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IDENTIFICAÇÃO DE MOLÉCULAS COM ATIVIDADE FRENTE AO ALVO TIORREDOXINA REDUTASE PARA TRATAMENTO DA AMEBÍASE Universidade Estadual de Feira de Santana Rebeca Cruz dos Santos1, Franco Henrique Andrade Leite2 1Estudante de graduação em Farmácia da Universidade Estadual de Feira de Santana 2Professor e pesquisador em Química Farmacêutica Medicinal da Universidade Estadual de Feira de Santana Resumo A amebíase é a segunda principal causa de morte por parasito em todo o mundo. O protozoário responsável, Entamoeba histolytica, apresenta elevada patogenicidade, sendo capaz de secretar proteases que dissolvem o tecido do hospedeiro, matar suas células por contato e invadir a mucosa intestinal, rompendo sua barreira até chegar no fígado por meio da circulação, onde pode causar abscesso que cresce rapidamente, sendo quase sempre fatal ao hospedeiro. A enzima tiorredoxina redutase (TrxR) desempenha um papel crucial no metabolismo e na sobrevivência desse parasita, sendo responsável pela proteção da célula contra os danos oxidativos (estresse oxidativo). Devido à sua importância, a TrxR tem sido alvo de estudos e pesquisas visando o desenvolvimento de fármacos direcionados a inibição dessa enzima para o tratamento da amebíase. A inibição da TrxR pode levar ao acúmulo de espécies reativas de oxigênio, resultando em danos oxidativos e na morte do parasita. Estudos computacionais desempenham um papel fundamental na descoberta e desenvolvimento de novos fármacos para tratar essa patologia. Essas abordagens utilizam técnicas e ferramentas computacionais para realizar análises detalhadas das moléculas-alvo, identificar compostos promissores que possam se ligar a esses alvos e exercer atividade terapêutica. Além disso, através das técnicas de modelagem molecular e dinâmica molecular, os estudos computacionais permitem a modificação e otimização de compostos candidatos, melhorando sua atividade, seletividade e propriedades farmacocinéticas a fim de obter compostos mais potentes e com menor toxicidade. Palavras-chaves: amebíase, tiorredoxina redutase, estresse oxidativo, estudos computacionais, moléculas-alvo. Abstract Amebiasis is the second leading cause of death from parasites worldwide. The responsible protozoan, Entamoeba histolytica, presents high pathogenicity, being able to secrete proteases that dissolve the host tissue, kill its cells on contact and invade the intestinal mucosa, breaking its barrier until it reaches the liver through the circulation, where it can cause an abscess. which grows rapidly and is almost always fatal to the host. The enzyme thioredoxin reductase (TrxR) plays a crucial role in the metabolism and survival of this parasite, being responsible for protecting the cell against oxidative damage (oxidative stress). Due to its importance, TrxR has been the subject of studies and research aimed at the development of drugs aimed at inhibiting this enzyme for the treatment of amoebiasis. Inhibition of TrxR can lead to the accumulation of reactive oxygen species, resulting in oxidative damage and death of the parasite. Computational studies play a key role in the discovery and development of new drugs to treat this pathology. These approaches use techniques and computational tools to perform detailed analyzes of target molecules, identify promising compounds that can bind to these targets and exert therapeutic activity. In addition, through molecular modeling and molecular dynamics techniques, computational studies allow the modification and optimization of candidate compounds, improving their activity, selectivity and pharmacokinetic properties in order to obtain more potent compounds with less toxicity. Keywords: amebiasis, thioredoxin reductase, oxidative stress, computational studies, target molecules. Introdução A amebíase é uma doença parasitária causada pelo protozoário Entamoeba histolytica, afetando principalmente regiões com condições socioeconômicas precárias e acesso limitado a saneamento básico. A infecção ocorre por meio da ingestão de cistos presentes em alimentos ou água contaminada. Esse agente etiológico leva a óbito aproximadamente 100.000 pessoas por ano, sendo considerada a segunda maior causa de morte por parasitoses do mundo (OLIVEIRA, 2019). Podendo variar de uma infecção assintomática a formas graves, seus sinais e sintomas vão desde colites a evacuações diarreicas na amebíase intestinal sintomática branda, podendo evoluir para úlceras necro-hemorrágicas e fezes muco sanguinolentas, acompanhadas de febre, na forma sintomática aguda (OLIVEIRA, 2019). Essa parasitose é um problema de saúde pública significativo em muitas partes do mundo, incluindo o Brasil. Atualmente, o tratamento para a amebíase envolve a administração de medicamentos antiparasitários que atuam no processo de morte e de eliminação do parasita no organismo humano. O tratamento pode variar em duração e dosagem, dependendo da gravidade da infecção e das recomendações médicas (REY, 2012). No entanto, o tratamento da amebíase pode enfrentar algumas dificuldades, sendo a principal delas o desenvolvimento de resistência das cepas do parasita aos medicamentos antiparasitários comumente utilizados, tornando o tratamento menos eficaz e mais desafiador. A tiorredoxina redutase (TrxR) é uma enzima chave no metabolismo e sobrevivência do parasita Entamoeba histolytica e vem sendo estudada por ter sido identificada como potencial alvo a ser inibido para tratamento da amebíase. Essa enzima desempenha um papel fundamental na regulação do estresse oxidativo e na manutenção do equilíbrio redox intracelular (HOLMGREN, 2010). A TrxR da E. histolytica é responsável por reduzir a tiorredoxina, uma proteína envolvida em reações redox essenciais e na proteção celular contra danos oxidativos. A inibição seletiva da TrxR pode comprometer o metabolismo do parasita e levar à morte do mesmo. Estudos computacionais têm desempenhado um papel crucial no estudo da enzima tiorredoxina redutase e no desenvolvimento de novos fármacos para o tratamento da amebíase. Essas abordagens computacionais, como a modelagem molecular e a triagem virtual de compostos, permitem a análise detalhada da interação entre a enzima e possíveis moléculas inibidores (MIKOVSKI, 2019). A utilização de abordagens computacionais para o estudo da enzima TrxR na amebíase é de extrema importância, pois permite uma abordagem racional e eficiente para o desenvolvimento de novos fármacos. Além disso, essas técnicas computacionais reduzem custos e tempo, fornecendo informações prévias sobre a eficácia e toxicidade potencial dos compostos antes dos testes laboratoriais (MIKOVSKI, 2019). Combinado com estudos experimentais, o uso de abordagens computacionais tem o potencial de acelerar o processo de descoberta de novos fármacos para o tratamento dessa patologia. Essas abordagens fornecem base sólida para a identificação de compostos promissores que possuem a capacidade de inibir seletivamente a atividade da enzima e, assim, combater a amebíase. A integração de técnicas computacionais com experimentos in silico e in vivo é crucial para validar a eficácia e a segurança dos compostos identificados, impulsionando o desenvolvimento de novos fármacos efetivos e de baixa toxicidade. Metodologia Escolha do alvo terapêutico Escolha da patologia Base: dados epidemiológicos Coleta da estrutura 3D ( Fonte: PDB) Busca avançada: Nome da macromolécula Busca avançada: Método experimental: difração de raio x Seleção do organismo de interesse: Entamoeba histolytica Seleção de 3 estruturas: Valor de resolução <2 Escolha da estrutura de menor resolução Anotar o código das 3 selecionadas Preparo da estrutura 3D: Pymol Anotarparâmetros importantes Retirar moléculas de água e artefatos presentes Seleção das moléculas candidatas 5 oriundas de produtos naturais (Fonte: CocoNut) ( 10 fármacos conhecidos (Fonte: PubChem) 5 com mecanismo desconhecido (Fonte:ChemBL) Filtro: Biblioteca UEFS Salvo em Smiles ou mol Salvo em SDF 2D Salvo em SDF 2D Desenho das moléculas-Marvin JS/Salvar em PDB 3D Físico-químico ( Fonte: SwissADME) Toxicidade: Teste de AMES (Fonte:pkCSM) Aplicação dos filtros: Físico- químicos e Toxicidade (naturais e desconhecidos) Exclusão das moléculas que não passaram nos filtros Determinar coordenadas do ligante de referência presente na estrutura 3D escolhida Fonte: AutoDock Anotar em um bloco de notas e salvar Inserir moléculas candidatas (PDB 3D) e transformar em PDBQT. Fonte: AutoDock Acoplamento molecular Fonte:DockBat Inserir coordenadas do ligante de referência no alvo Analisar grau de afinidade de energia das moléculas candidatas com o alvo Organizar em ordem decrescente por afinidade de energia Selecionar 3 que tiveram menor energia de afinidade. (<energia – melhor) Gerar mapa de interação (molécula – alvo) Analisar interações Teste de sobreposição no PyMol Resultados e discussões Seleção da estrutura 3D A estrutura 3D selecionada na plataforma PDB foi a de código 4CBQ, com resolução de 1.94 Å, cuja o organismo de interesse foi o parasita em questão Entamoeba histolytica (Imagem 1). Imagem 1: Estrutura 3D do alvo Tiorredoxina Reductase Fonte: PDB Escolha e seleção das moléculas candidatas Foram selecionadas 20 moléculas candidatas para realizar o acoplamento, sendo cinco oriundas de produtos naturais, extraídas da plataforma CocoNut, utilizando o filtro: biblioteca Universidade Estadual de Feira de Santana, as escolhidas foram as moléculas de código CNP0172641, CNP0201070, CNP0225461, CNP0245931 e CNP0281275, o parâmetro para escolha foi o peso molecular menor que 500 g/mol. As dez moléculas já conhecidas e comercializadas (fármacos) foram, o Zolpidem, Cloroquina, Guaifenesin, Sulfato de Amicacina, Omeprazol, Fluconazol, Piperazina, Simeticona, Meropenem e Racecadotrila, retirados da plataforma PubChem, escolhidos de maneira aleatória. E as cinco moléculas cujo mecanismo são desconhecidos, retiradas da plataforma ChemBL, foram Ácido Cítrico, Flavona, Nitrito, S-Nitroso e Hydrozyecdysone, a escolha desses https://www.rcsb.org/search?q=rcsb_entity_source_organism.taxonomy_lineage.name:Entamoeba%20histolytica foi feita baseada em artigos já publicados, que afirmam que essas moléculas possuem potencial poder inibitório da enzima Tiorredoxina Redutase. Após serem submetidas aos testes computacionais para analisar características físico-químicas e de toxicidade, as moléculas oriundas de produtos naturais e as que possuem mecanismo desconhecidos, passaram por filtros baseados na regra de Lipinski, onde determina que as moléculas para serem biodisponível por via oral precisam atender esses critérios: peso molecular inferior a 500 daltons, Log P menor que 5, menos que 5 doadores de ligação de hidrogênio (N° de D-H) e menos de 10 aceptores de ligação de hidrogênio (N° de A-H). E a regra de Veber, com os critérios onde a soma ligações de hidrogênio do tipo aceptor e doador (D+A) deve ser igual ou menor que 12, menos que 10 ligações rotacionáveis (Log Rotac.) e área superficial polar (Á. Super. Polar) inferior a 140 Â. Por fim, foram submetidas ao teste de AMES (Tox-AMES), onde avalia a toxicidade das moléculas. Os fármacos com mecanismos já conhecidos passaram por esses filtros e teste quando foram descobertos, como já são fabricados e comercializados, não havia necessidade se serem submetidos aos mesmos. Apenas cinco moléculas foram aprovadas e passaram para fase de acoplamento, juntamente com os fármacos (Tabela 1). Tabela 1: Resultados dos testes de biodisponibilidade e toxicidade das moléculas com mecanismo desconhecidos e das oriundas de produtos naturais Acoplamento molecular Antes de submeter as moléculas candidatas ao acoplamento, foi realizado o teste de sobreposição do ligante de referência (LR), porém foi detectado que a estrutura escolhida não possuía LR, ficando inviável determinar com maior precisão a localização do sítio de ligação presente na mesma. Visto isso, foi determinado a região onde o FAD estava presente, para delimitar a localização do sítio. O acoplamento das moléculas foi realizado com a inserção das coordenadas obtidas no teste de sobreposição, após determinar a região do sítio, sendo elas x (-3.151), y (-20.249) e z (28.483). Após acoplamento, obteve-se os valores de energia de afinidade das moléculas frente ao alvo (Tabela 2). E foi selecionado três moléculas com menor valor de energia de afinidade, sendo elas CNP0225461(-8.0), flavona (-9.3) e o fármaco Meropenem (-7.0). Tabela 2: Valor de energia de afinidade (kcal/mol) das moléculas e fármacos frente a enzima Tiorredoxina Reductase Análise das interações A flavona foi a molécula que apresentou melhor energia de afinidade dentre as moléculas testadas para Tiorredoxina Redutase, com -9.3 kcal/mol. Com o mapa de interação gerado, foi possível observar as interações hidrofóbicas com os aminoácidos Ala296, Gin46, Ala293, Pro14, Gly45 e Gly18 e ligação de hidrogênio do tipo aceptor com os aminoácidos Asp284 e Gin46 (Imagem 2). Imagem 2: Mapa de interação da enzima com a molécula ligante Flavona Fonte: Autora A segunda molécula com menor valor de energia de afinidade foi oriunda de produtos naturais (CNP0225461), que apresentou interações hidrofóbicas com o aminoácido His248 e ligação de hidrogênio do tipo aceptor com o aminoácido Ala139 (Imagem 3). Imagem 3: Mapa de interação da enzima com a molécula ligante CNP0225461 Fonte: Autora No fármaco, Meropenem, terceira molécula selecionada como de menor afinidade, observou-se somente ligação de hidrogênio do tipo doador, com os aminoácidos His248 e Ala293 (Imagem 4). Essa molécula apresentou maior afinidade de energia quando comparada com as anteriores. Imagem 4: Mapa de interação da enzima com a molécula ligante Meropenem Fonte: Autora Diante das interações analisadas, com vista a aumentar a sua atividade frente a TrxR, aumentando o número de interações intramoleculares, propõe-se trocas bioisostéricas do grupo -CH3, dos anéis conjugados, por -OH, com o objetivo de aumentar a possibilidade de ligações de hidrogênio, tanto na Flavona, quanto na molécula CNP0225461. Para o fármaco Meropenem, sugere-se a troca da hidroxila -OH por um grupo alquila ou substituição do grupo amino, por um grupo aquiloamino, a fim de diminuir a polaridade da molécula, permitindo que ela realize mais reações hidrofóbicas, já que os ligantes anteriores realizaram esse tipo de reação e tiveram melhores valores de energia de afinidade quando comparados com esse fármaco. Conclusão A partir dos ensaios computacionais, dos valores de energia de afinidade e das interações visualizadas nos mapas de interação, conclui-se que a Flavona foi a molécula que apresentou melhor energia de afinidade e interação com a enzima Tiorredoxina Redutase, quando comparada com as demais moléculas analisadas. Chegando ao entendimento que ela tem a capacidade de interagir com a enzima alvo, através, principalmente das reações hidrofóbicas. Dessa forma, é considerado viável a continuação dos estudos e testes sobre o potencial inibitório da flavona frente a esse alvo para o desenvolvimento de fármacos para tratamento de doenças parasitárias, como a amebíase. Visto que,a flavona é um composto flavonoide que pode ser encontrado em diversas plantas, sendo de fácil acesso (FLAMBÓ, 2019). Por fim, seria necessário utilizar ferramentas computacionais, a fim de verificar se essa molécula afetaria também as enzimas do hospedeiro, sendo esse meio de estudo muito importante para descoberta de novos fármacos e também, estudos clínicos, para avaliar sua seletividade, eficácia e segurança. Referências FLAMBÓ, D. F. A. L. P. Atividades biológicas dos flavonoides: atividade antimicrobiana. 2019. Dissertação (Mestrado em Ciências Farmacêuticas), Faculdade de Ciências da Saúde, Universidade Fernando Pessoa, Porto, 2019. GUIDO, R. V. C.; ANDRICOPULO, A. D. Modelagem Molecular de Fármacos. Revista Processos Químicos, v. 2, n. 4, p. 24-36, 1 jul. 2018. HOLMGREN, Arne. Antioxidant function of thioredoxin and glutaredoxin systems. Antioxidants & redox signaling, v. 2, n. 4, p. 811-820, 2010. MIKOVSKI, D. Química Medicinal E A Sua Importância No Desenvolvimento De Novos Fármacos. Saúde e Desenvolvimento, v.12 ,n.13, p.29–43, 2019.Disponívelem:https://revistasuninter.com/revistasaude/index.php/saudeDe senvolvimento/article/view/997. Acesso em: 7 jun. 2023. OLIVEIRA, Pedro Giovane Alves de et al.. AMEBÍASE: PARASITOSE NEGLIGENCIADA DE ALTA CONTAMINAÇÃO NO MUNDO.. In: Anais da Mostra de Pesquisa em Ciência e Tecnologia 2017. Disponível em: <https//www.even3.com.br/anais/mpct2017/46430-AMEBIASE--PARASITOSE- NEGLIGENCIADA-DE-ALTA-CONTAMINACAO-NO-MUNDO>. Acesso em: 05 Jun 2023. PARSONAGE, D., KELLS, P.M., HIRATA, K., DEBNATH, A., POOLE, L.B. Crystal structure of the thioredoxin reductase from Entamoeba histolytica with auranofin Au(I) bound to Cys286. Disponível em: https://www.wwpdb.org/pdb?id=pdb_00004cbq. Acesso em: 25 Maio 2023. https://www.wwpdb.org/pdb?id=pdb_00004cbq REY, L. Bases da Parasitologia Médica. 4 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2012.
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