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codificação sistematizada e coesa com o Código Tributário Alemão8, de 13 de dezembro de 1919, elaborado a partir de projeto supervisionado por Enno Becker, jurista alemão considerado por muitos como o pai do direito tributário9. Com as ideias trazidas pelo novo Código, o eixo da análise do fenômeno tributário deslocava-se ligeiramente, não apenas para contemplar os interesses do Estado, mas, fundamentalmente, para dele também exigir limites e obediência a princípios. ■1.4.1. O Código Tributário Nacional Por força da subordinação — ou mesmo encampação, à época — do direito tributário pelo direito financeiro, somente após o término da Segunda Guerra Mundial o tema da codificação tributária no Brasil passou a ser discutido. Normas tributárias, por óbvio, já existiam em profusão, mas a falta de sistematização e definição de conceitos essenciais tornava sua aplicação um verdadeiro desafio exegético, quase sempre em detrimento dos interesses do contribuinte. Quando a Assembleia de 1946 finalmente aceitou Emenda no sentido de incluir no art. 5º, XV, b, da Constituição a ser publicada a competência do Congresso para, em nome da União10, legislar sobre as normas gerais de direito financeiro, foi dado o primeiro passo para a criação de um Código Tributário no Brasil. Por mais estranho que possa parecer, o direito tributário nasceria da autorização constitucional para a criação de normas de natureza financeira, prova cabal da sobreposição dos subsistemas ao tempo da redação original da Constituição. Ocorre que, em 1965, por força da Emenda Constitucional n. 18, foi finalmente criado o Sistema Tributário Nacional, em extensos vinte e sete artigos (!), verdadeira certidão de nascimento do direito tributário no Brasil. A Emenda n. 18/65 surgiu da convergência de projetos distintos, e sua redação final contou com a assessoria de dois juristas de escol: Rubens Gomes de Souza (o “pai” do Código Tributário Nacional, como veremos) e Gilberto Ulhôa Canto. Tratava, entre outros temas, da discriminação das figuras tributárias, das fontes do sistema, de limites à atividade legislativa dos entes políticos, além de estabelecer o arquétipo de certos impostos, como os relativos ao comércio exterior, ao patrimônio e renda, à produção e circulação de produtos. E mais: o imposto sobre consumo foi transformado no imposto sobre produtos industrializados, o imposto do selo foi extinto e criado o imposto sobre operações financeiras. Foram também instituídos impostos especiais sobre operações relativas a combustíveis, lubrificantes, energia elétrica e minerais, além de se outorgar competência à União para criar impostos extraordinários em caso de guerra externa. Por fim, sem negar suas raízes, a Emenda cuidava da distribuição das receitas tributárias, assunto típico do direito financeiro, mas que até hoje se encontra inserto no capítulo constitucional dedicado ao sistema tributário. Todo o esforço para a redação e aprovação da Emenda Constitucional n. 18/65 almejava um claro propósito: a veiculação do Código Tributário Nacional, redigido por Rubens Gomes de Souza sob os auspícios do então (1953) Ministro da Fazenda, Osvaldo Aranha, projeto que por mais de dez anos foi objeto de debates no Congresso Nacional. Com certeza, o grande mérito do projeto era a chamada codificação de princípios, na expressão de Ulhôa Canto, ou seja, a definição de normas nacionais endereçadas aos três níveis de poder11. Sobre o tema manifestou-se Aliomar Baleeiro, testemunha ativa do processo, posto que exercia mandato legislativo como deputado federal pela Bahia: “No mesmo local do território pátrio, o contribuinte é disputado por três competências fiscais, que nem sempre coordenam as respectivas exigências para bom convívio entre si e com os governados. Corrigir essa incômoda e caótica situação foi o pensamento vencedor na Constituinte de 1946, quando esta, após algumas hesitações iniciais, aprovou a emenda n. 938, de que resultou o art. 5º, XV, b, da Nova Carta Magna”12. O paradigma previsto pela Constituição de 1946 permitiu a veiculação do Código Tributário Nacional como lei ordinária, de n. 5.172, que ingressou no direito positivo brasileiro em 25 de outubro de 1966. Isso porque o arquétipo das leis complementares só foi traçado posteriormente, com o advento da Constituição de 1967 e da Emenda Constitucional n. 1, de outubro de 1969. A partir de então o Código Tributário Nacional, formalmente produzido como lei ordinária, foi recepcionado pelo novo modelo constitucional, que previa a necessidade de lei complementar para dispor sobre matéria tributária, e assim permanece até hoje, pois a atual Carta de 1988 não alterou a vigência nem reduziu a eficácia do Código, razão pela qual podemos afirmar que o Código tem força de lei complementar nacional — pois condiciona a atuação de todos os níveis federativos de poder — e só pode ser alterado por leis que atendam, cumulativamente, aos requisitos formais e materiais típicos de lei complementar13. É importante ressaltar que a lei complementar nacional cuida de normas gerais (ou codificação de princípios, na expressão de Ulhôa Canto), mas não retira da lei específica de cada ente político a possibilidade de criar tributos, vale dizer, definir as respectivas hipóteses de incidência. Esse cenário normativo, de nascimento do Código Tributário Nacional, pode ser constatado a partir da leitura dos seus primeiros dispositivos, que estabelecem: Art. 1º Esta Lei regula, com fundamento na Emenda Constitucional n. 18, de 1º de dezembro de 1965, o sistema tributário nacional e estabelece, com fundamento no art. 5º, inciso XV, alínea b, da Constituição Federal, as normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, sem prejuízo da respectiva legislação complementar, supletiva ou regulamentar. Art. 2º O sistema tributário nacional é regido pelo disposto na Emenda Constitucional n. 18, de 1º de dezembro de 1965, em leis complementares, em resoluções do Senado Federal e, nos limites das respectivas competências, em leis federais, nas Constituições e em leis estaduais, e em leis municipais. Percebe-se que o sistema tributário nacional originalmente proposto pelo CTN decorre da discriminação, no âmbito constitucional, das competências atribuídas aos entes federados. Atualmente, conforme o art. 24, I, da Lei Maior, “compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: I — direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico”. Trata-se de preceito peculiar que, na prática, enseja a produção de milhares de normas tributárias específicas de cada ente político, nem sempre uniformes ou dotadas de homogeneidade, circunstância que em muito contribui para a chamada “guerra fiscal”. Na tentativa de minimizar o problema, o legislador nacional utiliza diversas leis complementares, como as relativas ao ICMS e ao ISS, para estabelecer um mínimo de razoabilidade e padronização ao sistema. Da mesma forma, o Senado Federal, como representação paritária dos Estados, possui diversas competências tributárias, exercidas por meio de Resolução, a exemplo da fixação de alíquotas máximas do imposto sobre transmissão causa mortis e doação, assim como das alíquotas das operações interestaduais e de exportação aplicáveis ao ICMS, entre outras possibilidades. ■1.4.2. Conceito e conteúdo do direito tributário Cada país precisa definir um sistema tributário capaz de angariar recursos para os cofres públicos, atender aos preceitos constitucionais e, ao mesmo tempo, respeitar os direitos dos contribuintes. A natureza financeira das relações jurídicas que envolvem a arrecadação de tributos fez com que o estudo da matéria ficasse, durante muito tempo, atrelado ao direito financeiro, que sempre se relacionou com as atividades de recebimento, administração e distribuição das receitas públicas. As receitas públicas podem ser originárias (não tributárias), quando decorrentes de atividades econômicas praticadas pelo próprioEstado (empréstimos, por exemplo), ou derivadas, que são as de natureza tributária. Como as regras tributárias têm por objetivo retirar parcelas do patrimônio das pessoas e transferi-las para os cofres públicos, surge a necessidade de subordinação jurídica, por meio da qual se manifesta o chamado poder de tributar. É evidente que as pessoas têm interesse em realizar os mais diversos negócios na esfera privada, embora não tenham, em princípio, a intenção de recolher tributos ou abrir mão de seu patrimônio em razão dessas atividades. Para disciplinar essa evidente tensão entre o interesse público e o privado, surge o direito tributário14, com o objetivo de englobar todo o fenômeno da tributação, tarefa não necessariamente relevante para o direito financeiro, mais preocupado com a gestão das receitas e despesas públicas. A necessidade de criar um conjunto robusto de princípios para regular as relações entre Estado e particulares possibilitou o enorme desenvolvimento do direito tributário nas últimas décadas, com o abandono da abordagem histórica, esparsa e assistemática que a matéria enfrentou durante muito tempo. Podemos conceituar o direito tributário como o conjunto de regras que disciplina as relações entre o Estado e as pessoas, com o objetivo de criar, arrecadar e fiscalizar tributos. Como vimos, somente com o advento da Emenda Constitucional n. 18/65 o Estado Brasileiro procurou dar consistência ao sistema tributário, o que ensejou, quase um ano depois, a promulgação do Código Tributário Nacional, veiculado pela Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966. O CTN, como é conhecido, sofreu alterações, teve diversos artigos revogados, mas continua a ser o principal instrumento jurídico do direito tributário em nosso país. Um bom estudo acerca do direito tributário exige, portanto, conhecer as regras previstas no Código Tributário Nacional e cotejá-las com os princípios constitucionais tributários, veiculados pela Carta de 1988 a partir do art. 145. Essa é a nossa proposta nesta obra. ■1.4.3. Relações entre o direito tributário e as demais áreas jurídicas O tema deste tópico, embora um tanto anacrônico, costuma ser objeto de questões em concursos, razão pela qual decidimos abordá-lo, com a ressalva de que se trata de uma falsa premissa, pois o direito, como fenômeno social e cultural, deve ser entendido de forma única, sem a tradicional divisão em “ramos” ou coisa semelhante. As relações jurídicas contemporâneas são bastante complexas, e, no mundo real, não se pode isolar determinado objeto, retirando-lhe aspectos ou características essenciais, apenas sob o pretexto de conferir suposta cientificidade ao estudo. Mais adequada seria a análise interdisciplinar das relações humanas, sua conformação em relação às regras jurídicas e os efeitos econômicos delas decorrentes, sem qualquer favorecimento desta ou daquela hipótese. Isso não impede o corte metodológico que deve ser proposto pelo autor, com base nas premissas e objetivos do trabalho que pretende realizar. Feita a observação, parece-nos que a melhor maneira de apreciar as relações entre os diversos núcleos temáticos do direito é de forma gráfica, como apresentado a seguir. 1. BREVE INTRODUÇÃO À HISTÓRIA DOS TRIBUTOS 1.4. A construção do Direito Tributário no Brasil 1.4.1. O Código Tributário Nacional 1.4.2. Conceito e conteúdo do direito tributário 1.4.3. Relações entre o direito tributário e as demais áreas jurídicas
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