja primordial no assunto discutido, é essencial ter atenção na possibilidade de emprego de variados recursos coesivos, os quais permitirão a realização das referenciações necessárias sem ocorrer repetição excessiva de termos. Nesse viés, pode-se lançar mão de recursos, tais como: emprego de elementos de referência (emprego de pronomes pessoais, demonstrativos e possessivos); elipse de termo (omissão que pode ser recuperada pelo contexto); coesão lexical (utilização de vocábulo que reitera outro já dito no texto por meio da utilização de sinônimos, hiperônimos, hipônimos ou termos genéricos). Veja: “Na história do Brasil, a conquista do direito de voto feminino se deu em 1932. Essa conquista foi um importante marco na luta por igualdade de direitos.” No exemplo dado, o aluno citou o “a conquista do direito de voto feminino” na primeira frase e, para não repetir o mesmo termo, usou apenas “essa conquista” na segunda frase, 1 0 A U T O R E S C O R I N G A S PA R A U S A R N A R E D A Ç Ã O @PROFRAPHAELREIS 5 1 empregando, assim, o pronome demonstrativo “essa”, que faz adequadamente a anáfora (referência a termo anterior), sem haver uma repetição enfadonha. Veja outro exemplo: “Nesse caso, o Estado deve adotar medidas que sejam capazes de coibir efetivamente os casos de violência contra a mulher, criando, por exemplo, mais delegacias especializadas. Além disso, o Poder Público precisa investir na formação e no aperfeiçoamento dos profissionais da área de segurança (...)”. No trecho anterior, na segunda frase, a repetição foi evitada com o emprego correto do termo “Poder Público”, o qual substituiu o “Estado” por meio de um processo de coesão lexical. ATENÇÃO! Convém ressaltar que a repetição não é proibida, muitas vezes ela é até necessária e desempenha papel importante, de modo que é o seu excesso que não é bem avaliado pelas bancas. Ademais, utilizar um vocabulário preciso, sem repetições, pode demonstrar ao examinador que o texto possui propriedade vocabular. 5. Paralelismo sintático: Para que haja paralelismo sintático, é preciso ocorrer o encadeamento de estruturas sintáticas semelhantes em uma enumeração: termo + termo, oração reduzida + oração reduzida,oração desenvolvida + oração desenvolvida, conjunção coordenativa + conjunção coordenativa, conjunção alternativa + conjunção alternativa. Quando uma enumeração apresenta itens de classes gramaticais diferentes, há erro de paralelismo sintático.Veja: “Ficou feliz por ter sido aprovado e porque vai mudar de cidade.” No exemplo anterior, foram enumeradas uma oração reduzida e uma desenvolvida, de modo que houve quebra de paralelismo. O adequado seria: Ficou feliz porque foi aprovado e porque vai mudar de cidade. oração desenvolvida + oração desenvolvida Veja outro exemplo: “Ele é uma pessoa boa e que tem humildade.” No dado exemplo, ocorreu a enumeração de termo e oração. O correto, no caso, seria: Ele é uma pessoa boa e humilde. termo + termo 1 0 A U T O R E S C O R I N G A S PA R A U S A R N A R E D A Ç Ã O @PROFRAPHAELREIS 5 2 6. Emprego de siglas: No texto dissertativo-argumentativo, é correto o emprego de sigla desde que, na primeira vez em que se fizer referência a ela, o seu significado seja escrito por extenso. Assim, nas outras vezes em que a referência for feita, é possível usar somente a sigla. Entenda: “O artigo 5º da Constituição Federal (CF) afirma que “todos são iguais perante a lei” (...) Conforme expresso na CF, (...).” No fragmento em questão, o aluno empregou, primeiramente, o nome Constituição Federal por extenso para, em seguida, utilizar somente a sigla CF. É muito comum encontrar redações que as bancas penalizaram por erro de grafia o aluno que usou a sigla diretamente, isto é, sem expressar seu significado antes. Vale lembrar que as siglas não apresentam ponto após a letra e que o plural é sinalizado com um “s” minúsculo sem o uso de apóstrofo. Veja: Organizações não governamentais (ONGs) 7. Vírgula em orações antepostas ou intercaladas: A vírgula deve ser empregada quando há o deslocamento de uma oração para posição anterior à da oração principal ou quando ocorre a intercalação de oração. Entenda: Exemplo 1: O projeto foi bem recebido quando foi apresentado na empresa. (oração principal + oração subordinada adverbial temporal) Anteposição da oração: Quando foi apresentado na empresa, o projeto foi bem recebido. (emprego obrigatório da vírgula) Intercalação da oração: O projeto, quando foi apresentado na empresa, foi bem recebido. (emprego obrigatório das vírgulas) Exemplo 2: O planejamento está sendo minucioso para dar certo. (oração principal + oração reduzida de infinitivo) 1 0 A U T O R E S C O R I N G A S PA R A U S A R N A R E D A Ç Ã O @PROFRAPHAELREIS 5 3 Anteposição da oração: Para dar certo, o planejamento está sendo minucioso. (emprego obrigatório da vírgula) Intercalação da oração: O planejamento, para dar certo, está sendo minucioso. (emprego obrigatório das vírgulas) A regra vista agora é, sem dúvida alguma, uma das mais infringidas pelos candidatos de concursos públicos. 8. Concordância verbal na voz passiva sintética: A voz passiva sintética é formada por verbo transitivo direto (VTD) ou por verbo transitivo direto e indireto (VTDI) mais o pronome apassivador “se”. Nessa voz verbal, o sujeito é paciente, uma vez que sofre a ação expressa pelo verbo, e determina o número (singular ou plural) do verbo. Entenda: Voz passiva sintética: Compraram-se roupas novas. sujeito paciente no plural: roupas novas verbo na 3ª pessoa do plural: compraram No exemplo, o verbo “compraram” concorda em número com o sujeito “roupas novas”, sendo flexionado no plural. Dessa maneira, se por ventura for feita a construção “Comprou-se roupas novas”, haverá um erro de concordância verbal, já que “comprou” não concordou com o número correto do sujeito (plural). Dica: Caso haja dúvida quanto à concordância na voz passiva sintética, passe a frase para a voz passiva analítica (ser/estar + verbo no particípio) e verifique se há concordância no singular ou no plural. Entenda: Voz passiva analítica: Roupas novas foram compradas. (ser + particípio) Uma vez que a locução verbal “foram compradas” foi para o plural na voz passiva analítica, o verbo também deve ir para o plural na sintética “compraram-se”: “Compraram-se roupas novas.” Outro exemplo: Registrou-se casos de furto no local. (Incorreta) Registraram-se casos de furto no local. (correta) (= Casos de furto foram registrados no local) 1 0 A U T O R E S C O R I N G A S PA R A U S A R N A R E D A Ç Ã O @PROFRAPHAELREIS 5 4 9. “Trata-se de” – indicação de sujeito indeterminado: Para a maioria dos gramáticos, as construções que apresentam “trata-se de” possuem sujeito indeterminado, de maneira que “se” é o índice de indeterminação do sujeito. Dessa forma, o verbo “trata” permanece sempre na terceira pessoa do singular em qualquer construção, ao contrário do que vimos na seção anterior sobre os casos em que “se” é partícula apassivadora e concorda com o núcleo do sujeito paciente. Entenda: Tratam-se de assuntos relativos ao fisco. (incorreta) Trata-se de assuntos relativos ao fisco. (correta) No exemplo dado, “trata” não vai para o plural para concordar com “assuntos relativos” pelo fato de esse último termo em destaque não ser o sujeito da oração, porquanto a construção “trata-se de”, conforme a maioria dos gramáticos, apresenta sujeito indeterminado. 10.Emprego de “através de”: A expressão “através de” é frequentemente utilizada como sinônimo de “por meio de”, “por intermédio” ou “mediante”, em um sentido conotativo. Conforme a maioria dos gramáticos, “através de” só deve ser usado no sentido de atravessar o espaço (sendo sinônimo de “por entre”, “pelo interior de”, “pelo meio de”) ou o tempo (significando “ao longo de”, “no decorrer de”). Sendo assim, por prudência, é melhor evitar o sentido conotativo da expressão e não usar “através de” na redação quando não houver o sentido de atravessar, utilizando, assim, o termo sinônimo mais coerente no contexto. Dentre os sinônimos possíveis, citam-se “por meio de”, “mediante”, “por intermédio de” ou “por intervenção de”. Veja: “A internet é uma ferramenta muito importante na vida prática dos brasileiros, porém muitos crimes são cometidos através desse canal.” (construção não recomendada) No exemplo anterior, um dado canal é o meio pelo qual diversos crimes são cometidos, portanto se percebe que “através de” não apresenta sentido de atravessar no contexto em questão, de maneira que seu emprego pode ser dado como incorreto em uma redação se o examinador seguir gramáticos que não apoiem esse uso. Sendo assim, o trecho em questão deveria ser escrito, por exemplo, da seguinte forma: “diversos crimes são cometidos por meio desse canal” ou “diversos crimes são cometidos por intermédio desse canal”. Assim: A internet é uma ferramenta muito importante na vida prática dos brasileiros, porém muitos crimes são cometidos por meio desse canal. (construção recomendada) 55