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Autor: Prof. Alexandre Gomes Ferreira Colaboradores: Prof. Fábio Pozati Prof. Adilson Rodrigues Camacho Fundamentos Geográficos do Turismo Professor conteudista: Alexandre Gomes Ferreira Graduado em 2010 pela Universidade Federal do Paraná. Mestre em Geografia na área de planejamento urbano regional, no ano de 2013, pela mesma instituição. Docente no ensino superior e em pós-graduação lato sensu há mais de 8 anos, transitando por diversos cursos e temáticas. Possui várias orientações de projetos de pesquisa nos cursos superiores, bem como orientações de trabalhos de conclusão de curso e artigos de pós-graduação. Professor adjunto dos cursos de Relações Internacionais, Turismo e Geografia na UNIP, além de consultor na área ambiental. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) F383f Ferreira, Alexandre Gomes. Fundamentos Geográficos do Turismo / Alexandre Gomes Ferreira. – São Paulo: Editora Sol, 2020. 100 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Turismo. 2. Geografia. 3. Regionalização. I. Título. CDU 380.8 U505.79 – 20 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcello Vannini Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Jaci Albuquerque Giovanna Oliveira Sumário Fundamentos Geográficos do Turismo APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................8 Unidade I 1 A GEOGRAFIA DO TURISMO NO BRASIL: DIFERENCIAÇÕES FUNDAMENTAIS ENTRE O TURISMO E A GEOGRAFIA ...............................................................................................................9 1.1 Fundamentos do turismo ...................................................................................................................9 1.2 Fundamentos da geografia .............................................................................................................. 11 2 CONCEITOS GEOGRÁFICOS FUNDAMENTAIS ...................................................................................... 13 2.1 O conceito de espaço e sua complexidade ................................................................................ 13 2.2 Paisagem e natureza ........................................................................................................................... 16 2.2.1 Paisagem natural .................................................................................................................................... 17 2.2.2 Paisagem cultural ou antrópica ........................................................................................................ 17 2.3 Região ....................................................................................................................................................... 19 2.4 O território .............................................................................................................................................. 23 3 A GEOGRAFIA DO TURISMO E A GLOBALIZAÇÃO............................................................................... 25 3.1 A globalização e as condições necessárias para a criação da indústria do turismo ............................................................................................................................. 27 4 INTRODUÇÃO À GEOGRAFIA DO BRASIL ............................................................................................... 30 Unidade II 5 A CRIAÇÃO DAS CINCO GRANDES REGIÕES E A REGIÃO NORTE: A REGIONALIZAÇÃO BRASILEIRA ................................................................................................................. 41 5.1 A região Norte: riqueza, conflito e o futuro da Amazônia .................................................. 43 5.1.1 Aspectos gerais ....................................................................................................................................... 43 5.1.2 Conflitos e contradições do processo de desenvolvimento .................................................. 45 6 AS REGIÕES NORDESTE E CENTRO-OESTE ............................................................................................ 51 6.1 O Nordeste: entre a diversidade e a desigualdade ................................................................. 51 6.1.1 O Nordeste e suas sub-regiões geográficas: a Zona da Mata .............................................. 56 6.1.2 O agreste .................................................................................................................................................... 58 6.1.3 O semiárido ............................................................................................................................................... 58 6.1.4 O meio-norte ............................................................................................................................................ 61 6.2 O Centro-Oeste: a expansão da fronteira agrícola e suas contradições ........................ 62 7 O SUDESTE: O MOTOR INDUSTRIAL E A SÍNTESE DAS CONTRADIÇÕES BRASILEIRAS ........ 66 7.1 O macroeixo Rio-São Paulo ............................................................................................................. 70 8 O SUL DO BRASIL ........................................................................................................................................... 72 7 APRESENTAÇÃO A geografia, como uma ciência que objetiva o estudo do espaço geográfico, compreendido não de forma passiva, é capaz de trazer uma contribuição significativa aos estudos sociais, mas fundamentalmente ao turismo. Em que perspectiva se daria tal relação? Bem, o turismo, como uma atividade social, apresenta grande capacidade de modificação da paisagem, o que por si só parece um ponto fundamental, já que o conceito de paisagem é, também, um objeto de análise da geografia, porém essa relação não para por aqui. A atividade turística, cada vez mais significativa do ponto de vista econômico, na atualidade é fruto de uma conjuntura espaço-temporal contemporânea, ou seja, só se torna viável como um produto de massa em função de uma série de transformações sociais e tecnológicas típicas da segunda metade do século XX, como o avanço dos meios de transportes e comunicação, elementos que alteraram completamente a perspectiva geográfica do mundo – sim, o mundo encolheu. Se cabe à geografia, como ciência, estudar o espaço e como a sua dinâmica pode traduzir as relações sociais, ao turismo cabe utilizá-lo como objeto de realização, ou seja, de consumo. E quando se acrescenta que o turismo, além de dinamizar a economia de uma localidade, pode gerar outros potenciais impactos sociais, culturais e ambientais não apenas positivos, mas fundamentalmente negativos, parece-nosmais do que primordial que o conhecimento geográfico, como uma ferramenta analítica do espaço geográfico, seja utilizado para tentar otimizar seus efeitos positivos. Por fim, com base no contexto apresentado, esperamos que, ao final deste livro-texto, você esteja apto para: • Analisar o turismo como um conjunto de atividades predominantemente econômicas, mas com potencial de exercício das múltiplas dimensões sociais (geográfica, cultural, política, biológica) e de variedade de usos de recursos socioambientais (produzindo a própria diversidade do mundo) – portanto, como produtor e consumidor de espaços nos lugares (no plano da vida) e no mundo (das relações políticas e comerciais internacionais). • Conceituar e interpretar as dinâmicas das categorias do espaço geográfico, bem como proceder análises em seus usos pelo turismo. • Estimular e desenvolver a capacidade de observação, de compreensão e de descrição do espaço brasileiro (natural e transformado). 8 INTRODUÇÃO É inegável que o turismo figura entre os fenômenos mais marcantes e/ou significativos dos séculos XX e XXI, seja quando se leva em consideração a sua importância econômica, seja pela quantidade de impactos socioambientais que a atividade pode gerar. A sua relação com a geografia é mais do que notória, já que o turismo, enquanto atividade social, revela-se como um fenômeno geográfico, pois é no espaço, e nós nele, que essa atividade se torna possível. Autores diversos costumam tratar da geografia do turismo como algo pontualmente caracterizável, uma subárea do saber que seria responsável por analisar os padrões de distribuição espacial da oferta e da demanda, dos movimentos e dos fluxos, porém, nosso entendimento e objetivo é ir além. Considerando que o turismo é por natureza uma atividade que transforma e consome o espaço, compreender bem a geografia, como uma ciência espacial, seus principais conceitos, características e elementos transformadores em nosso atual momento histórico, perfaz uma ferramenta básica a todo turismólogo e esse é o nosso intuito. Para facilitar a compreensão deste livro-texto, iniciaremos nosso diálogo tratando de aspectos estruturais, conceitos e caracterizações, assim como uma apresentação inicial e mais geral da geografia do Brasil. Posteriormente focaremos a geografia do Brasil regional, apresentado as suas principais riquezas e problemáticas, como as diferenças regionais. 9 FUNDAMENTOS GEOGRÁFICOS DO TURISMO Unidade I 1 A GEOGRAFIA DO TURISMO NO BRASIL: DIFERENCIAÇÕES FUNDAMENTAIS ENTRE O TURISMO E A GEOGRAFIA Quem veio primeiro, a geografia ou o turismo? A provocação colocada pela pergunta nos remete a outra do tipo: quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha? Embora possa parecer meio anedótica, a colocação pode ser um importante ponto de partida para instigar a curiosidade sobre a temática. Para tanto, compreender o que é a geografia e o que é o turismo torna-se fundamental. 1.1 Fundamentos do turismo De acordo com a Enciclopédia Britânica, o turismo pode ser definido como “o ato e o processo de passar um tempo longe de casa em busca de recreação, relaxamento e prazer, enquanto faz uso da prestação comercial de serviços” (TURISMO, 2020, tradução nossa). A Organização Mundial do Turismo (OMT) utiliza a seguinte definição: O turismo compreende as atividades que realizam as pessoas durante suas viagens e estadas em lugares diferentes ao seu entorno habitual, por um período consecutivo inferior a um ano, com finalidade de lazer, negócios ou outras (OMT, 2001, p. 38). Ainda sobre a definição de turismo, Colantuono (2015) dispõe o seguinte: O turismo é um complexo processo que não só envolve o propósito da viagem, bem como a infraestrutura e os custos necessários para viabilizá-lo e a satisfação final do viajante que o demanda. Ele envolve uma infinidade de setores e, quando bem executado, incita o consumo de mais pessoas por diversas motivações (COLANTUONO, 2015, p. 32). É muito difícil precisar quando a atividade turística começou, porém pesquisadores como Machado (2010) e Queiroz (2011), afirmam que a Idade Antiga, mais notadamente na Grécia e na Roma, pode ser considerada como marco fundamental. Na Roma antiga, tudo teria começado com cidadãos ricos, que decidiram que preferiam passar o verão longe da cidade, fazendo, então, viagens para o campo ou para o litoral. Já na Grécia, os jogos olímpicos realizados sazonalmente atraíam atletas e espectadores. 10 Unidade I Com base nessa nova necessidade, uma “protoindústria turística” surgiu para atender às demandas de viagem e acomodação tanto dos romanos quanto dos gregos, e por um tempo prosperou. Mas o turismo da Antiguidade clássica terminou com o fim dos seus respectivos impérios e, durante centenas de anos, a turbulenta situação econômica, social e militar na Europa o impediu de voltar a se desenvolver (MACHADO, 2010). Embora possua esses antecedentes clássicos, é mais adequado considerar o turismo contemporâneo como um produto de arranjos sociais modernos, começando na Europa Ocidental, e suas grandes transformações nos séculos XVII e XVIII. Após a consolidação da Revolução Industrial, os avanços científicos e tecnológicos, o desenvolvimento socioeconômico da população mundial e a melhoria da legislação trabalhista e do padrão de renda e de consumo dos trabalhadores, a atividade turística se intensificou, o que aumentou a procura por viagens de recreação (COLANTUONO, 2015, p. 34). As citadas transformações anteriormente colocadas levaram cerca de três séculos até gerarem as condições adequadas para a expansão e o funcionamento da indústria do turismo. E foi a partir da década de 1950, em meio à euforia econômica de recuperação europeia do pós-Segunda Guerra Mundial, que o turismo internacional cresceu a um ritmo superior ao de toda a sua história (RODRIGUES, 1996). Esse desenvolvimento é consequência direta de uma nova ordem internacional, de uma relativa estabilidade social nos países centrais e o desenvolvimento da cultura do ócio no mundo ocidental (RODRIGUES, 1997). Com base nessas premissas, pode-se afirmar que o turismo emerge como uma atividade produtiva moderna, e como tal, reproduz a organização territorial de sua estrutura social e do modo de produção capitalista, sendo absorvido de maneiras diferenciadas pelas culturas e seus modos de produção locais. Rodrigues (1996), ao focalizar o setor turístico na escala planetária, considera-o um dos elementos fundamentais da globalização, estando subordinado aos atores econômicos que capitaneiam a economia global, assumindo como tal um papel importante no modelo de acumulação capitalista contemporâneo, e acrescenta: O turismo só pode ser entendido à luz de matrizes conceituais-metodológicas que iluminam o contexto social da modernidade, particularmente a partir do fordismo, o qual impôs um pacto social baseado na redistribuição do excedente material da produção e na distinção bipolar do espaço-tempo, nomeada como esfera de trabalho e esfera do ócio (RODRIGUES, 1996, p. 297). Duas características seriam fundamentais para diferenciar o turismo de outras atividades econômicas ou produtivas, a primeira delas refere-se ao fato de ser uma atividade ou prática eminentemente social, enquanto a segunda diz respeito ao seu principal objeto de consumo: o espaço (CRUZ, 2003). 11 FUNDAMENTOS GEOGRÁFICOS DO TURISMO Sob tal perspectiva, o debate acerca de tal temática ganha expressividade mostrando que a riqueza do turismo pode estar na diversidade de caminhos para a sua produção e apreensão e nos conflitos e possibilidades de entendimento desse fenômeno. 1.2 Fundamentos da geografia A geografia é uma ciência muito antiga, a sua existência pode ser interpretada como uma acompanhante da evolução e o aumento da complexidade social humana. Segundo a Enciclopédia Britânica, Geografia é o estudo dos diversos ambientes, lugares e espaços da superfície da Terra e suas interações. Ele procura responder àsperguntas de por que as coisas são como são, onde estão. A moderna disciplina acadêmica da geografia está enraizada na prática antiga, preocupada com as características dos lugares, em particular seus ambientes e povos naturais, bem como as relações entre os dois. Sua identidade separada foi formulada e nomeada há cerca de 2.000 anos pelos gregos, cujo geo e graphein foram combinados para significar “escrita da terra” ou “descrição da terra” (GEOGRAFIA, 2020, tradução nossa). Andrade (1987) considera que os povos que viviam na Pré-História já desenvolviam conhecimentos que podem ser considerados geográficos. Cita como exemplo os quéchuas na América Andina, que possuíam noção de orientação, cujas estradas que partiam da capital seguiam na direção dos quatro pontos cardeais. Os polinésios, povos navegadores, conheciam a direção dos ventos e das correntes marinhas e utilizavam seus conhecimentos para a locomoção entre as diversas ilhas que compõem o arquipélago. Na Antiguidade, as civilizações da Mesopotâmia e do Egito estudavam técnicas de irrigação, regime, extensão dos rios e variação do volume da água. Os estudos eram realizados em razão da necessidade de compreender a dinâmica fluvial para a prática da agricultura. Andrade (1987) considera tais abordagens os primeiros passos para o desenvolvimento da hidrografia fluvial. A contribuição dos gregos, na Antiguidade Clássica, é considerada a mais relevante e significativa. Os principais destaques foram: a medição do espaço e a discussão da forma da Terra, o estudo da física da superfície terrestre e a descrição dos aspectos físico-espaciais. Ao mesmo tempo em que se ampliava o conhecimento do espaço geográfico, aguçando a pesquisa dos sistemas de relação entre a sociedade e a natureza – sistemas agrícolas, técnicas de uso do solo, relacionamento entre as cidades e o campo, relações entre as classes sociais e entre o Poder e o povo –, desenvolvia-se também a curiosidade sobre as características naturais, os sistemas de montanha, os rios com os seus variados regimes, a distribuição das chuvas, a sucessão das estações do ano (ANDRADE, 1987, p. 24). 12 Unidade I Ptolomeu, autor de um dos primeiros livros da disciplina, Guide to Geography (Guia de geografia, século II d.C.), definiu a geografia como “uma representação em imagens de todo o mundo conhecido, juntamente com os fenômenos nela contidos”. Isso expressa o que muitos ainda consideram a geografia – uma descrição do mundo por meio de mapas. À medida que as sociedades evoluem e ganham complexidade, nossa compreensão também se amplia, de forma considerável, levando à necessidade de interpretação e criação de novos conceitos e temáticas necessárias para a leitura geográfica do planeta. Durante a Idade Média, a geografia deixou de ser uma importante atividade acadêmica na Europa. Os avanços na geografia foram feitos principalmente por cientistas do mundo muçulmano, baseados na Península Arábica e no norte da África. Os geógrafos dessa era de ouro islâmica criaram o primeiro mapa retangular do mundo com base em uma grade, um sistema de mapas ainda hoje familiar (GOMES, 2007). Os estudiosos islâmicos também aplicaram seus estudos de pessoas e lugares à agricultura, determinando quais plantações e gado eram mais adequados a hábitats ou ambientes específicos. Além dos avanços no Oriente Médio, o império chinês na Ásia também contribuiu imensamente para a geografia. Até cerca de 1500, a China era a civilização mais próspera da Terra. Os chineses eram cientificamente avançados, especialmente no campo da astronomia. Por volta de 1000, eles também alcançaram um dos desenvolvimentos mais importantes da história da geografia: foram os primeiros a usar a bússola para fins de navegação. No início dos anos 1400, o explorador Cheng Ho embarcou em sete viagens para as terras que fazem fronteira com o Mar da China e o Oceano Índico, estabelecendo o domínio da China em todo o sudeste asiático (CLAVAL, 1999). Com o início do que ficou conhecido como era das Descobertas (mais precisamente conquistas e dominação de outros povos), o estudo da geografia recuperou popularidade na Europa. A invenção da imprensa em meados dos anos 1400 ajudou a espalhar o conhecimento geográfico, disponibilizando amplamente mapas e gráficos. As melhorias na construção naval e na navegação facilitaram mais a exploração, melhorando bastante a precisão dos mapas e informações geográficas (GOMES, 2007). Um maior entendimento geográfico permitiu que as potências europeias ampliassem sua influência global, estabelecendo colônias ao redor do mundo. O transporte aprimorado, a comunicação e a tecnologia de navegação permitiram que países como o Reino Unido governassem com sucesso colônias tão distantes como as Américas, Ásia, Austrália e África. Geografia não era apenas um assunto que tornou possível o colonialismo. Também ajudou as pessoas a entender o planeta em que viviam. Não é de surpreender que ela tenha se tornado um importante foco de estudo em escolas e universidades (GOMES, 2007). Algumas pessoas têm dificuldade em entender o escopo completo da disciplina de geografia porque, diferentemente da maioria das outras disciplinas, ela não é definida por um tópico em particular. Em vez disso, se preocupa com muitos tópicos diferentes: pessoas, cultura, política, cidades, solos, formas de relevo e muito mais. 13 FUNDAMENTOS GEOGRÁFICOS DO TURISMO O que distingue a geografia é que ela aborda o estudo de diversos tópicos de uma maneira particular (isto é, de uma perspectiva particular); faz questionamentos espaciais – como e por que as coisas são distribuídas ou organizadas de maneiras específicas na superfície da Terra. Para a maioria das pessoas, geografia significa saber onde estão os lugares e como eles são. A discussão da geografia de uma área geralmente se refere à sua topografia – seus padrões de relevo e drenagem e vegetação predominante, juntamente a padrões climáticos, com as respostas humanas a esse ambiente, como no uso agrícola, industrial e outros usos da terra e em assentamentos e urbanizações padrões. Embora tenha havido um ensino muito anterior do que atualmente é a chamada geografia, a disciplina acadêmica é amplamente uma criação do século XX, formando uma ponte entre as ciências naturais e sociais. A sua história é a do pensamento sobre os conceitos de ambientes, lugares e espaços. Seu conteúdo abrange uma compreensão da realidade física que ocupamos e de nossas transformações de ambientes em lugares que achamos mais confortáveis para habitar (embora muitas dessas modificações geralmente tenham impactos negativos a longo prazo). A geografia fornece possibilidade de análise sobre as principais questões contemporâneas, como globalização e mudança ambiental, além de uma apreciação detalhada das diferenças das paisagens e como estas refletem a construção e a riqueza do espaço geográfico planetário. 2 CONCEITOS GEOGRÁFICOS FUNDAMENTAIS Como a geografia é fundamental para a compreensão do mundo contemporâneo em suas mais diferentes escalas, parece-nos fundamental compreender e destrinchar de forma adequada os principais conceitos geográficos (espaço, paisagem, região e território), instrumentos mais do que necessários para o entendimento das relações sociais e do homem com a natureza. 2.1 O conceito de espaço e sua complexidade Podemos começar nossa discussão sobre o conceito de espaço e suas derivações afirmando que se trata de um dos mais fundamentais e complexos a serem trabalhados, porém a sua devida acepção marca a base de todas as análises da geografia do turismo, já que esse conceito acaba por contemplar todos os outros. Podemos partir da premissa de que o espaço terrestre tem duas facetas. Antes de tudo, o espaço natural ou ecológico (que existe sem o homem), resultando da longa evolução da vida (animal e vegetal) integrada a um espaço físico específico. Esse espaço natural é um todo objetivo em que um conjunto de relações deinterdependência entre físico e o vivo constituintes criam um sistema autogerenciado, cuja estabilidade é mantida por retroações regulatórias. É a vida que possibilita atingir esse objetivo por causa de sua capacidade específica de reagir a estímulos do ambiente. Esse espaço natural é o que Isnard (1982) chama de ecossistema. Ele define deliberadamente a expressão espaço natural como aplicável apenas aos ecossistemas existentes, além de qualquer atividade humana, para poder definir melhor o que é específico sobre essa atividade. A segunda faceta atribuída ao espaço justifica o uso do termo espaço geográfico e sintetiza onde “a atividade humana se libertou da evolução para integrá-lo à história” (ISNARD, 1982, p. 38). Esse 14 Unidade I espaço, concebido e construído pelo homem, é o espaço geográfico propriamente dito. Isnard (1982) observa, então, seus elementos constituintes: habitação, população e demais infraestruturas construídas para a atividade e o movimento humano. Suas inter-relações, que variam de acordo com circunstâncias (naturais, históricas ou culturais), podem ser entendidas através da noção de espaço construído (tudo aquilo que foi modificado pelo homem). Diante dessa concepção/organização do espaço geográfico, podemos refletir porque o espaço terrestre é tão amplo e diverso, já que cada sociedade (ou povo) se compromete inteiramente com o desenvolvimento de uma pequena porção de espaço, de acordo com os objetivos que se estabelecem para ele. Assim, a sociedade usa todos os meios fornecidos por sua tecnologia: sua força de trabalho, engenhosidade de suas invenções, o apoio de suas crenças, suas esperanças e suas ambições. O espaço geográfico entendido é, no sentido mais amplo da palavra, um produto, porque resulta do trabalho que a sociedade se organiza para atingir seus objetivos (ISNARD, 1982, p. 52). Como qualquer ser humano, organização é definida pelo sistema de interações que constituem sua realidade subjacente, esse mesmo sistema de relações se reflete em sua gestão do espaço. Esse é o ponto de partida da busca do geógrafo: estudar como a sociedade, se apropria e “transforma o espaço natural em um espaço geográfico com o qual é identificado” (ISNARD, 1982, p. 75), o que será reflexo das relações sociais. A tarefa do geógrafo e do turismólogo, em suas pesquisas, deve ser então conceber o espaço geográfico que realmente corresponde a essa sociedade: que sociedade é essa? Quais são suas prioridades? Como suas escolhas políticas e econômicas ajudam a entender o espaço de nossas cidades contemporâneas, por exemplo? O geógrafo Milton Santos (2002), um dos grandes pesquisadores sobre a temática, sintetiza que o espaço geográfico é o espaço habitado, transformado e utilizado pelo ser humano. É a porção da superfície terrestre que abriga as sociedades, envolvendo também os pontos utilizados para a exploração e extração de recursos naturais. Destaca ainda que não se trata apenas de um “palco” ou um “produto”, pois ele é ao mesmo tempo resultado e resultante das ações humanas. Ele tem movimento, assim como um filme que está em constante transformação, conectando pontos fixos e fluxos por meio de redes diversas (SANTOS, 2002). Devemos destacar ainda que o estudo do conceito de espaço não é uma exclusividade dos geógrafos, por exemplo, quando nos aproximamos da perspectiva econômica ou mesmo do planejamento turístico, a ideia de locação e do porquê as atividades econômicas se localizam aqui ou ali ganha maior importância. Essa perspectiva, que pode ser chamada de econômico-espacial, associa-se à teoria da localização e preocupa-se com a questão intrigante de onde a atividade econômica pode ser encontrada. Aborda 15 FUNDAMENTOS GEOGRÁFICOS DO TURISMO a dimensão geográfica das decisões econômicas e analisa o comportamento das sociedades e o porquê das atividades (FISCHER; NIJKAMP, 2013). Assim, todos os fenômenos que são determinados criticamente pela localização da atividade humana e industrial, tais quais: os mercados de habitação e trabalho, disparidades regionais de crescimento, inovação espacial e condições de empreendedorismo, aglomerações urbanas, aglomerados industriais ou escassez de energia e recursos ambientais, seriam objeto de análise (FISCHER; NIJKAMP, 2013). Segundo Reggiani e Nijkamp (2014), a principal questão na teoria da localização é quais são os motivos para escolher um local específico e quais são as implicações geográficas. Claramente não há uma resposta única e conclusiva. Um estudante que acabou de sair da universidade geralmente terá objetivos diferentes em mente ao procurar uma residência, assim como seus pais que acabaram de se aposentar. Apesar da variedade de motivos e objetivos, muitos fatores são comuns a quem procura um local residencial (como acessibilidade, qualidade de vida, poder aquisitivo e capacidade de compra etc.). O mesmo se aplica às empresas comerciais. Um vendedor de sorvete não abrirá uma loja em uma rua sem saída e um vendedor de diamantes não optará por um local em uma estação de metrô. Ambos podem ter motivos de lucro, mas suas decisões sobre onde se localizarem podem ser totalmente diferentes. No entanto, os padrões reais de localização das empresas revelam algumas semelhanças. Os padrões de localização de famílias e empresas não são aleatórios em todo o mundo, mas apresentam muitas regularidades (FISCHER; NIJKAMP, 2013). Por exemplo, em todo o mundo, encontramos uma concentração populacional e uma concentração comercial em áreas de bacia hidrográfica e delta de rios, um fenômeno observado por Adam Smith há mais de 200 anos. Isso se deve ao fato de que a mobilidade e o transporte de mercadorias sempre foram um elemento fundamental, para tanto, os rios sempre foram fundamentais facilitadores dos deslocamentos. Figura 1 – Exemplo de cidade ribeirinha no interior do Nordeste brasileiro 16 Unidade I 2.2 Paisagem e natureza O homem – considerado aqui sinônimo da espécie humana –, há aproximadamente 13 mil anos – período estimado para o surgimento dos primeiros vilarejos em algumas partes do mundo, da domesticação de animais e do cultivo de plantas –, passa a se diferenciar na natureza, culminando nos dias atuais, no limite de não se identificar mais como parte dela, porque é desse “mundo natural” que o homem retira tudo o que é necessário a sua sobrevivência e modo de vida. Dessa forma a natureza é apresentada separada do homem, que parece não fazer parte dela. Todo esse percurso histórico que “separa” o homem da natureza não acontece da noite para o dia, ele é culturalmente construído à medida que os grupos sociais se tornam mais complexos em sua organização, o que se dá de forma lenta. Apesar disso, é preciso ter em mente que tal conceito, além do senso comum, pode ser apresentado de forma muito mais complexa. O conceito de natureza, embora não seja exclusividade da geografia, pode muito bem servir como um norte na evolução de seu pensamento, entendendo-a como de primordial importância para um entendimento de mundo e do espaço geográfico, servindo inclusive para delinear a maior dicotomia existente em seu seio: o natural versus o social, ou a geografia humana versus a geografia física. Natureza e paisagem acabam por se confundir no senso comum, porém, segundo o dicionário Aurélio, enquanto a primeira representa o conjunto de elementos (mares, montanhas, árvores, animais etc.) do mundo natural, uma paisagem pode ser brevemente resumida como a porção do espaço passível de percepção visual, é o que enxergamos a nossa volta, nesse aspecto ela pode ser natural ou humanizada (cultural ou ainda antrópica). Tentando fazer uma simplória analogia comparativa, enquanto o espaço geográfico representa um filme e traz consigo uma complexidade de elementos sociais e naturais que ajuda a compreender seu enredo e seu desenvolvimento, a paisagem representa uma fotografia, um determinado momento desse espaço. Tudo aquilo que nós vemos, o que nossavisão alcança, é a paisagem. […]. Não é formada apenas de volumes, mas também de cores, movimentos, odores, sons etc. […] Nossa visão depende da localização em que se está, se no chão, em um andar baixo ou alto de um edifício, num miradouro estratégico, num avião (SANTOS, 1988, p. 21). O termo paisagem origina-se da palavra alemã landschap, o nome dado às pinturas do campo. Os geógrafos emprestaram a palavra dos artistas. Embora as pinturas de paisagens existam desde os tempos romanos antigos (os afrescos da paisagem estão presentes nas ruínas de Pompeia), elas ressurgiram durante o Renascimento no norte da Europa. Os pintores ignoravam pessoas ou cenas na arte da paisagem e tornavam a própria terra objeto de pinturas. Pintores de paisagem holandeses famosos incluem Jacob van Ruisdael e Vincent van Gogh (ROUGERIE; BEROUTCHACHVILI, 1991). 17 FUNDAMENTOS GEOGRÁFICOS DO TURISMO Um artista pinta uma paisagem, um geógrafo (e por que não um turismólogo) a estuda. Alguns geógrafos, como Otto Schluter, na verdade definem a geografia como ciência da paisagem. Schluter foi o primeiro cientista a escrever especificamente sobre paisagens naturais e paisagens culturais. 2.2.1 Paisagem natural Uma paisagem natural é composta de uma coleção de formas de relevo, como montanhas, colinas, planícies e planaltos. Lagos, córregos, solos (como areia ou argila) e vegetação natural são outras características das paisagens naturais. Uma paisagem desértica, por exemplo, geralmente indica solo arenoso e poucas árvores. Até mesmo as paisagens desérticas podem variar: as dunas montanhosas da paisagem do deserto do Saara são muito diferentes da paisagem pontilhada de cactos do deserto de Mojave, no sudoeste americano, por exemplo. Figura 2 – Paisagem natural do parque nacional de Yellowstone (EUA) 2.2.2 Paisagem cultural ou antrópica Uma paisagem que as pessoas modificaram é chamada de paisagem cultural. As pessoas e as plantas que cultivam, os animais de que cuidam e as estruturas que constroem compõem paisagens culturais. Tais paisagens podem variar bastante. Eles podem ser tão diferentes quanto uma vasta fazenda de gado na Argentina ou a paisagem urbana de Tóquio, no Japão. Desde 1992, as Nações Unidas reconhecem interações significativas entre as pessoas e a paisagem natural como paisagens culturais oficiais. A organização internacional protege esses locais da destruição e os identifica como destinos turísticos. O Comitê do Patrimônio Mundial da Unesco (Organização Econômica, Social e Cultural das Nações Unidas) define um cenário cultural de três maneiras: • A primeira é uma paisagem claramente definida, projetada e criada intencionalmente pelo homem. A paisagem de qualquer grande cidade mundial, ou mesmo a de uma cidade como Veneza, como na imagem a seguir, compõe um bom exemplo para a argumentação 18 Unidade I Figura 3 – A paisagem antrópica de Veneza, na Itália • O segundo tipo é uma paisagem organicamente evoluída, que é aquela em que o significado espiritual, econômico e cultural de uma área se desenvolve com suas características físicas. A paisagem cultural do Vale Orkhon, ao longo das margens do rio Orkhon, no centro da Mongólia, é um exemplo de paisagem evoluída organicamente. O vale de Orkhon é usado pelos nômades mongóis desde o século VIII como pastagem para seus cavalos e outros animais. Os pastores da Mongólia ainda hoje usam o rico vale do rio para pastagens (PAISAGEM…, 2020). Saiba mais Leia o texto completo sobre essa paisagem cultural em: PAISAGEM CULTURAL DO VALE DE ORKHON. In: UNESCO. 2020. Disponível em: https://whc.unesco.org/en/list/1081/. Acesso em: 4 fev. 2020. • O último tipo é uma paisagem cultural associativa. Muito parecida com uma paisagem evoluída organicamente, exceto pelo fato de que evidências físicas do uso humano histórico do local podem estar ausentes, pode ser associada a características espirituais, econômicas ou culturais de um povo. O Parque Nacional de Tongariro, na Nova Zelândia é uma paisagem cultural associativa para o povo maori. As montanhas no parque simbolizam a ligação entre os maoris e o ambiente físico (PARQUE NACIONAL TONGARIRO, 2020). Figura 4 – Montanhas do Parque Nacional de Tongariro (Nova Zelândia) 19 FUNDAMENTOS GEOGRÁFICOS DO TURISMO Cabe destacar ainda que o crescimento da tecnologia aumentou nossa capacidade de mudar uma paisagem natural. Um exemplo do impacto humano na paisagem pode ser visto ao longo da costa da Holanda. A água do Mar do Norte foi bombeada para fora de certas áreas, descobrindo o solo fértil abaixo. Diques e represas foram construídos para manter a água dessas áreas, agora usadas para agricultura e outros fins. As barragens podem mudar uma paisagem natural inundando-a. A barragem das Três Gargantas, no rio Yangtzé, em Yichang, China, é a maior usina elétrica do mundo. O projeto da Barragem das Três Gargantas deslocou mais de 1,2 milhão de pessoas e alterou o fluxo do rio Yangtzé, mudando a paisagem física e cultural da região, definitivamente. Muitas atividades humanas aumentam a velocidade com que processos naturais como intemperismo e erosão moldam a paisagem. O corte de florestas expõe mais solo à erosão eólica e hídrica. Poluição, como chuva ácida, frequentemente acelera o intemperismo ou a degradação da superfície rochosa da Terra. Ao estudar paisagens naturais e culturais, os geógrafos e turismólogos podem aprender como as atividades das pessoas afetam a Terra. Seus estudos podem sugerir maneiras que nos ajudarão a proteger o delicado equilíbrio dos ecossistemas do planeta. A imagem a seguir mostra um esquema bastante didático para concluirmos nossa discussão sobre a paisagem e, ao mesmo tempo, diferenciá-la do espaço geográfico. Espaço natural Espaço geográfico Paisagens naturais NecessidadesTrabalho M od ifi ca çõ es Ações antrópicas Homem Paisagens naturais Paisagens humanizadas Figura 5 – Síntese e relação entre conceitos geográficos 2.3 Região Amplamente utilizado no senso comum, o conceito de região é geralmente empregado em referência a uma área do espaço mais ou menos delimitada. A ideia desse conceito associa-se, diretamente, à noção de que áreas podem ser diferenciadas segundo uma ou mais características comuns, ou seja: regiões são agrupamentos de informações geográficas, definidas por uma ou mais características distintivas que permitam espacializá-las (LENCIONE, 1999). 20 Unidade I Em outras palavras, uma região é uma área de terra que possui características comuns. Ela pode ser definida por características naturais ou artificiais. Idioma, governo ou religião também podem definir uma região, assim como florestas, fauna ou clima de uma determinada porção do espaço geográfico. Mas as regiões possuem tamanho pré-definido? A resposta é não, regiões, grandes ou pequenas, são as unidades básicas da geografia. Vamos a um exemplo bastante simples: na divisão regional do mundo, em continentes, América, África, Europa, Ásia, Oceania e Antártida, onde é o Oriente Médio? Figura 6 – Regionalização do mundo segundo os continentes O Oriente Médio, ou próximo, é considerado uma divisão regional política, ambiental e religiosa que inclui partes da África, Ásia e Europa. A região está em um clima quente e seco. Embora os estilos de governo sejam variados (democracia em Israel, monarquia na Arábia Saudita), quase todos eles têm fortes laços com a religião e compartilham características naturais comuns. Nessa porção do mundo, três grandes religiões foram fundadas: cristianismo, judaísmo e islamismo. Figura 7 – A região do Oriente Médio 21 FUNDAMENTOS GEOGRÁFICOS DO TURISMO Vamos a outro exemplo? A região do rio Amazonas, na América do Sul, é a área em torno do rio Amazonas que atravessa a parte norte do continente e não se limita ao território brasileiro, incluindo Bolívia, Equador e Peru (ver figura a seguir). Essa região é caracterizada por temperaturas quentes, fortes chuvas, uma grande diversidade de espécies vegetaise animais e pouca intervenção humana na paisagem natural. Figura 8 – Divisões regionais da Amazônia Assim as regiões podem se basear em características físicas (como uma bacia hidrográfica), limites políticos (conjunto de municípios, estados ou continente), cultura ou religião ou outras categorias geográficas. As regiões podem ser formais, funcionais ou perceptivas. As regiões formais também são conhecidas como região homogênea ou uniforme (LENCIONE, 1999). As entidades de uma região formal compartilham um ou mais traços comuns, como os residentes da região Sul ou Nordeste do Brasil. Uma região funcional é uma região ancorada por um ponto focal. Exemplo é uma área de atendimento ao cliente para um serviço de entrega de restaurantes ou o distrito escolar de uma escola primária. Uma região vernacular (também conhecida como região popular ou perceptiva) é uma área geográfica que existe como parte de uma identidade cultural ou étnica e que, portanto, não adere a limites regionais políticos ou formais. Como não existe uma, mas uma infinidade possível de regiões, já que a sua definição vai estar associada a um estudo ou pesquisa, é possível utilizar muitos critérios para estabelecer uma região. Estes podem ser: naturais, econômicos, políticos, demográficos, sociais, entre outros. 22 Unidade I A figura a seguir mostra a mais conhecida divisão regional brasileira: Figura 9 – As grandes regiões brasileiras Sobre a divisão regional estabelecida no Brasil, o IBGE, esclarece A Divisão Regional do Brasil consiste no agrupamento de Estados e Municípios em regiões com a finalidade de atualizar o conhecimento regional do País e viabilizar a definição de uma base territorial para fins de levantamento e divulgação de dados estatísticos. Ademais, visa contribuir com uma perspectiva para a compreensão da organização do território nacional e assistir o governo federal, bem como Estados e Municípios, na implantação e gestão de políticas públicas e investimentos. A Divisão Regional do Brasil faz parte da missão institucional do IBGE desde os primórdios do Instituto. A necessidade de um conhecimento aprofundado do Território Nacional, visando, na década de 1940, mais diretamente à sua integração e, nas divisões posteriores, à própria noção de planejamento como suporte à ideia de desenvolvimento, passou a demandar a elaboração de 23 FUNDAMENTOS GEOGRÁFICOS DO TURISMO divisões regionais mais detalhadas do País, isto é, baseadas no agrupamento de municípios, diferentemente das divisões até então realizadas pelo agrupamento dos estados federados (IBGE, 2017). Atualmente, em função das complexas transformações técnico-científicas pelas quais a sociedade passa, alguns estudiosos têm questionado o conceito, entre outras razões, pelo fato de que com a expansão da globalização da economia, das modernas organizações econômicas (algumas mais poderosas que determinados Estados nacionais), da indústria cultural (incluindo os meios de comunicação de massa), tanto o espaço construído pelo homem como as características socioculturais presentes em dada região tendem a uma “certa homogeneização”, a uma descaracterização e até perda, tanto regional como nacionalmente, de sua dinâmica autônoma, tornando-se área de influência de forças externas a ela. 2.4 O território O termo território pode possuir diferentes significados em diferentes idiomas, sendo, portanto, importante defini-lo precisamente, conforme ressalta, Hogget (1990). Guttmann (apud MOHAMMAD, 2012) afirma que a raiz do conceito é de origem latina e, no período da Grécia antiga, traduzia uma região que compreendia uma cidade e seu entorno. Já com relação à Roma, Hensley (apud MOHAMMAD, 2012) afirma que o território era o espaço ocupado por todo o império. O território, na atualidade, pode ser compreendido como uma porção do espaço geográfico que coincide com a extensão da jurisdição de um governo, ou seja, ele é sinônimo da área ocupada por um Estado. É o recipiente físico e suporte do corpo político organizado sob uma estrutura governamental. Descreve a arena espacial do sistema político desenvolvido dentro de um estado nacional ou uma parte dele dotada de alguma autonomia. Serve também para descrever as posições no espaço das várias unidades participantes de qualquer sistema de relações internacionais (MORAES, 1984). Diante do exposto, podemos considerar o território um elo ideal entre espaço e política, já que o conceito guarda uma íntima relação com o poder e com a dominação, pois estamos tratando de espaços apropriados por determinados grupos humanos. Assim o território é um dos pilares essenciais da geografia política, embora isso não seja uma questão exclusivamente geográfica, mas ajude a compreender e definir outros conceitos/fenômenos como a ideia de nação, Estado, povo, fronteira, imigração e até soberania, elementos fundamentais na dinâmica das relações internacionais contemporâneas. A figura a seguir mostra o mapa da Europa, no qual podem ser materializados todos os conceitos anteriormente tratados. 24 Unidade I Figura 10 – Fronteiras entre países europeus Saiba mais Leia mais sobre o conceito de território em: POLITIZE. Estado, país ou nação? Entenda as diferenças. Politize!, 2017. Disponível em: https://www.politize.com.br/estado-pais-nacao-diferencas/. Acesso em: 4 fev. 2020. MARTIN, A. R. Fronteiras e nações. 2. ed. São Paulo: Contexto, 1997. O território sempre teve um papel fundamental na vida cotidiana das sociedades, basta pensar que boa parte das guerras, tensões e revoluções aconteceram baseadas no sentimento de territorialidade. Os debates recentes discutem a perda do poder do território em função dos processos de flexibilização trazidos pela globalização, já que não existem limitações físicas ou barreiras em relação à economia ou mesmo à comunicação global. As mudanças espaço-temporais trazidas por toda essa dinâmica fizeram com que a atualização do conceito permitisse a criação de derivações que tentem abarcar a complexidade da dinâmica mundial, por exemplo, se o território é sinônimo de Estado-nação, como tratar as nações sem Estado, ou seja, sem território? Os curdos formam a maior nação do mundo destituída de território? 25 FUNDAMENTOS GEOGRÁFICOS DO TURISMO Saiba mais Entenda a questão do povo curdo em: NAVARRO, R. Qual é o maior povo sem país? Superinteressante, 2018. Disponível em: https://super.abril.com.br/mundo-estranho/qual-e-o- maior-povo-sem-pais/. Acesso em: 4 fev. 2020. Com base nessa perspectiva, hoje, pode-se falar em desterritorilização, relacionado ao povo que perdeu o seu território, reterritorialização, ao povo que conquistou ou reconquistou seu território e ainda em múltiplos territórios, como no caso das empresas transnacionais, dos grupos terroristas ou narcotraficantes que atuam em células espalhadas pelo mundo e, consequentemente, por muitos territórios. 3 A GEOGRAFIA DO TURISMO E A GLOBALIZAÇÃO As conexões entre turismo e geografia podem ser feitas por termos/conceitos específicos como local, localização, espaço, acessibilidade, escala, paisagem, região, espaço, território e outros, por esse motivo, pesquisadores como Cruz (2003), defendem a ideia de que essa análise vá além da perspectiva de enxergar o fenômeno turístico pelo olhar geográfico: A geografia do turismo, entretanto, não se refere apenas à abordagem científica do fenômeno do turismo pela ciência geográfica. A “geografia do turismo” é uma expressão que se refere à dimensão socioespacial da prática social do turismo, e isto sim pode interessar às mais diversas áreas do conhecimento (CRUZ, 2003, s/p). Assim, a geografia do turismo passa a ter um caráter integrador, contendo elementos-chave de todos os campos da geografia: físico, humano e econômico, e pode ir muito mais além, propondo uma análise transversal do planejamento turístico, já que muitos pontos em comum com outras ciências, incluindo história, geologia, biologia, arte e economia,podem e devem ser compartilhados para um entendimento mais amplo dessa complexa atividade. O turismo, enquanto prática social e atividade econômica, relaciona-se intimamente com a dimensão espacial, podendo impactá-la positiva ou negativamente. Ao mesmo tempo em que se apropria, adapta-se e interage com os espaços, produzindo-os (no presente) e reproduzindo-os (no futuro). Podemos afirmar, ainda, que o turismo materializa-se não no imaginário da sociedade, mas, sim, no espaço geográfico. A valorização dos espaços turísticos e a escolha pelos principais destinos turísticos tem como mais forte componente a cultura, mas não podemos esquecer que aspectos geográficos (naturais e sociais), a dinâmica política e a economia são importantes aspectos e agentes organizadores desse mesmo espaço. 26 Unidade I Não podemos nos esquecer também do papel e da importância do planejamento, pois como sabemos, compreende o exame de todos os componentes do turismo, tanto do ponto de vista efetivo, como do ponto de vista potencial. Compreende, portanto, o exame da demanda existente, da oferta de atrativos, de serviços, de serviços urbanos de apoio ao turismo e de infraestrutura básica. O turismo comprovou ter um forte poder de organizar e reorganizar espaços. Com isso, as formas e funções podem surgir ou serem adaptadas à dinâmica turística. Objetos que já faziam parte de um espaço local, também conhecidos como objetos pré-existentes, tais como padarias e farmácias, podem ser “reformados” não somente em suas formas, mas também em sua funcionalidade para atender aos turistas e suas demandas. Existem muitas teorias e definições sobre o que pode ser entendido através do termo geografia do turismo, e muitos pesquisadores ainda debatem sobre o que é e o que não está incluído nesse campo de estudo bastante amplo. O conteúdo da geografia do turismo pode parecer simples, porém uma análise um pouco mais profunda mostra sua complexidade, já que, ao fazer uma conexão entre os dois conceitos, de geografia e turismo, “fundem-se dois mundos” de conteúdo, ora muito próximos, ora muito distantes. Cabe destacar, também, a “jovialidade” do próprio conceito de turismo, e sua significância contemporânea ao se comparar com o termo geografia. O marco primordial pode ser traçado no início do século XX, embora o turismo já estivesse sendo usado no estudo da geografia muito antes. Na década de 1950, a geografia do turismo começou a ser aceita como seu próprio domínio, especialmente em trabalhos científicos nos EUA e na Alemanha. As primeiras definições eram bastante vagas e incompletas, Chabot (1953) afirma que geografia e turismo são dois termos predestinados a serem unidos, porque todo geógrafo precisa necessariamente ser duplicado pelas qualidades de um turista e também, reciprocamente, podemos dizer que em todo turista existe um geógrafo oculto, porque o turista inteligente é na verdade um geógrafo que não se descobriu. À medida que mais e mais pesquisadores começaram a estudar esse novo campo, a precisão e a profundidade das definições começaram a melhorar. À medida que a importância e a popularidade do turismo aumentavam, especialmente nas últimas duas ou três décadas, tornando-o uma das maiores indústrias do mundo, o mesmo acontecia com o seu papel na geografia e em seus estudos. Embora antes houvesse poucas menções de fatos relacionados ao turismo em qualquer livro ou pesquisa de geografia, hoje não podemos imaginar nenhuma descrição geográfica sem um capítulo separado sobre turismo. De forma simples, Merlo (1969) considera essa ciência como um ramo da geografia que estuda a posição e a aparência dos centros turísticos, suas características naturais e histórico-culturais individuais, as atrações e tradições no contexto da área onde são encontrados, a rede de transporte que garante a acessibilidade e as ligações com outros centros turísticos. O turismo é essencialmente um fenômeno geográfico, no que diz respeito à transferência de pessoas e serviços através do espaço e do tempo; portanto, um domínio especial dedicado à pesquisa das interconexões entre turismo e geografia torna-se inevitável. Embora o campo científico seja novo, as conexões entre geografia e viagens podem ser rastreadas até os tempos antigos, quando os geógrafos não tinham outra maneira de descrever o mundo além de viajar e vê-lo por si mesmos. 27 FUNDAMENTOS GEOGRÁFICOS DO TURISMO 3.1 A globalização e as condições necessárias para a criação da indústria do turismo O surgimento de um mundo globalizado não é consequência de decisões políticas ou de qualquer decisão em geral, é simplesmente a consequência de um duplo processo, econômico e social, no qual o progresso tecnológico está no centro da evolução, e a compreensão mínima dessas transformações torna-se fundamental para a compreensão do desenvolvimento do turismo mundial. Não podemos esquecer que o mundo pode ser regionalizado de muitas formas e a perspectiva continental é apenas uma delas. Sob o aspecto econômico, o progresso tecnológico permitiu melhorar a produtividade do processo de produção com escalas econômicas em volumes que geram retornos crescentes que estimulam a grande produção da oferta, a qual encontrará pontos de venda em escala mundial com a diminuição dos custos de transporte devido ao progresso tecnológico (KRUGMAN, 1991). Mas se o tecnológico incentivou a ampliação da oferta em escala mundial, a demanda precisa compartilhar essa perspectiva para terminar em um sistema de globalização. Aqui está o fenômeno social. No mesmo momento em que a estrutura de produção foi transformada, a natureza da demanda – graças aos aparelhos de progresso tecnológico – estava mudando em sua concepção espaço-temporal cotidiana, ajustando-se de acordo com essa nova oferta. A partir desse momento, tudo se torna uma potencial mercadoria (GIDDENS, 1991). A globalização e a internacionalização da economia envolveram um aumento inevitável dos fluxos transfronteiriços de bens e serviços, informações, comunicações e pessoas (HARVEY, 2004), facilitado por uma série de fatores, como: • A liberalização do comércio e o aumento do comércio internacional. • O grande volume de investimentos estrangeiros. • Privatização de empresas estatais. • Desregulamentação dos mercados financeiros. • O grande volume de transporte internacional de mercadorias. • O aumento do tráfego global de transporte aéreo. • O aumento do número de empresas multinacionais e transnacionais etc. Ao mesmo tempo, a globalização está baseada em vários princípios, entre os quais: • A maneira como força a eficiência, a competitividade e os lucros de Estados, mercados e empresas em nível internacional. • Reorganização social de indivíduos, instituições e organizações, que se dá através de transformações contínuas. 28 Unidade I • A capacidade dos recursos econômicos, como capital, recursos humanos, tecnologia, fabricação e consumo, para migrar rapidamente para as áreas mais rentáveis da economia, sem se preocupar com o grande impacto socioeconômico que essas transições têm sobre países, comunidades e indivíduos afetados. Na base tecnológica dos processos que permitiram a revolução da globalização, estão dois elementos fundamentais: os meios de transporte (e sua evolução) e os sistemas de comunicação, partindo do telefone e chegando à internet. Lembrete O mundo pode ser regionalizado de muitas formas e a perspectiva continental é apenas uma delas. Harvey (2004), um dos grandes pensadores da sociedade contemporânea, sintetiza a ideia de transformação no espaço geográfico propiciado pela revolução tecnológica na perspectiva de uma compressão espaço-temporal, ou seja, as distâncias foram encurtadas e o mundo se tornou menor (não literalmente, claro). 1500-1840 Velocidade das carruagens e dos barcos à vela: 16 km/h 1850-1930 Velocidade das locomotivas a vapor: 100 km/h; barcos a vapor: 57 km/h 1950 Aviões à propulsão: 480-640 km/h 1960 Jatos de passageiros:800-1100 km/h Figura 11 – Compressão espaço-temporal como decorrência da evolução tecnológica 29 FUNDAMENTOS GEOGRÁFICOS DO TURISMO De forma óbvia, os citados avanços de comunicações e transportes foram fundamentais para o desenvolvimento do turismo, podendo citar mais especificamente nesse contexto: • Mobilidade global e facilidade de viagem: os avanços nos transportes que permitiram a mobilidade global são particularmente significativos. Aeronaves modernas, navios de cruzeiro, trens e outros modos de transporte permitem que as pessoas se movam rapidamente e de forma relativamente barata. Trens, sistemas viários e até mesmo programas de aluguel de bicicletas urbanas permitem que as pessoas possam explorar mais facilmente as cidades. • Sistema bancário internacional: isso permite acesso a dinheiro em quase qualquer lugar do mundo. Empresas multinacionais que fornecem voos, transporte e acomodação locais e alimentos permitiram um balcão único para viagens reserva. • Dispositivos portáteis: eles também mudaram a natureza da viagem com relação ao que os viajantes fazem e como eles interagem com um destino, facilitando a seleção de restaurantes, a navegação em uma cidade grande ou a tradução de uma língua em um país estrangeiro. Houve um crescimento extraordinário para a criação do turismo de massa. Aldeias de pescadores na costa sul da Espanha, ou no Nordeste brasileiro, em poucas décadas, tornaram-se resorts. Parques temáticos e de lazer foram construídos em regiões distantes para atrair mais e mais visitantes. A indústria de viagens e turismo tornou-se, rapidamente, na era da globalização, um dos setores-chave para o crescimento econômico e a geração de emprego no mundo. Observação Autores diversos destacam os grandes impactos negativos (ambientais, sociais, culturais e econômicos) às comunidades locais gerados pelo turismo de massa, que acabam por concentrar muitas vezes os lucros em pequenos grupos empresariais. Um número cada vez maior de destinos em todo o mundo se abriu e passou-se a investir pesadamente no turismo, e nesse contexto, muitos novos destinos surgiram, além dos tradicionais destinos da Europa e da América do Norte. Apesar de choques ocasionais, a chegada de turistas internacionais mostrou virtualmente crescimento ininterrupto de 25 milhões em 1950 para 278 milhões em 1980, 528 milhões em 1995 e um bilhão e 87 milhões em 2013, contribuindo para o PIB e para o emprego mundial (NAÇÕES UNIDAS BRASIL, 2015). A figura a seguir, retirada do relatório da Organização Mundial do Turismo de 2019, mostra que o setor continua apresentado números bastante significativos, apesar do tenso momento da economia global no período. Para adequada leitura da figura, deve-se atentar ao fato de que os dados estão agrupados regionalmente, e que o símbolo de uma pessoa carregando uma mala significa o total de pessoas que visitou aquela região, enquanto o símbolo do dinheiro indica quanto o setor turístico arrecadou, em dólares. 30 Unidade I América Europa África Ásia e Pacífico Oriente Médio 216 milhões + 710 milhões + 67 milhões + 7% 348 milhões + 60 milhões + 5% 2% 5% 38 bilhões + 2% 7% 73 bilhões + 4% Figura 12 – Mapa internacional de chegadas turísticas e receitas Com números como esses, muitos países ao redor do mundo continuam investindo grandes montantes para incentivar o setor, apesar disso, não se pode perder de vista que os ganhos econômicos de uma economia do turismo em um país pobre como Honduras, comparada a um país desenvolvido como o Canadá, seja completamente desigual. Os custos ambientais e outros impactos sociais e econômicos também são distribuídos de maneira completamente desigual no mundo. Observação É fundamental pensar que o turismo enquanto atividade social possui uma grande capacidade de gerar impactos, tantos positivos, quanto negativos. 4 INTRODUÇÃO À GEOGRAFIA DO BRASIL O Brasil possui uma história de desenvolvimento territorial, relativamente recente, quando se compara à Europa e à Ásia. Não à toa chamado de novo mundo, tem no período conhecido como dos descobrimentos o marco para o início do processo de transformação territorial. Somos uma experiência única na história, como afirmava Darcy Ribeiro, sociólogo e antropólogo e um dos maiores intelectuais que o Brasil já conheceu. E essa experiência única de miscigenação a partir do processo civilizatório de domínio Europeu gerou um país multicultural e racial, assim como também ajuda a compreender uma série de mazelas que assolam nossa sociedade. O espaço geográfico 31 FUNDAMENTOS GEOGRÁFICOS DO TURISMO não é passivo, ele é resultado e resultante das complexas dinâmicas sociais, incluindo nessa perspectiva posicionamentos políticos e escolhas econômicas. O tecido cultural do Brasil foi construído e complementado por imigrantes de vários países. A população diversificada do Brasil ligou o país às pátrias de seus imigrantes e estabeleceu conexões comerciais e culturais que beneficiam o país no mercado global. As mais de duzentas milhões de pessoas que compõem a população brasileira compõem uma mistura única. Após a Segunda Guerra Mundial, um grande número de japoneses migrou para São Paulo. Hoje, o Brasil possui a maior população japonesa fora do Japão. Muitas pessoas da Europa Ocidental e Oriental fizeram do Brasil o seu lar, e um grande número de pessoas do Líbano, da Síria e do Oriente Médio de forma geral imigrou para cá. Apesar de sua diversidade cultural, o Brasil possui duas forças culturais abrangentes que ajudaram a manter o país unido: a língua portuguesa e o catolicismo. Essas duas forças centrípetas ajudam a estabelecer um senso de nacionalismo e identidade. A língua portuguesa foi adaptada à sociedade brasileira para refletir um dialeto ligeiramente diferente do português falado em Portugal. Ela tem um efeito mais unificador que a religião. Embora cerca de 70% da população afirme ser católica, afiliações religiosas adicionais no Brasil variam desde a influência africana da umbanda até a minoria muçulmana. As denominações protestantes são as segundas maiores afiliações religiosas no Brasil. Em 2010, a densidade demográfica era de 22,4 hab/km2, abaixo da média mundial, estimada em aproximadamente 45 hab/km2 (IBGE, 2011). Esses números indicam quanto o processo histórico de ocupação brasileira foi seletivo e concentrado nas porções litorâneas, já que boa parte do território apresenta verdadeiros vazios demográficos, como a figura a seguir expõe. Figura 13 – Densidade demográfica brasileira 32 Unidade I A compreensão do nosso espaço geográfico passa necessariamente pelo conhecimento de como os ciclos econômicos desenvolvidos foram fundamentais para forjar o território brasileiro. Lembrete O espaço geográfico não é passivo, ele é resultado e resultante das complexas dinâmicas sociais, incluindo nessa perspectiva posicionamentos políticos e escolhas econômicas. Os mapas a seguir trazem um detalhamento de todo o processo de ocupação e formação do território e sua vinculação direta com o desenvolvimento econômico de cada período. É bastante significativo destacar, por exemplo, a importância que os rios tiveram na interiorização do processo de espraiamento da população, por meio da pecuária, uma atividade que por muitos séculos foi secundária e hoje é uma das mais significativas para a balança comercial do país. Figura 14 – Economia e território no século XVI 33 FUNDAMENTOS GEOGRÁFICOS DO TURISMO Figura 15 – Economia e território no século XVII 34 Unidade I Figura 16 – Economia e território no século XVIII 35 FUNDAMENTOS GEOGRÁFICOS DO TURISMO Figura 17 – Economia e território no século XIX 36 Unidade I Compreender porque as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, juntamente aos seus vizinhos urbanos, ancoram a região Centro-Sul do Brasil, perpassa entender a importância que a descoberta de ouro nas Minas Gerais, no século XVII, e a vinda da família real, no século XVIII, tiveramna mudança definitiva do centro de poder geopolítico no país, até então localizado no Nordeste. A migração interna do Brasil para os grandes centros segue um padrão rural-urbano ou periférico-central. À medida que os trabalhadores migrantes do campo e do Nordeste rural migram para as cidades em busca de trabalho, eles expandem a cidade através da autoconstrução, são as favelas. Tanto no tamanho da população quanto na extensão da área física, o Brasil ocupa o quinto lugar no mundo. Ele é tão urbano quanto os Estados Unidos ou os países da União Europeia. O índice de desenvolvimento econômico pode ser aplicado ao Brasil da seguinte forma: à medida que uma região se urbaniza e se industrializa, o tamanho da família caiu significativamente, de 4,4 filhos em 1980 para 2,4 filhos em 2000, e para 1,87 em 2010, segundo o IBGE (2011), e conforme diminui, a renda aumenta. As tradições religiosas dão lugar à cultura urbana e às atitudes seculares da modernidade no que diz respeito ao tamanho da família. O outro lado dessa história é que passamos por um rápido processo de envelhecimento e isso traz consequências diversas, desde a questão da previdência até a necessidade de mais investimentos especializados para cuidar de uma população que envelhece rapidamente. O Brasil é um país urbano. Aproximadamente 87% da sua população vive em áreas urbanas (IBGE, 2011). Muito embora a urbanização não seja sinônimo de melhores condições de vida, já que o índice de desenvolvimento econômico costuma indicar que a urbanização aumenta a renda da população como um todo, a pobreza é um componente padrão de qualquer grande área urbana na maioria dos lugares do mundo, e as favelas do Brasil são semelhantes às de outros lugares. O Brasil é uma potência emergente no mercado mundial. Ele possui a maior economia da América do Sul e é uma força paralela aos Estados Unidos no hemisfério norte. O país se urbanizou e industrializou para competir com as principais áreas econômicas globais de várias maneiras, e ainda está entre as dez maiores economias do mundo. Resumo O turismo enquanto fenômeno social apresenta características únicas, pois, ao mesmo tempo que é uma atividade profissional e um setor que ganha cada vez mais significância econômica, também é um objeto de estudo acadêmico. A sua viabilidade como “indústria”, só pode ser compreendida dentro de um espectro temporal, pois é uma resultante de diversas mudanças sociais e tecnológicas e, por que não dizer, inclusive, produtivas, da segunda metade do século XX, ligando-se diretamente ao período que conhecemos como o da globalização. 37 FUNDAMENTOS GEOGRÁFICOS DO TURISMO A geografia, enquanto ciência, tem por objeto a análise do espaço geográfico em sua complexa e constante dinâmica entre o físico e o humano, derivando disso um grande número de perspectivas de estudos, como o clima e as suas mudanças planetárias, o relevo, a vegetação, as questões ambientais, a economia, os processos de urbanização, as dinâmicas populacionais, as dinâmicas do espaço rural etc. É nessa amplitude de atuação e por meio de seu objetivo fundamental de análise que geografia e o turismo se cruzam, pois é no espaço geográfico que se estabelece todo o alicerce da oferta turística. O conhecimento do espaço geográfico e de alguns conceitos que podemos chamar genericamente de derivações, como a região, o território e a paisagem, tornam-se instrumentos fundamentais para o bom desempenho do profissional que pretende atuar no seguimento turístico, seja na sua perspectiva direta, em agências e empresas, ou como um planejador da área pública. Nesse contexto, conhecer bem as dinâmicas que resultam da ação humana e interferem nos meios naturais, torna-se um diferencial, pois essa compreensão mais ampla permitirá maximizar os seus efeitos positivos de atuação e não desconsiderar a grande capacidade que a indústria do turismo tem de causar impactos significativamente negativos nas esferas ambiental, social, cultural e econômica. Exercícios Questão 1. Leia o excerto a seguir: “[…] A paisagem, assim como o espaço, altera-se continuamente para poder acompanhar as transformações da sociedade. A forma é alterada, renovada, suprimida, para dar lugar a uma outra forma que atenda às necessidades novas da estrutura social. A história é um processo sem fim, mas os objetos mudam e dão uma geografia diferente a cada momento da história”, dizia Kant, o filósofo e geógrafo (SANTOS, 1986, p. 38-39). Segundo o texto: A) O espaço não é imóvel, ele é modificado constantemente. Nele, exatamente como na paisagem, as formas concretas também sofrem constantes mudanças para atender às necessidades da sociedade. B) A sociedade se mantém por meio de mudanças, ora mais cedo ora mais tarde, porém, essas mudanças não atingem as formas sociais ou econômicas da sociedade. 38 Unidade I C) As formas de mudanças na sociedade não são constantes. As mudanças sociais só são constantes a partir do momento em que as formas atingem sua plenitude. D) As normas sociais não tecem as mudanças das paisagens. As formas realizadas pela sociedade é que são representativas nas mudanças e transformações dos lugares. E) O espaço é alterado de acordo com as dificuldades em se criar formas. Assim, as paisagens se modificam à medida que as formas se ajustam às diferentes estruturas geográficas. Resposta correta: alternativa E. Análise das alternativas A) Alternativa incorreta. Justificativa: o espaço geográfico e a paisagem possuem estatutos ontológicos distintos; enquanto o espaço é abstrato e continente de todas as formas (coisas, objetos e ações), a paisagem recebe as ações concretas, fisicamente, como atualidade (território) e como história, o cerne da própria condição da paisagem. B) Alternativa incorreta. Justificativa: esta alternativa contradiz o trecho de Milton Santos. C) Alternativa incorreta. Justificativa: a alternativa traz afirmações incorretas sobre ações e reações objetivas (e suas formas). D) Alternativa incorreta. Justificativa: normas e ações tecem as mudanças, pois as ações ocorrem como normas (sinônimas de formas, no sentido aqui empregado). E) Alternativa correta. Justificativa: a alternativa traz uma correta interpretação do trecho citado, pois as demandas individuais e estruturais exigem que as formas lhes satisfaçam de modos historicamente característicos. Questão 2. (Enade 2015, adaptada) No futuro, as viagens estarão conectadas pela tecnologia e pelo marketing. Pelo menos é o que aponta o relatório Skift: Manifesto no futuro das viagens em 2020, o qual discorre sobre o distanciamento dos modos mais tradicionais e a aproximação com as novidades. 39 FUNDAMENTOS GEOGRÁFICOS DO TURISMO Segundo o documento, o setor de turismo deve estar focado na mudança do consumo em todos os campos, não apenas nas viagens. O futuro está presente nas smart cities (cidades inteligentes). A evolução de cidades inteligentes cria a era da smart mobility (mobilidade inteligente). Trata-se de uma tendência que foge do ritual habitual, que contempla planejamento, compra e realização de viagens. Dessa forma, observa-se o denominado “desempacotamento da viagem”, o qual poderá, por exemplo, afetar, com maior intensidade, o setor hoteleiro, devido à adesão de viajantes modernos a meios alternativos. Trata-se da independência na composição de uma viagem. Disponível em: <http://www.panrotas.com.br>. Acesso em: 4 ago. 2015 (adaptado). A expressão “desempacotamento da viagem” refere-se às consequências das aplicações gerenciais das inovações tecnológicas (economia colaborativa, aplicativos de locação nas áreas de hospedagem, roteiros e mobilidade), com a peculiaridade de customizar frações de serviços e possibilitar escolhas mais individualizadas e correspondentes inovações também nas vivências e nos usos territoriais. As mudanças ligadas às novas práticas e escalas do capitalismo globalizado dizem respeito: A) Ao uso, pelos viajantes, das novastecnologias de acesso tanto a fornecedores e redes sociais, que permitem o compartilhamento de experiências, quanto a websites especializados em serviços e produtos turísticos, que possibilitam a organização autônoma de uma viagem. B) À grande quantidade de informações necessárias ao planejamento, à organização e ao controle de estadas nos parques hoteleiros dos destinos turísticos, de forma a tornar o uso e o acesso a esses estabelecimentos mais próximos do cliente. C) Ao processamento e ao fluxo de informações direcionadas ao fornecedor, intermediário ou consumidor final, concebidos como um agregado único de produtos e serviços de hotelaria. D) Às influências das novas tecnologias, que distribuem informações de pacotes e roteiros ainda em desenvolvimento e integram as tradicionais empresas turísticas. E) A iniciativas das empresas do setor hoteleiro de apresentar novas alternativas de acomodação a seus novos clientes como forma de ampliar o mercado. Resposta correta: alternativa A. Análise das alternativas A) Alternativa correta. Justificativa: essa é a visão descrita no trecho transcrito e complementada no enunciado sobre reorganização de atividades, vivências e deslocamento. 40 Unidade I B) Alternativa incorreta. Justificativa: o movimento mental, comportamental e comercial oferece alternativas aos monopólios turísticos (complexos hoteleiros e de lazer) convencionais, em cidades mais aparelhadas para serem acessadas. C) Alternativa incorreta. Justificativa: o que ocorre é a desagregação ou descentralização dos produtos e serviços em redes mais facilmente articuladas. D) Alternativa incorreta. Justificativa: a alternativa não considera a ideia de desempacotamento, assumindo o modelo anterior de empresas operadoras. E) Alternativa incorreta. Justificativa: a questão trata do circuito fornecedor-cliente completo, não apenas da oferta, como indicado na alternativa.
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