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História do Brasil Colonial: Consolidação e Tensões Iniciais Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof. Esp. Pietro Henrique Fernandes Delallibera Sant’Anna Revisão Textual: Prof. Ms. Claudio Brites O Processo de Independência do Brasil 5 • O Debate Historiográfico • As Políticas de D. João VI: Aceitação e Reação • Portugueses x Brasileiros • As Cortes Portuguesas e o Processo de Independência • Considerações Finais: As Independências Os objetivos da unidade são: Medir o impacto da chegada da família real portuguesa ao Rio de Janeiro e relacionar esse episódio com a independência; Entender a oposição entre brasileiros e portugueses que criaria a ruptura independentista; Conhecer os principais fundamentos do projeto de independência que saiu vitorioso, bem como compará-lo com as demais linhas políticas, mais conservadoras ou mais radicais, que também propunham a emancipação brasileira. Leia atentamente o conteúdo desta Unidade. Ela trata das circunstâncias históricas e das lutas políticas que levaram à independência do Brasil. Você encontrará uma atividade composta por questões de múltipla escolha e terá a oportunidade de trocar conhecimentos e debater os assuntos abordados em nosso fórum de discussão. É extremamente recomendável que você consulte, também, a bibliografia da unidade e os materiais complementares. São valiosas fontes de informação que podem ajudá-lo a aprofundar seus conhecimentos sobre os temas em questão. O Processo de Independência do Brasil 6 Unidade: O Processo de Independência do Brasil Contextualização Leia o seguinte texto: “[...] o liberalismo no mundo luso-brasileiro padeceu de limites profundos, estabelecidos pelas dimensões restritas da esfera política propriamente pública. A cultura política da independência implantou, sem dúvida, certas práticas fundamentais do liberalismo, capazes de converter a Coroa em Estado, ao extrair a política dos círculos palacianos para situá-la na praça pública; ao organizar a sociedade por meio de uma Constituição, ainda que outorgada; e ao estabelecer uma divisão de poderes que definia algum espaço para a participação dos cidadãos, como as eleições. A autêntica vida pública, porém, não foi capaz de estender-se além de uma elite, mais intelectual e política que social, sediada nas principais cidades e temerosa de afetar os interesses quase sempre mudos dos poderosos de todas as latitudes.” NEVES, Lúcia Maria Bastos P. Cidadania e participação política na época da independência do Brasil. Cadernos Cedes (Unicamp), Campinas, v.2, n.58, p. 61, dezembro/2002. Como você pôde perceber, o trecho trata dos resultados do processo de independência brasileiro. Mais especificamente, dos limites sociais e políticos desse projeto de independência. Mantenha esses apontamentos em mente. Nesta unidade, vamos explorar o caminho percorrido pelo país até a emancipação em 1822. Ao final da leitura do material teórico, teremos demonstrado como esse cenário político descrito no texto acima pôde ganhar forma. 7 O Debate Historiográfico Dada a importância do evento, a Independência do Brasil é um dos temas da nossa História que mais suscita debates e controvérsias. Conhecer o processo de emancipação passa, portanto, por conhecer a forma com que os historiadores têm interpretado essa ruptura, atribuindo-lhe significados e graus de importância distintos. A primeira versão da história da Independência, que poderíamos chamar de “tradicional”, é aquela que nasceu no próprio século XIX e perdurou até o início do século XX, consolidada principalmente pela obra de Oliveira Lima. Essa linha interpretativa valoriza a narrativa dos eventos, concentrando a análise histórica no campo superficial da política e na ideia de vontade individual. Suas fontes primárias são a documentação oficial e os relatos deixados por figuras notórias do processo de emancipação (cartas, diários etc.). Essa historiografia tradicional preocupa-se em fazer a crônica, a narração, dos acontecimentos políticos que levaram ao fim da situação colonial, sem estabelecer conexões relevantes entre esses episódios e as macroestruturas econômicas e políticas que condicionavam a história brasileira. A Independência aparece, portanto, como fruto da vontade política de notáveis como Bonifácio e D. Pedro, que souberam vencer dificuldades uma a uma e concretizar o sonho da emancipação. Por volta da década de 1930, surge uma nova linha de interpretação, majoritariamente calcada no marxismo e cujo principal precursor foi Caio Prado Jr., mas também Nelson Werneck Sodré e, mais tarde, Fernando Novais. Se, conforme vimos na unidade anterior do curso, esses autores entendem a colonização como um episódio do expansionismo comercial europeu, integrada à lógica do Antigo Regime e às bases do capitalismo nascente, a Independência – isto é, o fim da política colonial – só pode ser vista como decorrência da falência desse conjunto de fatores. Em oposição à interpretação tradicional, essa nova versão da história prioriza a explicação (e não a simples narração) e os elementos estruturais do sistema, com forte tendência para o campo da Economia. A vontade política dos atores envolvidos na independência é relegada a segundo plano. O decisivo aqui é a crise do próprio Antigo Regime no século XVIII, que arrastaria consigo o Antigo Sistema Colonial. A saída de Portugal e Espanha do epicentro da economia mundial, cedendo lugar à Inglaterra; a Revolução Industrial, trazendo consigo a necessidade de abertura de novos mercados e de alteração nas relações de trabalho; a entrada do Capitalismo na sua fase industrial, em que a acumulação primitiva – motivadora da exploração colonial, típica da fase comercial ou mercantil – já está concluída; e o desenvolvimento interno da colônia, pautado pelos mesmos princípios liberais, o que forçou a destruição paulatina dos grilhões coloniais: todos esses fatores levaram inexoravelmente à Independência, que ocorreria cedo ou tarde, independentemente da atuação da classe política brasileira. Logo, a data de 1822 marcaria apenas a oficialização de um processo irrefreável posto em marcha muito tempo antes. Se fosse necessário apontar uma data mais precisa, o ano de 1808 aparece como o mais adequado: o marco da Independência de fato coincidiria com a abertura dos portos, isto é, com a queda de um pilar do pacto colonial. 8 Unidade: O Processo de Independência do Brasil Essa visão estrutural foi predominante até a década de 1990. Desde então, historiadores têm proposto abordagens novas para o problema da independência, distanciando-se das visões anteriores por duas vias. A primeira dessas vias é uma espécie de “retorno” crítico à historiografia tradicional: se historiadores como Oliveira Lima de fato pecaram em tomar a vontade política da classe dirigente como principal motor da independência, a historiografia marxista-estrutural “exagerou no remédio”, interpretando o evento como uma derivação automática de mudanças nas macroestruturas globais. Tratar-se-ia, portanto, de um olhar mecanicista, determinista, que exclui da história o elemento humano e os embates políticos nacionais. Os estudos mais recentes procuram justamente recuperar os temas da historiografia tradicional – a crônica dos episódios políticos, a narração, o desenrolar mais cotidiano e “superficial” da história – mas reposicioná-los criticamente em um contexto estrutural, em consonância com o ferramental teórico que as correntes da Nova História Política podem fornecer. Em síntese, retomar o elemento humano da história, antes perdido na análise fria de estruturas econômicas impessoais. A segunda via pela qual o tema da Independência tem sido reinterpretado é o da Nova História Cultural. A linguistc turn (“virada linguística”) da década de 1960 (que se consistiu genericamente numa guinada das ciências humanas em direção a temas ligados aos símbolos e representações – isto é, a temas da linguagem e, consequentemente,da cultura) e as tendências da Nova História francesa ecoaram na historiografia da independência com uma série de estudos que a partir da década de 1980 passaram a escrutinar campos até então negligenciados pela história tradicional (ligada ao campo político) e estrutural (campo econômico). Surgiram trabalhos sobre o papel da imprensa no período, o cotidiano do Rio de Janeiro e a recepção da notícia da independência (temas da chamada História do Cotidiano), a participação popular condicionada a clivagens de classe, gênero e cor, as representações do poder, e assim por diante. Uma característica geral dessas obras é o abandono da pretensão de responder às grandes perguntas historiográficas (“Quais foram as causas da independência?”, “Quem liderou o processo?”) em detrimento de trabalhos mais focados e precisos. Agora que temos este panorama das principais linhas interpretativas da independência, podemos nos debruçar sobre o evento concreto. As Políticas de D. João VI: Aceitação e Reação Já construímos ao longo do Curso um quadro-síntese da crise do sistema colonial. Vale a pena recapitular aqui seus elementos principais: » Alterações na Economia mundial, com o protagonismo britânico alavancado pela Revolução Industrial; » Situação marginal das economias ibéricas, ainda apoiadas sobre formas tradicionais (não-industriais) de produção; 9 » Vitória revolucionária na França e nos recém-formados Estados Unidos; » Ampla divulgação das ideias liberais e iluministas; » Independência das colônias espanholas na América; » Formação de um ainda incipiente nacionalismo brasileiro; » Tendência de queda do preço do açúcar e da produção de ouro, principais artigos de exportação da economia nacional; » Tentativas de reforma do sistema colonial, exemplificadas pela política pombalina; » Tensões sociais internas e eclosão de revoltas separatistas. Esta foi a conjuntura que emoldurou os episódios diretamente relacionados à proclamação da Independência, os quais analisaremos agora. O mais decisivo desses episódios é a vinda da família real portuguesa para o Brasil. Não cabe aqui discutir os motivos que levaram à fuga de D. João VI e sua corte – uma história relacionada às “guerras revolucionárias” de Napoleão que, por sua vez, têm raízes fincadas na dinâmica peculiar da Revolução Francesa. Neste momento, basta compreender que essa situação atípica forçou um rearranjo completo das relações coloniais, criando o cenário definitivo da independência. O Brasil fora subitamente transformado em sede da monarquia, capital de fato da metrópole. Frente a isso, o rei precisou tomar uma série de medidas que adequassem o país a essa nova condição, ainda que à custa de perverter o pacto colonial. Em janeiro de 1808, os portos brasileiros foram abertos ao comércio estrangeiro. Em abril do mesmo ano, caíram as disposições que proibiam a instalação de fábricas e manufaturas na colônia e, em 1810, o comércio de porta em porta, praticado individualmente, tornou-se atividade legalizada para qualquer habitante da colônia – medida intensificada em 1811, com a liberação da comercialização de quaisquer gêneros não vedados. Em agosto de 1815, colonos foram autorizados a produzir e vender peças de ouro e prata. Finalmente, em dezembro de 1815, o Brasil foi elevado à categoria de reino. A política de D. João VI golpeou duplamente a estrutura colonial. Por um lado, indicava uma direção francamente liberalizante, pautando-se por ideias de livre-concorrência e liberdade de mercado que são avessas ao ambiente colonial, conforme procuramos exemplificar com os decretos e alvarás listados acima. Por outro lado, ela não pôde perverter por completo a lógica da exploração metropolitana, o que contribuiu para aumentar o descontentamento entre os colonos. Olhemos para esse aspecto. O rei determinou, como vimos, a abertura dos portos, mas com isso emitiu uma série de outros decretos que privilegiavam as mercadorias portuguesas, pela cobrança de impostos especialmente baixos ou pela estipulação de taxas elevadas aos produtos estrangeiros, isso quando não vetavam simplesmente o comércio de determinados gêneros. É o caso do decreto de 13 de maio de 1810, que isentava de taxas os produtos vindos de colônias lusitanas na China, ou de 25 de abril de 1818, que criava taxas especiais para vinhos e aguardentes portugueses. 10 Unidade: O Processo de Independência do Brasil A liberação do comércio de qualquer tipo de mercadoria na colônia foi acompanhada por um decreto também de 1818 que proibia a importação de certos gêneros caso estes não fossem trazidos por navios portugueses, pertencentes a cidadãos devidamente estabelecidos em alguma cidade do Império. Anos antes, em 1814, a navegação de cabotagem (isto é, entre portos de um mesmo país), importantíssima para a circulação de bens na América Portuguesa, foi também vetada a navios estrangeiros. Todas estas são medidas que desagradavam os comerciantes estrangeiros, especialmente ingleses (inicialmente conquistados pelo caráter liberalizante da política econômica), e também os colonos, que se viam presos aos produtos portugueses cuja importação era facilitada. Em termos conceituais, o problema dessa estratégia foi sua incapacidade de superar dois legados: o da doutrina mercantilista, com sua lógica protecionista e de direção estatal da economia, e o do pacto colonial, cujo fundamento é usar a colônia sempre em benefício da metrópole, eliminando o princípio da concorrência. Este “liberalismo joanino” tentou, em suma, coadunar-se a uma sociedade ainda calcada no privilégio. O fracasso dessa política é assim explicado pela professora Emília Viotti da Costa. Diálogo com o Autor “Fácil é perceber que, com medidas que pretendam conciliar interesses tão contraditórios quanto os dos comerciantes e produtores estrangeiros, comerciantes e produtores portugueses e brasileiros (...) não consiga D. João VI senão descontentar a todos” (COSTA, 1975, p.78). Prossegue a historiadora: Diálogo com o Autor “Adotar em toda extensão os princípios do liberalismo econômico significaria destruir as próprias bases sobre as quais se apoiava a Coroa. Manter intacto o sistema colonial era impossível nas novas condições. Daí as contradições de sua política econômica. Os inúmeros conflitos decorrentes acentuaram e tornaram mais claras, aos olhos dos colonos e dos agentes da metrópole, as divergências de interesses existentes entre eles, provocando reações opostas: os colonos perceberam as vantagens de ampliar cada vez mais a liberdade, enquanto os metropolitanos convenciam-se da necessidade de restringi-las. A oposição entre os dois grupos manifestar-se-ia claramente quando deputados brasileiros e portugueses se defrontaram nas Cortes portuguesas em 1821” (COSTA, 1975, p.78). Temos aqui o desenho da oposição entre brasileiros e portugueses, conflito central da ruptura independentista. Cabe agora explorar suas nuances. 11 Portugueses x Brasileiros A nomenclatura não se refere necessariamente às nacionalidades de ambos os lados, mas sim às suas afinidades e interesses. Durante todo o período colonial, Portugal funcionou como entreposto de todo o escoamento da produção brasileira, um arranjo comercial vantajoso para a Coroa (que aumentava sua receita pela via da tributação), para os capitães responsáveis pelo transporte marítimo, para as alfândegas lusas, para os intermediadores tanto da venda de artigos coloniais no mercado europeu quando da importação de gêneros manufaturados para a colônia. Durante esse tempo, as mercadorias americanas representaram a maior fatia do comércio internacional português. Com a abertura dos portos brasileiros (1808) e a liberação do comércio direto com nações estrangeiras, preferencialmente com a Inglaterra, essa cadeia de vantagens caiu por terra. O rei tentou, como vimos, compensar a quebra do pacto colonial com políticas que beneficiavam mercadores lusitanos, mas não a ponto de fazeresquecer a perda dos privilégios. Nesse contexto, “brasileiros” são aqueles que defendiam a abertura cada vez maior da economia, enquanto que “portugueses” são os partidários da volta da situação colonial estrita. Cada um desses grupos adotou uma visão de mundo própria. A maioria das lideranças políticas da colônia – isto é, dos “brasileiros” – não buscava ainda a independência. A condição de reino unido bastava, desde que mantidas as liberdades conquistadas. Na concepção conservadora, o modelo de monarquia dual seria a melhor saída para o impasse das relações entre os países – proposta, aliás, levada às Cortes portuguesas em junho de 1822. Do ponto de vista dos metropolitanos, a perda dos privilégios sobre o comércio americano era inaceitável. Não havia consenso com relação ao arranjo político do Império – dever- se-ia voltar ao modelo colonial clássico, formar uma monarquia dual ou manter a corte no Rio de Janeiro, instituindo uma regência em Lisboa? – mas o modelo econômico era claro, implicando o cancelamento do livre comércio. A partir desse diagnóstico, deputados lusitanos e ideólogos pró-colonialismo – o grupo dos chamados “portugueses” – identificaram o culpado pela situação de crise: o rei, com suas medidas liberalizantes. Assim se explica um dos episódios mais curiosos e contraditórios da história portuguesa: a Revolução do Porto, de 1820. Calcada em princípios liberais, voltada contra o regime absolutista, exigindo a submissão do rei a uma Constituição votada democraticamente, ela demandava, também, a volta de alguma forma de pacto colonial. À luz dos eventos que listamos acima, esse arranjo heteróclito ganha sentido: o liberalismo foi lido de maneiras diversas por brasileiros e portugueses, significando comércio livre para os primeiros e, para os segundos, poder de controle sobre as decisões reais que, justamente por serem excessivamente liberais, prejudicavam a pátria. 12 Unidade: O Processo de Independência do Brasil O importante aqui é saber que esse levante forçou o retorno de D. João VI a Portugal, o que criou dois novos condicionamentos para a questão colonial: o Brasil teria um príncipe regente, D. Pedro, distante da sua metrópole; e a nova Carta Magna, que determinaria a forma acabada das relações luso-brasileiras, começaria a ser debatida e redigida pelas Cortes portuguesas. No ambiente parlamentar, o embate entre brasileiros e portugueses se tornaria direto, escancarando a impossibilidade de uma solução política que envolvesse a manutenção dos laços entre Brasil e Portugal. As Cortes Portuguesas e o Processo de Independência As Cortes Constituintes se reuniram pela primeira vez em janeiro de 1821. No final daquele ano, já havia ficado claro que os princípios liberais que animaram a Revolução do Porto não se estendiam à questão colonial. Com o retorno do rei à metrópole, crescia a ameaça de recolonização. Essa mudança de percepção ocorreu principalmente a partir de julho de 1821, quando passaram a ser votadas medidas que atacavam a autonomia administrativa do Brasil e procuravam revogar decretos de D. João VI que abriram o nosso comércio às nações estrangeiras, restituindo, assim, a função dos atravessadores portugueses. Convencidos de que a Constituinte não iria equacionar o problema colonial da maneira mais adequada, o grupo de brasileiros começou a se articular para a separação. Mesmo entre os mais conservadores, para os quais “Independência” significava apenas manter a autonomia administrativa da colônia, o rompimento entre Brasil e Portugal começou a parecer uma solução mais plausível. As estratégias empreendidas por esse grupo foram duas. Em primeiro lugar, manter a todo custo o príncipe regente no país, já que um eventual regresso de D. Pedro a Portugal significaria um passo enorme em direção à recolonização. Dissemos acima que as Cortes votaram, a partir de julho de 1821, medidas que atacavam a autonomia do Brasil. Uma dessas medidas foi justamente a ordem de retorno do príncipe a Portugal, emitida três vezes apenas naquele ano, de modo que a administração do Brasil ficaria a cargo de governadores provinciais nomeados pela coroa. Lideranças brasileiras partiram tanto para o convencimento, discorrendo sobre as qualidades de D. Pedro e as conveniências de sua permanência, quanto para a ameaça: o regresso do príncipe regente seria imprudente, pois acarretaria a declaração imediata de independência, ainda que com ajuda de aliados estrangeiros como a Inglaterra. Esta é a conjuntura por trás, por exemplo, do “fico” em 9 de janeiro de 1822. Isso ajuda a explicar também porque, entre os modelos possíveis de independência, venceu aquele que envolvia a manutenção de membros da antiga metrópole na cúpula do governo. A segunda estratégia era a mais importante: preparar a convocação de uma Assembleia Constituinte brasileira, responsável por elaborar Carta Magna própria e corrigir as injustiças que se cristalizavam, uma a uma, no texto votado pelas Cortes lusas. 13 Até o último minuto, tentou-se conciliar essa medida com a manutenção dos laços luso- brasileiros. O objetivo, dizia-se, era apenas corrigir as distorções do texto votado em Lisboa e elaborar uma lei mais adequada à realidade brasileira, sem quebra dos laços. Os próprios manifestos de independência do período asseveravam que a nova Carta reconheceria D. João VI como rei legítimo. No entanto, a ordem de convocação de uma constituinte, expedida em julho de 1822 por D. Pedro, significou, naquele contexto de acirramento das rivalidades, uma declaração de emancipação na prática. A reação das Cortes portuguesas foi violenta. O antagonismo entre brasileiros e portugueses atingiu seu grau máximo. Os deputados lusos mandaram revogar a convocação da Constituinte brasileira e intimaram D. Pedro a retornar. A gota d’água seria a notícia, a 2 de setembro, do envio de tropas portuguesas encarregadas de buscar o príncipe regente. Acuado, D. Pedro viu-se entre duas opções: regressar a Portugal como um quase prisioneiro ou abandonar as soluções bilaterais para o problema brasileiro, partindo para a independência de fato. No dia 7 de setembro de 1822, ele escolheu a segunda opção. Considerações Finais: As Independências A proclamação da Independência representou a vitória de um projeto político específico, entre muitos outros que concorriam pela hegemonia naquele momento de impasse histórico, de abertura de uma brecha revolucionária. É preciso que isso fique bastante claro. Após o 7 de setembro, o governo precisou travar uma batalha política intensa para garantir suas conquistas. A notícia da Independência não foi bem recebida na Bahia, no Maranhão e no Pará, onde as juntas governamentais tinham maioria portuguesa. Além disso, setores das forças armadas e comerciantes lusos também não se animaram com a divisão dos reinos. Internamente, o governo conservador precisou enfrentar o grupo mais radical, liderado pelo deputado Joaquim Gonçalves Ledo. Para estes, a manutenção da família real portuguesa no poder era inaceitável. Além disso, defendiam a República, e não o modelo de Monarquia Constitucional que se instalava no país. Nesses dois fronts, a habilidade política de José Bonifácio foi fundamental – além de sua mão-de-ferro: a vitória do projeto conservador se deve em parte ao fato de que Bonifácio, do alto do Ministério do Império, mandou investigar e prender figuras radicais e republicanas. Ainda assim, estamos falando aqui de disputas no interior da classe política brasileira, composta por membros da própria elite colonial. O movimento independentista inteiro foi conduzido por homens ligados ao latifúndio e ao comércio marítimo, ou pelos estamentos privilegiados da burocracia estatal patrimonialista. Seu propósito era manter intacta a estrutura política, econômica e social do país, baseada no trabalho escravo e na exportação de gêneros primários tropicais para o mercado europeu. A ausência de uma classe verdadeiramente revolucionária– como era o caso das burguesias europeias – explica os contornos adquiridos pelo país após a emancipação. 14 Unidade: O Processo de Independência do Brasil Quais seriam, então, os outros projetos de independência? Para os escravos, era a promessa de liberdade, a conquista do status de cidadão – o que, traduzido em linguagem política, significaria uma transformação profunda no modelo de produção que sustentava a elite colonial. Para a população pobre, composta de negros libertos e mestiços, a revolução precisaria incorporar o tema da igualdade e a eliminação do entulho racista da legislação nacional. Trata- se, aqui, de uma Independência mais nos moldes daquela pretendida pela Conjura Baiana (1798) e pela Revolução Pernambucana de 1817. Nas zonas rurais, palavras como “igualdade”, “liberalismo”, “revolução” e “independência” eram desconhecidas. Esta é justamente a população para a qual o nacionalismo, a ideia de “ser brasileiro”, foi apresentado com muitas décadas de atraso. Nessas regiões, vivia-se ou sob controle direto dos grandes senhores de terra ou em relativo isolamento, como era o caso da província de São Paulo. A causa independentista é majoritariamente urbana e seu campo de batalha preferencial foi a capital, o Rio de Janeiro. Em um país com as características do Brasil colonial – que esperamos ter apresentado satisfatoriamente ao longo deste Curso – isso significa dizer: nosso projeto de independência simplesmente excluiu a esmagadora maioria da população. 15 Material Complementar Recomendamos este interessante estudo coordenado pelo professor João Paulo Pimenta como leitura complementar. O objetivo do trabalho foi mapear como o episódio da independência ficou registrado na cultura brasileira, por meio da análise de livros didáticos, best-sellers da área de história, filmes, séries para televisão, revistas e pesquisas de opinião pública. Não se trata, portanto, de um estudo da independência, mas uma análise de como esse episódio se fixou na mentalidade coletiva do brasileiro. Site: A referência completa para o texto é: PIMENTA, João Paulo et al. A Independência e uma cultura de história no Brasil. Almanack. Guarulhos, n.8, p. 5-36, 2º semestre de 2014. Disponível em: http://www.almanack.unifesp.br/index.php/almanack/issue/current http://www.almanack.unifesp.br/index.php/almanack/issue/current 16 Unidade: O Processo de Independência do Brasil Referências COSTA, Emília Viotti da. Introdução ao estudo da emancipação política do Brasil. In: MOTA, Carlos Guilherme (org.). Brasil em perspectiva. 6.ed. São Paulo: Difel, 1975. p. 64-125. FAUSTO, Boris. História do Brasil. 13.ed. São Paulo: Edusp, 2009. MALERBA, Jurandir. As Independências do Brasil: ponderações teóricas em perspectiva historiográfica. História. São Paulo, v.24, n.1, p.99-126, 2005. MOTA, Carlos Guilherme (org.). 1822: dimensões. São Paulo: Perspectiva, 1972. NOVAIS, Fernando; MOTA, Carlos Guilherme. A independência política do Brasil. 2.ed. São Paulo: Hucitec, 1996. 17 Anotações