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Distribuição Imagem e Dano Moral

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Autos 0210809-62.2020.8.19.0001
Vistos.
ALBERTO CARLOS PRATES DA SILVA NETO, devidamente qualificado nos autos, ajuizou ação de obrigação de fazer c/c. indenização por danos morais em face de CONDOMÍNIO DO EDIFÍCIO BEL RIO, alegando ser motoboy para entrega de medicamentos vendidos pela empresa NZS Drogarias Eireli (Rio Farma). Noticiou que, em 12/05/2020, realizou uma entrega nas dependências do condomínio requerido e, após ingressar no elevador, teve uma crise de espirro. Alegou que afastou sua máscara para se limpar e, em virtude de sua mobilidade prejudicada por se encontrar carregando algumas sacolas, expeliu suas secreções no chão do elevador. Afirmou que, após o incidente, foi convocado por seu gerente, o qual portava as gravações fornecidas pelo condomínio, momento em que tomou ciência de que estaria proibido de fazer entregas naquele local. Ato contínuo, recebeu a notícia de transferência para trabalhar em outra unidade, localizada no bairro do Flamengo. A partir de 16/05/2020, afirmou que passou a receber uma série de mensagens pelo aplicativo Whatsapp de conhecidos, pois o vídeo com suas imagens fora publicado nas redes sociais, em virtude do compartilhamento indevidamente feito pelo gerente da Rio Farma. Alegou que teve a honra e seu direito de imagem violados, o que, inclusive, lhe obrigou a trabalhar em outra rede de farmácia. Pleiteou, liminarmente, a exclusão de suas imagens das redes sociais Youtube, instagram, Facebook, Twitter, Tik Tok, Telegram e WhatsApp, bem como fosse determinada a proibição de sua veiculação. Ao final, requereu a procedência do pedido para o fim de confirmar a tutela antecipada e condenar o requerido à indenização por danos morais no valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais).
Com a inicial vieram os documentos de index 24/64. 
Concedida a gratuidade de justiça ao autor, o pedido liminar foi indeferido (index 70).
Citado, o requerido apresentou contestação (index 80), alegando, em preliminar, ilegitimidade passiva, ao argumento de que a divulgação do vídeo ocorreu pelo gerente da farmácia em que o autor prestava serviços à época. Aduziu também a incompetência absoluta deste juízo, em razão da matéria discutida no presente caso, bem como ausência de pressuposto processual, diante do prévio ajuizamento de ação com o mesmo teor perante o 23º Juizado Especial Cível da Capital. No mérito, defendeu a improcedência do pedido, ao fundamento de que o autor deliberadamente retirou sua máscara e espirrou no elevador, sem qualquer preocupação com os demais usuários. Ressaltou a inexistência de ato ilícito na divulgação do vídeo, considerando que o condomínio requerido teve somente o intuito de informar à farmácia o ocorrido para adoção de medidas cabíveis, notadamente diante do cenário pandêmico existente à época dos fatos. Apontou a inexistência de danos morais, considerando que a conduta do autor atentou contra a saúde de todos os condôminos e que não houve violação à sua honra. Pretendeu, por fim, a condenação do autor à pena de litigância de má-fé, em razão da alteração da verdade dos fatos. 
Junto documentos (index 101/125). 
Contra a decisão que indeferiu a liminar, o autor interpôs agravo de instrumento (index 159). 
Houve réplica (index 177). 
Sobreveio a informação de que a Egrégia 23ª Câmara Cível deste TJRJ negou provimento ao agravo de instrumento (index 185). 
Instadas à especificação de provas o autor apresentou prova documental (index 190), ao passo que o requerido requereu o julgamento antecipado do mérito (index 198). 
Em decisão saneadora (index 209), foi rejeitada a preliminar de ilegitimidade passiva, fixando como ponto controvertido da demanda o nexo causal entre os fatos alegados na inicial e os danos supostamente sofridos pelo autor.
É o relatório.
Fundamento (art. 93, inciso IX da CF). Decido.
Julgo antecipadamente o feito na forma do art. 355, I, do Código de Processo Civil, uma vez que a controvérsia dos autos pode ser dirimida por prova exclusivamente documental, não havendo a necessidade de dilação probatória. 
Inclusive, o art. 370, parágrafo único, do CPC, estabelece que ao juiz, sendo destinatário da prova, incumbe indeferir diligências protelatórias e inúteis para o deslinde da causa, com vistas à concretização dos princípios da celeridade e primazia do julgamento de mérito. Destarte, perfeitamente cabível que se julgue antecipadamente o mérito, sem olvidar que, nos termos do art. 139, II, do Código de Processo Civil, compete ao magistrado velar pela rápida solução do litígio, privilegiando a efetividade do processo, quando dispensável a instrução processual, e atendendo a garantia constitucional de razoável duração do processo insculpida no Art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal (cf. BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do Processo e Técnica Processual, 2a ed., Malheiros, pp. 32-34).
Inicialmente, afasto a preliminar de incompetência absoluta, pois a matéria discutida nos autos não é empregatícia e não trata de indenização por dano moral decorrente de relação de trabalho. Ao contrário, a presente ação versa sobre a responsabilidade civil de condomínio edilício quanto à suposta divulgação indevida das imagens do autor em plataformas digitais. 
Desse modo, não há se falar em competência da Justiça do Trabalho, diante da ausência de configuração de quaisquer das hipóteses previstas nos incisos do art. 114, da Constituição da República. 
Do mesmo modo, o prévio ajuizamento de ação com o mesmo teor perante o 23º Juizado Especial Cível da Capital, não impede, por si só, o conhecimento da presente demanda.
Com efeito, o pronunciamento judicial que não resolve o mérito não obsta que a parte proponha de novo a ação, tendo em vista a formação de coisa julgada apenas em seu sentido formal, de modo que seus efeitos são puramente endoprocessuais e não atingem a relação jurídica de direito material estabelecida entre as partes litigantes, conforme estabelecido no art. 486, do CPC. 
É certo que o art. 286, do Código de Processo Civil, prescreve que, nos casos em que uma demanda for extinta sem resolução de mérito, a nova propositura da ação deverá ocorrer no mesmo juízo, em razão da prevenção por dependência:
Art. 286. Serão distribuídas por dependência as causas de qualquer natureza:
I - quando se relacionarem, por conexão ou continência, com outra já ajuizada;
II - quando, tendo sido extinto o processo sem resolução de mérito, for reiterado o pedido, ainda que em litisconsórcio com outros autores ou que sejam parcialmente alterados os réus da demanda;
III - quando houver ajuizamento de ações nos termos do art. 55, § 3º , ao juízo prevento.
 Trata-se de regra de competência que visa evitar que a parte consiga burlar o princípio do juiz natural e escolher por qual juízo seu processo será julgado, conforme defende DANIEL AMORIM ASSUMPÇÃO NEVES:
“[...] A distribuição por dependência prevista no art. 286, II, do Novo CPC tem como objetivo a preservação do princípio do juiz natural. Evita-se que o autor abandone ou desista do processo apenas porque não gosta do juiz da demanda, já pensando numa repropositura da ação após a extinção terminativa do processo. Ainda que essa repropositura seja admissível, considerando-se a ausência de coisa julgada material, e desde que atendidos os requisitos do art. 486, § 1º, do Novo CPC, não pode servir para o autor escolher o juiz que melhor lhe aproveita [...]” (NEVES, Daniel Amorim. Novo Código de Processo Civil Comentado Artigo por Artigo. Salvador: Juspodvm, 2016, p. 448). 
Por outro lado, há diferenças procedimentais relevantes entre a Justiça Comum e o Juizado Especial Cível, o que impõe reconhecer se tratar de órgãos jurisdicionais distintos. O art. 3º, § 3º, da Lei 9099/95, inclusive, estabelece a faculdade ao demandante de optar tanto por ajuizar a ação pela Justiça Comum como também pelo Juizado Especial Cível, desde que renuncie ao crédito excedente ao limite de 40 salários-mínimos previsto em lei. 
Com base nessa premissa, resta inaplicável o aludido art. 286, do CPC, ao caso concreto,pois sua incidência tem cabimento apenas nos casos em que o juízo possui a mesma competência, o que não se verificou no caso concreto. 
Presentes as condições da ação e demais requisitos de admissibilidade, passo ao exame do mérito propriamente dito. 
Trata-se de ação de obrigação de fazer c/c. indenização por danos morais em virtude da suposta divulgação indevida da imagem em redes sociais. Pelo que se depreende dos autos, no dia 12/05/2020, o autor realizou uma entrega nas dependências do condomínio requerido e, após ingressar no elevador, teve uma crise de espirro, momento em que retirou sua máscara e espalhou suas secreções pelo chão do elevador. 
As imagens foram gravadas pelas câmeras do condomínio e, pelo que consta dos autos, divulgadas ao gerente da farmácia que o autor, à época, prestava serviços. Posteriormente, o vídeo foi divulgado por diversos canais nas redes sociais, razão pela qual o autor pretende a retirada de seu conteúdo, além de indenização pelos abalos psíquicos sofridos. 
É certo que o ordenamento jurídico pátrio assegura a livre manifestação do pensamento e o direito coletivo de informação como direitos fundamentais previstos, respectivamente no art. 5º, incisos IV e XIV, da Carta Magna. 
Por sua vez, o exercício de tais prerrogativas deve observar deveres éticos capazes de garantir a inviolabilidade da intimidade e da vida privada dos cidadãos, de maneira que a utilização de imagens de terceiros pode configurar ato ilícito e ensejar a violação de direitos de personalidade. 
A própria Constituição Federal, em seu art. 220, § 1º, estabelece as balizas normativas necessárias ao exercício da manifestação do pensamento, a qual deve se compatibilizar com as normas do art. 5º, incisos IV, V, X, XIII e XIV, da Lei Maior (livre manifestação do pensamento e vedação ao anonimato; direito de resposta; possibilidade de indenização por dano à imagem; respeito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas; livre exercício de trabalho, ofício ou profissão; direito de acesso à informação e garantia de sigilo da fonte quando necessário ao exercício profissional).
Assim, a proteção especial à honra, à imagem e à intimidade do cidadão constitui o limite balizador do amplo, porém não irrestrito, exercício da livre manifestação do pensamento e da informação. Nesse sentido, aliás, a súmula 403, do STJ estatui que “independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais”.
Para fins de caracterização da responsabilidade civil, deve ser demonstrada a existência de: (i) conduta; (ii) dano; (iii) nexo de causalidade. No tocante a este último elemento, aplica-se a teoria da causalidade adequada, segundo a qual somente se admite a configuração do nexo de causalidade quando o dano for efeito direto e necessário de uma causa, conforme estatui o art. 403, do Código Civil.
No caso, porém, não vislumbro qualquer ato ilícito que dê ensejo à responsabilização do condomínio (artigos 186 e 927, do Código Civil). 
 O simples fato de o tema das postagens ser relacionado ao espirro expelido pelo autor no chão do elevador do condomínio requerido não torna ilícito o vídeo publicado, notadamente diante do contexto de pandemia que, à época, se instaurou no Brasil.
Consta que os fatos ocorreram em maio de 2020, ou seja, em momento da pandemia que ainda carecia de informações seguras sobre regras de conduta para contenção do avanço da doença. Não se podia, nesse contexto, esperar outro comportamento, por parte do condomínio, que não o compartilhamento das imagens não só para fins de treinamento e orientação de funcionários prestadores de serviços dentro de suas imediações, como também zelar pela saúde dos próprios condôminos, diante da excepcional situação instaurada pela pandemia. 
Assim, a divulgação das imagens captadas pelas câmeras do elevador não teve qualquer intuito comercial ou de ofender à honra ou à vida privada do autor, mas, ao contrário, o de alertar os prestadores de serviços sobre a necessidade de seguirem protocolos específicos de atuação para combate do coronavírus. 
Além disso, não há provas concretas de que a divulgação do vídeo nas redes sociais foi feita pelo condomínio. Pelo contrário, o próprio autor alega em sua petição inicial que a atuação do condomínio requerido se restringiu no compartilhamento das imagens ao gerente da rede de farmácias “Rio Farma”, de maneira que a postagem do conteúdo nas redes sociais ocorreu, na realidade, em etapa posterior, por terceiros que não fazem parte da presente lide. 
Por seu turno, a reação promovida por usuários da internet após assistir ao vídeo questionado, com mensagens agressivas e ameaças, em atividade de suposto linchamento virtual, exige análise casuística de cada manifestação para a aferição de alguma ofensa ou abuso de direito, e não simplesmente atividade censória prévia, abrangente, genérica e proibitiva de manifestação, para ampliar a responsabilização, por ato de terceiros, à pessoa que divulga o vídeo.
Deve ser lembrado, ademais, que a ferramenta de “comentários” em sítios eletrônicos e redes sociais é empregada para a aferição de retorno dos espectadores quanto ao conteúdo e possui fórmula de monitoramento para que a postagem seja denunciada e submetida ao crivo de abuso mantido pelo provedor de aplicação de internet, que somente poderá ser responsabilizado por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, nos termos do art. 19, caput, da Lei Federal nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet). 
Contra tais postagens, incumbe ao autor, individualmente, exercer controle específico sobre sua compatibilidade com o direito, devendo, conforme o caso, promover ação judicial específica contra cada qual dos agentes envolvidos para a supressão do conteúdo apontado como ofensivo à sua imagem, o que, por óbvio, ultrapassa os limites objetivos da presente demanda. 
Além disso, não houve qualquer comprovação de possíveis consequências gravosas na vida do autor em virtude da publicação dos vídeos, que, embora tenha sido designado para prestar serviços em outra unidade, não teve seu emprego cessado, em que pese a reprovabilidade de sua conduta de extrair o resto de secreção de suas narinas e deliberadamente lança-las no chão do elevador.
Ainda que o espirro seja, de fato, uma reação involuntária do organismo humano, o vídeo acostado aos autos mostra claramente que o autor teve tempo de retirar sua máscara antes de espirrar, permitindo que toda sua secreção fosse espalhada dentro do elevador, o que poderia, inclusive, prejudicar outros usuários daquele espaço, como, por exemplo, crianças e idosos com comorbidades.
Por fim, o pedido de remoção do conteúdo disponibilizado na internet também não merece acolhimento.
Primeiro, porque incumbia ao autor incluir no polo passivo da presente demanda os provedores de aplicação cujos conteúdos foram disponibilizados, sob pena de restar inviabilizada a determinação de retirada das informações lá hospedadas sem a instauração do contraditório. 
Em segundo lugar, o autor deixou de apresentar indicação clara e específica dos conteúdos publicados na internet, pois a ele incumbia, nos termos do art. 373, I, do Código de Processo Civil, o ônus de demonstrar os endereços virtuais das respectivas publicações, por meio das URLs. 
Com efeito, o art. 19, § 1º, do Marco Civil da Internet prevê a necessidade de identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente, para fins de validação da própria decisão judicial.
Art. 19. (...) 
§ 1º A ordem judicial de que trata o caput deverá conter, sob pena de nulidade, identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do material.
No mesmo sentido, consolidou-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO PROVEDOR DE APLICAÇÃO. YOUTUBE.OBRIGAÇÃO DE FAZER. REMOÇÃO DE CONTEÚDO. FORNECIMENTO DE LOCALIZADOR URL DA PÁGINA OU RECURSO DA INTERNET. COMANDO JUDICIAL ESPECÍFICO. NECESSIDADE. 
1. Ação ajuizada 08/04/2011. Recurso especial interposto em 06/08/2015 e atribuído a este Gabinete em 13/03/2017.
2. Necessidade de indicação clara e específica do localizador URL do conteúdo infringente para a validade de comando judicial que ordene sua remoção da internet. O fornecimento do URL é obrigação do requerente. Precedentes deste STJ.
3. A necessidade de indicação do localizador URL não é apenas uma garantia aos provedores de aplicação, como forma de reduzir eventuais questões relacionadas à liberdade de expressão, mas também é um critério seguro para verificar o cumprimento das decisões judiciais que determinar a remoção de conteúdo na internet. 4. Em hipóteses com ordens vagas e imprecisas, as discussões sobre o cumprimento de decisão judicial e quanto à aplicação de multa diária serão arrastadas sem necessidade até os Tribunais superiores.
5. A ordem que determina a retirada de um conteúdo da internet deve ser proveniente do Poder Judiciário e, como requisito de validade, deve ser identificada claramente. 
6. O Marco Civil da Internet elenca, entre os requisitos de validade da ordem judicial para a retirada de conteúdo infringente, a "identificação clara e específica do conteúdo", sob pena de nulidade, sendo necessário, portanto, a indicação do localizador URL.
7. Na hipótese, conclui-se pela impossibilidade de cumprir ordens que não contenham o conteúdo exato, indicado por localizador URL, a ser removido, mesmo que o acórdão recorrido atribua ao particular interessado a prerrogativa de informar os localizadores únicos dos conteúdos supostamente infringentes.
7. Recurso especial provido. (REsp n. 1.698.647/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 6/2/2018, DJe de 15/2/2018.)
Ante o exposto e por tudo mais que dos autos consta, extingo o processo, com resolução de mérito, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil e JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado na inicial. 
Diante da sucumbência, condeno o autor ao pagamento das custas e despesas processuais, além de honorários advocatícios arbitrados em 10% sobre o valor da causa, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC, OBSERVADA A CONDIÇÃO SUSPENSIVA PREVISTA NO ART. 98, § 3º, DO CPC. 
Com o trânsito em julgado, não havendo requerimentos, dê-se baixa e arquivem-se os autos. 
P.I.C.

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