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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Relatório final para a disciplina de Planejamento Experimental e Análise de Dados em Ciências Biomédicas (ICB5773) Mairon Oliveira de Lima Docente: Marcus Vinicius Chrysostomo Baldo São Paulo 2023 PERGUNTA DO PROJETO O projeto em questão, desenvolvido no Laboratório de Farmacologia Comportamental do Departamento de Farmacologia do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB/USP), tem como principal propósito verificar se mudanças no ambiente podem afetar a reversão da sensibilização comportamental em camundongos tratados com etanol durante 15 dias (D1-D15), o que contribuiria para o aprimoramento dos modelos animais de transtorno por uso de substâncias. A hipótese principal, nessa situação, é que o fator ambiental – mais especificamente, a presença de uma roda para atividade física voluntária ou de brinquedos na caixa durante o período de extinção do comportamento (D16-D22) – seria capaz de reverter a sensibilização comportamental induzida pelo etanol. Uma explicação para a reversão da sensibilização comportamental baseia-se na proposição de que animais em ambiente enriquecido, seja com brinquedos ou com a roda para atividade física, estariam protegidos do efeito estressor causado pelo desafio com etanol no D22. Por esse motivo, uma hipótese secundária do projeto é que o nível de corticosterona plasmática nos grupos nos quais foi possível reverter a sensibilização comportamental seria diferente. Além disso, propõe-se que essa mudança não seja causada por uma indução ou inibição da enzima álcool desidrogenase – responsável pela biotransformação do etanol em acetaldeído – durante o período de 15 dias de tratamento com etanol. Dessa forma, outra hipótese secundária é de que não haveria diferença na concentração plasmática de etanol entre os animais que foram tratados com etanol por 15 dias e os animais-controle que apenas receberam etanol no D22. NATUREZA DO PROJETO O projeto tem caráter confirmatório, uma vez que se parte de uma predição a priori com o intuito de verificá-la por meio de um teste de hipóteses estatístico previamente concebido. Isso se observa tanto para a hipótese principal – em que se propõe haver uma diferença na reversão da sensibilização comportamental com base no ambiente no qual o camundongo foi mantido – quanto para as duas hipóteses secundárias, pois espera-se que a concentração plasmática de corticosterona esteja relacionada à reversão da sensibilização comportamental e, por outro lado, que a concentração plasmática de etanol não esteja relacionada à reversão. CARACTERIZAÇÃO DO PROJETO O estudo aqui descrito é experimental, pois são utilizadas diferentes intervenções no ambiente para verificar relações causais entre as variáveis mencionadas anteriormente. Por outro lado, o experimento do estudo não pode ser considerado experimental verdadeiro, pois, apesar de haver grupos-controle respectivos a cada um dos níveis, o processo de randomização do tratamento (salina ou etanol entre D1-D15) não envolve cada um dos camundongos, mas apenas os grupos nos quais os animais foram separados no biotério de criação durante o desmame. Isso ocorre pois o processo de reagrupamento dos camundongos resulta-lhes estressante, o que aumenta a agressividade dos animais e, por consequência, enviesaria o fenômeno de sensibilização comportamental, uma vez que este é fortemente influenciado pelo estresse sofrido pelo animal. Assim, embora o tratamento ao qual cada grupo em uma caixa será submetido seja atribuído aleatoriamente, não há randomização dos animais que pertencerão a uma caixa, o que é definido previamente durante o processo de desmame. POPULAÇÃO-ALVO E UNIDADES A população-alvo do projeto são camundongos da linhagem Swiss- Webster com 70 dias de idade. A unidade observacional aqui poderia ser considerada os próprios camundongos, uma vez que são eles quem definem o tamanho da amostra. No entanto, o mais correto é, nessa situação, considerar a caixa-moradia como a unidade experimental, pois o processo de randomização do tratamento em cada caixa foi feito sem que os animais tivessem sido distribuídos aleatoriamente. Para a hipótese inicial, a unidade observacional são os próprios camundongos, pois o fenômeno de sensibilização é descrito pelo comportamento do animal. Por outro lado, as duas hipóteses secundárias têm como unidade observacional o plasma separado do sangue dos animais, no qual são mensuradas as concentrações de corticosterona e etanol. Os procedimentos experimentais utilizados estão em conformidade com preceitos estritamente éticos, tendo sido previamente aprovados pela Comissão de Ética no Uso dos Animais (CEUA) do ICB/USP (Nº 6543161221), um órgão que visa fazer cumprir os procedimentos éticos no uso científico de animais dispostos na Lei Federal 11.794 e na Lei Estadual 11.977. VARIÁVEIS DEPENDENTES E ESCALAS DE MEDIDA Para a confirmação da hipótese principal, a variável dependente de interesse é a locomoção em centímetros durante o teste de campo aberto, uma variável quantitativa contínua com escala em razão. Com respeito às hipóteses secundárias, as concentrações plasmáticas de corticosterona e etanol, respectivamente, serão dadas em pg/mL e mg/dL, sendo ambas variáveis quantitativas contínuas com escala em razão. ANÁLISE DESCRITIVA DOS DADOS Com base em resultados prévios publicados na literatura, as três variáveis de interesse costumam se distribuir de acordo com uma normal. Dessa forma, a medida de tendência central escolhida é a média (que nessa situação deve ser igual à mediana e à moda), enquanto a medida de dispersão escolhida é o desvio-padrão. Como recurso gráfico para a análise descritiva, opta-se pelo gráfico de barras, onde a altura da barra corresponde à média de cada grupo experimental, com uma linha na extremidade para representar o desvio-padrão. DELINEAMENTO EXPERIMENTAL Tanto para a hipótese principal quanto para as secundárias, os fatores correspondem ao ambiente no qual o animal ficará no período de extinção (caixa- padrão, caixa grande com brinquedos, caixa grande com roda ativa) e ao tratamento que o animal recebe durante o período de indução (etanol 1,8 mg/kg por via intraperitoneal, salina isovolumétrica por via intraperitoneal). ANÁLISE ESTATÍSTICA INFERENCIAL Resultados prévios da literatura mostram que, para as variáveis de interesse, as medidas são normalmente distribuídas e possuem variância semelhante entre os grupos, sendo conveniente que se utilize ANOVA de dois fatores nessa situação. No entanto, na situação em que os dados possuam assimetria positiva ou negativa, poder-se-ia utilizar um método de transformação de dados seguido do método paramétrico citado. A transformação dos dados em postos para a realização do teste de Kruskal-Wallis poderia ser uma alternativa na situação em que demais transformações não resultarem em uma distribuição normal. No entanto, esse procedimento deve ser conduzido antes de se realizar os testes em si, caso contrário a prática caracterizaria um exemplo de p-hacking. Para a ANOVA de duas vias, na hipótese nula do teste em questão assume-se que não há diferença significativa entre as médias para nenhum dos fatores e que não há interação entre os fatores. O nível de significância adotado é α = 0,05, por ser o valor usual em estudos desse gênero. O teste é unicaudal, uma vez que a ANOVA utiliza o teste F para verificar se a variância entre as médias do grupo é maior que a das observações dentro dos grupos. Como na ANOVA é apenas possível dizer que há diferença entre um dos grupos, é necessário utilizar um teste post-hoc para comparar os grupos dois a dois. Nessa situação, pode-se utilizar o teste de Tukey, o que minimiza os erros de tipo I devidoao grande número de comparações entre grupos. Uma vez que se optou pela ANOVA como teste de hipóteses, é necessário verificar tanto a normalidade dos dados quanto a homogeneidade das variâncias. Para isso, empregam-se os testes de Shapiro-Wilk e Levene, respectivamente. O processo de coleta dos dados e análise estatística no projeto possui pouca influência de vieses inconscientes do experimentador. A estimativa da locomoção é feita por um software de análise automatizada de vídeo, que calcula a distância percorrida na filmagem com base em uma referência de tamanho estabelecida no vídeo. Para a estimativa das concentrações de corticosterona e etanol, são feitos testes colorimétricos com anticorpos e enzimas, respectivamente, cujos resultados são processados por um espectrofotômetro. Assim, seria necessário que o pesquisador agisse de má-fé para que sua influência fosse significativa nos resultados, seja por manipulação dos dados ou por modificação não justificável das análises estatísticas empregadas. A exclusão de um outlier seria feita apenas na situação em que houver segurança de que se trata de um erro de coleta, pois, como o aspecto ético requer que o tamanho da amostra seja tão pequeno quanto possível, a exclusão descriteriosa de animais levaria a uma perda significativa da confiabilidade dos resultados. AMOSTRA EXPERIMENTAL A amostra experimental tem como origem o Biotério de Criação de Camundongos do Departamento de Farmacologia do ICB/USP. Após o desmame, os animais são alocados em caixas com 4 a 5 indivíduos pelo bioterista responsável. Antes do início do experimento, sorteia-se qual tratamento cada caixa irá receber durante o período de indução (D1-D15) e qual será o ambiente durante o período de extinção. Conforme mencionado anteriormente, os animais não são distribuídos aleatoriamente durante a escolha do tratamento, pois agrupar animais de caixas diferentes geraria um estresse que poderia afetar a reversão da sensibilização e, por consequência, aumentar os erros do tipo II. Ademais, como são todos animais de uma mesma linhagem originados de um mesmo biotério e criados em condições padronizadas, assume-se que a variância entre os indivíduos esteja bem-controlada. O tamanho das amostras baseia-se no número de indivíduos normalmente utilizados em experimentos do próprio grupo e em estudos relatados em artigos publicados em revistas indexadas. Por tratar-se de um protocolo experimental comumente empregado em estudos farmacológicos sobre transtorno por uso de substâncias, não é necessário um estudo-piloto para a estimação do tamanho amostral. Pelo software G*Power 3.1.9.7, utilizando-se α = 0,05, 1 – β = 0,8 e f = 0,25, o tamanho da amostra total foi 158, o que daria aproximadamente 26 animais por grupo. Este tamanho, no entanto, certamente não seria aprovado pela CEUA, por ser quase 2 vezes maior que o número de animais comumente utilizado em experimentos comportamentais. RESULTADOS NEGATIVOS Ainda que haja resultados que não estejam de acordo com a hipótese principal por não terem alcançado significância estatística, estes ainda devem ser publicados, uma vez que o contrário seria um exemplo de cherry-picking, levando ao problema de viés de publicação. FINALIZAÇÃO DA COLETA DE DADOS Idealmente, não se deveria realizar uma análise interina para verificar se a significância estatística já foi validada ou não, o que também trata-se de um caso de p-hacking. Conforme mencionado anteriormente, na situação em que não se encontrou resultado significativo com o tamanho de amostra previamente estabelecido, o procedimento correto seria submeter os dados para publicação ainda assim. GERAÇÃO DE HIPÓTESES Por se tratar de um estudo confirmatório, não é indicado que seu delineamento experimental seja alterado no curso do experimento, o que poderia caracterizar a prática de HARKing, levando ao aumento de erros do tipo I, diminuindo a refutabilidade do estudo e aumentando a taxa de falsas descobertas. Assim, hipóteses que surgirem durante o experimento deverão ser tratadas em um estudo posterior.
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