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Roberto Caparroz - O Direito Tributário - Conceito natureza e classificação - editado

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codificação sistematizada e coesa com o Código Tributário Alemão8, de 13 de
dezembro de 1919, elaborado a partir de projeto supervisionado por Enno Becker,
jurista alemão considerado por muitos como o pai do direito tributário9.
Com as ideias trazidas pelo novo Código, o eixo da análise do fenômeno tributário
deslocava-se ligeiramente, não apenas para contemplar os interesses do Estado, mas,
fundamentalmente, para dele também exigir limites e obediência a princípios.
■1.4.1. O Código Tributário Nacional
Por força da subordinação — ou mesmo encampação, à época — do direito
tributário pelo direito financeiro, somente após o término da Segunda Guerra Mundial
o tema da codificação tributária no Brasil passou a ser discutido.
Normas tributárias, por óbvio, já existiam em profusão, mas a falta de
sistematização e definição de conceitos essenciais tornava sua aplicação um
verdadeiro desafio exegético, quase sempre em detrimento dos interesses do
contribuinte.
Quando a Assembleia de 1946 finalmente aceitou Emenda no sentido de incluir no
art. 5º, XV, b, da Constituição a ser publicada a competência do Congresso para, em
nome da União10, legislar sobre as normas gerais de direito financeiro, foi dado o
primeiro passo para a criação de um Código Tributário no Brasil.
Por mais estranho que possa parecer, o direito tributário nasceria da autorização
constitucional para a criação de normas de natureza financeira, prova cabal da
sobreposição dos subsistemas ao tempo da redação original da Constituição.
Ocorre que, em 1965, por força da Emenda Constitucional n. 18, foi finalmente
criado o Sistema Tributário Nacional, em extensos vinte e sete artigos (!),
verdadei​ra certidão de nascimento do direito tributário no Brasil.
A Emenda n. 18/65 surgiu da convergência de projetos distintos, e sua redação
final contou com a assessoria de dois juristas de escol: Rubens Gomes de Souza (o
“pai” do Código Tributário Nacional, como veremos) e Gilberto Ulhôa Canto.
Tratava, entre outros temas, da discriminação das figuras tributárias, das fontes do
sistema, de limites à atividade legislativa dos entes políticos, além de estabelecer o
arquétipo de certos impostos, como os relativos ao comércio exterior, ao patrimônio e
renda, à produção e circulação de produtos.
E mais: o imposto sobre consumo foi transformado no imposto sobre produtos
industrializados, o imposto do selo foi extinto e criado o imposto sobre operações
financeiras.
Foram também instituídos impostos especiais sobre operações relativas a
combustíveis, lubrificantes, energia elétrica e minerais, além de se outorgar
competência à União para criar impostos extraordinários em caso de guerra externa.
Por fim, sem negar suas raízes, a Emenda cuidava da distribuição das receitas
tributárias, assunto típico do direito financeiro, mas que até hoje se encontra inserto
no capítulo constitucional dedicado ao sistema tributário.
Todo o esforço para a redação e aprovação da Emenda Constitucional n. 18/65
almejava um claro propósito: a veiculação do Código Tributário Nacional, redigido
por Rubens Gomes de Souza sob os auspícios do então (1953) Ministro da Fazenda,
Osvaldo Aranha, projeto que por mais de dez anos foi objeto de debates no Congresso
Nacional.
Com certeza, o grande mérito do projeto era a chamada codificação de princípios,
na expressão de Ulhôa Canto, ou seja, a definição de normas nacionais endereçadas
aos três níveis de poder11.
Sobre o tema manifestou-se Aliomar Baleeiro, testemunha ativa do processo, posto
que exercia mandato legislativo como deputado federal pela Bahia:
“No mesmo local do território pátrio, o contribuinte é disputado por três competências fiscais, que nem sempre
coordenam as respectivas exigências para bom convívio entre si e com os governados. Corrigir essa incômoda e
caótica situação foi o pensamento vencedor na Constituinte de 1946, quando esta, após algumas hesitações
iniciais, aprovou a emenda n. 938, de que resultou o art. 5º, XV, b, da Nova Carta Magna”12.
O paradigma previsto pela Constituição de 1946 permitiu a veiculação do Código
Tributário Nacional como lei ordinária, de n. 5.172, que ingressou no direito positivo
brasileiro em 25 de outubro de 1966.
Isso porque o arquétipo das leis complementares só foi traçado posteriormente,
com o advento da Constituição de 1967 e da Emenda Constitucional n. 1, de outubro
de 1969.
A partir de então o Código Tributário Nacional, formalmente produzido como lei
ordinária, foi recepcionado pelo novo modelo constitucional, que previa a
necessidade de lei complementar para dispor sobre matéria tributária, e assim
permanece até hoje, pois a atual Carta de 1988 não alterou a vigência nem reduziu a
eficácia do Código, razão pela qual podemos afirmar que o Código tem força de lei
complementar nacional — pois condiciona a atuação de todos os níveis federativos
de poder — e só pode ser alterado por leis que atendam, cumulativamente, aos
requisitos formais e materiais típicos de lei complementar13.
É importante ressaltar que a lei complementar nacional cuida de normas gerais (ou
codificação de princípios, na expressão de Ulhôa Canto), mas não retira da lei
específica de cada ente político a possibilidade de criar tributos, vale dizer, definir
as respectivas hipóteses de incidência.
Esse cenário normativo, de nascimento do Código Tributário Nacional, pode ser
constatado a partir da leitura dos seus primeiros dispositivos, que estabelecem:
Art. 1º Esta Lei regula, com fundamento na Emenda Constitucional n. 18, de 1º de
dezembro de 1965, o sistema tributário nacional e estabelece, com fundamento no
art. 5º, inciso XV, alínea b, da Constituição Federal, as normas gerais de direito
tributário aplicáveis à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios,
sem prejuízo da respectiva legislação complementar, supletiva ou regulamentar.
Art. 2º O sistema tributário nacional é regido pelo disposto na Emenda
Constitucional n. 18, de 1º de dezembro de 1965, em leis complementares, em
resoluções do Senado Federal e, nos limites das respectivas competências, em
leis federais, nas Constituições e em leis estaduais, e em leis municipais.
Percebe-se que o sistema tributário nacional originalmente proposto pelo CTN
decorre da discriminação, no âmbito constitucional, das competências atribuídas aos
entes federados.
Atualmente, conforme o art. 24, I, da Lei Maior, “compete à União, aos Estados e
ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: I — direito tributário,
financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico”.
Trata-se de preceito peculiar que, na prática, enseja a produção de milhares de
normas tributárias específicas de cada ente político, nem sempre uniformes ou
dotadas de homogeneidade, circunstância que em muito contribui para a chamada
“guerra fiscal”.
Na tentativa de minimizar o problema, o legislador nacional utiliza diversas leis
complementares, como as relativas ao ICMS e ao ISS, para estabelecer um mínimo
de razoabilidade e padronização ao sistema.
Da mesma forma, o Senado Federal, como representação paritária dos Estados,
possui diversas competências tributárias, exercidas por meio de Resolução, a
exemplo da fixação de alíquotas máximas do imposto sobre transmissão causa mortis
e doação, assim como das alíquotas das operações interestaduais e de exportação
aplicáveis ao ICMS, entre outras possibilidades.
■1.4.2. Conceito e conteúdo do direito tributário
Cada país precisa definir um sistema tributário capaz de angariar recursos para os
cofres públicos, atender aos preceitos constitucionais e, ao mesmo tempo, respeitar os
direitos dos contribuintes.
A natureza financeira das relações jurídicas que envolvem a arrecadação de
tributos fez com que o estudo da matéria ficasse, durante muito tempo, atrelado ao
direito financeiro, que sempre se relacionou com as atividades de recebimento,
administração e distribuição das receitas públicas.
As receitas públicas podem ser originárias (não tributárias), quando decorrentes
de atividades econômicas praticadas pelo próprioEstado (empréstimos, por
exemplo), ou derivadas, que são as de natureza tributária.
Como as regras tributárias têm por objetivo retirar parcelas do patrimônio das
pessoas e transferi-las para os cofres públicos, surge a necessidade de subordinação
jurídica, por meio da qual se manifesta o chamado poder de tributar.
É evidente que as pessoas têm interesse em realizar os mais diversos negócios na
esfera privada, embora não tenham, em princípio, a intenção de recolher tributos ou
abrir mão de seu patrimônio em razão dessas atividades.
Para disciplinar essa evidente tensão entre o interesse público e o privado, surge o
direito tributário14, com o objetivo de englobar todo o fenômeno da tributação, tarefa
não necessariamente relevante para o direito financeiro, mais preocupado com a
gestão das receitas e despesas públicas.
A necessidade de criar um conjunto robusto de princípios para regular as relações
entre Estado e particulares possibilitou o enorme desenvolvimento do direito
tributário nas últimas décadas, com o abandono da abordagem histórica, esparsa e
assistemática que a matéria enfrentou durante muito tempo.
Podemos conceituar o direito tributário como o conjunto de regras que disciplina
as relações entre o Estado e as pessoas, com o objetivo de criar, arrecadar e
fiscalizar tributos.
Como vimos, somente com o advento da Emenda Constitucional n. 18/65 o Estado
Brasileiro procurou dar consistência ao sistema tributário, o que ensejou, quase um
ano depois, a promulgação do Código Tributário Nacional, veiculado pela Lei n.
5.172, de 25 de outubro de 1966.
O CTN, como é conhecido, sofreu alterações, teve diversos artigos revogados, mas
continua a ser o principal instrumento jurídico do direito tributário em nosso país.
Um bom estudo acerca do direito tributário exige, portanto, conhecer as regras
previstas no Código Tributário Nacional e cotejá-las com os princípios
constitucionais tributários, veiculados pela Carta de 1988 a partir do art. 145.
Essa é a nossa proposta nesta obra.
■1.4.3. Relações entre o direito tributário e as demais áreas jurídicas
O tema deste tópico, embora um tanto anacrônico, costuma ser objeto de questões
em concursos, razão pela qual decidimos abordá-lo, com a ressalva de que se trata de
uma falsa premissa, pois o direito, como fenômeno social e cultural, deve ser
entendido de forma única, sem a tradicional divisão em “ramos” ou coisa semelhante.
As relações jurídicas contemporâneas são bastante complexas, e, no mundo real,
não se pode isolar determinado objeto, retirando-lhe aspectos ou características
essenciais, apenas sob o pretexto de conferir suposta cientificidade ao estudo.
Mais adequada seria a análise interdisciplinar das relações humanas, sua
conformação em relação às regras jurídicas e os efeitos econômicos delas
decorrentes, sem qualquer favorecimento desta ou daquela hipótese.
Isso não impede o corte metodológico que deve ser proposto pelo autor, com base
nas premissas e objetivos do trabalho que pretende realizar.
Feita a observação, parece-nos que a melhor maneira de apreciar as relações entre
os diversos núcleos temáticos do direito é de forma gráfica, como apresentado a
seguir.
	1. BREVE INTRODUÇÃO À HISTÓRIA DOS TRIBUTOS
	1.4. A construção do Direito Tributário no Brasil
	1.4.1. O Código Tributário Nacional
	1.4.2. Conceito e conteúdo do direito tributário
	1.4.3. Relações entre o direito tributário e as demais áreas jurídicas

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