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ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO AULA 2 Prof. Everson Araujo Nauroski 2 CONVERSA INICIAL Promover a educação deveria ser um dos projetos prioritários de qualquer governo. Um povo educado representa o maior potencial de uma nação. Se observarmos os países que mais se destacam em qualidade de vida de sua população, veremos que são aqueles que mais investem e valorizam a educação. Tendo em conta essa perspectiva, ao longo desta aula abordaremos aspectos da relação entre educação e cultura que envolve problemas como homogeneização cultural. Num breve retrospecto histórico das práticas educativas veremos o quanto a educação moderna se diferencia das práticas educativas de outras épocas. Veremos que compreender as diferenças entre informação e conhecimentos nos faz reafirmar a importância da escola e dos profissionais da educação no processo de construção dos saberes. TEMA 1 – EDUCAÇÃO E CULTURA A educação é um fenômeno universal presente não somente entre os humanos. Podemos falar da educação como um processo natural. Um exemplo é quando filhotes resgatados e criados em ambiente doméstico dificilmente poderão ser reinseridos na natureza, pois não tiveram a aprendizagem com os da sua espécie. Quando a fase inicial de desenvolvimento de um animal (principalmente dos mamíferos), que deveria ter ocorrido em seu habitat e em companhia de seus progenitores, não acontece como deveria, todo aquele aprendizado importante para sobrevivência do indivíduo e preservação da espécie acaba por se perder. No caso dos humanos, o fenômeno educacional é ainda mais complexo. Há milhares de anos nós abandonamos a vida puramente instintiva. O desenvolvimento do cérebro, a consciência e a racionalidade tipicamente humana propiciaram o surgimento do que pode ser chamado uma segunda natureza, a cultura. Embora a humanidade possa ser considerada uma só, naquilo que nos caracteriza como tal, não podemos falar em cultura em sentido de uma unidade universal. Existem diferentes culturas, assim como diferentes povos. Cada uma possui sua língua, seus costumes, sua tradição, formando um conjunto de elementos que lhe confere identidade e singularidade. Todavia, a diversidade 3 cultural está encolhendo. Tem razão McLuhan (1971) quando fala que estamos vivendo numa “aldeia global”, e que essa convivência muitas vezes não é pacífica. Nos conflitos pelo mundo, o componente cultural tem sofrido maior ou menor influência dependendo do poderio dos grupos e países envolvidos. Figura 1 – Globalização Crédito: Vitstudio/Shutterstock. O processo de globalização que atravessa o planeta tem impactado fortemente diferentes povos e culturas, com maiores prejuízos aos povos e nações não centrais, como explica Ianni (1995) ao analisar o fenômeno da ocidentalização do mundo, principalmente pela via do mercado que progressivamente busca romper os obstáculos à sua expansão, sejam eles políticos, sociais ou culturais. Com maior ou menor grau, a influência da cultura ocidental estreita fronteiras promovendo a racionalidade técnica e instrumental. Esse problema tem gerado um debate envolvendo diferentes posições. Há quem acredite que essa homogeneização pode ser algo positivo, pois favorecerá uma maior unidade e aproximação entre as pessoas. Com menos diferenças, a tendência seria de maior entendimento e diálogo. Outros criticam fortemente a homogeneização, pois o processo de assimilação que estaria em curso tende a fortalecer o modelo ocidental, provocando relações assimétricas entre culturas minoritárias. Valores oriundos da cultura cristã, branca e patriarcal tendem a ser disseminados e fortalecidos em detrimento de outras referências e identidades. Eis um problema que vai exigir de nós uma profunda reflexão. Pensando sobre isso, qual sua opinião? Dado o alcance e objetivos de nossa disciplina, vamos nos limitar a fazer considerações sobre a cultura ocidental contemporânea, da qual a maioria de nós faz parte, e tratar de alguns problemas, principalmente em relação ao universo educacional. 4 TEMA 2 – EDUCAÇÃO E CULTURA NA GRÉCIA ANTIGA Se recuarmos um pouco no tempo, voltando nosso olhar à Antiguidade Clássica, na Grécia do período arcaico, entre os séculos VIII a VI a.C., veremos que a educação não era organizada em sistemas de ensino com instituições formais e profissionais encarregados dessa tarefa. Por um bom tempo, perdurou na Grécia um tipo de educação informal de tradição oral. A figura de antigos poetas como Homero e Hesíodo tem sido atribuída à função de educadores. Seus poemas cantados em público serviam para estimular os jovens a imitar o comportamento e o caráter de seus heróis. A bravura de Aquiles, a coragem de Teseu, a astúcia de Ulisses eram enaltecidas em sua glória. Valores como honra, coragem, retidão e lealdade eram tidos como modelos para uma vida de significado. Posteriormente, a partir do século V e IV a.C., surgiram escolas como a Academia de Platão, o Liceu de Aristóteles, ou ainda o Jardim de Epicuro. Esses grandes pensadores da Antiguidade tiveram essa iniciativa com o objetivo de organizar os conhecimentos e reunir as pessoas no intuito de ensiná-las. Ainda assim, não temos nada parecido com a educação moderna com seus processos de ampliação e massificação do ensino, sobre o qual falaremos mais adiante. As escolas da Grécia desse período, principalmente em Atenas, estavam ligadas à formação clássica, ao que posteriormente foi chamado de Paideia, que pode ser definido como um programa de instrução voltado mais aos meninos e cujo programa curricular era composto por música, ginástica e história. Como já dito anteriormente, o conteúdo ético e social dessa educação privilegiava a figura dos guerreiros e heróis gregos com o fim de moldar os jovens ao respeito e culto aos seus ancestrais. Com o passar do tempo o programa da Paideia se ampliou, incorporando conteúdos de literatura, alfabetização, matemática, astronomia e filosofia. A evolução dos conteúdos da Paideia marcou uma adequação ao contexto social e politico da Grécia, especialmente de Atenas, que foi se consolidando como polis democrática. Dessa forma, o projeto de educação ateniense estava voltado a formar o bom cidadão, alguém que fosse capaz de viver bem em sociedade equilibrando vida privada e esfera pública, valorizar a família, respeitar as tradições, praticar a oratória e envolver-se nas demandas de sua comunidade, o que hoje poderia ser visto como uma educação voltada à cidadania. 5 No entanto, vale assinalar que a educação ateniense era predominantemente masculina (meninos e jovens) e elitista. De modo geral, somente os filhos da nobreza e aristocracia tinham acesso. Outra característica que vale ser destacada é que as escolas dessa época eram centros de experimentação com bastante flexibilidade em sua dinâmica de funcionamento. O que mais contava era a motivação e autonomia do estudante, que podia se dedicar a diferentes assuntos conforme sua afinidade – algo bastante diferente de um currículo obrigatório, avaliações, classificações etc. Essas características evidenciam que a educação em Atenas nessa época estava longe de ser uma prática popular e massificada. No período medieval, a educação passa por modificações, deixando de existir como uma prática associada à vida civil e política e estando muito mais voltada a aspectos da vida religiosa. Devemos lembrar que por vários séculos predominou a influência da igreja católica na cultura e vida social do ocidente, estando a educação voltada à formação crista. O arranjo da educação medieval parece mostrar um dualismo educacional, pois de um lado havia o ensino catequético direcionado às camadas populares e de outro, as escolas que atendiam os mais abastados. Tanto a autorização para o funcionamento deuma escola quanto os conteúdos a serem ministrados passavam pelo controle e aprovação do magistério da igreja, cabendo ao bispo dar ou não sua concessão. Não demorou para que esse controle exercido pela igreja fosse questionado e alvo de críticas e movimentos por parte dos professores e alunos. O descontentamento ao controle da igreja fez surgir associações de ensino que ficaram conhecidas como universitas, as quais influenciaram o surgimento, a partir do século XIII, das primeiras universidades da Europa. TEMA 3 – EDUCAÇÃO NA MODERNIDADE Após essas breves considerações históricas, passamos agora a refletir sobre as mudanças ocorridas na educação na era moderna até a atualidade. Costuma-se colocar a Revolução Francesa ocorrida em 1798 como o principal acontecimento histórico que marca o início da modernidade. Evidentemente não se trata de uma opinião unânime entre os historiadores, mas aqui vamos aceitar que a Revolução Francesa e a Revolução Industrial no mundo ocidental deram início a uma nova era, marcada principalmente pelo predomínio da ciência, da racionalidade e da economia de mercado. 6 Ao fazer essa breve exposição histórica nossa intenção é estabelecer uma linha temporal para situar uma mudança importante na organização da educação. Pela primeira vez na história a educação passou a ser oferecida de maneira universal, predominantemente gratuita e pública. Essa nova conjuntura fez com a educação, num curto período de tempo, se tornasse massificada, o que aumentou o número de escolas e a demanda por mais professores e profissionais ligados ao universo escolar. Começou a se desenhar a compreensão de que a educação deve ter sua oferta ampliada a toda a população, e o acesso a ela passou a ser visto como um direito dos cidadãos. No campo político, a modernidade inaugurou a consagração dos direitos políticos. O modelo de república democrática inaugurado na França combinou aspectos que fizeram da vida política uma esfera ampliada de poder com a possibilidade de participação de toda a sociedade. O sufrágio universal possibilitou que a democracia se consolidasse como forma de organização do poder e regime de governo. A ideia de que o poder emana do povo foi ganhando cada vez mais força. Embora se possa dizer contemporaneamente, na era das fake news, que a democracia pode ser atacada e desvirtuada, fato é que a modernidade inaugurou um novo paradigma social e político. A possibilidade de todo cidadão, independentemente de sua etnia, crença, sexo ou classe social, poder votar fez com que até hoje aqueles que defendem a tirania e o autoritarismo, semelhante ao que foi o absolutismo entre os séculos XVI e XVIII ou os regimes totalitários do século XX, seja considerado inimigo da democracia e da liberdade dos povos. Mas nem tudo são flores na trajetória da educação. O discurso iluminista de igualdade, liberdade e fraternidade foi, segundo Charlot (2013), instrumentalizado para tutelar a escola ao poder público, e o objetivo da educação era formar indivíduos emancipados, capazes de pensar e agir por si mesmos, convertidos em objetivos menos nobres e universais, como formar súditos obedientes ao seu soberano. Rapidamente os governos perceberam o quanto a educação pode ser algo perigoso demais para deixar como iniciativa totalmente independente. O currículo, coração da educação e das práticas escolares, passou a ser objeto de planejamento estatal. Devemos lembrar que os currículos não são somente um conjunto de saberes e práticas escolares organizadas, mas também de valores, crenças, modelos, objetivos e ideologias. Assim, a escola moderna 7 foi sendo aos poucos capturada pelo Estado. O problema é que a figura do Estado, ou seja, os poderes da república (Executivo, Legislativo e Judiciário) assim como o conjunto de suas instituições, tornou-se um campo em disputa por diferentes grupos e classes. Majoritariamente o Estado tem sido ocupado por grupos e classes mais abastadas. Um rápido estudo histórico sobre os nomes e sobrenomes que ocupam os cargos de poder em diferentes Estados vai revelar verdadeiras dinastias que se perpetuam no poder. Esse fenômeno, exaustivamente estudado pela ciência e filosofia política, demonstra que o poder nunca é neutro, e que, uma vez tomado, é exercido a partir de interesses e ideologias, algumas nem sempre alinhadas aos mais nobres valores da modernidade, como o direito e a cidadania. Estes estão presentes na maioria das constituições democráticas, como em nosso país, na epígrafe de direitos fundamentais, conforme o art. 5º da Constituição: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; (Brasil, 1988) A sequência do título II da Constituição Federal, que trata dos direitos e garantias fundamentais, é igualmente importante em relação à compreensão de suas implicações na vida das pessoas. TEMA 4 – O PARADOXO DA EDUCAÇÃO De certa forma, a escola e a realidade educacional em nosso país, assim como em muitos outros, vivem um paradoxo. A escola tem estado refém da sociedade. Vamos usar a contribuição do sociólogo americano Robert King Merton (1910-2003) para entender melhor as razões para falamos em paradoxo da escola/educação. Merton foi um profundo estudioso da sociedade americana, e sua análise revelou uma situação que ele chamou de “armadilha das sociedades modernas”, uma situação de anomia que pode se generalizar a ponto de ameaçar a funcionalidade da própria sociedade. Anomia em sentido geral significa o afrouxamento dos laços e vínculos de solidariedade social, sentimentos de 8 pertencimento e interdependência que colaboram para que a sociedade funcione. Em síntese, Merton explica que as sociedades modernas são em sua grande maioria sociedades capitalistas, portanto economias de mercado dependentes do consumo progressivo e da manutenção de seus valores ligados à aparência e ao acúmulo. Para a reprodução da vida social são criadas metas culturais universalizadas que podem ser reduzidas a duas categorias de base, riqueza e sucesso. Essas metas culturais são propaladas de diversas maneiras, essencialmente materializadas nas propagandas e nos modelos do que significa ser bem-sucedido. Quem já não ouviu falar do American dream (sonho americano) ligado à representação social de sucesso na vida e obtenção de riqueza e prestígio? Merton mostrou que essa situação é uma armadilha, pois trata-se de um jogo de cartas marcadas. Ou seja, em grande medida já se sabe quais indivíduos, grupos e classes têm maior probabilidade de vencer. Afinal, embora as metas culturais de riqueza e sucesso sejam universais, as condições, ferramentas e instrumentos para atingi-las (leia-se educação e oportunidades) não são universais. Logo, muitos irão “fracassar” em atingir essas metas. O resultado, como já comentamos, é potencialmente destrutivo para a própria sociedade. Merton chamou de “situação de anomia generalizada”, classificando em cinco os comportamentos sociais mais evidentes de desvio. São eles: 1. Conformidade: busca-se alcançar as metas culturais estabelecidas, jogando conforme as regras, agindo pelos meios institucionalizados. Pense na imensa maioria de pessoas que se sujeitam às regras e padrões de comportamento instituídos e que cotidianamente agem seguindo o que é estabelecido pela sociedade. 2. Inovação: refere-se ao conjunto de pessoas que, embora aceitem as metas estabelecidaspela sociedade, percebem que os meios disponibilizados são insuficientes para atingi-las, o que faz com que busquem alternativas diferentes do que a sociedade instituiu. Comportamentos inovadores aqui podem ser vistos como negativos, como alguém que busca obter riqueza ingressando na criminalidade. 3. Ritualismo: a atitude ritualística é descrita por Merton como aquela que age em sentido inverso ao do indivíduo inovador. A percepção de que as metas são inalcançáveis faz com que muitos se apeguem aos meios, cumprindo o estabelecido com passividade e obediência. A conduta 9 ritualística se realiza a partir de si mesma. Podemos pensar como exemplo aqueles indivíduos que tomam como fator de realização pessoal ter cumprido suas tarefas profissionais durante um longo período de tempo, sem nunca ter se atrasado ou faltado. 4. Evasão: verifica-se o abando tanto das metas culturais quanto dos meios institucionalizados para atingi-las. Podemos pensar em andarilhos e mendigos. Em face dessa categoria poderíamos perguntar se evasão não poderia se dar também no aspecto mental, por aqueles que se desligam e se desconectam da sociedade, não raro chamados de loucos. 5. Rebelião: é a conduta de se colocar contra as metas e meios sociais. Merton a viu como algo perigoso, devendo ser abrandada ou neutralizada sob o risco de comprometer a vida social. O rebelado ameaça a continuidade do modelo social instituído, suas bases e estruturas. Seu discurso assume a forma da subversão, da transformação, da revolução e da mudança social mais radical, uma nova sociedade, supondo que isso seja possível. Um autor com um olhar mais dialético, e com isso quero dizer um autor atento às causas mais profundas das contradições sociais, talvez visse na rebelião mais que um descontentamento, uma possibilidade de mudança de superação de desigualdades e injustiças. A escola representa parte da estrutura social e ocupa um lugar estratégico na divulgação e defesa das metas culturais instituídas. A imposição de valores e modelos acerca do que significa “ser alguém na vida” foi bem explicada por Pierre Bourdieu com seu conceito de violência simbólica. Segundo ele, o espaço escolar tende a desconsiderar a enorme disparidade entre os grupos e classes sociais, e a apresentar as metas culturais como uma verdade universal. Isso significa que muitas vezes a escola responsabiliza de modo pessoal o fracasso e o sucesso, quando na verdade sabemos que os meios para atingi-los são escassos e estão sob domínio e controle dos grupos mais bem posicionados na sociedade. Nisso consiste a ironia trágica da armadilha social em que vivem as sociedades contemporâneas. Boa parte das condutas anômicas – delinquência, criminalidade, corrupção – são consequências dessa armadilha. A situação apresentada a partir da análise de Merton tende a reforçar o pessimismo em relação ao potencial da sociedade em se aprimorar em direção a menos desigualdade e mais justiça. Sobre isso é importante dizer que a teoria de Merton explica muita coisa, mas não tudo. Por isso é importante recorrer a 10 outros autores, como faremos ao longo desta disciplina, e complementar a análise de Merton, compreendendo o potencial transformador e emancipador da escola e da educação. TEMA 5 – A ERA DO CONHECIMENTO Nos últimos 20 anos, temos assistido a profundos avanços tecnológicos. A chamada revolução tecnológica e o crescente acesso à internet redesenharam nossa forma de comunicação e aprendizagem. A escola deixou de ser aquele lugar privilegiado de acesso à informação. Aqui é importante fazer uma diferenciação entre duas palavras importantes de muito peso na atualidade: informação e conhecimento. As informações são diversas e sobre os mais variados temas assuntos. Estão nos livros, em jornais e revistas, em sites, banco de dados e diversos outros meios de acesso e veiculação. A informação, se pudéssemos representá- la graficamente, poderia ter a aparência de um jato de aerossol, dado seu volume e velocidade, que vai se propagando e se ramificando até perder força e se diluir. Essa diluição pode ser comparada à força e atualidade da informação que, com o tempo (cada vez mais rápido), vai ficando ultrapassada, esquecida, perdendo sua importância e relevância. Já o conhecimento não está em sentido estrito nos objetos listados, sites, livros etc. O conhecimento supõe um processo cognitivo em curso ou já concluído. Dessa forma, ele só pode existir nos indivíduos em processo de elaboração em sua mente, ou já elaborados, quando estão sendo apresentados numa análise oral ou escrita. Quando um indivíduo busca informações sobre um objeto qualquer, reúne e seleciona essas informações e depois as organiza em conceitos, categorias, faz relações, inferências, sínteses... dizemos, então, que o conhecimento está sendo produzido. Diante da diferenciação proposta, você acha que estamos vivendo na era da informação ou do conhecimento? Podemos dizer que ambas, porém, se pensarmos com mais de rigor, veremos que se trata muito mais de informação do que conhecimento. E por que podemos fazer tal afirmação? São vários os fatores que nos permitem afirmar isso: • A média de leitura de livros por pessoa/ano no Brasil, em 2020, foi de 4,9, sendo que destes somente 2,3 foram lidos do início ao fim. Na Europa 11 essa média passa de 10 e na Finlândia é maior ainda, com 12 livros por ano/pessoa. • Mais de 30% da população brasileira é analfabeta funcional, isto é, lê mas não consegue interpretar e relacionar o que lê. • Mais de 60% da população consume telenovelas e programas de auditório, conteúdos que exigem baixo grau de análise por serem muito diretivos ou fechados, com baixo potencial analítico. • Cultura dos memes na internet. • Aumento no acesso a smartphones, o que indica muito mais consumo do que produção de conteúdos. • Em 2017, o Instituto Ipsos Mori publicou o resultado da pesquisa “Os perigos da percepção 2017”, apontando que o Brasil é 2º lugar no ranking em percepção errada da realidade em quesitos como criminalidade, assédio sexual, meio ambiente, saúde, economia, entre outros temas. Se pensarmos que, mesmo com todas as evidências científicas, existem pessoas que acreditam que a Terra é plana, que não existe aquecimento global e que vacinas são armas biológicas para provocar a morte de certos segmentos da sociedade, isso prova que a informação não produz por si só conhecimento, ou torna alguém mais inteligente. Muito mais que ter informações, é preciso saber selecioná-las e organizá-las, interpretá-las e elaborar análises e sínteses. Aí sim estaremos produzindo conhecimento, fazendo aumentar o patrimônio intelectual da sociedade e quiçá de toda a humanidade. Para que isso ocorra, as pessoas precisam aprender certas ferramentas intelectuais. Essas ferramentas demandam tempo e estudo; em geral elas vão sendo adquiridas como parte de nossa cultura intelectual, e o meio educacional e universitário ainda tem melhores condições de oportunizar esse processo. O conhecimento é resultado de leituras, estudos, escrita, participação em eventos, participação em debates qualificados, submissão de trabalhos etc. Somente nessa simples descrição dos elementos que envolvem a vida intelectual podemos fazer uma aproximação em relação à maioria da população e analisar o quão próxima ou distante está dessa realidade. Não estamos julgando ninguém nem menosprezando, mas evidenciando um déficit que nos ajuda delinear o tamanho do desafio educacional e cultural que envolve a sociedade brasileira. É papel da educação qualificar nosso olhar sobre o mundo, 12 e é missão especial da sociologia e antropologia da educação proporcionar uma qualificação ainda mais criteriosa na formação dos novos profissionais. NA PRÁTICA Ao longo de nossa aula tivemos contato com diversos assuntos, entreeles o analfabetismo funcional. Sobre esse assunto, realize uma pesquisa e em seguida escreva uma breve reflexão apontando quais seriam as causas mais prováveis desse problema. FINALIZANDO Chegamos ao final de mais uma aula e precisamos reter o essencial do estudo desenvolvido. Vejamos as principais ideias apresentadas: • No contexto da globalização, o fenômeno da homogeneização cultural tem se apresentado como um grande desafio educacional. • As práticas educacionais passaram por transformações ao longo da história e, na modernidade, a escola e a educação são vistas como estratégias de luta no campo ideológico. • A escola vive um paradoxo considerando que tem o potencial para provocar mudanças na formação cultural, mas acaba ficando refém da sociedade na reprodução das relações sociais. • A diferença entre informação e conhecimento reforça a importância dos professores, da escola e da formação cultural mais profunda. 13 REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição (1988). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988. CHARLOT, B. Da relação com o saber às práticas educativas. São Paulo: Cortez, 2013. IANNI, O. Teorias da globalização. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995. MCLUHAN, M.; FIORI, Q. Guerra e paz na aldeia global. Rio de Janeiro: Record, 1971. MERTON, R. K. A profecia que se cumpre a si mesma. In: ______. Sociologia: teoria e estrutura. São Paulo: Mestre Jou, 1970.