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TEORIA E CRÍTICA LITERÁRIA AULA 5 Profª Angela Maria Fernandes Pimenta 2 CONVERSA INICIAL Olá, prezado(a) estudante. Nesta disciplina, estamos traçando um painel das principais teorias que embasaram os estudos literários. Anteriormente, você deve ter percebido que as teorias que estudamos analisavam o texto literário a partir da relação entre o texto e sua forma, como nos estudos formalistas. Os estudos do marxismo, por outro lado, analisavam o texto literário a partir de sua relação com a sociedade. Anteriormente, discutimos sobre a Estética da Recepção, cuja análise da obra está focada no papel ativo do leitor. Nesta aula exploraremos os estudos pós-estruturalistas da literatura, a fim de perceber como eles interferem na teoria e na crítica literária. A fim de que possamos compreender os estudos pós-estruturalistas, faremos uma contextualização histórica, desde a década de 1960 do século XX, a fim de que você compreenda como ocorre o fenômeno-chave desses estudos: a desconstrução, e, também, exploraremos o fato de que tais estudos não ocorrem apenas na literatura, mas em outras áreas da sociedade. Abordaremos a obra e as teorias do filósofo Jacques Derrida, enfocando especificamente na questão da desconstrução. Outro autor a ser estudado nessa aula será o francês Roland Barthes, cuja obra explora a questão da multiplicidade de significações de um texto literário. Além de Derrida e Barthes, apresentaremos informações essenciais sobre a chamada Escola de Yale, nos Estados Unidos, com ênfase na obra de Paul de Man. A fim de organizarmos seus estudos e consultas futuras, nossa aula está organizada em cinco seções: 1. Problematizações; 2. O pós-estruturalismo: linguagem e desconstrução; 3. Roland Barthes; 4. Paul de Man; 5. Balanço final: o pós-estruturalismo hoje. Após as cinco temáticas dessa aula, você será levado a uma reflexão sobre os aspectos abordados nessa aula, na seção Na prática. Boa leitura e bons estudos. 3 TEMA 1 – PROBLEMATIZAÇÕES Compreender o pós-estruturalismo exige que contextualizemos histórica e culturalmente esse período. A segunda metade do século XX foi palco de importantes movimentos sociais e estudantis por toda a Europa. Dentre esses importantes movimentos, vamos falar do chamado Maio de 1968, em Paris, pela sua influência em movimentos estudantis e juvenis pelo mundo todo, cujo grande objetivo era o questionamento das estruturas sociais nas quais estavam inseridos. O movimento de 1968 teve início nas universidades francesas, a partir de debates, atos, ocupações e protestos que culminaram em enfrentamentos dos manifestantes com a polícia francesa. As principais pautas desses jovens eram o questionamento do núcleo familiar, da moral, das questões de sexualidade e gênero, além da religião. Williams (2013) assim apresenta a importância desse movimento de 1968: Maio de 1968 pode ser interpretado como a mostra de que um diferente tipo de resistência... é possível: ... operando por meio de diferentes estruturas e corpos, abrindo-os a novas possibilidades, libertas de direções ideológicas e ou de uma lógica política estabelecida. Como um herdeiro de 1968, o pós-estruturalismo defende a espontaneidade, a fluidez e a abertura, nos movimentos políticos, de resistências. (Williams, 2013, p. 39) A partir desse movimento francês, surgiram nos Estados Unidos diferentes movimentos de contracultura com o intuito de defender os direitos civis dos negros, mulheres e homossexuais. Esses movimentos de contracultura têm em comum o processo de descontrução política que pretende organizar, a partir de uma ressignificação dos atos de linguagem, compreendida pela sua relação direta com o poder. A linguagem, então, não é mais vista como um código que atribui para cada significado um único significante, conforme pregavam os estruturalistas discípulos de Ferdinand de Saussure. Pelo contrário: a linguagem é uma teia de significantes que se encontram em constante intercâmbio. O movimento de Maio de 1968 também ficou conhecido como “o ano que nunca acabou” e representou um verdadeiro gatilho para uma verdadeira revisão 4 de valores e uma revolução social e comportamental que vai ser sentida nos estudos literários, que costumamos chamar de pós-estruturalismo. Nas ruas e nos muros de Paris, na época, era muito comum ver-se pichado o slogan “as estruturas não caminham pelas ruas”, referindo-se ao fato de que os estudos objetivos do Estruturalismo não dariam conta de explicar aqueles movimentos populares. O pós-estruturalismo, mais dinâmico e reconhecendo o poder das intervenções populares estava com suas bases então lançadas. TEMA 2 – O PÓS-ESTRUTURALISMO: LINGUAGEM E DESCONSTRUÇÃO Surgido após as intensas manifestações populares francesas dos anos 1960, o pós-estruturalismo é definido por Silva (2005. p. 118) como “uma continuidade e, ao mesmo tempo, como uma transformação relativamente ao estruturalismo”. Para Eagleton (1997), o pós-estruturalismo: Em lugar de ser uma estrutura bem definida, claramente demarcada, encerrando unidades simétricas de significantes e significados, ela [a linguagem] passa a assemelhar-se muito mais a uma teia que se estende sem limites, onde há um intercâmbio e circulação constante de elementos, onde nenhum dos elementos é definível de maneira absoluta e onde tudo está relacionado com tudo. (Eagleton, 1997, p. 178) Tanto o Estruturalismo quanto o pós-estruturalismo consideram a linguagem como um sistema de significação, porém, existem diferenças significativas entre as duas abordagens. Para o pós-estruturalismo interessa analisar os sistemas responsáveis pela construção dos significados. A linguagem deixa de ser vista como algo rígido e estável para ser compreendida como fluida e instável. Para os pós-estruturalista o poder e o saber relacionam-se por meio dos discursos, portanto a linguagem é uma construção sociopolítica, e não um puro sistema homogêneo de relações (Pinar et al., 2004). O pós-estruturalismo defende que não existe linguagem neutra, pois “homens/mulheres são constituídos pela e na linguagem, e não o contrário. Por conseguinte, é o lugar no qual o sujeito se constitui e onde deixa as marcas desse processo” (Ogiba, 1995, p. 234). 5 Se o pós-estruturalismo revê a questão da linguagem, é natural também uma revisão do papel do sujeito, uma vez que “não existe sujeito a não ser como simples e puro resultado de um processo de produção cultural e social” (Silva, 1995, p. 120). Ocorre, então, uma descontrução da linguagem e dos sujeitos. Em lugar de uma identidade única e coesa, o sujeito passa a ser fruto de diferentes formações discursivas que estão em constante cruzamento e conflito. O indivíduo está o tempo todo permeado pelas ideologias que o cercam e se manifestam em seus discursos e em sua linguagem (Orlandi, 2001. p. 46). A linguagem, assim, assume um caráter produtivo, e não apenas representativo de situações exteriores a ela. O pós-estruturalismo busca compreender os sujeitos como seres fragmentados, cuja fragmentação pode ser percebida em seus discursos, músicas, vestimentas, culinária e até práticas esportivas. A desconstrução é a principal estratégia do pós-estruturalismo e realiza a problematização de pares opositivos ou binários, tais como fala e escrita, dentro e fora, identidade e diferença, natureza e cultura. O principal representante da desconstrução pós-estruturalista é Jacques Derrida. 2.1 Derrida O fiolósofo argelino Jacques Derrida (1930-2004) foi o grande nome da teoria da desconstrução. Derrida é um dos maiores intelectuais do pós- estruturalismo, tendo lecionado por muitos anos na Universidade de Yale, nos Estados Unidos. O termo desconstrução aparece pela primeira vez na obra Gramatologia (1973). A desconstrução de Derrida émais que uma teoria do conhecimento ou uma filosofia da linguagem. É uma estratégia de análise textual que permite desvelar fatos escondidos ou não explícitos, portanto o fenômeno da desconstrução em Derrida está diretamente relacionado com a linguagem. Para formular a teoria da desconstrução, Derrida parte de um questionamento do conceito de signo linguístico de Saussure, segundo o qual para cada significado corresponderia um significante. A linguagem e os usos que se fazem dela são, para Derrida (1973), complexos e instáveis, e não poderiam ser explicados pela relação significante/significado, uma vez que não haveria uma correspondência única entre eles. 6 A linguagem, portanto, é definida como uma cadeia infinita de significantes, e por meio da desconstrução, entendida como uma operação ativa sobre o texto, os significados são revelados. O significado é sempre algo contextual e relacional, portanto depende do contexto onde foi produzido e interpretado. Cada intervenção sobre um determinado texto (leitura) é singular e irredutível, pois por meio da desconstrução, os sentidos são esclarecidos, revelando tudo que existe no texto, inclusive os significados que não são explícitos. A desconstrução visa, portanto, um questionamento da estrutura interna dos textos. Conforme mencionamos anteriormente, Derrida questiona a lógica binária ocidental (bem X Mal, bondade X maldade, homem X mulher), que sempre entende o mundo por meio de oposições tidas como verdades universais. Em um autêntico movimento de desconstrução seria imperativo colocarmos no centro do discurso e da análise aquilo que sempre esteve às margens, em uma existência periférica. TEMA 3 – ROLAND BARTHES O ensaísta, escritor e professor francês Roland Barthes (1915-1980) é autor de obras fundamentais dentro daquilo que estamos denominando de pós- estruturalismo. Suas obras influenciaram os estudos da filosofia, da antropologia, da literatura, da linguagem, da comunicação e das artes. Sua primeira obra, O grau zero da escritura (1963), marca o início de sua fama como ensaísta. Inicialmente, Barthes produziu obras de cunho estruturalista, as quais pretendiam garantir um estudo científico da linguagem, voltando-se para a imanência do texto e tendo sido influenciado pelas ideias de Ferdinand de Saussure. Porém, em 1970, com a publicação da obra S/Z, na qual Barthes analisa o conto Sarrasine, de Balzac, uma grande mudança ocorre nos estudos de Barthes e, a partir daí, suas ideias associam-se ao pós-estruturalismo, na medida em que ocorre um questionamento do próprio estruturalismo e passa a colocar- se contrário às análises imanentes do texto. A partir da obra S/Z (1970), a narrativa é definida por Barthes como uma combinação de diversas estruturas que se articulam enquanto vozes de um texto. 7 Para Barthes, o realismo seria uma espécie de ideologia literária na medida em que oferece a realidade “tal como ela é” para o leitor, sem as deformações encontradas no Romantismo e no Simbolismo. Em muitos aspectos, pode-se associar as ideais de Barthes com as de Wolgang Iser, grande teórico da Estética da Recepção, uma vez que ambos exploram a relação que o leitor estabelece com a literatura. Uma das ideias mais importantes para compreendermos a obra de Barthes é a sua definição de texto. Antes de explorarmos o texto em Barthes, gostaríamos de relembrar a definição de texto para outras correntes da teoria literária, conforme você pode acompanhar no Quadro 1: Quadro 1 – Definições de texto Formalismo Russo Texto como objeto imanente. New Criticism Texto como objeto imanente, porém dotado de elementos internos e externos. Estruturalismo Texto como resultado da combinação de estruturas, porém sem ser afetado por elas. Estética da recepção Texto como objeto semiótico, que necessita do leitor para a construção dos significados. Fonte: Pimenta, 2022. Após essa breve revisão da concepção de texto para as diferentes abordagens, vamos explorar a concepção de texto em Barthes. O texto é abordado em sua produtividade como algo dinâmico e plural, o qual “não corresponde a uma interpretação, mesmo a uma liberal, mas a uma explosão, a uma disseminação” (Barthes, 1977, p. 159). O texto é sempre um evento intertextual, sendo fruto do cruzamento de outros tantos textos. Conforme as palavras de Barthes: O texto é tecido, inteiramente, com citações, referências, ecos, linguagens culturais (qual linguagem não o é?), anteriores ou contemporâneas, que o atravessam em uma vasta estereofonia. A intertextualidade em que cada texto é organizado, sendo, ele mesmo, o entre-texto de outro texto, não deve ser confundida com alguma origem do texto: tentar encontrar as ‘fontes’, as ‘influências’ de uma obra, é cair no mito da filiação; as citações que organizam o texto são anônimas, não podem ser seguidas, e, ainda assim, são já lidas: são citações sem aspas. (Barthes, 1977, p. 160) 8 Uma vez que o texto é tecido por diferentes vozes, para Barthes não existiria um sentido correto ou uma interpretação melhor que a outra. O texto é fruto de um verdadeiro entrecruzamento entre ele e o leitor que, ao tocarem-se, produzem um novo sentido. Portanto, para Barthes, há uma progressiva anulação da importância do autor, uma vez que toda leitura é um ato de inscrição do texto no leitor e do leitor no texto. Esse ato é denominado de escritura e garante que autor e leitor sejam produtores de sentido. A Literatura seria, então, autônoma, pois não depende do escritor e nem do contexto no qual foi produzida. A importância dessa atuação do leitor na produtividade do texto é assim definida por Barthes (2004): assim se desvenda o ser total da escritura: um texto é feito de escrituras múltiplas, oriundas de várias culturas e que entram umas com as outras em diálogo [...]; mas há um lugar onde essa multiplicidade se reúne, e esse lugar não é o autor, [...]o leitor é o espaço mesmo onde se inscrevem, sem que nenhuma se perca, todas as citações de que é feita uma escritura; a unidade do texto não está em sua origem, mas no seu destino [...] a obra é um fragmento de substância, ocupa alguma porção do espaço dos livros. Já o texto é um campo metodológico. [...] o texto mantém-se na linguagem: ele só existe tomado num discurso. (Barthes, 2004, p. 64-67) A produtividade dos textos é um conceito central em Barthes, pois ela garante a capacidade de produção de sentidos múltiplos para um texto, na medida em que tais sentidos mudam a cada leitura. Nesse sentido, a própria crítica literária seria uma segunda linguagem, pois trata-se de uma linguagem construída sobre a linguagem da obra. TEMA 4 – PAUL DE MAN A Universidade de Yale, nos Estados Unidos, foi palco, durante as décadas de 1970 e 1980, para a formação de um grupo de críticos literários que procuravam trazer para seus estudos as ideias deconstrucionistas de Jacques Derrida (que foi professor em Yale) aliadas aos estudos freudianos aplicados à literatura. Esse grupo teórico ficou conhecido como Escola de Yale, e um dos principais nomes é o belga Paul de Man (1919-1983), cujas ideias retomam Derrida. 9 A poupularidade de Paul de Man no meio acadêmico foi prejudicada, pois quatro anos após a sua morte foram descobertos textos de caráter antissemita que teriam sido publicados por ele em um jornal belga durante a Segunda Guerra. A proposta principal de De Man é a desconstrução total de todos os artifícios da linguagem. Para ele, o discurso literário desconstroi-se a si mesmo, na medida em que toda linguagem seria uma espécie de metalinguagem e as figuras de linguagem ou usos conotativos da linguagem seriam os elementos constitutivos fundamentais do discurso literário, e não meros recursos de estilo. Paul de Man defendeu a leitura retórica em oposição a uma leitura essencialista do texto literário. De Manaborda o texto em uma perspectiva formal que privilegia a força significativa da linguagem. Os leitores retóricos desvalorizam o contexto de produção e de recepção de uma obras literária, centrando-se ideia de que o sujeito (visto como universal, centrado, estável e autoconsciente) seria capaz de construir um conhecimento sobre o mundo – verdades sobre este mundo e sobre si mesmo – são, paulatinamente, substituídas por leituras localizadas (por aquilo que se pode chamar de “pontos de vista” nos mecanismos de ruptura e desconstrução do texto). Portanto, a estrutura verbal do discurso é retórica, e não gramatical. De Man concentra-se em analisar quais seriam as figuras retóricas capazes de produzir desconstruções ou quebras na leitura, uma vez que todo texto seria, por essência, figurativo. Ao retomar a distinção entre alegoria e metáfora, De Man afirma que a alegoria cria um conceito concreto, enquanto que a metáfora é um símbolo que evoca uma apreensão mais profunda e abrangente por parte do leitor. Partindo desse pressuposto, nenhum texto pode dizer tudo que ele significa, pois a leitura seria uma componente essencial para os sentidos de qualquer produção. Para De Man (1986), a Filosofia, o Direito e a Teoria Política também funcionariam com base em metáforas, sendo, em última análise, espécies de ficção. De Man entende a crítica como uma espécie de metáfora do ato de ler, uma vez que o crítico pode dizer coisas que o texto não diz, contribuindo para a sua desconstrução. 10 TEMA 5 – BALANÇO FINAL: O PÓS-ESTRUTURALISMO HOJE O pós-estruturalismo é um movimento com base filosófica que busca compreender as novas características do mundo ocidental a partir da década de 1960. Nesse sentido, contribuiu para o desenvolvimento de uma nova forma de se compreender a realidade social, entendendo que os sujeitos se constroem a partir das relações entre poder e saber. O conceito de desconstrução, que é a palavra-chave do pós- estruturalismo, atua no sentido de diminuir a existência de verdades absolutas e, por isso, vem influenciando diferentes campos do saber. É, portanto, inegável a influência do conceito de desconstrução na Psicologia, na teoria Queer, na Sociologia, na Antropologia e na Arquitetura. O pós-estruturalismo exerce importante contribuição também para os estudos da tradução, auxiliando na compreensão do papel do tradutor e do próprio ato da tradução. Com base nas ideias de Roland Barthes, o tradutor passa a ser visto como um novo autor, responsável pela ativação e sobrevida do texto literário. Esses estudos pós-estruturalistas contribuíram ainda para a ideia da não neutralidade da pessoa que traduz. A tradução pós-estruturalista é vista como um ato criativo, no qual não se nega o poder do tradutor. Para o pós-estruturalismo, a ideologia e o poder são constituintes das relações sociais e isso ocasiona a abertura das discussões nas mais diferentes áreas do saber para questões como identidade/alteridade/diferença, bem como questões de gênero, raça, etnia. O pós-estruturalismo contribui, hoje, para que se construam reflexões acerca da prática de pesquisa educacional, abrindo a análise para a heterogeneidade dos sujeitos e as problemáticas estruturas de poder. Quando mencionamos que o pós-estruturalismo questiona as relações sociais e de poder, nos valemos das palavras de Aguilar e Gonçalves (2017) para esclarecer que tipos de relações são questionadas pelos pós- estruturalistas: As relações de dominação ultrapassam as barreiras da economia capitalista, vão além de explorador e explorado, ricos e pobres, patrão e empregados, visto que incluem outras diferentes formas de dominação, como dos homens contra as mulheres, dos brancos contra os negros, dos heterossexuais contra os homossexuais, entre outros. É justamente essas outras formas de dominação que a perspectiva 11 pós-estruturalista vem questionar, com o objetivo de desconstruir esses conhecimentos que foram produzidos culturalmente, resultando na exclusão das minorias. (Aguilar; Gonçalves, 2017, p. 38) Desconstruir, de acordo com Derrida, significa inverter a hierarquia que está posta no mundo e nas relações humanas. Desconstruir, porém, não é sinônimo de “destruir”, e sim de subverter, modificar. O pós-estruturalismo busca compreender as novas identidades que passam a se afirmar no momento em que vivemos e que nascem de contestações às identidades tradicionais e fixas, como a identidade patriarcal masculina. A negação de um sujeito universal e estável, capaz de construir conhecimentos sobre o mundo é substituída pela ideia de “pontos de vista” diferentes sobre uma mesma realidade e conceitos em constante transformação. Os questionamentos pós-estruturalistas e relação às “verdades absolutas” exigem também um repensar sobre a própria construção do conhecimento científico, seus métodos e técnicas. A ciência não é mais encarada como verdade inquestionável, uma vez que o discurso científico torna-se também objeto de análise e desconstrução. NA PRÁTICA Gostaríamos que você executasse quatro movimentos hipotéticos para que possamos abordar alguns conceitos discutidos nesta aula. Podemos contar com você? Vamos lá. 1. Primeiramente, imagine que você se depare com a seguinte frase escrita em um cartaz: “Ana Maria ficou em pé”. Pense nos sentidos que podem ser construídos em seu imaginário a partir da leitura da frase. A) Como você imagina a Ana Maria retratada na frase anterior? B) Onde imaginaria que ela estaria para ter se levantado? 2. Agora, imagine que, ao ler a frase, você possui alguma referência sobre a pessoa de quem fala a frase. Se você soubesse, por exemplo, que Ana Maria é uma doce vovó de 15 netos. Pense nessa situação: 12 A) A imagem que você construiu dela a partir dessa referência condiz com a imagem que você criou anteriormente? B) E sabendo que se trata de uma avó de 15 netos, por que ela teria se levantado? Em que situação isso ocorreu? Percebeu como as interpretações que você construiu para a frase não dependem dos elementos linguísticos que a compoẽm, mas da imagem que você deles constrói ou das referências prévias que possui? 3. Agora, pense em outra cena: você leu a célebre obra da literatura nacional Dom Casmurro, de Machado de Assis, ainda na adolescência, e 20 anos depois volta a lê-la. A) Nessa situação, você oncorda que a interpretação que fará e os sentidos que construirá para o texto, provavelmente, serão muito distintos nas duas ocasiões? Essa diferença de interpretação em fases distintas da vida comprova, também, que nossas vivências e experiências pessoais interferem nas leituras que fazemos. 4. Agora, pensemos em uma última situação hipotética: você lê um poema cujo autor é desconhecido. Você lerá o poema e construirá sobre ele a sua leitura. E se, ao ler o poema você já tiver a referência de que o poema é considerado a obra-prima de um grande autor nacional, como Carlos Drummond de Andrade, por exemplo. A leitura que você fará do texto, com certeza, será de certa forma influenciada pela crítica literária que já se fez sobre esse autor e esse texto. Essas situações hipotéticas que trouxemos nesta aula nos permitem refletir sobre duas questões essenciais: A) Até que ponto a linguagem humana pode ser precisa ou neutra? B) Até que ponto agimos de acordo com os valores que são definidos pelos usos linguísticos que fazemos? Para o pós-estruturalismo, conforme vimos nesta aula, o crítico literário deve ter a capacidade de analisar uma obra sob diferentes perpectivas, para que diferentes interpretações possam ser construídas. E essas interpretações podem mudar de acordo com diferentes variáveis que influem nas percepções do leitor. 13 FINALIZANDO A perspectiva teórica do pós-estruturalismo surgiu durante os anos de 1970, atrelada às agitaçõespolíticas da segunda metade do século XX. Uma vez que surge em um determinado momento histórico, sempre deve ser entendido nesse contexto das lutas sociais dos anos 1960 e 1970. O pós-estruturalismo explora as relações entre linguagem, ideologia e poder. O pós-estruturalismo questiona as propostas essenciais do Estruturalismo e propõe em seu lugar a ideia de que o significante não se refere a nenhum significado definitivo, desconstruindo as relações unilaterais entre significante e significado. A ideia-chave do pós-estruturalismo é a desconstrução, entendida como uma estratégia de leitura (de textos e do mundo) que procura subverter as oposições binárias que geralmente os constroem, apontando para uma espécie de violência presente na linguagem. Inicialmente, falamos de Jacques Derrida e a concepção de que a linguagem é uma teia de significações. Essa teia de significação é definida por Eagleton (1997, p. 178) como algo que “se estende sem limites, onde há um intercâmbio e circulação constante de elementos, onde nenhum dos elementos é definível de maneira absoluta e onde tudo está relacionado com tudo”. Para Derrida, o que caracteriza a linguagem são seus usos complexos e instáveis. Sendo assim, o significado é sempre algo relacional e contextual. Abordamos também como as ideias desconstrucionistas influenciaram os críticos da Escola de Yale, nos Estados Unidos, e a obra de Paul de Man, para quem toda linguagem é metafórica e, portanto, não haveria sentidos literais em sua essência. Paul de Man afirma ainda que a linguagem literária enfraquece constantemente seu próprio significado, portanto não há a necessidade da crítica literária efetuar a desconstrução: o obra descontroi-se a si mesma. Outro crítico que estudamos nesta aula foi Roland Barthes e suas inegáveis contribuições para a teoria e a crítica literárias. Barthes coloca-se radicalmente contrário às análises imanentistas do texto literário, o qual é visto por ele como um evento plural e intertextual. 14 Vale mencionar que outros autores pós-estruturalistas destacam-se no cenário da teoria e da crítica literária: o historiador francês Michel Foucault, o psicanalista francês Jacques Lacan e a crítica feminista Julia Kristeva. 15 REFERÊNCIAS AGUILAR, M. A. B.; GONÇALVES, J. P. Conhecendo a perspectiva pós- estruturalista: breve percurso de sua história e propostas. Revista Conhecimento Online, Novo Hamburgo, ano 9, v. 1, jan./jun. 2017, p. 36-44. BARTHES, R. Análise estrutural da narrativa. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1973. _____. O grau zero da escritura. São Paulo: Cultrix, 1973. _____. O prazer do texto. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 2002. _____. O rumor da língua. Trad. Mario Laranjeira. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004. _____. S/z. Lisboa: 70, 1980. DE MAN, P. The resistance to theory. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1986. DERRIDA, J. Gramatologia. São Paulo: Editora Perspectiva, 1973. EAGLETON, T. Teoria da Literatura: uma introdução. Tradução de Waltensir Dutra. São Paulo: Martins Fontes, 1997. OGIBA, S. M. M. A produção do conhecimento didático e o pós-estruturalismo: potencialidades analíticas. In: VEIGA-NETO, Alfredo J. (org). Crítica pós- estruturalista e educação. Porto Alegre: Sulina, 1995. ORLANDI, E. P. Análise do discurso: princípios e procedimentos. 3. ed. Campinas, SP: Pontes, 2001. PINAR, W. F. et al. Understanding curriculum: an introduction to the study of historical and contemporany curriculum discourses. New York: Counterpoints, 2004. SILVA, T. T. da. O projeto educacional moderno. In: VEIGA-NETO, Alfredo J. (org). Crítica pós-estruturalista e educação. Porto Alegre: Sulina, 1995. SILVA, T. T. da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. WILLIAMS, J. Pós-estruturalismo. Tradução de Caio Liudvik. 2. ed. Petropolis, RJ: Vozes, 2013.
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