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METODOLOGIA DO ENSINO DA LITERATURA AULA 4 Profª Janieyre Scabio Cadamuro Damico 2 CONVERSA INICIAL Nesta aula vamos tratar da formação do leitor infantojuvenil. Você é um leitor formado? Quando passou pelo processo de escolarização, na educação básica, foi formado leitor pelos seus professores? Essa é uma tarefa que tem auxílio da família e da sociedade como um todo, mas que cabe essencialmente à escola, devido às diferentes realidades de nosso país. Precisamos, então, adotar práticas que promovam a formação leitora durante todo o processo escolar. Se levarmos em consideração que as crianças entram cada vez mais cedo na escola e nela permanecem grande parte de seu dia, tomaremos para nós, professores, a responsabilidade de formarmos leitores e, em particular, leitores literários. Lembre-se que é um direito constitucional o acesso à cultura e uma forma de adquiri-la é por meio do texto literário. Em primeiro lugar, devemos saber que é impossível um professor não leitor formar um leitor, somente leitores formam leitores. O professor deve ter vasto repertório de leitura, conhecendo os clássicos e os contemporâneos, dominando vários suportes e gêneros e, acima de tudo, conhecendo o perfil do leitor que irá formar. É preciso fazer um levantamento em sua turma para descobrir o nível de leitura de seus alunos, as preferências e as experiências e, a partir disso, elaborar projetos de leitura que contribuam para a formação do jovem leitor. São necessárias práticas reais de leitura e a presença do professor como mediador e modelo de leitor. TEMA 1 – LEITURA: UM DESAFIO? Vamos refletir agora sobre o perfil do leitor de hoje; não apenas em nós, mas no leitor que queremos formar, o aluno da educação básica. Será que a maneira de ler muda de pessoa para pessoa ou de acordo com a sociedade em que vivemos? As crianças e os jovens que frequentam a escola do século XXI, por exemplo, não valorizariam a leitura de um clássico como Os Lusíadas, de Camões, mas, por outro lado, leriam compulsivamente um livro extenso sobre algum jogo ou sobre a vida de um youtuber, isso porque são nativos digitais e em suportes diferenciados, eles terão maior facilidade de ler. Existe também a 3 questão do interesse e do horizonte de expectativas. Mas será que essa leitura é compreensiva ou superficial? A leitura promovida pela escola, muitas vezes, prioriza apenas o texto escrito, porém, além do espaço escolar, surgem leitores, que, como afirma Demo (2007), um autor que estuda principalmente a questão das tecnologias digitais, preferem imagens, símbolos, mapas, pinturas e vídeos. Lúcia Santaella, citada por Demo (2007, p. 21-25), caracteriza três tipos de leitores: • Contemplativo – típico da sociedade pré-industrial, que nasce no Renascimento e sobrevive até o século XIX. É um leitor silencioso e solitário que valoriza o livro impresso e a imagem fixa. • Movente – o leitor da sociedade industrial, mais híbrido e dinâmico, aquele que consegue misturar vários signos e não apenas o escrito, lendo jornal, fotografia, cinema e televisão. É um leitor mais disperso e fragmentado, sempre atento à imagem e a propaganda, preferindo linguagens mais efêmeras e de memória mais curta. • Imersivo – o leitor virtual, que tem capacidade de ler sons, imagens, textos e programas informáticos. Aquele que está sempre online e tem facilidade em acessar os dados disponíveis. É interessante notar que para esse leitor o suporte é a multimídia e a linguagem mais atrativa é a hipermídia (links). Vale destacar que, para Santaella, os leitores não são necessariamente de um único tipo, as características podem transitar, por exemplo, para determinado tipo de texto ou gênero, o leitor prefere o livro físico, mas em outros momentos, ele pode ser um leitor imersivo. Por isso, o professor precisa pensar em estratégias que contemplem os três tipos de leitores. TEMA 2 – FASES DA LEITURA Assim como existem tipos de leitores, precisamos estar atentos às diferentes fases pelas quais o leitor passa. Existem várias teorias, de diferentes autores, que abordam esse tema; todas buscam auxiliar os professores nessa identificação, seja por faixa etária, por desenvolvimento cognitivo, pela aquisição do código escrito ou letramento. É interessante conhecer essas fases para que, dependendo da faixa etária com a qual trabalhamos, possamos entender de que 4 forma os leitores vão se apropriando da leitura literária e também para que possamos ofertar textos que contemplem as fases em que se encontram nossos alunos. Conhecer a realidade dos alunos, das turmas e da escola em que trabalhamos é fundamental para sabermos o nível de leitura em que os discentes se encontram. Isso é importante porque não há como encaixar todos os leitores em uma fase específica, dependendo das características de cada família, sejam elas financeiras ou culturais, as fases da leitura podem variar muito, mesmo em crianças da mesma idade. Não é somente a faixa etária que caracteriza o nível de leitura dos alunos, mas também estágios de aprendizagem, ou seja, a questão cognitiva e as capacidades leitoras são fundamentais. Sabemos que tentar encaixar um tipo específico de leitura apenas tomando como base a idade dos alunos pode não ser uma estratégia eficiente, já que os índices nacionais apontam que o nível de leitura dos estudantes brasileiros ainda é insuficiente. Como dissemos, são vários os autores que pesquisam sobre as fases da leitura, alguns relacionando a idade do leitor às habilidades de leitura, outros valorizando os estágios de aprendizagem da leitura. O conhecimento sobre os níveis de leitura de cada aluno serve para promover práticas leitoras que façam com que os estudantes avancem, tornando-se leitores cada vez mais proficientes e autônomos. Note que o conhecimento das fases não se aplica somente às práticas didáticas, mas também ao avanço desse aluno que necessita ser desafiado dentro dos seus interesses leitores. Um dos autores que trabalha com as fases da leitura é Bamberger (1975, citado por Quadros, 2018, p. 98-99). Ele elenca cinco fases de leitura baseadas em mudanças psíquicas e motivacionais que ocorrem com a maturidade etária das crianças e jovens, promovendo alterações nos interesses de leitura. As fases são as seguintes: 1. Idade dos livros de gravuras e dos versos infantis – engloba dos 2 aos 5 ou 6 anos de idade. Nessa fase, as crianças estão marcadas pelo egocentrismo, por isso seu interesse é em cenas mais isoladas, em ritmos, sons, versos, imagens, jogos e diferentes texturas. 2. Idade dos contos de fadas – dos 5 aos 8 ou 9 anos de idade. A criança vive em um universo mais fantástico, de possiblidades de inserção e de necessidade do mundo da fantasia. Pode-se ofertar livros com mais texto, 5 mas ainda com muitas imagens e voltados para essa temática mais maravilhosa, de fantasia. 3. Idade das histórias ambientais ou da leitura factual – dos 9 aos 12 anos. Inicia-se a fase da razão e do realismo, por isso, as crianças preferem livros de ação e aventura, bem como coleções que apresentam vários episódios com o mesmo personagem. 4. Idade das histórias de aventura – de 12 a 14 ou 15 anos. Temos aqui uma consciência mais nítida da própria personalidade do jovem, uma independência maior gera agressividade e contestação, por isso, eles preferem livros de aventura, romances com peripécias, livros de viagens e até mesmo autoajuda. 5. Anos de maturidade – dos 14 aos 17 anos. Nessa fase, a descoberta do mundo interior traz um egocentrismo mais crítico e há a questão da adoção da escala de valores, que se torna muito mais nítida para o jovem. Seu interesse passa a ser por aventuras de conteúdo mais intelectual, livros de viagem, histórias de amor, literatura engajada e atualidades.Podemos perceber que a classificação desse autor leva em consideração a maturidade psíquica da criança e do jovem e atrela a isso a capacidade de desenvolver habilidades leitoras. Existem outros estudos com outras abordagens em relação a essas fases e que também podem nos auxiliar nas escolhas que fazemos para nossos estudantes, após o mapeamento que nos referimos no início dessa conversa. Lembre-se que essas pesquisas servem de norte para aquilo que é possível apresentar para a criança ou adolescente, sendo sempre necessário verificar se as sugestões atendem às necessidades dos estudantes. TEMA 3 – HABILIDADES DE LEITURA As habilidades de leitura são outro tipo de classificação, apoiando-se na sociologia da leitura e levando em consideração a questão das habilidades desenvolvidas com a aquisição da leitura. Refletindo sobre as habilidades de leitura que podem ser trabalhadas em sala de aula, podemos elencar as que Costa (2007 e 2009, citada por Quadros 2018, p. 100-101) aponta: 6 1. Pré-leitura ou o pré-leitor – é a fase anterior à alfabetização, caracterizando-se como um período preparatório em que a criança desenvolve as habilidades que vão torná-la apta para a aprendizagem da leitura no futuro. Aqui temos livros com muitas imagens e pouco texto, uma vez que o código escrito não desperta o interesse da criança. 2. Leitura compreensiva ou leitor iniciante – fase de leitura da criança que está sendo alfabetizada. Os livros podem apresentar uma quantidade maior de texto verbal porque a criança já faz uma pseudoleitura, porém, as imagens ainda são muito importantes para o interesse da criança. 3. Leitura interpretativa ou leitor em processo – com a consolidação da alfabetização e do letramento, a criança começa a adquirir fluência e autonomia na leitura alfabética e já começa a perceber a diferença entre os gêneros textuais. Nessa fase, o interesse é pelas histórias de fantasia e também pelas de realidade. 4. Iniciação à leitura crítica ou leitor fluente – é o início da autonomia leitora, com um leitor com capacidade de compreensão e desenvoltura muito maior. Nessa fase é possível e também necessário apresentar uma variedade de gêneros literários muito maior ao estudante, porque ele consegue transitar por essa diversidade. 5. Leitura crítica ou leitor crítico – é aqui que temos a consolidação da autonomia e relação com outras leituras. Nessa fase o leitor já consegue estabelecer relações intertextuais, acionando seu repertório linguístico. Nesse momento o estudante produz leituras metalinguísticas, ou seja, é capaz de ler e compreender textos sobre a escrita, sobre o próprio discurso, conseguindo regular a própria aprendizagem sobre o texto. Perceba que, em relação às fases pelas quais as crianças e jovens passam e as necessidades de cada uma delas, na classificação de Costa, podemos ter uma compreensão maior de que a leitura não depende de faixa etária, mas sim do desenvolvimento das aquisições de leitura e de escrita da criança. Podemos ter em sala de aula crianças da mesma idade e que ainda não atingiram níveis equivalentes de leitura. É importante ressaltar que o avanço nessas fases depende do repertório de cada leitor, das experiências de cada um. Além disso, um leitor pode estar mais avançado na leitura de determinado gênero e menos avançado na leitura de outro. É importante lembrar que a formação do leitor se dá de forma gradual 7 e vai sendo construída aos poucos, como a capacidade de ler textos mais complexos, que exige maior autonomia e criticidade. TEMA 4 – LEITOR COMPETENTE A essa altura você já entendeu que a formação do leitor se dá de forma gradual, não sendo possível determinar o tempo de duração de cada fase. Outro fato que merece reflexão é que as dificuldades na leitura podem variar de acordo com os gêneros e com os autores. Sendo assim, como definir um leitor competente, aquele que já tem habilidades de leitura e já se dispõe a ler um texto complexo e desconhecido? Aguiar (2011, citada por Quadros 2018, p. 102-103), elenca algumas características que podem ser reveladas quando se trata de um leitor competente: 1. Busca textos de acordo com seu horizonte de expectativas – por iniciativa própria (autonomia), ele procura novos textos que sejam de seu agrado. 2. Conhece os lugares onde se pode encontrar materiais de leitura – como bibliotecas, internet, livrarias etc. 3. Frequenta espaços mediadores de leitura – além de bibliotecas, temos as bienais, os lançamentos de títulos, exposições, palestras, debates, contação de histórias, entre outros. 4. Localiza dados nas obras – isso deve ser trabalhado desde o momento em que a criança tem o primeiro contato com o livro, mostrando itens como capa, contracapa e ficha catalogal, ou seja, informações extratexto que certamente serão utilizadas para as futuras escolhas leitoras. 5. Reconhece a estrutura do texto – no trabalho com a diversidade, ele consegue diferenciar e reconhecer as diferentes estruturas dos gêneros. 6. Dialoga com novos textos – o leitor se posiciona crítica e criativamente diante de novos textos. 7. Troca informações sobre leituras com outras pessoas – é aquele leitor que indica livros e conversa sobre textos, alargando seu repertório. 8. É receptivo a novos textos – não tem um posicionamento resistente ao que não conhece. 9. Amplia seu horizonte de expectativas buscando leituras desafiadoras. 8 Lerner (2002, p. 59) também aponta algumas atitudes que nomeia de comportamentos leitores. Esses comportamentos são ensinados e praticados durante a formação do leitor em sala de aula. São eles: 1. Comentar ou recomendar o que leu. 2. Compartilhar a leitura. 3. Antecipar o que segue no texto – isso advém de uma estratégia de leitura que, mesmo não tendo lido ainda o restante do texto, já consegue imaginar o que pode acontecer com os personagens e com o enredo. 4. Reler um fragmento anterior para verificar a compreensão – isso é metacognição, ou seja, regular sua aprendizagem. 5. Saltar o que não se entende e avançar para se compreender melhor. TEMA 5 – ATITUDES LEITORAS Mais uma possibilidade de compreensão do processo de aquisição de habilidades e comportamentos leitores que pode nos auxiliar como professores de literatura é o estudo das atitudes leitoras. O interessante desse estudo é que fala especificamente do leitor literário. Escarpit e Vagné-Lebas (1988, citados por Zancheta, 2004, p. 154-155), elencam cinco atitudes do leitor em relação à leitura do texto literário. As habilidades que comentamos anteriormente podem ser utilizadas para a literatura, mas também para outros tipos de leitura. O estudo dos franceses compreende as atitudes que um leitor competente pode e deve ter para a compreensão completa dos textos literários. 1. Memorizar – trata-se do exercício da recordação do texto lido que permite a costura da narrativa. Quanto maior a clareza do texto lido, mais à vontade o leitor se sente para falar da história, e isso faz com que ele recupere lembranças de si mesmo, de sua vivência cotidiana, associando essas lembranças ao enredo da história. Esse exercício vai desde a visão mais fragmentada até o domínio da narrativa como um todo. 2. Compreender – atitude que revela o domínio do leitor sobre a narrativa, entendendo o que foi lido. Com base no entendimento do que foi lido, o leitor consegue relacionar a questão de juízos que pode ser feita do enredo, tomando como base o que aprendido com o texto. Note que ele vai desde a percepção mais linear da história até os níveis mais 9 complexos de entendimento e de encadeamento da narrativa, só sendo possíveis por conta das inferências mais complexas acerca do conjunto da narrativa, dos personagens e dos temas específicos de cada texto. 3. Vivenciar – é a atitude que o leitor tem de viver a história comose dela fizesse parte, se identificando com um personagem ou com um trecho do enredo. Nesse momento precisamos lembrar que a literatura dá a oportunidade ao leitor de vivenciar algo que não viveu efetivamente, por isso, depois de memorizar e de compreender o texto, o leitor pode vivenciar uma situação completamente diferente da sua realidade. 4. Imaginar – é a construção de imagens da narrativa, fazendo um desenho pessoal e mental do contexto e dos personagens. Os livros para leitores competentes não trazem imagens justamente por causa dessa habilidade. 5. Explorar – quando o leitor explora o texto, experimentando situações, sentimentos e sensações que não viveria em sua vida real. “Este é o fenômeno mais racional e emocionalmente elaborado da leitura”, de acordo com os autores citados, porque o envolvimento com a obra é tamanho que permite essa situação. Essa é a atitude mais elevada de vivenciar, por meio da fantasia e da ficção, aquilo que não pode ser experimentado na realidade. É importante lembrar que as atitudes destacadas estão interligadas e não ocorrem necessariamente nessa ordem. Variam também de acordo com o leitor e cada situação de leitura. NA PRÁTICA Na aula de hoje estudamos vários aspectos que nos permitem pensar no perfil do leitor brasileiro. Será que podemos dizer que a escola está formando, de fato, leitores proficientes? Que tal pesquisar mais sobre os índices em relação à leitura dos estudantes brasileiros? São vários os instrumentos utilizados pelos sistemas de ensino para avaliar a leitura no Brasil. Pesquise no site do INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) os resultados do SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica), que advêm de avaliações periódicas realizadas com estudantes de todo o Brasil. 10 O SAEB é “composto por um conjunto de avaliações externas em larga escala que permitem ao INEP realizar um diagnóstico da educação básica brasileira e de alguns fatores que possam interferir no desempenho do estudante, fornecendo um indicativo sobre a qualidade do ensino ofertado” (INEP, 2018). Uma das habilidades avaliadas por esses instrumentos é a leitura, desde a alfabetização até o ensino médio. Outra leitura que vale a pena ser feita é a do relatório da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, que está em sua quarta edição. Como sugestão de leitura literária, deixamos o texto Chuva Vermelha, de Guiomar Paiva Brandão, que pode inclusive ser utilizado em sala de aula. FINALIZANDO Vamos finalizar a aula de hoje retomando os principais tópicos sobre a formação de leitores. Pensando no leitor de hoje, temos que ele: • Possui diferentes características; • Possui fragilidades em sua formação; • Considera níveis e habilidades de leitura; • É competente; • Tem comportamentos e atitudes leitoras. 11 REFERÊNCIAS DEMO, P. O porvir: desafio das linguagens do século XXI. Curitiba: Ibpex, 2007. INEP. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Educação básica. Disponível em: <http://portal.inep.gov.br/educacao-basica/saeb>. Acesso em: 25 ago. 2020. LERNER, D. Ler e escrever na escola: o real, o possível, o necessário. Porto Alegre: Artmed, 2002. QUADROS, D. Metodologia do ensino da literatura juvenil. Curitiba: InterSaberes, 2018. ZANCHETA, J. Leitura de narrativas juvenis na escola. In: SOUZA, R. J. de (Org.). Caminhos para a formação do leitor. São Paulo: DCL, 2004.