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PSICANÁLISE E AS NEUROCIÊNCIAS PSICANÁLISE E AS NEUROCIÊNCIAS 1 1 Sumário PSICANÁLISE E AS NEUROCIÊNCIAS ................................................. 0 NOSSA HISTÓRIA .................................................................................. 2 Introdução ................................................................................................ 3 A neuropsicanálise: elogio ao método experimental ............................ 6 Da emergência do sujeito freudiano ao "sujeito" biológico ................. 12 Psicanálise e neurociências ............................................................... 19 REFERÊNCIAS ..................................................................................... 29 file://///192.168.0.2/E$/PostagemNova/PSICOLOGIA/NEUROPSICANÁLISE/PSICANÁLISE%20E%20AS%20NEUROCIÊNCIAS/PSICANÁLISE%20E%20AS%20NEUROCIÊNCIAS.docx%23_Toc56514083 2 2 NOSSA HISTÓRIA A nossa história inicia com a realização do sonho de um grupo de empresários, em atender à crescente demanda de alunos para cursos de Graduação e Pós-Graduação. Com isso foi criado a nossa instituição, como entidade oferecendo serviços educacionais em nível superior. A instituição tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação. A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica, excelência no atendimento e valor do serviço oferecido. 3 3 Introdução Freud acreditava ser o psiquismo humano, em primeiro lugar, a atividade de aparelho de um corpo vivo, operando em relação direta com o meio envolvente. Esta operação psíquica é coexistente, subjugada e conjunta à atividade do sistema nervoso, estando o cérebro o nosso “órgão anímico”. Desse modo, o aparelho psíquico é constituído por mecanismos de representações articuladas em rede, da forma em que qualquer variação em uma região de um sistema sui generis é capaz de atingir as regiões vizinhas em função de sua potência (WINOGRAD, 2006). Dessa forma, na obra o Projeto para uma Psicologia Científica (FREUD, 1895), no tocante em que Freud presume uma rede neural distribuída em três sistemas específicos, e o que antecipou para conexões importantes sobre neurônios para a neurociência do século XX. O projeto freudiano surge com duas ideias básicas: (1) raciocinar a dissimilitude entre a ação e o repouso a partir do funcionamento de uma energia Q, exposta às leis gerais do movimento; (2) suspeitar que as partículas materiais em jogo são neurônios. Ou seja, o neurônio é apontado como o suporte material ao elemento que forma o aparelho psíquico. Os neurônios são de unidade distintas, mas da mesma natureza, com a relação 4 4 do contato do organismo com o meio. Onde os neurônios se agrupam em três sistemas divergentes: sistema ψ, sistema φ e sistema ω (WINOGRAD, 2006). Pressupostos que apresentam a associação entre a psicanálise e a neurociência podem ser identificados, então, partindo do pensar freudiano de que se sustentou até o final com o conceito de que os fenômenos mentais dispõem de um imo biológico. Freud perpetuamente contemplou uma amarração do psíquico no domínio do biológico, em nenhum momento predizendo que o aparelho psíquico seria uma entidade metafisica. Apesar disso, considera o surgimento do psíquico com a história do sujeito, história da espécie humana, sociedade e cultura (FAVERET, 2016). A neuropsicanálise surgiu tímida entre os psicanalistas que arriscavam estudar a relação entre os conceitos e achados da psicanálise com pesquisas da neurociência, mais precisamente na década do cérebro em 1994, com a constituição do grupo de estudos de neurociência e psicanálise do Instituo de Psicanálise de Nova York, no qual os psicanalistas, liderados por Arnold Pfefer, procuraram em neurocientistas da Universidade de Columbia, como James Schwartz, os saberes neurocientíficos que conseguissem correlatar com os estudos psicanalíticos. Se adentrava uma permuta de informações e conhecimentos entre psicanalistas e neurocientistas (SOUSSUMI, 2006). Na atualidade, alguns dos psicanalistas e neurocientistas tencionam entre a exploração das confluências entre fato biológico e fato psíquico. Ao contrário do inconsciente cognitivo, no qual permaneceriam o automatismo e reações que efetivamos, o inconsciente freudiano é desenvolvido por particularidades expostas pelas experiências vividas, as quais se relacionam com o modo de formação de uma personalidade singular. Podemos acompanhar na neurologia moderna, a ideia de traço referente as alterações das experiências, ocasionando uma conexão com a rede neural. Em consequência, os traços das experimentações que concerniriam a um campo favorecido por questões que circundam a neurociência e a psicanálise (PINHEIRO; HERZOG, 2017). Contudo, atualmente se destaca o fato que a rede neural não é impermeável e permanente, todavia aberta a alterações. Sinapses se modificam 5 5 em sua forma, tamanho e quantidade em conformidade com as experiências, sabendo a relação direta com os sentidos corporais. A hipótese da neuropsicanalise é que traços da memória inicial se se reorganizam por meio da plasticidade neural que dão origem a uma existência inconsciente interna que reage aos caminhos do sujeito (PINHEIRO; HERZOG, 2017). Ainda, existindo, a eclosão de uma consciência processada (fundamentalmente à associação com à linguagem) que conseguimos associar a um inconsciente explicito, melhor dizendo, um inconsciente coordenado com a linguagem. É o hipocampo que possibilita a tradução das memórias implícitas em memórias explicitas, concedendo o recalque originário e facultando a origem do inconsciente explicito, quer dizer, um aglomerado sistemático de memorias explicita (LYRA, 2007). Comumente se questiona, o que seria recalcado no recalque originário? A reposta se desenvolve de maneira simples: o que não for traduzido pelo hipocampo, ou seja, aquelas memórias emocionais e procedurais que perduram implícitas. Pelo meio do recalque originário, entretanto, a consciência primária é procedida pela consciência efetuada: em direção para o futuro, toda a vivência subjetiva passa a ser indicada pela linguagem (LYRA, 2007). 6 6 A neuropsicanálise: elogio ao método experimental O primeiro grupo, que chamamos de hibridação, especifica-se pelo entendimento de que a psicanálise não teria evoluído "cientificamente" por não ter desenvolvido métodos empíricos objetivos para testar suas hipóteses, o que fez com que se tornasse obsoleta e devesse se revigorar. Para atingir esse objetivo, a Psicanálise deveria importar o modelo de ciência adotado nas ciências físicas e naturais, experimentalizando-se para se tornar, enfim, científica. As neurociências poderiam fornecer à psicanálise fundamentos empíricos e conceituais mais sólidos sobre o funcionamento psíquico, entre os quais se destacariam os oriundos das novas tecnologias de neuroimagem, além dos achados da NeuropsicologiaCognitiva. O pontapé inicial para este movimento foi dado por Eric Kandel (1999), ao expressar o que acredita ter sido a grande falha da Psicanálise em seu desenvolvimento: muitas áreas médicas progrediram ao incorporar metodologias e conceitos de outras disciplinas, sendo que a Psicanálise falhou nesse aspecto, já que a Psicanálise ainda não se reconhece como um ramo da biologia. Ela não incorporou para a visão psicanalítica da mente os ricos conhecimentos sobre a 7 7 biologia do cérebro e seu controle do comportamento que foi identificado nos últimos 50 anos (Kandel, 1999, p. 507). Ainda que Kandel (1999) reconheça que a Psicanálise revolucionou nossa compreensão sobre a vida mental, oferecendo insights notáveis sobre processos mentais inconscientes e, principalmente, a irracionalidade das motivações humanas, ele entende que o mesmo vigor não pôde ser observado nos anos posteriores, pois, embora o pensamento psicanalítico continue progredindo, tem havido poucos insights brilhantes, com exceção das teorias sobre o desenvolvimento infantil. Kandel acredita que, conquanto a Psicanálise ainda represente a visão de mente mais coerente e cientificamente satisfatória dentre as que existem, ela entrou no século XXI em declínio por não ter desenvolvido métodos objetivos para testar suas ideias — o que só pode acontecer através de seu fortalecimento a partir de sua aproximação teórica e, sobretudo, metodológica, com a biologia em geral e com as neurociências cognitivas em particular. Relativamente ao aspecto metodológico, Kandel marca sua posição ao afirmar que "a Psicanálise foi sempre melhor em gerar ideias do que testá-las" (p. 506). Embora reconheça que a privacidade da comunicação é central para a confiança básica engendrada na situação psicanalítica, considera que isto gera um impasse, pois só fornece as considerações subjetivas do analista a respeito do que ele acredita ter ocorrido. Para este pesquisador, uma das grandes limitações dos estudos psicanalíticos dos processos psíquicos foi justamente a inexistência de um método capaz de observação direta desses processos. Assim, uma contribuição-chave que a Biologia pode atualmente fornecer – através da neuroimagem e do estudo de pacientes com lesões em diferentes componentes da memória – é mudar a base do estudo dos processos mentais da inferência indireta para a observação direta. Kandel (1999) entende que uma aproximação entre a Psicanálise e a Neurociência Cognitiva geraria ainda um avanço conceitual para a primeira, já que a última poderia prover, além da metodologia, também um novo instrumental teórico para seu crescimento futuro. 8 8 Como sugerem Olds e Cooper (1997), a Neurociência Cognitiva poderia ajudar a reescrever a metapsicologia em base científica. O resultado deste movimento foi o surgimento da Neuropsicanálise. Em 1999 foi publicado o 1º número da revista Neuro-psychoanalysis, de cujo corpo editorial fazem parte neurocientistas de renome, como o prêmio Nobel Eric Kandel, António Damásio e Oliver Sacks, e psicanalistas célebres, como Charles Brenner, André Green, Otto Kernberg e Daniel Widlöcher. Pouco tempo depois, em julho de 2000, foi realizado em Londres o 1º Congresso Internacional de Neuropsicanálise ― ocasião em que foi fundada a Sociedade Internacional de Neuropsicanálise pelo psicanalista e neurocientista Mark Solms e por sua esposa, Karen Kaplan-Solms, fonoaudióloga, neuropsicóloga e também psicanalista. Desde então, a cada ano um novo congresso internacional vem sendo realizado, congregando cada vez mais estudiosos de todo o mundo e consolidando as posições teóricas e metodológicas dos que entendem ser necessário estabelecer um campo híbrido entre a Psicanálise e as neurociências. Um dos caminhos percorridos por esses pesquisadores no intuito de sustentar epistemológica e metodologicamente o empreendimento neuropsicanalítico foi a retomada de textos freudianos históricos e precoces (anteriores a 1900 e relativos ao que se convencionou chamar de período pré- psicanalítico ou neurológico de sua produção) para mostrar a compatibilidade que eles afirmam existir entre os pressupostos de Freud – em termos da correlação entre os processos psíquicos e os neurológicos – e aqueles observados na pesquisa neuropsicanalítica. Eles alegam que a insuficiência do conhecimento das ciências do cérebro da época foi o motivo principal pelo qual Freud se viu impedido de realizar o que a Neuropsicanálise atualmente pretende. Kaplan-Solms e Solms (2005) salientam que o objetivo da pesquisa neuropsicanalítica é modesto e, ao mesmo tempo, de longo alcance. É modesto no sentido de introduzir a combinação de dois métodos anteriormente separados, e de longo alcance, no sentido daquilo que se pode adquirir a partir da aplicação desse novo método. Eles acreditam que o método 9 9 neuropsicanalítico possa viabilizar o caminho para uma integração – em uma base empírica – da Psicanálise e das neurociências. Em suma, eles definem a sua "proposta metodológica" da seguinte forma: "a técnica de associação-livre deve ser introduzida no método neuropsicológico de Luria" (Kaplan-Solms & Solms, 2005, p. 88), que se caracteriza por dois estágios: (1) qualificação dos sintomas e (2) análise da síndrome. Apesar de reconhecer que a psicanálise "é o melhor método disponível quando se chega àqueles aspectos mais profundos da vida mental que a Neuropsicologia não estudou" (Kaplan-Solms & Solms, 2005, p. 89), os autores afirmam que, ironicamente, devemos o desenvolvimento de um procedimento clínico, ou seja, o método psicanalítico, ao fato de Freud ter abandonado métodos científicos de investigação quando se deu conta de que eles eram incapazes de acomodar a natureza dinâmica e "virtual" dos processos mentais; e acrescentam que agora chegou a hora de reintroduzirmos os frutos dos trabalhos de Freud no campo neurocientífico, fora do qual eles originalmente cresceram. Ao fazê-lo, os pesquisadores acreditam estar aptos "a reunir a psicanálise com a neurociência, numa base clínica sólida (...)" (Kaplan-Solms & Solms, 2005, p. 89). Tendo em vista os pressupostos a partir dos quais a Neuropsicanálise opera – quais sejam, que as neurociências poderiam fornecer à psicanálise fundamentos empíricos e conceituais mais sólidos sobre o funcionamento psíquico, o que resulta na tentativa de se formar um campo híbrido – pensamos ser contraditória a posição de Mark Solms a respeito do próprio método de pesquisa quando afirma que "através desse método, as funções psicológicas ainda são compreendidas em seus próprios termos psicológicos; sua estrutura essencial, dinâmica, é respeitada e resguardada; elas não são reduzidas à anatomia e à fisiologia (...)" (Kaplan-Solms & Solms, 2005, p. 64). O que, na verdade, observamos através da análise dos casos clínicos atendidos por esses pesquisadores (Kaplan-Solms & Solms, 2004, 2005) é uma fusão da "compreensão" psicanalítica com a "descrição" neuropsicológica, o que indicaria, a nosso ver, uma tentativa de tornar a psicanálise "científica" e "mais aceita" por 1 0 10 outras áreas do saber, que, por sua vez, poderiam conferir credibilidade às hipóteses psicanalíticas. Considerando-se o que está implícito neste grupo, ou seja, uma hierarquização de modelos epistemológicos em que é conferido às neurociências um lugar de privilégio em relação à psicanálise, exacerba-se o risco de se realizar nessas pesquisas uma redução explicativa, e não apenas a necessária redução metodológica. Andrieu (2000) e Ehrenberg (2004) destacam existir em qualquer campo de investigação uma redução metodológica interna, que é necessária para a constituição de qualquer saber, mascorre o sério risco de deslizar para uma redução explicativa e ideológica, ou seja, para uma explicação generalizada a partir de resultados parciais ou válidos somente em um campo inicial. Por exemplo, em um trabalho recente, Solms (2007) identifica a libido – conceito metapsicológico que se refere à energia sexual que gera a força mental – com o sistema de recompensa – conceito neurocientífico relacionado com o prazer e comportamentos de adicção, mediado pelo agente químico dopamina. Ele defende que estes conceitos funcionam do mesmo modo, parecendo ignorar que uma possível convergência entre eles não significa uma identidade: aqui seu reducionismo explicativo fica evidente. Outro pioneiro da Neuropsicanálise é Yusaku Soussumi. De forma aparentemente contraditória aos objetivos epistemológicos da neuropsicanálise, ele defende inicialmente que psicanálise e neurociências sejam ciências com objetos e métodos próprios de investigação, não sendo possível reduzir uma à outra. De acordo com Soussumi (2003), contudo, a Neuropsicanálise, em seu trabalho de investigação em duas vias, deve pretender consolidar cientificamente os conceitos metapsicológicos resultantes de observação acurada em anos de testagem na prática psicanalítica. Às neurociências caberia auxiliar no reconhecimento e na correção dos erros, na afinação e na apuração dos dados imperfeitos e na correlação dos fenômenos psíquicos com os fenômenos neurais concomitantes ao nível dos órgãos, das células e das moléculas. 1 1 11 É interessante notar a contradição de Soussumi quando, apesar de afirmar que psicanálise e neurociências são duas ciências que possuem objetos e métodos próprios de investigação, defende que as neurociências poderão consolidar cientificamente conceitos metapsicológicos e apurar dados imperfeitos. Ora, a partir de sua primeira afirmação, poder-se-ia supor que, ao se tratar de metodologias diferentes, seria através do próprio método psicanalítico que se tentaria apurar os dados imperfeitos, e não com outra metodologia, como sugere sua segunda afirmação. Por sua vez, Kernberg (2006) propõe que o fomento da pesquisa empírica em psicanálise poderia auxiliar no fortalecimento da consistência dos conceitos psicanalíticos, servindo como complemento do método comumente utilizado, qual seja, a formulação de teorias a partir da investigação do material clínico. Seu objetivo, em última análise, é "avançar no conhecimento" e dar garantias ao público a respeito dos efeitos benéficos da psicanálise, além de fortalecer o lugar desta entre as ciências. Segundo sua linha de pensamento, a falta de esforços na comunidade psicanalítica em desenvolver pesquisas sistemáticas sobre sua eficácia acabou por abrir espaços para outras terapias, como as cognitivo-comportamentais, as quais realizam pesquisas empíricas constantes. A pesquisa aqui é entendida como observações sistemáticas sob condições controladas que possam levar a novos conhecimentos. A sua crítica principal em relação ao campo psicanalítico refere-se à assunção de que a pesquisa empírica, tal como vem sendo realizada, não chegou a acrescentar algo efetivo à prática psicanalítica e que os avanços significativos na teoria e na técnica psicanalíticas vieram dos trabalhos inspiradores de teóricos e clínicos. Não obstante, ele mesmo admite que Melanie Klein, Edith Jacobson, Winnicott, Bion, André Green e outros foram muito mais importantes em suas contribuições do que qualquer pesquisa empírica em psicanálise. Apesar de reconhecer que a sutileza, a riqueza e a complexidade do processo psicanalítico não podem ser apreendidas em projetos de pesquisa, que têm, 1 2 12 necessariamente, uma ação restrita, ele defende que o efeito cumulativo de pesquisas bem dirigidas caminharia nesta direção. A preocupação com a falta de verificação empírica, que os autores do grupo da hibridação acreditam ameaçar a psicanálise, levou à criação, nos EUA, da Sociedade para o Avanço da Pesquisa Quantitativa (SAQRP), em 1989. O objetivo é fazer com que a psicanálise se atualize constantemente e possa se encaixar e se alinhar mais estreitamente ao conhecimento que a ciência empírica permite. Através dos argumentos do grupo da hibridação, ao defender que a psicanálise deve adotar o método das ciências naturais no sentido de se experimentalizar e, além de importar o seu modelo, importar também os conceitos, observamos a ameaça de distorção que sofre a psicanálise. Se na psicanálise existe um problema de falta de homogeneidade institucional, metodológica ou teórica, esse problema deve ser resolvido dentro do próprio campo. Da emergência do sujeito freudiano ao "sujeito" biológico Psicanálise e ciência sempre guardaram entre si pontos de interlocução. Sendo Freud um neurologista de formação, e uma vez que a Psicanálise surgiu 1 3 13 de seu interesse sobre os sintomas histéricos, o diálogo com a medicina sempre esteve presente. Em 1932, Freud, em sua conferência sobre a Weltanschauung, afirmou que a psicanálise tem a visão de mundo da ciência, apesar de não ser ela mesma uma ciência natural. Isso se deve ao fato de apoiar-se na investigação intelectual dos fenômenos psíquicos, mas sem a intenção de estabelecer um sistema de pensamento hermético, como seria o caso de uma filosofia. Vejamos de forma breve como se encontra o saber científico na época em que Freud constrói sua teoria. Com o estudo da anatomia, no século XVIII, inaugurou-se o paradigma anátomo-clínico e, com ele, a medicina científica, que estava preocupada em encontrar as lesões ou disfunções no órgão que causavam a doença. O médico deixa de perguntar ao paciente sobre como ele se sente para perguntar onde dói. Com o status de ciência, a medicina passa a ostentar o discurso soberano sobre os cuidados com o corpo. O modelo anátomo-clínico que servia de norte para a medicina era o grande entrave para a elucidação dos sintomas histéricos, uma vez que não se encontrava qualquer lesão anatômica que pudesse ser apontada como cerne daquela patologia. (Birman, 2010). No entanto, não é demais lembrar que Freud, desde o início de seus trabalhos, teve o cuidado de conferir um rigor científico ao campo de saber que construía. Como aponta Herzog (1988), essa busca pelo status de cientificidade está presente em vários dos artigos do primeiro psicanalista. Os processos pulsionais (acúmulo e escoamento de energia) análogos a processos das ciências naturais, a descrição dos procedimentos técnicos e dos fenômenos descobertos são exemplos disso. Essa busca por objetividade era um esforço necessário para que seu trabalho não fosse tomado como místico ou como mais uma forma de sugestão. Mesmo em 1923, quando já se contabilizavam mais de duas décadas de investigações acerca dos processos inconscientes, cabe repetir aqui a afirmação veemente de Freud acerca da legitimidade de sua descoberta, ao caracterizar a psicanálise como "um procedimento para a 1 4 14 investigação de processos mentais que são quase inacessíveis por qualquer outro modo" (Freud, 1923 [1922]/1976, p. 287). A Psicanálise, cujo objeto de investigação são as formações inconscientes, desde seu surgimento implicou uma ruptura epistemológica com o campo da medicina, ao trazer uma noção de corpo calcada no conceito de pulsão, definido por Freud (1915a/1976, p. 142) como: "um conceito situado na fronteira entre o mental e o somático, como o representante psíquico dos estímulos que se originam dentro do organismo e alcançam a mente, como uma medida da exigência feita à mente no sentido de trabalhar em consequência de sua ligação com o corpo". Ao contrário do instinto, que possui objeto pré-definido, a pulsãonão tem estabelecido previamente nem seu objeto nem sua forma de satisfação, que serão moldados conforme a história do sujeito. Desse modo, o corpo passa a ser compreendido como indissociável do registro simbólico e, consequentemente, da relação com o próximo. Vemos então que a discussão biológico x psicológico não é propriamente nova. Mesmo atingido pelas referências de seu tempo, Freud dá um passo a mais e pensará, posteriormente, num corpo pulsional - em oposição a um corpo meramente anatômico -, que depende da relação com o semelhante para se formar. É por conta do outro que nomeia, atende e frustra suas demandas que um sujeito pode advir como tal. Com isso, Freud desfaz a dicotomia que toma mente e corpo como dois lugares separados. Além do mais, Freud (1923/1976), ao definir o Eu como uma instância corporal, que tem sua origem nas sensações físicas (que serão constitutivas do sujeito), torna inválidas as críticas daqueles que o acusam de ter negligenciado a questão do corpo. O sintoma é forjado pela palavra, expressão de um conflito inconsciente, totalmente distinto do sintoma da medicina. O desejo em conflito com a consciência encontra ligação com alguma palavra que se associe a ele. Sendo assim, o sintoma é a expressão de um desejo. Trata-se então de uma formação de compromisso entre o Consciente e o Inconsciente (Freud, 1900/1996). 1 5 15 Postular um aparelho psíquico cujo motor principal estava no Inconsciente, instância esta não localizável no corpo anatômico e responsável por produções psíquicas aparentemente desprovidas de sentido, foi um grande passo que possibilitou a Freud romper com o discurso médico e instituir o discurso psicanalítico. Esse aparelho era guiado pelo princípio do prazer. Isso quer dizer que sua finalidade era fazer uma mediação entre as contingências ambientais e as forças pulsionais, buscando evitar o desprazer. Sobre as transformações culturais que possibilitaram tal visão de psiquismo, valendo-nos das considerações de Kehl (2002), vemos que a transição cultural de um modo de vida referido ao coletivo para outro modo de vida, referido cada vez mais ao individualismo, foi o que permitiu o surgimento do sujeito neurótico, marcado pelo conflito, sobre o qual a psicanálise montou suas investigações, uma vez que as regras rígidas de uma comunidade "liberam o sujeito da necessidade de elaborar uma resposta neurótica para seu conflito" (Kehl, 2002, p. 46). Em uma cultura de formações sociais bem demarcadas e estáveis que regem a vida do ser humano (tal como ocorria no mundo antigo e medieval) o sujeito é menos livre para ser autor de seu próprio destino. Enquanto nas culturas antigas as normas, transgressões e punições são explícitas e decididas pela coletividade, nas modernas sociedades individualistas essas regras são internalizadas, e cabe cada vez mais ao sujeito julgar a natureza de seus atos. Nas sociedades antigas e medievais, as formações sociais com códigos rígidos e públicos, tanto no que tocam a vida pública quanto a vida privada, eram o que salvava o sujeito da neurose. Segundo Kehl (2002) a internalização das leis e dos ideais na forma de um Supereu se dá na medida em que esse processo de descentralização da verdade avança. Vemos assim que o sujeito moderno, diferente do medieval, é um sujeito não mais tão referido à coletividade e à linhagem, mas à sua interioridade. É aberto um espaço para a interpretação e, consequentemente, para a dúvida sobre o que fazer consigo mesmo e seu destino. Cada um será levado a pensar sobre si e procurar um sentido para sua existência. 1 6 16 A sociedade atual caminha conforme as coordenadas estipuladas por Guy Debord em 1968, na sua obra A sociedade do espetáculo. Nela, o autor descrevia um panorama de sociedade em forma de encenação performática onde o que importa é a aparência. Os sujeitos absorvem passivamente esse desfile de imagens que estampa a superfluidade do social. Nesse modelo, não importa muito o que o sujeito é. Basta parecer que é alguma coisa, pois o que está em jogo é o personagem socialmente exibido. Os meios de comunicação em massa são responsáveis por veicularem o modelo que deve ser seguido. Esse desfile de imagens não convida ao pensamento, mas à mimetização. Na tradição ocidental, o sujeito sempre fora definido ou por seus atos (relacionados à aparição pública) ou por sua interioridade emocional (relacionada à vida privada). Na contemporaneidade, nem um nem outro, mas o corpo é o referencial usado para que um sujeito se defina. O medo atual não é o da punição, mas o da vergonha de se sentir insuficiente e não estar à altura dos ideais. Enquanto na neurose clássica dos tempos de Freud o conflito fundamental era entre a lei externa e o desejo individual, o conflito atual se dá entre o que é possível e impossível de ser feito. Entre o século XIX e início do século XX, a culpa recaía sobre impulsos sexuais e agressivos, enquanto hoje recai sobre a não-autonomia e a dependência (Phillips, & Taylor, 2010, citados por Farah, 2012). Fortes (2010), em um artigo sobre a anorexia, aborda o lugar central que o corpo vem ocupando na cultura atual. Ocorre na clínica um número enorme de sintomas corporais sem que o paciente manifeste claramente qualquer conflito psíquico. Nota-se paralelamente na cultura um cuidado voltado cada vez menos para o cultivo de valores morais e de aptidões intelectuais e cada vez mais uma preocupação com um corpo esteticamente belo, saudável e capaz de viver por longos anos. Houve um deslocamento do foco da vida sentimental para a vida física. Estar "bem consigo mesmo" não remete mais apenas a um estado de conforto sentimental, mas diz respeito à ostentação de um corpo que siga os padrões publicitários. Se antes o corpo era um meio para transformar o mundo e dar 1 7 17 vazão às vontades daquele ao qual pertence, agora o corpo é um fim em si mesmo. (Costa, 2005). Diante das autoridades destronadas e de uma abertura a sentidos e interpretações cada vez mais plurais, a ciência, com seus experimentos concretos e fórmulas matemáticas, tornou-se aquilo que deve ser seguido. A ciência será a instituição em torno da qual todas as outras vão se organizar. Trabalho, família, política, religião continuam existindo e sendo referência para várias pessoas, porém com uma tonalidade mais individual, uma vez que não existe mais um modo exato e incontestável de enquadramento e é maior a liberdade de escolha (vários arranjos familiares, vários modos de exercer a profissão, credos diversos, etc.). Acerca da neurociência, Ehrenberg (2009) cita o modo como seu domínio passou de doenças neurológicas e funções - como movimento e sentidos - para as emoções, comportamentos sociais e sentimentos morais; ou seja, o domínio do espírito; o que foi facilitado pelos procedimentos de imageria cerebral e biologia molecular. A "biologia do espírito" seria reflexo da crença individualista de que o homem está "fechado na interioridade de seu corpo, lugar de sua verdade" (Ehrenberg, 2009, p. 190), e que depois se relaciona com outros para formar o social. Esse modelo é denominado por ele de Sujeito Cerebral. Conhecer um cérebro serviria apenas para identificar uma pessoa dentre tantas outras de sua espécie; diferenciá-la, dizer que é ela e não outra. Mas as características orgânicas, os mecanismos biológicos em nível molecular, só são desencadeados em determinadas situações. Poderíamos ver características de personalidade mais destacadas que outras, mas não determinar o que ou quem despertaria essas características. Elas só aparecem porque o sujeito está inserido em um contexto, está em relação com um semelhante. O sentido desta personalidade, desta identidade, só é visto nosocial, em relação com os outros. Para esse autor (Ehrenberg, 2009), o sucesso das neurociências em nossa sociedade se deve ao fato de dar respostas simples que atendem ao "ideal de autonomia individual generalizada" - pois concentram no indivíduo as causas de seus êxitos e insucessos, negligenciando contextos. O componente biológico 1 8 18 ameniza o peso das tomadas de decisão e de responsabilidade que são exigidas das pessoas. O cérebro justifica qualquer fracasso, admitindo, ao mesmo tempo, soluções mais simples, como as de ordem pedagógica ou farmacológica. O "Eu neuroquímico" (Neurochemical Self) de Rose (2003) é análogo ao que Ehrenberg batizou de Sujeito Cerebral. Enquanto nas doenças puramente físicas o funcionamento dos órgãos explica a totalidade dos sintomas, nas doenças mentais isso não ocorre. Não é verossímil dizer que a imagem dos processos cerebrais em um sujeito com depressão abarque a totalidade do estado depressivo. Há uma série de sinais não esmiuçáveis por meio dessas imagens, como por exemplo: pensamento lentificado, baixa autoestima, tristeza, ausência de vontade, tendência à inação, etc. Além disso, há diferentes quadros depressivos com relação à duração e intensidade dos sintomas, e as causas ambientais que os engatilharam (rompimento amoroso, fracasso profissional, luto, saudades da terra natal, dificuldade financeiras, doença física grave, etc) (Costa, 2005). A atividade cerebral relacionada aos sintomas não é a causa nem a totalidade do estado depressivo. A depressão é um processo que envolve a esfera relacional dos acontecimentos, a consciência do sujeito de si e do mundo. Envolve padrões de pensamento e comportamento usuais do sujeito, mas também respostas físicas e mentais não usuais, que especialmente ocorrem em situações únicas - e cujos efeitos podem reverberar por mais tempo (Costa, 2005). Podemos incluir aí ocasiões em que o sujeito executa um ato em que não se reconhece. Esses acontecimentos, tão caros à psicanálise, são surpreendentes até para quem os provoca por destoarem da unidade egoica coesa. Essas respostas, específicas e sob medida para certos eventos não se repetem. Por isso mesmo não podem ser englobadas em um padrão a ser investigado ou medido, sobre o qual possamos intervir. Para exemplificar como conexões neuronais e processos bioquímicos não alcançam a complexidade de experiências subjetivas, D'Aquili e Newberg (1999) escanearam os cérebros de oito budistas americanos em estado de meditação tibetana e três freiras franciscanas em oração contemplativa. Mesmo tendo 1 9 19 imagens cerebrais semelhantes, os dois tipos de práticas observados possuem bases teológicas distintas e estão inseridos em contextos socioculturais diversos. Isso implicaria em uma simplificação da riqueza da vida mental. Psicanálise e neurociências O conceito atual neurocientífico de plasticidade cerebral, das redes ou mapas neuronais com suas miríades de sinapses sempre em mudança de maneira ativa em contato com aquilo que vem da realidade interna e externa, dá uma base orgânica estrutural para a teoria e prática psicanalíticas atuais. A neurociência vem mostrando como o estar consciente depende da sincronização, da sintonia entre várias estruturas corticais e subcorticais. O inconsciente (fantasia inconsciente), por sua vez, dependeria, para se manifestar, de um bloqueio emocional de certos conjuntos neuronais e suas sinapses, liberando outras redes, mais ligadas ao mundo interno, em uma espécie de neo-jacksonismo. Tal se passaria no sonho, nos lapsos de língua, nas parapraxias e na construção de sintomas neuróticos e psicóticos, conforme 2 0 20 já Freud havia observado. O ser humano necessita da fantasia, tanto consciente como inconsciente, em alternância perene entre essa realidade interna e o mundo exterior. Ambas são necessárias à mente, para dar "alma" ao cérebro, sem as quais este morreria. O pensar parece ser em grande parte uma sintonia entre a fantasia inconsciente, as captações sensoriais aferentes (o cérebro não sobreviveria sem o corpo) e os engramas (memórias) estabelecidos no decorrer da vida. Dormir seria necessário para descansar certos setores sinápticos, ligados à realidade exterior, deixando livres outros mais conectados ao mundo interno, originando o sonhar. Sem esse desligamento neurossináptico da consciência vígil, o cérebro não sobrevive. Os especialistas em sono sabem disso. Para o aprendizado (aquisição de novos engramas), o sono bem dormido é tão necessário, mostrando pesquisas com estudantes, quanto a primeira metade da noite é fundamental para consolidar o aprendido em vigília (Houzel, 2002). Provavelmente seria porque no sono profundo inicial funciona mais a realidade interna, ao contrário do sono superficial, com a realidade externa mais influente, entrando nos sonhos. Não é impossível que, para a consolidação do aprendizado, seja necessário o que em psicanálise se denomina autismo construtivo, a mente fica voltada para dentro, para si mesma com seus objetos internos, sem sonhos e contatos com o mundo exterior. Isso poderá explicar certos lampejos criativos, tanto artísticos como científicos. Na química, quando Kekulé sonhou com o anel benzênico, ainda não conceituado, e na fisiologia quando Banting sonhou necessitar ligar o canal pancreático de cães para confirmar que as ilhotas de Langermans secretavam a insulina. Houzel, ao analisar a motivação onírica (um dos pilares da psicanálise freudiana), não inclui o fator emocional, a realização dos desejos e o repetir uma situação traumática na tentativa de sobrepujá-la. Também, quando revela depender a memória da riqueza de estímulos que aumentam as sinapses do hipocampo, não faz qualquer referência à motivação (tanto consciente como inconsciente), não só bloqueando sentimentos indesejáveis das lembranças como estimulando outros, e a atenção. Por isso, provavelmente os deprimidos 2 1 21 crônicos menos motivados, procurando menos estímulos internos e externos, são mais suscetíveis à "falta de memória" e por isso provavelmente serem mais propensos à doença de Alzheimer. Ainda Houzel, ao analisar o bocejo do ponto de vista neurocientífico, o faz demasiadamente apegado a esse campo, não incluindo em suas observações fatores emocionais interpessoais (objeto da psicanálise atual). Realmente o bocejo pode ter várias conotações, além das mencionadas pela autora, como disfarçar uma situação em que a pessoa é criticada, em comunicação inconsciente de algo como: "Não estou nem aí". Até na psicologia canina, muitas vezes parecida com a humana, pode se observar um cão censurado pelo dono olhar para o outro lado e bocejar, como que comunicando ao primeiro "Isso não me afeta, não é comigo, não me interessa." Houzel, no capítulo "Lembrando o que não aconteceu" de seu livro, a falta de ênfase no emocional é patente. Muitas lembranças e falsas lembranças , como o "déjà vu" são incrementadas quando o fato vivido ou imaginado causou maior impacto afetivo. Além disso, com a repressão (recalque) emocional de um fato traumático vivido ou fantasiado, a rememoração mostra que a pessoa não tinha qualquer consciência de sua existência. A revivescência de conflitos emocionais e a compreensão desta na transferência em sessão analítica alteraram certas marcas cerebrais em um sentido positivo, alargando horizontes da pessoa sobre si mesma e seus relacionamentos. Pugh (2002) cita pesquisas a respeito. Consequentemente aparece maior paz interna, menor ansiedade, diminuição dos sintomas clínicos e maior integração emocional. Para ocorrerem tais mudanças na plástica cerebral é indispensável a assiduidade do contato analítico (três acinco vezes por semana) durante anos, para se tornarem duradouras. Comentando as bases cerebrais do humor, Houzel cita pesquisas atuais através do mapeamento de zonas ativas do cérebro revelarem que anedotas relacionadas com o significado das palavras ativam centros da linguagem no lobo temporal. Por sua vez os trocadilhos ativam o córtex pré-frontal medial ventral, processando sinapses relacionadas com o som das palavras. O achar 2 2 22 graça dependeria tanto do sentido como do som das palavras. O riso contagioso ativa o núcleo acumbente, também responsável pela sensação prazerosa da maconha e de outros vícios. Mais uma vez nota-se pouca consideração da parte psicológica (emocional), pela qual acha-se graça quando um impulso reprimido sexual ou agressivo foge subitamente da censura. Redlich e Bingham (1962) analisando, sob esse ponto de vista, cartoons de revistas norte-americanas, mostram como o riso surge no caso de pessoas ridicularizadas, satisfazendo impulsos agressivos e sexuais reprimidos, por exemplo, as crianças e até mesmo os adultos riem dos palhaços por falarem e cometerem asneiras, fazerem coisas desastradas e assim por diante. Sentem- se superiores e no riso descarregam a agressividade contra eles. Na TV, programas como as "videocassetadas", com pessoas sofrendo quedas ridículas e outras situações humilhantes, bem como nas comédias de "pastelão" americanas, com tortas sendo atiradas no rosto do desafeto, os mesmos impulsos são satisfeitos. Tudo relacionado com repressões dos instintos sexuais e agressivos básicos, subitamente liberados com a surpresa do ocorrido no fim do fato risível. Freud já havia estudado esse assunto em O chiste e o inconsciente. Cada cultura possui também piadas regionais, divertindo mais àqueles a estas pertencentes, por exemplo, as existentes entre os judeus. No Brasil os portugueses são o alvo predileto de anedotas em desventuras engraçadas, provavelmente por certa agressividade cultural recalcada dos tempos coloniais, e por seus imigrantes, em geral de pouca cultura e ingênuos, pensarem, falarem e atuarem de maneira engraçada, fazendo os brasileiros se divertirem por sentirem-se momentaneamente superiores. Por ironia, um dos maiores neurocientistas atuais, Antonio Damásio, é português, embora radicado nos Estados Unidos, e, no passado, Egas Moniz, introdutor da angiografia cerebral e da psicocirurgia (leucotomia), ganhador do prêmio Nobel, também era português, mostrando a injustiça da inclusão dos portugueses em situações risíveis. 2 3 23 Damásio (citado por Houzel), estudando principalmente as emoções com experimentos criativos tanto em animais como em humanos, vem confirmando estruturalmente envolverem as emoções, o corpo e o cérebro. Concluiu que se tem primeiro a emoção para depois senti-la. A angústia, por exemplo, é a alteração corporal neurovegetativa com sensação de aperto, "angor" na garganta, taquicardia, suor frio etc. que provoca o sentimento de ansiedade após o cérebro registrar as alterações corporais. Embora a angústia preceda a ansiedade, ambas não existem isoladamente. No terreno da consciência, Damásio considera três níveis. Primeiro o do proto-self, relacionado com a imagem do corpo no cérebro. Seria o "ego corporal", de Freud. Quando essa imagem muda no relacionamento com o mundo exterior, surgem representações na consciência que, quando se relacionam aos objetos causadores da mudança, fazem aparecer a consciência do Eu Central, a noção "do aqui e agora comigo", a segunda forma de consciência. Em O erro de Descartes, Damásio, ainda citado por Houzel, procura mostrar como primeiro vem a emoção e depois o pensamento, portanto, não é "penso, logo existo", mas "existo (tenho a noção de existir) e por isso penso". A emoção e a consciência são inseparáveis, como a angústia da ansiedade. Conclui Damásio: quanto mais o self reconhece suas emoções, mais se torna apto para uma melhor adaptação ao mundo interno e externo. É essa exatamente a intenção do psicanalista para com seu paciente: levá-lo a um melhor conhecimento de seus conflitos emocionais inconscientes, a fim de poderem ser, senão resolvidos, pelo menos atenuados. Houzel refere-se à capacidade da percepção do sentimento em alertar o organismo para a situação provocadora de emoção, incentivando as reações adaptativas mais adequadas. Algo, acrescentaria eu, já existente nos mamíferos superiores, principalmente nos primatas. Apenas nos últimos, a memorização é fugaz (hipotalâmica) não sendo transferida para o córtex pré-frontal com a intensidade do ocorrido no Homo sapiens, resultando no pensamento mais sofisticado. Em suma, esses animais superiores não chegam à consciência 2 4 24 plena (terceira forma) por deficiência na telencefalização. O pensamento, mesmo nos macacos superiores, é rudimentar, apenas incipientemente simbólico, enquanto no ser humano, sem a capacidade para o simbolismo, não existiria o pensamento (verbal) e a linguagem. Seria exatamente o ocorrido segundo Segal (1978) nos esquizofrênicos. Neles haveria confusão entre o símbolo e o simbolizado, resultando no "pensamento concreto", por atacarem o pensar conforme procurou mostrar Wilfred Bion (1988). Esse ataque levaria o esquizofrênico a sentir o mundo como bizarro, a partir disso o autismo, os distúrbios do pensamento e da linguagem, a ambivalência e os delírios. Estes últimos frequentemente como tentativas de voltar ao contato com a realidade. Vide Pacheco e Silva Filho (1989) reportando-se a vários psicanalistas atuais como Ogden, J. Grostein, H. Segal, H. Rosenfeld, W. Bios, M. Mahler e outros estudiosos do assunto. Na conscientização ampliada, dependente do desenvolvimento maior da córtex, o Eu (self) recebe sua identidade e perspectiva histórica; torna-se autobiográfico com passado, presente e futuro. Surgem em cena as funções superiores como a linguagem e a criatividade. Constrói-se a consciência moral na qual estão as relações sociais e sentimentos abstratos, como amor, honra e altruísmo. Citando ainda Damásio, Houzel ilustra como lesões nas estruturas do proto-self arrasam todos os níveis de consciência, comprovando ser a representação do corpo na mente o nível básico. Em ataques epiléticos ou ausências, a dissolução da consciência central leva junto a consciência ampliada. Esta, por sua vez, pode ser comprometida sem a segunda ser afetada, como em casos de amnésia e início da doença de Alzheimer. Vigília e consciência central não são sinônimos, como mostram ausências por disritmia cerebral, em que a pessoa acordada age automaticamente. Na hipnose, o hipnotizador se tornaria o superego do hipnotizado, podendo bloquear a consciência central e tornar o último, no transe profundo, um autômato sob suas ordens. Ainda, os achados do neurologista português levaram a conclusão de que tanto com quanto sem cérebro não há consciência, o corpo também é indispensável para a mesma. Houzel assinala como ver ou imaginar objetos ativa 2 5 25 os mesmos neurônios, mostrando como são afetados de maneira idêntica por estímulos da realidade externa e interna. A imaginação, para Houzel, seria a ativação interna da representação dos sentidos no cérebro. Como depende da experiência, esta é a matéria prima da imaginação. Mas, desculpe-me a autora, a imaginação (fantasia consciente) não é só representação dos sentidos no córtex. Talvez isso seja nos primatas que já a têm incipiente, nunca tão desenvolvida como em nós. No ser humano, a constituição do mundo interno simbólico individual não faria com que as redes neuronais ativem-se reciprocamente sem representações dos sentidos? Por puro autismo (ausência de relação objetal externa) construtivo,como vimos no autismo criativo, nas artes e nas ciências, diferente do autismo destrutivo das crianças autistas e esquizofrênicas. Ainda, para Pugh (2002) as observações kleinianas da criança desenvolvendo a percepção de pessoas como objetos totais aos 4 meses (posição depressiva de M. Klein) parecem ser confirmadas pelo fato de nessa idade axônios dispensáveis no córtex serem eliminados. Campos sinápticos vão sendo integrados e a ponte inter-hemisférica é ampliada pela mielinização. Além disso, lesões na zona cortical heteromodal do hemisfério direito podem resultar em regressão para a percepção de objetos parciais. 2 6 26 Soussumi (2001), psicanalista de nossa sociedade, com vários estudos sobre a integração entre as neurociências e a psicanálise, refere-se a três tipos de memória: 1) Procedural, concernente ao cérebro reptiliano e ao dos mamíferos, armazenadora das primeiras recordações da humanidade e, no indivíduo, da infância. 2) Declarativa, concernente às lembranças. 3) Filogenética, referente ao estado mental primitivo e à fantasia inconsciente (representação mental do instinto, das pulsões, conforme M. Klein), tanto e principalmente dos impulsos destrutivos como dos eróticos (Thanatos e Eros de Freud). O complexo de édipo, para o autor, também poderia ser aqui incluído. Del Nero (1997) assinala como programas pré-gravados inatos nos habilitam a ter uma pequena parcela da mente pré-instalada. São afirmações perfeitamente coincidentes com a pré-concepção de Wilfred Bion, atribuindo ao recém-nascido uma imagem de bom objeto (seio), a qual, em contato com o objeto, forma uma concepção. E mais adiante, escreve Del Nero, ter o indivíduo habilidades prévias (cerebrais) de estabelecer sincronia com os fatos do mundo. É uma confirmação neurocognitiva da ideia kleiniana do Ego incipiente no início da vida, não existindo o narcisismo primário de Freud. Por sua vez, Basile (1998) assinala como parte da amígdala passou a ser tratada como "quase cortical", semelhante ao hipocampo e à cápsula do núcleo acumbente (amígdala expandida) que teriam importância primordial na explicação do comportamento em geral e da fisiopatologia psiquiátrica. Diria eu, importância primordial como efetores, mediadores psicossomáticos transformando a angústia em ansiedade, decorrentes não só de fatores externos (medos etc.), mas sobretudo de conflitos inconscientes do mundo interno, exigindo modificações do pensamento e do comportamento. 2 7 27 Koestler, A. (1967), citado por Persicano (2002) em pensamento semelhante às três formas de consciência de Damásio, refere-se aos "três cérebros" do ser humano: 1) O reptiliano sensitivo-sensorial, incapaz de armazenar a experiência. 2) O mesocórtex, já existente nos mamíferos, tornando-os capazes de solucionar problemas elementares. Seria o sistema límbico ligado ao hipotálamo em mão dupla, filtrando as excitações antes de estas atingirem aquela estrutura. Permite a adaptação ao meio (externo) com base em experiências passadas. Avalia o significado emocional das experiências, pela inter-relação hipotálamo- hipófise-supra-renal. 3) O "terceiro cérebro" seria o néo-córtex telencefálico, com predominância da parte auditiva sobre a visual. Na criatividade o mesocórtex é regressivamente incorporado ao neo-córtex em inter-relação. A cultura em cada grupo humano dependeria desse intercâmbio. Inicialmente passa de geração em geração oralmente, só posteriormente, com a escrita comunicativa, surgiriam novos valores individuais. 2 8 28 Na filogenia, o Homo habilis da Idade da Pedra seria ainda incapaz de usar a fantasia inconsciente e mesmo a consciente, daí o fato de não terem criatividade. Com a evolução surge o homem de Neanderthal, que já a tem. Em seguida surge o Homo sapiens, incluindo o Cro-Magnon. Surgem as várias raças, adorando deuses animais e outras ligadas às forças naturais. Ainda não existe qualquer liturgia religiosa. Apenas com o incremento da fantasia inconsciente, há 45 mil anos atrás, aparecem as primeiras manifestações artísticas. A dança seria a primeira forma de arte, já com um sentido erótico mais sofisticado e não quase só agressivo, como nos antropóides. Logo vem o desenho primitivo representativo. Como na criança (desenvolvimento ontogênico), seriam as primeiras manifestações de um psiquismo, da primeira consciência da subjetividade, com fantasias de onipotência (sopro criador), primeiro atribuído aos deuses, para o infante os pais, e depois em parte outorgado para si. Com o desenho começa o planejamento de vida, com ideias do futuro. Os animais representados nas paredes das cavernas tornariam, pela fantasia inconsciente, mais fácil caçá-los. Desenhar, como depois fotografar, teria o significado inconsciente de se apoderar do objeto, desse modo fixado, congelado. O homem das cavernas gravou, esculpiu e pintou, progressivamente nessa ordem. Passa a não só observar a realidade externa como a reproduzi-la. Surgem os sonhos e as fantasias conscientes, não distinguidos no começo da realidade externa, tal qual ocorre na criança. Pela arte o homem primitivo teria começado a refletir, dando um enorme salto no desenvolvimento cognitivo, desenvolvendo um cérebro com um excesso de possibilidades criativas, usadas para a solução de problemas mais complexos e para a arte. Com isso vão aparecendo as várias subjetividades no ser humano. Os padrões rígidos coletivos sendo alterados em várias culturas, com valores e modos de viver diversos. 2 9 29 REFERÊNCIAS Alberti, S. (2003). Primeiras questões sobre psicanálise e neurociências. Trabalho apresentado em Estados Gerais da psicanálise (Segundo Encontro Mundial), Rio de Janeiro. Anderson, M., & Levy, B. (2009). Suppressing unwanted memories. Current Directions in Psychological Science , 18(9), 189-194. Recuperado em 12 jul. 2016 de: <http://memorycontrol.net/AndersonLevy09.pdf> . 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