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Contribuição Militares e Lei 13954

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Processo n° 0005509-15.2021.8.19.0213
 
SENTENÇA 
  
Vistos
 
MICHELE MARQUES DE SOUZA ajuizou ação anulatória de desconto contributivo c/c. repetição de indébito, com pedido liminar, em face do ESTADO DO RIO DEJANEIRO e FUNDO ÚNICO DE PREVIDÊNCIA SOCIAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – RIOPREVIDÊNCIA, alegando que, a partir da edição da Lei 13.954/2019, foi criado o Sistema de Proteção Social do Militar, responsável por equiparar a alíquota da contribuição previdenciária dos militares estaduais ativos, inativos e pensionistas àquela adotada pelas forças armadas, no importe de 9,5%. Afirma que a Lei Estadual nº 3189/99 estabelece que a incidência do desconto previdenciário, como regra, deve ser aplicado apenas sobre valor que exceder o teto do INSS e não sobre o total bruto percebido pelos segurados. Defende que o desconto previdenciário sobre o valor bruto percebido pelos segurados, reduziu o valor de seus proventos, o que é vedado pela CF/88, que estabelece a isenção dos nativos e pensionistas ao limite do teto do regime geral de previdência social (art. 40, § 18). Ressalta também que é dever do estado fixar alíquota contributiva aos militares estaduais por lei específica estadual, o que não ocorreu na hipótese. Pleiteia, em sede liminar, que as requeridas se abstenham de efetuar os descontos previdenciários no percentual de 9,5% sobre o total dos proventos, determinando-se a revisão da contribuição ao patamar anteriormente estabelecido, qual seja, a incidência do desconto de 14% no que exceder o teto do RGPS. Ao final, requer a confirmação da liminar, para fins de condenar os réus, a suspender os descontos da alíquota de 9,5% (atual 10,5%) sobre o total da remuneração da autora, efetuando a revisão do desconto em vigência ao desconto contributivo anteriormente concedido, nos termos da Lei Estadual 3.189/99 e Art. 40, §18 da Constituição Federal, além de ser restituído a autora, o valor que fora indevidamente descontado, no montante de R$3.869,81 (três mil, oitocentos e sessenta e nove reais e oitenta e um centavos). 
 
Decisão indeferindo a liminar e concedendo à autora a gratuidade de justiça (index 44),
 
Citados, ambos os requeridos ofertaram contestação (index 56), afirmando que a EC nº 103/19 alterou a redação do inciso XXI, do art. 22 da CRFB, atribuindo competência à União para legislar sobre a inatividade e pensões dos policiais e bombeiros militares. Aduz, que em razão da competência atribuída, o Congresso Nacional editou a Lei nº 13.954/2019, acrescentando o art. 24-C ao Decreto nº 667/1969, que iguala a contribuição previdenciária dos militares dos Estados, dos Territórios e do Distrito Federal aos militares das forças armadas, estabelecendo ainda que a contribuição incide sobre a totalidade da remuneração. Defende que as alterações trazidas pela EC 103/19 são válidas e possuem aplicabilidade imediata, inexistindo direito adquirido a regime jurídico. Expõe que o art. 40, § 18, da CF, é inaplicável aos militares, conforme recentemente decidido pelo STF nos autos do RE 596701/MG. Disserta que o art. 40, § 21, da CF é inaplicável no âmbito do Estado do Rio de Janeiro, uma vez que se trata de norma de eficácia limitada, ou seja, não autoaplicável. Expõe que a contribuição previdenciária é uma espécie do gênero tributo e, portanto, o aumento da contribuição não pode implicar em violação à regra de irredutibilidade de vencimentos, visto que qualquer majoração de tributos produz o mesmo efeito. Narra que se encontra pendente de julgamento no âmbito do Supremo Tribunal Federal o Recurso Extraordinário nº 630.137-RS, que teve Repercussão Geral reconhecida em 07/10/2010, em que novamente se analisará acerca da necessidade de Lei Complementar para dar efetividade ao art. 40, §21 da Constituição da República. Subsidiariamente, defende a impossibilidade de aplicação da nova alíquota reduzida de forma isolada, sem ampliação da base de cálculo. Impugna também o pedido de restituição das contribuições descontadas, diante do risco de pagamento em duplicidade, o qual, caso reconhecido, deve observar a prescrição quinquenal, bem como os consectários legais do tema 810, do STF até o trânsito em julgado, momento em que deverá incidir a taxa SELIC de forma isolada. 
 
Houve réplica (index 95). 
Instadas à especificação de provas, ambas as partes requereram o julgamento antecipado do mérito (index 115 e 118). 
 
O Ministério Público declinou de sua atuação no feito (index 127).
É O RELATÓRIO. 
DECIDO.
Inexistindo preliminares, presentes as condições da ação e pressupostos processuais, passo ao exame do mérito. 
Cinge-se a controvérsia em verificar se o aumento da alíquota e da base de cálculo para a contribuição previdenciária de policiais e bombeiros militares estaduais inativos e pensionistas estabelecidos pela Lei Federal 13.954/2019 possui respaldo no ordenamento jurídico.
A Emenda Constitucional 103/2019 alterou a redação do artigo 22 inciso XXI da Carta Magna, atribuindo à União a competência privativa de legislar sobre inatividade e pensões dos policiais e bombeiros militares. 
Inclusive, foi publicada a Lei federal nº 13.954/19, que alterou o Decreto nº 667/69 e introduziu o artigo 24-C, que iguala a contribuição previdenciária sobre os proventos e pensões dos militares estaduais aos militares das Forças Armadas, passando a contribuição à incidir sobre a totalidade da remuneração dos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. 
A Lei 13.954/01 alterou a redação do artigo 3-A da Lei nº 3.765-1960, e fixou o percentual de 9,5% a partir de 1º de janeiro de 2020 e 10,5% a partir de 1º janeiro de 2021 como contribuição dos militares das Forças Armadas. 
A partir da revogação do § 21º, do artigo 40 da Constituição da República, foi extinta a imunidade parcial prevista no mencionado dispositivo, alegando o Estado que a contribuição previdenciária passou a incidir sobre a totalidade de proventos e pensões dos militares estaduais, e com a alíquota equivalente à adotada para os militares das Forças Armadas, nos termos do artigo 3º-A, da Lei 3.765/60. 
Ocorre que, o artigo 36, II, da Emenda Constitucional estabeleceu uma condição suspensiva em que a revogação de que trata a alínea "a", do inciso I, do artigo 35 da EC 103/19, somente entrará em vigor na data da publicação de lei de iniciativa privativa do respectivo Poder Executivo que a referende integralmente. 
Emenda Constitucional nº 103/2019: 
 
"Art. 35. Revogam-se: 
I - os seguintes dispositivos da Constituição Federal: 
a) o § 21 do art. 40; 
[...] 
Art. 36. Esta Emenda Constitucional entra em vigor: 
.................................................................................... 
II - para os regimes próprios de previdência social dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, quanto à alteração promovida pelo art. 1º desta Emenda Constitucional no art. 149 da Constituição Federal e às revogações previstas na alínea "a" do inciso I e nos incisos III e IV do art. 35, na data de publicação de lei de iniciativa privativa do respectivo Poder Executivo que as referende integralmente;" 
 
Assim, na esfera federal, para as aposentadorias e pensões, a nova contribuição passou a vigorar a partir de novembro de 2019, data da promulgação da reforma, e para as esferas estaduais e municipais somente passará a vigorar a partir da data de publicação de Lei de iniciativa privativa do respectivo Poder Executivo. 
 
Paulo Modesto, ao analisar a Emenda Constitucional nº103/19 concluiu que tal norma “contempla os dois tipos de normas dirigidas aos Estados, Distrito Federal e Municípios. Prevê normas de reprodução obrigatória e que já são exigíveis aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios. E possui também normas de simples conteúdo obrigatório, já plenamente aplicáveis no âmbito da União, porém exigíveis no âmbito dos entes subnacionais apenas quando houver interposição legislativa local.”   
Acrescenta o referido autor que “a autonomia normativa real que remanesce aos entes subnacionaisreside no controle do tempo jurídico: 
· o controle de tempo de regulamentação ou imposição das novas normas na ordem jurídica local pois enquanto não legislam, aplica-se a normatividade anterior à Emenda constitucional n 103/19 (v.g Art. 20, §4º da Emenda 103/19). 
· o controle do tempo de transição pois a Emenda Constitucional nº103-2019 não obriga Estados, Distrito Federal e Municípios a dotarem um modelo único ou padronizado de transição nos respectivos regimes próprios de previdência o que asseguram um mínimo de autonomia normativa aos entes da Federação.”  
  
Dentre as matérias reservadas à legislação complementar estadual e municipal, merece destaque aquela que se refere “aos critérios, aos parâmetros e a natureza jurídica do regime próprio da previdência social bem como do órgão ou entidade gestora deste regime.” (art. 40 §20) e entre as matérias reservadas à legislação ordinária estadual e municipal, encontram-se as regras de cálculo dos proventos (art. 40 §3º). 
Paulo Modesto enfatiza, também, que os Estados e os Municípios possuem autonomia normativa sobre a adoção da progressividade na contribuição ou alíquotas fixas de 14% (quatorze por cento). 
 Neste aspecto, é importante mencionar que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ACO nº 3.396, Rel. Min. Alexandre de Moraes, Dje de 19/10/2020, firmou entendimento no sentido de que remanesce, mesmo após a promulgação da EC 103/2019, a competência dos Estados para a fixação das alíquotas da contribuição previdenciária incidente sobre os proventos de seus próprios militares inativos e pensionistas, tendo a Lei Federal 13.954/2019, no ponto, incorrido em inconstitucionalidade
Confira-se: 
Ementa: AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA. CONSTITUCIONAL. FEDERALISMO E RESPEITO ÀS REGRAS DE DISTRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIA. LEI 13.954/2019. ALÍQUOTA DE CONTRIBUIÇÃO PARA INATIVIDADE E PENSÃO. POLICIAIS E BOMBEIROS MILITARES ESTADUAIS. COMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA ESTABELECER NORMAS GERAIS. ART. 22, XXI, DA CF/88. EXTRAVASAMENTO DO CAMPO ALUSIVO A NORMAS GERAIS. INCOMPATIBILIDADE COM A CONSTITUIÇÃO. DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO. 1. Ação Cível Originária ajuizada por Estado-membro com o objetivo não afastar sanção decorrente de aplicação, aos militares, de alíquota de contribuição para o regime de inatividade e pensão prevista na legislação estadual, em detrimento de lei federal que prevê a aplicação da mesma alíquota estabelecida para as Forças Armadas. 2. É possível a utilização da Ação Cível Originária a fim de obter pronunciamento que declare, incidentalmente, a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo, particularmente quando esta declaração constituir-lhe a sua causa de pedir e não o próprio pedido. 3. As regras de distribuição de competências legislativas são alicerces do federalismo e consagram a fórmula de divisão de centros de poder em um Estado de Direito. Princípio da predominância do interesse. 4. A Constituição Federal de 1988, presumindo de forma absoluta para algumas matérias a presença do princípio da predominância do interesse, estabeleceu, a priori, diversas competências para cada um dos entes federativos – União, Estados-Membros, Distrito Federal e Municípios – e, a partir dessas opções, pode ora acentuar maior centralização de poder, principalmente na própria União (CF, art. 22), ora permitir uma maior descentralização nos Estados-Membros e nos Municípios (CF, arts. 24 e 30, inciso I). 5. Cabe à lei estadual, nos termos do art. 42, § 1º, da Constituição Federal, regulamentar as disposições do art. 142, § 3º, inciso X, dentre as quais as relativas ao regime de aposentadoria dos militares estaduais e a questões pertinentes ao regime jurídico. 6. A Lei Federal 13.954/2019, ao definir a alíquota de contribuição previdenciária a ser aplicada aos militares estaduais, extrapolou a competência para a edição de normas gerais, prevista no art. 22, XI, da Constituição, sobre “inatividades e pensões das polícias militares e dos corpos de bombeiros militares”. 7. Ação Cível Originária julgada procedente para determinar à União que se abstenha de aplicar ao Estado de Mato Grosso qualquer das providências previstas no art. 7º da Lei 9.717/1998 ou de negar-lhe a expedição do Certificado de Regularidade Previdenciária caso continue a aplicar aos policiais e bombeiros militares estaduais e seus pensionistas a alíquota de contribuição para o regime de inatividade e pensão prevista em lei estadual, em detrimento do que prevê o art. 24-C do Decreto-Lei 667/1969, com a redação da Lei 13.954/2019. Honorários sucumbenciais arbitrados em R$ 4.000,00 (quatro mil reais), nos termos do artigo 85, § 8º, do CPC de 2015, devidos ao Estado-Autor.
(ACO 3396, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 05/10/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-252 DIVULG 16-10-2020 PUBLIC 19-10-2020)
Como se vê, a jurisprudência do STF caminha no sentido de que a Lei 13.954/2019, o fixar alíquota de contribuição previdenciária de policiais e bombeiros militares estaduais inativos e pensionistas, extravasou o âmbito legislativo privativo da União de estabelecer normas gerais sobre o assunto, nos termos do já mencionado art. 22, inciso XXI da Carta Magna.
Inclusive, firmou-se entendimento, em repercussão geral (tema 1.177), no sentido de que “a competência privativa da União para a edição de normas gerais sobre inatividades e pensões das polícias militares e dos corpos de bombeiros militares (artigo 22, XXI, da Constituição, na redação da Emenda Constitucional 103/2019) não exclui a competência legislativa dos Estados para a fixação das alíquotas da contribuição previdenciária incidente sobre os proventos de seus próprios militares inativos e pensionistas, tendo a Lei Federal 13.954/2019, no ponto, incorrido em inconstitucionalidade”. 
Contudo, em recente julgamento proferido em 05/09/2022, o Plenário do Supremo Tribunal Federal deu parcial provimento aos embargos declaratórios, fixando a tese de que deve ser preservada a higidez dos recolhimentos da contribuição de militares, ativos ou inativos, e de seus pensionistas, efetuados nos moldes da Lei 13.954/2019, até 1º de janeiro de 2023:
Ementa: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. REPERCUSSÃO GERAL. CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO. FEDERALISMO E REGRAS DE DISTRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIAS LEGISLATIVAS. ARTIGO 22, XXI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, COM A REDAÇÃO DA EMENDA CONSTITUCIONAL 103/2019. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE NORMAS GERAIS DE INATIVIDADES E PENSÕES DAS POLÍCIAS MILITARES E DOS CORPOS DE BOMBEIROS MILITARES. LEI FEDERAL 13.954/2019. ALÍQUOTA DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA INCIDENTE SOBRE A REMUNERAÇÃO DE MILITARES ESTADUAIS ATIVOS E INATIVOS E DE SEUS PENSIONISTAS. EXTRAVASAMENTO DO ÂMBITO LEGISLATIVO DE ESTABELECER NORMAS GERAIS. DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE. PRECEDENTES. REAFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. INEXISTÊNCIA. ERRO MATERIAL. INOCORRÊNCIA. EFEITOS INFRINGENTES. IMPOSSIBILIDADE. PRETENSÃO DE MODULAÇÃO DE EFEITOS. PROCEDÊNCIA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PROVIDOS PARCIALMENTE, TÃO SOMENTE PARA MODULAR OS EFEITOS DA DECISÃO DESTA SUPREMA CORTE, A FIM DE PRESERVAR A HIGIDEZ DOS RECOLHIMENTOS DA CONTRIBUIÇÃO DE MILITARES, ATIVOS OU INATIVOS, E DE SEUS PENSIONISTAS, EFETUADOS NOS MOLDES INAUGURADOS PELA LEI 13.954/2019, ATÉ 1º DE JANEIRO DE 2023. PREJUDICADOS OS PEDIDOS SUSPENSIVOS REQUERIDOS EM PETIÇÕES APARTADAS.
(RE 1338750 ED, Relator(a): LUIZ FUX (Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 05/09/2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-182 DIVULG 12-09-2022 PUBLIC 13-09-2022)
Em face do exposto, EXTINGO O PROCESSO, com resolução de mérito, na forma do art. 487, I, do CPC, para o fim de julgar IMPROCEDENTE o pedido.
Condeno a autora ao pagamento das custas e despesas processuais, além de honorários advocatícios em favor do patrono das requeridas, arbitrados equitativamente em R$ 1.000,00, observada a hipótese suspensiva previstano art. 98, § 3º, do CPC.
Após o trânsito em julgado, anote-se a baixa e arquivem-se os autos. 
P.I.C
NILSON LUIS LACERDA
Juiz de Direito

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