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ISBN 978-65-5821-077-1 9 786558 210771 Código Logístico 59763 MÁRCIO JÚLIO DA SILVA MATTOS MÁRCIO JÚLIO DA SILVA MATTOS PSICOLOGIA SOCIAL APLICADA À SEGURANÇA Psicologia social aplicada à segurança Márcio Júlio da Silva Mattos IESDE BRASIL 2021 © 2021 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito do autor e do detentor dos direitos autorais. Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: wenny chiang/ Darko-HD Photography/ BABAROGA /Shutterstock Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ M392p Mattos, Márcio Júlio da Silva Psicologia social aplicada à segurança / Márcio Júlio da Silva Mattos. - 1. ed. - Curitiba [PR] : Iesde, 2021. 150 p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-65-5821-077-1 1. Psicologia social. 2. Personalidade. 3. Agressividade (Psicologia). 4. Conduta criminosa. 5. Prevenção de crimes. I. Título. 21-73112 CDD: 302 CDU: 159.9.019.4 Márcio Júlio da Silva Mattos Doutor em Sociologia, mestre em Sociologia e especialista em Segurança Pública e Cidadania pela Universidade de Brasília (UnB). Visiting scholar (Fulbright Fellow) pela Universidade de Massachusetts Boston (UMass-Boston). Especialista em Gestão de Segurança Pública pelo Instituto Superior de Ciências Policiais (ISCP). Graduado em Relações Internacionais pela UnB e em Ciências Policiais pelo Instituto Superior de Ciências Policiais (ISCP). Professor no ensino superior, ministrando as disciplinas de Criminologia, Teoria do Crime, Sociologia da Violência, Métodos de Pesquisa e Polícia Comunitária. Consultor em segurança pública, avaliador do ensino superior pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e conteudista da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp). SUMÁRIO Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! SUMÁRIO Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! 1 Fundamentos de psicologia social 9 1.1 Histórico 10 1.2 Definições e conceitos 22 1.3 Métodos de pesquisa 30 2 Personalidade, agressões e violências 37 2.1 Agressões e violência: definições e conceitos 37 2.2 Teorias sobre agressões 40 2.3 Compreendendo o comportamento agressivo 49 2.4 O Modelo Geral de Agressão (MGA) 59 3 Psicologia social e justiça criminal 64 3.1 Abordagens psicossociais em justiça criminal 65 3.2 Punição, crime e recuperação: a visão da psicologia social 75 3.3 Psicologia social em depoimentos e testemunhos 77 3.4 Fatores psicológicos na atuação policial 84 3.5 Fatores psicológicos no processo de justiça e no tribunal do júri 87 4 Psicologia social e crime 94 4.1 Contextualização 94 4.2 Teoria da ação racional 100 4.3 Teoria do comportamento planejado – comportamento criminoso 104 4.4 Teoria das atividades rotineiras 108 4.5 Explicando o comportamento criminoso 113 5 Psicologia social e prevenção criminal 119 5.1 Prevenção criminal e comportamento humano 119 5.2 Prevenção situacional do crime 125 5.3 Teoria das janelas quebradas 128 5.4 Teoria dos espaços defensáveis 131 5.5 Prevenção criminal pelo design do ambiente (CPTED) 133 6 Resolução das atividades 141 A psicologia social é uma área de estudos fascinante, e os avanços realizados nos últimos anos têm aproximado a densidade teórica da sua aplicação no cotidianos das pessoas. Esta obra tem um duplo objetivo: em primeiro lugar, apresentar alguns dos conceitos fundamentais da produção científica no campo da psicologia social, utilizando uma linguagem clara e objetiva para facilitar a compreensão de conceitos, por vezes, complexos e densos; em segundo lugar, utilizar referências daquilo que denominamos de psicologia policial, uma subárea da psicologia profissional, na aplicação dos conceitos psicológicos à segurança. Por isso, esperamos que o interesse incipiente por essa área de estudos seja estimulado com esta obra introdutória. O primeiro capítulo apresenta o histórico de surgimento da psicologia social como área do conhecimento, discutindo os processos de desenvolvimento e separação de outras áreas e analisando definições consagradas na literatura especializada como forma de situar os seus conceitos fundamentais e os métodos empregados em suas análises. O segundo capítulo discute os comportamentos agressivos e suas principais motivações à luz da psicologia social. Com especial atenção, analisa as evidências que relacionam os comportamentos agressivos à exposição aos meios de comunicação. Além disso, apresenta os conceitos de agressão, agressividade e violência. Algumas teorias sobre agressões são investigadas, enfatizando as diferenças entre as abordagens biológicas e psicológicas. Assim, a relação entre frustração e agressões e o aprendizado social são analisados. O terceiro capítulo analisa as principais abordagens da psicologia social aplicadas à justiça criminal e os processos psicológicos importantes, como o self, as crenças, os valores, as normas sociais, as atitudes e os comportamentos, além de discutir a relação entre esses conceitos. De maneira aplicada, avalia subsídios da psicologia social aplicados a depoimentos, APRESENTAÇÃOVídeo 8 Psicologia social aplicada à segurança testemunhos e confissões. Por fim, discute aspectos relacionados à atuação policial. O quarto capítulo traz algumas das teorias psicológicas mais relevantes para a análise dos comportamentos criminosos: a teoria da ação racional, a teoria do comportamento planejado e a teoria das atividades rotineiras. De modo acessível, trata dos principais conceitos dessas abordagens utilizando exemplos que contextualizam o seu histórico de surgimento e as suas principais aplicações ao longo do tempo, assim como analisa a perspectiva histórica da psicologia social aplicada à segurança com base em três principais linhas argumentativas: os estudos de psicanálise, os estudos com base em inteligência e os estudos de personalidade. O quinto capítulo dedica-se à prevenção criminal. Com efeito, analisa como os conceitos da psicologia social informam os modos de compreensão dos comportamentos criminosos e apresenta algumas perspectivas importantes sobre a prevenção criminal. Além disso, discute a definição de prevenção e seus diferentes níveis. Por fim, apresenta e analisa três abordagens teóricas: a teoria das janelas quebradas, a teoria dos espaços defensáveis e a prevenção criminal pelo design do ambiente (CPTED). Bons estudos! Fundamentos de psicologia social 9 1 Fundamentos de psicologia social A psicologia social lida com temas comuns ao nosso cotidiano. Agressões, preconceito, conflitos, obediência, altruísmo são exem- plos de fenômenos abordados pelas lentes dessa área. Neste capítulo, analisaremos o histórico de surgimento da psi- cologia social. Vamos discutir as imbricadas relações com as demais ciências sociais, particularmente a sociologia. Em seguida, o seu desenvolvimento será discutido por meio de quatro fases que, com efeitos didáticos, oferecem umacronologia a respeito dos principais autores e seus conceitos ao longo do tempo. Também trataremos das principais definições e conceitos que marcam o conhecimento em psicologia social. A diversidade dos fe- nômenos estudados reflete a complexidade dos conceitos elabora- dos ao longo do tempo. Nesse sentido, destacaremos três conceitos distintos que reúnem as principais características desse campo de estudos. Vamos abordar, ainda, as relações entre o senso comum e conhecimento científico em psicologia social, distinguindo suas di- mensões aplicadas. Por fim, analisaremos os caminhos metodológicos do fazer cien- tífico em psicologia social, destacando três perspectivas principais: a observacional, que privilegia o contato direto com os indivíduos e a observação direta dos fenômenos estudados; a correlacional, que possibilita o estabelecimento de relações de predição; e a experi- mental, que simula em laboratório as condições naturais de realiza- ção dos fenômenos estudados. 10 Psicologia social aplicada à segurança 1.1 Histórico Vídeo A psicologia social está presente em diferentes momentos de nossa vida cotidiana. Somos lembrados acerca da complexidade das relações sociais e do comportamento humano diante de situa- ções traumáticas, como guerras e ataques terroristas, ou de ações altruísticas e heroicas, caso de pessoas que arriscam suas vidas para salvar outras pessoas, por exemplo. A mobilização de esforços coletivos, as relações de atração e repulsa, os comportamentos criminosos e as formas de evitá-los também ilustram o alcance da análise sociopsicológica. O interesse em compreender processos como esses, distinguindo-os de outros fenômenos, não é novo, apesar de o status científico de seu estudo ser, de fato, muito recente. De modo geral, o interesse em mensurar processos relacionados aos pensamentos, sentimentos e comportamentos dos indivíduos é fundante para a psicologia social. A diferenciação da disciplina tanto em relação à psicologia quanto à sociologia pode ser traçada desde a segunda metade do século XIX (ÁLVARO; GARRIDO, 2007). As relações entre os indivíduos e a sociedade foram analisadas por diferentes autores ao longo desse século, sendo que os limites en- tre as diferentes áreas ainda não eram bem definidos. Assim, muitas foram as contribuições analíticas de filósofos, economistas, sociólogos e antropólogos para o campo da psico- logia social. Segundo Álvaro e Garrido (2007), é possível distin- guir pelo menos duas subáreas na disciplina: a psicologia social psicológica e a psicologia social sociológica (Figura 1). A primeira diz respeito aos estudos que enfatizam os processos intraindivi- duais, sendo marcante na tradição acadêmica dos Estados Unidos, enquanto a segunda privilegia a análise das experiências sociais e o papel das coletividades, sendo relacionada à tradição europeia (FERREIRA, 2011). Conhecer o histórico de surgimento da psicologia social, destacando alguns dos seus principais auto- res e suas contribuições para o desenvolvimento desse campo de estudos. Objetivo de aprendizagem Fundamentos de psicologia social 11 Figura 1 Psicologia social como interseção disciplinar Psicologia social PsicologiaSociologia Psicologia social psicológica Psicologia social sociológica Fonte: Adaptada de Estramiana et al. 2007, p. 23. Assim, ao falarmos em psicologia social, é necessário situar suas ori- gens com base em perspectivas distintas que contribuíram para infor- mar o desenvolvimento de seus principais conceitos. Em uma lógica de mútua interação, os estudos foram buscando se diferenciar de outras abordagens e foram adquirindo características e contornos próprios. Ao longo do tempo, é possível distinguir como a psicologia social se desenvolveu com base nas contribuições de autores importantes. Con- forme Kassin, Fein e Markus (2017), vamos destacar quatro períodos: Os anos iniciais (década de 1880 até os anos 1920). O período de expansão e questionamentos (década de 1960 até 1975). A influência da Segunda Guerra Mundial (décadas de 1930 a 1950). A era dos pluralismos (de 1975 até o século XXI). Vejamos a caracterização de cada um desses períodos nas subse- ções a seguir. 12 Psicologia social aplicada à segurança 1.1.1 Os anos iniciais (1880-1920) Para muitos autores (KASSIN; FEIN; MARKUS, 2017), o primeiro ex- perimento em psicologia social foi realizado pelo psicólogo Norman Triplett (1861-1934), da Universidade de Indiana, em 1898. Após ob- servar que ciclistas apresentavam uma performance melhor quando disputavam contra outros ciclistas em comparação com quando treina- vam sozinhos, Triplett desenvolveu um experimento para compreen- der esse fenômeno. O estudo consistiu na observação de crianças na realização de uma tarefa simples: enrolar um anzol o mais rápido possível em uma espécie de molinete de pesca. Essa atividade foi repetida por crianças sozinhas e em grupos. Ao final do experimento, o pesquisador argumentou que, de fato, ocorria uma melhoria na performance na execução da tarefa quando realizada na presença de outras pessoas (TRIPLETT, 1898). Entre outras implica- ções, esse estudo motivou pesquisas sobre o fenômeno que ficou co- nhecido como facilitação social. Ainda hoje, é um dos temas analisados por psicólogos sociais em diferentes contextos. O experimento de Triplett destacou-se pela inovação em propor a investigação dos efeitos do contexto social sobre o comportamento dos indivíduos e o fez de maneira sistemática. Como veremos, os expe- rimentos sociais são um dos recursos de pesquisas mais importantes na psicologia social. Outros autores também são citados em estudos analisando fenômenos com base em uma perspectiva psicossociológi- ca incipiente, como é o caso do francês Max Ringelmann (1861-1931), em 1913 (ESTRAMIANA et al., 2007). Entretanto, o estabelecimento da psicologia social como um cam- po de estudo é comumente atribuído à publicação de três importantes obras. Duas delas foram publicadas nos Estados Unidos, em 1908, mar- cando um período de crescimento do interesse na disciplina naquele país. A primeira obra foi Uma introdução à Psicologia Social, do psicólogo britânico William McDougall (1871-1938). Na obra, o autor desenvolveu uma teoria do comportamento huma- no com base na percepção de estímulos por meio de características he- reditárias (instinto) em busca de resultados. Sob influência de Charles Darwin (1809-1882), McDougall argumentava que o comportamento molinete: peça metálica composta de carretel com manivela em que se co- loca vara de pescar, para enrolar a linha de náilon e tirar rapidamente o anzol lançado à água. Glossário Fundamentos de psicologia social 13 instintivo era composto de três elementos: a percepção, o comporta- mento e a emoção (ÁLVARO; GARRIDO, 2007). Os indivíduos seriam predispostos a focar estímulos importantes para os seus objetivos. A busca por satisfazer a necessidades, como comer quando se tem fome, motiva a ação humana de maneira ins- tintiva. Ao longo do tempo, o autor categorizou 18 tipos de instintos, como fome, rejeição de substâncias, curiosidade, fuga, submissão, en- tre outros. A segunda obra foi Psicologia Social: um esboço e um livro de refe- rência (tradução livre do original: Social Psychology: an outline and a source book), do sociólogo norte-americano, Edward Alsworth Ross (1866-1951). Como sua formação sugere, o autor enfatizava a dimensão social da existência humana, situando a psicologia social como uma especialida- de da sociologia dedicada ao estudo do que denominou uniformidades motivadas pela vida em sociedade (ÁLVARO; GARRIDO, 2007). Assim, a análise seria dedicada às uniformidades resultantes da associação en- tre as pessoas. Para o autor, duas subáreas eram delineadas: a ascendência social, relacionada à influência da sociedade sobre os indivíduos, com temas como costumes e convenções e a ascendência individual, que dizia res- peito à análise da liderança, da invençãoe do papel do ser humano. Assim, podemos perceber que a dimensão inata do instinto na moti- vação social, como defendido por McDougall, fica em segundo plano, sendo substituída por conceitos como invenção, sugestão e imitação. Em 1924, a publicação de Psicologia Social, de Floyd Henry Allport (1890-1979), é reconhecida por sua contribuição metodológica à con- solidação da disciplina. O autor é considerado um dos fundadores da psicologia social experimental. Sob influência do pensamento behavio- rista, Allport avançava na distinção entre comportamento e consciência, argumentando que a personalidade seria a forma como os indivíduos reagem aos estímulos sociais. Para o autor, os hábitos, pensamentos e reações emocionais eram mecanismos psicológicos herdados e modificados ao longo do tempo (ÁLVARO; GARRIDO, 2007). Em conjunto, os três autores são conside- rados expoentes do surgimento e da consolidação do campo de es- O vídeo Use Social Facilita- tion To Get Ahead, do canal CNA Insider, apresenta uma ilustração dos estu- dos feitos por Norman Triplett que influenciaram o desenvolvimento da psicologia do esporte, uma área de pesquisa dedicada à análise de aspectos do comporta- mento que influenciam e são influenciados pelo desempenho no esporte. Antes da realização do experimento com as crianças, Triplett analisou o comportamento de ciclistas e o efeito da pre- sença de outras pessoas no rendimento. Disponível em: https://www. youtube.com/watch?v=d1_ zr4nGzQE. Acesso em: 5 jul.. 2021. Vídeo https://www.youtube.com/watch?v=d1_zr4nGzQE https://www.youtube.com/watch?v=d1_zr4nGzQE https://www.youtube.com/watch?v=d1_zr4nGzQE 14 Psicologia social aplicada à segurança tudos de psicologia social, sendo influentes na perspectiva conhecida como behaviorismo. Essa escola argumenta que a compreensão do comportamento humano deve enfatizar a observação de proprieda- des de reforços do ambiente, como as recompensas (atenção, pra- zer, satisfação etc.) ou as punições (dor e perda) (ARONSON; WILSON; AKERT, 2018). 1.1.2 A influência da Segunda Guerra Mundial (1930-1950) A Segunda Guerra Mundial influenciou o desenvolvimento da psi- cologia social. Com a ascensão do regime nazista liderado por Adolf Hitler, na Alemanha, muitas pessoas passaram a se questionar so- bre as motivações de comportamentos violentos, preconceituosos e sádicos. Alguns conceitos importantes na psicologia social foram im- pulsionados com os esforços em compreender o funcionamento da sociedade alemã à época da ascensão totalitarista, como conformida- de e obediência. Por exemplo, o sociólogo Everett Hughes (18875-1957) analisou a in- serção social dos agentes do regime nazista que atuavam nos campos de concentração. Suas perguntas de pesquisa incluíam: como eles con- seguem desempenhar tais funções? Como os demais os viam na sociedade? Inicialmente, o autor argumentou que essas funções eram vistas como desprezíveis, mas necessárias. Sua definição para esse fenômeno foi o conceito de trabalho sujo. Ainda assim, o trabalho era visto de modo diferente daqueles que o executavam. As atividades eram delegadas a grupos que agiam em nome da coletividade e que, por conseguinte, eram estigmatizados pelo aspecto degradante ou sujo de seu trabalho. Assim, os trabalhadores sujos eram espécies de párias sociais em virtu- de dos ofícios que desempenham (HUGHES, 1962). Outra consequência da Segunda Guerra Mundial foi a imigração de pesquisadores da Europa para os Estados Unidos. Esse movimento foi compartilhado por milhões de outras pessoas que buscavam escapar do conflito e de suas consequências. No caso dos psicólogos sociais, esse fluxo de profissionais contribuiu para o desenvolvimento do cam- po de estudos (KASSIN; FEIN; MARKUS, 2017). A influência europeia contrastaria com a percepção dominante do período anterior sobre Fundamentos de psicologia social 15 a pesquisa sociopsicológica. Autores como Kurt Lewin (1890-1947) e Solomon Asch (1907-1996) argumentavam que o comportamento hu- mano seria mais bem compreendido em função da interação entre os indivíduos e o ambiente, ou seja, na conformação de um todo com ca- racterísticas distintas da soma das partes. Em outras palavras, se alguns autores, como Ross, Allport e McDou- gall, analisavam o comportamento com base em recompensas ou punições e viam o grupo e o contexto social como mais uma variável in- fluenciando os comportamentos, a nova perspectiva enfatizava a dinâ- mica entre elementos internos e externos ao indivíduo, entendendo o grupo social como um agente dotado de dinâmicas próprias. Em outras palavras, o funcionamento do grupo social não poderia ser reduzido ao somatório das partes, devendo ser compreendido com base em suas especificidades e características próprias. Essa perspectiva ficou conhecida como gestaltismo, uma escola do pensamento que argumentava em favor da importância de com- preender a maneira subjetiva como as pessoas percebem o mundo ao seu redor, em detrimento dos atributos físicos e tangíveis dos objetos (ARONSON; WILSON; AKERT, 2018). O psicólogo alemão Kurt Lewin imigrou para os Estados Unidos em 1933 e ficou conhecido, entre outras contribuições, pela ênfase na in- terdependência entre o indivíduo e o grupo em que está inserido, uma das bases da denominada teoria do campo. Para o autor, o campo seria o conjunto de fatos coexistentes e inter- dependentes que se sobrepunha aos indivíduos, influenciando-os. O campo permite compreender a conduta humana, enfatizando aspectos psicológicos e não físicos; o todo e não as partes; e a dimensão his- tórica e não pontual do comportamento humano (ÁLVARO; GARRIDO, 2007). Lewin argumentava que a psicologia deveria seguir o caminho das ciências naturais, como a física e a biologia, buscando formular leis gerais fundamentadas na frequência dos fenômenos. Entre seus objetos de pesquisa, Lewin se notabilizou em temas como clima de grupo, estilos de liderança, influência social e produtivi- dade de grupo. Por exemplo, o autor argumentava que o líder desem- penhava função decisiva no funcionamento do grupo, impactando a produtividade e a agressividade. Assim, três tipos de lideranças foram caracterizados e estudados pelo autor e seus colaboradores: 16 Psicologia social aplicada à segurança Liderança autoritária: o foco está na realização das tarefas, e não nas relações humanas, sendo que o chefe determina as diretrizes sem participação do grupo. Liderança delegativa: a execução das tarefas não depende de orientação, sendo que o grupo se organiza de modo natural. Liderança democrática: foca as relações interpessoais e seu papel está fundado na credibilidade que o grupo lhe atribui, sendo que a participação do grupo contribui para a tomada de decisão. Como conclusão, o autor acreditava que o estilo democrático de li- derança estava associado a processos e resultados melhores. Já o psicólogo social polonês Solomon Asch publicou trabalhos se- minais sobre a percepção social e a formação de impressões. Em um de seus experimentos sociais, Asch analisou o efeito primazia com a apresentação de duas frases para grupos distintos de estudantes uni- versitários. A primeira dizia que um indivíduo era inteligente, traba- lhador, impulsivo, crítico, teimoso e invejoso. A segunda apresentava essas características, mas na ordem inversa: iniciando por invejoso e terminando com inteligente. Como resultado, os alunos que leram a primeira frase classificaram o indivíduo descrito de modo mais positivo do que aqueles que leram a segunda frase. A explicação de Asch e seus colaboradores foi que informações apresentadas no início são mais persuasivas, ou seja, as primeiras impressões são importantes na percepção das pessoas (ASCH, 1961). Em outro experimento, Asch analisou a percepção de traços de personalidade. Foram novamente apresentadas descrições de um indivíduo a dois grupos de pessoas. O primeiro grupo recebeu uma descrição com característicascomo inteligente, habilidoso, trabalha- dor, caloroso, determinado, prático e cauteloso. O segundo recebeu a mesma descrição, mas com uma diferença: em vez de caloroso, o indivíduo foi descrito como frio. Mesmo com apenas essa diferença, os dois grupos descreveram impressões bastante distintas sobre o mesmo indivíduo. Fundamentos de psicologia social 17 Os participantes inferiram que, além de mais caloroso, o indivíduo também era mais feliz, mais generoso e mais bem-humorado do que a pessoa fria. Ou seja, com apenas uma característica diferente, outros traços de personalidade foram associados de modo diferente. Quan- do os pesquisadores modificaram outros pares de elementos dessas descrições, as alterações não foram tão pronunciadas. Para Asch e seus colaboradores, os traços caloroso e frio são considerados traços centrais de personalidade, o que significa que eles sugerem a presen- ça de outros traços de personalidade, exercendo influência sobre as impressões que formamos sobre outras pessoas (ASCH, 1961). Em conjunto, esses dois experimentos ilustram a perspectiva analí- tica de Asch. Para ele, as impressões são formadas mesmo quando as informações são escassas e a fazemos de maneira inter-relacionada. O indivíduo é percebido em uma tentativa de fazer sentido e, comu- mente, essa operação cognitiva é realizada para tornar o mundo mais previsível. Novamente, é enfatizado o grupo social como um elemento central na psicologia social, em que as impressões são formadas com base em características que constituem um todo organizado, e não apenas um somatório de partes. O autor também se notabilizou por meio de estudos de conformidade social. 1.1.3 Expansão e questionamentos (1960-1975) A importância da psicologia social consolidou-se ao longo da década de 1960. Se as fases anteriores foram marcadas respectivamente pela diferenciação da disciplina em relação às demais e por definições con- ceituais e metodológicas básicas, a partir dos anos 1960, a psicologia social vivenciou um período de expansão e questionamentos (KASSIN; FEIN; MARKUS, 2017). Com relação à expansão, os estudos passaram a ser utilizados em diferentes áreas e a se associarem a dimensões apli- cadas da vida cotidiana, como em comunicação e marketing, consumo, administração, entre outros. Uma das pesquisas mais influentes em psicologia social foi condu- zida por Stanley Milgram (1933-1984), entre 1963 e 1974. O objetivo geral era compreender os mecanismos de comportamentos relaciona- dos à obediência. O experimento foi pensado como uma tentativa de compreender a ascensão da liderança nazista na Alemanha. Apesar de complexo e com nuances metodológicas, o experimento consistia em 18 Psicologia social aplicada à segurança simular a administração de choques elétricos a outra pessoa caso ela errasse respostas a perguntas simples relacionadas à memorização. Os participantes do experimento chegavam ao laboratório da Universida- de de Yale e conheciam duas pessoas: um cientista e outro homem. O participante seria designado como professor em um estudo que seria sobre aprendizado por meio de punições. Colocado em uma sala reservada, o participante era informado que seriam aplicados choques elétricos em casos de erros e lhe era apresentada a máquina com 30 níveis que variavam de 15 volts até 450 volts por choque. O participante deveria ler questões e as opções de resposta. Em caso de erros, opções de choque deveriam ser aplicadas. Na verdade, os choques não eram aplicados de fato e o objetivo do estudo era compreender os limites e as condicionantes da obediência, mesmo quando implicasse dor. Após cada resposta errada e o choque, o participante ouvia áudios com reações do outro participante: na me- dida em que a descarga elétrica aumentava, ouviam-se gritos de dor, reclamações, pedidos para interromper o experimento, e assim por diante. No limite, acima de 330 volts, não havia mais gritos, como se o ou- tro participante não conseguisse mais responder. Muitos participantes consultavam o cientista sobre a necessidade de continuar ou se de- veriam checar se o outro participante estava bem. As respostas eram gravadas e sempre indicavam para a continuidade do estudo. Ao longo das diferentes fases do estudo, Milgram e seus colabora- dores obtiveram o resultado de que, em média, 65% dos participantes aplicaram a punição máxima de 450 volts. As interpretações a respeito do experimento são diversas e ainda ensejam discussões na literatura especializada. De modo geral, as condições desses experimentos são reveladoras sobre a obediência à autoridade. Muitos participantes se sentiram mal com a experiência, mas ainda assim continuaram cum- prindo o que era solicitado. Existem condicionantes que favorecem a obediência, como características de personalidade. Contudo, as circunstâncias contextuais, ou seja, as situações em que as pessoas se encontram desempenham um papel importante. Por exemplo, quando o experimento foi realizado fora da universidade, em um bairro comercial de Connecticut, o nível de obediência reduziu. Além disso, quando a autoridade (no caso o cientista) estava presente, A pesquisa do professor de Yale inspirou o filme O Experimento de Milgram, em que, são retratadas as diferentes fases da pesquisa, assim como as- pectos da vida do próprio Stanley Milgram. ALMEREYDA, M. EUA: Universal Studios, 2015. Filme Fundamentos de psicologia social 19 a obediência tendia a aumentar, assim como a distância em relação à vítima também afetava positivamente a obediência (MILGRAM, 1974). Uma das conclusões dos autores diz respeito à obediência diante de líderes com capacidade de persuasão, sugerindo os impactos do con- texto no comportamento das pessoas. Outro estudo bastante conhecido foi liderado em 1971 por Philip Zimbardo (1933-). Chamado de experimento da prisão de Stanford, o es- tudo reuniu 24 alunos universitários que foram voluntários a atuarem como guardas ou prisioneiros de uma prisão simulada em um labora- tório do Departamento de Psicologia da Universidade de Stanford. O objetivo do experimento era investigar as implicações de papéis sociais no comportamento humano. Er ic E . C as tro /W ik im ed ia C om m on s Placa fixada no local onde foi realizado o famoso experimento de Stanford, no qual alguns estudantes foram designados para interpretar o papel de guardas e outros ficaram com o papel de prisioneiros. Após algum tempo, eles acabaram estabelecendo rotinas cruéis e degradantes, gerando rebeliões e apatia. A metade dos alunos foi sorteada para serem os guardas, tendo recebido equipamentos como apitos e cassetetes. A outra metade dos alunos foi colocada em celas e receberam trajes semelhantes a roupas de hospitais. Os guardas receberam orientações para manter a ordem e as regras, enquanto os prisioneiros foram colocados em situações de submissão. Com o passar do tempo, os guardas passaram a sub- meter os prisioneiros a rotinas degradantes, inclusive com traços de crueldade. Por sua vez, os prisioneiros apresentaram reações diversas, sendo alguns apáticos, outros rebeldes e a maioria submissa. Percebia-se uma crescente confusão entre o papel desempenhado e a própria identidade, chegando a limites que fizeram com que o estudo fosse interrompido após duas semanas de duração. Nas décadas de 1960 e 1970, houve questionamentos quanto aos métodos utilizados na psicologia social. O crescente emprego de expe- rimentos simulados em laboratórios passou a ser criticado por alguns pesquisadores. As críticas diziam respeito às limitações de reprodução Na obra O efeito Lúcifer: como pessoas boas se tornam más, Philip Zimbardo detalha o famoso experimento de Stanford. No livro, o autor apresenta a preparação, o desenvolvimento e as análises conduzidas após o estudo. Além do livro, o experimento foi adaptado para o cinema pelo dire- tor Kyle Patrick Alvarez, em 2015. ZIMBARDO, P. 4 ed. Rio de Janeiro: Record, 2012. Livro20 Psicologia social aplicada à segurança das condições sociais em ambientes controlados, como os laborató- rios. Em última medida, argumentava-se que as conclusões poderiam ser comprometidas pelo design do estudo e não revelar aspectos dos fenômenos estudados. Além disso, os limites éticos dos estudos foram problematizados. Por exemplo, o experimento de Milgram suscitou discussões sobre a potencial exposição dos participantes a danos psicológicos. Em geral, os questionamentos revelavam o próprio desenvolvimento do campo de estudo, em que a diversidade de fenômenos estudados, as aborda- gens analíticas e o aumento do interesse favoreciam posicionamentos mais críticos. Entretanto, os questionamentos foram superados por meio de um direcionamento crescente da atenção dos pesquisadores a problemas concretos da sociedade. Por exemplo, como destacam Hewstone, Stroebe e Jonas (2016), a psicologia da saúde é um desdobramento da psicologia social. Entre as suas contribuições, como ilustração, está a busca em compreender as motivações de comportamentos relacionados à saúde (fumar, comer ou beber em demasia etc.) e no desenvolvimento de intervenções para modificá-los. 1.1.4 Era de pluralismos (1975-anos 2000) O período seguinte está relacionado a avanços metodológicos e éticos e à inclusão de novos objetos e perspectivas. Inicialmente, os avanços metodológicos e éticos dizem respeito a modificações nas es- tratégias de pesquisa. Como veremos nas seções seguintes, os méto- dos de pesquisa em psicologia social envolvem riscos aos envolvidos. O aperfeiçoamento dos limites de procedimentos busca garantir a segurança física e psicológica, sem comprometer o rigor científico. Como argumentam Hewstone, Stroebe e Jonas (2016), os laboratórios continuaram a ser utilizados, mas outras técnicas foram incorporadas, em especial aquelas que se beneficiam de recursos tecnológicos e in- formacionais na condução de experimentos sociais. Com relação aos novos objetos e perspectivas analíticas, dois aspec- tos são importantes. Primeiro, a psicologia social passou a ser compar- tilhada por pesquisadores de diferentes partes do mundo. A influência de aspectos culturais na produção científica sociopsicológica pode ser Fundamentos de psicologia social 21 percebida pela diversidade de fenômenos estudados em contextos di- ferentes. Na América Latina, por exemplo, a psicologia social foi forte- mente influenciada pela escola estadunidense até a década de 1970 (FERREIRA, 2011). No período seguinte, a produção local passou a ser orientada para as questões políticas e sociais do continente, que passava pelos pe- ríodos dos regimes militares. Essa contextualização da produção aca- dêmica repercutiu, no caso latino-americano, em uma escola própria, denominada psicologia social crítica (ÁLVARO; GARRIDO, 2007), que pri- vilegiava técnicas como a análise do discurso. Em segundo lugar, as diferentes tendências na psicologia social con- vivem em um campo também cada vez mais diverso. Nesse sentido, o surgimento de novos objetos e abordagens acompanha o desenvolvi- mento social de uma maneira mais geral. Por exemplo, os avanços em pesquisas biológicas têm revelado o potencial do campo de estudos que investiga os impactos dos genes nos comportamentos (KASSIN; FEIN; MARKUS, 2017). Diferentes abordagens analisam, de maneira multidisciplinar, possí- veis efeitos de características biológicas sobre identidades, por exem- plo. Por outro lado, os avanços nas tecnologias de comunicação têm possibilitado a análise de fenômenos sob uma perspectiva cultural. Grosso modo, quando nos referimos à cultura, estamos falando de sig- nificados, valores, práticas, tradições e hábitos que são compartilhados por determinado grupo de pessoas e transmitidos ao longo do tem- po. Os fenômenos sociais são influenciados por elementos culturais, ou seja, as maneiras como nos portamos, reagimos e pensamos indivi- dualmente estão relacionadas aos grupos em que nos inserimos. Muitos psicólogos sociais têm se dedicado a entender as diferenças nos comportamentos com base na perspectiva cultural, privilegiando aspectos do contexto social e histórico. Assim, as teorias podem ser testadas em contextos sociais diferentes daqueles em que foram de- senvolvidas. A possibilidade de generalização dessas teorias é colocada à prova, possibilitando o seu aperfeiçoamento e sua modificação. Além disso, não são apenas as fronteiras de países que estão sendo transpostas. As fronteiras de disciplinas também estão sendo testadas por meio de abordagens multidisciplinares, que envolvem elementos 22 Psicologia social aplicada à segurança de diferentes perspectivas científicas. Por exemplo, os estudos sobre comportamentos econômicos ou políticos incorporam pressupostos de áreas distintas (como a psicologia social, a economia e a política) para compreender fenômenos estudados de modo isolado anterior- mente. Existem estudos que analisam a tomada de decisão em ques- tões econômicas com base em conceitos da psicologia social, chegando a resultados que questionam os estudos anteriores (KASSIN; FEIN; MARKUS, 2017). Outro exemplo é a neurociência social, ou seja, o estudo dos aspectos neurológicos de fenômenos sociopsicológicos. Utilizando técnicas que permitem o estudo do funcionamento do cérebro por meio de imagens, essa área de estudo analisa o comportamento neurológico enquanto os indivíduos processam informações sociais (RAINE, 2015). 1.2 Definições e conceitos Vídeo A psicologia social é uma fascinante área de estudos. Os seus princi- pais conceitos e definições estão relacionados à diversidade dos fenô- menos estudados. As possibilidades de análises sobre como os nossos comportamentos são influenciados por outras pessoas ou pelo con- texto em que nos inserimos são inúmeras. As aplicações desse conhe- cimento à área de segurança são igualmente profícuas e extensas. Em um esforço de situarmos as bases para as discussões futuras, imagine algumas situações, que para muitos são corriqueiras: 1 Logo cedo, José e Capitu acordam e vão juntos comprar o café da manhã. Chegando à padaria, o casal reconhece o seu vizinho Antônio e se aproxima para cumprimentá-lo. Enquanto conversavam, uma mulher jovem se aproximou de Antônio e disse estar pronta para irem embora. Ao se despedirem, Capitu e José comentaram que o vizinho não estava usando a aliança de seu casamento com Ísis, colega de infância de Capitu. No caminho para casa, o assunto no carro foi a possível separação de Antônio e Ísis. Ge or ge R ud y/ Sh ut te rs to ck Conhecer as principais definições sobre psico- logia social, destacando aspectos centrais em sua diferenciação com outras áreas de estudo. Objetivo de aprendizagem Fundamentos de psicologia social 23 2 Carlos tinha 15 anos quando se matriculou na academia de musculação próxima à sua casa com um grupo de colegas da escola. Apesar de não gostar de se exercitar, ele dizia que ganhar massa muscular facilitaria sua vida na escola. Sua mãe insistia para que ele se dedi- casse aos estudos e para a prova do vestibu- lar que se aproximava. Contudo, ele parecia ter outros interesses que incluíam assistir a vídeos e ler fanfics na internet. Le st er ta ir/ Sh ut te rs to ck Essas situações não são reais. Mesmo assim, elas retratam intera- ções comuns no cotidiano de algumas pessoas e ilustram, entre tantos outros, fenômenos estudados pela psicologia social. Uma das defini- ções mais conhecidas argumenta que a psicologia social compreende o “estudo científico de como as pessoas pensam, influenciam e se relacio- nam umas com as outras” (MYERS, 2014, p. 28). Diferentes aspectos das situações citadas ilustram os interesses analíticos da psicologia social. Por exemplo, José e Capitu pensaram que Antônio estava em outro relacionamento ao vê-lo sem aliança e com outra mulher. É possível que essa situação os tenha levado a pensar sobre o seu próprio rela- cionamento. Talvez tenham sesentido mal pelo término da relação do casal de amigos. A decisão de Carlos em se matricular na academia foi influenciada pelo convívio na escola. Sabemos como a vida no ensino médio pode ser difícil e as relações entre adolescentes são vivenciadas e sentidas de maneira muito intensa. O argumento de facilitar a sua vida na escola pode estar associado à intenção de se encaixar em um padrão estético, ou seja, uma pressão para se conformar àquela realidade mediante a influência dos demais. Muitas outras interpretações poderiam ser feitas com base nessas situações. Pode ser que a jovem que se aproximou de Antônio seja uma sobrinha e que sua aliança tenha sido levada para polir, assim como o comportamento de Carlos pode ter sido motivado pelo interesse em melhorar suas notas de Educação Física ou mesmo sua disposição para estudar. Enfim, existem diversas abordagens para interpretar as situa- ções que vivenciamos cotidianamente. Esse tipo de análise pode ser conduzido em quase todas essas situações. 24 Psicologia social aplicada à segurança Os processos associados a como pensamos (percepções, atitudes, julgamentos, crenças), a como nos relacionamos (preconceito, agres- são, atração, ajuda) e a como influenciamos uns aos outros (cultura, persuasão, conformidade) são objetos comuns da análise científica conduzida sob as lentes da psicologia social (MYERS, 2014), conforme mostra a figura a seguir. Figura 2 Áreas de estudo da psicologia social Fonte: Adaptada de Heinzen; Goodfriend, 2018. Pensamento social Comportamento social Influência social Dimensões aplicadas de estudo Outro conceito notabilizado sobre a psicologia social foi apresen- tado por Gordon Allport (1897-1967), em 1954. Para o autor estadu- nidense, a psicologia social é “o estudo científico da forma como os pensamentos, sentimentos e comportamentos das pessoas são in- fluenciados pela presença real, imaginada ou assumida de outras pes- soas” (ALLPORT, 1985 apud ARONSON; WILSON; AKERT, 2018, p. 23). Em outras palavras, o autor destaca como o interesse analítico sobre como o comportamento individual é influenciado pelo ambiente social em que se insere. A utilização dos termos pensamentos, sentimentos e comportamentos não é casual, diz respeito à aplicação do método científico na análise de características observáveis empiricamente. Não apenas a observação sistemática, mas a descrição e a mensuração das formas como pensa- mos, sentimos e agimos em diferentes contextos sociais caracterizam a abordagem científica da psicologia social. Em um breve exercício, imagine como você agiria em uma situação qualquer se estivesse sozinho, se houvesse outras pessoas no mesmo ambiente ou, ainda, se essas pessoas fossem seus amigos. Suas rea- ções seriam diferentes? Comparando os três cenários, você deve ter Na obra O que é psicologia social, a professora da PUC-SP, Silvia Lane, apre- senta de maneira didática e objetiva os conceitos mais importantes da psicologia social. A obra introdutória articula noções caras a esse campo do conhecimento, como identidade social, consciência, grupo social e linguagem, por meio de exemplos que ilustram sua extensão analítica. A autora é uma referência obrigatória nas disciplinas que tratam de psicologia social, sendo conhecida por sua contribuição para a dimensão aplicada da disciplina. LANE, S. T. M. 22. ed. São Paulo: Brasiliense, 2017. Livro Fundamentos de psicologia social 25 percebido como as pessoas exercem influência sobre como pensamos, sentimos e nos comportamos. Além disso, a definição de Allport salien- ta que a influência social ocorre mesmo quando outras pessoas não estão fisicamente presentes, ou seja, mesmo sozinhos os indivíduos são influenciados, por exemplo, por normas culturais internalizadas. Já para Lane, no clássico livro de 1981 (O que é psicologia social), a psicologia social “estuda a relação essencial entre o indivíduo e a so- ciedade, esta entendida historicamente, desde como seus membros se organizam para garantir sua sobrevivência até seus costumes, valores e instituições” (2017, p. 10). A definição da autora enfatiza a dimensão sócio-histórica da relação entre o indivíduo e a sociedade, com profun- das implicações sobre os mecanismos de influência social. Para Lane, a dimensão aplicada da produção científica possibilita relações mútuas entre os indivíduos e o contexto como agentes de transformação social ou, em suas palavras, como “agentes da história” (LANE, 2017, p. 10). Em conjunto, essas definições enfatizam características como: utilização do método científico para o estudo de processos cognitivos relacionados ao pensamento social, à influência social e às relações sociais; relevância do papel das normas culturais na influência social; ênfase nas formas como o comportamento individual é influenciado pelo ambiente social em que se insere; dimensão aplicada da produção científica na compreensão do indivíduo como agente da história. Assim, as áreas de estudo da psicologia social podem ser reunidas em três principais grupos: pensamento social, influência social e relações sociais. Em seguida, veremos como a psicologia social se relaciona com o senso comum e outras disciplinas. 1.2.1 Psicologia social e senso comum O senso comum é uma espécie de conhecimento que se fundamen- ta na experiência prática transmitida em diferentes formas de socia- lização. São conhecimentos orientados para atividades práticas, logo, dirigidos a ações. O senso comum é tipicamente um raciocínio popular, dirigido a fazer sentido no cotidiano das pessoas. Por vezes, é associa- do à intuição das pessoas, por exemplo, quando falamos que comer manga com leite faz mal ou que deixar um sapato com a sola virada para cima traz azar ou, ainda, que andar descalço durante o frio faz mal à saúde. São expressões típicas do senso comum e que, caso sejam submetidas à análise científica, podem inclusive estar corretas. Não pa- rece ser o caso de nenhum desses exemplos. No caso da psicologia social, não é diferente. Os fenômenos estu- dados estão à nossa volta e compõem a rotina das pessoas. Por vezes, os resultados de pesquisas complexas serão coincidentes com os co- nhecimentos populares. Em muitos outros casos, os resultados serão distintos. Nem toda descoberta científica será revolucionária, muitas de fato não são. O que de modo algum implica menor validade do co- nhecimento científico. De antemão, não são os resultados em si que distinguem o senso comum e o pensamento científico, mas o caminho percorrido para alcançá-los e as formas de interpretá-los. A respeito dos caminhos, a utilização do método sistemático, com controle de variáveis, replicável e falseável é um ponto importante de distinção. Já as formas de interpretar os fenômenos mobilizam outros as- pectos, cujos mecanismos são estudados, inclusive, pela própria psi- cologia social. A noção de viés de retrospectiva diz respeito aos erros ao julgar a previsibilidade do futuro com base nos conhecimentos prévios (MYERS, 2014). Assim, por exemplo, é comum que quando ocorre um evento inesperado busquemos explicações com base em nossas próprias ex- Kumpanat Phewphong/Shutterstock 2626 Psicologia social aplicada à segurança Psicologia social aplicada à segurança INTUIÇÃOLÓGICA Fundamentos de psicologia social 27 periências. São mecanismos para tornar organizado o mundo ao nosso redor, facilitando a sua compreensão. Normalmente, o viés de retrospectiva é generalizado, ou seja, ocorre com todas as pessoas em diferentes momentos. Myers (2014, p. 36) propõe o seguinte exercício para demonstrar esse conceito: componha dois grupos de pessoas, podem ser amigos, colegas, parentes. Depois, informe dois resultados contraditórios de pesquisas psicológicas para cada grupo. Ao primeiro, diga que: Psicólogos sociais descobriram que somos atraídos por pessoas cujas características sejam diferentes das nossas. Isso vale quando escolhemosamigos ou nos apaixonamos. Para o segundo grupo, diga que: Psicólogos sociais descobriram que somos atraídos por pessoas cujas ca- racterísticas sejam semelhantes às nossas. Isso vale quando escolhemos amigos ou nos apaixonamos. Em seguida, pergunte o que as pessoas acharam desses resultados. Questione, ainda, se acharam o resultado surpreendente ou não. Mui- to provavelmente, as pessoas encontrarão boas razões, alguns até com exemplos pessoais ou que ouviram falar, para justificar as máximas: os opostos se atraem, do primeiro caso, ou diga-me com quem andas e direi quem tu és, do segundo caso. Esse é um exercício simples, porém revelador de como buscamos fazer sentido o mundo ao nosso redor. O conhecimento popular está pronto ao nosso alcance e é comumente utilizado. No entanto, ele ocorre após o fato, ou seja, não oferece condições de predição do que ocorrerá no futuro e isso a pesquisa científica busca oferecer. Não há nada de errado com a utilização do senso comum, muito pelo contrá- rio, fazemos isso o tempo todo. Contudo, a pesquisa científica é um poderoso recurso para nos auxi- liar cotidianamente, inclusive avaliando se a sabedoria popular é válida ou não. De outra forma, o senso comum é uma espécie de engenheiro de obra pronta ou apenas o “eu já sabia” do nosso exemplo anterior, com limitadas possibilidades de predição dos fenômenos futuros e de suas circunstâncias. para cima traz azar ou, ainda, que andar descalço durante o frio faz mal à saúde. São expressões típicas do senso comum e que, caso sejam submetidas à análise científica, podem inclusive estar corretas. Não pa- rece ser o caso de nenhum desses exemplos. No caso da psicologia social, não é diferente. Os fenômenos estu- dados estão à nossa volta e compõem a rotina das pessoas. Por vezes, os resultados de pesquisas complexas serão coincidentes com os co- nhecimentos populares. Em muitos outros casos, os resultados serão distintos. Nem toda descoberta científica será revolucionária, muitas de fato não são. O que de modo algum implica menor validade do co- nhecimento científico. De antemão, não são os resultados em si que distinguem o senso comum e o pensamento científico, mas o caminho percorrido para alcançá-los e as formas de interpretá-los. A respeito dos caminhos, a utilização do método sistemático, com controle de variáveis, replicável e falseável é um ponto importante de distinção. Já as formas de interpretar os fenômenos mobilizam outros as- pectos, cujos mecanismos são estudados, inclusive, pela própria psi- cologia social. A noção de viés de retrospectiva diz respeito aos erros ao julgar a previsibilidade do futuro com base nos conhecimentos prévios (MYERS, 2014). Assim, por exemplo, é comum que quando ocorre um evento inesperado busquemos explicações com base em nossas próprias ex- Kumpanat Phewphong/Shutterstock 2626 Psicologia social aplicada à segurança Psicologia social aplicada à segurança INTUIÇÃOLÓGICA 28 Psicologia social aplicada à segurança 1.2.2 Interseções analíticas A psicologia social é uma área ainda pouco conhecida da psicologia pela maioria das pessoas. Não raro, os psicólogos sociais são associa- dos às atividades típicas dos psicólogos clínicos, por exemplo. Antes de iniciar a leitura deste capítulo, qual foi a sua primeira impressão sobre o que iria encontrar? Ao comentar com colegas ou familiares que está estudando sobre psicologia social, quais foram as reações deles? Não seria surpreendente se alguém lhe pedisse ajuda para analisar alguém ou alguma situação. Talvez você também esperasse encontrar elementos típicos da psicologia clínica. Em comum, essas impressões estão relacionadas à forma como o senso comum associa a psicologia ao tratamento de desordens ou transtornos sob o ponto de vista clí- nico. Entretanto, a psicologia é muito ampla e diversa, com interesses e metodologias distintas entre suas áreas de especialização, como a psicologia social. Por exemplo, enquanto a psicologia clínica enfatiza a compreensão e o tratamento de condições comportamentais, como os transtornos, a psicologia social analisa as formas mais comuns que as pessoas uti- lizam para pensar, sentir, relacionar-se e influenciar-se mutuamente (ARONSON; WILSON; AKERT, 2018). Na análise da personalidade, os psi- cólogos clínicos enfatizam as diferenças entre os indivíduos, enquanto os psicólogos sociais se dedicam a compreender como fatores e ele- mentos sociais impactam os indivíduos apesar de seus traços de per- sonalidade. De toda forma, é comum que as explicações entre as áreas da psicologia colaborem entre si. A psicologia social está inserida no contexto da psicologia. Como tal, compartilha conceitos, objetos, preocupações e perspectivas com outras áreas da psicologia. A psicologia clínica dedica-se, por exemplo, ao cuidado e ao tratamento de pessoas com pensamentos ou compor- tamentos que possam comprometer a sua saúde. O psicólogo social, por sua vez, ocupa-se com a dimensão relacional e típica de comporta- mentos, pensamentos e sentimentos. De modo geral, a psicologia social aproxima os interesses da psi- cologia, com foco no comportamento individual e seus processos, àqueles da sociologia, com foco nas estruturas sociais e nos processos coletivos. A psicologia social enfatiza a natureza social dos indivíduos. Fundamentos de psicologia social 29 Esse enfoque propicia intersecções com outras áreas de estudo, como a sociologia. São muitos os interesses comuns entre a sociologia e a psicologia social, não sendo raras trajetórias de pesquisadores com in- fluências de ambas as áreas. Contudo, são abordagens distintas, com características e interesses próprios. De maneira geral, a sociologia tende a privilegiar a análise de cate- gorias como classe, instituições e estrutura sobre fenômenos sociais. Naturalmente, o indivíduo faz parte do conjunto analítico mobilizado por sociólogos, mas, diferentemente da psicologia social, as explica- ções consideram aspectos relacionados à estrutura social, ao grupo, às instituições ou até mesmo à sociedade de modo geral. Com isso, as unidades de análise da explicação sociológica tendem a incluir grupos, bairros, vizinhanças, cidades etc., enfatizando carac- terísticas sociais e demográficas, como gênero, classe social, faixa etá- ria, raça, entre outras. Já a psicologia social analisa características dos indivíduos, utilizando categorias como atitudes, percepções, valores e motivação. Nesse caso, a unidade de análise é o indivíduo em um dado contexto social, tendo como objetivo identificar características indivi- duais que estejam relacionadas com a influência social. Essa distinção pode ser mais bem explorada por meio da análise da violência. Na qualidade de fenômeno, a violência pode ser descri- ta por diferentes variáveis, por exemplo, a incidência de homicídios. Sociólogos e psicólogos sociais, ao analisarem aspectos relacionados à violência, enfatizam aspectos distintos do mesmo fenômeno e, por vezes, oferecem explicações complementares. Assim, é comum que psicólogos sociais busquem compreender as causas de comportamen- tos agressivos ou preconceituosos que podem resultar em homicídios, por exemplo. Para tanto, são mobilizados conceitos como aprendizado, reforço, frustração, autocontrole, entre outros. Já os sociólogos tendem a ana- lisar características sociais que possam influenciar a incidência criminal, como condições de renda, faixa etária, raça, até infraestrutura urbana e tendências demográficas. Com isso, até mesmo as perguntas de pesqui- sa comumente são diferentes nesses casos: enquanto o sociólogo ques- tionaria “como as características das vizinhanças impactam a incidência criminal?”, o psicólogo social estaria interessado em questionar: “como processos de aprendizagem influenciam comportamentos agressivos?”. 1.3 Métodos de pesquisa Vídeo As relações entre o indivíduo e a sociedade são complexas. Por um lado, os indivíduos exercem influência entre si, impactandopessoas próximas, como amigos e familiares, e até desconhecidos. As dinâmicas de comunicação no meio digital têm agregado novas condicionantes e modificado o alcance dessas influências. Por outro lado, os indivíduos são influenciados pelos demais, refletindo nos comportamentos, sen- timentos e atitudes. Em ambos os sentidos, a psicologia social busca analisar diferentes objetos com base em diversos métodos e técnicas de pesquisa. Os métodos de pesquisa em psicologia social são variados e, comu- mente, são utilizados de modo complementar em uma mesma pes- quisa. Essa é a noção de abordagem multimétodos, segundo a qual são reconhecidas as vantagens e as desvantagens de abordagens iso- ladamente, o que é mitigado com a utilização de mais de um método para estudar o mesmo fenômeno (GÜNTHER, 2011). Em última medi- da, particularmente nas ciências sociais, as incertezas são muitas e a abordagem multimétodos melhora a qualidade dos resultados. A esse respeito, Sommer e Sommer (2002) sugerem a seguinte distinção entre os métodos de pesquisa em ciências sociais: Apresentar os principais métodos utilizados em pesquisas no campo de psicologia social. Objetivo de aprendizagem PESQ UISA Base d e dado s Anális e teste Ra wp ix el .c om /S hu tte rs to ck 3030 Psicologia social aplicada à segurança Psicologia social aplicada à segurança Fundamentos de psicologia social 31 1.3 Métodos de pesquisa Vídeo As relações entre o indivíduo e a sociedade são complexas. Por um lado, os indivíduos exercem influência entre si, impactando pessoas próximas, como amigos e familiares, e até desconhecidos. As dinâmicas de comunicação no meio digital têm agregado novas condicionantes e modificado o alcance dessas influências. Por outro lado, os indivíduos são influenciados pelos demais, refletindo nos comportamentos, sen- timentos e atitudes. Em ambos os sentidos, a psicologia social busca analisar diferentes objetos com base em diversos métodos e técnicas de pesquisa. Os métodos de pesquisa em psicologia social são variados e, comu- mente, são utilizados de modo complementar em uma mesma pes- quisa. Essa é a noção de abordagem multimétodos, segundo a qual são reconhecidas as vantagens e as desvantagens de abordagens iso- ladamente, o que é mitigado com a utilização de mais de um método para estudar o mesmo fenômeno (GÜNTHER, 2011). Em última medi- da, particularmente nas ciências sociais, as incertezas são muitas e a abordagem multimétodos melhora a qualidade dos resultados. A esse respeito, Sommer e Sommer (2002) sugerem a seguinte distinção entre os métodos de pesquisa em ciências sociais: Apresentar os principais métodos utilizados em pesquisas no campo de psicologia social. Objetivo de aprendizagem PESQ UISA Base d e dado s Anális e teste Ra wp ix el .c om /S hu tte rs to ck 3030 Psicologia social aplicada à segurança Psicologia social aplicada à segurança Quadro 1 Exemplos de pesquisa social Tema Abordagem Técnicas de pesquisa Comportamento em ambiente público Observar os indivíduos Observação direta Comportamento em ambiente privado Registrar eventos em um diário Documentos Pensamentos, ideias, convicções Perguntar aos indivíduos Entrevistas, questionários Traços de personalidade ou habilidades mentais Utilizar testes padronizados Testes psicológicos Padrões (materiais escritos ou visuais) Tabular as respostas a testes Análise de conteúdo Experiências anteriores Avaliar documentos Pesquisa documental Fonte: Sommer; Sommer, 2002, p. 6 apud Gunther, 2011, p. 57. Entre as diferentes abordagens, destacaremos as perspectivas ob- servacional, correlacional e experimental (ARONSON; WILSON; AKERT, 2018). Vejamos mais sobre cada uma delas. 1.3.1 Perspectiva observacional A perspectiva observacional privilegia a descrição do comportamen- to humano por meio da observação dos indivíduos e do registro de características que permitam distinguir padrões e diferenças. Essa es- tratégia pode assumir diferentes formas e ser realizada por meio de técnicas que dependem das circunstâncias e das características da pes- quisa e de seus objetivos, bem como dos fenômenos observados. Um exemplo é quando um pesquisador acompanha a rotina de alu- nos em uma sala de aula para compreender comportamentos altruís- tas entre eles. Essa é uma situação em que a observação dos diferentes aspectos dos alunos, naquele contexto, permite compreender elemen- tos que dificilmente seriam perceptíveis por meio de questionários. A observação comumente não requer equipamentos tecnológicos, mas demanda tempo para sua realização. Por vezes, os pesquisadores permanecem dias, semanas e até meses observando seus sujeitos de pesquisa. Entre os procedimentos adotados pelos pesquisadores, es- tão o registro em cadernos de campo ou em gravações de áudio dos aspectos observados, além da categorização em termos de frequência, intensidade, características e outros elementos importantes do contex- to observado (LAVILLE; DIONNE, 1999). Outra técnica de pesquisa observacional são as entrevistas quali- tativas. De modo semelhante a outras áreas do conhecimento, as en- Victor FlowerFly/Shutterstock 3232 Psicologia social aplicada à segurança Psicologia social aplicada à segurança trevistas são técnicas de pesquisa que permitem o contato direto do pesquisador com os seus interlocutores. Normalmente, os pesquisa- dores apresentam os objetivos das entrevistas, informam sobre as con- dições de confidencialidade e, caso desejem gravar a conversa, pedem o consentimento do entrevistado. As entrevistas geralmente são orga- nizadas por meio de roteiros semiestruturados ou estruturados que contemplam os principais aspectos da interação. Espera-se que nas en- trevistas o indivíduo tenha oportunidade de apresentar o seu ponto de vista a respeito dos temas, cabendo ao pesquisador explorar aspectos que lhe sejam interessantes. Por fim, destacamos a análise de conteúdo. Nesse caso, o pesqui- sador busca descrever e sistematizar o conteúdo da comunicação, seja ela por escrita, verbal ou por imagens (GÜNTHER, 2011). Os procedi- mentos da análise de conteúdo envolvem a análise de textos, trans- crições de entrevistas ou imagens a respeito do fenômeno estudado. Por exemplo, a análise de posts em redes sociais pode revelar aspectos sobre comportamentos antissociais. Nesse caso, os objetos analisados seriam tanto os textos quanto os vídeos e as fotos postadas. Entre os diferentes procedimentos analíticos, existem softwares que auxiliam os pesquisadores na análise de conteúdo e nas entrevistas, como o NVivo, o AtlasTI e o MAXqda. 1.3.2 Perspectiva correlacional A perspectiva correlacional busca predizer o comportamento so- cial por meio da análise das relações entre variáveis. Para tanto, essas Fundamentos de psicologia social 33 variáveis são exaustivamente observadas, medidas e analisadas. Com isso, passa a ser possível predizer uma variável com base em outra. Por exemplo: qual é a relação entre o acesso a filmes violentos com a agressividade? Existe uma relação entre ser vítima de violências sexuais quando criança e cometer essas violências quando adulto? Para res- ponder a essas questões, a perspectiva correlacional pode ser utilizada. As pesquisas correlacionais não oferecem conclusões sobre causa e efeito, ou seja, não permitem afirmar que a variável A é a causa da variável B. De outra forma, esse tipo de pesquisa não permite concluir que a mudança em uma variável altere outra variável (MYERS, 2014). Com relação ao exemplo anterior, esse tipo de pesquisa permite prever a probabilidade de que o acesso a filmes com conteúdo violen- to influencie comportamentos agressivos. Por outro lado, não permite dizer se a mudança de uma variável (assistir a filmes violentos) causará alterações em outras (comportamentos agressivos). Essa probabilida- de é expressa por meio de um coeficiente de correlação (conhecido como r), que quantifica o grau de relacionamento entre dois fatores. Essecoeficiente varia entre -1 e +1, assim como afirmamos que dois fatores têm coeficiente de correlação de -0.5, isso quer dizer que a rela- ção é negativa entre eles. Isso significa que o aumento do valor de uma variável está associado à redução do valor de outra. As pesquisas correlacionais normalmente utilizam os dados coleta- dos em surveys ou questionários. Esses instrumentos são aplicados em amostras representativas e aleatórias 1 da população, consistindo em perguntas sobre atitudes ou comportamentos (ARONSON; WILSON; AKERT, 2018). Uma das vantagens dos surveys é a possibilidade de ana- lisar variáveis que dificilmente seriam observadas em outros contextos, por exemplo, sexo, etnia e status social. 1.3.3 Perspectiva experimental A perspectiva experimental reúne estratégias de pesquisa que per- mitem estabelecer relações de causa e efeito. A observação dos fe- nômenos e a constatação de correlações não permitem discernir os mecanismos de causa e efeito entre as diferentes variáveis. Para tanto, os psicólogos sociais simulam em laboratório situações que permitem observar aspectos dos fenômenos estudados. A simulação de situa- ções sociais consiste na reprodução de condicionantes importantes de nossas vidas. Amostras aleatórias são amostras em que todos aqueles que integram a população estudada pos- suem as mesmas chances de serem selecionados. 1 34 Psicologia social aplicada à segurança Grosso modo, são importantes os seguintes conceitos: variáveis in- dependentes, variáveis dependentes e designação aleatória. As variá- veis sobre as quais o pesquisador tem controle no experimento são denominadas independentes. A variável que expressa o fenômeno es- tudado é a variável dependente. Já a designação aleatória é a condi- ção segundo a qual os sujeitos de pesquisa apresentam as mesmas condições de serem selecionados para integrarem os grupos de con- trole (aquele que não sofrerá efeitos de alteração das variáveis) e ex- perimental (aquele que será submetido a variações). Vamos utilizar um exemplo para ilustrar a perspectiva experimental e seus conceitos. Imaginemos que estamos estudando os efeitos de assistir a progra- mas violentos com comportamentos agressivos. Será que as crianças aprendem e repetem os comportamentos a que assistem na televisão? Para tanto, pesquisadores conduziram um experimento em que crian- ças do ensino fundamental eram aleatoriamente divididas em dois grupos: controle e tratamento. Para o primeiro grupo, foram exibidos episódios sem violência e para o segundo, episódios com violência. Logo após o episódio, as crianças foram observadas e aquelas que viram o episódio violento cometeram sete vezes mais atos agressivos por intervalos de dois minutos do que aquelas que não viram o mes- mo conteúdo. Em conjunto, esses experimentos indicam que assistir a programas violentos pode ser uma causa do comportamento agressivo observado naquelas crianças (BOYATZIS et al., 1995 apud MYERS, 2014). Com base nesse exemplo, identificamos que a variável dependente é o comportamento agressivo das crianças. A variável independente é a exposição ou não a episódios violentos. O grupo de controle assistiu aos episódios sem violência e o grupo experimental, com violência. É importante destacar que os alunos foram designados de maneira alea- tória para cada um dos grupos. Alguns aspectos são importantes na perspectiva experimental. Primei- ro, o design de pesquisa parece ser relativamente simples, mas na prática não é. As medidas que o pesquisador deve adotar para garantir as condi- ções do experimento são, por vezes, difíceis de serem alcançadas, exigin- do a repetição de várias etapas do experimento. Segundo, a designação aleatória ou randomizada é central para a perspectiva experimental. Ao garantir que os participantes apresentam as mesmas chances de serem designados para qualquer grupo do experimento, o pesquisador Fundamentos de psicologia social 35 pode assumir com alguma certeza que as diferenças nas características dos participantes (condições socioeconômicas, atitudes, personalida- de) são distribuídas igualmente entre os grupos analisados. Com isso, as diferenças nas variáveis de interesse podem ser atribuídas às modi- ficações promovidas pelo próprio pesquisador. Por fim, as condições éticas de realização de experimentos nem sempre são inofensivas para os participantes. Os cuidados na realiza- ção de pesquisas com seres humanos exigem medidas, como a sub- missão dos projetos de pesquisa aos comitês de ética em pesquisa, órgãos com responsabilidade sobre a avaliação e a autorização de pes- quisas em alguns contextos. Em suma, não existe uma estratégia essencialmente melhor do que a outra. Todas apresentam pontos positivos e negativos. A adequação de cada estratégia está relacionada aos objetivos de pesquisa e às con- dicionantes para sua realização. Assim, a escolha do pesquisador de- pende do caso concreto. CONSIDERAÇÕES FINAIS A psicologia social oferece abordagens muito particulares sobre a vida em sociedade. São lentes que permitem compreender as relações sociais de maneiras diferentes. Os conceitos e as definições propostas por psicó- logos sociais são instrumentos para lidar com a complexidade da vida em sociedade. Desde comportamentos agressivos até relações de afeto, os objetos de estudo da psicologia social são diversos. As conclusões de estudos nessa área têm sido utilizadas como subsí- dios para a melhoria da qualidade de vida das pessoas. Essa é uma das características do desenvolvimento dessa área de estudos: sua dimensão aplicada. Suas implicações em áreas como a segurança vão desde a com- preensão de comportamentos agressivos e criminosos até estratégias de prevenção criminal. ATIVIDADES Atividade 1 Explique a influência da Segunda Guerra Mundial no desenvolvimen- to dos estudos em psicologia social. 36 Psicologia social aplicada à segurança Atividade 2 Defina a psicologia social (segundo David Myers) e apresente as princi- pais características do campo de estudos. Atividade 3 Enumere e caracterize as três perspectivas analíticas da psicologia social. 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The American Journal of Psychology, v. 9, n. 4, p. 507–533, 1898. Personalidade, agressões e violências 37 2 Personalidade, agressões e violências Os fenômenos relacionados à agressividade são estudados por pes- quisadores em diferentes áreas do conhecimento, como a psicologia, a sociologia, a ciência política, a filosofia, entre outras. Na psicologia social, o conhecimento acumulado ao longo do tempo permite compreender me- lhor a agressividade e suas motivações. Neste capítulo, analisaremos os diferentes tipos de comportamentos agressivos e discutiremos, à luz da psicologia social, as motivações mais frequentes para agressões e violências. Além disso, apresentaremos as re- lações entre a violência e a mídia, salientando suas principais implicações. 2.1 Agressões e violência: definições e conceitos Vídeo Para iniciarmos nossos estudos sobre agressões e violência, leia a seguinte notícia: Apresentar as definições e os conceitos relacionados a agressões e a violências, diferenciando as suas principais características. Objetivos de aprendizagem No dia 9 de junho de 2021, Lázaro Sousa tornou-se conheci- do em todo o país. O homem de 32 anos invadiu uma chácara na zona rural de Ceilândia, no Distrito Federal (DF), e matou três pessoas de uma mesma família, sendo o pai, Cláudio Vidal (48 anos), e dois filhos, Carlos Vidal (15 anos) e Gustavo Vidal (21 anos). O corpo da mãe, Cleonice Marques (43 anos), foi en- contrado três dias depois em um córrego próximo à fazenda. Lázaro já era foragido da justiça por crimes cometidos em 2011, 2018 e 2020, entre eles um homicídio em Barra do Mendes, Bahia, sua cidade natal. Após os homicídios no DF, uma grande operação policial foi montada para perseguir o criminoso. Mais Estudo de caso (Continua) 38 Psicologia social aplicada à segurança de 200 policiais de diferentes órgãos estaduais, distritais e fede- rais foram mobilizados na busca de Lázaro no entorno do DF. A notícia foi acompanhada em todo o país pela televisão, geran- do apreensão até mesmo em quem estava longe. Escondido na área rural, o criminoso deixou um rastro de crimes e destruição por onde passou ao longo dos 20 dias. Foram carros roubados, trocas de tiro, reféns, carros e casas queimadas. Fonte: Adaptado de Galvão e Puljiz, 2021. Ao longo desses 20 dias, muitas pessoas se fizeram perguntas sobre as motivações de Lázaro para crimes tão bárbaros. As respostas mais comuns nas redes sociais atribuíam esses comportamentos a proble- mas de criação, leniência da justiça e até causas sobrenaturais. Na ver- dade, os comportamentos agressivos mobilizam a atenção das pessoas há bastante tempo. As agressões são fenômenos diversos e que assumem muitas for- mas. Não é simples estabelecer uma definição única que reúna toda essa diversidade. O que existe de comum entre o comportamento de uma criança que intencionalmente puxa o cabelo de outra para ficar com um brinquedo e o comportamento de um criminoso que, com um golpe de faca, atinge uma pessoa para roubá-la? São situações que se colocam em extremos opostos quanto à intensidade e às suas conse- quências. Ainda assim, ambas podem ser definidas como agressões. A literatura psicológica apresenta relativo consenso sobre a definição de agressão como sendo “aqueles comportamentos físicos ou verbais diri- gidos a causar danos em outras pessoas” (MYERS, 2014). Essa definição apresenta dois pontos principais: É enfatizada a intenção de causar danos. Logo, eventuais danos involuntários ou colaterais são excluídos. Por exemplo, imagine que uma pessoa se distraia no trânsito e cause um acidente. Por não existir a intenção de provocar o dano, a literatura psicológica não interpreta essa situação como sendo uma agressão. Os danos à propriedade e à imagem tanto de pessoas quanto de empresas podem ser considerados comportamentos agressivos quando existir o objetivo de causar prejuízo. Os comportamentos agressivos podem ser tanto físicos, como socos e chutes, quanto verbais, como ameaças e insultos. Personalidade, agressões e violências 39 Outros pesquisadores destacam aspectos adicionais na definição de agressões. Para Allen e Anderson (2017), as agressões são dirigidas a pessoas motivadas a evitar esses danos. Segundo essa definição, descartam-se fenômenos como o masoquismo, em que as pessoas sentem prazer pela dor, e o suicídio. Além disso, esses autores sa- lientam que as agressões são comportamentos observáveis (não po- dendo ser pensamentos ou sentimentos), intencionais e dirigidos a pessoas (não podendo ser contra objetos). Existe, ainda, uma subdivisão no conceito: a agressividade hostil e a agressividade instrumental (MYERS, 2014). No primeiro caso, a motivação é um sentimento intenso, como a raiva, e seu objetivo é causar dano, machucar ou ferir. Por exemplo, algumas das violên- cias comuns nos noticiários, como brigas, discussões e homicídios, são comumente agressividades hostis por terem no dano causado o seu objetivo. Contudo, existem casos em que as agressões são meios para alcançarem outros fins, ou seja, por meio dos danos ou- tros objetivos são alcançados. Nesses casos, a agressividade é do tipo instrumental. Por exem- plo, as guerras e os ataques terroristas normalmente se valem de ações violentas para alcançarem outros objetivos, como a sujeição dos demais a seus propósitos políticos ou a demonstração de su- perioridade étnico-religiosa (MYERS, 2014). No campo de estudos sobre agressões, existem outras subdivisões conhecidas, conforme descrito no quadro a seguir: Quadro 1 Tipologia de comportamentos agressivos Modalidade de resposta Verbal – por exemplo: xingamentos. Física – por exemplo: socos e chutes. Postura – por exemplo: gestos ameaçadores. Relacional – por exemplo: deixar de falar com alguém. Proximidade Direta – por exemplo: um murro no rosto de outra pessoa. Indireta – por exemplo: espalhar rumores de outras pessoas sem que elas saibam. Qualidade da resposta Agir – por exemplo: obrigar alguém a ter relações sexuais. Deixar de agir – por exemplo: deixar de prestar informações importantes para um colega no trabalho. (Continua) 40 Psicologia social aplicada à segurança Visibilidade Aberto – por exemplo: humilhar alguém na frente de outras pessoas. Disfarçado – por exemplo: enviar mensagens de texto ameaçadoras para um co- lega de sala. Instigação Proativo (não provocado) – por exemplo: pegar um brinquedo de outra criança. Reativo (provocado) – por exemplo: gritar com alguém após ser atacado fisicamente. Direcionamento Hostil – por exemplo: bater em alguém por raiva ou frustração. Instrumental – por exemplo: fazer um refém e exigir o resgate. Tipo de dano Físico – por exemplo: ossos quebrados. Psicológico – por exemplo: pesadelos Duração dos efeitos Passageiro – por exemplo: pequenos arranhões. Duradouro – por exemplo: inabilidade permanente para estabelecer relações. Unidades sociais envolvidas Indivíduos – por exemplo: violências conjugais. Grupos – por exemplo: guerras e protestos. Fonte: Adaptado de Krahé, 2013. É comum que as pessoas confundam agressões com violências. Tecnicamente, contudo, há diferenças. Em termos conceituais, a psi- cologia social interpreta a violência como sendo um subconjunto de agressões (ALLEN; ANDERSON, 2017). Assim, a violência é uma forma grave de agressão que tem como objetivo agressões físicas severas. De maneira semelhante à agressão, o resultado de uma violência pode não existir e ainda assim ser considerado um comportamento violento. Quando, por exemplo, uma pessoa atira com uma arma de fogo contra outra e erra o disparo, mesmo tendo errado, o comportamento é consi- derado violento. Portanto, a violência está em um extremo oposto a um puxão de cabelo (utilizando o nosso exemplo anterior) em uma escala de severidade de agressões. Todos os atos violentos são consideradosagres- sivos, mas nem todas as agressões são definidas como violentas. 2.2 Teorias sobre agressões Vídeo Os comportamentos agressivos são fenômenos relevantes em nos- sa sociedade. Suas consequências incluem dor e sofrimento, além de elevados custos materiais. Diferentes teorias foram desenvolvidas com o objetivo de compreender e prevenir tais comportamentos. Nesta se- ção, vamos discutir suas abordagens: as biológicas e as psicológicas. • Conhecer as principais abordagens biológicas e psicológicas sobre a agressividade. • Compreender como a agressividade tem sido discutida na literatura especializada em psico- logia social. Objetivos de aprendizagem Personalidade, agressões e violências 41 2.2.1 Abordagens biológicas As abordagens biológicas analisam os comportamentos agressivos por meio do funcionamento do organismo humano, enfatizando pro- cessos evolutivos, genéticos e hormonais. Uma das primeiras teorias foi proposta por Konrad Lorenz (1903-1989) em 1966. A teoria etológi- ca das agressões tem base em estudos comparativos entre o compor- tamento humano e de outros animais. Uma questão fundamental para Lorenz era compreender como a energia agressiva se desenvolvia e era liberada. Para o autor, essa ener- gia é produzida de modo natural e contínuo pelo organismo, sendo li- berada de acordo com estímulos externos (KRAHÉ, 2013). Por exemplo, o surgimento de um adversário na disputa por território pode ser um estímulo para a agressão. A teoria de Lorenz ficou conhecida com a proposição de um modelo hidráulico, em que dois fatores são considerados: o nível de energia agressiva produzida no organismo em um dado momento e a inten- sidade dos estímulos externos. Além disso, o autor considera que a liberação de energia agressiva é uma consequência natural da produ- ção do organismo, sendo possível o seu controle no convívio social. Por exemplo, durante a prática de esportes, essa energia seria liberada de maneira contida e não prejudicial. Essa abordagem foi amplamente criticada ao longo do tempo, tendo pouco respaldo na literatura espe- cializada. Ainda assim, a noção da agressão como algo inato biologica- mente continua sendo mobilizada pelo senso comum. Outra explicação é oferecida pela sociobiologia evolucionista. Essa linha de pesquisa é influenciada pelas ideias evolucionistas de Charles Darwin (1809-1882). Para os autores dessa linha, a agressão é uma forma de comportamento “que evoluiu em animais e humanos em virtude de seu potencial de aumentar as chances de sucesso na re- produção dos indivíduos, facilitando a transmissão de genes agressivos às gerações futuras” (KRAHÉ, 2013, p. 47). Portanto, a agressão seria uma espécie de adaptação em dispu- tas por sobrevivência, particularmente na reprodução, contribuindo para que os mais agressivos sejam mais bem-sucedidos na evolução das espécies. As pesquisas realizadas com base nessa perspectiva tor- naram-se mais conhecidas com a análise de agressões sexuais. Em É comum que as pessoas confundam agressões com violências. Tecnicamente, contudo, há diferenças. Em termos conceituais, a psi- cologia social interpreta a violência como sendo um subconjunto de agressões (ALLEN; ANDERSON, 2017). Assim, a violência é uma forma grave de agressão que tem como objetivo agressões físicas severas. De maneira semelhante à agressão, o resultado de uma violência pode não existir e ainda assim ser considerado um comportamento violento. Quando, por exemplo, uma pessoa atira com uma arma de fogo contra outra e erra o disparo, mesmo tendo errado, o comportamento é consi- derado violento. Portanto, a violência está em um extremo oposto a um puxão de cabelo (utilizando o nosso exemplo anterior) em uma escala de severidade de agressões. Todos os atos violentos são considerados agres- sivos, mas nem todas as agressões são definidas como violentas. 2.2 Teorias sobre agressões Vídeo Os comportamentos agressivos são fenômenos relevantes em nos- sa sociedade. Suas consequências incluem dor e sofrimento, além de elevados custos materiais. Diferentes teorias foram desenvolvidas com o objetivo de compreender e prevenir tais comportamentos. Nesta se- ção, vamos discutir suas abordagens: as biológicas e as psicológicas. • Conhecer as principais abordagens biológicas e psicológicas sobre a agressividade. • Compreender como a agressividade tem sido discutida na literatura especializada em psico- logia social. Objetivos de aprendizagem 4242 Psicologia social aplicada à segurançaPsicologia social aplicada à segurança termos gerais, os pesquisadores argumentam que o cometimento de estupros, por exemplo, pode ser associado com heranças evolu- tivas de todos os homens. Esses argumentos são controversos e se baseiam em dados comparativos com outras espécies e no perfil de homens que cometeram tais crimes. Em grande medida, a hipótese de herança genética assume que a agressividade é uma forma instrumental de adaptação evolutiva. É cen- tral a essa linha de raciocínio a ideia de que a inclinação para comporta- mentos agressivos faz parte de sua constituição genética (KASSIN; FEIN; MARKUS, 2017). Pesquisadores dessa área têm buscado demonstrar que indivíduos geneticamente relacionados (como irmãos) possuem mais semelhanças em relação à agressividade do que quando compa- rados com pessoas que não possuem relacionamento genético. Alguns estudos são desenvolvidos para diferenciar os comporta- mentos de crianças adotadas daquelas que são criadas com seus pais biológicos, separando a influência de fatores genéticos e contextuais. Assim, caso os comportamentos das crianças sejam mais próximos dos seus pais biológicos, seria uma indicação de que a influência genética seria mais preponderante. No caso contrário, se os comportamentos das crianças fossem mais próximos dos pais adotivos, a influência do contexto de criança seria o fator mais importante. Como destaca Khahé (2013), essa metodologia de pesquisa tem sido utilizada com outros estudos que analisam, por exemplo, os compor- tamentos de irmãos gêmeos idênticos (monozigóticos) e não idênticos (dizigóticos). Nesse caso, por compartilharem praticamente todos os genes, as diferenças comportamentais entre gêmeos idênticos seriam causadas pelas influências do ambiente (RHEE; WALDMAN, 2002). Outra linha de pesquisa na perspec- tiva biológica investiga a influência de hormônios sobre os comportamentos agressivos (ARCHER, 1991). As diferen- ças de comportamentos agressivos entre homens e mulheres levantaram questões sobre a participação de hor- mônios como a testosterona. Apesar JG A/ Sh ut te rs to ck wavebreakmedia/ Shutterstock Personalidade, agressões e violênciasPersonalidade, agressões e violências 4343 de ambos possuírem o hormônio, os homens concentram quantidades mais elevadas. Diante disso, alguns estudos analisaram os comporta- mentos agressivos de mulheres, comparando os níveis de testosterona delas, indicando uma relação positiva entre competitividade e maiores quantidades de testosterona (CASHDAN, 2003). Apesar de não serem conclusivos, estudos como esse sugerem a possibilidade de que as relações entre hormônios e comportamentos agressivos podem persistir em diferentes grupos sociais. Outros estu- dos analisaram a hipótese de que o desequilíbrio entre os níveis de cor- tisol e testosterona pode predizer agressões (MONTOYA et al., 2012). Uma alta proporção de testosterona em relação à quantidade de cortisol predispõe comportamentos socialmente agressivos. Além disso, a serotonina tem sido explorada como fator para diferenciar a agressão impulsiva e a instrumental, também explicando diferen- ças comportamentais com base em elementos biológicos (PAVLOV; CHISTIAKOV; CHEKHONIN, 2012). 2.2.2 Abordagens psicológicas Diferentemente das abordagens anteriores, a perspectiva psicológi- ca enfatiza os mecanismos psicológicos, e não os elementos biológicos na compreensão da agressão. Dois modelos explicativos merecem des-taque: o da hipótese frustração-agressão e o aprendizado social. A relação entre frustração e agressão A relação entre frustração e agressão não é recente na teoria psi- cológica. O livro Frustração e agressão, publicado por John Dollard e seus colaboradores em 1939, tornou-se uma referência nessa área de estudo. Em termos gerais, os autores argumen- tavam que toda frustração levava a al- guma forma de agressão e que esta seria causada por um tipo de frustração (DOLLARD et al., 1939). Ou seja, a frustra- ção era um fator necessário e suficiente 44 Psicologia social aplicada à segurança para uma agressão. Assim, a frustração era definida como sendo o blo- queio de comportamentos ou esforços para alcançar um objetivo. Os motivos para agredir seriam, para os autores, semelhantes àque- les de reações fisiológicas como a fome ou o sono. Trata-se de uma necessidade que deve ser satisfeita, ou seja, assim como a ausência de comida gera impulsos de fome ou a ausência de sono gera impulsos de repouso, a frustração geraria incentivos à agressão. Portanto, a agres- são é um fenômeno de catarse, ou seja, de liberação dessa energia con- tida. Imaginemos a seguinte situação: você está em uma fila esperando a sua vez de ser atendido em um banco. Em seguida, alguém surge e passa na sua frente e é atendido antes de você. Como você se sentiria? Qual seria a sua reação? O fato de estar em uma fila sugere que se trata de uma atividade orientada a um objetivo (como pagar conta ou sacar dinheiro). A pessoa passar na sua frente seria uma frustração, pois retardaria ou bloquea- ria o seu objetivo. Com isso, a energia resultante seria do tipo agressiva, com o objetivo de restaurar o estado original (por exemplo, empurrar a pessoa ou discutir com ela para que siga para o final da fila). Alguns anos depois, a teoria foi revista por Miller (1941), passando a propor que nem sempre as frustrações geram respostas agressivas, além de que nem toda agressão é oriunda de uma frustração. Vamos pensar que uma pessoa frustrada pode ficar chateada e não agir con- tra o motivo de sua frustração ou, ainda, uma pessoa pode decidir fur- tar um objeto (ou seja, uma agressão) de maneira instrumental para conseguir dinheiro. Em ambos os casos são ilustradas situações em que a relação entre frustração e agressão não é necessária, tampouco suficien- te. Assim, a revisão proposta por Miller (1941) sugere uma relação probabilística (e não determinística) entre agressão e frustração (KRISTENSEN et al., 2003). Assim, o modelo revisto da hipótese frustração-agressão pode ser descrito da seguinte forma: Personalidade, agressões e violências 45 Frustração Outras respostas. Por exemplo: ressentimento. Agressão a si próprio. Por exemplo: automutilação ou suicídio. Redirecionada Estímulo à agressão Agressão a outros Direta Fonte: Adaptada de Myers, 2014; Miller, 1941. Figura 1 Modelo teórico da hipótese frustração-agressão Como observamos na Figura 1, a frustração não resulta necessa- riamente em comportamentos agressivos. Outras respostas, como o ressentimento ou o retraimento, são frequentes. Além disso, mesmo que as agressões decorram de frustrações, elas podem ser direciona- das ao próprio indivíduo, como nos casos de automutilação e suicídio. Por sua vez, as agressões podem ser redirecionadas para outras pes- soas ou para outros motivos. Em nossa suposição anterior, digamos que você não tome atitude alguma contra a pessoa que furou a fila, mas desconte em outras pessoas sendo mal-humorado, usando xin- gamentos. Esse seria um exemplo de redirecionamento que pode ser motivado por várias razões, como o receio de exposição, de ser punido ou desaprovado. Leonard Berkowitz (1926-2016) foi outro autor que contribuiu com essa área de pesquisa. O psicólogo da Universidade de Wisconsin-Ma- dison conduziu experimentos que sugeriram uma relação diferente en- tre frustração e agressão. Para o autor, a frustração é uma experiência, entre tantas outras, que pode levar a comportamentos agressivos por meio de sentimentos negativos ou desconfortáveis (BERKOWITZ, 1989). Isto é, são esses sentimentos negativos (ou afetos negativos) que po- dem levar a agressões, mas nem sempre isso ocorre. A agressão tende a ser relacionada à intensidade do afeto negativo e não à frustração em si. Em outras palavras, Berkowitz se preocupou em entender quando as pessoas escolhem as respostas agressivas e não 46 Psicologia social aplicada à segurança outras possibilidades de respostas. Uma das explicações é o conceito de gatilhos agressivos (do inglês aggressive cues), ou seja, estímulos com um sentido agressivo, que aumentam a importância de pensamentos agressivos, como a presença de armas de fogo. Assim, por exemplo, diante de uma provocação, sugere-se que o indivíduo estaria mais su- jeito a optar por respostas agressivas (KRISTENSEN et al., 2003). Um dos experimentos conduzidos por Berkowitz e LePage (1967) analisou as diferenças de comportamento de pessoas diante de gati- lhos agressivos e neutros. No estudo, os participantes foram divididos em grupos, em que alguns deles foram propositalmente ofendidos após a realização de algumas atividades. Um dos grupos estava em uma sala que tinha armas de fogo à mostra sobre uma mesa, e ou- tro grupo em uma sala sem armas. Em seguida, os participantes rece- beram instruções para aplicar choques elétricos após a avaliação dos resultados de outros colegas do estudo. Eles não souberam, mas os choques não foram efetivamente aplicados. Entre os resultados demonstrados no Gráfico 1, os participantes das salas com armas de fogo demonstraram sistematicamente mais comportamentos agressivos (no caso, por meio de choques elétricos) do que aqueles que tinham objetos neutros. Os participantes que não receberam críticas e estavam em salas com objetos neutros foram aqueles que apresentaram menos comportamentos agressivos. Como argumentam os autores, “o dedo puxa o gatilho, mas o gatilho também pode estar puxando o dedo” (BERKOWITZ; LEPAGE, 1967, p. 22), em re- ferência à relação entre os estímulos e os comportamentos violentos. Ofendidos Não ofendidos Armas à mostra 0 3 6 1 4 7 2 5 Sem armas M éd ia d os c ho qu es a dm in is tr ad os Gráfico 1 Média do número de choques por tipo de situação Fonte: Adaptado de Berkowitz; LePage, 1967. Lançado em 1993, o filme Um dia de fúria, de Joel Schumacher, estrelado por Michael Douglas, retrata a história de um homem que passa por dificuldades no emprego e em seu casamento. Um dia, quando o seu carro para de funcionar em uma rua de Los Angeles, ele fica enfurecido e inicia uma série de reações violentas. Direção: Joel Schumcher. EUA: Le Studio Canal +, 1993. Filme Personalidade, agressões e violências 47 Esse modelo teórico é denominado de cognitivo neoassociacionista, sendo que a agressão é interpretada como um tipo de comportamento e não como uma característica do comportamento humano. Para tan- to, o processamento cognitivo das experiências negativas é central em toda a explicação. São configurados dois sistemas de comportamentos agressivos: um afetivo e outro instrumental (KRISTENSEN et al., 2003). No primeiro caso, a reação agressiva é causada de modo impulsi- vo em reação a estímulos aversivos. A raiva desempenha um papel de mediação entre a frustração e a agressão. Esse é o principal mecanis- mo cognitivo associado à agressão. No segundo sistema, o comporta- mento agressivo é apreendido com objetivos específicos, como evitar punições ou conseguir recompensas. Para o autor, o segundo sistema deriva do primeiro ao longo do tempo. O modelo de Berkowitz é descrito a seguir: Frustração Afeto negativo Comportamento agressivo MedoTendência de fuga (ou escape) Inclinações agressivas Figura 2 Modelo neoassociacionista simplificado Fonte: Adaptado de Berkowitz, 2011. Em suma, o modelo enfatiza a possibilidade de que comportamen- tos agressivos sejam originadosem situações de frustração. Contudo, a relação não é direta, tampouco necessária. A mediação dos afetos negativos desempenha um papel central no modelo, tendo em vista a diversidade de estímulos e reações a eles. Ao longo do tempo, esse mo- delo vem sendo aperfeiçoado, e novas dimensões do comportamento agressivo incluídas. Ainda hoje, trata-se de um dos modelos mais refe- renciado nesse campo de estudos. A agressão como aprendizado Nas seções anteriores, vimos como a agressão é percebida com base em características biológicas e reação a estímulos externos. Pesquisadores argumentam que fatores adicionais podem explicar a 48 Psicologia social aplicada à segurança agressão como resultado de processos de aprendizado (BANDURA; MCCLELLAND, 1977). Dessa forma, as experiências sociais são coloca- das em primeiro plano, apoiadas em sua importância no desenvolvi- mento de comportamentos agressivos. Um dos autores mais relevantes nessa área de pesquisa é Albert Bandura (1925-), psicólogo canadense da Universidade de Stanford. Para o autor, o aprendizado é a mudança de comportamento mediante uma experiência, sendo que os mecanismos de funcionamen- to ocorrem tanto por intermédio da observação de comportamentos dos outros e suas consequências (reforços vicários) quanto por expe- riências próprias (reforços diretos). Logo, são especialmente relevantes os contextos de socialização em que as nossas interações são conduzi- das, sendo que, para o autor, o ambiente familiar e o acesso aos meios de comunicação de massa são contextos de interesse para o estudo das agressões (BANDURA, 2011). Um dos experimentos de Bandura se tornou bastante conhecido: o paradigma do João Bobo. De modo simplificado, Bandura, Ross e Ross (1961) mostraram para grupos de crianças em idade pré-escolar alguns adultos agindo de modo agressivo e não agressivo diante de um palhaço inflável, o Bobo. Em seguida, as crianças seguiam para outra sala e começavam a brincar com alguns brinquedos. Logo depois, elas são avisadas de que deveriam mudar de sala e parar de brincar, pois aqueles brin- quedos seriam utilizados por outras crianças. Frustradas, são leva- das à nova sala, tendo a oportunidade de brincar com o palhaço inflável, o Bobo, e os resultados foram instigantes: as crianças que assistiram a comportamentos agressivos tenderam a repetir esses comportamentos, ao passo que as demais não o fizeram, agiram com calma, apesar da frustração. Interpretando os resultados, os autores sugerem que a obser- vação de modelos agressivos pode levar à aquisição desses com- portamentos. Em estudos posteriores, os autores encontraram evidências de que as consequências positivas de comportamen- tos agressivos (por exemplo, com recompensas como elogios ou mesmo a falta de punição) estão relacionadas com mais chances de aprendizado por imitação. Esses estudos foram sintetizados no modelo apresentado na figura a seguir. Personalidade, agressões e violências 49 P = fatores pessoais (por exemplo: conhecimento, atitudes, expectativas). E = fatores ambientais (por exemplo: normas sociais, influência social). B = fatores comportamentais (por exemplo: aptidões, experiências). Fonte: Adaptada de Bandura, 2011. Figura 3 Modelo simplificado da teoria do aprendizado social Entre as implicações do paradigma do João Bobo está o in- teresse em analisar o contexto familiar quanto ao aprendizado de comportamentos agressivos. Algumas pesquisas indicaram relações entre pais fisicamente punitivos e filhos agressivos (O’LEARY; TINTLE; BROMET, 2014) e abusivos (PERKINS et al., 2014). Além disso, a ausência de modelos parentais também tem sido ana- lisada. Por exemplo, existem estudos que relacionam níveis mais elevados de violências em famílias monoparentais ou com pais au- sentes (CHERLIN; CHASE-LANSDALE; MCRAE, 1998). De maneira semelhante, existem estudos que consideram as in- fluências culturais, ou seja, do ambiente social, no aprendizado de comportamentos agressivos. Por exemplo, há evidências de que a transmissão e o reforço de técnicas para o cometimento de crimes são favorecidos em grupos como gangues, além de que a participação nes- ses grupos é um importante preditor de comportamentos criminosos de natureza coletiva (WINFREE JR.; FRENG, 2015). 2.3 Compreendendo o comportamento agressivo Vídeo Existem diferentes fatores que influenciam o comportamento agressivo. Os modelos teóricos estudados buscam compreender as agressões com base em uma perspectiva, contudo reconhecem as 50 Psicologia social aplicada à segurança influências de outros elementos. Nesta seção vamos discutir alguns desses elementos que influenciam a agressividade. Para tanto, as duas subseções seguintes estão organizadas entre as variáveis indivi- duais e as situacionais. 2.3.1 Variáveis individuais Entre as variáveis individuais vamos destacar os fatores de perso- nalidade. Para tanto, utilizaremos dois instrumentos: os cinco grandes fatores de personalidade e o questionário de Buss-Perry. Os cinco grandes fatores de personalidade Como vimos, os comportamentos agressivos podem estar re- lacionados a muitas variáveis. Nesta subseção, veremos como as diferenças entre as personalidades das pessoas podem influen- ciar seus comportamentos. Algumas variáveis denominadas si- tuacionais são explicações importantes. Por exemplo, agressões na infância são preditoras de agressões na adolescência e na vida adulta (KASSIN; FEIN; MARKUS, 2017). Mesmo que essa relação se modifique de acordo com as circunstâncias do desenvolvimento in- dividual e social das crianças, as condições externas aos indivíduos são relevantes na compreensão dos comportamentos agressivos. Mas existem características típicas dos indivíduos que também merecem nossa atenção, uma das perspectivas é oferecida pelos estudos de personalidades. Os cinco grandes fatores de personalidade (ou big five) represen- tam dimensões da personalidade humana. Trata-se de uma con- ceituação acerca da personalidade construída, ao longo do tempo, com base na aplicação de diferentes questionários e inventários de avaliação de personalidade. Por meio de técnicas estatísticas, como a análise fatorial, os resultados são consolidados em torno de cinco grandes dimensões (HUTZ et al., 1998). Essas dimensões têm sido replicadas e amplamente utilizadas em diferentes áreas da psicologia, como avaliações psicológicas, psicoterapia, psicologia da saúde, entre outras. As dimensões são: • Conhecer instrumentos utilizados na psicologia para compreender os comportamentos agressivos. • Compreender as relações entre variáveis individuais e os com- portamentos agressivos segundo a psicologia social. • Compreender as relações de variáveis situacionais e os com- portamentos agressivos segundo a psicologia social. Objetivos de aprendizagem Personalidade, agressões e violências 51 extroversão, abertura a experiências, neuroticismo, amabilidade e conscienciosidade (PASSOS; LAROS, 2015). Apesar de existirem di- vergências nas traduções e denominações das dimensões (ANDRA- DE, 2008), suas descrições podem ser resumidas da seguinte forma: Extroversão O fator está relacionado à disposição da pessoa em receber es- tímulos externos (como a atenção de outras pessoas) e estabelecer interações sociais de maneira dinâmica (PASSOS; LAROS, 2015). Escore elevado Facilidade em se comunicar. Relacionamentos sociais amplos e diversos. Procura conhecer novas pessoas. Tende a ser mais assertivo. Escore baixo Prefere a discrição. Relacionamentos sociais limitados. Tende a ser mais reservado. Tende a ser introspectivo e tímido. Abertura a experiências O fator está relacionado à abertura para considerar novas ideias. Retrata a tendência das pessoas pensarem de maneira abs- trata, sendo comuns descrições como criatividade, curiosidade e intelectualidade (HUTZ et al., 1998). É também descrito como inte- lecto ou imaginação. Escore elevado Tende a ser curioso e criativo.Intelectualidade. Imaginativo. Pensamento abstrato. Escore baixo Tradicional e convencional. Praticidade e conformismo. Foco em atividades conhecidas ou familiares. Pensamento concreto. Neuroticismo O fator está relacionado à reação das pessoas diante de situa- ções negativas, sendo também denominado de estabilidade emo- cional. As emoções negativas, como a vergonha, o medo, a culpa, a ansiedade e a tristeza, revelam formas de reagir em condições de estresse (HUTZ et al., 1998). 52 Psicologia social aplicada à segurança Escore elevado Tende a ser reativo e nervoso. Ansioso. Inseguro. Tende a ser tenso. Escore baixo Resiliente. Autoconfiante. Calmo. Tende a ser estável e seguro. Amabilidade O fator está relacionado à forma como as pessoas estabelecem rela- ções sociais agradáveis e de maneira harmoniosa (LORR; STRACK, 1993). É também traduzida como socialização na literatura brasileira. Escore elevado Educado em interações/empático. Tende a ser altruísta e gentil. Tende a ser cooperativo e confiável. Escore baixo Tende a ser frio e crítico. Cético em relações interpessoais. Tende a ser competitivo e confrontador. Conscienciosidade O fator está relacionado à tendência de as pessoas serem focadas e com elevado autocontrole diante de situações sociais. Escore elevado Tende a ser diligente e organizado. Persistente. Tende a ser cuidadoso e disciplinado. Maior controle sobre impulsos. Escore baixo Tende a ser impulsivo e distraído. Espontâneo Tende a ser desorganizado. Descuidado. Os estudos de personalidade fazem parte de uma das áreas mais interessantes de pesquisa em psicologia social. O desenvolvimento de testes com a finalidade de explicar e prever comportamentos com base em traços da personalidade tem sido amplamente discutido na literatura especializada. As utilizações desses testes são amplas, alcan- çando desde diagnósticos clínicos até processos de seleção e recruta- mento. No Brasil, diferentes testes são utilizados com aprovação do Conselho Federal de Psicologia, como a bateria fatorial de personalida- de (NUNES; HUTZ; NUNES, 2010) e o inventário de personalidade NEO revisado (FLORES-MENDONZA, 2007). Algumas características dos traços de personalidade devem ser des- tacadas, como (SCHULTZ; SCHULTZ, 2002): Personalidade, agressões e violências 53 • são exclusivos, mas gradientes, que se alteram em um mesmo indivíduo de acordo com as condicionantes sociais; • possuem relacionamentos entre si, ou seja, interagem em situa- ções concretas; • estão relacionados a comportamentos, ou seja, os implicam; • não são rótulos, mas sim dimensões que todos os indivíduos apresentam em suas personalidades. Assim, como resultado de um teste com base nos cinco grandes tra- ços de personalidade, uma pessoa obterá valores para cada dimensão. Entre os traços de personalidade, um dos principais preditores de agressões é um escore baixo em amabilidade. Esse fator está associado às necessidades dos outros, como altruísmo e honestidade, e ao estabe- lecimento de relações interpessoais saudáveis. Logo, espera-se que pes- soas com pouca amabilidade acessem emoções e atitudes relacionadas a comportamentos agressivos (CAVALCANTI; PIMENTEL, 2016). Além dis- so, escores baixos em abertura a experiências são associados a atitudes agressivas e comportamentos violentos (BARLETT; ANDERSON, 2012). Questionário de Buss-Perry Outro recurso utilizado na mensuração da agressividade foi de- senvolvido em 1992 por Arnold H. Buss e Mark Perry, professores da Universidade do Texas. Aperfeiçoado ao longo do tempo, o questionário de agressão é um instrumento para mensurar as diferenças individuais no traço de agressividade. Originalmente, o questionário contava com 52 itens, os quais foram reduzidos para 29 e, mais recentemente, para 12 (PAIVA et al., 2020). A sua versão em português está descrita no Quadro 2. Quadro 2 Questionário de Agressão de Buss-Perry versão reduzida (QA-R) Itens Escala de resposta 1 2 3 4 5 6 Não é extrema- mente minha característica É extrema- mente minha característica 1 Existem pessoas que me enfrentaram e chegamos às vias de fato. 2 Se eu for provocado o suficiente, posso bater em outra pessoa. Se você ficou curioso para saber um pouco mais dos seus traços de personalidade, acesse o site Big Fivelink e realize o teste que tem como base os cinco grandes fatores de personalidade de modo gratuito. Lembre-se de que não existem res- postas certas ou erradas para as questões. Disponível em: https://bigfive- test.com/pt/test. Acesso em: 11 ago. 2021. Site (Continua) 54 Psicologia social aplicada à segurança Itens Escala de resposta 1 2 3 4 5 6 Não é extrema- mente minha característica É extrema- mente minha característica 3 Eu já ameacei pessoas que conheço. 4 Não posso deixar de entrar em dis- cussões quando as pessoas não con- cordam comigo. 5 Meus amigos dizem que sou um tanto argumentativo. 6 Muitas vezes eu discordo das pessoas. 7 Eu me pergunto por que às vezes me sinto tão amargo sobre certas coisas. 8 Outras pessoas sempre parecem levar vantagem sobre mim. 9 Algumas vezes eu sinto que sou trata- do injustamente na vida. 10 Eu fico irritado rapidamente, mas tam- bém supero isso rapidamente. 11 Às vezes, eu perco a razão sem ne- nhum motivo. 12 Tenho dificuldades em controlar meu temperamento. Fonte: Adaptado de Paiva et al., 2020. Entre outros instrumentos elaborados com o objetivo de mensurar a agressividade, a escala de Buss-Perry tem sido amplamente utiliza- da em diferentes países do mundo. A sua versão reduzida e traduzida para o português brasileiro tende a estimular a sua aplicação no Brasil. E você, ficou curioso para saber como o seu resultado poderia ser com- parado com o de outras pessoas? 2.3.2 Variáveis situacionais Os estudos psicológicos evidenciam a influência de diversas variáveis situacionais em comportamentos agressivos. Por exemplo, as interpreta- ções de características culturais, como orientações políticas e religiosas, são comuns em análises sociológicas, políticas e psicológicas de agres- sões e violências. Nesta subseção, contudo, vamos destacar os estudos sobre o consumo de álcool e aqueles sobre a mídia e as agressões. Personalidade, agressões e violências 55 M ot or tio n/ Fi lm sS hu tte rs to ck Consumo de álcool e agressões O álcool é a substância psicoativa lícita mais consumida em todo o mundo. Está associado a mais mortes e con- dições patológicas, impactando de maneira relevante os custos do sistema de saúde pública, mais do que qual- quer outra droga lícita ou ilícita (DORTA et al., 2018). O caso brasileiro não é diferente de outros locais do mun- do. De acordo com dados do governo federal, cerca de 46 milhões de pessoas, com pelo menos 12 anos, utiliza- ram bebida alcoólica no país em 2017 (BRASIL, 2017). Além disso, os dados indicam que cerca de 16,5 milhões de pessoas beberam pelo menos cinco doses em uma única ocasião, sugerindo o alcance e a intensidade do consumo de álcool no Brasil. Assim, o inte- resse científico dos efeitos do álcool sobre comportamentos agressivos está relacionado tanto à prevalência do consumo quanto às conse- quências do uso e do abuso de álcool. A relação entre álcool e agressões faz parte do senso comum. É normal que as pessoas associem o consumo de álcool com as alterações cognitivas, entre elas a possibilidade de comportamen- tos agressivos. As evidências de pesquisas psicológicas oferecem, em termos gerais, suporte para essa associação. As pesquisas demonstram que o álcool tem ação depressora sobre o sistema nervoso central, reduzindo a autoconsciência das pessoas e redi- recionando a atenção para elementos periféricos, como a provoca- ção (MYERS, 2014). Por exemplo, estudos indicam que o consumo de álcool está associado a comportamentos agressivos (DEWALL; ANDERSON; BUSHMAN,2011), como violências domésticas, abuso sexual e acidentes de trânsito (KRAHÉ, 2013). Entretanto, a associação entre o consumo de álcool e a incidência de comportamentos agressores não indica necessariamente uma rela- ção causal. Os estudos nessa área buscam investigar se, por exemplo, a tendência em consumir álcool e se comportar de maneira violenta não é causada por outras variáveis comuns, como a falta de controle. Ainda assim, as evidências indicam que a influência do álcool sobre os comportamentos agressivos é significativa (BUSHMAN; COOPER, 1990), tendo pelo menos quatro moderadores situacionais com destaque: 56 Psicologia social aplicada à segurança a provocação, a frustração, a atenção autofocada e a presença de gati- lhos agressivos. Assim, as pesquisas têm indicado que: • Os efeitos do álcool sobre a agressão são mais pronunciados quan- do os indivíduos são provocados. Segundo Gustafson (1994), tanto a frequência quanto a intensidade de reações agressivas foram maiores diante de agressões contra pessoas sob efeito do álcool. • As agressões em respostas a frustrações (interrupções de obje- tivos específicos) foram mais intensas em pessoas sob efeito de álcool (ITO; MILLER; POLLOCK, 1996). • As pessoas sob efeito de álcool são menos capazes de se con- centrar em si próprias e de monitorar seus comportamentos (ITO; MILLER; POLLOCK, 1996). • Os gatilhos agressivos são mais pronunciados no comportamen- to de pessoas sob efeito de álcool, como na aplicação de choques elétricos em experimentos. Em suma, as análises dos efeitos do álcool sobre comportamentos agressivos contemplam diferentes linhas de análises com variáveis diversas. Nesse sentido, duas abordagens se destacam: aquelas que investigam os efeitos farmacológicos do álcool (com interesse no pro- cessamento neurológico do etanol) e aquelas que se dedicam aos me- canismos psicológicos. Em diversos casos, os efeitos farmacológicos e psicológicos potencializam a relação entre álcool e agressões. Mídia e agressões Os estudos da exposição à violência em meios de comunicação de massa e agressão são uma importante área de pesquisa na psicologia social. Em geral, essa abordagem reconhece que a mídia é um dos fato- res situacionais, entre tantos outros, que influencia os comportamen- tos agressivos. Assim, por exemplo, os roteiros violentos aprendidos em programas de televisão ou vídeos do YouTube podem ser exacerba- dos pela ausência de supervisão de adultos, quando se trata de crian- ças ou adolescentes, ou por experiências reais de violência (como no ambiente doméstico). A literatura tem se dedicado a esclarecer dois pontos importantes: a natureza dos conteúdos vistos e a frequência da exposição a eles. No primeiro caso, algumas pesquisas indicam que programas de televisão Personalidade, agressões e violências 57 expõem atos violentos de maneira frequente. Por exemplo, ao analisa- rem alguns programas da televisão britânica, pesquisadores concluí- ram que agressões verbais e xingamentos foram cometidos em uma razão de 42 casos por hora de programa (COYNE; ROBINSON; NELSON, 2010). Além disso, foi analisada a diferença na frequência de agressões entre tipos de programas, concluindo que reality shows populares estão entre os mais violentos. No segundo caso, a frequência da exposição a conteúdos violentos tem sido estudada tanto em adultos quanto em crianças. Por exemplo, nos Estados Unidos, a televisão fica ligada 8 horas por dia, com cada morador assistindo a pelo menos 3 horas por dia (MYERS, 2014). Os da- dos mais recentes de pesquisas semelhantes contemplam a exposição às telas de celulares se tornando cada vez mais comum. Segundo dados de 2009, um jovem norte-americano com 18 anos teria assistido em média a 200 mil atos de violência apenas na televisão (KASSIN; FEIN; MARKUS, 2017). Além disso, cerca de 97% dos adolescen- tes com idades entre 12 e 17 anos afirmaram que jogam videogame, a maioria do tipo violento. Não apenas na televisão e nos videogames, mas também nas redes sociais, nas músicas e nos cinemas, o consumo de produtos com atos de violência é comum na sociedade moderna. Os efeitos da exposição à violência em meios de comunicação são diversos. Existem pesquisas que associam uma espécie de dieta de videogames e vídeos ao cometimento de casos como os tiroteios em espaços públicos nos Estados Unidos. No caso brasileiro, pesquisas in- dicam uma influência significativa no comportamento de meninos em função da exposição a filmes com lutas (GOMIDE, 2000) e com violên- cias sexuais (GOMIDE; SPERANCETTA, 2002). As evidências são diversas e, em conjunto, indicam que a exposi- ção à violência na mídia aumenta as chances de comportamentos agressivos e violentos tanto a curto quanto a longo prazo (BUSHMAN; ANDERSON, 2002). Existem, ainda, estudos que analisam os efeitos da exposição à pornografia sobre violências sexuais, os quais, em geral, indicam relações significativas (KRAHÉ, 2013). Com relação à exposição a videogames, as pesquisas indicam pelo menos cinco efeitos sobre a agressão ao longo do tempo. São eles: crenças e atitudes agressivas, percepções agressivas, expectativas O documentário Tiros em Columbine, de Michael Moore, analisa aspectos da tragédia ocorrida em uma escola em Columbine, Colorado, em 1999. Dois alunos mataram 13 pessoas e feriram outras 21. O documentário reflete sobre gatilhos agressivos, como a exposição à violên- cia na mídia, e o acesso a armas de fogo. Direção: Michael Moore. Alemanha: Alliance Atlantis Communications; Dog Eat Dog Productions, 2002. Documentário 58 Psicologia social aplicada à segurança agressivas, roteiros de comportamento agressivos e dessensibiliza- ção agressiva (MYERS, 2014), conforme figura a seguir: Crenças e atitudes Expectativas Personalidade agressiva Percepções Roteiros de comportamentos Dessensibilização+ ++ + Figura 4 Personalidade agressiva Entre as evidências destacadas na literatura sobre jogar videogames violentos com frequência estão as seguintes: • aumenta o pensamento agressivo, como supor comportamentos agressivos no trânsito (BUSHMAN; ANDERSON, 2002); • aumenta os sentimentos agressivos, como frustração e hostilida- de (MYERS, 2014); • aumenta os comportamentos agressivos, como discussões com pais, professores e colegas de escola, inclusive agressões físicas (BUCKLEY; ANDERSON, 2006); • diminui os comportamentos pró-sociais, como ajudar pessoas em necessidade (MYERS, 2014); • diminui a sensibilidade à violência, como se a atividade cere- bral tivesse se “acostumado” e reagisse de modo menos intenso ( CARNAGEY; ANDERSON; BARTHOLOW, 2007). Diante das evidências, torna-se ainda mais importante a supervisão de crianças e adolescentes em seus hábitos relacionados ao tempo de telas, incluindo videogames e celulares. Os estímulos externos relacio- nados à agressão podem contribuir para o desenvolvimento de sérios problemas de saúde. Personalidade, agressões e violências 59 2.4 O Modelo Geral de Agressão (MGA) Vídeo Alguns autores buscaram propor um modelo que considerasse as- pectos de várias das teorias anteriores que citamos neste capítulo. Entre eles, o Modelo Geral de Agressão (MGA) proposto por Anderson, Ander- son e Deuser (1996) se tornou especialmente influente. Os autores consi- deram que diversas experiências de aversão (como a frustração), gatilhos situacionais (como armas de fogo) e diferenças individuais (como fatores de personalidade) podem motivar afetos negativos ou pensamentos agressivos, sendo que todos podem levar a comportamentos agressivos. Além disso, a concretização do comportamento agressivo depende do raciocínio em sentido amplo do indivíduo, o qual pode tanto inibir (por exemplo, reconhecendo riscos) quanto incentivar a sua realização (por exemplo, diante de uma provocação moral). Esse modelo busca explicar tanto episódios isolados de agressões quanto os ocorridos ao longo do tempo. A Figura 5 apresentauma versão simplificada do MGA. Como per- cebemos, o ponto de partida de uma interação agressiva está nas disposições individuais e nos estímulos externos. Os traços de perso- nalidade relacionados à raiva ou à hostilidade são comumente ana- lisados nessa fase. Além disso, os estímulos externos, como gatilhos agressivos e provocações, são variáveis relevantes. Em seguida, os estados internos mobilizam cognições, sentimentos e excitação. Por exemplo, uma pessoa que facilmente perde a razão ou sai do sério em suas relações diárias provavelmente será mais propensa à agres- são diante de provocações. Assim, pensamentos agressivos (“esta pessoa é estúpida!”), senti- mentos agressivos (“esta pessoa me faz mal”) e expressões corporais (aumento da sudorese, por exemplo) são manifestações do proces- samento de uma provocação nas pessoas. O estágio da reavaliação é iniciado de maneira controlada, podendo gerar respostas e comporta- mentos agressivos (“vou retaliar a provocação”) ou não (“vou me acal- mar e não revidar”). A resposta contrária pode, dependendo do caso, inclusive iniciar um novo episódio escalando o conflito. Compreender o uso do Modelo Geral de Agressão. Objetivos de aprendizagem 60 Psicologia social aplicada à segurança Figura 5 Modelo Geral de Agressão Diferenças individuais • Traços de personalidade. • Atitudes, valores e crenças sobre agressões. • História de vida (modelos violentos) e aprendizado social. Cognições acessíveis • Pensamentos agressivos. • Roteiros de comportamento agressivos. Reavaliação controlada (por exemplo, vingança ou retaliação) Afetos agressivo • Sentimentos agressivos. • Respostas motores de expressão Comportamento (por exemplo, xingamento) Avaliação automática Interpretação de uma situação (por exemplo, ameaças e riscos) Estado interno atual Excitação • Fisiológica. • Percebida. Resposta contrária (por exemplo, agressão física) Variáveis situacionais • Gatilhos agressivos (por exemplo, armas). • Provocações: exposição à violência na mídia. • Consumo de álcool. Fonte: Adaptada de Anderson; Dill, 2000. Resultado Processos cognitivos de avaliação Trajetórias Variáveis iniciais ou de entrada Assim, percebemos que o MGA incorpora elementos de várias abordagens teóricas, como as relações entre frustração e agressão, o aprendizado social, os fatores de personalidade e as variáveis si- tuacionais. A estrutura do modelo possibilita a compreensão de pro- cessos complexos por meio dos quais os comportamentos agressivos são resultantes. Desde os estímulos externos, como a exposição à Personalidade, agressões e violências 61 violência na mídia, a características individuais, como a trajetória de vida e a exposição à violência no ambiente familiar, são considerados no modelo. A relevância e a utilidade desse modelo estão na versatili- dade e no alcance de suas explicações. CONSIDERAÇÕES FINAIS A psicologia social oferece subsídios para a compreensão da agressão de diferentes formas. Como objeto de estudo, a agressão está relaciona- da a comportamentos, crenças e atitudes, percepções e expectativas. As evidências apresentadas neste capítulo sugerem novas formas de pensar e agir a respeito de nossas interações. A agressão e as violências são parte de nossas rotinas, mas não devem ser naturalizadas. Existem medidas simples, como a supervisão de crian- ças e adolescentes e o monitoramento da dieta de exposição a conteúdos violentos, que contribuem para relações sociais e desenvolvimentos indi- viduais mais saudáveis. As evidências dos estudos de psicologia social são importantes para as nossas rotinas diárias em diferentes áreas, entre elas as análises de agressões e violências. Compartilhe essas informações! ATIVIDADES Atividade 1 Apresente a definição de agressão e a sua diferença em relação ao conceito de violência. Atividade 2 Apresente as principais diferenças entre as explicações sobre a hipóte- se frustração-agressão para Dollard, Miller e Berkowitz. Atividade 3 Relacione pelo menos três evidências de estudos da psicologia social sobre a relação entre o consumo de álcool e as agressões. 62 Psicologia social aplicada à segurança Atividade 4 Relacione pelo menos três evidências de estudos da psicologia social sobre a relação entre a exposição prolongada aos videogames e as agressões. REFERÊNCIAS ALLEN, J. J.; ANDERSON, C. A. Aggression and violence: definitions and distinctions. The Wiley handbook of violence and aggression, p. 1-14, 2017. ANDERSON, C. A.; ANDERSON, K. B.; DEUSER, W. E. 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Esse caso influenciou inúmeros fenômenos psicossociais na população da região por onde Lázaro teria se escondido, como medo de ser a próxima vítima, desejo de prisão e morte do criminoso e até mesmo denúncias inverídicas de pessoas que supostamente o teriam visto. Certamente essas denúncias não eram todas falsas, mas por que não seriam ilusões causadas pelo medo? Se o desfecho do caso tivesse sido diferente, como seria o julga- mento de Lázaro? Será que o júri o enxergaria como cidadão dissocia- do de seus crimes no momento do seu julgamento? Será que outros crimes associados a ele iriam surgir? Será que o medo dessa figura tão emblemática acabou após a sua morte? Realmente são questões bas- tante intrigantes que nos levam a uma reflexão sobre vários aspectos psicológicos que influenciam nossa vida em sociedade. Já aprendemos que a psicologia social é o estudo científico de como as pessoas pensam, influenciam-se e relacionam-se (MYERS, 2014), portanto não resta dúvida de que esse conhecimento é bastante útil para um melhor entendimento da justiça criminal. Existem fatores psi- cológicos que podem influenciar o cometimento de crimes? Como fun- ciona o processo psicológico em um julgamento? Haveria possibilidade de influência social no testemunho ocular de crimes? Essas e outras questões, sobre as quais muitas vezes não paramos para refletir, foram estudadas por abordagens psicológicas ao longo dos anos e tiveram impacto significativo no sistema de justiça criminal brasileiro e de diversos países do mundo. Neste capítulo, vamos abor- dar teorias e casos concretos que nos ajudarão a entender melhor essa sistemática. Psicologia social e justiça criminal 65 3.1 Abordagens psicossociais em justiça criminal Vídeo Praticamente todas as temáticas estudadas em psicologia social têm relação com o direito e a justiça criminal. Você já parou para pen- sar quantas coisas diferentes podem influenciar um comportamento criminoso, a ação policial para seu impedimento ou investigação e o processo penal e seu julgamento? Por isso é tão relevante conhecer- mos bem os processos psicológicos relacionados ao meio social. 3.1.1 Self O self é o processador de informações do eu que cada indivíduo possui, armazenando dados e dando ao sujeito a capacidade de au- toconsciência, autorreflexão e identidade. Uma das características mais importantes do self é o aspecto interpessoal de seu funciona- mento, pois trabalha na criação e manutenção dos relacionamentos, no desempenho de papéis sociais e na conservação da posição do sujeito no sistema social (ARONSON; WILSON; AKERT, 2018). Assim, muitas vezes, uma pessoa, por diversos fatores – como a criação familiar, o meio social em que passa a infância e a juventude e até mesmo a sua própria predisposição individual –, identifica seu papel social como de criminoso. O quão difícil seria mudar essa maneira de enxergar a si mesmo? Pense, por exemplo, em um garoto chamado Adriano que nasceu em uma famí- lia na qual o pai estava preso e a mãe trabalhava muito para sustentar os filhos. Ele mora em uma comunidade dominada por uma grande facção criminosa. Ao longo da sua vida, desde a infância, ocupou diversos papéis relacionados ao tráfico de drogas, desde “aviãozinho” (no jargão policial, trata-se da pessoa que leva substâncias tóxicas para um comprador e volta com o dinheiro para o dono da droga) até “braço direito” do chefe do tráfico. Com base na situação apresentada, imaginemos que Adriano, já adulto, tenha sido preso. O quão difícil seria reintegrá-lo à sociedade, abandonando completamentequalquer tipo de comportamento crimi- noso? Tudo isso é estudado pela psicologia social. Conhecer os conceitos da psicologia social aplicados à justiça criminal. Objetivos de aprendizagem 66 Psicologia social aplicada à segurança 3.1.2 Crenças e valores Dois conceitos podem nos ajudar a entender o desenvolvimento de Adriano – o garoto citado no exemplo anterior, que cresceu em meio à criminalidade –, as crenças e os valores. Quando recebemos informa- ções do mundo que nos cerca, nós as interpretamos e vamos grada- tivamente as integrando às informações que já possuímos. Durante o nosso desenvolvimento, graças à interação com o meio, formamos crenças acerca do que nos rodeia. Assim, uma crença desenvolve-se na infância por meio da interação com pessoas significativas e por um conjunto de acontecimentos que vai confrontando e comprovan- do uma ideia inicial. As crenças são, por conseguinte, universais e estáveis, produzindo, desse modo, pensamentos automáticos apreciados como “verdades absolutas”. As situações com que nos defrontamos são, então, ava- liadas com base nessas crenças centrais, por isso alguns indivíduos supervalorizam informações congruentes com essas crenças e me- nosprezam as que lhes são opostas. Talvez por essa razão Adriano tenha sido influenciado (inclusive em suas crenças) a respeito do tipo de vida que pretendia ter. Essa relação está longe de ser necessária, ou seja, não há uma relação de causa e efeito entre ser criado em de- terminado ambiente e compartilhar das mesmas crenças. Contudo, o conhecimento psicológico sugere que as influências sociais impactam o comportamento das pessoas. Da mesma forma, essas crenças são estabelecidas como valo- res pessoais, ou seja, orientam a atitude e o comportamento das pessoas. Trata-se de julgamentos sobre a melhor forma de se viver e de organizar suas prioridades. Os valores transcendem situações e ações específicas, guiando a seleção e a avaliação de ações, políticas, pessoas e eventos, bem como são ordenados pela importância re- lativa aos demais (ALVES, 2018; SCHWARTZ, 1992). Os valores orien- tam as atividades e os anseios das pessoas, tendo, portanto, função fundamental em suas vidas. Os valores humanos são formados por meio de experiências positivas ou negativas com relação a experiências vividas, as quais estão relacio- nadas ao estabelecimento e à organização das crenças que levam a con- formidades relativamente estáveis, que são os valores (ROKEACH, 1973). Psicologia social e justiça criminal 67 Logo, quando recorremos ao exemplo de Adriano, que cresceu em meio à marginalidade, fica claro quais valores ele terá como base para suas atitudes, os quais, inevitavelmente, orientarão grande parte de seus comportamentos. Assim, existe uma realidade objetiva no mundo exterior, mas sem- pre a enxergamos pelas lentes de nossas crenças e nossos valores, que, ao longo do tempo, confrontamos constantemente com os fatos, de modo a compreendê-los melhor, verificando e restringindo nossos pontos de vista. A observação e a experimentação sistemáticas das nossas crenças e valores nos ajudam a ajustar o foco pelo qual inter- pretamos o mundo real, ou seja, enxergamos nossos mundos sociais por meio dos óculos de crenças, atitudes e valores (MYERS, 2014). Por essas razões, consideramos que as crenças e os valores são importantes, já que moldam nossa interpretação a respeito de nossas interações, afetando significativamente o nosso modo de construir mentalmente os fatos. Como regra geral, obtemos mui- tos benefícios de nossas pressuposições, da mesma forma que, por exemplo, a ciência beneficia-se com a criação de teorias que orien- tam a percepção e a interpretação do mundo. Todavia, muitas ve- zes nos tornamos prisioneiros de nossos padrões de pensamento. Como afirma um antigo ditado chinês: “Dois terços do que vemos está atrás de nossos olhos”. O ditado fala sobre a sabedoria milenar oriental que sugere a in- fluência de nossos valores e crenças na interpretação de diferentes estímulos em nossas rotinas diárias. Dessa forma, as crenças e os valores estão relacionados a dois temas que discutiremos adiante: as atitudes e os comportamentos. Existe uma relação próxima entre valores, crenças e atitudes, estando interligados no sistema cognitivo do indivíduo. Os dois primeiros constituem-se na disposição de uma pessoa e auxiliam no estabelecimento de atitudes e avaliações acerca de tudo que compõe o mundo. As crenças e os valores, tanto pessoais quanto culturais, parecem estar vinculados de maneira direta e indireta a diferentes aspectos 68 Psicologia social aplicada à segurança do comportamento humano, podendo, portanto, influenciar atitudes, decisões e comportamentos (TORRES et al., 2015). 3.1.3 Norma social Antes de tratarmos de atitudes e comportamentos, outro conceito relevante e aplicável ao exemplo de Adriano é o de norma social. Ela é composta de costumes habituais exibidos por um grupo, por servirem para alcançar suas necessidades básicas. Trata-se de um modelo de se comportar relativo a um grupo social em uma sociedade, que, se não respeitado, gera uma sanção. Norma social é uma regra explícita ou implícita que propõe um com- portamento valorizado pela sociedade (SHERIF, 1936). Logo, normas são padrões para comportamentos aceitos e esperados pela maioria das pessoas, sendo normais para determinado grupo (MYERS, 2014), como podemos ver na figura a seguir: Figura 1 Exemplo de norma social M yv is ua ls /S hu tte rs to ck O uso do véu (hijab) por mulheres muçulmanas é um exemplo de norma social. Por exemplo, uma forma particularmente eficiente de aprender as normas de nosso grupo ou cultura é visitar outra cultura e ver que para algumas pessoas uma norma social pode parecer absurda, enquanto para outras é algo comum, corriqueiro. Psicologia social e justiça criminal 69 3.1.4 Atitudes e comportamentos Outra teoria da psicologia social de grande relevância para as fa- ses de aplicação da justiça criminal é a teoria de atitudes. Ao con- trário do que o senso comum sugere, a atitude não é uma ação, mas sim uma avaliação. Atitudes são orientações valorativas a respeito do mundo, de qualquer componente do ambiente que possa ser representado psicologicamente. Isto é, são parâmetros avaliativos sobre um objeto, seja ele físico ou social. Quando os psicólogos sociais tratam da atitude de uma pes- soa, estão se referindo a valores, crenças e sentimentos avaliativos relacionados a algo (pessoa, fato ou objeto) e à sua consequente tendência de comportamento. Consideradas em conjunto, as rea- ções avaliativas favoráveis ou desfavoráveis a algo – muitas vezes enraizadas em crenças e exibidas em sentimentos e inclinações para agir – definem a atitude de uma pessoa (ARONSON; WILSON; AKERT, 2018; MYERS, 2014). Nesse sentido, acreditamos que as atitudes possuem três componentes: Afetivo ou avaliativo: reflete o fato de a pessoa gostar ou não do objeto ou da situação avaliados. Cognitivo: consiste nas crenças que as pessoas têm sobre o que estão avaliando. Comportamental: representa as tendências comportamentais. Para a psicologia social, a ação – exteriorização de uma atitude – é o comportamento, ou seja, a maneira como a pessoa se comporta e reage no meio em que vive diante de situações e estímulos recebidos; podemos dizer, então, que a ação é o modo de agir do ser humano perante o seu ambiente. th en at ch dl /d av oo da /S hu tte rs to ck 70 Psicologia social aplicada à segurança Algumas pesquisas já demonstraram possibilidades de influência das atitudes em comportamentos, principalmente em circunstâncias como: Quando as atitudes são baseadas em experiências diretas. Quando a pessoa avalia os componentes da intenção comportamental (crença que tem com relação ao que os outros acham que ela deve ou não fazer). Quando o comportamento tem consequências relevantes para a pessoa. Quando a percepção da pessoa se dá com relação aoseu controle comportamental, em uma teoria dominada pelo comportamento planejado (que será mais aprofundado adiante). Ainda recorrendo ao exemplo de Adriano, para facilitar a compreen- são do conceito, percebemos a forma e a estrutura de suas crenças e seus valores ao longo de sua vida, que vão orientar suas atitudes, sua avaliação de tudo que o cerca e, de alguma forma, seu comportamento. Nesse contexto, o sujeito pode vir, por exemplo, a ter atitudes positivas ou negativas com relação a drogas e armas, o que, por sua vez, pode influenciá-lo a aceitar convites e a se envolver em situa- ções delitivas que envolvam esses artifícios. Portanto, a influência das atitudes nos comportamentos e na sua capacidade preditiva pode variar de acordo com as variantes individuais, as normas, a influência social, entre outros. Sendo assim, entendemos que crenças, valores e atitudes in- fluenciam comportamentos delitivos. Mas essas teorias têm somen- te papel nesse recorte da justiça criminal? Naturalmente não, pois da mesma forma que esses fenômenos da psicologia social são a base de comportamentos delitivos, também influenciam todos os indivíduos envolvidos no processo criminal, desde o policial que está lidando diariamente com a criminalidade, passando pelos advoga- dos que buscam subsídios para defender seus clientes, chegando aos promotores de justiça e juízes que vão julgar os acusados. Todas essas pessoas têm seus comportamentos embasados nesses impor- tantes fenômenos da psicologia social. Em suma, a Figura 2 sintetiza o processo delitivo de um criminoso. Comumente, não são comportamentos isolados e espontâneos, sem Psicologia social e justiça criminal 71 base individual e social, e sim construções ao longo da vida relaciona- das ao meio social em que o indivíduo está incluído. Figura 2 Processo delitivo de um criminoso Vi ct or M et el sk iy/ Rv ec to r/ Sh ut te rs to ck Crenças: conjunto de ideias formadas, estruturadas e estabelecidas por uma pessoa como pensamentos automáticos apreciados como verdades. Valores: crenças relativamente estáveis, ligadas à emoção, que geram sentimentos; constructo motivacional que orienta as atitudes das pessoas. Normas sociais: costumes habituais exibidos por um grupo; regras de comportamento social, explícitas ou implícitas, que propõem um comportamento valorizado pela sociedade. Atitudes: orientações valorativas a respeito do mundo e de qualquer componente do ambiente que possa ser representado psicologicamente; parâmetros avaliativos de um objeto, seja ele físico ou social. Comportamentos: respostas observáveis de uma pessoa por meio da exteriorização de suas atitudes; maneira como uma pessoa se comporta e reage perante o meio em que vive, diante de uma situação e dos estímulos recebidos. Fonte: Adaptada de Aronson; Wilson; Akert, 2018. Portanto, as relações entre atitudes e comportamentos são dinâ- micas. Mesmo em nível abstrato, os conceitos são complementares. Ao tratarmos de crenças, valores, normas sociais, atitudes e com- portamentos, referimo-nos a uma proposição conceitual da análise psicológica de nossas interações. Vamos trabalhar com esses ele- mentos ao longo do capítulo. 3.1.5 Teoria do comportamento planejado – atitude e comportamento Essa teoria analisa a relação entre atitudes e comportamentos (AJZEN, 1991). Um conceito importante é a noção de controle com- portamental percebido, que se refere à percepção do indivíduo quanto ao grau de dificuldade ou facilidade de engajamento em de- terminado comportamento. 72 Psicologia social aplicada à segurança Por exemplo, caso um indivíduo queira praticar um roubo, mas veja que há muitos policiais próximos ao local escolhido, certamente entenderá que não é o momento adequado, deixando para externalizar esse comporta- mento em outra oportunidade no mesmo local ou em um destino diferente, ou simplesmente desistindo daquela conduta. Esse é o seu controle perce- bido de comportamentos. Assim, a teoria do comportamento planejado sugere que uma ati- tude delituosa (a avaliação positiva da pessoa com relação à prática de crimes) somada às normas subjetivas em que está inserida, que re- forçam a normalidade desse tipo de conduta e a crença individual do quanto é fácil ou difícil de se engajar em determinado comportamen- to delituoso (controle comportamental percebido), levam-nos ao caso de Adriano, que estamos usando como exemplo, para que possamos avaliar o quanto ele deverá se esforçar para desempenhar um compor- tamento criminal, culminando na sua transição para a ação, ou seja, o crime cometido. Para facilitar nosso entendimento, a Figura 3 traz a representação gráfica dessa teoria: rik ky al l/S hu tte rs to ck Figura 3 Versão simplificada da teoria do comportamento planejado Comportamento delituoso Intenção comportamental: pretensão, desejo de se comportar de determinada maneira. Atitude Norma subjetiva: modelo de comportamento relativo a um grupo social em uma sociedade, que, se não respeitado, gera uma sanção. Controle comportamental percebido: percepção do indivíduo quanto ao grau de dificuldade ou facilidade de engajamento em determinado comportamento. Fonte: Adaptada de Ajzen, 1991. Psicologia social e justiça criminal 73 Imagine outra situação em que um indivíduo tenha sido criado em um am- biente no qual a violência física fosse recorrente. É possível que as normas subjetivas daquele contexto familiar sugerissem ao indivíduo que a violên- cia é algo normal e positivo. Em certo dia, após se envolver em um conflito na escola, ele resolve responder a alguém com agressão física. Assim, suas normas, bem como suas atitudes e seu controle comportamental apresen- tados, sugerem que a repetição desse comportamento pode se estabelecer. Digamos que ele retornasse para casa sem que houvesse represálias e o conflito com aquele indivíduo não tivesse acontecido, essa decisão passa- ria a ser incentivada. A teoria do comportamento planejado oferece um modelo analíti- co para analisarmos a relação entre atitudes e comportamentos. Por meio dela, os comportamentos podem ser interpretados com base em conceitos úteis e objetivos. 3.1.6 Influência social Mesmo conhecendo o caminho que leva uma pessoa a estabele- cer crenças, valores e atitudes (fenômenos psicológicos que possuem grande relevância na predição de comportamentos), muitas vezes existem situações que levam a comportarmos diversos a essa estru- tura estabelecida. Denominamos esse fenômeno de influência social ou influência do grupo, que se refere à indução do comportamento por algum tipo de pressão social. Com relação à justiça criminal, destacamos a importância de en- tender o fenômeno da conformidade, que é uma alteração de com- portamentos ou crenças como resultado da pressão do grupo (duas ou mais pessoas que, por mais de alguns instantes, interagem e in- fluenciam-se mutuamente, percebendo-se como “nós”). Portanto, no caso de Adriano, mesmo que ele muitas vezes pu- desse entender inicialmente alguns comportamentos delitivos como errados, acabava se conformando em praticá-los, devido à influência do grupo no qual estava inserido. Essa influência pode ser normativa, quando a conformação está embasada no desejo de uma pessoa de satisfazer às expectativas dos outros para obter aceitação (quem não quer ser aceito? Com Adriano não é diferente), ou informativa, quan- 74 Psicologia social aplicada à segurança do as pessoas aceitam evidências da realidade fornecidas por outras pessoas porque têm o desejo de estarem certas. Um exemplo comum de influência do grupo é o fenômeno da de- sindividualização, ou seja, a perda da autoconsciência e do receio de avaliação que ocorre em situações que promovem a capacidade de resposta às normas do grupo, sejam elas boas ou más. Nesses casos, muitas vezes as pessoas se comportam conforme o grupo, sem nem ao menos pensar nas consequências daqueles atos, apenas seguindo o fluxo, poisdeixam de ser uma pessoa independente para ser inter- dependente, apenas um membro de um grupo. Figura 4 Exemplo de desindividualização em manifestações Ha lfp oi nt /S hu tte rs to ck A desindividualização é muito comum em grandes grupos, como gangues, manifestantes e torcidas organizadas. Esse é um típico caso de influência normativa, pois está fortemen- te ligado ao anseio de satisfazer às expectativas dos outros para a aceitação de sua imagem social, sendo muitas vezes influenciados, sem sua consciência, por regras implícitas ou explícitas de um grupo, mesmo sem a aceitação privada (ARONSON; WILSON; AKERT, 2018; MYERS, 2014). Psicologia social e justiça criminal 75 3.2 Punição, crime e recuperação: a visão da psicologia social Vídeo Discutimos como as crenças, os valores, as normas e as atitu- des podem influenciar os comportamentos, assim como a influência social daqueles que fazem parte do grupo no qual alguém está in- serido. Todavia, mudar comportamentos também é uma estratégia relevante para a mudança de atitudes. Assim, é importante ressaltarmos que o caminho em que com- portamentos influenciam a mudança de atitudes existe, principal- mente porque o próprio funcionamento do self leva as pessoas a alinharem seus comportamentos e suas atitudes, buscando o ge- renciamento de impressão (necessidade de se apresentar de modo consistente). Nós também buscamos evitar a dissonância cogniti- va (desconforto causado pela discrepância entre comportamentos e cognições), pois, para reduzir o desconforto, justificamos nossas ações para nós mesmos. Ademais, de acordo com a teoria da autopercepção, nossas ações são autorreveladoras, ou seja, quando não temos certeza sobre nossos sentimentos ou crenças, buscamos pistas observando nos- so comportamento passado e, dessa forma, passamos a acreditar naquilo que defendemos (MYERS, 2014). Assim, todas essas teorias apresentadas explicam que uma mudança de comportamento pode ser de grande relevância na mudança de atitudes de uma pessoa. Nesse sentido, um exemplo bastante conhecido na literatura é o role playing, ou seja, o desenvolvimento de um papel social que se refere a um conjunto de normas que define como as pessoas em dada posição social devem se comportar. Uma pesquisa clássi- ca nessa temática é o estudo de prisão simulada desenvolvido por Philip Zimbardo (1971) com estudantes universitários do departa- mento de psicologia da Universidade Stanford. Os estudos de Stanford apresentaram como resultado uma mis- tura de realidade e ilusão, desempenho de papéis e identidade pró- pria, ou seja, os comportamentos estabelecidos influenciaram as Conhecer as teorias da psicologia social sobre pu- nição, crime e recuperação. Objetivos de aprendizagem 76 Psicologia social aplicada à segurança atitudes dos alunos e, consequentemente, os seus comportamentos futuros. Outro exemplo importante de que um comportamento pode in- fluenciar atitudes é a prática do dizer para acreditar, pois muitas ve- zes as pessoas ajustam o que dizem para agradar os que as cercam e, quando influenciadas a defender alguma coisa da qual discordam (regra geral), sentem-se mal com isso. Todavia, se o fazem primei- ramente de maneira verbal ou por escrito e mantêm esse compor- tamento, começam a acreditar naquilo, desde que não tenham sido subornadas ou coagidas. Por exemplo, alguns pesquisadores (HIGGINS; MCCANN, 1984; HIGGINS; RHOLES, 1978) ilustraram essa funcionalidade em uma pesquisa com universitários que deveriam ler uma descrição da personalidade de uma pessoa e depois a resumir a um terceiro participante. Eles acabaram escrevendo e dizendo descrições mais positivas quando sabiam que o destinatário gostava da pessoa e, dessa forma, em um momento posterior, demostraram que também passaram a gostar mais daquela pessoa. Algum tempo depois, soli- citados a recordar do que tinham lido, lembraram de uma descrição mais positiva do que havia ocorrido de fato. Ou seja, nós tendemos a adaptar nossas mensagens para os ouvintes, e isso pode fazer com que adaptemos nossas atitudes a isso. O entendimento da reprovabilidade de condutas delitivas é um dos caminhos principais para que esses tipos de práticas sejam de- sencorajadas. Contudo, pelos próprios conceitos discutidos, não adianta somente focar a mudança de comportamento sem atuar também nas crenças, nos valores, nas normas e nas atitudes dos indivíduos. O impacto torna-se reduzido quando, após o cumprimento de pena, o indivíduo retorna para um local em que as influências nor- mativas e sociais favorecem a criminalidade como algo positivo. É preciso tentar mudar suas atitudes e, mesmo não sendo tão fácil assim, suas crenças e seus valores, de modo que possa entender e lutar contra a tendência de praticar novos crimes quando voltar à condição de liberdade plena. O filme O segredo: ouse sonhar, produzido com base no livro homônimo, aborda a lei da atração e como a vida pode ser me- lhor se as pessoas agirem de modo positivo diante das situações cotidianas. Direção: Andy Tennant. EUA: Lionsgate; Roadside Atractions; Gravitas, 2020. Filme Psicologia social e justiça criminal 77 Nesse ponto, há outros conceitos da psicologia social relevan- tes na busca de mudanças de comportamentos delituosos, como o excesso de justificação e as motivações intrínsecas. De acordo com Pansera et al. (2016), o menor incentivo que fará as pessoas fazerem alguma coisa, geralmente, é o mais efetivo para fazê-las gostarem da atividade e continuarem executando-a, ao contrário de grandes recompensas. Ou seja, oferecer dinheiro para uma criança gostar de ler (grande recompensa) pode ter efeito menos relevante do que ensinar a importância da leitura, oferecer o carinho para isso e o reconhecimento quando ela pratica essa atividade. Buscar a motivação intrínseca reforça, portanto, que quando as pessoas fazem alguma coisa que gostam de fazer, sem recompensa ou coação, atribuem seu comportamento ao seu amor pela ativida- de. Recompensas externas minam a motivação intrínseca, levando as pessoas a atribuírem seu comportamento ao incentivo. Segundo a psicologia social, a mudança de valores e atitudes favorece a redução da criminalidade por meio da modificação de comportamentos. Assim, a disponibilização de oportunidades de mudanças em condições de socialização reduz comportamentos criminosos, ou seja, faz com que a mudança de atitudes, crenças e valores fortaleça sua tendência de se motivar intrinsecamente a buscar outro caminho. 3.3 Psicologia social em depoimentos e testemunhos Vídeo Abordadas as principais teorias relativas às influências que po- dem levar pessoas à prática de comportamentos delituosos, vamos passar aos fenômenos psicológicos sociais relacionados ao ordena- mento jurídico, de maneira um pouco mais ampla que o crime, sua ocorrência e seu processo de evitação. Para tanto, utilizaremos um caso real para a análise das próximas temáticas, com base na repor- tagem a seguir: 78 Psicologia social aplicada à segurança Charles Ray Finch foi acusado de assassinar o dono de um posto de gasolina, Richard Holloman, na Carolina do Norte em 1976. Finch sempre negou o crime, mas, mesmo com provas de que estava em outro local quando o caso ocorreu (estava jogando pôquer com amigos), foi identificado como o autor por um fun- cionário do estabelecimento, Lester Floyd Jones, o qual afirmava que os agresso- res eram três homens negros, um deles vestindo um casaco comprido e portando uma espingarda de cano serrado, com a qual atirou na vítima. Depois desse relato, policiais abordaram o acusado e revistaram seu carro, no qual encontraram um cartucho de espingarda. Finch, ordenado a vestir um casaco longo, foi colocado ao lado de outros homens negros, que vestiam roupas dife- rentes, para identificação. Então, Jones o identificou como o criminoso. Durante o julgamento, a acusação alegou que o cartucho pertencia à arma de Finch, e a au- tópsia afirmou que os ferimentosda vítima foram feitos com tiros de espingarda. Décadas depois, o caso de Finch foi revisado, graças aos trabalhos de um grupo de estudantes de Direito da universidade Duke, sendo atestado que a arma dos disparos foi uma pistola, garantindo, assim, a liberdade de Finch depois de 43 anos preso injustamente. Fonte: Adaptado de Corrêa, 2019. Estudo de caso • Conhecer a aplicação de conceitos da psicologia social em depoimentos e confissões. • Discutir os processos psicológicos aplicados à justiça criminal. Objetivos de aprendizagem Por mais que o erro testemunhal não tenha sido o único equívo- co no caso da condenação injusta de Finch, por que frequentemente ocorrem erros desse tipo? Esses erros levaram à criação de um pro- grama denominado de Projeto Inocência, que já identificou mais de 250 casos de pessoas que foram inocentadas de crimes por meio de provas de DNA ou acusadas injustamente, na maioria dos casos, por identifica- ções equivocadas de testemunhas e confissões forçadas. Naturalmen- te, um tema de tamanha relevância é estudado pela psicologia social. 3.3.1 Depoimentos de testemunhas oculares Diversas pesquisas demonstram que histórias vividas e testemu- nhos pessoais podem ser poderosamente persuasivos, particular- mente em comparação com informações abstratas, ou seja, dizer que viu algo mesmo sem a certeza disso pode ter um poder de con- vencimento elevado (WELLS, 2005). Mesmo com tamanha importân- cia, ainda é muito comum ocorrerem erros de testemunhas oculares de crimes. E por que isso acontece? Vamos tentar entender um pou- co melhor agora. Os erros estão presentes em nossas percepções e memórias por- que nossas mentes não são precisas como máquinas fotográficas O vídeo Projeto Inocência: jovem passa dois anos preso por crimes que não cometeu mostra a realida- de de um homem preso injustamente e reforça a importância de julgamen- tos que sejam apurados de modo adequado para que não aconteçam injustiças a vulneráveis. Nesse sentido, o Projeto Inocência mostra-se muito importante. Disponível em: https://globoplay. globo.com/v/9427974/. Acesso em: 10 ago. 2021. Vídeo https://globoplay.globo.com/v/9427974/ https://globoplay.globo.com/v/9427974/ Psicologia social e justiça criminal 79 com uma grande memória, nas quais podemos gravar com precisão e detalhe cada um dos eventos vivenciados e depois buscá-los com acurácia e precisão de detalhes. Pesquisas mostram que somos bons em reconhecer um rosto retratado quando mais tarde é mos- trado o mesmo retrato ao lado de um novo rosto; por outro lado, nossa visão tem dificuldade de lidar com diferenças sutis nas pers- pectivas, nas expressões e na iluminação, pois construímos nossas memórias parte com base no que percebemos no momento que es- tamos tentando lembrar e parte em nossas expectativas, crenças e conhecimento atual. Por isso, não fica difícil entender a razão de Lester ter confundi- do Finch como o autor do crime de homicídio com base nas poucas características recordadas. Somado a isso, fortes emoções comumente presentes em quem vivenciou um crime podem afetar memórias de testemunhas oculares. Por exemplo, em uma pesquisa de 2009, visitan- tes do The London Dungeon (O Calabouço de Londres) – uma atração turística localizada em Londres, Inglaterra, que recria vários eventos históricos macabros, oferecendo uma experiência de terror com ato- res, efeitos especiais e passeios – foram monitorados em suas fre- quências cardíacas, e os resultados demostraram que os que tiveram maior emoção posteriormente cometeram mais erros na identificação de alguém que eles tinham encontrado durante a visita (VALENTINE; MESOUT, 2009). Figura 6 London Dungeon Pa no ra m io u pl oa d bo t/ W ik im ed ia C om m on s Visitantes entrando no London Dungeon. 80 Psicologia social aplicada à segurança Além disso, memórias falsas podem acabar se transformando em memórias reais e serem tão persuasivas quanto se fossem verdadei- ras. Por exemplo, em um estudo, pesquisadores passaram dez se- manas dizendo a crianças “reflita profundamente e me diga se isso já aconteceu com você”: “você se lembra de ter ido ao hospital com uma ratoeira presa em seu dedo?”. Quando entrevistadas posteriormente por um novo adulto e feita a mesma pergunta, 58% das crianças em idade pré-escolar produziram histórias falsas e frequentemente deta- lhadas do evento fictício (CECI; BRUCK, 1993a, 1993b, 1995). Isso também ocorre com adultos. Por exemplo, em um estudo com estudantes universitários norte-americanos e britânicos, foi solicitado que os participantes lembrassem de eventos de sua infância, como quebrar uma janela com a mão ou uma enfermeira retirar uma amos- tra de sangue. Como resultado, cerca de 25% dos participantes apre- sentaram memórias falsas (MAZZONI; MEMOM, 2003). Esse fenômeno ocorre porque, ao buscarmos na memória e tentarmos visualizar algu- ma coisa ativa, o cérebro tem boas chances de construir a cena como se de fato a tivéssemos vivenciado (GONSALVES et al., 2004). Detalhando esse fenômeno, testemunhas oculares frequente- mente estão equivocadas porque, para ser precisa na identificação do evento, uma pessoa deve completar em plenitude três fases do processamento da memória. 1ª A fase de aquisição é quando notamos todas as informações do ambiente que nos cerca e prestamos atenção a elas, o que é impossível para a nossa capacidade humana. Por essa razão, acabamos selecionando algumas informações. Nessa fase, o recebimento de informações é limitado por di- versos fatores, como o tempo de observação da cena, a natureza das condições de visibilidade, o estresse, entre outros. No caso do crime na Carolina do Norte, certamente Lester atentou a somente alguns detalhes dos possíveis autores e o restante foi uma constru- ção com base nas próprias perguntas feitas pelos policiais e pelas informações posteriores ao crime, as quais lhe fizeram criar uma imagem-expectativa do possível assassino. Mais especificamente com relação a essa etapa, geralmente eventos criminosos são justamente recheados desses obstáculos de aquisições Psicologia social e justiça criminal 81 de informações, pois, em geral, ocorrem em condições de precariedade da visão, cheios de estresse e de maneira inesperada e rápida. Quando são praticados com o uso de armamento, frequentemente as testemu- nhas atentam mais às características da arma do que às peculiaridades do autor do crime, como seus traços e detalhes das vestimentas. Um fenômeno bastante comum nessa etapa é o viés da própria raça. Pesquisadores demonstraram que pessoas reconhecem melhor detalhes das faces e especificidades de pessoas da própria raça, pois os indivíduos comumente têm mais contato com pessoas da própria raça, o que permite que aprendam a distinguir melhor um sujeito de outro, ao passo que com pessoas de outras raças a tendência é apenas de focar as diferenças (BRIGHAM; MEISSNER, 2001). Esse pode ter sido mais um motivo do erro de identificação testemunhal no caso de Finch. 2ª A fase de armazenamento é o processo em que alguém guarda na memória os detalhes selecionados da cena e do fato vivenciado. Nesse caso, diversos fatores podem influenciar a maneira como a informação é armazenada e posteriormente buscada. Em algumas pessoas, que têm a capacidade de memória quase foto- gráfica, esse pedaço de lembrança guardada na memória permanecerá inalterado ao longo do tempo. Porém, a maioria das pessoas armazena memórias como se fossem fotografias impressas, que se desgastam com o tempo, e isso pode gerar diversos vieses na recordação, causan- do, no tema em estudo, vários erros testemunhais. 3ª A fase de recuperação é quando buscamos de volta as lembranças armazenadas em nossa memória, parte também influenciada por vários fenômenos, como o da memória reconstrutiva, quando informações posteriores ao evento acabam influenciando e distorcendo a lembrança original, ou o da monitoração da fonte, causada por perguntasenganosas que acabam nos levando a identificar a fonte de nossas memórias e frequentemente a relatar coisas que na verdade não estavam presentes no momento do fato. Há também o efeito do melhor palpite, que ocorre quando, por exemplo, mesmo sem ter a certeza do autor do crime de fato, a teste- munha aponta o que mais se parece com o que ela lembra. Certamente esses também foram problemas encontrados no caso da falsa acusa- 82 Psicologia social aplicada à segurança ção e condenação de Finch. Para facilitar o entendimento das fases es- tudadas, a Figura 7 representa melhor como o processo ocorre. Figura 7 Processo de compreensão das memórias Fi re of he ar t/S hu tte rs to ck Fase 2 Armazenamento: aquilo que a testemunha guarda na memória. Fase 1 Aquisição: o que é percebido pela testemunha. Fase 3 Recuperação: o que a testemunha lembra de fato. Fato Fonte: Adaptada de Aronson; Wilson; Akert, 2018. Observando essa figura, somada ao que apresentamos anterior- mente, fica claro o porquê de existirem tantos erros na identificação realizada por testemunhas oculares, uma vez que entre o evento real e a narrativa dos fatos por parte da testemunha muitas informações são perdidas ao longo do caminho, bem como há a influência de di- versos fatores supervenientes que afetam nossas memórias. Esse é o caso não só de Finch, mas de vários outros que já ocorreram ou ainda ocorrerão no processo jurídico no Brasil e no mundo. 3.3.2 Processos psicológicos em confissões As confissões, da mesma forma que os testemunhos oculares, também podem conter fatores que devem ser observados, pois nem sempre são o que parecem. Um evento bastante conhecido foi o cri- me da mulher estuprada e brutalmente espancada enquanto corria no Central Park, em Nova York, em 1989. Dada a situação, ela acabou desmaiando e, quando acordou, não lembrava de nada do ataque. Todavia, cinco adolescentes afro-americanos e hispânicos que estiveram no parque naquela noi- te acabaram presos e confessaram o crime, fornecendo, inclusive, detalhes sinistros do ocorrido (CENTRAL..., 2019). Psicologia social e justiça criminal 83 Quatro das confissões foram gravadas em vídeo e reproduzidas no julgamento e, em grande parte com base nelas, todos os adolescen- tes foram condenados e receberam longas penas de prisão. Porém, 13 anos depois, outro homem confessou esse e outros crimes que sem- pre praticava sozinho, sendo os rapazes considerados inocentes, pois as amostras de DNA correspondentes, recuperadas da vítima, não eram compatíveis com nenhum deles e sim com o homem. Mas, se desde o princípio eram inocentes, por que os adolescentes confessaram o crime? O primeiro motivo é o próprio processo de interrogatório policial, pois muitas vezes os investigadores já estão convictos de que o sus- peito é culpado, e essa crença influencia a maneira que eles conduzem o interrogatório e até mesmo a lembrança dos interrogados (como vi- mos anteriormente sobre testemunhas oculares). Esses procedimen- tos recheados de perguntas importantes, isolamento dos suspeitos e estresse podem influenciar sobremaneira as declarações, gerando, in- clusive, confissões falsas, como nesse caso. Esse é mais um fenômeno psicológico social aplicado ao crime e à justiça criminal, mas que tem a ver com todas as temáticas estudadas até agora, pois até mesmo pessoas inocentes são capazes de mudar atitudes e comportamentos com relação a um evento passado em que elas não tiveram qualquer participação. Nesse contexto é importante tratar de um fenômeno bastante conhe- cido: o viés da perspectiva de câmera. Em alguns experimentos, os par- ticipantes precisavam assistir a um vídeo de um suspeito confessando um crime durante o interrogatório policial. Quando a perspectiva da confissão estava focada no suspeito, os participantes percebiam a con- fissão como genuína, porém quando a câmera estava voltada para o in- vestigador, identificavam-na mais como coação (LASSITER; IRVINE, 1986; LASSITER; MUNHALL, 2001; LASSITER et al., 2005). Durante muitos anos nos EUA, por exemplo, grande parte dos vídeos de confissão eram voltados ao rosto do confessor, o que gerava uma altíssima taxa de condenações baseada nesse fator. Como consequência dessas pesquisas, a Nova Zelândia instituiu uma política nacional con- tendo protocolos para que os interrogatórios policiais fossem filmados com foco tanto nos policiais quanto nos depoentes, o que tornou seus processos mais justos. A série Olhos que conde- nam foi inspirada no caso emblemático envolvendo os cinco adolescentes negros condenados pela acusação de estupro de uma mulher branca. A produção mostra os erros graves que ocorre- ram na investigação e os danos causados aos jo- vens que permaneceram presos injustamente, le- vantando questionamen- tos sobre os conceitos de verdade e justiça. Direção: Ava DuVernay. EUA: Harpo Films; Tribeca Productions; Array; Participant Media, 2019. Série 84 Psicologia social aplicada à segurança Fica claro, portanto, pelas pesquisas e pelos casos estudados, que a submissão de uma testemunha ou um acusado a muitas horas de in- terrogatório prolongado causa cansaço psicológico. Isso pode os levar, inclusive, a criar memórias inexistentes, ao extremo de até pessoas ino- centes se tornarem tão fatigadas mentalmente que acreditam serem culpadas de algo que não fizeram. Mas como resolver esse problema? Seria possível acabar com esse tipo de erro procedimental? Realmente é bastante complicado acabar totalmente com essa situação, pois muitas variáveis estão envolvidas. Nas próximas seções entenderemos melhor práticas institucionais que podem ajudar muito nesses casos, principalmente com relação às atua- ções policial e jurídica. 3.4 Fatores psicológicos na atuação policial Vídeo Os fatores psicológicos desempenham funções relevantes na atua- ção de profissionais de segurança pública. A aplicabilidade de aspectos relacionados aos conceitos da psicologia social é um recurso da gestão dos serviços de segurança pública. A capacitação desses profissionais e a realização de pesquisas sobre temas relacionados à segurança são dimensões necessárias às políticas públicas de segurança. Assim, saber que os valores, as crenças e as atitudes podem influen- ciar seus comportamentos na atuação policial e entender os diversos processos psicológicos presentes na influência social e nas normas gru- pais em que estão inseridos, as possíveis falhas na identificações de cri- minosos, as melhores práticas de prevenção criminal e policiamento comunitário ao longo do mundo, entre outros temas, deve sempre ser estudado pelos policiais não só no início de suas carreiras, mas também em cursos de especialização e aperfeiçoamento. 3.4.1 Atuação policial na prevenção imediata da criminalidade Quando temos a atuação policial na fase preventiva (policiamento os- tensivo; oficiais reconhecidos pela farda/armamento) ou na fase de re- pressão imediata, logo após a ocorrência de um crime, é importante que os policiais tenham alguns cuidados na identificação de possíveis infra- tores da lei ou em como utilizar as informações passadas pelas vítimas • Conhecer os fatores psicológicos aplicados à atividade policial. • Analisar os aspectos do treinamento policial por meio de conceitos da psicologia social. Objetivos de aprendizagem Psicologia social e justiça criminal 85 ou testemunhas oculares de crimes na busca do suspeito. É importante lembrar sempre, pelo que estudamos, que não podemos confiar no tes- temunho ocular, pois muitas vezes erros de identificação são cometidos. Portanto, ao prender um suspeito, é primordial que os policiais em operação busquem também outras provas criminais: o que o pos- sível infrator está portando; quais os produtos do crime; pedir que as testemunhas reconheçam não somente o acusado, mas também as características gerais que informem aspectos específicos de sua aparên- cia (o viés da própria raça) e até mesmo da arma utilizada(muitas vezes as vítimas ou as testemunhas focam mais a arma do que o autor). Além disso, é preciso que o policiamento em nível preventivo esteja sempre ligado à comunidade, tendo-a como parceira e buscando uma base no policiamento comunitário. É importante lembrarmos também que características do ambiente influenciam sobremaneira as práticas delituosas, e a ocupação de espaços públicos pela própria comunidade e seu adequado cuidado contribuem muito com a redução criminal e a sensação de segurança, conforme apresentam as diversas pesquisas no âmbito da prevenção criminal por meio do design ambiental (CPTED, sigla do inglês Criminal Prevention Through Environmental Design. 3.4.2 Treinamento de policiais investigadores e a redução de vieses na identificação de suspeitos No âmbito do processo de investigação, diversas ações podem ser desenvolvidas para torná-lo mais justo. Como estudamos até agora, um dos principais problemas encontrados está na identificação de acusados por meio de testemunhas oculares. Dadas essas tendências, quais reco- mendações poderiam ser dadas para aumentar a precisão nesses casos? Uma resposta geral seria sempre manter treinados e capacitados os poli- ciais para atuarem na busca de provas durante a investigação. Por exemplo, inúmeras pesquisas de psicólogos sociais identifica- ram que a precisão do depoimento da testemunha ocular pode ser prejudicada pela construção das memórias das testemunhas, das ví- timas e até dos acusados. Portanto, é fundamental, em primeiro lu- gar, deixar a testemunha contar do que se lembra sem interrupção e encorajá-la a visualizar a cena do incidente e o seu estado emocional quando ocorreu. Isso é importante porque o olho humano não é uma câmera de vídeo, e diferenças de luz e ângulo, ocorrência de estresse, 86 Psicologia social aplicada à segurança viés de raça, foco na arma, entre outros fatores, prejudicam o reconhe- cimento de um rosto. Por isso, não sobrecarregar o entrevistado de perguntas durante o in- terrogatório é primordial, pois quando informações são dadas para uma testemunha, o seu efeito pode resultar na crença de que a informação é verdadeira, mesmo sem ser algumas vezes. Vemos isso, inclusive, em ca- sos de confissões de crimes não cometidos, pois a sequência de eventos em um crime foi relatada repetidamente aos acusados, que acabaram confessando e até inventando detalhes de algo que não ocorreu. Outro ponto relevante é com relação à utilização de fotografias, pois a literatura demonstra que usar inúmeros retratos de rostos também re- duz a precisão na posterior identificação do culpado, já que, em geral, as testemunhas necessitam parar, pensar e comparar rostos de modo ana- lítico. Por exemplo, testemunhas que ajudam a fazer um retrato falado posteriormente têm mais dificuldade para identificar o rosto verdadeiro em uma fileira de suspeitos (WELLS, 2005). A identificação precisa ser automática e com pouco esforço mental. Pesquisas demonstraram, por exemplo, que testemunhas oculares que fizeram suas identificações em menos de 10 a 12 segundos estavam quase 90% corretas; aquelas que levavam mais tempo estavam apenas aproximadamente 50% corretas. Embora outros estudos contestem uma regra pura de 10 a 12 segundos, eles confirmam que identificações mais rápidas são geralmente mais precisas (DUNNING; PERRETTA, 2002; WEBER et al., 2004). Nesse sentido, é importante não cansar demais os depoentes, pois, ao estarem psicologicamente fatigados, podem relatar informações incorretas ou falsas, mesmo sendo interrogados por investigadores experientes. Por isso, além dessas técnicas de entrevistas, atualmente devemos contar com o apoio de ferramentas tecnológicas: provas de DNA; depoimentos registrados eletronicamente e com foco tanto no suspeito quanto no investigador; polígrafos 1 ; entre outras técnicas mais modernas, que devem sempre estar à disposição dos policiais no proces- so de investigação. Outro ponto importante estudado pela psicologia social nas investiga- ções é o processo de identificação de autores criminais em filas – aqueles procedimentos aos quais já assistimos em filmes, em que os suspeitos ficam em filas e as testemunhas, em outra sala, protegidas por um vidro Um polígrafo, popular- mente conhecido como detector de mentiras, é um dispositivo ou proce- dimento que mede e registra vários indicadores fisiológicos, como pressão arterial, pulso, respiração e condutividade da pele, enquanto uma pessoa é questionada e responde a uma série de perguntas. 1 Psicologia social e justiça criminal 87 espelhado, tentam identificar o possível autor. O tema é tão relevante que gerou até recomendações na literatura (ARONSON; WILSON; AKERT, 2018; MYERS, 2014). Nesse sentido, aconselhamos, entre outras coisas: que seja dito às testemunhas que o suspeito pode ou não estar no grupo; que o organizador da fila não saiba quem é o suspeito; que todos na fila se assemelhem à descrição do suspeito; que ao utilizar fotografias, estas sejam apresentadas sequencialmente e não simultaneamente; que sejam separadas amostras de rosto, corpo e voz para a identificação das testemunhas oculares, pois pesquisas demonstraram que a maioria foi precisa na identificação do suspeito por rosto, corpo e voz. Assim, mesmo sabendo que ainda diversas inovações podem surgir no processo investigativo, o importante é sempre dispor aos policiais e seus membros ferramentas tecnológicas e capacitação adequada além de, é claro, condições dignas de trabalho para que possam obter resulta- dos mais precisos e justos relacionados ao cometimento, à prevenção e à investigação de crimes. 3.5 Fatores psicológicos no processo de justiça e no tribunal do júri Vídeo Por fim, após abordados os processos da psicologia social desde a fase preliminar até a ocorrência dos crimes, com os fenômenos que co- laboram com a ocorrência de comportamentos delituosos, assim como as influências no processo de identificação e investigação após a ocor- rência de crimes, passaremos a tratar da fase jurídica. Sabemos que no Brasil e no mundo há diferenças no ordenamento e no processo judi- cial, mas buscaremos trazer fenômenos relevantes, que possam redu- zir a ocorrência de injustiças nessas fases, pois, por mais que a justiça se cumpra sempre, condenar um inocente pode gerar consequências muito mais graves do que não punir o verdadeiro culpado. Conhecer os fatores psicológicos aplicados ao processo criminal. Objetivos de aprendizagem 88 Psicologia social aplicada à segurança Nesse sentido, um tribunal não deixa de ser uma amostra do mun- do social, no qual estão presentes os diversos processos sociais coti- dianos, com consequências importantes para os envolvidos. Em casos criminais, os fatores psicológicos estudados no capítulo estão presen- tes em todos aqueles que vão participar do processo de julgamento, desde o acusado, passando pelas vítimas e testemunhas, chegando aos jurados (se for o caso), promotores e juízes. Sendo assim, apenas reforçamos que a construção de valores, crenças e normas sociais dos membros do Poder Judiciário está presente nessa equação e, por- tanto, deve ser utilizada com correção para não gerar prejuízos injus- tos às partes envolvidas. A primeira ideia é justamente que, assim como recomendamos para o caso dos policiais, as carreiras jurídicas tenham em algum momento da sua formação – seja nas faculdades jurídicas, seja nos concursos, seja nos cursos de carreira jurídica – a temática da psicologia social. Dessa maneira, já temos o alcance de um objetivo, que é o conheci- mento das influências de crenças, valores, atitudes e normas sociais, de modo que elas sejam utilizadas em favor da justiça, e não enviesadas no processo de julgamento. Ou seja, é importante que não só os advo- gados, mas principalmente os promotores e juízes deixem de lado suas preconcepções de vítimas, criminosos e policiais para avaliar os casos em julgamento da maneira mais plena possível.Para que isso aconte- ça, é necessário que conheçam minimamente como os processos psi- cológicos sociais acontecem. Por sua vez, no caso dos processos relativos ao tribunal do júri, há ainda um aditivo, que é a participação de pessoas da comunidade com o poder de condenar ou absolver acusados. Em alguns países do mun- do, o júri julga outros tipos de crime, mas no Brasil somente os cri- mes dolosos contra a vida são julgados. Independentemente do tipo de crime julgado, diversos processos psicológicos sociais são passíveis de identificação no tribunal do júri. O primeiro deles é o de persuasão, pois durante aquele processo de julgamento, em que pese existirem provas, testemunhos e linhas de pensamento, não há dúvida de que o papel persuasivo dos acusadores (no Brasil, a promotoria) e defensores (advogados de defesa) é de grande relevância no convencimento dos jurados a acreditar nas provas oferecidas. Nesse sentido, de maneira bem resumida, a persuasão, que é um tipo de influência social, pode ser definida como o processo pelo qual Psicologia social e justiça criminal 89 uma mensagem induz a mudança de crenças, atitudes ou comporta- mentos. Os caminhos que levam à persuasão são principalmente a remoção de obstáculos, pois, basicamente, o comunicador persuasivo no tribunal precisa fazer seus ouvintes prestarem atenção nele e na mensagem que está passando, compreenderem-na, acreditarem nela, lembrarem-se dela posteriormente na hora de votar a respeito da cul- pa ou inocência de alguém e comportarem-se de acordo com o que foi convencido pelo comunicador, seja ele de acusação ou defesa. Existem diversas teorias sobre persuasão disponíveis na literatura, mas vamos apenas examinar as que estão mais relacionadas ao pro- cesso do júri. Antes disso, é importante entendermos que os elementos da persuasão são: Comunicador: quem passa a mensagem. Canal de comunicação: como é dito. Mensagem: conteúdo que se quer informar. Público: para quem se diz (os jurados). Assim, os comunicadores são mais persuasivos se parecerem verossímeis e atraentes, mas não somente eles, pois o mesmo se aplica aos acusados de crimes. Por exemplo, pesquisas demonstraram que estudantes com uma descrição de um caso criminal com fotografias de réus atraentes ou Fi re of he ar t/ Tu ka ng D es ai n/ Sh ut te rs to ck 90 Psicologia social aplicada à segurança não para eles acabaram por julgar o mais atraente menos culpado e condenar o outro a uma pena menor (EFRAN, 1974). Em outro ex- perimento, participantes foram solicitados que julgassem a culpa de réus com rostos de características infantis e outros com rostos mais maduros. Os adultos com rostos infantis (pessoas com olhos grandes e redondos e queixos pequenos) pareciam mais inocentes e foram considerados culpados com mais frequência por crimes de mera ne- gligência, mas com menor frequência por atos criminosos intencionais (ZEBROWITZ-MCARTHUR, 1988). Outro fator bastante relevante também relacionado ao processo de persuasão é a semelhança com os jurados, pois isso leva a sermos mais simpáticos para com um réu com o qual podemos nos identificar, uma vez que, se pensarmos que não cometeríamos aquele ato crimino- so, podemos supor que é improvável que alguém como nós o fizesse. Alguns experimentos demonstraram, por exemplo, que quando participantes exercem o papel de jurados, demonstram ser mais sim- páticos a um réu com quem compartilha atitudes, religião, raça, gêne- ro, posição política e até língua. O viés racial do jurado é geralmente pequeno, mas é constatada uma tendência a tratar grupos raciais di- ferentes do seu de modo menos favorável (SELBY; CALHOUN; BROCK, 1977). Além disso, em casos de agressão sexual, também foi observada a tendência a tratar pessoas de gênero diferente do jurado de maneira menos favorável (TOWSON; ZANNA, 1983). Com base nessas pesquisas, é natural que a escolha dos jurados em países em que essa atribuição cabe à defesa e à acusação (como vemos nos filmes) ou sua dispensa (como acontece no Brasil) pode ser um processo muito mais científico do que intuitivo. Em diversos julgamentos, pesquisadores prestam consultoria na “seleção científi- ca do júri” para ajudar advogados a eliminar aqueles propensos a não serem simpáticos. Também muitos deles têm se apoiado nessas téc- nicas para identificar as perguntas que podem ser usadas para excluir aqueles com tendência a ser contra seus clientes, e a maioria relata satisfação com os resultados. Mas não é somente isso, outros fenômenos também estão pre- sentes, como o da reatância psicológica, que ocorre quando alguém ameaça nossa liberdade de ação. As reações tendem a ser negativas Psicologia social e justiça criminal 91 quando existem imposições contra a liberdade de escolha e a auto- nomia. Por exemplo, durante um tribunal do júri, uma ordem do juiz para ignorar um depoimento ou uma afirmação do advogado de de- fesa para que o passado do réu seja completamente desconsiderado pode ter um efeito oposto, aumentando o impacto daquela prova, em especial se a fala for de caráter emocional, como a descrição deta- lhada de um crime anterior com crueldade. Por mais que os jurados tendam a afirmar que respeitam o devido processo legal e não consi- deram a prova juridicamente descartada em sua decisão, as pesqui- sas demonstram que essas informações são levadas em consideração pelos jurados, mesmo que implicitamente. Além dessas questões individuais, não podemos descartar a in- fluência do grupo no processo de decisão do jurado. Um caso mui- to comum de influência social que ocorre em discussões comuns e acaba sendo transportado também para o júri é o fenômeno da polarização, na qual ocorre o aumento das tendências preexisten- tes dos membros produzidas pelo grupo após a discussão de ideias. Ou seja, caso um jurado queira convencer outro a mudar de ideia, pode ocorrer o contrário e só reforçar sua posição inicial. Por outro lado, um fenômeno grupal comum na psicologia social é a influência da minoria, que, sendo consistente e persistente em seus pontos de vista, acaba transmitindo uma autoconfiança tão forte que causa deserções da maioria e, consequentemente, mudanças de atitudes com relação ao acusado. Por fim, outro fenômeno psicológico social identificado em pes- quisas envolvendo jurados é o da indulgência, que ocorre, em espe- cial, quando, após as deliberações, as evidências não são altamente incriminadoras ou o crime não é tão grave. Com isso, geralmente os jurados tenderam a ser mais benevolentes em seus julgamentos dos acusados do que eram originalmente. deserção: desistência tácita ou presumida de um recurso por uma das partes de um litígio. indulgência: clemência, tolerância e perdão; ato de absolver alguém de um castigo ou uma punição. Glossário CONSIDERAÇÕES FINAIS A psicologia social é relevante em diversos processos do ordenamento jurídico. Desde o entendimento inicial do crime até os processos policial e legal, inúmeras são as ferramentas que essa área pode fornecer para um alcance mais palpável da justiça, seja na redução dos crimes, seja na ade- quabilidade das decisões investigativas e judiciais. Ao longo do capítulo, estudamos diversos fenômenos, mesmo que sem tanto aprofundamento, 92 Psicologia social aplicada à segurança que certamente podem ser muito úteis aos operadores do direito. As di- versas pesquisas realizadas ao longo dos anos foram fundamentais para a melhor compreensão de fenômenos relacionados ao ordenamento ju- rídico, mas, logicamente, há ainda muito espaço para outras que possam ampliar o escopo da literatura dessas duas áreas tão importantes que são a psicologia social e o Direito. ATIVIDADES Atividade 1 Dê os conceitos de crenças, valores, normas sociais, atitudes e com- portamentos segundo a psicologia social. Atividade 2 Descreva as fases de processamento da memória. Atividade 3 Descreva o fenômeno da reatância psicológica aplicada ao contexto judicial.REFERÊNCIAS AJZEN, I. The theory of planned behavior. Organizational behavior and human decision processes, v. 50, n. 2, p. 179-211, 1991. ALVES, P. H. F. Valores humanos, metas de compaixão e autoimagem e comprometimento organizacional na polícia militar do Distrito Federal. 2018. 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Assim como a Psicologia, campos de estudo como a sociologia, a antropologia, a econo- mia, o Direito, a ciência política, a biologia e até a filosofia demonstraram esforços para compreender o comportamento criminoso e suas condi- cionantes. Ao longo do tempo, uma área específica foi sendo consolidada com metodologias, teorias e conceitos próprios: a criminologia. Dessa for- ma, a criminologia aproxima saberes de diferentes áreas de estudo com o objetivo de explicar, analisar e responder ao comportamento criminoso, às suas causas e às suas consequências. Neste capítulo, analisaremos algumas teorias sobre os comportamen- tos criminosos. Serão destacadas as primeiras formulações analíticas apresentadas pelos autores positivistas. Em seguida, discutiremos três teorias especialmente influentes: a teoria da ação racional, a teoria do comportamento planejado e a teoria das atividades rotineiras. Em todos esses casos, analisaremos exemplos de sua aplicação em casos concre- tos, enfatizando os subsídios para a formulação de políticas públicas na área de segurança. 4.1 Contextualização Vídeo Os comportamentos criminosos mobilizam o interesse analítico dos pesquisadores. Ao longo do tempo, diferentes abordagens teóricas bus- caram explicar o crime, bem como suas causas e consequências. Os conceitos utilizados variam de acordo com a disciplina e a perspectiva teórica utilizada. Assim, por exemplo, sociólogos comumente se baseiam em categorias como estrutura social, anomia e cultura. Já economistas enfatizam os processos envolvidos na tomada de decisão dos indivíduos, em que estímulos e incentivos são elementos importantes. Por sua vez, psicólogos mobilizam diferentes conceitos, como personalidade, inteli- gência, influência social, dentre outros. Em última medida, as abordagens são distintas, mas o objetivo comum é compreender o comportamento criminoso para, por vezes, oferecer possibilidades de intervenção. anomia: trata-se de um fenômeno socialcarac- terizado pelo enfraqueci- mento dos laços sociais e, com isso, pela redução da capacidade de regulação dos comportamentos dos indivíduos. É um conceito formulado pelo sociólogo francês Émile Durkheim. Glossário Psicologia social e crime 95 Ainda no século XIX, os primeiros autores que buscaram analisar o comportamento criminoso por meio das lentes da psicologia foram in- fluenciados pelas ideias iluministas. Assim como na criminologia, a psi- cologia inicialmente procurou analisar o indivíduo criminoso, buscando as causas para esse comportamento. À época, as condicionantes do crime eram associadas a fatores alheios à vontade das pessoas, como condicionantes hereditárias que impactavam os comportamentos. Por exemplo, um conceito importante na época foi a noção de insanida- de moral, conforme argumentava o psicólogo britânico James Prichard (1786-1848). Para o autor, esse conceito descrevia um estado de de- sarranjo mental que permitia ao indivíduo manter suas faculdades in- telectuais, mas não seus princípios morais, que estariam pervertidos e depravados. A esse respeito, o autor argumenta que: a capacidade de se orientar está perdida ou seriamente compro- metida; o indivíduo é considerado incapaz, não de conversar ou raciocinar sobre qualquer assunto que lhe é proposto, para isso ele comumente atuará com grande astúcia e versatilidade, mas para se comportar com decência e de maneira adequada nas rotinas diárias. Seus desejos e inclinações, suas conexões, seus gostos e desgostos terão passado por uma mudança mórbida, e essa mudança parece ser a causa originária ou estar na fundação de qualquer distúrbio. (PRICHARD, 1837, p. 4) Como podemos perceber, a explicação de Prichard para os compor- tamentos criminosos é baseada em uma espécie de deficit de sentimen- tos morais básicos. Além disso, acreditava-se que a transmissão dessa condição seria realizada de maneira hereditária. Com o passar do tem- po, outras explicações foram sendo desenvolvidas, aperfeiçoando-se a abordagem psicológica sobre o comportamento criminoso. De um modo geral, três principais linhas argumentativas podem ser destaca- das: os estudos de psicanálise, os estudos baseados em inteligência e os estudos sobre personalidade (SHOEMAKER, 2018). 4.1.1 Abordagem psicanalítica Uma das principais abordagens sobre o crime na psicologia foi elaborada por Sigmund Freud (1856-1939), que ficou conhecido pela abordagem psicanalítica. Como ponto de partida, o psiquiatra austría- co categorizou a mente humana em três dimensões: o id, o ego e o superego. A primeira é a dimensão egoística, responsável pelos ins- Conhecer as principais linhas argumentativas da abordagem psicológica sobre comportamentos criminosos. Objetivos de aprendizagem 96 Psicologia social aplicada à segurança tintos mais básicos e primitivos do ser humano, que atua de modo inconsciente. Um dos exemplos utilizados de maneira recorrente por Freud era a libido, um impulso relacionado à sexualidade. Já o ego é o componente racional da mente humana, tendo como uma de suas funções a regulação dos impulsos do id. Para o autor, o ego atua com base nas convenções e regras sociais. Por fim, o superego representa a consciência individual, a qual é derivada da convivência social, também conhecida como o aspecto moral da personalidade. Id Eg o Superego Consciente Pré-consciente Inconsciente Fonte: Adaptada de Siegel; Welsh, 2018, p. 109. Figura 1 Estrutura da mente humana Uma das características da abordagem psicanalítica é ser incremen- tal, ou seja, o indivíduo é descrito como alguém que se desenvolve em estágios. Para o autor, tais estágios são comumente teorizados com base no desenvolvimento sexual. Assim, a personalidade seria desenvolvida de acordo com as etapas e os estágios com o crescimento sexual. Por exemplo, para o autor, é esperado que uma criança desenvolva atração pelo pai ou pela mãe do sexo oposto. Caso um dos genitores seja visto como uma ameaça à busca pela atenção do outro, podem ser desenvol- vidos complexos, como o de Édipo, para os meninos, e o de Electra, para as meninas (FREUD, 1989). Além disso, a teoria freudiana enfatiza que os conflitos entre o id, o ego e o superego podem estar dentre as causas de transtornos de comportamento. Apesar de não ter empregado esses conceitos para analisar crimes, a influência de Freud foi relevante para essa área de Psicologia social e crime 97 estudo. Por exemplo, Hewitt e Jenkins (1946) propuseram uma tipolo- gia de personalidades associadas a jovens delinquentes com base nas ideias de Freud: Quadro 1 Tipologia de personalidades Tipologia Característica Superinibida Proeminência do superego, resultando em caracterís- ticas como timidez e introspecção. Agressiva não socializada Superego fraco, resultando em uma personalidade marcada por agressividade e impulsividade. Delinquente socializado Personalidade híbrida, cujo superego seria normal na presença de seu grupo social, mas fraco em outros contextos. Com isso, a agressividade e a impulsivida- de emergiriam em situações específicas. Fonte: Adaptado de Hewitt; Jenkins, 1946. De maneira geral, a abordagem psicanalítica foi utilizada ao longo do tempo enfatizando dois aspectos principais. Em primeiro lugar, está a dimensão conflitiva entre as dimensões da personalidade. O surgimento de características psicológicas associadas a comporta- mentos antissociais e criminosos demonstraria os conflitos entre as dimensões da personalidade e os limites sociais. Tais conflitos se desenvolvem por estágios ao longo do tempo na vida dos indi- víduos, sendo a infância e a adolescência períodos que requerem maior cuidado por parte dos responsáveis (SHOEMAKER, 2010). Em segundo lugar, os conflitos são comparados a doenças e, como tal, necessitam de tratamento, sob pena de se tornarem mais graves ao longo do tempo. 4.1.2 Abordagem sobre inteligência A abordagem sobre inteligência está relacionada à ideia de que o comportamento criminoso pode estar associado aos deficit de inteligência. Assim como outros elementos da mente humana, a inteligência era originalmente considerada como sendo herdada ge- neticamente (TREADWELL, 2012). Essa abordagem foi especialmente influente no início do século XX, tornando-se mais popular com o de- senvolvimento dos testes de quociente de inteligência (testes de QI). De maneira geral, os testes de QI surgiram como auxílio às ati- vidades escolares. O primeiro formato foi apresentado por Alfred O histórico de surgimento e utilização dos testes de QI é o tema da palestra do psicólogo Stefan Dombrowski. No Ted Talk de abril de 2020, o pro- fessor recupera aspectos importantes sobre esses instrumentos psicológicos e reflete sobre como sua utilização aconteceu ao longo do tempo. Disponível em: https://www.ted. com/talks/stefan_c_dombrowski_ the_dark_history_of_iq_ tests?language=pt-br. Acesso em: 17 ago. 2021. Vídeo https://www.ted.com/talks/stefan_c_dombrowski_the_dark_history_of_iq_tests?language=pt-br https://www.ted.com/talks/stefan_c_dombrowski_the_dark_history_of_iq_tests?language=pt-br https://www.ted.com/talks/stefan_c_dombrowski_the_dark_history_of_iq_tests?language=pt-br https://www.ted.com/talks/stefan_c_dombrowski_the_dark_history_of_iq_tests?language=pt-br 98 Psicologia social aplicada à segurança Binet e Théodore Simon, em 1905. Logo que seu uso se tornou po- pular, diferentes pesquisadores buscaram analisar as possíveis rela- ções entre os deficit de inteligência e o cometimento de crimes. Um desses autores foi o psicólogo americano Henry Goddard (1866-1957). Em 1920, o autor realizou pesquisas com jovens inter- nados em reformatórios nos Estados Unidos. Dentre os resultados, o autor classificou como mentalmente defeituosos aqueles que obti- veram um escore inferior a 75 pontos em testes de QI. Como conclusão, o autor sugere que os deficit de inteligência eram condições inatas, determinadas geneticamente, que estariam relacionadasa dificuldades de controlar impulsos e de julgar situa- ções corriqueiras do dia a dia (SHOEMAKER, 2010). Essa perspectiva ficou conhecida como teoria naturalista, tendo em vista sua inclina- ção pela predisposição genética. Outros autores utilizaram essa abordagem ao longo do tem- po. Por exemplo, Healy e Bronner analisaram jovens de Chicago e Boston, nos EUA, em 1926. De modo similar a Goddard, os autores concluíram que os jovens que cometiam crimes tinham entre 5 e 10 vezes mais chances de serem mentalmente defeituosos (HEALY; BRONNER, 1926). Em estudos recentes, essa abordagem foi retomada com argu- mentos diferentes. Por exemplo, evidências das análises de Hirschi e Hindelang (1977) indicaram que os testes de QI são, de fato, predi- tores adequados de inteligência e que, como tal, permitem predizer comportamentos delinquentes. Para os autores, os escores reduzi- dos de QI impactam o desempenho escolar, o que está associado a comportamentos antissociais (HIRSCHI; HINDELANG, 1977). A relação entre QI e crime é controversa, em especial a aborda- gem determinística proposta originalmente por Goddard e outros autores. Ao longo do tempo, outros estudos enfatizaram a dimensão social da inteligência. Ou seja, a inteligência não seria uma condição hereditária, mas um resultado dos estímulos dos pais, da escola, da família e de outros atores que interagem com as crianças e os ado- lescentes (EELLS et al., 1951). Essa perspectiva ficou conhecida como teoria do estímulo e desafiou a perspectiva anterior, que relacionava QI e criminalidade (SUTHERLAND, 1973). Psicologia social e crime 99 4.1.3 Abordagem sobre personalidade O desenvolvimento científico da psicologia passou por uma mudança de foco no fim do século XIX, quando começou a priorizar os comporta- mentos observados como objeto de estudo, deixando o mundo interior, ou aquilo que não era observável, em segundo plano (HOLLIN, 2007). Tra- ta-se da ascensão da tradição behaviorista ou comportamental na psicolo- gia. Sendo assim, a relação entre crime e características de personalidade passou a ser um tema de interesse de diferentes pesquisadores. Em termos gerais, a personalidade pode ser considerada como sendo os padrões de comportamento que, incluindo pensamentos e emoções, distinguem os indivíduos (SIEGEL; WELSH, 2018). Com isso, uma abordagem utilizada nos primeiros estudos foi buscar característi- cas dominantes na personalidade de criminosos. Por exemplo, Eleanor Glueck e Sheldon Glueck conduziram um amplo estudo com mil jovens em Boston, tendo como resultado a diferença estatisticamente signi- ficativa para traços de personalidade, como hostilidade, suspeição, desconfiança, ambivalência, sadismo, narcisismo, associados à delin- quência (GLUECK; GLUECK, 1950). Outro autor que se destacou nessa área de pesquisa foi Hans Eysenck. Ele era um psicólogo alemão que construiu sua carreira aca- dêmica na Inglaterra. Em sua obra, Crime e Personalidade, o autor ar- gumenta que a personalidade é determinada biologicamente, tendo como componentes principais a extroversão, o neuroticismo (desajus- tamento e instabilidade emocional) e o psicoticismo (intensidade em conflitos emocionais). Tais traços de personalidade, quando exagera- dos, estariam associados a chances maiores de se desenvolver com- portamentos antissociais. O argumento teórico de Eysenck se baseia em uma estreita relação entre fatores biológicos, sociais e individuais. Apesar disso, a transmis- são genética de determinados elementos estaria associada ao mau fun- cionamento do cérebro e do sistema nervoso, o que comprometeria a habilidade de aprender por meio do contexto social (EYSENCK, 1964). Por exemplo, durante a infância, as crianças aprendem diferentes com- portamentos por meio da socialização, o que para o pesquisador repre- sentaria o desenvolvimento de uma consciência. Entretanto, nos casos de condicionantes genéticas, alguns indivíduos não desempenhariam o controle de comportamentos de maneira adequada. supeição: característica emocional relacionada à desconfiança em relação aos outros. Glossário 100 Psicologia social aplicada à segurança Os traços de personalidade são interpretados como escalas que va- riam do ponto inferior (baixo) até o superior (alto). Para cada traço, existe uma avaliação própria, sendo que a associação entre os diferentes esco- res desses traços estaria associada, segundo Eysenck, aos comporta- mentos. Assim, por exemplo, indivíduos com escores elevados nos três traços de personalidade apresentariam fortes tendências antissociais, com características associadas à impulsividade (elevada extroversão), ansiedade (elevado neuroticismo) e agressividade (elevado psicoticis- mo) (EYSENCK, 1979). Em estudos recentes tem sido relatada a relação entre transtor- nos de personalidade e comportamentos criminosos. Um desses casos é o transtorno de personalidade antissocial (TPAS). Em termos clínicos, esse transtorno é caracterizado por com- portamentos reiterados de descaso com as consequên- cias e os direitos dos outros (BLACKBURN, 2007). Trata-se de um transtorno mais frequente em homens e pessoas jovens, sendo que sua apresentação pode vir acompanhada por outras comorbidades, como abuso de drogas e transtornos de deficit de atenção. Por exemplo, pessoas com esse tipo de transtorno são comumente indiferentes às conse- quências de seus atos em relação a outras pessoas, tendem a culpar as vítimas pelo crime cometido ou racionalizar o seu comportamento, responsabilizando outros que não ele (BLACKBURN, 2007). 4.2 Teoria da ação racional Vídeo A teoria da ação racional ou teoria da ação refletida (tradução li- vre do original Reasoned Action Theory) é um modelo explicativo sobre comportamentos. É uma abordagem conhecida por sua objetividade e aplicabilidade a diferentes contextos. Sua formulação original foi apresentada por Martin Fishbein (1936-2009), em 1963, um psicólogo da Universidade da Pensilvânia. Ao longo do tempo, novos conceitos e formulações foram sendo incorporados, com destaque para a contri- buição de Icek Ajzen (1942-), em 1975, um psicólogo da Universidade de Massachusetts Amherst. Originalmente a teoria da ação racional buscou explicar o comportamento com base na identificação de seus principais determinantes, dentre eles as atitudes. Complexidade do comportamento humano FGC/Shutterstock • Conhecer os concei- tos da teoria da ação racional. • Refletir sobre a utiliza- ção da teoria da ação racional na compreen- são de comportamen- tos criminosos. Objetivos de aprendizagem Na época em que a teoria foi desenvolvida, as discussões aca- dêmicas sobre atitudes apresentavam poucos consensos. Desde o início do século XX, as atitudes eram definidas como tendências para agir (ALLPORT, 1985), ou seja, indicando sua capacidade de predizer comportamentos. Entretanto, com o passar do tempo, diferentes estudos questionaram essa relação, indicando inclusi- ve inconsistências nas medidas utilizadas para ambas as variáveis (WICKER, 1969). Esse contexto de discussões é relevante para si- tuar a teoria da ação racional. Para Fishbein (1967), a relação entre atitudes e comportamen- tos seria melhor teorizada se a própria definição de atitude fosse aperfeiçoada, ou seja, para o autor, essa definição se refere a um “conceito unidimensional que revela a quantidade de afeto favorá- vel ou contrário a um objeto psicossocial” (FISHBEIN, 1967, p. 478). Com isso, o autor propõe a separação entre atitudes e outros conceitos, como crenças e valores. Uma das razões é de natureza metodológica, ou seja, atitudes não são observáveis diretamente porque são variáveis hipotéticas ou latentes. Assim, por exemplo, se uma pessoa comumente assiste a cor- ridas de Fórmula 1, esse é um tipo de comportamento que, ao ser reiterado ao longo do tempo, torna possível inferir que essa pessoa gosta de esporte a motor. O resultado dessa inferência é a atitude, e a estabilidade ao longo do tempo permitesupor que existe uma tendência em gostar ou não de es- porte a motor, o que revela um pro- cesso psicológico (favorável) acerca do objeto (o esporte a motor). Mikhail Kolesnikov/Shutterstock Psicologia social e crimePsicologia social e crime 101101 102 Psicologia social aplicada à segurança Fishbein e Ajzen (2015) propuseram três princípios para possibilitar a distinção entre as variáveis (crenças, atitudes e comportamentos): • A predição de comportamentos é mais precisa do que a de cate- gorias comportamentais ou objetivos. Por exemplo, jogar futebol é um comportamento que faz parte da categoria fazer exercícios, a qual pode ter como objetivo a perda de peso. Assim, para ava- liar o comportamento de uma pessoa, é mais interessante inves- tigar se ela pratica futebol, e não se ela tem o objetivo de perder peso. Esse é um princípio metodológico que reduz imprecisões, pois a pessoa pode alcançar o objetivo de perder peso por outros caminhos além dos apresentados. • A predição de comportamentos específicos é mais precisa do que a de comportamentos em geral. Apesar de parecer óbvio, esse princípio revela a distinção entre os diferentes tipos de compor- tamentos e as formas de acessá-los. Retomando o exemplo an- terior, pode ser que a pessoa tenha como objetivo a perda de peso e, para tanto, pratique futebol. Ainda assim, a forma de rea- lizar tal comportamento (objetivo de perder peso) pode ser muito diversa. • A predição de comportamentos é mais precisa quando realizada no mesmo nível de especificidade das crenças, atitudes e inten- ções. Esse é o princípio da compatibilidade, que está relacionado ao princípio anterior. Para tanto, os autores propõem a distinção de quatro componentes comportamentais: a ação envolvida, o objetivo a ser alcançado, o contexto em que ocorre e o período. Logo, jogar futebol (ação) pode ser realizado duas vezes por se- mana (período), em campo sintético (contexto), com duração de 45 minutos e sem substituição (objetivo). Em outras palavras, quando falamos em jogar futebol, diferen- tes pessoas podem imaginar distintas maneiras de executar essa ação. De acordo com o princípio da compatibilidade, a medição des- se comportamento deve ser específica e realizada de acordo com o mesmo nível de abstração das atitudes, crenças e intenções. Para darmos outro exemplo desse princípio, digamos então que o tema estudado seja a utilização de tecnologias. Como argumenta Sarayut Sridee/Shutterstock Psicologia social e crime 103 Ajzen (2020, p. 2), o nível de análise pode ser muito específico, como questionar sobre “a instalação (ação) de uma webcam (objetivo) em casa (contexto) nos próximos três meses (período)”. Por outro lado, o objetivo do pesquisador pode ser mais amplo, por exemplo: “com- prar (ação) um dispositivo conectado à internet (objetivo) nos próxi- mos três meses” (AJZEN, 2020, p. 2). Nesse caso, não se trata apenas de um objeto (webcam), e o contexto não é especificado. Com isso, a teoria da ação racional pode ser representada da se- guinte maneira: Figura 2 Modelo simplificado da teoria da ação racional Fatores contextuais: • individuais (personalidade, emoções e comportamentos anteriores); • sociais (educação, idade, gênero, renda e raça); • informações (conhecimento e mídia). Crenças Atitudes Comporta- -mentos Intenções rikkyall/Shutterstock Fonte: Adaptada de Fishbein; Ajzen, 2015, p. 22. Desse modo, os autores argumentam que os comportamentos ocorrem de maneira espontânea, com base nas informações e nas crenças que cada pessoa possui a respeito do objeto a que se re- fere. Muitas são as maneiras de se obter informações ou formar crenças a respeito de situações ou objetos. As características indi- viduais e as experiências desempenham papel importante, assim como condições de socialização, educação, grupos sociais e acesso a informações. Mesmo as características de personalidade influenciam na for- mação de crenças a respeito do mundo. Em última medida, para Fishbein e Ajzen (2015), não importa como essas crenças foram for- madas, mas sim como elas guiam a decisão de adotar certo compor- tamento. Assim, por exemplo, uma pessoa pode ter várias crenças sobre exercícios físicos: que são entediantes, uma perda de tempo e até mesmo despropositados. Em conjunto, essas crenças podem 104 Psicologia social aplicada à segurança fazer com que a pessoa desenvolva atitudes negativas em relação ao exercício físico, o que pode levar a intenções também negativas, conduzindo assim a ações (comportamentos) negativas, como evitar o esforço físico, as atividades ao ar livre, dentre outras. Uma das características do modelo da ação racional é argumen- tar que uma atitude pode indicar uma tendência à ação, mas não necessariamente um comportamento. Para Fishbein e Ajzen (2015), outros elementos devem ser levados em consideração, por exem- plo, a pressão social. No modelo teórico dos autores, a pressão social foi incorporada como norma social subjetiva, designando a relevância do contexto social e das relações sociais na definição dos comportamentos. Em suma, a teoria da ação racional representou uma formulação inicial de um novo modelo teórico, que foi logo aperfeiçoado para incluir novos elementos. Esse modelo ficou conhecido como teoria do com- portamento planejado. 4.3 Teoria do comportamento planejado – comportamento criminoso Vídeo A teoria do comportamento planejado incorporou um elemento novo à teoria da ação racional: o controle comportamental perce- bido. Esse processo se refere à crença do indivíduo em realizar o comportamento, ou seja, a sua experiência anterior e a sua capaci- dade de superar obstáculos que irão impedir ou dificultar sua ação (FISHBEIN; AJZEN, 2015). Assim, quanto mais elevado for o contro- le comportamental percebido, maiores serão as chances de que o comportamento seja de fato realizado. Além disso, os autores ela- boraram os demais elementos detalhadamente, diferenciando as características específicas dos seus processos. O modelo da teoria do comportamento planejado é demonstrado na figura a seguir. • Conhecer os conceitos da teoria do comporta- mento planejado. • Relacionar as teorias da ação racional e do com- portamento planejado. Objetivos de aprendizagem Psicologia social e crime 105 Figura 3 Esquema da teoria do comportamento planejado Fatores contextuais: • individuais (personalidade, emoções e comportamentos anteriores); • sociais (educação, idade, gênero, renda e raça); • informações (conhecimento e mídia). Controle atual: habilidade, aptidões, fatores contextuais). Crenças comporta- mentais Crenças normativas Crenças de controle Atitudes sobre o comporta- mento Norma percebida Comporta- mentos Controle compor- tamental percebido Intenções rikkyall/Shutterstock Fonte: Adaptada de Fishbein; Ajzen, 2015, p. 22. Como podemos perceber, três tipos de crenças foram diferen- ciados no modelo do comportamento planejado. As crenças com- portamentais se referem à expectativa sobre as consequências positivas ou negativas, caso o comportamento seja realizado. Assim, as crenças comportamentais influenciam as atitudes, positivas ou negativas, sobre o comportamento. Por exemplo, no caso da crença positiva sobre praticar exercício físico, pode ser esperada uma me- lhor qualidade de vida. Já a crença normativa diz respeito às crenças formadas com base na aprovação ou desaprovação do comporta- mento em questão por pessoas importantes para aquele indivíduo. Logo, é possível que a crença normativa de um indivíduo seja fa- vorável à prática de exercício físico caso um amigo muito próximo também pratique esportes, levando à norma percebida, ou pressão social, de se engajar naquele comportamento. As crenças de controle são relacionadas à percepção de fatores individuais ou ambientais, que podem facilitar ou impedir a realização de um comportamento. Ou, ainda, pode ser queuma pessoa de estatura baixa deixe de jogar basquete por acreditar que isso dificulta a prática desse esporte. Esse tipo de crença está associado ao controle comportamental per- cebido ou à autoeficácia (BANDURA, 1977). Em suma, Fishbein e Ajzen (2015) argumentam que, quanto mais favoráveis forem as atitudes e as normas percebidas, e quanto maior for o controle comportamental percebido, mais intensa será a intenção da pessoa em realizar um determinado comportamento. Na tese Em briga de marido e mulher mete-se a colher sim! Uma tríplice aliança entre a Teoria do Comportamento Planejado, a Teoria da Intervenção do Especta- dor e técnicas de influência social como forma de combate ao feminicídio, Cintia Loss Pinto utiliza a teoria do comportamento planejado para a criação de campanhas úteis ao combate à violência contra as mulheres. Acesso em: 24 ago. 2021. https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/37646 Artigo Mas como esse modelo tem sido utilizado para explicar o crime? Na verdade, a teoria do comportamento planejado tem sido empregada para explicar diferentes tipos de comportamentos, como comporta- mento de consumo, atividades físicas, abuso de substâncias psicoati- vas e utilização de tecnologias (AJZEN, 2020). A teoria tem sido utilizada, por exemplo, para explicar o comportamento das pessoas em relação às denúncias de crimes. Em 2015, Keller e Miller (2015) analisaram as respostas de mais de 880 pessoas sobre sua disposição em denunciar crimes. Os resultados demonstraram que as normas sociais, como ser encorajado por um amigo, foram as variáveis com maior capacidade explicativa. Dentre as implicações para a polícia, os autores sugerem que, com base nes- ses resultados, sejam realizadas campanhas educativas incentivando a denúncia de crimes. Por sua vez, Tim Hope (1995) argumenta que a prevenção comunitária do crime é uma 106106 Psicologia social aplicada à segurançaPsicologia social aplicada à segurança Vasin Lee/Shutterstock Elementos de segurança ambiental. Psicologia social e crime 107 estratégia de controle por meio da modificação das condições sociais que sustentam o crime nas comunidades locais. O autor sugere que medidas como engajamento de lideranças, alterações na infraestru- tura de ruas e residências, além de melhoria na iluminação, exercem impacto no controle comportamental percebido de moradores, parti- cularmente de adolescentes. Um argumento semelhante é defendido por Senna, Vasconcelos e Igle- sias (2021) ao destacarem o fortalecimento da vinculação das pessoas às vizinhanças, por meio de conceitos como territorialidade (apropriação dos espaços por usuários legítimos), vigilância natural (oportunidades de ver e ser visto) e controle de acesso. Tais conceitos reforçam a noção de que o controle comportamental percebido das pessoas tende a ser reforçado, repercutindo na redução do medo do crime, por meio da estratégia de prevenção criminal pelo design do ambiente (CPTED). Outro ponto analisado com base na teoria do comportamento pla- nejado foi a violência contra mulheres. Segundo Tolman, Edleson e Fendrich (1996), a intenção de homens abusadores, e o seu comporta- mento propriamente dito, é determinada pela avaliação sobre os possí- veis resultados, pelo quanto eles acreditam que podem controlar seus comportamentos e pela percepção daqueles à sua volta sobre violên- cia. Entre essas variáveis, a segunda demonstrou maior capacidade de explicação tanto das intenções quanto dos comportamentos violentos contra mulheres. Além disso, pesquisadores da Nova Zelândia testaram a capacidade de dissuasão (tentativa de fazer com que alguém mude de ideia/opinião/ponto de vista) de medidas punitivas sobre indivíduos com intenções criminosas. Segundo Wright et al. (2004), quanto maior o risco percebido de pu- nição, menor é a intenção de cometer crimes, sendo que esse resultado foi mais pronunciado entre aqueles que se disseram inclinados a fazê- -lo. Ou seja, em comparação aos demais respondentes, aqueles que já possuíam essas intenções mudariam o comportamento com base na avaliação do risco envolvido. Esse resultado enfatiza a relevância dos elementos contextuais na tomada de decisão, colocando em segundo plano a noção de inclinações criminosas determinísticas ou condicio- nantes do comportamento. No vídeo O Animal Social, o jornalista David Brooks apresenta alguns dos argumentos do seu livro que leva o mesmo nome do vídeo. De maneira ins- tigante e reflexiva, o autor discute a natureza huma- na com base nas ciências cognitivas. Os insights do autor levam à discussão sobre a oposição entre indivíduo e sociedade e sobre os processos de tomada de decisão e suas interpretações. Disponível em: https://www.ted. com/talks/david_brooks_the_ social_animal. Acesso em: 23 ago. 2021. Vídeo https://www.ted.com/talks/david_brooks_the_social_animal https://www.ted.com/talks/david_brooks_the_social_animal https://www.ted.com/talks/david_brooks_the_social_animal 4.4 Teoria das atividades rotineiras Vídeo A teoria das atividades rotineiras é uma das teorias criminológicas mais influentes do século XX. Os responsáveis pela sua formulação ori- ginal foram os sociólogos Marcus Felson e Lawrence Cohen em 1979. O modelo é baseado na perspectiva clássica da escolha racional, em que os criminosos realizam cálculos sobre suas atividades (BECCARIA, 2008). Assim, os benefícios e os potenciais riscos são levados em consi- deração na tomada de decisão dos criminosos. Tendo essa perspectiva como pano de fundo, Felson e Cohen enfa- tizaram o crime, e não a criminalidade. Na década de 1970, a produção criminológica buscava explicar a etiologia do crime, ou seja, as causas e as características que levavam o criminoso a delinquir. Os autores tomaram o crime como um fato e procuraram compreender suas con- dições de realização. A esse respeito, os autores argumentam que: Diferentemente de muitas pesquisas criminológicas, nós não examinamos porque indivíduos ou grupos são inclinados a delin- quir, mas, em vez disso, nós consideramos a disposição criminal como um fato e examinamos as formas como a organização espaço-temporal das atividades sociais contribuem para que in- divíduos transformem suas inclinações em crimes. (COHEN; FELSON, 1979, p. 589) O contexto social dos Estados Unidos era peculiar nesse período. Desde a década de 1940, o país assistia a um aumento dos crimes de oportunidade, ou seja, aqueles crimes associados a ações nos quais os criminosos buscam levar vantagem sobre a situação ou sobre a vítima para delinquir. Segundo os autores, são exemplos crimes como furtos em residências, em que comumente não há o empre- go de violência e os seus autores não são persistentes. Enquanto muitos pesquisadores explica- vam esse aumento com base no argumen- to de que o número de criminosos havia aumentado nesse período, Felson e Cohen (1979) apresentaram outro argumento. Para eles, as rotinas das pessoas mudaram com o tempo, com isso as condições de pro- teção reduziram e as vítimas aumentaram. • Conhecer os conceitos da teoria das atividades rotineiras. • Interpretar os elemen- tos do crime em casos concretos. Objetivos de aprendizagem 108 Psicologia social aplicada à segurançaPsicologia social aplicada à segurança Krakenimages.com/Shutterstock Psicologia social e crime 109 No período entre 1947 e 1974, os autores analisaram as tendências das estatísticas criminais e destacaram que o estilo de vida das pessoas havia mudado. Por exemplo, a crescente participação das mulheres no mercado de trabalho, segundo os autores, permitiu que as residências se tornassem alvos fáceis para criminosos oportunistas por estarem vazias durante parte do dia. Em 1970, cerca de 40% dos lares pesquisa- dos pelos autores não eram ocupados por pessoas maiores de 14 anos entre 8 da manhã e 3 da tarde (COHEN; FELSON, 1979). Além disso, o padrão de consumo mudou nas décadas de 1960 e 1970. Osavanços tecnológicos e o crescimento da renda familiar permi- tiram que as pessoas adquirissem móveis, além de produtos e artigos cada vez mais valiosos. Essa tendência tornava, segundo os autores, as residências mais atrativas a ações de criminosos oportunistas. Por outro lado, os hábitos de lazer envolviam saídas para clubes, viagens e outros espaços privados. Portanto, todas essas mudanças no estilo de vida tornavam as residências mais atrativas e menos protegidas das ações criminosas (FELSON, 2013). Um aspecto que favoreceu a difusão da teoria das atividades roti- neiras é sua objetividade e clareza. Esse é um modelo de compreensão rápida, com diversas possibilidades de aplicação. Em termos gerais, o modelo propõe que a ocorrência de um crime depende da convergên- cia de três elementos no tempo e no espaço: A existência de um ofensor motivado. A presença de uma vítima. A ausência de guardiões capazes. Esses elementos representam condições necessárias para que os crimes ocorram, sendo que sua distribuição é desigual no tempo e no espaço, o que, segundo Cohen e Felson (1979), explica a concentração de crimes em determinados grupos populacionais e regiões. Os ele- mentos podem ser descritos da seguinte forma: 110 Psicologia social aplicada à segurança Elemento Ofensor motivado Vítima ou alvo Ausência de guardiões capazes Descrição Atores racionais, ou seja, ao decidirem cometer um crime realizam cálculos do tipo custo-benefício. Alvo (pessoa ou pro- priedade) que influen- cia a ação do ofensor. Proteção em relação à ação do ofensor (individual e ambiental – local). Pode ser um equipamento de segu- rança, presença de pessoas, a polícia ou a atitude da própria vítima. Foco Racionalidade do ofensor diante da oportunidade para o crime, ou seja, considera os demais elementos. Enquadrados no cálculo racional da oportunidade por se tornarem mais ou menos atrativos. Relacionada ao local e às condições de proteção do alvo. Circunstâncias e características que facilitam ou dificultam crimes. Fonte: Adaptado de Mattos, 2021, p. 87. Quadro 2 Descrição dos elementos do crime Como destacam os autores, esses elementos fazem parte da di- nâmica criminal. A inovação teórica está na convergência entre esses elementos no tempo e no espaço, tornando a tomada de decisão por parte dos criminosos mais fácil. Desde o seu surgimento, a teoria tem sido utilizada para analisar o comportamento das vítimas, suas rotinas e estilos de vida, para assim explicar os crimes. Com o passar do tem- po, o modelo começou a ser utilizado para compreender as motivações dos criminosos em diferentes tipos de crimes. De modo geral, o foco inicial está nas vítimas (ou alvos), em suas características, objetos ou posses que podem despertar a atenção dos ofensores. Mas, conforme apontam Cohen e Felson (1979), as vítimas também podem ser residências, automóveis etc., por isso a denomina- ção utilizada é alvo. A vítima/alvo é o primeiro elemento da teoria e seu estado de proteção/vulnerabilidade leva em consideração as condições ambientais, como iluminação, facilidade de acesso, rotas de fuga, den- tre outros. O segundo elemento é o ofensor motivado, essa denominação indi- ca que o criminoso é um ser racional, que realiza um cálculo sobre os comportamentos a serem realizados. São considerados outros elemen- tos, como as condições da vítima e a ausência de guardiões capazes, além dos benefícios que ele espera obter do crime, o que pode incluir a satisfação de interesses econômicos ou sociais, como o sentimento de aceitação ou pertencimento a um grupo (no caso de gangues, por exemplo). Psicologia social e crime 111 Já o terceiro elemento é a ausência de guardiões capazes, os quais de- signam a existência de proteção contra a ação de criminosos (MARCUS; LAWRENCE, 1980). Não necessariamente se trata de uma pessoa, de um objeto ou da polícia, pois esse elemento se refere à capacidade de evitar crimes, o que pode designar a existência de equipamentos de segurança, o fato de uma pessoa andar acompanhada ou a arquitetura de sua casa, que são características que inibem a ação criminosa. Os autores destacam que a convergência entre esses três elementos é uma condição para a concretização de um crime. Existem autores que argumentam que a rotina espaço-temporal é um quarto elemento na dinâmica criminal (WILCOX; MADENSEN; TILLYER, 2007). Assim, a rotina dos elementos envolvidos é o que possibilita a ocorrência do crime. Essa perspectiva reconhece que a teoria das atividades rotineiras não é focada apenas nos indivíduos, mas na dinâmica entre os elementos. As características contextuais são elementos importantes nesse modelo teórico e, ao longo do tempo, ganharam cada vez mais destaque na área de estudos da criminologia ambiental. Assim, o modelo original de Cohen e Felson tem sido descrito como o triângulo do crime, conforme a imagem a seguir. Figura 4 Elementos do crime Of en so r m ot iva do CRIME Alvo/vítima Local Fonte: Elaborada com base em THE PROBLEM..., 2021. Ao longo do tempo, diferentes autores colaboraram com essa teo- ria. Uma das contribuições mais influentes foi proposta por John Eck, da Universidade de Cincinnati, nos Estados Unidos. Em 1994, o autor pro- pôs a inclusão de novos elementos no triângulo do crime: os guardiões, os responsáveis e os controladores (ECK, 1994). De maneira geral, esses elementos estão relacionados às rotinas dos envolvidos e ao contexto em que os encontros podem vir a ocorrer, operando como potenciais controles para diminuir as chances de vitimização (ECK, 2003). 112 Psicologia social aplicada à segurança Assim, os controladores (tradução livre de handlers) estão relaciona- dos aos ofensores e utilizam laços sociais e emocionais para evitar que os ofensores se coloquem em situações criminais. Por exemplo, amigos ou parentes podem exercer a função de controladores, evitando que, por receio de perderem o respeito ou de estarem sujeitos à ruptura de relações, os potenciais ofensores cometam crimes. Já os guardiões estão relacionados às vítimas e aos alvos, atuando como fatores de proteção, como vizinhos ou a polícia. Por fim, os responsáveis são os controlado- res, que atuam no ambiente e representam fatores de proteção contex- tuais, como a presença de câmeras (SAMPSON; ECK; DUNHAM, 2010). A figura a seguir representa o modelo proposto por Eck. Co nt ro la do re s Of en so r m ot iva do CRIME Alvo/vítima Guardiões Local Responsáveis Figura 5 Elementos do crime com os controladores Fonte: Elaborada com base em THE PROBLEM..., 2021; Eck, 2003. Como podemos perceber, a inclusão de novos elementos no triân- gulo do crime buscou tornar a teoria mais robusta. Particularmen- te os guardiões têm sido explorados pela criminologia para explicar comportamentos criminosos e propor estratégias de prevenção. Por exemplo, Hollis-Peel et al. (2011) revisaram outros relatórios de pesqui- sa e evidenciaram pelo menos cinco recursos utilizados na proteção de vítimas/alvo, a saber: segurança privada, patrulhas de moradores, tra- balhadores locais, monitoramento por circuitos de segurança fechada e redes de vizinhos. Para os autores, o monitoramento por câmeras e as redes de vizinhos se mostraram promissores na prevenção criminal, enfatizando como a participação dos moradores por meio de recursos informais de controle pode contribuir para a segurança local (HOLLIS- -PEEL et al., 2011). 4.5 Explicando o comportamento criminoso Vídeo Ao longo deste capítulo, analisamos diferentes abordagens sobre o comportamento criminoso. Diversas perspectivas enfatizam determina- dos aspectos em detrimento de outros, de acordo com os pressupostos teóricos que as orientam. Esse é o caso da teoria do comportamento planejado ao focar as crenças e as atitudes para explicar comportamen- tos pró e antissociais ou da teoria das atividades rotineiras, que parte da natureza racional datomada de decisão dos indivíduos, focando as oportunidades existentes para o cometimento de crimes. Normalmente as explicações teóricas tendem a privilegiar determi- nados aspectos do fenômeno estudado, já que essa é uma estratégia tanto metodológica quanto conceitual. Fenômenos como o crime são complexos e ensejam diferentes abordagens. Contudo, mesmo com a ausência de uma teoria geral que reúna as diferentes abordagens de campos diversos do conhecimento, o acúmulo de conhecimento ao lon- go do tempo permite conhecer melhor e lidar de modo mais adequado com a diversidade de comportamentos que recebem o rótulo de crime. Nesse sentido, a noção de fatores de risco parece especialmente útil para consolidar as evidências científicas produzidas ao longo do tempo sobre o comportamento criminoso. De modo geral, os fatores de risco são características que antecedem e favorecem as chances de que re- sultados negativos ocorram, podendo ser psicológicas, ambientais, bio- lógicas, culturais ou sociais (APA, 2021). De maneira semelhante, os fatores de proteção são características que reduzem as chances de resultados negativos acontecerem. Assim, tendo em vista as diferentes teorias sobre o comportamento crimino- so, sugere-se que existem fatores de risco associados à incidência cri- minal. O quadro a seguir reúne as principais evidências. • Compreender como os conceitos psicológicos são aplicados para a análise do comporta- mento criminoso. • Refletir sobre a aplica- ção da psicologia social na explicação do com- portamento criminoso. Objetivos de aprendizagem An dr ii Ya la ns ky i/S hu tte rs to ck Fatores de risco a partir da dimensão familiar. Psicologia social e crime 113 4.5 Explicando o comportamento criminoso Vídeo Ao longo deste capítulo, analisamos diferentes abordagens sobre o comportamento criminoso. Diversas perspectivas enfatizam determina- dos aspectos em detrimento de outros, de acordo com os pressupostos teóricos que as orientam. Esse é o caso da teoria do comportamento planejado ao focar as crenças e as atitudes para explicar comportamen- tos pró e antissociais ou da teoria das atividades rotineiras, que parte da natureza racional da tomada de decisão dos indivíduos, focando as oportunidades existentes para o cometimento de crimes. Normalmente as explicações teóricas tendem a privilegiar determi- nados aspectos do fenômeno estudado, já que essa é uma estratégia tanto metodológica quanto conceitual. Fenômenos como o crime são complexos e ensejam diferentes abordagens. Contudo, mesmo com a ausência de uma teoria geral que reúna as diferentes abordagens de campos diversos do conhecimento, o acúmulo de conhecimento ao lon- go do tempo permite conhecer melhor e lidar de modo mais adequado com a diversidade de comportamentos que recebem o rótulo de crime. Nesse sentido, a noção de fatores de risco parece especialmente útil para consolidar as evidências científicas produzidas ao longo do tempo sobre o comportamento criminoso. De modo geral, os fatores de risco são características que antecedem e favorecem as chances de que re- sultados negativos ocorram, podendo ser psicológicas, ambientais, bio- lógicas, culturais ou sociais (APA, 2021). De maneira semelhante, os fatores de proteção são características que reduzem as chances de resultados negativos acontecerem. Assim, tendo em vista as diferentes teorias sobre o comportamento crimino- so, sugere-se que existem fatores de risco associados à incidência cri- minal. O quadro a seguir reúne as principais evidências. • Compreender como os conceitos psicológicos são aplicados para a análise do comporta- mento criminoso. • Refletir sobre a aplica- ção da psicologia social na explicação do com- portamento criminoso. Objetivos de aprendizagem An dr ii Ya la ns ky i/S hu tte rs to ck Fatores de risco a partir da dimensão familiar. 114 Psicologia social aplicada à segurança Quadro 3 Exemplos de fatores de risco para comportamentos criminosos Fatores de risco Dimensão social Descrição Rejeição por pares na infância. Associação com indivíduos que possuem comportamentos antissociais. Cuidados inadequados na escola. Exposição à precariedade em infraestrutura. Ausência de serviços públicos básicos (saúde, educação, assistência social, transporte e segurança). Exposição a desordens e comportamentos antissociais. Dimensão familiar/ parental Exposição à violência doméstica. Exposição à violência em geral. Exposição a indivíduos com patologias psicológicas. Falta de supervisão de crianças e adolescentes. Exposição ao abuso de substâncias psicoativas. Dimensão psicológica Falta de empatia. Ausência de autocontrole. Crueldade com animais. Deficit cognitivos e de linguagem. Baixo escore em testes de inteligência. Transtorno do deficit de atenção com hiperatividade (TDAH). Transtornos de Conduta (TC). Transtorno Opositor Desafiador (TOD). Dimensão biológica/ constitutiva Alterações no gene associado às monoaminas oxidases (MAO-A e MAO-B), que são enzimas presentes nas membranas celulares neurais, possuindo a função de degradarem aminas. Exposição a álcool na gestação (Síndrome do Alcoolismo Fetal). Exposição à nicotina na gestação. Exposição a manganês, cadmio, mercúrio ou chumbo na infância ou gestação. Desnutrição pré-natal. Traumas cerebrais na gestação ou na infância. Fonte: Elaborado pelo autor com base em Bartol; Bartol, 2017. Psicologia social e crime 115 Os fatores de risco destacados anteriormente representam exem- plos de evidências de pesquisas produzidas em diferentes áreas. Apesar de serem listados, tais fatores não são determinantes nos comporta- mentos criminosos. Essa é uma dimensão fundamental de todos os es- tudos que evidenciaram as associações entre as variáveis estudadas. Não há relação de causa e efeito, mas relações que mudam de acordo com outras variáveis. Assim, nem todos os indivíduos que vierem a ser expostos à nicotina durante a gestação apresentarão comportamentos criminosos, tampouco apresentar tais comportamentos sugere que hou- ve algum tipo de exposição. Contudo, de acordo com pesquisas, a expo- sição à nicotina aumenta as chances de transtornos de condutas relacionadas à agressividade, o que pode levar a comportamentos antis- sociais e criminosos (RAINE, 2015) . Em outras palavras, os fatores de risco não são determinantes, mas podem interferir nos resultados. As evidências indicam que os comportamentos criminosos estão relacionados a diferentes fatores. Como podemos perceber, existem fatores de risco em diferentes dimensões, como as dimensões social ou estrutural, familiar, psicológica e biológica. Desse modo, são fe- nômenos complexos, que envolvem condicionantes analisadas por diferentes campos do conhecimento. Por vezes, a conduta pode ser determinada como intencionalmente orientada pelos valores e pelas crenças dos indivíduos. Em outros casos, existem condicionantes que interferem na to- mada de decisão, como no exemplo das características neurológi- cas. Em conjunto, essas evidências ajudam a compor um campo de estudo marcado por pequenos avanços na compreensão do crime. É provável que as próxi- mas descobertas venham a ser obtidas com base na intersecção entre as diferentes abordagens existentes e outras que forem desenvolvidas, uma vez que a produção científica nessa área é um recurso im- portante para a maneira como lidamos com o crime em nossa sociedade. Complexidade psicossocial. ma mo rmo/ Shutterstock 116 Psicologia social aplicada à segurança CONSIDERAÇÕES FINAIS As abordagens psicológicas sobre o comportamento criminoso e suas consequências são diversas. Muitos pesquisadores e parte do senso co- mum associam comportamentos como homicídios, roubos e agressões sexuais a problemas de natureza psicológica. Essa perspectiva não é re- cente e propiciou diferentes análises ao longo do tempo. Os processos psicológicos associados a comportamentoscriminosos têm sido abordados com base na sua relação com a personalidade, a in- teligência e a psicanálise. Por vezes, são utilizadas evidências obtidas por meio de pesquisas com pessoas presas. Essas perspectivas, fundamentadas em diferentes pontos de partida, investigam a relação entre processos psicológicos e comportamentos an- tissociais, possibilitando a compreensão de situações que muitas vezes parecem nos escapar. As ferramentas analíticas, oferecidas pelo conhe- cimento psicológico, permitem a ampliação do conhecimento acumulado sobre o crime e suas consequências, antecipando possibilidades de inter- venção e prevenção criminal. Logo, a composição de abordagens multi- disciplinares deve ser incentivada ao tentar se compreender fenômenos complexos como o crime. ATIVIDADES Atividade 1 Enumere e descreva as principais abordagens psicológicas sobre o crime. Atividade 2 Descreva o argumento principal da teoria da ação racional. Atividade 3 Enumere e descreva os elementos do crime segundo a teoria das atividades rotineiras. Psicologia social e crime 117 REFERÊNCIAS APA, American Psychology Association. apa.org, 2020. APA Dictionary of Psychology. Disponível em: https://dictionary.apa.org/risk-factor. Acesso em: 19 ago. 2021. THE PROBLEM analysis triangle. ASU – Arizona State University, s/d. Disponível em: https:// popcenter.asu.edu/content/problem-analysis-triangle-0. Acesso em: 17 ago. 2021. AJZEN, I. The theory of planned behavior: Frequently asked questions. Human Behavior and Emerging Technologies, v. 2, n. 4, p. 314–324, 2020. BANDURA, A. Self-efficacy: toward a unifying theory of behavioral change. 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Neste capítulo, vamos discutir como alguns conceitos da ciência psicológica são utilizados na prevenção criminal, longe de exaurir essa vasta área de pesquisa, analisando a mobilização de recursos teóricos da psicologia social na compreensão de comportamentos criminosos. Assim, vamos debater a definição de prevenção criminal tendo como ponto de partida sua distinção em três níveis. Em seguida, vamos analisar três pers- pectivas teóricas: a teoria das janelas quebradas, a teoria dos espaços defensáveis e a prevenção criminal pelo design do ambiente (CPTED). 5.1 Prevenção criminal e comportamento humano Vídeo A prevenção criminal representa a consolidaçãode estratégias advindas de diferentes campos do conhecimento. De modo geral, a organicidade de diferentes contribuições é oferecida pela perspecti- va da saúde pública. Ou seja, a noção de que existem fatores de ris- co e de proteção passou a orientar a formulação de estratégias para a prevenção criminal. Nesse sentido, o Conselho Econômico e Social da Organização das Nações Unidas (ONU, 2002, p. 3, tradução nossa) oferece a seguinte definição: “prevenção criminal envolve estratégias e medidas que buscam reduzir os riscos de ocorrências de crimes, além de seus possíveis efeitos sobre indivíduos e a sociedade, incluindo o medo do crime, por meio da intervenção em suas múltiplas causas”. Logo, a ênfase nas causas e consequências dos crimes revela o sen- tido das estratégias de prevenção criminal. A diversidade de fatores que contribuem para a ocorrência de um crime exige que essas es- tratégias sejam diversificadas e conectadas entre si. Nesse sentido, a Organização das Nações Unidas (ONU, 2002) sugere que os princípios de prevenção criminal incluam: o desenvolvimento socioeconômico de maneira inclusiva; a liderança governamental; a cooperação entre atores públicos e privados; a sustentabilidade e a transparência nas iniciativas; a utilização de evidências científicas obtidas por meio da experimentação, além da diferenciação de estratégias de acordo com o perfil dos sujeitos. Em última medida, essa perspectiva proporciona a articulação entre medidas em diferentes níveis de análise, desde as intervenções estru- turais até as ações com indivíduos e grupos populacionais. 5.1.1 Níveis de prevenção Diante da diversidade de estratégias, dois pesquisa- dores propuseram um modelo conceitual de preven- ção criminal. Em 1976, Paul Brantingham e Frederic Faust argumentaram, em um trabalho seminal na área, que a prevenção criminal deve ser orientada com base em três níveis: prevenção primária, se- cundária e terciária. Assim, a prevenção primá- ria está embasada em medidas ou profilaxias (medicina preventiva de preservação à saúde) gerais que têm como foco principal a remo- ção de fatores que possam criar condições para o crime (BRANTINGHAM; FAUST, 1976). • Conhecer o conceito de prevenção criminal. • Analisar as relações entre o conhecimento sociopsicológico e as estratégias de preven- ção criminal. • Conhecer os níveis de prevenção. Objetivos de aprendizagem 120120 Psicologia social aplicada à segurançaPsicologia social aplicada à segurança Fonte: Adaptada de Silva, 2019. Figura 1 Rede de Vizinhos Protegidos no Distrito Federal Exemplo de prevenção criminal primária. Psicologia social e prevenção criminal 121 Se formos pensar em saúde pública, por exemplo, haveria preven- ção em nível primário com uma campanha de vacinação infantil ou com a promoção de melhorias de condições de saneamento básico e quali- dade de vida da população, principalmente a mais pobre. Com relação ao crime, as medidas profiláticas seriam voltadas para afastar crianças e jovens do ambiente criminal, impedindo a estruturação de crenças, valores e atitudes voltados ao crime, em programas como o Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (Proerd) ou outros projetos sociais. No caso da prevenção secundária, para que seja efetiva, devem ha- ver medidas voltadas para indivíduos, grupos e situações de risco. Por exemplo, no campo da saúde, os cuidados com grupos considerados de risco com relação à covid-19, como idosos e pessoas com comorbida- des (associação entre duas ou mais doenças, ao mesmo tempo, em um paciente), que tiveram prioridade no programa de vacinação de 2021, apoio financeiro e incentivo ao isolamento. Ou seja, as ações do governo devem se concentrar em grupos que vivem situações específicas de risco e têm consequências mais graves ao se contaminar com o coronavírus. Na prevenção criminal secundária, temos ações bem semelhantes à prevenção primária, pois as medidas profiláticas são direcionadas, por exemplo, a grupos de risco que tenham maiores chances de engajamento em comportamentos criminais, como adolescentes com pais encarcera- dos, escolas com episódios de bullying, regiões com abandono, vandalis- mo e uso frequente de drogas, entre outras desordens físicas e sociais. Por fim, a prevenção terciária no âmbito da saúde pública é voltada ao restabelecimento de pessoas que se encontram hospitalizadas ou de recém-egressos de uma internação, como no caso de eventuais gastos governamentais para aprimorar hospitais e leitos voltados aos pacientes com casos mais graves de covid-19 ou do acompanhamento dos recupe- rados algum tempo após a sua recuperação hospitalar. Por sua vez, no âmbito da prevenção criminal, o nível terciário diz respeito às ações direcionadas a presos, egressos ou indivíduos com histórico recente de detenção. Ou seja, o foco principal está direciona- do a evitar a reincidência de comportamentos criminosos, como proje- tos ou programas voltados à educação, formação técnico-profissional e recuperação da dependência química. Bpec .p5/Wikimedia Commons O Proerd é a adaptação brasileira do progra- ma norte-americano Drug Abuse Resistance Program (Dare). Desde 1992, no Brasil, o Proerd está presente na maioria das unidades da federação, incluindo o Distrito Federal. A realização de suas ativi- dades é feita pelas polícias militares e envolve crianças do ensino fundamental I e II (6 a 14 anos). Você já ouviu falar do Proerd em sua cidade? Conheça mais no site do programa no link a seguir. Disponível em: https://www.po- liciamilitar.mg.gov.br/portal-pm/ externo/principal.action. Acesso em: 3 set. 2021. Site 122 Psicologia social aplicada à segurança Outra forma de classificar a prevenção criminal é proposta pela Comissão de Padrões Profissionais de Aplicação da lei da Virgínia (VIRGÍNIA, 1993), que faz a seguinte divisão: Primeiro nível Segundo nível Terceiro nível Seria a prevenção criminal punitiva, implicando o controle social formalmente aplicado pelo Estado. Ou seja, a previsão de encarce- ramento, entre outros tipos de punição amparados no ordenamento jurídico, sistema de justiça criminal e atuação policial ostensiva. Prevenção criminal corretiva, relacionada à modificação de variáveis socioambientais que, geralmente, são fatores associados a compor- tamentos criminosos, como pobreza, baixa escolaridade, falta de infraestrutura básica, problemas familiares, abuso de álcool etc. Também conhecido como prevenção criminal protetiva, está voltado a uma abordagem situacional ou microssocial, diferentemente dos anteriores, que estão em um nível de análise macrossocial. Assim, o nível protetivo está mais relacionado ao controle social informal por meio da interação das diversas entidades estatais com a sociedade em geral, principalmente no nível local, mais bairrista. Podemos citar como exemplos fatores que geram oportunidades para a prática criminal, como manchas criminais, análise criminal, união de mora- dores, conselhos comunitários de segurança, entre outros projetos e programas que focam a parceria entre Estado e sociedade, poder público e comunidade. An dr ew K ra so vit ck ii/ Sh ut te rs to ck Portanto, por mais que existam diferentes formas de seccionar as ações voltadas à prevenção criminal, há de certa forma um consen- so científico acerca da importância de considerar a prevenção crimi- nal com base em ações estatais aliadas à sociedade civil, compondo um imperativo na consciência coletiva. Certamente, é melhor prevenir o crime do que o reprimir; por essa razão é fundamental buscar os conhecimentos científico, teórico e empírico para alcançar resultados realmente efetivos na caminhada por uma sociedade mais justa e com mais qualidade de vida. Em suma, as ações de prevenção criminal de- vem focar diferentes níveis (estrutural, organizacional, comunitário e individual), exigindo iniciativas multidisciplinares. 5.1.2 Pressupostos de prevençãocriminal As estratégias de prevenção criminal são diversas e advindas de evidências distintas. Os pressupostos para a sua formulação estão mancha criminal: na criminologia, indica a concentração de crimes nos espaços físicos, como cidades, bairros, vizinhan- ças, ruas etc. Glossário Psicologia social e prevenção criminal 123 associados a percepções da própria natureza humana. Sendo assim, Treadwell (2012) elenca quatro principais abordagens: a dissuasão, a incapacitação, a retribuição e a reabilitação. Dissuasão Tem como base os estudos clássicos de criminologia, nos quais os indivíduos são considerados atores racionais que realizam cálculos de custo-benefício. Ou seja, o livre-arbítrio dos indivíduos orienta suas de- cisões em busca da satisfação de suas necessidades, que podem ser desde a reparação de um insulto à honra, auferir estima e prestígio so- cial ou mesmo a ostentação perante pares (TREADWELL, 2012). Sendo assim, os indivíduos analisam os riscos envolvidos nos comportamen- tos criminosos para então tomarem uma decisão. Campanha realizada em 2019 pela Prefeitura de Diadema-SP com o objetivo de refrear os vândalos que estavam destruindo as lixeiras da cidade. Fonte: Adaptada de Balacci, 2019. Figura 2 Exemplo de dissuasão O efeito direto dessa perspectiva é que as consequências dos com- portamentos criminosos são assumidas pelos indivíduos, isto é, a pu- nição é vista como uma resposta da sociedade ao comportamento que afronta os seus valores. Logo, a dissuasão busca modificar o compor- tamento dos indivíduos com base na aplicação de sanções diretas aos crimes e seu efeito sobre o restante da sociedade. Entre as funções da punição, com base na perspectiva dissuasória, está a reparação do mal causado à sociedade, além do efeito de inibir eventuais novos comportamentos criminosos. Essa é uma perspectiva 124 Psicologia social aplicada à segurança utilitária que situa a punição na lógica do cálculo racional. Com isso, a punição deve ser certa e esperada, sua extensão claramente definida e sua intensidade estipulada de acordo com a gravidade da conduta. Essa perspectiva foi influenciada por autores clássicos, como Cesare Beccaria (1738-1794), e mantém-se influente na criminologia e na psicologia social. As diferentes ações de dissuasão de crimes impactam especialmente o funcionamento das agências de justiça criminal, como polícias, tribunais e prisões. Incapacitação Apesar de estar relacionada à dissuasão, o seu argumento ten- de a enfatizar a reincidência como aspecto central. A reinci- dência é compreendida como a reiteração do cometimento de crimes por um mesmo indivíduo. Como exemplo, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2016) conduziu um levantamento em 2016, concluindo que cerca de um em cada quatro presos voltava a ser condenado no prazo de cinco anos. Sob a perspectiva da incapacitação, não se pretende influenciar a mudança de comportamento do indivíduo por meio da punição; pelo con- trário, o pressuposto é que o distanciamento entre o indivíduo e as condições de cometimento de crimes teria como resultado a redução da incidência criminal. Entre os exemplos de incapa- citações estão as penas de regime fechado, as penas de morte e as mutilações físicas. Retribuição Abordagem que enfatiza como as punições exercem uma função social de controle. Assim como a dissuasão, essa perspectiva assume que o comportamento criminoso é tomado em bases racionais e con- siderando um cálculo de custos e benefícios. Contudo, a retribuição enfatiza que a principal função da punição é a reparação do mal cau- sado à sociedade. Assim, o comportamento do indivíduo é uma ofensa à coletividade, e a resposta deve ser proporcional a essa ofensa. Em termos práticos, a perspectiva da retribuição tende a ser mais valorati- va do que as demais, situando a punição de acordo com os limites dos direitos individuais e coletivos de uma sociedade e opondo-se à severi- dade das punições e à ampliação do encarceramento. LightField Studios/Shutterstock Psicologia social e prevenção criminal 125 Reabilitação O indivíduo adota comportamentos em virtude de condições es- truturais, sociais e individuais, o que não se trata de uma tomada de decisão inserida no modelo racional, mas sim da consideração de que existem condicionantes que influenciam os comportamentos (TREADWELL, 2012). Por exemplo, são destacadas condições sociais, como moradia, educação e infraestrutura; familiares, como frequência na supervisão de comportamentos e famílias monoparentais; e comu- nitárias, como influência de grupos sociais. Em grande medida, os fatores de risco são colocados em primeiro plano na interpretação dos comportamentos criminosos e, com isso, na aplicação de punições. Logo, as punições são vistas como medidas que integram um conjunto de estratégias que deve lidar com as causas profundas dos comportamentos. Assim, são exemplos de medidas que permitam a integração do indivíduo à sociedade treinamentos, capacita- ções, acompanhamento sociopsicológico, entre outras iniciativas. A reinserção de egressos do sistema penitenciário tem sido um desafio para o poder público. No texto O desafio da reintegração social do preso: uma pes- quisa em estabelecimentos prisionais, produzido por técnicos do Ipea, diferen- tes aspectos da reinser- ção social são discutidos, incluindo a perspectiva de detentos. Confira mais no link a seguir. Disponível em: http:// repositorio.ipea.gov.br/ bitstream/11058/4375/1/td_2095. pdf. Acesso em: 2 set. 2021. Leitura 5.2 Prevenção situacional do crime Vídeo Por vezes, pensar que o ambiente que nos cerca pode ter influência na prevenção criminal pode até parecer estranho. Mas imagine como você se sentiria em um bairro com ruas cheias de pichações, casas e apartamentos abandonados e diversas janelas quebradas. Agora pense se não se sentiria mais seguro em um bairro com casas arruma- das, prédios bem cuidados, grama cortada e caminhos bem definidos? A ideia de que o crime pode ser causado por fatores ambientais possui longa tradição de pesquisa. Na Europa, ainda no século XIX, eram utilizados mapas para analisar a distribuição do crime nas cida- des. As principais hipóteses, à época, estavam centradas nos seguintes fatores: pobreza, ignorância e densidade populacional. Essa influência ficou conhecida nos EUA como Escola Cartográfica e desenvolveu-se com o advento da Escola de Chicago, embasada nas condições de intensa industrialização, como o mercado automobilís- tico, os processos de urbanização com a transição do campo para a cidade e o consequente crescimento populacional da cidade e região Compreender o conceito e o histórico de surgi- mento da prevenção situacional do crime. Objetivo de aprendizagem 126 Psicologia social aplicada à segurança suburbana de Chicago (MATTOS, 2019). Mais especificamente, no sé- culo XIX, os processos de mudanças econômicas traziam novas con- dições sociais à cidade norte-americana, como a habilidade de reunir empreendedores, capital financeiro, muitos trabalhadores, técnicas de produção e inovações na área de transportes. Os investimentos foram concentrados nas áreas de infraestru- tura, como portos, asfaltamento, saneamento, transporte público e metrô, e, além dos campos econômico e social, geraram importantes reflexos na ciência, como a fundação da Universidade de Chicago em 1895. Isso trouxe benefícios, pois houve estímulo à diversificação de técnicas de pesquisa qualitativa e quantitativa em complemen- taridade, principalmente influenciada pela grande disponibilidade de dados referentes às questões problemáticas da cidade, como o crime e as desordens físicas e sociais. Isso foi fundamental para a elaboração de conceitos, teorias e abordagens que, mais do que es- pecular, estabeleceram uma base sólida para o desenvolvimento de diversas outras teorias nas décadas seguintes. Logo, com o passar dos anos, alguns pressupostos principais foram estabelecidoscom relação à influência do ambiente na prevenção cri- minal. Por exemplo, ao longo dos anos, foram testadas teorias relacio- nadas à delinquência ser causada principalmente por fatores sociais e as instituições possuírem falhas em seu funcionamento, o que geraria uma desuniformidade ao longo dos territórios e causaria certa desor- ganização. Com isso, muitas pessoas tornam-se suscetíveis a compor- tamentos delinquentes, principalmente quando a estrutura social é desorganizada, e isso produz consequências de degradação na estru- tura social, principalmente nas classes mais baixas. A prevenção situacional do crime é uma das áreas de pesquisa apli- cada mais influente na psicologia do crime. De modo geral, esse é um campo do conhecimento que busca encontrar formas de reduzir a in- cidência criminal particularmente por meio de ações que reduzam as oportunidades para a ocorrência de crimes. Um dos principais auto- res dessa área é o professor britânico Ronald Clarke, da Universidade Rutgers-Newark. Para o pesquisador a prevenção situacional do crime envolve medidas que reduzem a oportunidade: (1) dirigidas a formas muito específicas de crimes; (2) envolvem o gerenciamento, design ou a manipulação de ambien- tes próximos de forma o tão sistemática e permanente possível; (3) tornam o crime mais difícil e mais arriscado ou mesmo com menos justificativas e recompensas a partir do ponto de vista da maior parte dos ofensores. (CLARKE, 1997, p. 4) Alguns elementos são importantes nessa definição. Em primeiro lu- gar está a objetividade e o alcance da prevenção situacional do crime. Não se trata de medidas aleatórias e aplicáveis a todos os contextos indistintamente, mas sim de ações dirigidas a contextos criminais espe- cíficos, que são elaboradas com base em premissas de planejamento, acompanhamento e avaliação desenvolvidas de maneira única. Por exemplo, em vez de focar medidas de prevenção para todos os crimes contra o patrimônio em dada região, as ações orientadas pela prevenção situacional do crime enfatizam especificidades de tipos cri- minais, como o roubo de residências em condomínios no período da noite ou durante o fim de semana. Assim, as ações podem focar mu- danças de hábitos dos moradores (que, por exemplo, podem estar au- sentes nesses dias e horários em atividades de lazer), mitigando oportunidades criminais. Em segundo lugar, a relação entre as medidas e as causas são dire- tas e próximas. A prevenção situacional do crime não se dirige às con- dicionantes amplas, como desigualdade social, infraestrutura urbana ou condições de educação. Pelo contrário, são medidas exequíveis a curto e médio prazo e que estão diretamente relacionadas à incidência criminal, objeto do conjunto de ações. A terceira característica central para a prevenção situacional do cri- me é o seu mecanismo de funcionamento. As medidas a serem adotadas buscam aumentar os custos ou os riscos para o comportamento criminoso ou mesmo a mitigação de pos- síveis recompensas. Por exemplo, a adoção de medidas de proteção em caixas eletrônicos que inviabilizam cédu- las tende a reduzir o interesse de possíveis criminosos. Da mesma forma, a utilização de dispositivos de segu- rança que emitem sinais sonoros na saída de roupas de lojas de departamento tende a aumentar os riscos de quem as queira furtar. Com base em várias dessas premissas, mas prin- cipalmente na importância da estrutura ambiental Monstar Studio/Shutterstock Psicologia social e prevenção criminal Psicologia social e prevenção criminal 127127 organizada, algumas teorias relacionadas à prevenção criminal emer- giram. A primeira delas a ser analisada a seguir é a teoria das janelas quebradas. 5.3 Teoria das janelas quebradas Vídeo A relevância do contexto na incidência criminal é uma tradição de pesquisa com embasamento na criminologia e na psicologia social. A formulação original da teoria das janelas quebradas foi proposta por George Kelling e James Wilson em 1982. Em um texto de cunho jorna- lístico, publicado na revista The Atlantic, os autores argumentam que os sinais de desordem, mesmo que simples, quando não são resolvidos podem ensejar um ambiente permissivo para comportamentos antisso- ciais (KELLING; WILSON, 1982). Como em uma espiral, haveria um ponto em que os sinais de desordem e os crimes deixariam de ser notados até se tornarem, segundo os pesquisadores, difíceis de serem controlados. Logo, pe- quenas desordens físicas podem ser incentivos para outras maiores porque refletem certa apatia pública e cívica e a tolerância com de- sarranjos sociais mais complexos e graves, atraindo diversos tipos de criminosos para a área. Nesse sentido, os professores propuseram que vândalos repetida- mente praticam seus crimes em imóveis e equipamentos públicos com sinais de depredação e abandono e que a reparação imediata de ele- mentos danificados poderia minimizar esse tipo de ocorrência no futuro. Um dos experimentos realizados foi deixar dois carros idênticos em bairros diferentes. O primeiro foi largado em um bairro pobre Conhecer e compreender os fundamentos da teoria das janelas quebradas. Objetivo de aprendizagem Marina N. Makarova/Shutterstock 128128 Psicologia social aplicada à segurançaPsicologia social aplicada à segurança de Nova York, com o capô aberto, sem placas e vidros quebrados, e acabou totalmente destruído em apenas 24 horas. O segundo, sem nenhum dano inicial, foi dei- xado em um bairro de classe média da mesma cidade e permaneceu assim por duas semanas. Todavia, pos- teriormente, um dos pesquisadores quebrou algumas janelas e partes do automóvel e, daí em diante, o car- ro foi totalmente destruído em alguns dias (KELLING; WILSON, 1982). Psicologia social e prevenção criminal 129 Logo, a teoria das janelas quebradas argumenta que desordens físi- cas e sociais em determinada comunidade podem promover a quebra do controle social informal, gerando como consequência um aumen- to de diversos tipos crimes na região. Exemplos de desordens físicas e ambientais são lotes vazios descuidados, com mato alto e bichos, muros e prédios pichados e sem manutenção, veículos abandonados, além das próprias janelas quebradas. Também existem as desordens sociais, como prostituição, gan- gues, locais de comércio ilegal de drogas, jogos de azar contravento- res, entre outros desarranjos sociais (excesso de consumo de álcool, pessoas em situação de rua etc.). Essas questões são elementos que influenciam o crime, por exemplo, no conceito de normas subjetiva, como vimos anteriormente. O principal mecanismo para a redução da incidência criminal com base na teoria das janelas quebradas é reduzir as recompensas dos comportamentos criminosos. Isso seria possível com a sinalização da presença de moradores, transeuntes e agentes públicos interagindo com o ambiente e mantendo visível a participação comunitária nas vi- zinhanças. De modo geral, a teoria das janelas quebradas enfatiza a capacidade de realização de controle social por meio de sinais físicos (como no cuidado com os espaços públicos) e sociais (como na presen- ça de pessoas nos espaços públicos). A figura a seguir ilustra essa teoria: Figura 3 Modelo simplificado da teoria das janelas quebradas Fonte: Elaborada pelo autor. Sinais de desordem sem tratamento Menor capacidade de controle social (real e percebida) Aumento da presença de criminosos na vizinhança Aumento de crimes e desordens Aumento do medo do crime Afastamento da vida comunitária 130 Psicologia social aplicada à segurança A teoria das janelas quebradas enfatiza a relação entre condicio- nantes ambientais e comportamentos criminosos. Por meio do con- trole de sinais de desordens físicas e sociais, os crimes de menor relevância deixam de ser incentivados, fortalecendo a capacidade de controle social informal das comunidades locais. Em termos teóricos, três elementos da psicologia social são enfatizados: o fortalecimento denormas sociais e mecanismos de conformidade; o fortalecimento do monitoramento de comportamentos; os sinais sociais. Em última análise, os três elementos citados estão relacionados e indicam a capacidade de controle social. O fortalecimento das normas sociais está associado ao mecanismo de conformidade nos comporta- mentos. Por sua vez, o monitoramento de comportamentos é um ele- mento de influência do grupo, que impacta intenções e atitudes, assim como os comportamentos propriamente ditos. Por fim, os sinais sociais são elementos simbólicos dos itens anteriores. O argumento da teoria das janelas quebradas tornou-se especial- mente influente na produção científica e conhecido na opinião públi- ca. Diversas políticas públicas foram influenciadas por interpretações desse modelo teórico. Por vezes, não havia relação entre as ações implementadas e o modelo teórico das janelas quebradas. A política pública de tolerância zero foi a experiência mais conhecida com base nesse modelo. Em 1990, a prefeitura de Nova York adotou estratégias de redução de crimes com base na saturação do policiamento nos bair- ros que mais concentravam crimes, assim como foram realizados gran- des investimentos na revitalização de espaços públicos e na instalação de equipamentos de videomonitoramento. Sob o governo do prefeito Rudolph Giuliani (de 1994 a 2001) e do comissário de polícia William Bratton, essas medidas foram incenti- vadas e a atuação policial foi dirigida para crimes de menor potencial ofensivo. Por exemplo, pessoas eram presas por pichações, venda de cigarros em público, consumo de drogas, entre outros crimes. Nas dé- cadas de 1980 e 2000, os indicadores criminais da cidade apresentaram acentuado declínio, fazendo com que o modelo fosse utilizado em ou- tras cidades dos EUA e do mundo. A política de tolerância zero sofreu críticas ao longo do tempo. No documen- tário Zero tolerance (school shooter documentary) | Real stories, as medidas de redução de desordens são criticadas com base no ambiente escolar. Em uma interpretação questioná- vel dos argumentos dos autores da teoria, algumas agências policiais são cri- ticadas por integrantes da comunidade escolar. Com isso, é possível problema- tizar a utilização da teoria das janelas quebradas ao longo do tempo. Disponível em: https://www.youtube. com/watch?v=EWWeysV6CC8. Acesso em: 3 set. 2021. Documentário Psicologia social e prevenção criminal 131 Apesar disso, não há consenso sobre a relação entre essas me- didas e a queda dos crimes, e diversos pesquisadores apresentam argumentos com base em pesquisas empíricas, indicando outros fa- tores como os principais responsáveis (HARCOURT, 2009; SHARKEY, 2018). Outros autores argumentam que houve um desvirtuamento da teoria das janelas quebradas para enfatizar a criminalização de alguns grupos sociais e as ações truculentas em vizinhanças perifé- ricas (FAGAN; DAVIES, 2000). 5.4 Teoria dos espaços defensáveis Vídeo A teoria dos espaços defensáveis é uma abordagem teórica que re- laciona a incidência criminal com as características contextuais, e origi- nalmente sua construção foi dirigida para ambientes residenciais. No livro Espaços defensáveis: prevenção criminal pelo design urbano, publicado em 1973, o arquiteto Oscar Newman apresenta o resultado do trabalho de pesquisa que realizou em meados da década de 1960. O autor acompanhou o desenvolvimento de um complexo social de casas públicas comunitárias no condado de San Louis, no estado do Missouri. Tratava-se de um projeto governamental que tinha como objetivo abri- gar famílias de baixa renda para diminuir a formação de guetos e zo- nas de segregação social na região. Todavia, pouco mais de dez anos depois da instalação do complexo, a taxa de criminalidade voltou a au- mentar, tornando o local inabitável, sendo posteriormente demolido. De acordo com evidências da pesquisa (NEWMAN, 1972), os princi- pais fatores que causaram a derrocada do projeto foram a falta de cui- dado governamental na manutenção do local e o design do ambiente, que favorecia o desenvolvimento de crimes como vandalismo, venda e uso de drogas ilícitas e roubos (como pudemos entender na teoria das janelas quebradas). Ou seja, para o autor, as desordens físicas acaba- ram por favorecer as desordens sociais. Além disso, Newman (1973) identificou outros problemas: o excesso de famílias que ocupavam os corredores do complexo habi- tacional (mais de 20 famílias diferentes) e os elevadores, assim como as escadas, que eram compartilhados por mais de 150 pessoas. Essa alta densidade fazia com que os moradores não tivessem nenhum afeto e apego com o local onde residiam, e isso gerava, além da to- • Conhecer o modelo da teoria dos espaços defensáveis. • Compreender a utili- zação dos elementos teóricos em pesquisas aplicadas. Objetivos de aprendizagem 132 Psicologia social aplicada à segurança tal falta de cuidado, a impossibilidade de diferenciar moradores de intrusos (NEWMAN, 1972). Ademais, as ruas não possuíam a vigilância necessária, bem como o planejamento dos prédios atrapalhava sobremaneira a vigilância na- tural dos moradores com relação à movimentação de seus vizinhos e convidados ou até mesmo de intrusos. Por fim, por serem prédios muito altos e largos, o envolvimento comunitário era dificultado, o que gerou baixo índice de engajamento entre eles (MATSUNAGA, 2016). O modelo teórico de Newman foi elaborado com base em uma perspectiva da arquitetura, buscando aliar conceitos da ciência social e da psicologia. A influência de Jane Jacobs é marcante no trabalho do autor. Para Newman (1973, p. 50), um espaço defensável é “um am- biente residencial cujas características físicas, leiaute de construção e planejamento, funcionem para permitir que os moradores se tornem agentes de sua própria segurança”. Ou seja, o autor destaca tanto elementos arquitetônicos quanto in- dividuais com a segurança. Logo, outras áreas, como vizinhanças, ca- sas, parques etc., podem se tornar espaços defensáveis se possuírem características que proporcionem pertencimento e permitam vigilância fácil e frequente. Esses elementos possibilitam que o controle social seja realizado pelos moradores. Os principais itens desse modelo teó- rico são (NEWMAN, 1973): refere-se ao cuidado, ao apego e à identidade com um lugar específico. refere-se à estruturação do ambiente de modo que quem esteja nele tenha a perfeita percepção de que está sendo observado a todo momento, ou seja, caso pense em cometer alguma infração, sabe que está sendo observado. refere-se à possibilidade de os espaços influenciarem a segurança em suas adjacências e vice-versa, como um órgão público próximo a uma região resi- dencial poder contribuir conjuntamente na segurança de ambos. refere-se à noção de que ambientes que aparentam estar sendo cuidados possuem menos chances de serem depredados ou invadidos por assegu- rarem que há alguém sempre atento responsável por aquele local. Territori- alidade Vigilância natural Justaposição geográfica Manutenção do espaço An dr ew K ra so vit ck ii/ Sh ut te rs to ck Psicologia social e prevenção criminal 133 Em conjunto, esses elementos são categorias que permitem ava- liar a estrutura de um ambiente, com implicações para a segurança. O modelo teórico de Newman tornou-se influente nos anos seguin- tes, tendo sido utilizado para diferentes projetos, como a organiza- ção e o desenho das locações das Olimpíadas de Sydney e Londres (COZENS; LOVE, 2015). Algumas ações voltadas às definições claras do que é público e privado podem impedir que transgressores cometam crimes nos lo- cais (COSTA, 2017; MATSUNAGA, 2016). Elas podem ser: • barreiras simbólicas ou físicas (por exemplo, portões de acesso a becos entre residências ou muretas); • elaboração do design do ambiente, favorecendo a vigilância na- tural dos moradores para com seus vizinhos, sem a sobreposi- ção de elementos que impeçam a visualização davizinhança (por exemplo, portões que garantam a visibilidade); • manutenção do local para deixá-lo ordenado e limpo, a fim de demonstrar que ele não está abandonado. Em suma, a teoria está relacionada a princípios de intervenções diretas no ambiente com o objetivo de produzir um impacto positivo na segurança de toda uma comunidade. 5.5 Prevenção criminal pelo design do ambiente (CPTED) Vídeo O modelo da CPTED (tradução livre do inglês Crime Prevention Through Environmental Design) foi elaborado com base no argumento dos espaços defensáveis (COZENS; LOVE, 2015). Segundo o criminologista Timothy Crowe (2000, p. 46), esse modelo está relacionado ao “design adequado e uso efetivo dos ambientes construídos que podem levar à redução do medo e da incidência do crime, além de melhorar a qualidade de vida”. Ou seja, a CPTED não se relaciona apenas ao crime, mas às suas conse- quências sobre indivíduos, grupos sociais e coletividade de modo geral. A origem do termo é associada a Clarence Ray Jeffery, cuja produção nessa área de pesquisa ainda é influente. O desenvolvimento teórico da CPTED demonstrou a relevância da relação entre ambiente e comportamento. As formas como as pessoas percebem e interpretam os sinais do ambiente em que estão influen- • Conhecer os conceitos da CPTED. • Compreender a utiliza- ção dos conceitos da CPTED para a preven- ção criminal. Objetivos de aprendizagem 134 Psicologia social aplicada à segurança ciam os seus comportamentos. A CPTED começou a ser estruturada com base nas teorias que relacionavam a prevenção criminal ao am- biente em meados dos anos 1960 nos Estados Unidos, associando comportamentos de pessoas individual ou coletivamente e a configura- ção do local em que estavam inseridas, mesmo que transitoriamente. Sendo assim, a CPTED estabelece que projetos arquitetônicos e co- munitários podem influenciar a redução da criminalidade com base nos princípios dos espaços defensáveis, além de criar locais que encorajem o uso ativo do espaço comunitário de modo a garantir que a ocupação das pessoas que por lá residem pode afastar eventuais transgressores (COZENS; LOVE, 2015). Portanto, não apenas os indivíduos, mas também o ambiente cons- tituem importantes variáveis a serem consideradas em matéria de pre- venção criminal e redução do medo do crime ou aumento da sensação de segurança. Assim, por mais que não seja a solução definitiva para acabar com o crime em determinado local, a reorganização inteligente do ambiente, por meio de intervenções em seu design com base nos conceitos da CPTED, pode trazer inúmeros benefícios, como diversas pesquisas têm demonstrado (COSTA, 2017; MATSUNAGA, 2016). A figura a seguir apresenta a estruturação da CPTED: Figura 4 Princípios da CPTED Fonte: Adaptada de Cozens; Love, 2015. CPTED Territorialidade Vigilância natural Controle natural de acesso Reforço do alvo Manutenção da imagem Suporte de atividades Justaposição geográfica Na obra A prevenção do crime através do desenho urbano, Roberson Luiz Bondaruk analisa a in- fluência do ambiente na incidência criminal. Com base em pesquisas con- duzidas em Curitiba, no Paraná, o autor propõe estratégias de interven- ção no ambiente para a redução das oportu- nidades de comporta- mentos criminosos. 3. ed. Curitiba: Edição do autor, 2007. Livro Inicialmente a teoria da CPTED foi baseada em três elementos estratégicos relacionados à prevenção criminal e influenciados pela noção de espaços defensáveis. São eles: I. Controle natural de acesso: existência de obstáculos naturais (árvores ou arbustos) que demonstrem restrições ao acesso de espaços, com o objetivo de negar o alcance do local por um eventual agressor, bem como criar neste a percepção dos riscos a que se submete ao tentar superá-los. II. Vigilância natural: tem o objetivo de permitir que as pessoas vejam e sejam vistas, criando em um potencial invasor a nítida percepção de que está sempre sob vigilância, o que aumenta o risco no caso de uma tentativa de invasão ou cometimento criminal. Ela pode ser classificada como organizada (patrulhas e vistorias constantes), mecânica (iluminação e câmeras) ou natural (janelas, portões e espaços não isolados da visão do público). III. Controle de acesso ou reforço territorial: está relacionado à ocupação e ao controle das pessoas que por ali residem, das áreas próximas à sua moradia, do comércio, dos locais de lazer e de trânsito, por exemplo. O reforço territorial também se relaciona à designação clara dos ambientes de modo que seu design reforce seus usos legítimos e afaste indivíduos que possam lhe dar destinação ilegítima. Um exemplo pode ser a ocupação da comunidade nos parquinhos, pontos de encontro e áreas públicas de musculação, o que acaba afastando Figura 5 Exemplo de vigilância natural yoshi0511/Shutterstocka As câmeras de segurança presentes nos ambientes internos e externos são um exemplo de vigilância natural. Psicologia social e prevenção criminalPsicologia social e prevenção criminal 135135 Figura 6 Exemplo de reforço territorial ci fo ta rt/ Sh ut te rs to ck Exemplo de reforço territorial (pessoas fazendo exercício em áreas públicas). Inicialmente a teoria da CPTED foi baseada em três elementos estratégicos relacionados à prevenção criminal e influenciados pela noção de espaços defensáveis. São eles: I. Controle natural de acesso: existência de obstáculos naturais (árvores ou arbustos) que demonstrem restrições ao acesso de espaços, com o objetivo de negar o alcance do local por um eventual agressor, bem como criar neste a percepção dos riscos a que se submete ao tentar superá-los. II. Vigilância natural: tem o objetivo de permitir que as pessoas vejam e sejam vistas, criando em um potencial invasor a nítida percepção de que está sempre sob vigilância, o que aumenta o risco no caso de uma tentativa de invasão ou cometimento criminal. Ela pode ser classificada como organizada (patrulhas e vistorias constantes), mecânica (iluminação e câmeras) ou natural (janelas, portões e espaços não isolados da visão do público). III. Controle de acesso ou reforço territorial: está relacionado à ocupação e ao controle das pessoas que por ali residem, das áreas próximas à sua moradia, do comércio, dos locais de lazer e de trânsito, por exemplo. O reforço territorial também se relaciona à designação clara dos ambientes de modo que seu design reforce seus usos legítimos e afaste indivíduos que possam lhe dar destinação ilegítima. Um exemplo pode ser a ocupação da comunidade nos parquinhos, pontos de encontro e áreas públicas de musculação, o que acaba afastando Figura 5 Exemplo de vigilância natural yoshi0511/Shutterstocka As câmeras de segurança presentes nos ambientes internos e externos são um exemplo de vigilância natural. Psicologia social e prevenção criminalPsicologia social e prevenção criminal 135135 Figura 6 Exemplo de reforço territorial ci fo ta rt/ Sh ut te rs to ck Exemplo de reforço territorial (pessoas fazendo exercício em áreas públicas). 136 Psicologia social aplicada à segurança usuários de drogas, já que o espaço não estaria livre para esse tipo de comportamento. Com o passar dos anos e o advento de novas teorias, outros ele- mentos foram incorporados (COZENS, 2008), como a imagem e a manutenção, que se relacionam ao argumento da teoria das janelas quebradas. Essa categoria indica a importância de manter um cuida- do adequado e a conservação contínua dos ambientes, pois espaços descuidados transmitem a mensagem de que estão desocupados, tendendo a se tornarem terra devastada, abrindo espaço, dessa for- ma, para práticas criminais. Uma casa com aparência descuidada, sem manutenção aparente e presença de moradores, pode ser alvo de práticas criminosas. Th om as Ph ot o/ Sh ut te rs to ck Figura 7 Exemplo de imagem e manutenção Outro elemento é o reforço do alvo, que se trata de uma suplemen- tação do controle de acesso,com reforço embasado em elementos que podem aumentar o controle daquele local por meio de estratégias como o uso de meios mecânicos (grades, cancelas e portões), pessoal especializado em segurança formal, mensagens e câmeras informando sobre a segurança, entre outros artefatos que possam levar à restrição do acesso a possíveis alvos. Psicologia social e prevenção criminal 137 Figura 8 Exemplo de reforço do alvo As placas de aviso que existem câmeras no local ajudam a inibir a ação de possíveis criminosos. as tu di o/ Sh ut te rs to ck SORRIA VOCÊ ESTÁ SENDO FILMADO Temos, ainda, o suporte de atividades, que envolve o uso de design e sinalização para encorajar os padrões pretendidos no uso do espaço público, como direcionar atividades inerentemente inseguras (por exemplo, movimentações após sacar dinheiro) para locais com melhores níveis de segurança (por exemplo, lugares com altos níveis de atividade e oportunidades de vigilância). Outro exemplo é minimi- zar as rotas de fuga de eventuais infratores. Por fim, destacamos a utilização do conceito de justaposição geográfica, conforme a teoria dos espaços defensáveis, ou seja, a possibilidade de que os espaços influenciem a própria segurança do local. Ao longo do tempo, o modelo teórico da CPTED desenvolveu-se e assumiu novas características. Por exemplo, os modelos conhecidos como de segunda geração passaram a incluir elementos como coesão social, cultura comunitária, participação de moradores, laços sociais, inclusão, entre outros elementos (COZENS; LOVE, 2015). Em grande medida, a expansão do modelo tem sido impulsionada por sua obje- tividade e facilidade na aplicação, conectando áreas do conhecimento distintas. Diversas cidades do mundo e do Brasil têm utilizado essa teoria como uma ferramenta para a prevenção criminal, alcançando re- sultados satisfatórios. Nesse sentido, os estudos em CPTED têm se mostrado consistentes, com significativas reduções de criminalida- de em países de intervenção, como EUA, Japão, França, Alemanha, Inglaterra e Brasil. Atualmente, existe, inclusive, uma associação in- ternacional de pesquisadores que busca aprimorar e ampliar o em- prego dessa teoria, a The International Crime Prevention Through Environmental Design Association (ICPTEDA). 138 Psicologia social aplicada à segurança CONSIDERAÇÕES FINAIS A psicologia social tem impactado diversos processos de prevenção criminal. Sabemos que, para alcançar resultados favoráveis, diversas ciências podem e devem ser fonte de subsídios para estratégias com o objetivo de frear a atividade criminosa. Nesse sentido, como vimos, diversas teorias psicológicas, tanto em nível individual quanto social, são de relevância acadêmica e prática. A relação entre crenças, valores, atitudes e normas informa diferentes modelos teóricos. Com isso, percebemos que a mudança de comporta- mentos, tanto da vítima quanto do ofensor, depende de seus mecanis- mos. Portanto, entender as crenças, os valores, as atitudes e as normas que geram influência social é primordial para alcançar resultados satisfa- tórios na mudança comportamental. Por exemplo, não parece razoável obrigar uma possível vítima a se comportar de maneira mais segura por meio de placas ou panfletos. Recomendamos que a pessoa entenda que ao buscar ter atitudes e comportamentos voltados à própria segurança (como compreender os riscos de chegar em casa sozinho à noite, de sacar quantias elevadas do banco e sair despretensiosamente, de andar olhando o celular com falta de atenção ao redor etc.) pode aumentar a chance de não ser alvo de um criminoso. Logo, ao entender isso (mudança de crenças, valores e atitudes), é possível que comportamentos mais cuidadosos evitem situações de exposição ao risco. Por outro lado, as formas de lidar com o comporta- mento criminoso possuem vinculações teóricas com diferentes áreas do conhecimento. A dissuasão, a incapacitação, a retribuição e a reabilitação ilustram os pressupostos que orientam diferentes estratégias das agên- cias do sistema de justiça criminal. Por fim, se observarmos o ambiente ou a guarda (ausência de guar- dião), naturalmente entenderemos que estratégias ambientais podem di- minuir muito a tendência criminal em determinados locais. Um propenso ofensor avalia bem a maneira de sua atuação criminal, e não simplesmen- te comete um crime. Portanto, zelar pelo ambiente em que está inserido e dar mais atenção a ele é fundamental nessa estratégia de prevenção criminal. Enfim, a busca ainda é longa, mas a ciência psicológica social pode ajudar muito nessa caminhada. Psicologia social e prevenção criminal 139 ATIVIDADES Atividade 1 Enumere e descreva os níveis de prevenção segundo Brantingham e Faust (1976). Atividade 2 Apresente a definição e as principais características da prevenção situacional do crime. Atividade 3 Descreva o argumento da teoria das janelas quebradas. Atividade 4 Enumere e descreva pelo menos três elementos da CPTED. REFERÊNCIAS BALACCI, L. Lixeiras de Diadema que ironizam vândalos fazem sucesso na internet, Metro Worldnews, 2019. Disponível em: https://www.metroworldnews.com.br/foco/2019/12/10/ lixeiras-diadema-vandalos-lixo.html. Acesso em: 23 set. 2021. BRANTINGHAM, P. J.; FAUST, F. L. A conceptual model of crime prevention. Crime & Delinquency, v. 22, n. 3, p. 284-296, jul. 1976. CLARKE, R. A revised classification of situational crime prevention techniques. In: LAB, S. P. Crime prevention at a crossroads. Cincinnati: Academy of Criminal Justice Sciences, 1997. COSTA, I. S. da. Prevenção criminal pelo design do ambiente (CPTED) e o medo do crime: teoria, mensuração, efeitos e aplicações. 2017. Dissertação (Mestrado em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações) – Departamento de Psicologia Social e do Trabalho, Universidade de Brasília, Brasília. 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Resolução das atividades 141 Resolução das atividades 1 Fundamentos de psicologia social 1. Explique a influência da Segunda Guerra Mundial no desenvolvimento dos estudos em psicologia social. Com a ascensão do regime nazista liderado por Adolf Hitler na Alemanha, muitas pessoas passaram a se questionar sobre as motivações de comportamentos violentos, preconceituosos e sádicos. Alguns conceitos importantes na psicologia social foram impulsionados com os esforços em compreender o funcionamento da sociedade alemã à época da ascensão totalitarista, como conformidade e obediência. Além disso, muitos pesquisadores europeus imigraram para os Estados Unidos em virtude da guerra. Com isso, contribuíram para o desenvolvimento de pesquisas sobre novos objetos a partir de perspectivas inovadoras para o contexto norte-americano, como o gestaltismo. 2. Defina a psicologia social (segundo David Myers) e apresente as principais características do campo de estudos. A psicologia social compreende o estudo científico de como as pessoas pensam, influenciam e se relacionam umas com as outras. Dentre as características, destacam-se: a utilização do método científico para o estudo de processos cognitivos relacionados ao pensamento social, à influência social e às relações sociais; a ênfase nas formas como o comportamento individual é influenciada pelo ambiente social em que se insere; a relevância do papel das normas culturais na influência social; e a dimensão aplicada da produção científica na compreensão do indivíduo como agente da história. 3. Enumere e caracterize as três perspectivas analíticas da psicologia social. A perspectiva observacional privilegia a descrição do comportamento humano por meio da observação dos indivíduos e do registro de características que permitam distinguir padrões e diferenças. Essa estratégia pode assumir diferentes formas e ser realizada por meio de técnicas que dependem das circunstâncias e das características da pesquisa e de seus objetivos, bem como dos fenômenos observados. A perspectiva correlacional busca predizer o comportamento social por meio da análise das relações entre variáveis. As pesquisas correlacionais não oferecem conclusões sobre causa e efeito, ou 142 Psicologia social aplicada à segurança seja, não permitem afirmar que a variável A é a causa da variável B. A perspectiva experimental inclui estratégias de pesquisa que permitem estabelecer relações de causa e efeito. Para tanto, os psicólogos sociais simulam em laboratório situações que permitem observar aspectos dos fenômenos estudados. A simulação de situações sociais consiste na reprodução de condicionantes importantes de nossas vidas. São importantes os seguintes conceitos: variáveis independentes, variáveis dependentes, designação aleatória. 2 Personalidade, agressões e violências 1. Apresente a definição de agressão e a sua diferença em relação ao conceito de violência. A literatura psicológica apresenta relativo consenso sobre a definição de agressão como sendo aqueles comportamentos físicos ou verbais dirigidos a causar danos em outras pessoas. Em termos conceituais, a psicologia social interpreta a violência como um subconjunto de agressões (ALLEN; ANDERSON, 2017). Assim, a violência é uma forma severa de agressão que tem como objetivo agressões físicas severas. 2. Apresente as principais diferenças entre as explicações sobre a hipótese frustração-agressão para Dollard, Miller e Berkowitz. Para Dollard, toda frustração leva a alguma forma de agressão e toda agressão é causada por um tipo de frustração. Ou seja, a frustração é um fator necessário e suficiente para uma agressão. Os motivos para agredir seriam, para o autor, semelhantes àqueles de reações fisiológicas como a fome ou o sono. Trata-se de uma necessidade que deve ser satisfeita, ou seja, assim como a ausência de comida gera impulsos de fome ou a ausência de sono gera impulsos de repouso, a frustração geraria incentivos à agressão. Já Miller argumenta que nem sempre as frustrações geram respostas agressivas, além de que nem toda agressão é oriunda de uma frustração. A revisão proposta por Miller (1941) sugere uma relação probabilística (e não determinística) entre agressão e frustração. Berkowitz argumenta que a frustração é uma experiência, entre tantas outras, que pode levar a comportamentos agressivos por meio de sentimentos negativos ou desconfortáveis. Ou seja, são esses sentimentos negativos (ou afetos negativos) que podem levar a agressões, mas nem sempre isso ocorre. A agressão tende a ser relacionada à intensidade do afeto negativo e não à frustração em si. Resolução das atividades 143 3. Relacione pelo menos três evidências de estudos da psicologia social sobre a relação entre o consumo de álcool e as agressões. a) Os efeitos do álcool sobre a agressão são mais pronunciados quando os indivíduos são provocados. Segundo Gustafson (1994), tanto a frequência quanto a intensidade de reações agressivas foram maiores diante de agressões contra pessoas sob efeito de álcool. b) As agressões em respostas a frustrações (interrupções de objetivos específicos) foram mais intensas em pessoas sob efeito de álcool (ITO; MILLER; POLLOCK, 1996). c) As pessoas sob efeito de álcool são menos capazes de se concentrar em si próprias e de monitorar seus comportamentos (ITO; MILLER; POLLOCK, 1996). d) Os gatilhos agressivos são mais pronunciados no comportamento de pessoas sob efeito de álcool, como na aplicação de choques elétricos em experimentos. 4. Relacione pelo menos três evidências de estudos da psicologia social sobre a relação entre a exposição prolongada aos videogames e às agressões. a) Aumenta o pensamento agressivo, como supor comportamentos agressivos no trânsito (BUSHMAN; ANDERSON, 2002). b) Aumenta sentimentos agressivos, como frustração e hostilidade (MYERS, 2014). c) Aumenta comportamentos agressivos, como discussões com pais, professores e colegas de escola, inclusive agressões físicas (BUCKLEY; ANDERSON, 2006). d) Diminui comportamentos pró-sociais, como ajudar pessoas em necessidade (MYERS, 2014). e) Diminui a sensibilidade à violência, como se a atividade cerebral tivesse se “acostumado” e reagisse de maneira menos intensa (CARNAGEY; ANDERSON; BARTHOLOW, 2007). 144 Psicologia social aplicada à segurança 3 Psicologia social e justiça criminal 1. Dê os conceitos de crenças, valores, normas sociais, atitudes e comportamentos segundo a psicologia social. Crenças: conjunto de ideias formadas, estruturadas e estabelecidas por uma pessoa como pensamentos automáticos que são apreciados como verdades. Valores: crenças relativamente estáveis, ligadas à emoção, que geram sentimentos; um constructo motivacional que orienta as atitudes das pessoas. Normas sociais: costumes habituais exibidos por um grupo; regras de comportamento social, explícitas ou implícitas, que propõem um comportamento valorizado pela sociedade. Atitudes: orientações valorativas a respeito do mundo e de qualquer componente do ambiente que possa ser representado psicologicamente; parâmetros avaliativos de um objeto, seja ele físico ou social. Comportamentos: respostas observáveis de umapessoa por meio da exteriorização de suas atitudes; maneira como uma pessoa se comporta e reage no meio em que vive diante de uma situação e dos estímulos recebidos. 2. Descreva as fases de processamento da memória. A primeira fase é de aquisição, quando notamos todas as informações do ambiente que nos cerca e prestamos atenção nelas, o que é impossível para nossa capacidade humana, já que acabamos selecionando algumas informações. A segunda fase é de armazenamento, processo em que alguém guarda na memória os detalhes selecionados da cena e do fato vivenciado. Nesse caso, diversos fatores podem influenciar a maneira como a informação é armazenada e posteriormente buscada. A terceira fase é de recuperação, quando buscamos de volta as lembranças armazenadas em nossa memória, parte também influenciada por vários fenômenos, como o da memória reconstrutiva, quando informações posteriores ao evento acabam influenciando e distorcendo a lembrança original, ou o da monitoração da fonte, causada por perguntas enganosas que acabam nos levando a identificar a fonte de nossas memórias e frequentemente a relatar coisas que na verdade não estavam presentes no momento do fato. Resolução das atividades 145 3. Descreva o fenômeno da reatância psicológica aplicada ao contexto judicial. Ocorre quando a liberdade de ação do indivíduo é ameaçada. As reações tendem a ser negativas quando existem imposições contra a liberdade de escolha e a autonomia. Por exemplo, durante um tribunal do júri, uma ordem do juiz para ignorar um depoimento ou uma afirmação do advogado de defesa para que o passado do réu seja completamente desconsiderado podem ter um efeito oposto, aumentando o impacto daquela prova, em especial se a fala for de caráter emocional, como a descrição detalhada de um crime anterior com crueldade. Por mais que os jurados tendam a afirmar que respeitam o devido processo legal e não consideram a prova juridicamente descartada em sua decisão, as pesquisas demonstram que essas informações são levadas em consideração pelos jurados, mesmo que implicitamente. 4 Psicologia social e crime 1. Enumere e descreva as principais abordagens psicológicas sobre o crime. A primeira é a abordagem psicanalítica, ela enfatiza a dimensão conflitiva entre as dimensões da personalidade. O surgimento de características psicológicas associadas a comportamentos antissociais e criminosos demonstraria os conflitos entre as dimensões da personalidade e os limites sociais. Além disso, os conflitos são comparados a doenças e, como tal, requerem tratamento, sob pena de se tornarem mais graves ao longo do tempo. A segunda abordagem é sobre a relação entre crimes e deficit de inteligência. Essa abordagem enfatiza que a inteligência pode ser determinada hereditariamente ou por meio de influência social. Em ambos os casos, o deficit de inteligência está associado à dificuldade de controlar impulsos e de julgar situações corriqueiras do dia a dia, além de comprometer o desempenho escolar. A terceira abordagem é sobre a personalidade. Essa abordagem procura estabelecer traços de personalidade que estejam associados a comportamentos criminosos, como hostilidade, suspeição, desconfiança, ambivalência, sadismo e narcisismo. 146 Psicologia social aplicada à segurança 2. Descreva o argumento principal da teoria da ação racional. Essa teoria foi proposta por Fishbein e Ajzen. Os autores argumentam que os comportamentos ocorrem de modo espontâneo, com base nas informações e nas crenças que o indivíduo possui a respeito do objeto a que se refere. Muitas são as maneiras de obter informações ou formar crenças a respeito de situações ou objetos. As características individuais e as experiências desempenham papel importante, assim como condições de socialização, educação, grupos sociais e acesso à informação; mesmo as características de personalidade influenciam a formação de crenças a respeito do mundo. Em última medida, para Fishbein e Ajzen (2015), não importa como essas crenças foram formadas, mas sim como elas guiam a decisão de adotar certo comportamento. Uma das características do modelo da ação racional é a argumentação de que uma atitude pode indicar uma tendência à ação, mas não necessariamente um comportamento. Para os autores, outros elementos devem ser levados em consideração, por exemplo, a pressão social. 3. Enumere e descreva os elementos do crime segundo a teoria das atividades rotineiras. Os elementos são: ofensor motivado, vítima ou alvo e ausência de guardiões capazes. O ofensor motivado é definido como um ator racional, ou seja, ao decidir cometer um crime, realiza cálculos do tipo custo-benefício. A vítima, ou o alvo, influencia a ação do ofensor. Suas características, seus objetos ou suas posses despertam a atenção dos ofensores. Segundo os autores, as vítimas podem ser tanto pessoas quanto residências, automóveis etc. Já o terceiro elemento é a ausência de guardiões capazes, referindo-se à proteção em relação à ação do ofensor (individual e ambiental). Pode ser um equipamento de segurança, presença de pessoas, a polícia ou a atitude da própria vítima. Em grande medida, é a convergência entre esses três elementos o que possibilita a concretização de um crime, ou seja, as características contextuais são elementos importantes nesse modelo teórico. 5 Psicologia social e prevenção criminal 1. Enumere e descreva os níveis de prevenção segundo Brantingham e Faust (1976). A prevenção primária está baseada em medidas ou profilaxias gerais que têm como foco principal a remoção de fatores que possam criar condições para o crime. Com relação ao crime, as Resolução das atividades 147 medidas profiláticas são voltadas a afastar crianças e jovens do ambiente criminal, impedindo a estruturação de crenças, valores e atitudes voltados ao crime, em programas como o Proerd ou outros projetos sociais. A prevenção secundária é dirigida a indivíduos, grupos ou situações de risco, que tenham mais chances de engajamento em comportamentos criminais, como adolescentes com pais encarcerados, escolas com episódios de bullying, regiões com abandono, vandalismo e uso frequente de drogas, entre outras desordens físicas e sociais. Já a prevenção terciária está relacionada às ações direcionadas a presos, egressos ou indivíduos com histórico recente de detenção. Ou seja, o foco principal está direcionado a evitar a reincidência de comportamentos criminosos, como projetos ou programas voltados à educação, formação técnico-profissional e recuperação da dependência química. 2. Apresente a definição e as principais características da prevenção situacional do crime. De modo geral, esse é um campo do conhecimento que busca encontrar formas de reduzir a incidência criminal particularmente por meio de ações que reduzam as oportunidades para a ocorrência de crimes. Em primeiro lugar estão a objetividade e o alcance da prevenção situacional do crime. Não se trata de medidas aleatórias e aplicáveis a todos os contextos indistintamente. São ações dirigidas a contextos criminais específicos, que são elaboradas com base em premissas de planejamento, acompanhamento e avaliação desenvolvidas de maneira única. Em segundo lugar, a relação entre as medidas e as causas são diretas e próximas. Assim, a prevenção situacional do crime não se dirige às condicionantes amplas, como desigualdade social, infraestrutura urbana ou condições de educação. Pelo contrário, são medidas exequíveis a curto e médio prazo e que estão diretamente relacionadas à incidência criminal, objeto do conjunto de ações. Por fim, a terceira característica central para a prevenção situacional do crime é o seu mecanismo de funcionamento. As medidas a serem adotadas buscam aumentar os custos ou os riscos para o comportamento criminoso ou mesmo a mitigação de possíveis recompensas. 3. Descreva o argumento da teoria das janelas quebradas. Segundo Kelling e Wilson (1982), os sinais de desordem,mesmo que simples, quando não são resolvidos podem ensejar um ambiente permissivo para comportamentos antissociais. Como em 148 Psicologia social aplicada à segurança uma espiral, haveria um ponto em que os sinais de desordem e os crimes deixariam de ser notados até se tornarem, segundo os autores, difíceis de serem controlados. Logo, pequenas desordens físicas podem ser incentivos para outras maiores porque refletem certa apatia pública e cívica e tolerância com desarranjos sociais mais complexos e graves, atraindo diversos tipos de criminosos para a área. Assim, o principal mecanismo para a redução da incidência criminal com base nessa teoria é reduzir as recompensas dos comportamentos criminosos. Isso é possível com a sinalização da presença de moradores, transeuntes e agentes públicos interagindo com o ambiente e mantendo visíveis a participação comunitária nas vizinhanças. 4. Enumere e descreva pelo menos três elementos da CPTED. I. Controle natural de acesso: existência de obstáculos naturais (árvores ou arbustos) que demonstrem restrições ao acesso de espaços, com o objetivo de negar o alcance do local por um eventual agressor, bem como criar neste a percepção dos riscos a que se submete ao tentar superá-los. II. Vigilância natural: tem o objetivo de permitir que as pessoas vejam e sejam vistas, criando em um potencial invasor a nítida percepção de que está sempre sob vigilância, o que aumenta o risco no caso de uma tentativa de invasão ou cometimento criminal. III. Controle de acesso ou reforço territorial: está relacionado à ocupação e ao controle das pessoas que por ali residem, das áreas próximas à sua moradia, do comércio, dos locais de lazer e de trânsito, por exemplo. IV. Imagem e manutenção: indica a importância de manter um cuidado adequado e a conservação contínua dos ambientes, pois espaços descuidados transmitem a mensagem de que estão desocupados, tendendo a se tornarem terra devastada, abrindo espaço, dessa forma, para práticas criminais. V. Reforço do alvo: trata-se de uma suplementação do controle de acesso, com reforço embasado em elementos que podem aumentar o controle daquele local por meio de estratégias como o uso de meios mecânicos (grades, cancelas e portões), pessoal especializado em segurança formal, mensagens e câmeras informando sobre a segurança do local, entre outros artefatos que possam levar à restrição do acesso a possíveis alvos. VI. Suporte de atividades: envolve o uso de design e sinalização para encorajar os padrões pretendidos no uso do espaço público, como direcionar atividades inerentemente inseguras (por exemplo, movimentações após sacar dinheiro) para locais com Resolução das atividades 149 melhores níveis de segurança (por exemplo, lugares com altos níveis de atividade e oportunidades de vigilância). VII. Justaposição geográfica: refere-se à possibilidade de os espaços influenciarem a segurança em suas adjacências e vice-versa, como um órgão público próximo a uma região residencial poder contribuir conjuntamente na segurança de ambos. ISBN 978-65-5821-077-1 9 786558 210771 Código Logístico 59763 MÁRCIO JÚLIO DA SILVA MATTOS MÁRCIO JÚLIO DA SILVA MATTOS PSICOLOGIA SOCIAL APLICADA À SEGURANÇA