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Queda Buraco Resp Civil Estado

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Autos 0003964-96.2011.8.19.0038
Vistos.
IVANA APARECIDA DA SILVA RAMOS, devidamente qualificada nos autos, ajuizou de indenização por danos materiais, morais e estéticos em face do MUNICÍPIO DE NOVA IGUAÇU, alegando que em 22/12/2010, por volta de 9h, transitava pela calçada de pedestres da Avenida Governador Amaral Peixoto, no Centro de Nova Iguaçu, quando ao atravessar a via pública, próximo ao número 27, veio, Inesperadamente, a cair com o membro inferior esquerdo no interior de um bueiro de águas pluviais, de responsabilidade do réu, que se encontrava com a grade de proteção quebrada. Noticia que, em razão da queda, feriu a parte inferior de sua perna esquerda, a qual foi suturada com 7 pontos cirúrgicos. Ressalta que foi obrigada a permanecer por cinco dias em repouso e sofreu intensas dores em virtude do acidente. Disserta sobre a responsabilidade civil do poder público, requerendo, ao final, indenização por danos materiais, morais e estéticos. 
Com a inicial vieram os documentos de index 13/14.  
Gratuidade processual deferida (id 32).  
Citada, a Fazenda Pública ofertou contestação (id 43), alegando, em preliminar, ilegitimidade passiva, pois o acidente ocorreu em via sob responsabilidade da CEDAE. No mérito, aponta que não houve responsabilidade por parte do poder público e que não houve comprovação dos fatos narrados na inicial. Defende a inexistência de danos materiais, morais e estéticos requerendo, ao final, a improcedência do pedido. 
Juntou documentos (index 56/57). 
Houve réplica (index 82). 
Instadas à especificação de provas, a requerida pretendeu o julgamento antecipado do feito, ao passo que a autora requereu a produção de prova oral e perícia médica (id 89/90). 
Decisão saneadora acostada no index 92, sendo determinada a produção de prova testemunhal. 
Termo da audiência de instrução e julgamento e oitiva de testemunhas (index 152/153).
Deferida a produção de prova pericial (index 155).
Laudo pericial acostado no index 193. 
É o relatório. 
Fundamento (art. 93, inciso IX da CF). Decido. 
Julgo o processo no estado em que se encontra, pois as provas produzidas em juízo são suficientes para solução efetiva da controvérsia, não havendo necessidade de dilações probatórias ulteriores.
Inicialmente, afasto a preliminar de ilegitimidade passiva, pois o contrato celebrado com a CEDAE de index 57 refere-se exclusivamente à concessão de serviços públicos de abastecimento de água e coleta de esgoto sanitária, não havendo qualquer previsão acerca da manutenção e conservação da rede de coleta pluvial. Pelo contrário, consta na cláusula 7ª do referido instrumento que o Município terá a incumbência de fiscalizar e estudar a viabilidade econômica das obras e serviços necessários à proteção dos sistemas de abastecimento de água e esgotamento sanitário.
Além do mais, cumpre salientar que tem prevalecido no âmbito do STJ que as condições da ação são averiguadas de acordo com a teoria da asserção, segundo a qual estabelece que, para fins de reconhecimento da legitimidade, os argumentos aduzidos na inicial devem possibilitar a inferência, em um exame puramente abstrato, de que o réu faz parte da relação jurídica exposta em juízo. Nessa perspectiva, havendo a constatação de que a ré não é parte legítima após o aprofundamento da instrução probatória, o processo deverá ser extinto com resolução de mérito, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil (cf. REsp 1605470/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/11/2016, DJe 01/12/2016).
Em razão do exposto, afasto a preliminar de ilegitimidade passiva.
Presentes as condições da ação e os pressupostos processuais, passo ao exame do mérito.
O pedido é parcialmente procedente.
Inicialmente, cumpre ressaltar que a conservação e fiscalização de vias públicas municipais consubstanciam, em regra, a prestação de serviço público que abrange interesses locais, razão pela qual a Constituição Federal de 1988, no inciso V do art. 30, estabelece que compete aos Municípios “organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluindo o de transporte coletivo, que tem caráter essencial”. 
A esse respeito, convém mencionar as lições doutrinárias de Yussef Said Cahali e Rui Stoco: 
“A conservação e fiscalização das ruas, estradas, rodovias e logradouros públicos inserem-se no âmbito dos deveres jurídicos da Administração razoavelmente exigíveis, cumprindo-lhe proporcionar as necessárias condições de segurança e incolumidade às pessoas e aos veículos que transitam pelas mesmas. A omissão no cumprimento desse dever jurídico, quando razoavelmente exigível e identificada como causa do evento danoso sofrido pelo particular, induz, em princípio, a responsabilidade indenizatória do Estado” (CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade Civil do Estado. 3ª ed. São Paulo: RT, 2007, p. 230). 
“Também caracteriza comportamento omissivo culposo, regido pela teoria da faute du service, a ensejar indenização, a inércia do Poder Público Municipal, Estadual e Federal que deixa de fazer a conservação das vias públicas no perímetro urbano e das estradas e rodovias municipais, estaduais ou interestaduais, sob responsabilidade da União. A deterioração da camada asfáltica ou a proliferação de buracos, irregularidades, reentrâncias, bueiros abertos ou salientes e outras irregularidades nas vias públicas de passagem de veículos e de pedestres caracterizam omissão desidiosa do Poder Público, que responderá pelos danos que ocorram em razão dessas irregularidades. Em casos tais, essa culpa, geralmente por negligência, é presumida, invertendo-se o ônus da prova” (STOCO, Rui. Responsabilidade Civil e sua Interpretação Doutrinária e Jurisprudencial. 5ª ed. São Paulo: RT, p. 862).
Há de se ressaltar que, no caso em tela, devido ao fato de se discutir a responsabilidade por omissão, para haver responsabilização da Administração, além da configuração do dano e do nexo causal, faz-se necessário, ainda, que haja a existência de culpa. Significa dizer que, em se tratando de uma conduta que seja exigível da Administração Pública, somente será cabível a indenização por responsabilidade civil na hipótese em que o poder público, devendo agir por imposição legal, não agiu ou o fez deficientemente, respondendo pelo ato ilícito que ensejou o dano não evitado, hipótese em que a sua culpa é presumida. 
Confira-se, a propósito, a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello:
“Quando o dano foi possível em decorrência de uma omissão do Estado (o serviço não funcionou, funcionou tardia ou ineficientemente) é de aplicar-se a teoria da responsabilidade subjetiva. Com efeito, se o Estado não agiu, não pode, logicamente, ser ele o autor do dano. E, se não foi o autor, só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o dano. Isto é: só faz sentido responsabilizá-lo se descumpriu dever legal que lhe impunha obstar ao evento lesivo” (In: Curso de Direito Administrativo. 26ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, pp. 1002-1003.)
Dessa forma, na hipótese de haver omissão na prestação de serviços, a responsabilidade civil do Estado não é objetiva, mas sim subjetiva, fazendo-se necessário que haja nos autos a comprovação da negligência na atuação estatal, o dano e o nexo causal. 
Nesse sentido, o que foi decidido pelo E. STJ no julgamento do AgRg no AREsp 302747-SE 2013/0070835-8 (2ª Turma, rel. Humberto Martins, DJU: 16/04/2013): 
“Nos termos da jurisprudência do STJ, a responsabilidade civil do estado por condutas omissivas é subjetiva, sendo necessário, dessa forma, comprovar a negligência na atuação estatal, o dano e o nexo causal entre ambos.” 
Na hipótese dos autos, há a comprovação tanto da negligência na atuação estatal, quanto do dano e do nexo causal. O boletim de atendimento de fls. 11/13 (id 14) comprova a ocorrência do evento danoso, qual seja, queda em buraco na via pública, necessitando a autora permanecer afastada de suas atividades habituais por cinco dias. Do mesmo modo, as fotografias de fls.16/ (id 14) apontam que a autora teve de se submeter à suturação com 7 pontos cirúrgicos. 
Além disso, a testemunha KELLY CRISTINA DO CARMOS SANTOS afirmou em juízo que mora no mesmo bairro da autora e presenciou o acidente, alegando que esta afundou em um bueiro sem qualquer tipo de sinalização, sendo posteriormente socorrida pelo Corpo de Bombeiros (index 153).
Por fim, o laudo pericial de index 193 apontou que a autora, embora tenha preservado a normalidade de seus movimentos, possui cicatriz oblíqua, medindo 03 cm na face anterior do 1/3 médio da perna esquerda, apresentando dano estético de grau mínimo. 
Presentes, portanto, todos os requisitos necessários à caracterização da responsabilidade civil, nos termos dos artigos 186 e 927, ambos do Código Civil. 
Não procede a alegação da Fazenda Pública de que a culpa seria exclusiva da vítima, à míngua de maiores elementos comprobatórios, diante da genérica alegação nesse sentido. 
De igual maneira, não procede a alegação de que não há nos autos a ocorrência de dano estético. Conforme já ressaltado, o laudo pericial apontou que houve modificação permanente na aparência externa da vítima, o que implica transtornos estéticos, de modo a se vislumbrar, em tese, humilhação, tristeza e prejuízos profissionais decorrentes de sua aparência, motivo pelo qual tal indenização resta devida.
Por sua vez, no que se refere ao dano moral, assim entendido como abalos psíquicos e a direitos de personalidade que ultrapassam o mero dissabor, é evidente e prescinde de maiores provas a ocorrência dos transtornos sofridos pela autora, pois a queda em bueiro na via pública lhe proporcionou tristeza e sofrimento passíveis de indenização. Além disso, a autora teve de se submeter à colocação de pontos cirúrgicos e se ausentar de suas atividades habituais pelo prazo de cinco dias.
Contudo, os danos materiais não devem ser concedidos, pois a autora deixou de comprovar qualquer decréscimo patrimonial em sua remuneração ou gastos oriundos com o tratamento médico em questão. Nesse contexto, considerando que o art. 403, do Código Civil, estabelece a teoria do dano direto e imediato para fins de indenização por danos emergentes, imprescindível sua comprovação efetiva nos autos, não sendo cabível a condenação por danos hipotéticos ou presumidos.
No que se refere ao quantum indenizatório, estabelece o art. 944, do Código Civil, que a indenização é aferida pela extensão do dano, devendo cumprir a tríplice função de reparar o dano sofrido, punir o agente responsável pelo ilícito e evitar condutas futuras similares. 
Além disso, o valor indenizatório deve observar os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, com vistas a evitar que o valor arbitrado viole a cláusula geral de vedação ao enriquecimento sem causa.
A partir dessas premissas, considerando as especificidades do caso concreto, em especial, o grau de culpa do agente, as circunstâncias e consequências do ato lesivo, bem como o poder aquisitivo de ambas as partes, reputo suficiente e adequado o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), a ser pago pela requerida à autora a título de danos morais e estéticos. 
Ante o exposto e por tudo mais que dos autos consta, extingo o processo, com resolução de mérito, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil e JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido formulado na inicial, para o fim de CONDENAR a Fazenda Pública pagar ao autor indenização por danos morais e estéticos no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), acrescido de correção monetária pelo IPCA-E desde o arbitramento, conforme súmula 362, do STJ, bem como juros legais com base no disposto no art. 1º-F, Lei 11.960/09, a partir do evento danoso, conforme decidido pelo STF no tema 810 até a entrada em vigor da EC nº 113/2021. A partir da emenda constitucional (09/12/2021), deverá ser aplicada a taxa SELIC, conforme dispõe seu art. 3º, vedada a cumulação com qualquer outro índice.  
Em razão da sucumbência recíproca, as despesas processuais serão rateadas na proporção de 1/3, para a autora, e 2/3, para a ré, nos termos do art. 86, do CPC. Cada parte deverá, ainda, arcar com os honorários advocatícios do patrono da parte adversa, arbitrados em 10% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, § 3º, I, do CPC, vedada a compensação e observada a gratuidade de justiça concedida à autora.
Com o trânsito em julgado, certificado o correto recolhimento das custas, não havendo requerimentos, dê-se baixa e arquive-se.
P.I.C.

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